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Encontro Arqueologia e Autarquias

Pensar Local…Agir Global


O Museu de Arte Pré-Histórica de Mação:
memória, intuição e expectiva

Luiz Oosterbeek
Museu de Arte Pré-Histórica de Mação; Instituto Politécnico de Tomar; Grupo “Quaternário e Pré-
Histórica” do Centro de Geociências (uID73); Projecto FCT PTDC/HAH/71361/2006
loost@ipt.pt

Sara Cura
Museu de Arte Pré-Histórica de Mação; Grupo “Quaternário e Pré-Histórica” do Centro de
Geociências (uID73); Projecto FCT PTDC/HAH/71361/2006
saracura@portugalmail.pt

Rossano Lopes Bastos


Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (Brasil). Professor convidado do Instituto
Politécnico de Tomar
rossano.lopes.bastos@terra.com.br

Resumo: Qual pode ser o lugar da arqueologia e dos arqueólogos na sociedade actual? A resposta
que desde há quase meio século, nos vários sectores de actividade, se vem tentando, é de pensar
globalmente embora agindo localmente. Pensamos que é tempo de alterar essa equação, que não
tem em conta a matriz de redes que se consolidou nos últimos anos. Na verdade, o caminho que
trilhamos em Mação, e em outros contextos no Brasil, parte da convicção de que é preciso partir das
preocupações das pessoas concretas, uma a uma, onde elas se encontram. Ou seja, é preciso pensar
local, partir das necessidades locais e concretas, sabendo que ao serem concretas elas são “síntese de
múltiplas determinações” e, por essa via, são também globalmente determinadas. Não se trata, assim,
de deduzir de modelos teóricos globais a sua aplicabilidade local, mas de entender que uma marca
essencial da globalização é a potenciação das autonomias locais (pelas razões antes mencionadas).

Palavras-chave: Arqueologia – Museu de Mação – Sociedade – Território – Qualificação –


Qualidade

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“Há três tempos:

O tempo passado, que é a memória


O tempo presente, que é a intuição
O tempo futuro, que é a expectativa”

Santo Agostinho, Confissões

1. Uma dupla reflexão

É essencial que, como arqueólogos, tenhamos um olhar crítico e distanciado sobre


as aparências do quotidiano. É certo que nunca como antes há profissionais a trabalhar
no domínio da arqueologia, nunca como antes se têm implementado legislações
nacionais protectoras do património arqueológico afectado por obras públicas (e,
por vezes, também por obras privadas). Mas o cenário mais global é o da perda de
relevância da arqueologia (junto com a antropologia, a história, a filologia e o conjunto
do que a sociedade percepciona como “Humanidades) face aos domínios tecnológicos.
Essa perda é bem evidente na política cultural da Comissão Europeia e nas diversas
políticas nacionais (incluindo Portugal, que não é infelizmente excepção). É por isso
essencial compreender a raiz desta realidade, que não radica apenas na consciência
das lideranças políticas, mas decorre de processos sociais mais profundos.
Vivemos num Mundo em transição, marcado por uma dicotomia crescente entre
os problemas sentidos pelos cidadãos e as estruturas sociais de poder. Na verdade,
quer os grandes problemas da Humanidade (por exemplo a questão ambiental) quer
as questões locais (por exemplo os problemas de circulação viária dentro de um bairro)
encontram fraca, lenta e ineficiente resposta por parte de um sistema institucional
estruturado a partir do modelo dos “Estados-Nação”.
Esta nova realidade, ou melhor, a crescente consciência sobre esta realidade (que
na verdade se foi gerando ao longo do século XX), não é isenta de consequências no
plano da organização social e, em consequência, da forma como a sociedade projecta
os mecanismos de auto-reflexão. A principal consequência é o reforço do estatuto
dos indivíduos, isoladamente considerados, a um nível sem precedentes. Com efeito,
a necessidade que os diferentes órgãos de poder foram assumindo, no sentido de
convocar o empenhamento individual na solução de problemas colectivos, foi por sua
vez colocando em questão a relevância e legitimidade dessas mesmas estruturas de
poder, através da reivindicação de maior liberdade, muitas vezes entendida numa óptica
de liberalismo não solidário. E, num processo que abala todas as estruturas sociais,
face à resistência e sobrevivência das mais fortes e globais (como o são, apesar de
tudo, os Estados-Nação), têm sido outras as estruturas a mais rapidamente entrar
em decomposição: as igrejas, as organizações não governamentais, as famílias,…e
também, naturalmente, as estruturas de ensino superior e investigação. É um processo
complexo, que tem tendências contraditórias e que não é homogéneo entre os vários
países e regiões, mas que apesar de tudo marca o conjunto do planeta. E é preciso
compreendê-lo, para compreender o lugar da arqueologia na sociedade actual e, nesse
quadro, a sua possível relação com as autarquias.

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Encontro Arqueologia e Autarquias

Compreender o reforço deste estatuto da pessoa na sociedade, e dos seus direitos


de participação, impõe uma atenção sobre o que procuram as pessoas. Não há, desse
ponto de vista, grande surpresa, pois em todos os contextos culturais, de Mação ao
Rio de Janeiro, de Lisboa a Calcutá, os indivíduos procuram uma vida estável e onde
as mudanças, a ocorrerem, possam oferecer mais condições nos planos da saúde,
do emprego, da habitação, da segurança e, acessoriamente, de outros serviços (em
particular a educação). É importante compreender esta tendência para a estabilidade,
que é mediada pela procura de mecanismos de integração identitária, de permanente
fossilização de realidades que são, naturalmente, processos dinâmicos. A construção
de identidades culturais é, com efeito, um processo eminentemente conservador e
reactivo, muitas vezes nada progressivo (veja-se o caso das corridas com touros de
morte em Barrancos, ou a persistência das burkas num Afeganistão “libertado”, por
exemplo), e também este facto deve estar presente nas nossas reflexões.
O reforço do papel dos indivíduos na sociedade é hoje o maior factor de expansão
de modelos sócio-políticos democráticos, mesmo que, como sempre na História,
também o conteúdo da palavra democracia tenha conotações distintas consoante
os contextos em que se insere. Mas não é essa a única consequência, sendo muito
relevante a crescente decadência dos sistemas de socialização (da família à escola),
que estão na raiz de um processo de alienação crescente desses mesmos indivíduos.
É bem evidente que estão em retrocesso as competências de raciocínio lógico
(nomeadamente matemático, essencial para uma visão racional dos processos causais)
e os conhecimentos de “cultura geral” na sociedade (designadamente de história e
geografia, disciplinas estruturantes das noções de tempo e espaço que, por sua vez,
são cruciais para um posicionamento “eficaz” de cada indivíduo no mundo). Não se
trata de processos limitados a Portugal (que apenas os aprofunda mais depressa,
porque nunca consolidou socialmente o seu sistema de ensino), e sim de um problema
global, de que é expressão o desinteresse da UNESCO pelas Humanidades em geral,
e pela arqueologia em Portugal.

Fig. 1 Compreensão da dimensão global e identitária do Património

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2. Qual o lugar dos arqueólogos e da arqueologia?

Qual pode ser o lugar da arqueologia e dos arqueólogos neste contexto? A resposta
que desde há quase meio século, nos vários sectores de actividade, se vem tentando,
é de pensar globalmente embora agindo localmente. Pensamos que é tempo de alterar
essa equação, que não tem em conta a matriz de redes que se consolidou nos últimos
anos. Na verdade, o caminho que trilhamos em Mação, e em outros contextos no Brasil,
parte da convicção de que é preciso partir das preocupações das pessoas concretas,
uma a uma, onde elas se encontram. Ou seja, é preciso pensar local, partir das
necessidades locais e concretas, sabendo que ao serem concretas elas são “síntese de
múltiplas determinações” e, por essa via, são também globalmente determinadas. Não
se trata, assim, de deduzir de modelos teóricos globais a sua aplicabilidade local, mas
de entender que uma marca essencial da globalização é a potenciação das autonomias
locais (pelas razões antes mencionadas). Mas se as preocupações das pessoas são
locais, pois é nos locais que elas vivem, a sua realidade sócio-económica é global,
e uma acção eficaz, também no plano da investigação, é aquela que contribuir para
agir no plano global, sublinhando convergências metodológicas, comparabilidade de
modelos e afirmação de diversidades mutuamente reconhecidas.
Neste quadro, é também essencial que o novo lugar da arqueologia na sociedade
só se pode construir a partir do seu lugar anterior, e não em plena ruptura com ele
(pois neste caso toda a área de saber arqueológico seria pulverizada). A prioridade
da acção arqueológica permanece, naturalmente, na investigação (sem a qual não há
reconhecimento da natureza arqueológica de certas evidências) e na conservação (sem
a qual não ocorre a perenização supra-geracional das evidências, que é essencial para
a sua assimilação social). Em seguida, ela deve inserir-se no território e na população
local e regional, operando nessa inserção local uma didáctica da diferença cultural. Em
terceiro lugar, a intervenção arqueológica deve sublinhar a dupla natureza local (que
reforça as tendências centrípetas dos mecanismos identitários) e global (que reforça
a noção de unidade da espécie humana) dos vestígios arqueológicos. Em quarto lugar,
deve destacar os recursos lógicos necessários ao seu labor: os conceitos de espaço,
tempo e causalidade que se desenvolveram no quadro do progresso científico e não
como meros pontos de vista apoiados no senso comum. Em quinto lugar deve construir
mecanismos de comunicação, de socialização de novos conhecimentos, ajudando a forjar
o domínio social de novos conceitos, aprofundando recursos didácticos subordinados
aos conteúdos decorrentes da investigação (e não meramente performativos, ou de
entretenimento). Em sexto e último lugar, a arqueologia deve promover a exigência
de qualidade acreditada e permanentemente avaliada, deixando-se escrutinar pelo
juízo crítico de terceiros, fugindo das torres de marfim, e assumindo dessa forma uma
eficiente intervenção social, cujo fito social é o de contribuir para a construção de novo
conhecimento e sua sucessiva socialização.

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Fig. 2 Sobordinação da didática aos conteúdos decorrentes da invertigação

3. Uma estratégia local para uma actuação global

O programa do Museu de Arte Pré-Histórica de Mação é, neste sentido, um programa


que assume a população local como sua primeira prioridade, numa óptica que intervém
na reorganização social. O papel do Museu é de promover espaços de encontro, de
reflexão, de construções de conhecimento e de novos conceitos, e de elaboração de
juízos críticos. Por isso, quando se iniciou o processo de reorganização do Museu, em
2002, se começou por elaborar um extenso inquérito à população, que tocou cerca
de 10% da população do concelho (mais de 30% da população adulta). As iniciativas
do Museu são orientadas por critérios académicos, mas sempre em diálogo com a
população, e no pressuposto de que o Museu deve servir o conjunto da população e
não apenas os seus visitantes.

Fig. 3

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A primeira linha da actividade do Museu é a investigação, sobre as suas colecções
e sobre todo o território. Reflectindo sobre o âmbito territorial do Museu de Mação,
entendemos que ele tem de estar articulado com o território da população de que
emergem os seus visitantes, e é nessa perspectiva que a acção do Museu se torna global,
apoiando projectos diversos que se desenvolvem no âmbito do Grupo de Quaternário e
Pré-História do Centro de Geociências (unidade da FCT), que se encontra sedeado em
Mação, no âmbito da colaboração com o Instituto Politécnico de Tomar.
O Museu desenvolve, actualmente, projectos de intervenção no Alto Ribatejo em
Portugal (no domínio do Quaternário, do Megalitismo e da Arte Rupestre), em quatro
Estados do Brasil (projectos de arqueologia da paisagem e gestão do património em
Santa Catarina, S. Paulo, Piauí e Maranhão, na base de parcerias com Universidades
daquele País, e com apoio da Comissão Europeia e das autoridades brasileiras),
na Colômbia (em parceria com o GIPRI, grupo de investigação em arte rupestre) e
no Senegal (estudo de formações quaternárias, em colaboração com o Instituto
Fundamental da África Negra e com a Universidade de Dakar). Brevemente terão início
acções que envolverão Museu em Angola e noutros países sul-americanos. Estas linhas
de intervenção regional cruzam-se com linhas temáticas de pesquisa: Quaternário e
indústria lítica, Arte Rupestre, Tecnologia cerâmica, Povoamento, Ambiente e Cronologia,
Património, Teoria.
Todos estes projectos funcionam graças à concentração em Mação, através
do Mestrado em Arqueologia Pré-Histórica e Arte Rupestre (IPT/UTAD) e do
Doutoramento em Quaternário, Materiais e Culturas (UTAD), de mais de uma centena de
investigadores, mais de 25% dos quais beneficiários de diversas bolsas de investigação
(cerca de 5 dezenas de mestrandos, três dezenas de doutorandos e duas dezenas de
investigadores). Ao concretizar projectos aparentemente longe de Mação, o Museu
reforça a realidade local, promovendo designadamente uma inserção de estudantes e
professores provenientes de mais de duas dezenas de países, no espaço socio-cultural
de Mação; nesta medida, tem-se conseguido uma adesão crescente da população
(naturalmente mais céptica num primeiro momento) à dinâmica que se vai criando.
Se a investigação é a primeira linha de acção, a Conservação e a Formação são,
indissociavelmente, a segunda. A conservação decorre sobretudo da capacidade de
estudo aprofundado, mas também da intervenção técnica, executada a nível d e primeiros
socorros no Museu, mas com uma infraestrutura ampla no Instituto Politécnico de Tomar.
No plano da formação, e para além da já mencionada formação a nível pós-graduado,
o Museu acolhe programas intensivos de forte expressão académica internacional,
em especial três eventos anuais: o Curso Intensivo de Arte Pré-Histórica Europeia, o
Curso Intensivo de Gestão Global do Património Cultural e as Jornadas de Arqueologia
Iberoamericana. Para além destes, o Museu oferece diversos cursos breves, e criou um
serviço educativo directamente emergente dos projectos de investigação, que integra
os utilizadores no Museu na lógica de investigação sobre tecnologias e comportamento
humano (o projecto Andakatu, que une Arqueologia, Ciências, Tecnologia e Artes).

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Fig. 4

A terceira linha de acção é a comunicação. O objectivo do Museu é o de construir


conhecimento, não apenas no meio académico mas no quadro social global. Este
desiderato implica a elaboração de planos de comunicação e didáctica, que incorporam
os serviços educativos já mencionados, mas se prolongam na discussão dos critérios
de legendagem das exposições, na elaboração dos diálogos que estruturam as visitas
guiadas (mais de 90% do total de visitas) ou a relação com a comunicação social (que,
através do gabinete de imprensa da autarquia, tem um papel crucial na afirmação do
Museu com pólo de diálogo e inovação cultural e social). No plano comunicacional
a principal preocupação é a diferenciação de discursos, de forma a adaptá-los aos
diferentes interlocutores, sem nunca prescindir de um conjunto de eixos centrais,
que configuram as temáticas da exposição permanente (paisagem, tecnologia,
caça-recolecção, clima, mundo rural, agro-pastoralismo, complexificação social, arte
rupestre).
Se a diferenciação é prioritária no plano comunicacional, a integração é crucial
na quarta linha de acção, que corresponde aos serviços que o Museu tenta prestar à
comunidade, para além das dimensões do estudo, conservação e disseminação cultural.
Neste plano o museu está ainda a dar os primeiros passos, tendo começado por
adoptar um rigoroso plano de gestão interna por objectivos, que em 2009 se alargará
ao plano da gestão público-privada de parte das suas acções (com a empresa Benefits
& Profits), em especial no plano dos serviços. Embora o Museu tenha propostas a
fazer, será do diálogo com a comunidade, e em particular com o Conselho Empresarial

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em estruturação, que será elaborado o plano desta linha de acção. O crescimento do
número de utilizadores, que em 2009 deverá ultrapassar os 12.500 (ou seja, mais de
150% da população do concelho, e cerca de seis vezes e meia a população da vila de
Mação), tem um impacto evidente na vida económica do Concelho, mas que pode e
deve ser melhorado, por forma a contribuir mais eficientemente para uma vida melhor
dos cidadãos de Mação.
Esta actuação em quatro grandes linhas será, por sua vez, escrutinada de forma
independente, no processo de avaliação e certificação HERITY que terá lugar em 2009.
Entendemos que a avaliação externa, que já ocorre individualmente com cada um dos
projectos que o Museu desenvolve, é um instrumento de gestão e de transparência
essencial, e por essa razão deve ser implementado a nível global. É evidente que
estamos conscientes das dificuldades ainda existentes, e cremos que a avaliação
ajudará a sistematizá-las para depois, sempre em articulação com a população de
Mação e com as diferentes entidades, locais e outras, que nos têm apoiado, podermos
ir consolidando e alargando o projecto.

4. Eixos de uma relação entre a arqueologia e os cidadãos

A relação dos cidadãos com a arqueologia só se pode apoiar na base da clarificação


do interesse que a arqueologia tem para a melhoria das suas vidas. Referimos acima
quais cremos serem as preocupações essenciais dos cidadãos, e entre elas referimos a
questão identitária, mas claramente não mencionámos o acesso à cultura. Na verdade,
a noção do direito de acesso à cultura parte de um equívoco conceptual: o de que
a cultura é algo exterior ao cidadão comum e apanágio de um numero limitado de
especialistas. Em sociedade, os indivíduos estabelecem entre si relações de intercâmbio,
para satisfação das suas necessidades, a que se dá a designação de economia, que se
regulam através de sistemas de comunicação, mediação e representação, a que damos
o nome de cultura. A cultura e a economia são, assim, indissociáveis. Na verdade,
existem especialidades técnicas, científicas e artísticas, mas a cultura é o conjunto dos
mecanismos comportamentais que regulam as relações entre dos indivíduos entre eles
e com tudo o que os cerca. Não se trata, por isso, de facultar o acesso à cultura, mas
antes o de promover a construção de conhecimento, plasmada na construção de novas
noções e conceitos, que por sua vez só se conseguem forjar num quadro de articulação
global, económica, das relações sociais.
A arqueologia, para além da componente identitária, serve sobretudo para a
compreensão da relevância das materialidades na construção cultural, possibilitando a
cada cidadão uma relação mediada, reflectida, com o passado e, através dessa reflexão,
a compreensão dos mecanismos de convergência e diversidade culturais. Para a
produção do conhecimento arqueológico é essencial cruzar abordagens que partem
de domínios científicos distintos, da História e Antropologia às Ciências da Terra e
da Natureza, passando pela Física e pela Química. Este procedimento intelectual, se
explicado e discutido com os não arqueólogos, e em particular com os utilizadores
dos museus de arqueologia, é um poderoso meio para combater o retrocesso das

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competências lógicas que foi referido e que marca o actual processo de alienação dos
cidadãos.
No Museu de Arte Pré-Histórica de Mação, o discurso museológico é orientado
para uma reflexão sobre os processos de adaptação às modificações ambientais que
marcaram o nascimento da paisagem rural, nas suas diferentes dimensões, procurando
introduzir factores de perturbação dinâmica que suscitem interrogações. Este discurso é
localizado no tempo, valorizando a dimensão histórica, mas é sobretudo uma abordagem
antropológica sobre as reflexões dos indivíduos nas sociedades agrícolas sobre o
sentido de futuro, incluindo o futuro para além da morte. Se a exposição permanente
se centra sobre a Neolitização do Vale do Tejo, a temática global do Museu, e diversas
exposições temporárias (como a recente exposição “Os Deuses Sem Nome”, elaborada
com apoio da Comissão Europeia, numa parceria com diversos centros de investigação
do Sul da Europa e com o Museu Nacional de Arqueologia), procuram reflectir para
além dessa dimensão.
Os instrumentos operacionais do Museu na sua relação com a sociedade são
essencialmente cinco.
Em primeiro lugar a exposição permanente e a biblioteca, que constituem os espaços
de acolhimento privilegiado do Museu. A ligação física da Biblioteca com a sala de
exposições sublinha a importância que o acervo bibliográfico tem no conhecimento e
visa dessacralizar os dois espaços.
O segundo instrumento são os roteiros arqueológicos, de que estão em fase de
teste dois (o circuito Lithos, que percorre sítios do Paleolítico à Idade do Bronze, em
toda a região, promovendo uma abordagem da relação entre as sociedades humanas
e a diversidade dos recursos líticos, relacionando funções e tecnologias; e o circuito
Rupestre, que se estrutura a partir do Parque Arqueológico do Ocreza, parcialmente já
visitável e a inaugurar em 2009) e se prepara um terceiro (o itinerário urbano da Vila
de Mação).
O terceiro são os Espaços de Memória. Em diversas freguesias, incluindo a sede
do Concelho, o Museu apoia a organização de espaços que reúnem elementos de
cultura material locais, associados a memórias de vida de cidadãos que vivem nessas
localidades. Intitulados “Espaços de Memória”, têm o triplo objectivo de destacar
a importância do saber acumulado pelos mais idosos, que é sistematicamente
negligenciado na sociedade actual, promover o seu contacto com os mais novos e,
finalmente, construir conceitos como o de cultura material, que são essenciais para a
apropriação social do próprio Museu.
O quarto são as redes de intercâmbio, que trazem a Mação um elevando número de
pessoas, e designadamente de residentes de fora do Concelho e do País. Essas redes
propiciam um confronto cultural não isento de inquietações, mas que constituem uma
outra vertente da construção de uma sociedade integrada na base do reconhecimento
e promoção da diversidade. A “Semana Mundus” que, em 2008, foi promovida pelos
estudantes de Mestrado e Doutoramento, constituiu um momento muito relevante
deste processo. Durante uma semana, os estudantes de diferentes nacionalidades
promoveram noites culturais, com convívio musical e gastronómico estruturado na base

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das suas próprias realidades de origem, e que atraiu centenas de pessoas do concelho,
e mesmo de fora dele.
Finalmente, o quinto é a relação especial com o Brasil, alicerçada nos projectos
que se vêm desenvolvendo, na afinidade linguística e, também, na convergência de
preocupações académicas e de intervenção social que unem as equipas que, de um
lado e do outro do Atlântico, procuram intervir nestas problemáticas.
Estes cinco eixos de actividade articulam-se em torno de três eixos de
desenvolvimento, que norteiam o plano de gestão do Museu: Território, Qualificação e
Qualidade. Na vertente do Território, o Museu assume-se como um seu elemento nodal,
a partir dos campos da Arqueologia, da Arte Rupestre, da Arquitectura, das Artes e dos
saberes tradicionais, que se são os seus campos de intervenção social. Na vertente
da Qualificação, o Museu assume-se como espaço de construção de conhecimento,
que toma a Biblioteca e as exposições como instrumento, e que promove acções de
debate e de formação. Na vertente da Qualidade, o Museu assume-se como espaço de
exigência, exteriormente controlada.
O Museu de Mação é e será um pequeno Museu, e enfrenta diversas dificuldades,
de que a menor não é a lentidão das estruturas do poder central em Portugal, a sua
ausência de estratégia continuada, a sua incapacidade de pensar para além dos muros
de algumas repartições ministeriais e, sobretudo, o seu medo de confronto internacional.
O Museu tem enormes dificuldades financeiras, e muitos dos seus objectivos prioritários
ainda não se conseguem concretizar em pleno sobretudo por essa razão. Mas isso não
o impede de agir em frentes muito amplas e de se consolidar mesmo fora do País,
porque a sua única ambição é a de contribuir para uma sociedade mais consciente e
crítica, com menos assimetrias.

Fig. 5

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Encontro Arqueologia e Autarquias

P.S. Pretendemos sublinhar o carácter colectivo das acções do Museu, em que além
dos signatários assumem responsabilidades os colegas Anabela Borralheiro Pereira,
Margarida Morais, Pedro Cura, Isabel Afonso, Teixeira Marques, Guillermo Muñoz,
Rosa Fernandes, Isabel Lóio, Rui Fernandes. Os autores exprimem igualmente os seus
agradecimentos à Câmara Municipal de Mação (que promove e suporta todo o projecto,
com envolvimento directo d emuitos dos seus responsáveis e funcionários), ao Instituto
Politécnico de Tomar (com quem foi criado o centro de investigação designado por
Instituto Terra e Memória), à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (igualmente
envolvida nos projectos de educação e investigação) e à Comissão Europeia (que
tem financiado grande parte das iniciativas do Museu). Os trabalhos do Museu não
seriam possível sem a relação estreita que existe com o Centro de Pré-História do
I.P.T. (dirigido por Ana Cruz) e com o Centro de Interpretação de Arqueologia do Alto
Ribatejo (dirigido por José Gomes).

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