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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

DIREITOS REAIS – 3º Ano – Noite – Exame Escrito – 17/09/2009


Tópicos de correcção
Duração: 1h:30m

I1

Em 17/07/1999, ANTÓNIO comprou, por escritura pública, o último andar de um


prédio sito na Avenida da Liberdade, em Lisboa, destinado a habitação, tendo registado
a sua aquisição na respectiva Conservatória do Registo Predial. No início de Setembro
daquele ano, depois de ter concluído o estágio de Advocacia e pretendendo iniciar a sua
vida profissional no centro de Lisboa, decidiu aproveitar a óptima localização do seu
andar e, sem mais, transformou-o num escritório de Advogados. Por outro lado,
sabendo que por cima do seu andar existia um sótão no prédio, com a mesma área e que
ninguém usava, fez uma ligação entre os dois espaços, através de umas escadas
interiores e ali passou a residir.

“A” é possuidor e proprietário de um imóvel – arts. 1251º, 1263º, 875º, 1302º, 1305º
- sendo a sua posse quanto a esse imóvel titulada, de boa fé, pacífica e pública –
arts. 1258º, 1259º, 1260º, 1261º. A aquisição do direito de propriedade sobre imóvel
é sujeito a registo junto da Conservatória do Registo Predial – art. 2º n.º 1 al. a) do
C.R. Predial.

O imóvel encontra-se constituído em propriedade horizontal – art. 1414º, 1415º.

“A” não podia dar uso diverso à fracção de que é proprietário (escritório) do fim a
que aquela é destinada (habitação) – art. 1422º n.º 2 al. c). Em ordem a dar uso
diverso à fracção e ultrapassar a proibição legal, “A” teria 2 alternativas: 1) Se no
título constitutivo da propriedade horizontal fosse feita menção ao fim a que se
destina cada fracção (art. 1418º n.º 2 al. a), “A” teria que observar o disposto no
art. 1419º; 2) caso o título constitutivo nada dissesse quanto ao fim de cada fracção,
“A” poderia recorrer ao disposto no art. 1422 n.º 4.

O sótão presume-se uma parte comum do edifício, nos termos do art. 1421º n.º 2 al.
e), pelo que “A” não podia, sem mais, passar a utilizar o referido sótão – arts. 1420
n.º 1, 1422 n.º 1, 1425º n.º 2, 1405 n.º 1, 1406 n.º 1 -, salvo se o título constitutivo
afectasse o mesmo ao uso exclusivo do mesmo a “A”, enquanto condómino – art.
1421º n.º 3.

Por outro lado, decorre do art. 1406º n.º 2, aplicável por remissão dos arts. 1421 n.º
1 e 1422 n.º 1, que o uso do sótão (parte comum) por “A” não constitui posse
exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título.
Ora, atento o parágrafo seguinte, poderia ser defensável que “A” se comportava
como o único proprietário do sótão, ocupando o mesmo e até deixando que “B”
para lá fosse viver na sua ausência, ignorando os demais condóminos – art. 1265º,
1263 al. d). Em conformidade, a sua posse do sótão seria não titulada, de má fé,
pacífica e pública – arts. 1259º, 1260º n.º 2, 1261º, 1262º.
1
Todos os artigos mencionados referem-se ao Código Civil, salvo quando expressamente indicado outro
diploma legal.

Cotações: I 11 v; II a) - 3 v; II b) 4 v; sistematização e redacção – 2 v.


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DIREITOS REAIS – 3º Ano – Noite – Exame Escrito – 17/09/2009
Tópicos de correcção
Duração: 1h:30m

Refira-se ainda que não sendo o sótão uma fracção, “A” não poderia recorrer ao
disposto no art. 1422-A.
BERNARDO, jovem Advogado e sobrinho de ANTÓNIO, andava à procura de um
escritório para iniciar a sua actividade, mas não tendo ainda rendimentos suficientes,
não lhe era possível pagar qualquer renda. Em 2006, ao tomar conhecimento desta
situação, ANTÓNIO, que durante três anos, ia trabalhar na Comissão Europeia como
jurista, deixou que BERNARDO utilizasse e ocupasse o escritório e o sótão, até que
conseguisse rendimentos para poder arrendar um espaço seu. Desde essa data, nunca
mais foram pagas as correspondentes comparticipações anuais nas despesas de
conservação e fruição das partes comuns do edifício.

No que respeita ao escritório, “B” adquire um direito de uso (e não habitação)


sobre o mesmo – art. 1484º n.º 1 -, devendo “B” proceder ao pagamento das
despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns previstas no art.
1424º, atento o art. 1489 n.º 1. A aquisição do direito de uso é um facto sujeito a
registo – art. 2º n.º 1 al. a) do C.R. Predial. Os factos sujeitos a registo só produzem
efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo – art. 5º n.º 1 do C. R.
Predial.

“A” mantém a posse correspondente ao direito de propriedade – art. 1252º, 1253º


al. c). O direito de uso é intransmissível – art. 1488º

No que respeita ao sótão, “B” não adquire qualquer direito real de gozo – art. 1408
n.º 1, 2 e 3.

BERNARDO, Advogado pouco escrupuloso, decidiu “vender” o andar do seu tio a um


cliente, CARLOS, que se dedicava à compra e venda de propriedades. Assim, no início
de Janeiro de 2009, aproveitando a ausência de ANTÓNIO, BERNARDO e CARLOS
forjaram um documento particular autenticado de compra e venda entre ANTÓNIO e
CARLOS, registando este último a venda do imóvel a seu favor. Dois dias depois,
CARLOS vende por um bom preço o andar a DANIEL que nada sabia da “tramóia” e
que regista a sua aquisição.

Em 17/09/2009, ANTÓNIO, que tinha sido citado pelo Tribunal em sede de acção
executiva instaurada pela Administração do Edifício para pagar as “quotas do
condomínio” devidas desde 2006, regressa a Portugal para saber o que se passa. Ao
entrar no seu andar encontra DANIEL que o informa ser o novo proprietário!

O registo a favor de “C” é nulo por ter sido efectuado com base num título falso –
art. 16º al. a) do C.R. Predial. Porém, “D”, embora de boa fé, não fica protegido
pelo art. 17º n.º 2 do C.R. Predial, pois “A” beneficia do efeito consolidativo do
registo predial.

Cotações: I 11 v; II a) - 3 v; II b) 4 v; sistematização e redacção – 2 v.


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DIREITOS REAIS – 3º Ano – Noite – Exame Escrito – 17/09/2009
Tópicos de correcção
Duração: 1h:30m

Considerando a boa fé de “D”, “A” não poderia mover contra “D” uma acção de
restituição da posse (art. 1281º n.º 2), mas poderia mover-lhe uma acção de
reivindicação – art. 1311º.

No que respeita à acção executiva movida pela Administração do Edifício contra


“A” é de referir que tal actuação é da competência da Administração do
Condomínio, nos termos do art. 1436º e),tendo legitimidade para tal – art. 1437º
n.º 1.

Relativamente ao sótão, mesmo considerando poder ter ocorrido inversão do título


da posse, “A” não o adquire por usucapião – art. 1296º.

Refira-se, por fim, que caso fosse deliberado em Assembleia de Condóminos


mover, agora, uma acção de reivindicação contra “A” no que respeita ao sótão, a
administração do condomínio não teria legitimidade para actuar em juízo, salvo se
a assembleia tivesse atribuído para o efeito poderes especiais ao administrador –
art. 1437º n.º 3.

Cotações: I 11 v; II a) - 3 v; II b) 4 v; sistematização e redacção – 2 v.

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