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AS SOBREVIVÊNCIAS INICIÁTICAS

Robert Ambelain

O Martinismo Contemporâneo e Suas Verdadeiras


Origens

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Nota do Editor

A Grande Loja da França publicará e venderá incessantemente


uma obra sobre o “Simbolismo Maçônico”. O Grande Oriente da
França e a Grande Loja da França, pela voz da radiofusão, dirigem-se
regularmente ao público, e o primeiro comentou nela até mesmo as
famosas “Constituições de Anderson”. Enfim, o Rito Escocês
Retificado autorizou Robert Ambelain, pela interpretação de seu
Grande-Prior e de seu Grande Chanceler, publicou nesta coleção um
estudo preciso e detalhado sobre as fontes, que permaneceram
secretas até este dia, de sua verdadeira afiliação. Vale dizer que os
Martinistas contemporâneos não poderiam culpar o autor pelo
presente estudo e sobre o que ela lhes traz. Ele, na verdade, apenas
tirou partido dos documentos já publicados, mas esparsos, para
confrontá-los e para concluí-los. Quanto às cartas do qual ele nos
fornece os extratos, tratam-se de documentos para os quais ele
recebera de um Membro de seu primeiro Supremo Conselho de 1884,
uma autorização para o livre uso em sua obra precedente sobre a
questão.

As conclusões que ele tira são compartilhadas pelos Martinistas


qualificados, uma vez que na mesma época em que o Manuscrito
deste estudo nos foi remetido: para fins de edição, o Grande Mestre
da Ordem Martinista Tradicional se demitiu por consequência das
mesmas conclusões.

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Enfim, os Martinistas sinceros creem que iniciados da
envergadura de Martinez de Pasqually, de Louis-Claude de Saint-
Martin e de Jean-Baptiste Willermoz aprovariam todas as quimeras,
as ilusões e os erros históricos aos quais alguns dentre seus
sucessores apelaram para afirmar uma adesão que apenas tira,
primeiramente, seu valor e sua potência da sinceridade que nela
preside.

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INTRODUÇÃO

Confiamos nos serviços de estudos da A. R. O. T. (1) e nas


Edições de “Destinos”, o presente estudo sobre as origens verdadeiras
do Martinismo, este vasto movimento filosófico e místico que foi, por
muito tempo, considerado por certos católicos como a sinagoga
diabólica onde se elaboravam as mais secretas palavras de ordem da
Franco-Maçonaria. Para aqueles de nossos leitores que se interessam
mais pela questão poderão se reportar à obra que acabamos de
publicar sobre este assunto, nesta simples brochura, destinada a
deixar claros alguns pontos que ficaram obscuros sobre as origens do
Martinismo, para completar tais capítulos de nosso livro ou para
corrigir alguns erros involuntariamente cometidos a esse respeito, não
abordaremos o lado doutrinário desta escola. É seu único aspecto
histórico que nos interessa aqui. Nisto, nos conformamos à regra
igualmente observada em estudos semelhantes, atualmente sob
edição: a Rosa-Cruz, a Gnose, a Franco-Maçonaria, o
Companheirismo. É por isso que denominamos esta pequena coleção:
“As Sobrevivências Iniciáticas do Ocidente”. E para bem cobrir o clima
no qual vão se gerar nossas observações, nossas críticas, e nossas
conclusões, não poderíamos fazer melhor do que citar tais passagens
do livro altamente esclarecedor de René Guénon, obra após a qual
parece mesmo que o problema tenha sido totalmente esgotado quanto
aos próprios princípios da Iniciação. Da opinião de todos os familiares
dessas questões, “Percepções sobre a Iniciação” é um verdadeiro
“compêndio” iniciático, mais ainda, uma “soma”…

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Ora, eis as conclusões de René Guénon sobre as origens, a
afiliação, a regularidade, da Iniciação considerada como princípio
transcendente da evolução espiritual, do verdadeiro fermento
transmutador das almas.

“A iniciação implica três condições que se apresentam em


modo sucessivo, e que poderíamos fazer corresponder
respectivamente aos três termos de ‘potencialidade’, de
‘virtualidade’ e de ‘atualidade’: 1) a ‘qualificação’,
constituída por certas possibilidades inerentes à natureza
do próprio indivíduo, e que são a matéria-prima sobre a
qual o trabalho iniciático deverá efetuar-se; 2) a
transmissão, por meio da ligação a uma organização
tradicional, de uma influência que dá ao ser a ‘iluminação’
que lhe permitirá ordenar e desenvolver essas
possibilidades que carrega em si; 3) o trabalho interior pelo
qual, com o concurso de ‘adjuvantes’ ou ‘apoios’ externos,
se acontecer e, principalmente nos primeiros estágios, este
desenvolvimento será realizado gradualmente, fazendo
passar ao ser, de escala em escala, para encontrar os
diferentes graus da hierarquia iniciática, para conduzi-lo
ao objetivo final da ‘Liberação’ ou da ‘Identidade Suprema’.”

(1) Associação para a Renovação do Ocultismo Tradicional.

O ligamento a uma organização tradicional regular, nós


dissemos, não é somente uma condição necessária à iniciação, mas é
o que propriamente constitui a iniciação no sentido mais estrito, tal

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como o define a etimologia da palavra que a designa “ou como uma
regeneração”; “segundo nascimento”, porque ela abre ao ser um outro
mundo além daquele que se exerce a atividade de sua modalidade
corporal, mundo que será para ele o campo de desenvolvimento de
possibilidades de uma ordem superior; “regeneração”, porque ele
restabelece, assim, este ser nas prerrogativas que eram naturais e
normais às primeiras idades da humanidade, ao passo que este não
tinha ainda se afastado da espiritualidade original para afundar-se
cada vez mais na materialidade, como ela devia fazê-lo ao curso das
épocas ulteriores, e porque ele deve conduzir, primeiramente, como
primeira etapa de sua realização, para a restauração nele do “estado
primordial”, que é a plenitude e a perfeição da individualidade
humanidade, que reside no ponto central único e invariável de onde o
ser poderá, em seguida, elevar-se aos estados superiores.

É bem evidente que não se pode transmitir a não ser aquilo que
se possui, por conseguinte, é preciso necessariamente que uma
organização seja efetivamente depositária de uma influência espiritual
para poder comunicá-la aos indivíduos que se ligam a ela; e isso
exclui, imediatamente, todas as formações pseudoiniciáticas, tão
numerosas em nossa época, e desprovida de qualquer característica
autenticamente tradicional. Nessas condições, de fato, uma
organização iniciática não poderia ser o produto de uma fantasia
individual; ela não pode ser fundada à maneira de uma associação
profana sobre a iniciativa de algumas pessoas que decidem se reunir,
adotando qualquer forma e, mesmo se essas formas não são
inventadas em todas as suas partes, mas tiradas de ritos, realmente
tradicionais, cujos fundadores teriam tido algum conhecimento por

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“erudição”, elas não seriam válidas para isso, a despeito da afiliação
regular, da transmissão de influência espiritual é impossível e
inexistente, ainda que, em tal caso, pois tem-se conexão com uma
vulgar contravenção da iniciação. A mais forte razão para isso é
quando se trata apenas de reconstituições puramente hipotéticas,
para não dizer imaginárias, de formas tradicionais desaparecidas há
um tempo mais ou menos distante, como as do Egito antigo ou da
Caldeia, por exemplo.

Acrescentemos ainda, como uma outra consequência do que


precede que, pela própria situação quando se trata de uma
organização autenticamente iniciática, os membros não possuem o
poder de mudar as formas a seu gosto ou de alterá-las no que elas
têm de essencial; isso não exclui certas possibilidades de adaptação
às circunstâncias que, aliás, se impõem aos indivíduos, ainda mais
quando elas não derivam de sua vontade, mas que, em todo caso, são
limitadas pela condição de não causar golpes aos meios pelos quais
estão asseguradas a conservação e a transmissão da influência
espiritual da qual a organização considerada é depositária; se esta
condição não é observada, resultaria disso uma verdadeira ruptura
com a tradição, que faria perder a esta organização sua
“regularidade”. Além disso, uma organização iniciática não pode
validamente incorporar a seus ritos elementos tomados de outras
formas tradicionais a não ser a que segue aquela à qual ela é
regularmente considerada (I); de tais elementos, cuja adoção teria um
caráter bem artificial, representaria apenas simples fantasias
superficiais, sem nenhuma eficiência do ponto de vista iniciático, e
que, por conseguinte, não acrescentaria absolutamente nada de real,

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porém, cuja presença não poderia mesmo ser, em razão de sua
heterogeneidade senão uma causa de perturbação e de desarmonia; o
perigo de tais misturas é, quanto ao resto, longe de ser limitado ao
único domínio iniciático, e está aí um ponto bastante importante para
merecer ser tratado à parte. As leis que presidem o manejamento das
influências espirituais são, aliás, uma coisa complexa demais e
delicada demais para aqueles que não possuem um conhecimento
suficiente, podem permitir-se de realizar impunemente modificações
mais ou menos arbitrárias a formas ritualísticas onde tudo tem sua
razão de ser, ou cujo alcance exato arrisca muito de lhes escapar.
Dissemos precedentemente que a iniciação propriamente dita consiste
essencialmente na transmissão de uma influência espiritual,
transmissão que só pode ser efetuada por meio de uma organização
tradicional regular, de tal modo que não se poderia falar de iniciação
fora da ligação a uma tal organização. Deixamos bem claro que a
“regularidade” devia ser entendida como a exclusão de todas as
organizações pseudoiniciáticas, isto é, todas aquelas que, quaisquer
que sejam suas pretensões e de qualquer aparência que elas se
revistam, não são efetivamente depositárias de nenhuma influência
espiritual e não podem, por conseguinte, nada transmitir.

(1) É assim que, muito recentemente, alguns quiseram tentar


introduzir na Maçonaria, que é uma forma iniciática tipicamente
ocidental, elementos tomados das doutrinas orientais, das quais
possuíam, aliás, apenas um conhecimento bem externo; encontrar-
se-á um exemplo bem citado no esoterismo de Dante, p. 20.

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Na realidade, é desde então fácil de compreender a importância
capital que todas as tradições dão valor ao que é designado como
cadeia iniciática, ou seja, a uma sucessão que assegura de uma
maneira ininterrupta a transmissão do qual se trata; fora desta
sucessão, de fato, a própria observação das formas ritualísticas seria
vã, pois nela faltaria o elemento vital essencial à sua eficácia.

Retornaremos mais precisamente pela sequência sobre a


questão dos ritos iniciáticos, mas devemos a partir de agora
responder a uma objeção que pode apresentar-se aqui: esses ritos,
dir-se-á não têm eles por si mesmo uma eficiência que lhes é
inerente? Eles possuem mesmo um efeito, uma vez que, se não forem
observados, ou se forem alterados em qualquer um de seus elementos
essenciais, nenhum resultado efetivo poderá ser obtido; mas, se há aí
uma condição necessária, ela não é, no entanto, o suficiente e é
preciso, além disso, para que esses ritos tenham seus efeitos eles
devem ser realizados por aqueles que têm a qualidade de executá-los.
Isso, aliás, não é em nada particular aos ritos iniciáticos, mas o
mesmo se aplica muito bem aos ritos de ordem esotérica, por
exemplo, aos ritos religiosos, que possuem igualmente sua própria
eficiência, mas que não podem mais ser executados validamente por
qualquer um; assim, se um rito religioso requer uma ordenação
sacerdotal, aquele que não recebeu esta ordenação terá muita
dificuldades de observar dela todas as formas e mesmo leva a ela a
intenção querida (2), não conseguirá dela nenhum resultado, porque
não é o portador da influência espiritual que deve operar ao tomar
essas formas ritualísticas como suporte (3).

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Em tais condições, é fácil compreender qual é o papel do indivíduo
que confere a iniciação a um outro é bem verdadeiramente um papel
de “transmissor” no sentido mais exato dessa palavra; não se trata
pelo fato de ser um indivíduo, mas pelo fato de ser um suporte de
uma influência que não pertence à ordem individual; é unicamente
um anel da “cadeia” cujo ponto de partida está fora e além da
humanidade. É por isso, que não se pode agir em seu próprio nome,
mas em nome da organização à qual ele está ligado e da qual (1) esta
palavra “cadeia” é aquela que traduz do hebraico Shelsheleth, do
árabe silsilah, e também do sânscrito parampard, que exprime
essencialmente a ideia de uma sucessão regular ininterrupta.

(2) Formulamos expressamente aqui esta condição da intenção para


melhor deixar claro que os ritos não poderiam ser um objeto de
“experiências” no sentido profano desta palavra; aquele que quisesse
realizar um rito, de qualquer ordem que fosse, por simples
curiosidade e para experimentar-lhe os efeitos, poderia estar bem
certo antecipadamente que este efeito será nulo.

(3) os próprios ritos que não requerem especialmente uma tal


ordenação não podem também ser executados por qualquer um
indistintamente, pois a adesão expressa na forma tradicional à qual
eles pertencem é, de qualquer forma, uma condição indispensável
para sua eficiência.

Ele detém seus poderes, ou ainda mais exatamente, em nome


do princípio que esta organização representa visivelmente. Isso
explica, aliás, que a eficiência do rito realizado por um indivíduo, seja

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independente do valor próprio deste indivíduo como tal, o que é
verdadeiro igualmente para os ritos religiosos; e não o entendemos no
sentido “moral”, o que seria evidentemente sem demais importância
em uma questão que é, na realidade, de ordem exclusivamente
“técnica”, mas no sentido em que, mesmo que o indivíduo
considerado não possua o grau de conhecimento necessário para
compreender o sentido profundo do rito e da razão essencial de seus
diversos elementos, este rito não será reduzido em seu pleno efeito se,
estando regularmente investido da função de “transmissor”, ele o
executa observando todas as regras prescritas, e com uma intenção
que basta para determinar a consciência de sua ligação à organização
tradicional. Disso deriva imediatamente esta consequência, que
mesmo uma organização na qual não se encontraria mais a um certo
momento o que chamamos de iniciados “virtuais”, (e voltaremos ainda
a este ponto na sequência) não ficaria menos capaz de continuar a
transmitir realmente a influência espiritual da qual é depositária;
basta para isso que a “cadeia” não seja interrompida; e, a esse
respeito, a fábula bem conhecida do “Asno que carrega relíquias” é
suscetível de uma significação iniciática digna de ser meditada (1).

Consideraremos, então, doravante o fato da “afiliação” como


tendo que ser estabelecida por meio de um cerimonial tradicional,
certificado por um documento manuscrito qualquer ou a posse de
“sinais” e “palavras” de comprovação regularmente reconhecida,
emanado de um possessor legítimo da dita filiação.

E consideramos como “irregular” uma pretensa afiliação que


não se repousaria a não ser em afirmações gratuitas, na posse de

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arquivos (tão raros e tão respeitáveis que elas sejam) ou a detenção de
instruções verbais; da qual a posse legítima e regular restaria para
ser comprovada.

(1) É importante observar, para este propósito, que as relíquias são


precisamente um veículo de influências espirituais; aí está a
verdadeira razão do culto do qual elas são objeto, mesmo se esta
razão não é sempre consciente nos representantes das religiões
exotéricas que parecem, às vezes, não dar-se conta do caráter muito
“positivo” das forças que eles manipulam, o que, aliás, não impede
essas forças de agir efetivamente, mesmo sem o conhecimento deles,
ainda que talvez com menor amplitude do que se elas fossem melhor
dirigidas “tecnicamente”.

I
OS INICIADOS DE SAINT-MARTIN

Alguns erros históricos foram escorregando em nossa obra


sobre o Martinismo, decidimos efetuar certas retificações. Como
havíamos declarado no curso desta obra, um documento é um
documento, e a história não se escreve com “tradições” verbais,
rapidamente deformadas.

É errado, principalmente, o que tínhamos escrito que o ramo


martinista lionês e o de Paris haviam se fundido. Isso devia ser coisa
feita na Liberação, porém, acontecimentos de ordem diversa
impediram, até os dias de hoje, essa fusão.

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Havíamos parado nosso manuscrito em 1944, e contávamos
colocar tudo nos eixos por ocasião da correção das provas, mas uma
doença de três meses não nos permitiu de proceder a isso. Pedimos
desculpas por isso.

Na página 172, déramos um estudo sobre as origens da Ordem


Martinista, trabalho que era obra de um amigo martinista. Ora, este
estudo chama certas observações. Retomemos o texto.

O público que se interessa pelas coisas iniciáticas, pelos


mistérios esotéricos, é considerável, declara o autor, e deve-se dizer
que um dos fatores de propagação dessas doutrinas é o renome da
Ordem Martinista. Mas, poucos estudantes do Oculto sabem
exatamente o que se deve entender por isso. É por isso que uma
revista que, desde sua fundação, coloca sobre sua capa o símbolo
desta Ordem, nos pareceu necessário dar alguns esclarecimentos
sobre esta Sociedade da qual muito se falou e, em geral, de modo
errado o que se entende por “Martinismo” é um conjunto de
considerações e estudos baseados sobre um ensinamento transmitido
por Louis-Claude de Saint-Martin, o “Filósofo Desconhecido”.
Encontraremos nesta revista estudos sobre a doutrina, a vida e as
obras deste Filósofo, e não insistiremos sobre isso, uma vez que se
trata aqui da Ordem propriamente dita.

A existência de uma “Ordem Martinista” é um fato preciso, e o


leitor menos avisado sabe que esta ordem foi fundada por Papus,
continuador de Saint-Martin. Todavia, está entendido que Papus é o
continuador de Saint-Martin e, como o próprio Papus diz, que esta

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Ordem tem por fundador os próprios Martinez de Pasqually e Louis-
Claude de Saint-Martin.

A verdade é outra! Papus foi a alma, o animador de um


movimento de renovação dos estudos esotéricos no final do século
XIX. Cercado por escritores de talento, de pesquisadores e eruditos,
ele se propôs e conseguiu fazer penetrar, mesmo no público menos
avisado, esta maneira de compreender o universo, a metafísica e a
ciência. Mas, Papus compreendeu rapidamente que para agrupar os
elementos esparsos aos quais ele entregara suas pesquisas, era
necessário uma Sociedade que unisse em um feixe de luz as
vontades, estudasse com disciplina os sistemas, e formasse uma elite
capaz de informar, de difundir, de acordo com um método apropriado,
este corpo de doutrinas que ele desejava com seus amigos ver
assumir uma extensão.

Foi assim que, iniciado em uma espécie de Maçonaria


particular, Papus teve a ideia de criar uma Ordem análoga, cujo modo
de trabalho seria sensivelmente o mesmo, e a disciplina interior
inspirada nas Ordens Maçônicas. E, já iniciado na tradição de Saint-
Martin, ele pensou em colocar, sob essa égide, esta Ordem que ele
compôs com seus amigos.

Já iniciado ele era, de fato, e remetemos ao Livro de G. Van


Rijnberk a esse respeito: nele veremos como ele teve que se juntar a
Martinistas já iniciados como ele, individualmente, para dar corpo a
esta Ordem, que nasceu em 1891.

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No entanto, era necessário apresentar alguma coisa que teve
origem, uma afiliação, uma tradição, e que colocava esta Ordem sob
este vocábulo, ele constatou que já havia existido no passado, no seio
da Maçonaria Escocesa, uma Ordem fundada por Martinez de
Pasqually e, fora da Maçonaria, um Agrupamento criado por Saint-
Martin. Não pretendemos julgar Papus, nem atacá-lo, no entanto, a
verdade histórica nos obriga a deixar claro que a ligação invocada por
Papus entre essas organizações e a que ele constituiu em 1891 é
totalmente fantasiosa e marca um desejo de justificação. Papus, em
um manifesto de 1908, publica que a Ordem Martinista foi fundada
por volta de 1750 por Martinez de Pasqually, continuada por Saint-
Martin, depois por Willermoz até em 1810, e que ela tomou um novo
vigor, pela constituição de um Supremo Conselho, em 1887,
anunciando que este Supremo Conselho do qual ele é o Presidente,
conserva arquivos desde 1767, ele deixa, então, entender que se está
diante de uma Sociedade que nenhuma solução de continuidade
venha perturbar, e que seu Chefe atual é o legítimo sucessor dos
precedentes.

(1) este texto estava destinado à revista Iniciação que devia ressurgir,
e cujas circunstâncias difíceis impediram o ressurgimento.

Ora, se é certo que uma unidade doutrinária religa os


detentores desta tradição, aí limita-se esta continuidade. A Ordem
fundada por Martinez de Pasqually desapareceu oficialmente e
oficiosamente na Convenção de Wilhemsbad, e, confrontada aos
Maçons, possuía um objetivo e um método de trabalho
completamente particulares. Nunca Saint-Martin continuou essa

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Ordem, que não existia sob essa denominação, e quanto ao resto,
como ele poderia, uma vez que tendo se demitido de qualquer
organização maçônica por sua carta de 4 de julho de 1790, só
começou a propagar seu sistema a partir de 1793 (1). Quanto a
Willermoz, preocupado com a Maçonaria Transcendental, consagrou
sua atividade, após a morte de Martinez, à Maçonaria Escocesa
Retificada, regime escocês dissidente, mas sempre maçônico.

Qual é, então, a afiliação da qual pode reivindicar Papus? Não


basta justificar em si a origem da Ordem Martinista tal como a
fundou Papus. Esta afiliação, que remonta a Saint-Martin, seja por
Chaptal, seja pelo Abade de la Noie, e que Van Rinjberk analisou no
tomo II de seu estudo sobre Martinez, não tem nenhuma relação com
a Ordem dos Cohens deste, mas muito mais com a “Sociedade dos
Filósofos Desconhecidos” da qual o barão de Tschoudy em sua
“Estrela Flamejante” (1784), dá os Estatutos. É a esta Ordem ou
confraria mística que contou com Khunrath, Gitchel, Salzmann,
Boehme, entre seus membros à qual se ligou Saint-Martin quando se
demitiu dos Cohens, da S.O.T. (2), etc. por sua carta de 1790, na
ocasião em que se encontrava em Estrasburgo. É a esta Ordem, que
reúne os “Irmãos do Oriente”, do qual um dos Patronos foi o
Imperador Alexis Comnène, e que é ainda mais antigo, que pertencem
os símbolos fundamentais e únicos do Martinismo, e as cartas que
acompanham o “Chrismon”, os seis pontos misteriosos da Ordem têm
também essa origem. É desta Fraternidade que Saint-Martin recebeu
as chaves da Via Interior. São elas que ele depositou entre as mãos de
sua “Sociedade dos Íntimos”, Sociedade cuja existência é atestada

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pela carta do professor Koister em 1795, citada por Rijnberk, e por
aquela endereçada a Von Meyer por J. Pont, da qual fala Gleitchen.

É, pois, unicamente esta “Sociedade dos Íntimos” de Saint-


Martin que Papus renovou, que ele constituiu uma Ordem, e à qual
ele deu uma forma maçônica alargada, isto é, que ele organizou sob a
forma de uma obediência real com Lojas, Grupos, Conselho Supremo
etc., alguma coisa de vago, de livre que ia ser afinada. Esta Ordem
Martinista conheceu uma atividade muito forte, a tal ponto (1) que
nosso amigo cometeu aí um histórico erro involuntário. Pesquisas
efetuadas por Le Forestier resultaram que foi exatamente em 1777
que Saint-Martin começou sua propaganda doutrinária pessoal.

(2) A Estrita Observância Templária.

Ponto em que não se pode mais falar de Saint-Martin e do


Martinismo sem evocar a existência imediata da Ordem com o mesmo
nome.

Com a morte de Papus (1916), assistiu-se a um florescimento


de membros do Supremo Conselho, proclamando-se cada um Grande
Mestre e fazendo-se cada um reconhecer por uma fração de membros!
Um publica um Ritual, um outro pretende manter o sistema das
iniciações livres e um outro, enfim, que reuniu o maior número de
adeptos, não se contentou com a Tradição Antiga de um quarto de
século desta Ordem; ele fez nela tantas modificações que assistiu-se
mesmo ao nascimento de uma nova Ordem. Retomando por sua
própria conta as afirmações de Papus, e alegando-se seu sucessor

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legítimo, pretendeu à afiliação regular de Martinez por iniciados
livres, que lhe teriam transmitido esta. Fechando a Ordem, assim,
renovada aos não-maçons, exigindo graus maçônicos anteriores à
admissão, rejeitando as mulheres, fabricando um Ritual, constituiu
um edifício que, do exterior, mantém-se em pé, e ao qual seus
comissários creem com uma fé cega (1).

Diante desses fatos, um número restrito, porém, suficiente de


sobreviventes do Supremo Conselho de 1891 reuniu-se em 1931 e
proclamou a perenidade da Ordem fundada por Papus com eles,
continuador da Sociedade dos Íntimos de Saint-Martin. Afirmando-se
os únicos com poderes para manifestar esta regularidade,
constituíram um Conselho Supremo que escolheu para Grande
Mestre, por eleição, como havia sido feito em 1891, o mais ancião em
idade profana e iniciática, e fundaram Grupos de acordo com o antigo
costume.

Paremos aqui e voltemos atrás.

1) Onde estão os documentos históricos que nos provam


que uma Ordem Iniciática contou em suas fileiras
Khunrath, Gitchel, Boehme e Salzmann? Em nenhum
lugar; é somente uma hipótese, plausível certamente, mas
uma hipótese, nascida por volta de 1943-44, que resultou
de conversas comuns entre diversos Martinistas e nós
mesmos. Tínhamos concluído para uma identidade
doutrinária indiscutível entre esses diversos autores, posto
que nada, no entanto, permitia comparar a uma afiliação

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ritualística. Com o tempo, a hipótese tornou-se “tradição”
sacrossanta…

2) Qual documento nos permite de contar esses mesmos


autores no número da “Sociedade dos Filósofos
Desconhecidos” do qual o Cosmopolita publicou os
Estatutos no século XVII, republicados em seguida na obra
do barão de Tschoudy? Nenhum…

3) Que documento nos fala dos “Irmãos do Oriente” do qual


um dos patronos de honra teria sido o Imperador Alexis
Comnènne? Nenhum. Se existe algum, a Ordem Martinista
deve, de boa fé, reconhecer que ela ignora o local de seu
depósito! Esta “hipótese” foi compartilhada por um SI de
boa fé, com o nome de Dupré, que a sustentava como uma
tradição verbal de um outro SI, de origem grega de nome
Semelas. De quem a detinha Semelas, nós o ignoramos,
mas nos lembraremos disso mais adiante… Quanto ao
Imperador Alexis Comnène, é o soberano que convidava os
cavaleiros dos estados do Ocidente para participar da
Cruzada, oferecendo-lhes em troca as “belas moças da
Grécia”… Estranho “iniciado” era na verdade que este
imperador proxeneta, que convocou por sua conta dois
concílios em Constantinopla, no curso do ano 1120,
concílios no curso dos quais, a seu pedido, abriu-se o
processo dos Cátaros do Oriente, processo que terminou
mais tarde com o saque de Béziers, de Carcassonne, e a
ruína do Midi da França. É ainda este “iniciado” que

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mandou solenemente queimar vivo em Constantinopla, o
doutor Basilicos, chefe dos Cátaros do Oriente por sua
teimosia no erro…, (sic. Ver o “Dicionário dos Concílios”, do
Abade Migue. (Paris 1846), página 773.

(1) Trata-se aí de Téder.

4) Que documento, que carta nos permitem supor que


Louis-Claude de Saint-Martin foi “iniciado
ritualisticamente” por Salzmann? Nenhum…

Matter, em seu “Saint-Martin”, páginas 160 e 181, nos mostra o


pouco de duração das relações entre esses dois homens e suas
diferenças de concepção: “Após a separação deles, eles apenas
trocaram algumas cartas”. Isso nos parece definitivo.

5) “É a esta Ordem ou confraria mística à qual pertenciam


os símbolos fundamentais e únicas do Martinismo, e as
cartas que acompanham o Chrismon. Os seis pontos
misteriosos da Ordem tem também sua origem” , nos diz
nosso autor. Possível. Mas eis uma tradição que ignoram
Papus e Chaboseau pai, por ocasião da constituição do
primeiro Supremo Conselho de 1891 e que chega até nós
pelo mesmo Semelas.

Ora, não ignoramos que, durante a 1 a Grande Guerra 1914-


1918, quando o Kaiser vislumbrou em se fazer-se proclamar
“Imperador do Oriente”, o clero ortodoxo grego devia proceder ao

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sacro em Constantinopla, na basílica de Santa Sofia, e que os “Irmãos
do Oriente” deviam proceder a uma segunda consagração na cripta de
Santa Sofia, no dia seguinte. Tudo nos leva a crer que Semelas era o
agente de um poder político (1) e que os misteriosos “Irmãos do
Oriente” foram tirados do esquecimento (ou imaginados) para
finalidades bem temporais!

6) Claude de Saint-Martin procedeu a iniciações


individuais? Somente uma tradição oral que tudo leva a
crer verídica permite de afirmá-lo. Mas nenhum documento
escrito vem a corroborar isso em definitivo. Esta tradição
nos chega pelo canal de Papus. (1) Era a opinião de J.
Bricaud.

Iniciado por Henri Delage, neto de Chaptal, e por Augustin


Chaboseau, iniciado por sua prima, Amélie de Boisse-Mortmart. Se
sua “Sociedade dos Iniciados” é atestada pela carta de um
desconhecido ao Professor, de 20 de dezembro de 1794, esta carta
não menciona a não ser os Elus Cohen, já iniciados, e os iguais de
Saint-Martin, “seus irmãos!”, de fato.

Trata-se somente de homens, com a exclusão de mulheres:


“Conheci, então, em Estrasburgo, esses caros homens e deles recebi a
amizade” (Van Rijnberk, “Martinez de Pasqually” tomo I, página 161).

“Entre os Irmãos mais fiéis que formavam com ele um


centro íntimo, havia os mais excelentes homens de Paris...”
(Idem, página 162)

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É clássico afirmar, entre os Martinistas contemporâneos, que
os primeiros iniciados de Saint-Martin foram mulheres! Eis um
documento que contradiz esta “tradição verbal”… Se quiser outros,
ter-se-á que reportar à árvore genealógica dos mesmos “Iniciados de
Saint-Martin”, publicado por Van Rijnberk em sua mesma obra, tomo
II, página 30. A primeira mulher “SI” que nele figura é Amélie de
Boisse-Mortmart, ou seja, um século após Saint-Martin.

A lista dos Martinistas russos iniciados por Saint-Martin,


publicada em 1867, na obra de Longuinoff (“Novikof e os Martinistas
de Moscou”, Moscou 1867) e reproduzida nas páginas 233 e 234 de
“Saint-Martin” de Papus, não comporta tampouco nenhum nome de
mulher.

Quanto à opinião de Saint-Martin sobre a necessidade das


iniciações femininas, não pretendemos julgá-la, mas guardamo-nos
no direito de fazer conhecê-la. Eis aqui, tal como foi expressa na carta
de 23 de março de 1777, três anos após a morte de Martinez, dois
anos após a publicação de seu livro “Dos Erros e da Verdade”.

“Nada tenho a criticar nem a aprovar em vossa conduta


com relação a Sra. de Brancas. O exemplo que Caignet
acaba de nos dar, relativamente a Sra. de la Croix, pode
vos permitir conhecer a resposta que tendes a esperar
sobre isso. Insisto na opinião que as mulheres devem ser
em pequeno número entre nós e, principalmente, muito
escrupulosamente examinadas. Eis o porquê dou a

22
plenitude de meu sufrágio ao artigo de nossos estatutos
que nos proíbe de recebê-las, sem uma prova direta e física
da própria ‘Chose’. Pedi as provas de meu último trabalho
para a Sra. de la Croix, e como não tive a felicidade de
obtê-las em meu pedido, estou determinado a nada fazer
por ela, pois a ‘Chose’ não falou afirmativamente a mim, ou
àqueles meus irmãos que têm mais poder do que eu. Com
base nisso, creio que tal deve ser nossa regra para todos,
assim mesmo recebereis do Mestre Caignet uma resposta
favorável, isso não deveria vos tranquilizar mais, a menos
que ele vos ordenasse de mantê-la ele próprio de boa
mão...” (1)

(1) A “Chose” não é outra coisa que a Força Invisível manifestada


pelos “Passes” no curso das cerimônias teúrgicas.

“Enfim, a batina do dito Senhor será sempre um


espantalho, para mim, creio que deveríamos tratar os
padres como as mulheres”.

Ora, em 1777, é justamente o ano em que ele começa sua


propaganda pessoal junto aos Elus Cohen de Versalhes (Cf. Le
Forestier, página 512: “Em 1777, ele faz, durante uma estada em
Versalhes, propaganda junto aos Elus Cohen desta cidade, onde a
Ordem contava com seus discípulos mais fiéis… E foi somente em
1788 e em 1791, que ele encontrou Salzmann em Estrasburgo, ou
seja, dez anos mais tarde (1). Por conseguinte, isso demonstra bem
que a doutrina que ele comunicou aos seus ‘Íntimos’ foi o resultado

23
de um trabalho pessoal, e não de um ensinamento vindo de Boehme
por Salzmann e Gitchel”.

Nos papéis que Saint-Martin deixou, em sua morte, e que foram


publicados sob o título coletivo de Obras Póstumas, encontramos
ainda isso “Sinto lá no fundo de meu ser uma voz que me diz o que
sou, de um país onde não existem mulheres...” (Obras Póstumas, I,
página 29).

“Desde que adquiri profundas luzes sobre a Mulher, eu a


honro e a amo mais que durante as efervescências de
minha juventude; ainda que eu saiba também que sua
Matéria é ainda mais degenerada e mais temível que a do
homem...” (Obras Póstumas, I, página 29).

“A mulher é melhor, mas o homem é mais verdadeiro...”


(Obras Póstumas, I, página 29).

Esta opinião dele não é nova. Citamos mais acima sua opinião
de 1777, eis uma passagem de uma carta datada de 25 de abril de
1792:

“Experimentei nesta leitura o quanto a inspiração feminina


é fraca e vaga em comparação com a inspiração
masculina...”

“As grandes verdades só são bem ensinadas no silêncio, ao


passo que toda a necessidade das mulheres nessa questão

24
é que se fale e como elas falam; e aí tudo se desorganiza
como experimentei muitas vezes” (Retratos, Nf. 145 – Cf. R.
Amadou: L. C. de Saint-Martin, p. 52).

7) Numerosos adversários de Saint-Martin, (e infelizmente


alguns de seus modernos discípulos) o apresentaram como
um católico fervoroso e um monarquista convicto. Saint-
Martin foi exatamente o oposto… Monarquista? A história
nos mostra Saint-Martin fazendo a guarda do Templo, onde
Luís XVI ficou preso. Ela nos mostra a Convenção que
levava seu nome sobre a lista dos preceptores possíveis de
Luís XVII. Se Saint-Martin não tivesse sido republicano,
teria ele, assim, inspirado confiança? Aliás, Saint-Martin,
ainda que ele mesmo tenha ficado inquieto no período do
Terror, pelo simples fato de sua origem nobre, nem por isso
permaneceu menos fervoroso admirador da Revolução de
1789 e recusa-se de emigrar.
(1) G. Matter: “Saint-Martin, páginas 147 e 161.

“Disseram-nos que o Povo é o único soberano. Vanglorio-


me de pensar assim e de ser altamente conveniente a
isso… Todos os homens são reis… Deus é o único soberano
deles…” (Cartas sobre a Revolução, Ano III).

O Terror não o apavora, pois ele o vê como o traçado da justiça


divina, a liquidação do karma de uma casta:

25
“Não se fez reinar a Justiça quando o Espírito nos ensinava
com doçura… Eis que Ele nos aplica com força e virtude”
(Cartas sobre a Revolução, Ano III).

“Mas, como vi a mão de Deus em nossa Revolução, posso


até acreditar igualmente que é, talvez, necessário que haja
vítimas de expiação” (Obras Póstumas, p. 87, tomo I).

Quanto ao seu catolicismo, ser-nos-á permitido de duvidar dele!


Suas cartas nos mostram, sua vida inteira, violentamente anticlerical:

“A batina do dito Senhor será sempre para mim um


espantalho, e creio que deveríamos tratar os padres como
tratamos as mulheres...” (Carta datada de 23 de março de
1777).

“Saint-Martin”, nos diz a tradição martinista moderna, “mandava


rezar uma missa após cada iniciação, missa à qual assistiam todos os
presentes”. Por conseguinte, Saint-Martin não admitia a validade e a
eficiência automática dos Sacramentos e, em seu leito de morte,
recusou a viática e a extrema-unção. Para ele, é o valor individual do
padre, sua espiritualidade, seu saber que lhe conferem uma eficiência
mais ou menos real:

“Quando ele estiver regenerado, não mais em um


pensamento, mas seu pensamento completo, em sua
palavra, em sua operação, quando o Espírito o penetrar em
todas as suas veias e revestir-se dele, quando tudo nele se

26
transformar em substância espiritual e angélica, é então
somente que o homem se encontrará ser, em espírito e em
verdade, o sacerdote do Senhor...” (O Novo Homem).

Saint-Martin é, aliás, um gnóstico puro, não ignora nada da


potência dos Arkontes, desses deuses aos quais a imbecilidade do
homem se entregou.

“Esses deuses, que somente são deuses por nosso Crime e


que, do alto de seus tronos usurpados, sorriem e agitam a
cabeça de desdém pelo Homem, mestre deles que se tornou
seu escravo...” (O Espírito das Coisas).

8) Resta um último e importante dilema. Saint-Martin transmitiu seu


ensinamento pessoal sob uma forma ritualística a seus últimos
discípulos. Guttinger (1), Branchu, e, principalmente, Gence?

(1) Este último tem, aliás, publicado em 1834 um “Coletânea de


Pensamentos de L. C. de Saint-Martin.

Duvidamos disso, após pesquisas minuciosas, temos


encontrado somente provas do contrário.

De fato, Gence nos fala de uma pequena brochura, publicada


propositalmente, para destruir (já…) certos erros atribuídos a Saint-
Martin da “seita dita dos Martinistas”. É aos Elus Cohen da
“Sociedade dos Íntimos” que ele faz alusão, sendo ele próprio Elus
Cohen. Ele nos deixa claro que a doutrina desta escola se encontra

27
exposta nas primeiras obras de Saint-Martin e, sobretudo, em seu
Quadro Natural. Mas, ele nos diz também em contrapartida:

“Ele (Saint-Martin) não tinha nenhuma intenção de fundar


uma seita...” - (Gence: Nota bibliográfica sobre L. C. de
Saint-Martin, página 12). “Minha seita é a Providência;
meus prosélitos sou eu; meu culto é a justiça...” (Retrato Nf
488, p. 68), (Cf R. Amadou: L. C. de Saint-Martin, p. 50).

É a este ensinamento individual, oriundo unicamente da


doutrina de Martinez e da de Jacob Boehme, que ele dizia ter
associados (1) que Saint-Martinf az alusão na véspera de sua morte
“Os germes que tentei semear frutificarão...” (13 de outubro de 1803).

De fato, como conciliar esta ritualística, que os Martinistas


modernos asseguram vir diretamente do Filósofo Desconhecido com
os princípios deste? Todos os rituais Martinistas mencionam as três
luzes dispostas em triângulo sobre as três toalhas de cores diferentes
(2): preta, vermelha e branca.

Ora, essas cores são simbólicas das três cascas revestidas pelo
Homem Primitivo após sua Queda de acordo com o ensinamento de
Martinez… (Ver “Ritual do Aprendiz Cohen”, descrito por Thory).

Quanto ao número três, empregado pelas luminárias, é a prova


peremptória que aqueles que estabeleceram a ritualística Martinista
ignoravam o ensinamento de Martinez de Pasqually e de Louis-Claude
de Saint-Martin.

28
São essas tradições maçônicas ordinárias que eles copiaram
desajeitadamente interpretando-os sob o ângulo do Cristianismo e de
sua Trindade. Pois, as luminárias utilizadas pelos Elus Cohen eram,
no mínimo, quatro “número divino perfeito”.

“Os três números da Matéria são três, seis e nove” . (Os


Números, II: Da Quantidade Natural dos Números). É, então, após a
morte de Saint-Martin que esses rituais foram estabelecidos, quando
se perdeu pouco a pouco o verdadeiro espírito de seu ensinamento
(3).

(1) Ver a carta de 11 de julho de 1796.


(2) Ver “Ritual da Ordem Martinista”. Paris 1913. Dorbon, editor,
página 46.
(3) Como conciliar a pompa impressionante do ritual de Teder com a
simplicidade de Saint-Martin?

É verdade que os Martinistas modernos reconhecem que os três


graus da ordem são uma criação e que Saint-Martin ministrava tudo
em uma única vez.

Mas, onde se encontra nas numerosas informações fornecidas


por seus últimos discípulos uma alusão a uma máscara, a um manto
e a todos os acessórios exigidos pelo cerimonial atual? Em nenhum
lugar. O pretenso “Selo” da Ordem Martinista nunca teve, na mente
de Saint-Martin, um caráter pantacular, pois se retomarmos seu
tratado “Dos Números”, no parágrafo XVII, “Diferença da mente do

29
corpo”, nós o encontraremos tão somente como um simples esquema
explicativo!

Os famosos “seis pontos” se encontram no parágrafo VIII, onde


eles esquematizam “as leis inversas correspondentes às leis diretas”!
E os “Irmãos do Oriente” neles não estão nem por nada! Não há nada
de misterioso em tudo isso. Quanto ao dito “Ritual de Teder”, ele é, na
realidade, do Doutor Blitz. Teder só o traduziu (Ver nossa obra sobre
o Martinismo, página 153, primeiro parágrafo). Enfim, é um fato novo
que abala todo o edifício oficial. Em seu estudo sobre o “Filósofo
Desconhecido, Claude de Saint-Martin”, Robert Amaadou declara
possuir em seus arquivos uma carta de Augustin Chaboseau,
fundador do primeiro Supremo Conselho com Papus, carta na qual
ele deixa claro quanto à origem de tudo, Papus e ele se iniciaram
mutualmente…

Que se trate aí de “regularização” iniciática ou de uma iniciativa


sem raiz no passado, nós não sabemos. Porém, tanto em um caso
como em outro, a dúvida está lançada sobre o alicerce da tradição
que quer que Papus tenha sido iniciado por Delage, e Chaboseau por
A. de Mortmart. Já, faltava um nome na filiação de Papus, entre
Chaptal e Delage. Mas, doravante, não se pode mais afirmar que
nossos dois fundadores eram alguns da regularidade deles, uma vez
que experimentaram a necessidade de assegurar uma espécie de
“confirmação”…

30
II
DA POSSÍVEL EXISTÊNCIA DE UMA AFILIAÇÃO
MARTINISTA CONTEMPORÂNEA

I. - O WILLERMOZISMO

“Quando pedimos em 1943 ao Irmão – Georges Lagrèze – de


nos transmitir a afiliação willermozista, nós o supúnhamos não
somente ‘Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa’, mas ainda um dos
oito Grandes Professos da França” , declara Aurifer.

Ora, se Lagrèze foi afiliado ao Grande Priorado das Gálias na


qualidade de “C. B. C. S.” (1), (possuímos uma foto da sua cédula de
identidade na Ordem Interior) e por que 33 o do Rito Escocês Antigo e
Aceito nunca foi, ele nos declarou um dia, detentor da Grande
Profissão?

O Doutor Wibeaux nos declarou no curso de uma entrevista


recente (28 de junho de 1946) que ele havia efetuado pesquisas
históricas neste domínio e que ele havia concluído:

1) Nenhum dignatário do Rito Retificado possuía em nossos dias


este grau;
2) Que ele desaparecera alguns anos após sua criação;
3) Que nunca se encontrou o Ritual de sua transmissão, se é
que houve um (2).

31
Tudo nos leva a crer que se tratou, da parte de Willermoz,
apenas uma reposição de uma Instrução, do qual o texto se encontra,
aliás, nos Arquivos da Cidade de Lyon.

De qualquer forma, ninguém pode atualmente reivindicar a


posse do grau de Réau-Croix pelas seguintes razões:

(1) Iniciais de “Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa”.


(2) O Dr. Wibeaux é ele próprio um alto dignitário do Rito
Escocês Retificado.

a) O Doutor Blitz divulga em sua brochura por Bricaud, que não tinha
a qualidade como simples “C. B. C. S.” para reivindicar o título de
Réau-Croix, pois não nos diz que ele fora Grande Professo;

b) Willermoz não podia “transmitir” a não ser os 3 graus da classe de


Pórtico da Ordem dos Elus Cohen. Sua carta de 12 de outubro de
1781 para o Príncipe de Hesse-Cassel, escrita sete anos após a morte
de Martinez (publicada no Tomo I, de Van Rijnberk, página 165) nos
deixa isso claro.

“No início do ano de 1767, tive a felicidade de adquirir


meus primeiros conhecimentos na Ordem da qual fiz
menção mais adiante a Vossa Alteza Sereníssima. Aquele
que me os deu, estando favoravelmente prevenido por mim
por suas informações e exame, me adiantou rapidamente, e
obtive os seis primeiros graus (1). Um ano após, empreendi
uma outra viagem com esta intenção e obtive o sétimo e

32
último grau (2), que dá o título e o caráter de chefe nesta
Ordem. Aquele de quem os recebi se dizia ser um dos sete
Chefes Soberanos Universais da Ordem, e frequentemente
comprovou seu saber por fatos. Seguindo este último,
recebi, ao mesmo tempo, o poder de conferir os graus
inferiores (3), conformando-me para isso ao que me foi
prescrito. No entanto, não fiz nenhum uso disso durante
alguns anos, aos quais me empenhava em instruir-me e em
fortificar-me, tanto quanto minhas ocupações civis
puderam me permitir. Foi somente em 1772 que comecei a
receber meu irmão médico (4) e pouco depois os Irmãos
Paganucci e Perisse de Luc, que Vossa Alteza tereis visto
sobre o quadro dos Grandes Professos. E esses três se
tornaram, desde então, meus confidentes para as coisas
relativas que tive a liberdade de confiar a outros. É
essencial que eu previna Vossa Alteza Sereníssima que os
graus da dita Ordem encerram três partes.

Os três primeiros graus (5) instruem sobre a natureza


divina, espiritual, humana e corporal, e é precisamente
esta instrução que dá a base da dos Grandes Professos.
Vossa Alteza Sereníssima podereis reconhecer por sua
leitura. Os graus seguintes (6) ensinam a teoria cerimonial
preparatória para a prática, que é exclusivamente
reservada ao sétimo e último (7).

Aqueles que chegaram a este grau, cujo número é muito


pequeno, estão sujeitos a trabalhos ou operações

33
particulares, que são feitas essencialmente em março e
setembro. Eu as pratiquei constantemente e me dei muito
bem com elas...”

(1) Aprendiz-Cohen, Companheiro-Cohen, Mestre-Cohen, Grande


Arquiteto, Cavaleiro do Oriente, Comandante do Oriente.
(2) Réau-Croix.
(3) Aprendiz-Cohen, Companheiro-Cohen, Mestre-Cohen.
(4) Pierre-Jacques Willermoz, médico e alquimista.
(5) Aprendiz-Cohen, Companheiro-Cohen, Mestre-Cohen, ou seja, a
Classe de Pórtico.
(6) Grande-Arquiteto, Cavaleiro do Oriente, Comandante do Oriente.
(7) Réau-Croix.

c) Os Grandes Professos, eles próprios, nunca estiveram de posse


deste grau, de Réau-Croix, assim como ele tira da mesma carta de
Willermoz de 12 de outubro de 1781, do Príncipe de Hesse-Cassel:

“Quanto às Instruções Secretas (1), meu objetivo, ao redigi-


las foi de …… Ligado de uma parte por meus próprios
engajamentos (2) e retido por outra pelo temor de fornecer
alimentos a uma frívola curiosidade, ou de exaltar em
excesso certas imaginações, se não lhes forem
apresentados os planos teóricos que anunciam uma Prática
(3), vi-me obrigado de não fazer deles nenhuma menção e
mesmo de apenas apresentar um quadro bem sucinto da
natureza dos seres, de suas relações respectivas, assim
como suas divisões universais”.

34
d) Os membros da Sociedade Cohen de Lyon não tendo, pois, recebido
a não ser os graus inferiores de Pórtico, não puderam por sua vez
transmiti-los, pois esta única transmissão já era, nós o vimos, o
apanágio do Réau-Croix. Um padre, mesmo regularmente ordenado
não pode ordenar um outro, é o privilégio do Bispo.

e) Esta Sociedade Cohen não exigia a qualidade maçônica exigida


para os membros dos Elus-Cohen de antigamente, como deixa claro
Willermoz nesta mesma carta:

“Além disso, ainda que exista aqui desde nove a dez anos
(4) uma pequena Sociedade composta daqueles que recebi
em diversos graus na Ordem que professo, a qual é apenas
conhecida daqueles que a formam, maçons e outros, no
entanto, alguns Irmãos que são, hoje, Grande Professo,
presumiam desde muito tempo que havia adquirido alguns
conhecimentos sobre essas matérias, da qual gostava de
entreter-me com alguns amigos particulares”.

f) Trinta anos após a Revolução, os Grandes Professos tinham


totalmente desaparecido na França, e Willermoz era o único
sobrevivente (uma outra carta sua de 10 de setembro de 1810, ou
seja, vinte e nove anos mais tarde ao mesmo Príncipe de Hesse-
Cassel):

(1) Grandes Professos.


(2) De antigamente, com relação a Don Martinez.

35
(3) As dos Réaux-Croix, a Teurgia.
(4) Desde 1771, ou seja, desde que começou a usar seu direito de
transmissão dos graus inferiores para seu irmão, Perisse de Luc,
Paganucci, etc.

“Eu permanecia só em Lyon. A morte, as demissões antigas


e a emigração tinham totalmente apagado este (Diretório)
de Bourgogne em Estrasburgo. O da Ocitania, em
Bordeaux, havia cessado de existir antes mesmo da
Revolução. O Diretório de Auvergne não existia mais a não
ser na minha pessoa e não podia, por conseguinte,
constituir in plenis...”.

g) Willermoz não estava nem um pouco de posse de todos os Poderes


no seio da Ordem. E sem falar daqueles exclusivamente o apanágio de
Don Martinez, Bacon de la Chevalerie e de Lusignan eram, além
disso, altos dignatários como ele. É a carta de Bacon, datada de 3 de
junho de 1778 (ou seja, quatro anos após a morte de Martinez), que
nos informa:

“Envio-vos, meu caro Willermoz, dois cadernos numerados


e paragrafados desde 1 até 44. Assim que os tiver copiado,
me os remetereis e, na sequência, vos enviarei novos, pegos
ao acaso como esses aí.

Sucessivamente, tereis assim tudo o que desejais e que


colocastes à parte. Com a exceção da “Grande Operação”
de Don Martinez, que ele me proibiu terminantemente de

36
comunicar a qualquer outro a não ser o Sr. de Lusignan.
Preencherei com exatidão esta cláusula...”

Resta a afiliação última que viria por Antoine Pont, seu


sobrinho. Ora, este nos relata a mínima importância do que recebeu,
em uma carta de 8 de dezembro de 1832, endereçado ao sobrinho de
Willermoz e que está nos Arquivos da Cidade de Lyon:

“Segui seu conselho (de Madame Provensal) e por volta de


1795, fui iniciado… Como vós, sem dúvida, caríssimo
Irmão, eu achava que, no grau seguinte, encontraria a
pérola prometida; como tantos outros, encontrei-me no
termo sem ter descoberto esta joia...”

Antoine Pont escrevia isso oito anos após a morte de Willermoz.


Não se pode, aliás, dizer que ele foi o sucessor consciente e bem
“educado” de Willermoz. Este, diante de suas reticências, vislumbrava
queimar todos esses arquivos secretos. Finalmente, após ter hesitado,
ele os entrega sem condições, pois Pont só os aceitava na condição de
decidir, em seguida e livremente, se ele devia ora conservar, ora
comunicar, ora destruir seu depósito. (Ver a obra de Alice Joly,
página 325: “Um Místico Lionês”).

Eis-nos aí longe de um Pont “Réau-Croix”… Não se trata aí de


uma última iniciação, mas de uma simples constatação de papéis
secretos. É este lote de arquivos que nos chegou e foi comprado pela
Cidade de Lyon.

37
E aliás, mais uma vez, vimos que Willermoz reconhecia em
1781 (Martinez falecido) nunca ter tido poderes de transmissão outro
a não ser sobre a classe de Pórtico. Antoine Pont não podia, pois, ser
mais do que Mestre-Cohen…

III
O GRUPO MARTINISTA DE LYON E SUA AFILIAÇÃO

Os Martinistas lioneses, oriundos da afiliação de Jean Bricaud,


reivindicam estar de posse da afiliação regular que remonta a
Martinez de Pasqually, pelo canal de iniciados lioneses por Willermoz
e seus sucessores.

Tentaremos, pois, aqui mesmo tentar demonstrar que Jean


Bricaud nunca possuiu outra coisa a não ser a dita afiliação de Saint-
Martin, que ele reconhecia ter recebido sob a forma dos “iniciados
livres”, a mesma que receberam, ao que parece, no século XIX,
Augustin Chaboseau e Gérard Encausse.

Esta afiliação comporta a aplicação do simbolismo da Máscara,


do Manto, do Cordão, das três toalhas: negra, branca e vermelha, das
três Luminárias, a assinatura por duas letras e seis pontos; e a posse,
em princípio, das chaves da Via Mística Interior que o “Filósofo
Desconhecido”, Louis-Claude de Saint-Martin dava a seus “Íntimos”.

Quanto à afiliação dos Elus Cohen e de sua classe secreta de


“Réaux-Croix”; afiliação que remontaria a Martinez de Pasqually por
Willermoz, Bricaud nunca a recebeu em nossa opinião, e eis o porquê.

38
Em sua “Nota Histórica sobre o Martinismo”, M. Chevillon, sob as
iniciais de “C. C.”, retoma os seguintes detalhes, que ele recebeu de
Jean Bricaud, antes da morte deste. É, pois, a boa fé de M. Chevillon
que colocamos em questão (nem mesmo a de Bricaud…).

“Em 1893, nos disse a ‘Nota Histórica sobre o Martinismo”,


os martinistas lioneses entraram em posse dos arquivos de
J.-B. Willermoz e do Templo Cohen de Lyon, que a viúva de
Joseph Pont, sucessor de Willermoz, havia legado ao Irmão
Cavarnier, com a morte de seu marido”.

Esta posse repentina colocaria os ditos Martinistas lioneses de


posse de uma espécie de “regularização” de afiliação? Sim e não! Sim;
se tivessem recebido a ordenação precedentemente. Não, se seu
Martinismo fosse somente uma pura adesão espiritual ao programa
da Ordem…

“O Doutor Encausse”, continua a Nota Histórica, “ignorava


então que a transmissão regular dos Elus Cohen nunca havia sido
interrompida, e que esta tradição não havia cessado de ter
representantes; seja em Lyon, seja nas diferentes cidades
estrangeiras. Tais como os irmãos Bergeron e Bréban-Salomon para a
cidade de Lyon; Carl Michelsen, na Dinamarca; o Doutor Edouard
Blitz nos Estados Unidos.

O Doutor Blitz era Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa e alto


grau do Rito Maçônico de Memphis-Mitzraim. Era igualmente o
sucessor direto de Antoine Pont e de Willermoz. Ele tornou-se, então,

39
Presidente do Grande Conselho para os Estados Unidos da Ordem,
assim, renovada por Papus. Nesta qualidade (representante e
herdeiro legítimo de Martinez de Pasqually) resolveu restabelecer a
ordem nos Estados Unidos sobre as bases tradicionais antigas. Na
França, seus representantes foram o Doutor Fugairon e, em seguida,
Charles Détré que, sob o nome esotérico de Teder, estabeleceu o
Ritual Martinista Francês de acordo com Papus (Ritual que foi
editado em Paris, em 1913 aos cuidados de Dorbon Aîné)” .

Aqui, a questão que se coloca: Blitz era (e como?) o sucessor de


Willermoz e de Antoine Pont? E como poderia ele ser o sucessor direto
deles? Bricaud não nos diz! Mas, se sua afiliação lionesa dos Elus
Cohen pudera, negligenciando as imediações de Lyon e de Paris, fugir
em uma revoada até os Estados Unidos para cair entre as mãos de
um médico americano, como se faz que este Ritual, estabelecido por
Blitz comporte símbolos puramente oriundos do Cerimonial que
contém o Manto, a Máscara, as Três Luminárias, as duas letras e os
seis pontos? (Emblemas que, sabemos agora, não podem vir do
“Filósofo Desconhecido”, uma vez que são estranhos ao seu
simbolismo pessoal). Como é possível que nada recorde os Rituais
utilizados antigamente pelos verdadeiros Elus Cohen, no século XVIII,
nem mesmo os Graus? E como é possível que os Círculos simbólicos
de Martinez – utilizados nas Ordenações – tornam-se sempre sobre o
solo da Loja descrita por este Ritual, o Pantáculo da Ordem? Como,
por que aberração, as “Instruções Secretas” de Martinez e de
Willermoz sobre a Reintegração, a queda que o precedeu, tornam-se,
no Ritual de Blitz, um simples comentário dos primeiros versículos do

40
Gênesis, comentários bem dignos de um protestante americano, mas
indignos de um iniciado Cohen?

Para a excelente razão que Blitz, talvez, titular dos Altos Graus
do Rito de Memphis-Mitzraim (e que relação?…) tinha apenas sua
iniciação de Papus!… Não somente, ele nunca iniciou este último,
mas é Papus quem foi seu iniciador… Estamos convencidos disso ao
saber que Blitz foi radiado, na sequência, pelo próprio Papus. Tendo
cometido com o espírito martinista e as tradições da Ordem renovada
por Papus os abusos notórios, Papus lhe retirou sua Carta de
Soberano Delegado Geral para os Estados Unidos. O fato é atestado
pelo Supremo Conselho Martinista, que publicou “no Oriente da
França”, um edito, aparecido na revista “A Estrela do Oriente”,
retirando o encargo de Blitz. O edito dizia que este encargo era
substituído pelo de “Inspetora Geral da Ordem para os Estados
Unidos, na pessoa da Sra. Magaret B. Peeke, igualmente 33 o do
Direito Humano”: o fato é atestado por uma nota do Doutor H.
Spencer Lewis, de 1937, que possuímos e por uma carta do próprio
Jean Bricaud, igualmente em nossos arquivos.

Imagina-se o Doutor Blitz, iniciador de Papus, tendo-lhe


conferido a afiliação Cohen, da qual o outro foi legitimamente
orgulhoso (e não escondeu isso…) radiado, em seguida, por seus
filhos espirituais? O fato é que nunca se viu um iniciado
regularizando seu iniciador (assim como o faria Papus a Blitz), depois
radiando este (como isso se produziu). Enfim, considerando que:

41
1) que Willermoz não podia transmitir os altos graus sacerdotais
Cohen;
2) que Antoine Pont não podia, então, tê-los recebido, o Dr. Blitz não
podia nem possuí-los, nem conferi-los ao Doutor Fugairon.

Por todas essas boas razões, apoiadas em documentos sérios,


rejeitamos o Ritual dito de Teder, obra de Blitz, e rejeitamos mesmo a
hipótese de Blitz, que transmite a ramificação francesa da afiliação
dos Elus Cohen de Martinez de Pasqually.

Vem, em seguida, a segunda hipótese, Bricaud detinha do


Doutor Fugairon sua afiliação aos Elus Cohen.

Mas, o Doutor Fugaison havia estado nos Estados Unidos para


receber esta pseudoinvestidura Cohen de Blitz? Blitz teria vindo a
Lyon para dar-lhe? Ou tudo se passou por correspondência? Neste
último caso, nos recusaríamos a considerar uma tal ordenação como
válida. Mas, não faremos este esforço, uma vez que acabamos de
demonstrar precedentemente que Blitz não possuía esta afiliação!
Concluamos disso: se o Doutor Fugairon foi Martinista, ele possui
apenas a afiliação de Papus, Chaboseau, e de todos os membros do
Supremo Conselho, a saber a “afiliação” do Filósofo Desconhecido,
Claude de Saint-Martin. E sabemos agora o quanto ela é
historicamente frágil.

Bricaud nos diz, em seguida, que Teder sucedeu a Fugairon. A


mesma refutação da afiliação Cohen se aplica a Teder. Mas, com
relação a este último, uma tradição verbal circula nos meios

42
Martinistas lioneses. É a que nos afirma confidencialmente que Teder
possuía a afiliação Cohen, e que ele a teria transmitido a Papus. Isso
ainda é falso. Nós também vamos prová-la…

É ainda Papus que iniciou Teder! Possuímos em nossos


arquivos uma carta de Papus, datada de terça-feira dia 30 de
dezembro de 1902, assim concebida:

“Caríssimo Irmão Détré,


Permiti-me, primeiramente, de vos felicitar bem
sinceramente por vossa atividade e vossa dedicação a
Nossa Ordem. O Comitê Diretor do Supremo Conselho se
reunirá incessantemente, podeis contar que apoiarei vosso
pedido e que, na sequência, ele será aceito. Na espera, eu
vos envio:

1) um Ritual, em inglês, que vos peço de me enviar


novamente por carta registrada após tê-lo consultado e
copiado. Este Ritual é o das Lojas americanas ricas… Ele
não é utilizado completamente na Europa, mas poderá dar-
vos ideias.
2) Envio-vos também os papéis úteis para vossa
propaganda e para as Lojas…

Existe, na Inglaterra, um “Soberano Delegado Geral”, o


Irmão John Yarker, e um “Inspetor Geral”. Eu vos colocarei
em contato com eles assim que tiverdes vossa carta de
“Delegado Geral”, pelos menos, com o Irmão John Yarker.

43
Todas as minhas felicitações. Caríssimo Irmão e
fraternalmente vosso.
Assinado: Papus.

Eis, pois, o envio do ritual de Blitz a Teder. E Papus dando a


Teder, seu pretenso iniciador, um “aumento de salário”… Mas não é
tudo. Temos uma outra de 5 de março de 1905, ou seja, três anos
mais tarde. A carta prometida se fez esperar.

“Caríssimo Irmão Détré,


Tenho a honra de vos fazer saber que o Supremo Conselho
da Ordem decidiu criar um posto de “Inspetor Geral” para a
Inglaterra e para as Colônias inglesas. O Supremo
Conselho decidiu de vos nomear para este posto como
agradecimento por vossa dedicação. Estou pessoalmente
feliz de vos fazer saber.
Fraternalmente vosso – Assinado: Papus”.

Mas, isso não é tudo. De nossos arquivos, extrairemos ainda


mais um documento autêntico, é o Breviário do Supremo Conselho de
Lyon, assinado por Jean Bricaud: “33 – 90 – 95, Presidente do
Supremo Conselho, e Grande Mestre Geral da Ordem Martinista”, nos
deixando claro isso:

“Lyon, 29 de setembro de 1918:


Aos Soberanos Delegados Gerais, Inspetores Principais, aos
Delegados e Inspetores Gerais, Delegados e Inspetores

44
Especiais, aos Presidentes de Lojas, aos Chefes de Grupos
e a todos os membros da Ordem,

Caríssimos e Mui Ilustres Irmãs e Irmãos,


A primeira luz da Ordem acaba de se apagar. Nosso
Venerável Grande Mestre, o T. III. Ir. Teder faleceu na noite
de 25 para 26 de setembro, em Clermont-Ferrand. Não
quero, no momento, a não ser retraçar em grandes passos
a vida, todo o labor teimoso de atividade ferrenha de nosso
T. III Ir. Teder. Foi na Inglaterra que ele foi iniciado no
Martinismo pelo Mui Ilustre Irmão Papus, depois nomeado
representante e mais tarde Inspetor Principal da Ordem
para o Império Britânico e para as Índias.
Assinado: Jean Bricaud”.

(seguem os títulos).

Imagine ainda Teder iniciando Papus, depois fazendo-se


regularizado e dignificado por ele?…

Rejeitamos, pois, igualmente a hipótese de Teder como


sucessor, regular de Martinez de Pasqually, uma vez que é Papus,
detentor da única afiliação do “Filósofo Desconhecido”, sem relação
nenhuma com a dos Elus Cohen, que esteve na origem de sua
afiliação martinista. Restam Carl Michelsen, o Dinamarquês (do qual
Bricaud nada diz e não reivindica ser o sucessor) e “os irmãos
Bergeron e Bréban-Salomon”.

45
Desses aí, nenhum dos antigos Martinistas, ex-membros do
Supremo Conselho de 1884, nunca se lembraram ter ouvido
pronunciar sequer o nome. Na hipótese na qual se tratariam de
autênticos Cohen, oriundos da ramificação lionesa vinda do século
XVIII, porque Bricaud tenta a necessidade de nela misturar
Michelsen, Fugairon, Blitz, Teder? Bastaria nos dizer que “Bergeron”
ou “Bréban-Salomon” foram seus iniciados. E essa a atitude que
adotaria qualquer homem sensato, e o primeiro cuidado de um
Martinista é geralmente de citar seu iniciador sem nisso envolver
nenhum nome estrangeiro. Bricaud abstém-se de agir assim. Ele
emite informações vagas, gerais, e se permite de deixar seu
interlocutor livre para vislumbrar tal solução que lhe agradará…
Assim, ele não tem nenhuma responsabilidade moral com o erro
histórico que essas afirmações arriscam de dar nascimento,
voluntariamente nebulosas…

Ora, quanto ao Sr. Bergeron, conseguimos encontrar traços de


sua existência por acaso, em agosto de 1946, no curso de uma
conversação com Mademoiselle Morel, a saudosa bibliotecária da
Sociedade Teosófica.

Esta nos fez inúmeras confidências sobre a atividade dos


Martinistas lioneses antes da criação da Ordem Martinista por Papus.
Na sequência, voltamos várias vezes sobre o assunto, e apesar de sua
idade avançada, jamais sua memória falhara, ela nunca se
contradisse. Resumamos abaixo nossa primeira entrevista.

46
“É em Lyon, em 1886, que conheci o Sr. Bergeron e, por
ele, os Srs. Fouilloux e o Doutor Souillée, igualmente
Martinistas. Eu tinha então dezesseis anos e meio. O Sr.
Bergeron me dera o “Homem de Desejo”, de Louis-Claude
de Saint-Martin para estudar e para copiar. Fiquei tão
impressionada por esta leitura que, vendo isso, Bergeron se
pôs, então, a me expor e a comentar comigo a doutrina do
‘Filósofo Desconhecido’.

Era um homem de alto valor moral, quase um santo.


Quando eu o conheci, ele já havia ultrapassado os
cinquenta anos. Artista, pintor e violinista, ele vivia
miseravelmente em uma pequena torre de uma casa velha
na rua Saint-Jean. As pessoas do bairro o haviam
apelidado de “o homem da Torre”. Sempre vestido com
decência, apesar de sua extrema pobreza, ele era
comissionário em uma sapataria. Mas, diante de sua
distinção e sua reserva natural, as pessoas hesitavam a lhe
oferecer uma gorjeta. Apesar de que sua renda (30 francos
por mês fixa!) era extremamente reduzida. Ele vivia com
duas maçãs a cada refeição, com água e com uma colher
de óleo de oliva cada manhã. Não o conheci mais
intimamente além de dezessete anos, e nunca o vi variar
seu gênero de comida, fora cada sábado à noite, quando
vinha então jantar na casa de meus pais. Ele não era
franco-maçon e não praticava nenhum culto oficial. Fora
das tradições Martinistas, ele defendia frequentemente,
como complemento, as teorias espíritas que começavam

47
então a se disseminar. Seu amigo Fouilloux, se apegava
mais a este gênero de fenômenos prestigiosos; análogos aos
devas dos ensinamentos védicos.

De 1886, ano no qual o conheci sobre as margens do Saône


até 1903, ano no qual nossas relações se espaçaram cada
vez mais (eu me tornara na época parisiense), tivemos cada
semana duas reuniões, uma na casa de meus pais, no
jantar de sábado à noite, a outra na casa dele, na quinta-
feira geralmente. Lá, em seu minúsculo cômodo, nos
apertávamos uns contra os outros, sentados ora sobre a
cama, ora sobre a mala, ora sobre a mesa, que constituíam
toda a sua mobília. Ele tocava violão de uma maneira
extraordinariamente emocionante, e era um excelente
começo para nossas discussões apaixonantes. Em todo
esse período de dezessete anos (ele vivia ainda em 1907) se
ele nos deu tudo o que sabia sobre a filosofia e a metafísica
de Saint-Martin, nunca ele fez questão de qualquer
transmissão ritualística desses ensinamentos. Eu tinha
uma amiga, mais velha que eu, igualmente convertida ao
Martinismo. Ela também nunca tomara conhecimento de
qualquer coisa semelhante. É possível que o Grupo dos
Martinistas lioneses tenha sido o mais importante porque
ele não ficou limitado aos Srs. Bergeron, Fouilloux e
Souillée. Porém, eu nunca conheci outros! Um dia, no
curso de um jantar, ele me disse sobre um problema de
metafísica, a maneira como ele o havia abordado “em nossa
reunião”. Presumo, pois, que ele ia às vezes a reuniões

48
onde se abordava esse tipo de estudos. Em todo caso, isso
não implicava para ele a colocação em prática de uma
teurgia análoga a dos Elus Cohen de Martinez, pois lhe era
impossível, em seu quarto desnudo de qualquer mobília, de
dissimular o que quer que fosse quanto aos objetos (vestes,
pantáculos, espada, ornamentos, etc.). Pois, ele não
possuía quase nada… É possível, é bem possível mesmo,
que essas reuniões às quais ele fazia alusão tenham sido
reuniões espíritas, pois dessas práticas ele gostava muito.
Ele ia, às vezes durante a semana, em Perrache, rua da
Caridade ou na rua Santa Helena, onde se reuniam
justamente os espíritas lioneses.

Nunca ouvi esses três homens, os Srs. Bergeron, Souillée e


Fouilloux, falarem dos irmãos Bréban-Salomon, eles nunca
fizeram alusão a Martinistas já falecidos, tais como Pont ou
Destigny. Quanto a Papus, eles o ignoravam até o dia no
quanto este veio a Lyon para fazer uma conferência sobre o
Martinismo, sem dúvida, para ver se despertava algum eco.
Mas, nenhum dos três compareceu!

Quanto a Bricaud, eu o vi bem jovem (ele tinha uns vinte


anos) e dava seus primeiros passos nos meios ocultistas
lioneses. Até em 1903, época na qual cessaram nossas
relações, o Sr. Bergeron ignorava Bricaud. Ele conheceu
Teder? Eu o ignoro. Porém, como dezessete anos de
intimidade espiritual puderam me convencer disso: nunca
o Sr. Bergeron conhecera um Martinista de Saint-Martin

49
que se comunicou por uma forma cerimonial qualquer.
Quanto ao ‘willermozismo’, nesta época, ninguém falava
disso ainda neste núcleo martinista lionês que frequentei.

As lendas nascem rapidamente, e sem que nos demos


conta disso! Todo mundo conhece a história da pedra de
túmulo que se desprendeu por ocasião do funeral de
Papus, em Notre-Dame-de-Lorette. Ora, eu estava ali com
meus amigos. Quando lemos pouco depois ecos deste fato,
nós nos perguntamos mutualmente com surpresa:
ninguém vira tal coisa! E estávamos todos na primeira fila,
na hora da saída do caixão… É bom que restabeleceis a
verdade com relação ao Sr. Bergeron e seus amigos, os
antigos Martinistas lioneses. Mais uma vez, eu vos repito,
nunca, naquele tempo, em Lyon, a iniciação de Saint-
Martin era transmitida de outra forma a não ser por
empréstimo de livros e comentários dos mais velhos aos
mais novos. Quanto a Martinez e Willermoz, nunca eram
tratados os seus sistemas...”

Mademoiselle Morel morreu de um câncer generalizado, em


julho deste ano. Esta declaração, ela ainda me confirmou um mês
antes de sua morte. O que é preciso acrescentar mais? A afiliação
Bergeron, colocada adiante por Bricaud, não existe tão provavelmente
como a de Blitz.

Alguns Martinistas lioneses levantaram a hipótese de Teder,


afiliado ao Rito Escocês Retificado e, possuindo assim, como

50
“Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa”, a afiliação dos Grandes
Professos, sucessores legítimos dos Réaux-Croix, instituídos em 1778
por Willermoz e seus amigos no seio do Grande Priorado das Gálias e
da Estrita Observância.

Mas, isso não poderia ser retido. Pois, no Breviário do Supremo


Conselho, assinado por Bricaud, e anunciando a morte de Teder
(citada mais acima), os títulos de Teder, longamente enumerados, são
os que Philippe Encausse, em sua “Bibliografia” de seu pai, menciona
como sendo a propriedade de Papus. Concebe-se que Teder, herdeiro
de Papus, tivesse os mesmos. Nem para Papus, nem para Teder, não
se faz menção de um alto grau qualquer do Rito Escocês Retificado.

E isso se compreende facilmente, quando se quer bem lembrar-


se que a fusão do Rito Escocês Retificado e da Ordem Martinista,
tentada por Papus e pelo Dr. Ed. de Ribeaucourt (Grande Mestre do
Rito antes da guerra de 1914) havia sido abandonada. De fato, o Rito
Escocês Retificado era exclusivamente maçônico e reservado aos
homens. E a Ordem Martinista era uma organização filosófica mista.
A correspondência sobre este assunto ficou igualmente entre nossas
mãos durante a guerra inteira. Ela está atualmente nos arquivos da
O.M.T. Por conseguinte, nem Teder, nem Papus foram Grandes
Professos e de posse da afiliação regular e legítima de Willermoz e dos
Elus Cohen. Nós já sabíamos, aliás, que esta não existe mais desde
há muito tempo.

Descartamos, com as provas em mãos, o Dr. Blitz, o Dr.


Fugairon e Teder, que procedem dele ou de Papus são igualmente

51
para descartar na hipótese de uma afiliação realmente willermozista
ou cohen. Michelsen não é divulgado por Bricaud como tendo iniciado
qualquer martinista francês. Restam Bergeron e Bréban-Salomon.
Estes, Bricaud não perde tempo, deixando as suposições do leitor se
dirigir (sabiamente conduzidas por ele…) sobre os outros. Então?…
Nada, nada resta… E o “Grande Mestre Cohen”, o “Cavaleiro do
Oriente”, o “Grande Eleito de Zorobabel”, ou o “Réau-Croix” que
presidiu a missão de Teder e de Jean Bricaud está ainda por ser
descoberto, se é que houve algum.

Vislumbramos muito bem o caso no qual sobreviventes dos


Templos Cohen provincianos teriam continuado a transmitir a
iniciação de Martinez de Pasqually. Encontramos alguns rastros, na
região Central, e rituais originais do século XVIII, os da
“comunicação” dos graus de Pórtico, de “Mestre Elus Cohen”, de
“Grande Mestre Cohen” ou (Grande Arquiteto) estiveram em nossas
mãos, e fizemos deles uma cópia. Temos igualmente em nossa posse o
Ritual original do século XVIII de ordenação do “Grande Eleito de
Zorobabel” ou “Cavaleiro do Oriente”, mas este não nos deu a prova
tangível de uma atividade Cohen na época de Teder e de Bricaud. A
existência de arquivos não demonstra a sobrevivência dos oficiantes…

Qual é, pois, aí a afiliação que pode, incontestavelmente, ser


reconhecida para Bricaud? A que ele reivindica ele mesmo em uma
carta (igualmente em nossa posse) e na qual ele declara “Eu mesmo
sou iniciador livre há mais de vinte anos...” .

52
Esta afiliação de iniciador livre é a que unicamente remonta a
Claude de Saint-Martin por Papus ou Chaboseau que termina seja em
Chaptal, seja no Abade de Lanoue, e que Van Rijnberk analisou no
tomo II de sua obra “Martinez de Pasqually”.

Mais tarde, quando Bricaud quis ligar-se aos Elus Cohen, na


ausência de documentos e de instruções (e para isso) ele aplicará
para aqueles que ele chama de “os Réaux-Croix de Martinez” (uma
carta ficou igualmente em nossa posse) um Ritual que é de sua
própria autoria. E este Ritual, estabelecido antes que Le Forestier
tivesse publicado nas edições Dorbon Aîné seu estudo sobre “A
Franco-Maçonaria Ocultista no século XVIII e a Ordem dos Elus
Cohen”, ignora (destruindo assim as pretensões de Bricaud…) e o rito
de expiação, pela carbonização de uma cabeça de cabrito negro, sobre
o qual insiste particularmente Martinez e a obrigação de fazer beber
ao novo “Réau-Croix” o Cálice em cerimônia e comer o pão místico e
sem levedura…

Ao passo que o Ritual de Martinez é profundamente oculto e


misterioso, o de Bricaud não reflete a não ser as tradições gnósticas,
os símbolos desta igreja, etc. O discurso ao novo eleito é um simples
comentário dos princípios gerais do Ocultismo, tais como os definia
no fim do século XIX e no começo deste. E as expressões não
ultrapassam o nível das pequenas brochuras de propaganda editadas
pela iniciação.

53
CONCLUSÃO

Nós acabamos, então, de eliminar sucessivamente:


a) a afiliação de Claude de Saint-Martin;
b) a afiliação de J.-B. Willermoz;

Das quais nenhum testemunho ou documento histórico não


nos chegou às mãos. Mais ainda, não encontramos entre estes a não
ser conclusões contrárias. Isso é grave para a Ordem Martinista (de
Lyon), para a Ordem Martinista Retificada que organizações não
maçônicas não possuem mais, desde então, nenhuma afiliação.

Então, o problema que se coloca: o que sobrou do movimento


lançado por Martinez de Pasqually, e pode-se encontrar uma afiliação
ritualística indiscutível, ininterrupta? A resposta é clara: no seio do
Regime Escocês Retificado. De fato, estudamos cuidadosamente os
diversos Rituais e Instruções tanto de suas Lojas de São João como
das Lojas de Santo André ou de sua Ordem Interior. Tudo ali está
indiscutivelmente marcado pelo selo martinista. Pode-se comparar as
instruções dos diversos graus dos Elus Cohen, publicados por Papus
em sua obra “Martinez de Pasqually” com as que figuram no “Ritual
das Lojas Escocesas Retificadas”. A vontade muito nítida de uma
perpetuação teórica dos ensinamentos do Mestre se tornam
verdadeiras indiscutivelmente. Isso não é impressionante quando se
lembra que na Convenção de Wilhemsbad essas instruções foram
redigidas, apresentadas e apoiadas por Willermoz e seus amigos…!

54
Que o Martinismo teórico seja ignorado pela maioria dos
Maçons do Regime Escocês Retificado, que o Martinismo prático (isto
é, teúrgico) o seja igualmente dos altos dignitários da Ordem Interior
(Escudeiros ou Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa) é uma
escolha igualmente indiscutível. Não é menos verdade que os
Martinistas contemporâneos, desejosos de se ligar realmente ao
sentido iniciático da palavra, ao verdadeiro Martinismo histórico
deverão dirigir-se para receber a “Luz” no seio das Lojas Escocesas
Retificadas.

E é preciso lamentar a colocação em dormência daquela que


sob o nome de Arca da Aliança tentou, em 1945, constituir
novamente, em nossa época, uma Oficina, na qual seriam unicamente
abordados os grandes problemas da Mística e da Iniciação: o esforço
mereceria ser continuado, pois somente por sua tradição histórica,
suas origens, o Rito Escocês Retificado é suscetível de servir de
camada egregórica para um Martinismo autêntico e ativo. Somente
ele poderá dar vida oculta a suas Lojas, somente ele pode religar
ocultamente, no Tempo e apesar dos séculos, os verdadeiros
“Superiores Incógnitos” de antigamente e aqueles que aspiram juntar-
se a eles em espírito na fumaça dos incensários ritualísticos e na
claridade das chamas misteriosas… (1)

(1) No momento de colocar sob a imprensa, ficamos sabendo do


despertar oficial desta Loja. Os de nossos leitores que a história do
Rito Retificado e a de sua afiliação templária interessa, terão muito
brevemente em mãos um estudo sobre a questão. Ela constituirá a
segunda brochura desta pequena coleção.

55
Diretora Gerente: Louise Jayme
Gráfica: “FRANCE – BELGIQUE INFORMATIONS”
108 bis, rue Championnet, Paris – 18,
O. P. L. 31.5429 – Depósito legal Primeiro Trimestre 1948

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