Uma vez que a integridade da Escritura é assumida, é
necessário entender a maneira como ela surgiu e chegou até nós. Neste estudo, que talvez seja o mais “técnico” do curso, veremos bastante brevemente, como isso se deu. Na aula anterior, num dos vídeos, falamos sobre a revelação geral, ou natural, que diz respeito àquela revelação divina perceptível através da criação ou da natureza. Essa revelação não tem propósitos salvíficos, mas apenas o propósito específico de revelar a existência de Deus (Salmos 19, Romanos 1:18). A revelação especial, por outro lado, é o ato divino pelo qual Deus se torna conhecido de forma redentora ao homem decaído. Sem a revelação (tanto geral como especial), Deus seria eternamente o “absconditus” (escondido), pois a natureza de Deus é tão diferente da dos homens, que os homens jamais conseguiriam descobrir qualquer coisa de Deus por si mesmos. Talvez, por essa razão, Paulo faça eco às palavras do Salmos 14 ao dizer: — “Não há quem entenda, não há quem busque a Deus” (Romanos 3:11; Salmos 14:2). Isso parece contraditório diante do que se vê no mundo, onde as pessoas, quase que freneticamente, procuram Deus para resolver seus problemas. Mas esse é justamente o problema, pois no fundo as pessoas não estão buscando a Deus, estão simplesmente buscando uma solução para suas dificuldades, e Deus, nesse sentido, pode ser “só mais uma tentativa de solução”. Ou seja, as pessoas não buscam “a Deus”, mas buscam “algo dEle”. A rotina comum do ser humano é fugir de Deus, como Adão e Eva, escondendo-se por entre as árvores do jardim, especialmente quando Deus as chama para uma “conversa direta”, ou, como se diz “uma conversa ao pé do ouvido”. Naquela mesma cena de Gênesis, vemos Deus procurando o casal e chamando-o para restaurar o relacionamento, porém, nessa situação, eles fogem e inventam desculpas, ou jogam a culpa uns nos
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www.santoevangelho.com.br outros. No entanto, esse ato divino de ir atrás do ser humano para “falar” é revelação especial, no sentido mais exato do termo, pois é um movimento de Deus em direção ao homem, dando-se a conhecer, revelando seu plano redentor, com o objetivo de restaurá-lo. Esse é, portanto, o PROPÓSITO da revelação especial. A revelação especial, que deve ser distinguida, portanto, da revelação geral, concentra-se na revelação do plano redentor de Deus. Adão e Eva antes da queda receberam revelação especial não redentora (Deus falou com eles antes de pecarem), mas após a queda, pode- se dizer que a revelação especial de Deus é sempre uma revelação com propósitos redentivos. Portanto, é possível identificar a revelação especial com a Bíblia. A Bíblia é o registro da Revelação Especial. Um aspecto importante da revelação especial é que ela é PROGRESSIVA. O que se quer dizer com isto é que tudo o que está escrito na Bíblia, não foi revelado e registrado em um único momento, mas, foi revelado e registrado progressivamente. Deus usou diversas pessoas em diversas épocas para registrar o que está na Bíblia, pois ele não revelou tudo de si de uma única vez apenas. De certa forma, Gênesis 1:1 é o resumo de toda a Bíblia, pois contém embrionariamente tudo o que foi explanado depois, mas, Deus não revelou tudo de uma única vez. Ao longo da história, Deus foi oferecendo cada vez mais conhecimento de si mesmo aos homens. Disto decorre que é preciso entender o significado como um todo, em toda a Escritura, entendendo que muitas coisas que não estão claras a princípio, serão esclarecidas depois. Isso pode ser visto nas várias ministrações da Aliança divina, que embora seja uma só, foi renovada em momentos subsequentes, e elementos novos foram acrescentados, que revelaram mais do caráter divino e de seu plano redentor. Portanto, aqui já temos uma regra essencial para interpretar a Bíblia. Não podemos pegar versículos isolados e formular doutrinas a partir deles. É preciso lembrar do PROPÓSITO e da PROGRESSIVIDADE da revelação especial. Um versículo
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www.santoevangelho.com.br pode ser só um peixinho no oceano da revelação bíblica, portanto, é preciso colocá-lo no cardume. É preciso ver como um texto se encaixa no todo.
FORMAS DE REVELAÇÃO
O autor aos Hebreus diz: — “Havendo Deus, outrora,
falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo” (Hebreus 1:1, 2). Mesmo antes de a Bíblia ter sido escrita, Deus já se revelava de forma especial para o seu povo. Dois modos bastante usados por Deus na antiguidade foram: — teofania e profecia.
1 – Revelação por Teofania.
Teofania, que literalmente significa “manifestação de
Deus”, refere-se às aparições de Deus, bem como as demonstrações fantásticas de seu poder. A teofania foi predominante até o período mosaico. Deus se manifestou a homens como Adão (Gênesis 2:15 – 17, 22, 23; 3:8), Abraão (Gênesis 12:2; 28:13), e especialmente a Moisés. A característica principal da teofania é o apelo ao físico, ao sensitivo. Deus tomava a forma de um anjo, ou de um homem e podia ser visto, ouvido, e até tocado. Evidentemente que aquelas eram formas temporárias, assumidas por Deus para se comunicar com o ser humano. A Bíblia afirma que após Moisés teofania não seria mais a forma “oficial” de Revelação (Deuteronômio 34:10), embora alguns homens do Antigo Testamento continuassem recebendo teofanias, como Elias, por exemplo. Porém, Deus, aos poucos, foi utilizando outras formas de se revelar, e abandonou aquela. Por isso, hoje em dia, Deus não costuma aparecer para alguém para “falar” nesse sentido.
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www.santoevangelho.com.br 2 – Revelação por Profecia.
A partir de Moisés, Deus passou a usar mais amplamente
uma nova forma de revelação. Ele começou a se revelar através de Profecia (Números 12:6 – 8). A revelação por profecia é uma forma mais indireta de revelação. O profeta recebia algo de Deus, porém em forma de sonho ou visão. Era responsabilidade do profeta transmitir ao povo aquilo que viu no sonho ou na visão. Como sempre havia risco de falsificação, Deus estabeleceu testes para confirmar o profeta e a profecia. Eram basicamente dois testes, o da veracidade do fato profetizado (Deuteronômio 18:20 – 22) e o da conformidade com a Palavra Escrita (Deuteronômio 13:1 – 5).
Vejamos os textos:
[1] – Profetas falsos.
Primeiro exame: — “E Moisés continuou dizendo ao
povo: — O Senhor disse também: “Se um profeta tiver o atrevimento de dar uma mensagem em meu nome, quando eu não lhe tiver dito nada, ou se ele falar em nome de outros deuses, deverá ser morto” Mas vocês vão ficar pensando assim: — “Como é que vamos saber que aquilo que o profeta diz não é mensagem de Deus, o Senhor?” [Exame]. Fiquem sabendo que, se um profeta falar em nome de Deus, mas se o que disser não acontecer, então o que disse não foi mensagem de Deus. Esse profeta foi atrevido, e vocês não precisam ter medo dele” – Deuteronômio 18:20 – 22.
Segundo exame: — “Se aparecer no meio de vocês um
profeta ou alguém que explique sonhos, dizendo que vai acontecer um milagre ou outra coisa espantosa, e, se acontecer aquilo que ele disse, então ele vai procurar
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www.santoevangelho.com.br levá-los a adorar e servir deuses que vocês não conheciam. Mas não deem atenção a esse profeta ou a essa pessoa que explica sonhos. Pois é assim que o Senhor, nosso Deus, vai pôr vocês à prova, para ver se, de fato, o amam com todo o coração e com toda a alma. Sigam as leis do Senhor, nosso Deus; temam a Deus, obedeçam aos seus mandamentos e deem atenção a tudo o que ele diz [Exame de acordo com a Palavra de Deus]. Adorem somente a Deus e fiquem ligados com ele. E o profeta ou o explicador de sonhos que procurou levá-los a se revoltarem contra Deus será morto. Pois ele procurou desviá-los do caminho indicado pelo Senhor, o Deus que livrou vocês do Egito, onde eram escravos. Matem esse falso profeta e assim tirarão o mal do meio do povo” – Deuteronômio 13:1 – 5.
Já imaginou se esses dois testes fossem praticados hoje em
dia sobre todos que dizem trazer profecias e revelações? O tempo predominante dos profetas se estende desde a morte de Moisés até João Batista (Mateus 11:13), que segundo essas palavras de Jesus, deve ser visto como o último dos profetas do Antigo Testamento. A função básica do Profeta era ser um porta-voz de Deus. Por isso, usualmente o profeta começava sua mensagem com a seguinte sentença: — “Assim diz o Senhor [...]”. Isso indica que o próprio Deus colocava suas palavras na boca dos profetas (Jeremias 1:7; Isaías 6:5 – 13; 51:14 – 16; Êxodo 4:10 – 12; Deuteronômio 18:18). Vejamos as passagens:
Assim diz o SENHOR:
“Logo os prisioneiros serão postos em liberdade; eles
não morrerão, nem passarão fome. Eu, o Senhor, sou o Deus de vocês. Eu agito o mar e faço as suas ondas rugirem. O meu nome é Senhor, o Todo-Poderoso. Eu dei a vocês os meus ensinamentos e com a minha mão
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www.santoevangelho.com.br eu os protejo. Eu, que estendi o céu e firmei a terra, digo aos moradores de Jerusalém: — Vocês são o meu povo” – Isaías 51:14 – 16.
O povo que Cristo redimiu com o seu sangue, e por seu
poder, obterá plena libertação de todos os inimigos. Aquele que destinou este gozo para nós ao final realizará tal libertação, de acordo com a nossa necessidade. Neste mundo repleto de mudanças, há um curto passo entre o gozo e a tristeza, mas naquele mundo, a tristeza nunca mais estará à vista. Eles oraram pela demonstração do poder de Deus; Ele lhes responde com o consolo de sua graça, se tememos pecar contra Deus, não devemos temer a fúria dos homens. Feliz é o homem que sempre teme a Deus. A Igreja de Cristo desfrutará de segurança pelo poder e providência do Todo–Poderoso (HENRY, Comentário de Isaías).
Um detalhe que não pode ser olvidado é o caráter orgânico
da recepção e da entrega da mensagem profética. Os profetas normalmente não falavam em transe, mas usavam seus recursos, qualidades e talentos para transmitir a mensagem de Deus. A mensagem era, de certo modo, acomodada à personalidade do profeta. Revelação na pessoa do Filho Jesus Cristo é o clímax de toda revelação de Deus (Hebreus 1:1, 2). Nada antes ou depois dele fala mais, ou melhor, do que ele sobre Deus. Aqui, também podemos ver o caráter progressivo da revelação divina. Cristo é a expressão máxima do Ser de Deus. Ele é o próprio Emanuel, o Deus conosco. Ele é o Deus manifestado na carne, pois nele habita toda a plenitude da divindade (Colossenses 2:9). Jesus não é uma teofania nos moldes do Antigo Testamento, pois não é uma manifestação temporária de Deus. Ele é a manifestação plena e eterna de Deus, é o Deus conosco. Ele é, e para sempre será, o Deus- homem. Na pessoa de Jesus está o ápice da revelação.
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www.santoevangelho.com.br Ele próprio costumava dizer: — “Quem me vê a mim vê o Pai” (João 14:9). Entretanto, só em algumas ocasiões ele se descortinou mais amplamente aos olhos humanos (Lucas 9:29). Durante todo o seu ministério terreno permaneceu esvaziado de algumas de suas prerrogativas divinas, porém não de sua divindade (João 17:5; Filipenses 2:5 – 8), carregando com alegria o fardo dos homens e se submetendo a uma vida de servidão. Mas seus milagres, suas palavras, e especialmente sua presença foi a maior demonstração de Deus para o mundo. E sua morte na cruz foi a grande prova do amor desse Deus (Romanos 5:8).
CONCLUSÃO
Portanto, Deus se revela com propósito, progressividade e,
de maneiras variadas. Hoje, nós temos o privilégio de ter todas essas formas de revelação testemunhadas e registradas na Escritura. Por isso, podemos dizer como o salmista: — “Lâmpada para os meus pés é a tua palavra e, luz para os meus caminhos” (Salmos 119:105).
Paz e graça. Pr. Me. Plínio Sousa.
Recomendamos as seguintes leituras, as quais servem
para todo esse curso de “Introdução à Teologia”.
[1] – WARFIELD, B.B. A Inspiração e Autoridade da Bíblia.
São Paulo: Cultura Cristã, 2010. [2] – HARRIS, R. Laird. Inspiração e Canonicidade da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. [3] – COSTA, Hermisten Maia. A Inspiração e Inerrância das Escrituras. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998. [4] – LINNEMANN, Eta. Crítica Histórica da Bíblia. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.