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Parada cardiorrespiratória/ACLS Roberta Pulcheri Ramos

1. Conceitos É fundamental por não ser possí-


Chamar por ajuda vel determinar a necessidade de
Parada cardiorrespiratória (PCR) é a interrup- suporte avançado.
ção súbita da atividade cardíaca e, consequente- Deve-se posicionar a vítima em
superfície horizontal e rígida, man-
mente, da circulação sistêmica. Os mecanismos
tendo a coluna cervical alinhada
do colapso circulatório são vastos, mas a maioria Posicionamento
com o corpo; o socorrista posicio-
dos episódios é precedida por taquicardia ou fibri- na-se à linha dos ombros do pa-
lação ventricular. No Brasil, 35% das mortes são ciente, independente do lado.
decorrentes de doenças cardiovasculares, sendo Deve-se fazer avaliação rápida
e objetiva da presença de movi-
a doença coronariana a principal causa de PCR. A Abertura de vias mentos respiratórios (“gasping”
sobrevida e o prognóstico após este evento estão aéreas/avaliação não denota respiração presen-
intimamente relacionados à rapidez e à qualidade da respiração te). Para profissionais de saúde,
das manobras executadas pelos profissionais. a pesquisa de pulso central é re-
comendada por até 10 segundos.
Realiza-se a sequência C-A-B
2. Abordagem ACLS – 2010 Sequência da re-
animação
(“circulação”, “vias aéreas”, “res-
piração”).
Enquanto o objetivo do suporte básico de
- No mínimo 100/min, com pro-
vida é estabelecer condições mínimas para a fundidade de 5cm (mínimo);
recuperação da circulação e oxigenação sistê- retorno total da parede toráci-
ca entre as compressões. Limi-
mica (Tabela 1), o suporte avançado de vida Compressões tar interrupções ao máximo de
(Advanced Cardiovascular Life Support – ACLS) 10 segundos;
exige a presença de um médico, pois envolve - Alternar indivíduo que executa as
compressões a cada 2 minutos.
a prescrição de drogas, a abordagem invasiva
- Relação compressão–ventila-
de via aérea e a monitorização cardíaca. Para ção 30:2; caso o socorrista não
o adequado manejo da PCR, recomendam-se seja treinado, priorizar as com-
pressões;
as orientações do Consenso Internacional para Vias aéreas - Com via aérea avançada, pro-
Ressuscitação Cardiopulmonar (RCP), o qual foi ver 8 a 10 ventilações/minuto;
atualizado em 2010, com importantes modifi- sem necessidade de sincronia
com compressões.
cações.
Deve-se usar o aparelho precoce-
Tabela 1 - Principais aspectos do suporte básico mente; se indicado o choque, evitar
de vida interrupções prolongadas nas com-
pressões. Iniciar imediatamente as
- Ausência de responsividade: compressões após o choque. Se o
sem movimento respiratório ou Desfibrilação
ritmo indicado não for FV ou TV, o
com gasping; aparelho não indicará o choque,
Reconhecimento
- Se profissional de saúde: au- devendo-se manter as manobras
sência de pulso palpável em 10 de ressuscitação até disponibilida-
segundos. de do suporte avançado.

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EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

3. Relação massagem–ventilação 5. Drogas


O número de compressões torácicas por Dois acessos venosos calibrosos devem ser
minuto durante a RCP é um determinante obtidos para infusão de drogas. Caso o acesso
importante para o retorno da circulação espon- venoso não esteja disponível, devem-se admi-
tânea, que influenciará a sobrevida e o prog- nistrar as medicações por via intraóssea ou pela
nóstico neurológico do paciente. Assim, reco- cânula traqueal. Cumpre ressaltar que essas
menda-se a aplicação de compressões numa medicações por outra via devem ser emprega-
frequência de 100 por minuto, visto que alguns das em doses diferentes, devido à absorção –
estudos demonstraram que a aplicação de um em outras proporções. A atropina foi retirada
maior número de compressões está associada do algoritmo do ACLS, por ser considerada uma
a maior sobrevida, por permitir o retorno mais droga com poucos benefícios no aumento da
rápido e eficaz da circulação e oxigenação sis- sobrevida.
têmica. Salienta-se que, além da frequência, a
qualidade das compressões torácicas também 6. Algoritmos das manobras de
é importante, recomendando-se que o esterno
seja comprimido, no mínimo, 5cm, aguardando
RCP
o retorno para a posição basal antes da próxima
compressão. Adicionalmente, enfatiza-se que A - PCR em fibrilação ventricular ou taqui-
as interrupções entre as compressões devem cardia ventricular sem pulso
ser minimizadas, visto que isso pode reduzir o São as formas mais frequentes de PCR extra-
número de compressões por minuto e compro- -hospitalar e, também, as que possuem maio-
meter a PCR. Desse modo, é importante não res chances de reversão. As contrações miocár-
interromper a massagem cardíaca por mais que dicas ineficazes (sem pulso) devem ser pronta-
10 segundos em cada minuto de RCP. Quando mente tratadas com desfibrilação com choque
não houver via aérea avançada, a relação com- único em energia máxima (360J em desfibrila-
pressão–ventilação deve ser de 30:2. dores monofásicos e 120 a 200J em bifásicos).
Após o choque, as manobras de RCP devem
4. Via aérea definitiva/ ser imediatamente retomadas e mantidas por
capnografia 2 minutos, concomitantes à IOT e à obtenção
de acesso venoso para drogas. Mantendo-se
A intubação orotraqueal (IOT) deve ser reali- ritmo de fibrilação ventricular ou taquicardia
zada sem interrupção das compressões toráci- ventricular após os 2 minutos, novo choque
cas. Em casos de dificuldades, estas devem ser deve ser efetuado, assim como a administra-
interrompidas pelo menor tempo possível. Após ção de drogas. Após a epinefrina (1mg a cada
a IOT, é necessário confirmar a posição do tubo 3 a 5 minutos) ou vasopressina (dose única de
por meio da ausculta epigástrica e, em seguida, 40UI), a amiodarona deve ser administrada na
da ausculta pulmonar. Poderia ser salientado o dose de 300mg. Uma 2ª dose de 150mg pode
1º lugar de ausculta pulmonar – à direita, devido ser aplicada.
à anatomia da região. A utilização da capnogra-
fia quantitativa é, atualmente, indicada não ape- B - PCR em assistolia ou atividade elétrica
nas para confirmar o correto posicionamento sem pulso
da cânula traqueal, mas, também, para avaliar Essas situações não são passíveis de choque,
a RCP. Quando valores abaixo de 10mmHg são sendo a assistolia associada a pior prognóstico.
encontrados, deve-se melhorar a qualidade da A identificação etiológica é importante para o
massagem cardíaca, pois isto indica que não está manejo adequado da RCP. Massagens cardíacas
ocorrendo fluxo pulmonar satisfatório. devem ser realizadas a cada 2 minutos, inter-

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Parada cardiorrespiratória/ACLS

valadas com a checagem de pulso. A utilização estiver <94%, diante das evidências dos efeitos
de epinefrina está indicada a cada 3 a 5 minu- nocivos da hiperóxia após a PCR.
tos. A vasopressina pode substituir a 1ª ou a 2ª
dose de epinefrina. A atropina não está mais C - Hipotermia induzida
indicada. De acordo com a suspeita etiológica, É indicada por 12 a 24 horas após a PCR, obje-
medidas específicas devem ser realizadas con- tivando-se temperatura central de 32 a 34°C. É
comitantes às manobras de RCP (Tabela 2). um método terapêutico que possui impacto na
evolução neurológica destes pacientes, sendo
Tabela 2 - Principais causas de PCR por assistolia
ou atividade elétrica sem pulso e a terapia reco- indicada àqueles que não respondem adequa-
mendada durante as manobras de ressuscitação damente a comandos após a RCP. A presença
Hipovolemia Reposição de volume de sangramento ativo não compressível é con-
Oferta de oxigênio e venti- traindicação absoluta.
Hipóxia
lação
“Hidrogênio” – aci-
D - Prognóstico neurológico
Bicarbonato de sódio Muitos pacientes evoluem com sequelas
dose metabólica
Reposição de potássio/bi- neurológicas irreversíveis após a PCR. Além da
Hipo/hipercalemia hipotermia induzida, é necessário tratar ade-
carbonato
Hipotermia Aquecimento quadamente as convulsões, que devem ser
Pneumotórax hiper- diagnosticadas clinicamente ou por eletroence-
Punção de alívio falograma e tratadas prontamente.
tensivo
Tamponamento
Punção pericárdica (Marfan)
cardíaco
Toxinas Antagonistas específicos
Tromboembolismo
Trombólise
pulmonar
Trombose corona-
Tratamento de reperfusão
riana

7. Cuidados pós-PCR
Suporte cardiopulmonar e neurológico é
recomendado após as manobras efetivas de
RCP, para um melhor prognóstico às vítimas
sobreviventes.

A - Suporte cardiovascular
Além da administração de soluções crista-
loides e drogas vasoativas para manutenção da
pressão sistêmica, o cateterismo de urgência é
indicado para pacientes com suspeita de PCR
por infarto agudo do miocárdio.

B - Suporte ventilatório
A saturação arterial da oxi-hemoglobina
deve ser continuamente monitorizada, sendo
a oferta de oxigênio indicada quando a SpO2

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Choque
Roberta Pulcheri Ramos

1. Conceitos e fisiopatogenia pode ser decorrente de miocardites, arritmias,


anormalidades mecânicas (lesões valvares agu-
Choque é uma síndrome multifatorial que das, ruptura de aneurisma de aorta, mixoma
resulta em disfunção tecidual decorrente de atrial) ou de descompensação de cardiomiopa-
perfusão e/ou utilização inadequada de oxigê-
tias crônicas, como cardiopatias hipertensivas,
nio pelos tecidos. Salienta-se que a hipotensão
insuficiência cardíaca congestiva, hipertensão
pode não estar presente em pacientes que apre-
sentam choque, ou seja, alterações no consumo pulmonar e doenças valvulares.
tissular de oxigênio podem ocorrer mesmo com
C - Choque distributivo
pressão sistêmica em níveis fisiológicos. O dese-
quilíbrio entre a oferta e a utilização culmina O mecanismo fisiopatológico principal é a
em hipóxia tissular, metabolismo anaeróbio, vasodilatação sistêmica e a principal causa é
ativação da cascata inflamatória e disfunção de o choque séptico. Além disso, a síndrome da
órgãos. A avaliação da gravidade do paciente resposta inflamatória sistêmica, o choque neu-
crítico com choque deve englobar métodos que rogênico, as doenças endócrinas e as reações
avaliem a perfusão tecidual antes da evidência anafiláticas são diagnósticos diferenciais.
de manifestações hemodinâmicas sistêmicas,
como hipotensão ou redução da pressão venosa D - Choque obstrutivo
central, conforme discutiremos a seguir.
A obstrução mecânica à ejeção ventricular
pode ocorrer no tamponamento cardíaco, na
2. Etiologia embolia pulmonar e no pneumotórax hiperten-
sivo.
A - Choque hipovolêmico
Pode ser decorrente de hemorragia, seja por 3. Manifestações clínicas
trauma, sangramentos gastrintestinais, fraturas
ou complicações cardiovasculares mecânicas. Além de hipotensão arterial e tempo de
Adicionalmente, a perda de fluidos por diarreia, enchimento lentificado, outros sinais de hipo-
insolação, perdas insensíveis por queimaduras perfusão sistêmica, como alteração do nível
ou deslocamento de volume para o 3º espaço de consciência, pele fria e oligúria, podem ser
também são causas importantes de choque identificados. Salienta-se que a perfusão tissu-
hipovolêmico. lar e/ou a utilização regional pode estar preju-
dicada mesmo sem alterações sistêmicas indi-
B - Choque cardiogênico cativas de baixo débito. Assim, exames comple-
A causa mais frequente de choque cardiogê- mentares podem contribuir na monitorização
nico é o infarto agudo do miocárdio. Além disso, desses pacientes.

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Choque

4. Diagnóstico e exames com- e/ou utilização heterogênea, como no choque


séptico. A utilização do sangue venoso central
plementares (por cateteres venosos centrais) pode substituir
Exames laboratoriais, radiografia de tórax, a coleta na artéria pulmonar, possuindo tam-
eletrocardiograma e ecocardiograma podem bém implicações prognósticas.
ser solicitados para auxiliar na investigação
diagnóstica. Os dados de história e exame clí- B - Lactato
nico, associados aos exames complementares Produto da glicólise anaeróbia, seus valo-
iniciais, permitem o diagnóstico sindrômico res estão elevados em situações de hipóxia
do tipo de choque na maioria das situações. tecidual. A disfunção hepática também pode
Em casos de choque de origem inexplicada, a contribuir para elevação de seus níveis diante
monitorização invasiva com Cateter de Arté- da depuração ineficaz. Apresenta associação a
ria Pulmonar (CAP) pode indicar os principais gravidade e mortalidade, quando avaliados em
determinantes do estado de choque, conforme sangue arterial ou venoso central. A redução
mostrado na Tabela 1. Mais importante, o uso precoce de seus valores séricos está associada
do CAP pode otimizar o tratamento hemodi- a melhor prognóstico no choque séptico.
nâmico especialmente por permitir oximetria
e medida de débito cardíaco frequentes. O seu C - Excesso de bases
uso não está indicado de maneira rotineira. Permite a estimativa do déficit ou do excesso
de bases que regulam a manutenção de níveis
Tabela 1 - Padrões hemodinâmicos dos tipos de
choque, avaliados por monitorização invasiva fisiológicos de pH sanguíneo. Assim, em esta-
com cateter de artéria pulmonar dos de choque, os valores inicialmente negati-
PoAP DC RVS SvO2 vos podem ser acompanhados, objetivando-se
Hipovo- sua normalização.
Baixa Diminuído Alta Baixa
lêmico
Cardio-
D - Tonometria gástrica
Alta Diminuído Alta Baixa A distribuição heterogênea do fluxo sistê-
gênico
Distribu- mico pode ocorrer em algumas situações de
Variável Alto Baixa Baixa choque, como no séptico. Assim, por exemplo,
tivo
PoAP: Pressão de oclusão da Artéria Pulmonar; DC: o hipofluxo esplâncnico pode se dissociar das
Débito Cardíaco; RVS: Resistência Vascular Sistêmi- respostas hemodinâmicas sistêmicas. Nesse
ca; SvO2: saturação da oxi-hemoglobina no sangue contexto, a determinação dos valores de pH
venoso misto. e pCO2 na mucosa gástrica pode ser utilizada
como indicativo de redução do fluxo local,
Adicionalmente, diante do desequilíbrio
especialmente com a confirmação do aumento
entre a oferta e a demanda nos estados de cho-
da pCO2 gap (pCO2 gástrico - PCO2 arterial), com
que, alguns exames laboratoriais são indicados
o objetivo de excluir causas ventilatórias para
no manejo adequado destes pacientes, por per-
o aumento da pCO2. Vários estudos confirmam
mitirem uma monitorização do transporte de
que a redução da perfusão esplâncnica está
oxigênio e da perfusão tecidual:
associada a pior prognóstico.
A - Saturação da oxi-hemoglobina no san-
gue venoso misto 5. Tratamento
Coletado da artéria pulmonar, indica a ade-
quação da oferta e da extração sistêmica. Como A - Choque hipovolêmico
reflete uma medida global, pode estar normal Como não existem evidências de que as
ou até mesmo elevada em situações de fluxo soluções coloides sejam superiores às cristaloi-

5
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

des no tratamento de pacientes com choque, e nitroglicerina, que induzem o aumento do


estas últimas são recomendadas e devem ser débito cardíaco pela redução da pré e da pós-
rapidamente iniciadas. Em pacientes com cho- -carga do ventrículo esquerdo.
que hipovolêmico hemorrágico, o controle do
sangramento deve ser objetivado concomitan- C - Choque obstrutivo
temente à reposição de hemoderivados para Além das medidas gerais anteriores, o trata-
atingir hematócrito de 35%. mento específico deve ser iniciado. Na embo-
lia pulmonar, a indicação de trombólise e de
B - Choque cardiogênico embolectomia deve ser considerada. Na sus-
Além das medidas gerais, deve-se iniciar peita de derrame pericárdico com tampona-
a investigação diagnóstica com o objetivo de mento cardíaco, indicado por sinais clínicos,
reverter a causa do choque. A oferta de volume como o pulso paradoxal e a turgência jugular, e
pode ser inicialmente realizada, exceto em confirmada por ecocardiograma transtorácico,
situações em que há evidências clínicas de deve ser rapidamente tratada com drenagem
aumento das pressões de enchimento cardí- pericárdica. Em situações de emergência, como
acas, podendo ser confirmada por meio de parada cardiorrespiratória, a punção de Marfan
monitorização invasiva pelo CAP. Entretanto, pode ser realizada.
na maioria das situações de choque cardiogê-
nico, o tratamento não necessitará de reposi-
ção volêmica, mas da melhora da congestão
sistêmica. Como o uso de diuréticos é dificul-
tado pelo estado hipotensivo, a monitorização
invasiva pode contribuir no manejo das drogas.
Assim, o uso de vasopressores, como adrena-
lina e dopamina, é recomendado para induzir
vasoconstrição arteriolar e aumento da pressão
de perfusão tissular. Por outro lado, os agentes
inotrópicos, como a dobutamina, ao determi-
narem melhora da contratilidade cardíaca, são
indicados para pacientes sem hipotensão e que
apresentam redução do débito cardíaco com
aumento das pressões de câmaras esquerdas.
Inibidores da fosfodiesterase, como milrinona,
não apresentam evidências no choque relacio-
nado ao infarto agudo do miocárdio e devem
ser usados com cautela nas outras causas de
choque cardiogênico, pela meia-vida prolon-
gada e pelo metabolismo renal, podendo,
entretanto, apresentar benefício em pacientes
com insuficiência cardíaca que apresentam his-
tória de uso crônico de betabloqueador. Nessas
situações, o uso de levosimendana, sensibiliza-
dor dos canais de cálcio, também pode ser con-
siderado. Pacientes sem hipotensão podem ter
seu tratamento otimizado com o uso de vaso-
dilatadores sistêmicos, como nitroprussiato

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Choque séptico
Giselle Amado Boumann

1. Conceitos Infecção e algum dos seguintes:


- Hipoxemia (paO2/FiO2 <300);
Sepse é definida como a presença de res- - Oligúria (débito urinário
posta sistêmica exagerada e deletéria a um <0,5mL/kg/h por pelo menos
processo infeccioso. Caso tal resposta seja 2 horas);
intensa o bastante para promover disfunção de Disfunção - Aumento da creatinina
>0,5mg/dL;
algum órgão vital, estará caracterizado o qua- orgânica - Íleo paralítico;
dro de sepse grave. O choque séptico acontece - Trombocitopenia (plaquetas
quando, associado a sepse grave, o paciente <100.000);
- Hiperbilirrubinemia (total
apresenta hipotensão não responsiva a expan- >4mg/dL).
são volêmica (Tabelas 1 e 2).
Hipoperfusão - Hiperlactatemia (>1mmol/L);
Tabela 1 - Definição de sepse - Enchimento capilar lento ou
tecidual livedo reticularis.
Infecção e algum dos seguintes:
FC: Frequência Cardíaca; PCR: Proteína C Reativa;
- Febre (>38,3°C); PAS: Pressão Arterial Sistólica; PAM: Pressão Arte-
- Hipotermia (<36°C); rial Média.
- Taquicardia (FC >90bpm);
- Taquipneia; Tabela 2 - Definição de sepse grave
- Alteração do nível de cons-
ciência; Hipoperfusão tecidual ou disfunção orgânica com
Variáveis gerais algum dos seguintes:
- Hiperglicemia (glicemia
>140mg/dL na ausência de - Hipotensão induzida pela sepse;
diabetes); - Lactato aumentado;
- Edema importante ou balanço
hídrico positivo (20mL/kg em - Débito urinário <0,5mL/kg/h por pelo menos 2
24 horas). horas;
- Leucocitose (>12.000); - Lesão pulmonar aguda com paO2/FiO2 <250 na au-
- Leucopenia (<4.000); sência de pneumonia;
- Desvio à esquerda (>10% de - Lesão pulmonar aguda com paO2/FiO2 <200 com
Variáveis infla-
formas imaturas); pneumonia;
matórias - PCR >2x valor de referência;
- Creatinina >2mg/dL;
- Procalcitonina >2 vezes o valor
de referência. - Bilirrubina >2mg/dL;
Variável hemodi- Hipotensão (PAS <90mmHg ou - Plaquetas <100.000;
nâmica PAM <70mmHg) - Coagulopatia (INR >1,5).

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EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

2. Manejo da sepse grave e do dos, medicamentos, hemoderivados e até reti-


rar sangue para análise. Outra função é a moni-
choque séptico torização da Pressão Venosa Central (PVC) e da
Dentre as prioridades no tratamento do saturação venosa central de oxigênio.
paciente estão:
- Início precoce do suporte hospitalar para B - Objetivos da fase de ressuscitação inicial
corrigir as anormalidades fisiológicas, como No choque séptico, a restauração da perfu-
hipoxemia e hipotensão; são tecidual é necessária para impedir múltipla
- Diferenciar sepse de síndrome da resposta disfunção de órgãos.
inflamatória sistêmica, pois o foco deve ser Nas primeiras 6 horas de ressuscitação volê-
tratado o mais rapidamente possível (in- mica, os objetivos são:
cluindo antimicrobianos e/ou procedimen- - PVC: 8 a 12mmHg;
tos cirúrgicos). - Saturação venosa central de oxigênio
(SvcO2) ≥70%;
A - Manejo precoce - PAM ≥65mmHg;
- Débito urinário ≥0,5mL/kg/h;
a) Estabilizar respiração
- Controlar os níveis de lactato em pacientes
Todos os pacientes com sepse deverão rece- com hiperlactatemia.
ber oxigênio suplementar. A oxigenação deve
ser monitorizada via oxímetro de pulso e a oxi- De forma prática, as recomendações con-
metria deve ser mantida em níveis superiores a sensuais para sepse são:
92%. Dependendo do grau de desconforto do a) Metas a serem atingidas em até 3 horas
paciente, o suporte ventilatório não invasivo
- Mensurar nível de lactato;
ou mesmo a ventilação mecânica podem ser
- Culturas antes do início do antimicrobiano;
indicados. A avaliação do comprometimento do
- Oferecer antimicrobianos de espectro amplo;
sistema respiratório deve ser feita com exame
- Ofertar 30mL/kg de cristaloides se houver
de imagem (radiografia de tórax) e gasometria
hipotensão ou hiperlactatemia (>4mmol/L).
arterial.
b) Metas a serem atingidas em até 6 horas
b) Monitorizar a perfusão
Se possível, garantir um cateter arterial para - Oferecer vasopressores se não houver res-
monitorizar a pressão arterial de forma inva- posta aos cristaloides, para manter PAM
siva, uma vez que o uso de esfigmomanômetro ≥65mmHg;
pode não ser fidedigno em pacientes hipoten- - Medir PVC e SvcO2 se houver choque sép-
sos. tico ou hiperlactatemia;
Deve-se ter muito cuidado na interpretação - Monitorizar o lactato com novas medidas
da hipoperfusão periférica, pois níveis tensio- se houver hiperlactatemia.
nais normais não afastam a possibilidade de
hipoperfusão. Sinais indiretos de hipoperfu-
C - Intervenções para restauração da
são são pele fria e vasoconstrita, taquicardia perfusão
(>90bpm), oligúria e anúria, além de hiperlac- - Hidratação venosa;
tatemia. - Aminas vasopressoras: usados em pacien-
tes que permanecem hipotensos apesar
c) Estabelecer um acesso venoso central da hidratação venosa. No choque séptico,
Após as medidas iniciais, o cateter venoso prefere-se o uso de noradrenalina;
central será necessário na maioria dos pacien- - Outros: podem ser considerados inotrópicos
tes. Tem como função a administração de flui- e transfusão de concentrado de hemácias.

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Choque séptico

3. Controle do foco infeccioso


A - Identificação do foco
Deve-se insistir no diagnóstico etiológico
sempre que possível. Dessa forma, as cultu-
ras devem sempre ser solicitadas, preferen-
cialmente antes do início do antimicrobiano.
Hemoculturas devem ser colhidas em pares, de
veias periféricas.

B - Erradicação da infecção
Tratamento antimicrobiano rápido e efetivo
é essencial para o controle da sepse grave e
do choque séptico. Assim, regimes antimicro-
bianos devem ser iniciados tão logo seja feita
a suspeita de sepse. No entanto, deve-se aten-
tar que alguns focos não são resolvidos apenas
com antimicrobianos, como abscessos e infec-
ções relacionadas a cateteres que formam bio-
filme (cateter venoso central, sonda vesical de
demora), e devem ser removidos com pronti-
dão.
Os esquemas antimicrobianos devem sem-
pre levar em consideração o foco infeccioso e
a história do paciente (uso prévio de antimicro-
bianos, alergias, comorbidades e origem – hos-
pitalar ou comunitária).

4. Outras medidas terapêuticas


- Corticoide: nos pacientes em que a ressus-
citação volêmica não foi capaz de restaurar
o equilíbrio hemodinâmico, há indicação
do uso de corticoide para compensar even-
tual disfunção adrenal associada; é admi-
nistrado por via intravenosa, na dose de
200 a 300mg/d de hidrocortisona ou equi-
valente;
- Insulina: a hiperglicemia e resistência pe-
riférica a insulina, comuns em pacientes
graves, pioram o prognóstico do paciente
com choque séptico. Assim, deve-se obter
um controle glicêmico rigoroso, entre 140 e
180mg/dL;
- Controle de temperatura;
- Aporte nutricional adequado.

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4
Anafilaxia
Fabrício Martins Valois

1. Conceito - Fármacos;
- Exercício físico;
As reações anafiláticas representam um
- Hemoderivados;
evento não tão frequente na rotina da sala de
emergência, respondendo por menos de 0,5% - Látex;
das admissões; no entanto, sua importância é - Óxido de etileno;
demonstrada pela mortalidade não desprezível, - Contrastes radiológicos;
de cerca de 1%. A anafilaxia corresponde a uma - Idiopática.
série de manifestações sistêmicas por reação de
hipersensibilidade aguda, ocasionada por libera- 3. Fisiopatologia
ção de mediadores de mastócitos intermediados
Ainda que classicamente a anafilaxia tenha
pela IgE, após a exposição a determinado antí-
sido relacionada a mecanismos dependentes
geno em um indivíduo previamente sensibilizado.
da IgE, outras vias imunológicas são reconhe-
Por vezes, o indivíduo pode apresentar um
cidas, como as dependentes de IgG e as rela-
quadro que é indistinguível daquele associado
cionadas a imunocomplexos. Classicamente,
à anafilaxia, porém sem participação da IgE.
considera-se que a reação anafilática decorra
Anteriormente, situações como essas eram
de uma reexposição a um antígeno que gerou
denominadas reações pseudoalérgicas, ou ana-
sensibilização prévia, com produção, principal-
filactoides; a WAO (World Allergy Organization)
mente, de IgE. Minutos a horas após um novo
recomenda evitar esse termo, pois as reações
contato, ocorrerá liberação de mediadores da
mediadas por IgE são denominadas imunológi-
anafilaxia, como histamina e outras substân-
cas (o que incluiria reações mediadas por IgG,
cias, por mastócitos ligados à IgE específica. A
imunocomplexos e complemento); as demais,
partir desse evento, uma série de modificações
não imunológicas. Na prática, no entanto, o
teciduais ocorre: há aumento da permeabili-
suporte oferecido na sala de emergência é
dade capilar, edema de mucosa, e, eventual-
indistinguível nessas 2 situações, sendo abor-
mente, contração de musculatura lisa, fenô-
dadas em conjunto neste capítulo.
menos que podem ser locais ou sistêmicos. As
manifestações podem ser intensificadas por
2. Etiologia ativação sequencial do complemento ou da
cascata de coagulação.
Tabela 1 - Causas mais comuns de anafilaxia imu-
nológica e não imunológica
Nas reações não imunológicas, a ativação de
mastócitos e basófilos ocorre sem participação
- Alimentos;
de imunoglobulinas ou imunocomplexos. Um
- Venenos de insetos;
exemplo comum na prática diária é a “síndrome

10
Anafilaxia

do homem vermelho” (red man syndrome), horas. Ademais, é reconhecido o fato de que
observada com uso da vancomicina. Por meca- quanto mais precoces forem as manifestações,
nismos desconhecidos, o fármaco induz libe- maior é o potencial daquele antígeno em causar
ração de mediadores que promovem eritema um quadro com repercussão clínica significativa.
difuso, com graus variáveis de hipotensão, A forma como ocorreu a exposição ao antí-
muito similar às reações imunológicas. Outra geno também é relevante. Enquanto o contato
situação não infrequente é a reação aos con- localizado geralmente induz a quadros mais
trastes radiológicos, que decorre de ativação restritos (por exemplo, com sintomas nasais
do complemento e do sistema de coagulação, após a exposição a antígenos inaláveis), a expo-
configurando mecanismo não imunológico. sição sistêmica mais frequentemente se associa
a quadros mais exuberantes.
4. Manifestações clínicas e Na avaliação clínica, o questionamento sobre
quadros similares no passado é de importância
diagnóstico fundamental, principalmente se houver relato
As manifestações clínicas relacionadas à de quadro com repercussão grave, o que pode
anafilaxia são variadas, envolvendo diversos denotar pior prognóstico.
sistemas, podendo acontecer isoladamente Por vezes, o paciente apresentará um qua-
ou agrupadas. No entanto, de forma geral, o dro clínico compatível com anafilaxia, mas des-
quadro será descrito como tendo início minu- conhecerá o antígeno causal; tanto nessa situ-
tos ou horas após a exposição a determinado ação, quanto naquela em que houver suspeita,
antígeno. pelo paciente, de um antígeno específico, é fun-
Tabela 2 - Manifestações clínicas mais frequentes damental o questionamento objetivo acerca da
exposição aos antígenos mais frequentes, prin-
Eritema, rash morbiliforme, urticá-
Pele cipalmente para evitar recorrência do quadro.
ria, angioedema, piloereção
Prurido, parestesias, edema (lábios,
Para a abordagem diagnóstica, existem crité-
Mucosa oral rios propostos para a caracterização da anafila-
língua, úvula), gosto metálico
Prurido, lacrimejamento, eritema, xia (Tabela 3).
Ocular
edema Tabela 3 - Critérios diagnósticos da anafilaxia
Sintomas nasais (prurido, crises es- Início agudo (minutos a horas), com manifesta-
ternutatórias, rinorreia), prurido ções em pele e/ou mucosas
Respiratório na orofaringe, rouquidão, estridor, (exemplo: eritema, urticária generalizada, edema
dispneia, tosse, chiado, cianose (hi- facial)
poxemia) - Associado a pelo menos 1 dos seguintes:
· Acometimento do trato respiratório (exemplo:
Gastrintes- Náuseas, vômitos, dor abdominal
dispneia, sibilância, estridor, redução do pico de
tinal em cólica, diarreia, disfagia fluxo expiratório);
Tonturas, síncope, dor torácica, pal- · Redução da pressão arterial ou sinais de baixo débi-
Cardiovas- pitações, taqui/bradicardia, hipo- to (como síncope, hipotonia).
cular tensão, incontinência fecal/urinária, - 2 ou mais dos seguintes, após exposição a antíge-
parada cardíaca no conhecido pelo paciente (minutos a horas):
Ansiedade, convulsões, cefaleia, · Envolvimento de pele e/ou mucosas (exemplo:
Neurológico eritema, urticária generalizada, edema facial);
confusão
· Acometimento respiratório (exemplo: dispneia,
sibilância, estridor, redução do pico de fluxo ex-
A evolução dos sintomas é variável e pode piratório);
seguir um curso monofásico, com estabilidade · Redução da pressão arterial ou sinais de baixo débi-
após surgimento das primeiras manifestações, to (como síncope, hipotonia);
ou bifásico, quando mesmo após estabilização · Sintomas gastrintestinais persistentes (exemplo:
vômitos).
inicial, aparecem novos dados após algumas

11
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

Início agudo (minutos a horas), com manifesta- - Adrenalina:


ções em pele e/ou mucosas · Via intramuscular: bolus de 10μg/kg, com má-
(exemplo: eritema, urticária generalizada, edema ximo de 0,5μg em adultos e 0,3μg em crianças
facial)
(<35 a 40g), com intervalos de 5 a 15 minutos,
- Redução da pressão arterial após exposição a antíge- de acordo com a resposta do paciente;
no conhecido pelo paciente (em minutos a horas): · A via intravenosa deve ser ponderada em indiví-
· Pressão sistólica inferior a 90mmHg ou redução duos que necessitem de doses intramusculares
em mais de 30% do valor basal; repetidas:
· Diagnóstico: presença de qualquer dos critérios.
* Via intravenosa: bolus lento de 50μg, titulados
de acordo com a resposta. Em crianças, usar
O diagnóstico é fundamentalmente clínico, bolus de 1μg/kg. Caso se verifique a necessi-
e exames complementares têm importância dade de doses repetidas, iniciar perfusão a 4 a
maior na avaliação de diagnósticos diferenciais 10μg/min ou 0,05 a 0,1μg/kg/min.
(infarto agudo do miocárdio, embolia pulmo- - Anti-histamínicos*:
nar, feocromocitoma, hipoglicemia, síndrome · Difenidramina: 25 a 50mg IV para adultos e 1mg/
carcinoide, aspiração de corpo estranho, entre kg (até 50mg) em crianças;
outros) e na avaliação de gravidade do quadro · Ranitidina: 1mg/kg IV para adultos e crianças
instalado; por exemplo, uma gasometria arte- (máximo 50mg).
rial em paciente com hipoxemia. No ambiente - Corticosteroides*:
ambulatorial, em casos de dúvida diagnóstica, · Metilprednisolona: 1 a 2mg/kg/d dividido em 4
pode-se lançar mão das dosagens de histamina, doses intravenosas.
IgE específica e testes cutâneos específicos. - Tempo da parada cardiorrespiratória:
· É prudente não encerrar esforços precocemente,
visto a pouca idade da maioria dos pacientes.
5. Tratamento * Não existem evidências para recomendar anti-
A abordagem na sala de emergência será -histamínicos ou esteroides na parada cardiorrespi-
guiada pela gravidade do caso. De fato, pacien- ratória, entretanto o ACLS recomenda.
tes com repercussão maior, com choque ou
parada cardiorrespiratória necessitarão de O principal fármaco utilizado no tratamento
medidas inerentes ao suporte avançado de da anafilaxia é a adrenalina. No entanto,
vida (Advanced Cardiovascular Life Support – somente estará indicada aos pacientes com
ACLS), como discutido em capítulo específico. choque, edema de vias aéreas ou dificuldade
Algumas peculiaridades do suporte avançado respiratória. Quando indicada, deve ser apli-
na anafilaxia estão listadas na Tabela 4. cada preferencialmente por via intramuscular,
De forma geral, devem-se garantir vias por evidências de ação mais precoce quando
aéreas pérvias, oxigênio suplementar para comparada à via subcutânea, na qual a absor-
manter a SO2 superior a 92%, acesso venoso ção é mais lenta.
calibroso e monitorização cardíaca. O uso da adrenalina via intravenosa deve
ser evitado, por associar-se a efeitos adversos
Tabela 4 - Peculiaridades do suporte avançado de
vida na anafilaxia importantes. A exceção é a situação de cho-
- Posicionamento adequado do paciente, deitado e que, com parada cardiorrespiratória iminente;
com a extremidade inferior elevada; nesse caso, o paciente deve receber adrenalina
- Estabelecer e manter a via aérea (via aérea segura); via intravenosa, em infusão lenta, na diluição
- Oxigênio (6 a 8 litros por minuto); 1:10.000, com monitorização contínua.
A Tabela 5 lista as recomendações acerca do
- Volume:
· 2 acessos de grosso calibre com infusão rápida de uso da adrenalina na anafilaxia.
soro fisiológico (4 a 8 litros) 1 a 2 litros, com os
Tabela 5 - Adrenalina na anafilaxia
primeiros 5 a 10mL/kg em 5 minutos para adul-
tos, 30mL/kg na 1ª hora para crianças. Coloides - Indicada nos casos de choque, edema de vias aé-
podem ser considerados se hipotensão persistir. reas e dificuldade respiratória;

12
Anafilaxia

- A via intramuscular deve ser preferida:


· Dose 0,5mL da solução de adrenalina 1:1.000;
· A dose pode ser repetida após 5 minutos, em
caso de resposta incompleta ou recaída (limitar
conforme o surgimento de efeitos colaterais).
- A via intravenosa deve ser restrita aos casos de
choque, com parada cardiorrespiratória iminente:
· Dose de 0,1 a 0,3mL em 5 minutos da solução de
adrenalina 1:10.000.

Os anti-histamínicos (H1 e H2) são reco-


mendados a todos os pacientes com anafilaxia,
considerando a importância da histamina nes-
ses casos. A via de administração parece influir
pouco na resposta clínica, mas no contexto da
sala de emergência, habitualmente é mais ade-
quado utilizar a via intravenosa. O antagonista
H1 mais utilizado é a difenidramina; o antago-
nista H2, a ranitidina. As doses são as seguintes:
- Difenidramina (intravenosa ou intramuscu-
lar): 25 a 50mg até 4/4h;
- Ranitidina (intravenosa): 50mg até 8/8h.

Os corticosteroides são indicados nos casos


graves, principalmente se houver sintomas
asmatiformes. Os corticoides não têm impacto
na resolução imediata do quadro; podem ter
impacto nas manifestações tardias da anafila-
xia. Na sala de emergência, preconiza-se o uso
por via intravenosa, como hidrocortisona (200 a
300mg) ou equivalente; em casos leves, e após
a alta, pode-se utilizar a via oral, com predni-
sona (1mg/kg em dose única, por 5 a 10 dias).
Menos frequentemente, podem estar indi-
cados outros fármacos, como os broncodila-
tadores inalados (em pacientes com sintomas
asmatiformes), e glucagon (induz liberação de
catecolaminas), que pode ter papel adjuvante
em casos pouco responsivos a adrenalina, espe-
cialmente se houver uso prévio de betabloque-
adores. A dose recomendada do glucagon é de
1 a 2mg por via intramuscular ou intravenosa,
até a cada 5 minutos.
Os pacientes com apresentação clínica inicial
moderada a grave devem ser mantidos no hos-
pital por 8 a 24 horas, independente da resposta
imediata ao tratamento, pela possibilidade de
recaída em situações de resposta bifásica.

13
5
Síndrome coronariana aguda
Fabrício Martins Valois

1. Conceitos maior o calibre da artéria, quanto mais dura-


doura a oclusão e se não houver circulação
A Síndrome Coronariana Aguda (SCA) tem colateral.
um espectro de apresentação clínica envol-
vendo 3 situações, todas com repercussão vari-
ável na estrutura e na função do miocárdio:
2. Apresentação clínica
- Angina Instável (AI); A principal queixa que motiva o raciocínio
- Infarto Agudo do Miocárdio Sem Suprades- diagnóstico é a dor torácica. Como há diversas
nivelamento do Segmento ST (IAMSSSST); causas possíveis no diagnóstico diferencial da
- Infarto Agudo do Miocárdio Com Suprades- dor torácica aguda, é fundamental sistematizar
nivelamento do Segmento ST (IAMCSSST). a abordagem de pacientes com risco de even-
tos coronarianos (Tabela 1).
A SCA resulta de instabilidade de uma placa
aterosclerótica coronariana; a placa pode sofrer Tabela 1 - Diagnóstico diferencial na sala de
emergência
rotura ou fissura ou ter o seu endotélio desnu-
- Dispepsia;
dado. Esses eventos são mais frequentes em
placas jovens, com grande conteúdo lipídico, e - Espasmo esofágico;
menor quantidade de colágeno, fibroblastos e - Costocondrite;
cálcio. - Embolia pulmonar;
Após a instabilidade, forma-se um trombo - Dissecção de aorta;
em sua superfície, gerando ativação da agre- - Pericardite;
gação plaquetária. O trombo pode ocluir de - Herpes-zóster;
forma parcial ou completa o lúmen vascular, - Colecistite.
reduzindo a oferta de oxigênio para o miocár-
dio, determinando a SCA. Diante de um indivíduo com dor torácica
Quando a obstrução é completa, a forma de aguda, há 3 possibilidades diagnósticas, sendo
apresentação é o IAMCSSST; quando incom- importante observar algumas características
pleta, ocorre AI ou IAMSSSST. O que distingue básicas: dor retroesternal, dor desencadeada
essas 2 situações é que, na AI, não há lesão por esforço, dor aliviada com repouso ou nitrato.
muscular importante; de fato, a obstrução que - Dor torácica não cardíaca: nenhuma ou
surgiu pode ser resolvida pela fibrinólise endó- apenas 1 das características citadas;
gena, o que explica a evolução da AI. - Dor torácica possivelmente cardíaca: 2 das
A isquemia secundária a obstrução gera dife- características citadas;
rentes graus de lesão tecidual, que será maior - Dor torácica de origem cardíaca definida:
quanto mais proximal for a obstrução, quanto todas as características citadas.

14
Síndrome coronariana aguda

A dor torácica habitualmente dura de poucos O ECG também pode auxiliar no diagnós-
minutos até 1 hora e pode ser referida irradiação tico diferencial, com achados que indiquem
para o dorso, o membro superior esquerdo e a pericardite ou embolia pulmonar, por exem-
mandíbula. Deve-se ter atenção à possibilidade plo. É importante lembrar que uma parcela de
de apresentações atípicas, o que é comum e traz pacientes com SCA se apresentará com ECG
consigo um prognóstico pior. Dor de característi- normal ou com tênues anormalidades; assim,
cas diversas, como pleurítica ou com piora com não pode ser utilizado, isoladamente, para
palpação ou movimentação representando SCA, afastar a possibilidade de SCA, principalmente
ocorre mais raramente; o que não é infrequente por representar uma análise pontual, possi-
é o relato de sintomas como dispneia, fraqueza, velmente dissociada do quadro dinâmico que
mal-estar, desconforto cervical ou no braço, epi- compreende a síndrome.
gastralgia, dispepsia, sudorese profusa, asso- Os achados ao ECG de pacientes com
ciados ou não à dor torácica. Quando a dor não SCA sem supradesnivelamento de ST (AI ou
acompanhar o quadro descrito, recebe a denomi- IAMSSSST) podem ser tênues, como depressão
nação de equivalente isquêmico, mais observado do segmento ST e inversão da onda T em uma
em idosos e diabéticos, e que merece a mesma parede específica (Figura 1 e Tabela 2). A inver-
abordagem daqueles pacientes com dor típica.
são da onda T é menos específica, mas passa
O exame físico não demonstra dados signifi-
a ter poder diagnóstico quando localiza uma
cativos na maioria das vezes. Quando anormal,
parede específica, e principalmente se há tra-
geralmente apresenta achados relacionados a
çado prévio sem a anormalidade.
complicações do infarto, como edema agudo
Eventualmente, a presença de depressão do
dos pulmões, ou dados relacionados a algum
diagnóstico diferencial, como sinais de trom- ST em uma localização pode refletir imagem
bose venosa profunda na embolia pulmonar. “em espelho” de um IAMCSSST de parede recí-
Os casos de suspeita de SCA, com base em proca, particularmente encontrada na parede
quadro sugestivo (como aqueles com dor torá- lateral em pacientes com infarto da parede
cica possivelmente cardíaca, dor cardiogênica inferior, ou o contrário.
definida ou suspeita de equivalente isquêmico), Uma abordagem adicional ao ECG deve ser
devem ser avaliados seriadamente no serviço feita em pacientes com suspeita de IAM do ven-
de emergência, com análise de enzimas cardí- trículo direito; esses casos podem ocorrer em
acas e eletrocardiograma. até 30% daqueles com estigmas eletrocardio-
gráficos de infarto da parede inferior. O infarto
3. Investigação diagnóstica do ventrículo direito deve ser documentado
com derivações precordiais à direita, V3r e V4r.
A - Eletrocardiograma
O eletrocardiograma (ECG) representa o
método complementar mais importante na
avaliação de pacientes com SCA. É útil na aná-
lise clínica inicial e no acompanhamento no
setor de emergência. A análise contemplará a
frequência cardíaca, o ritmo, a morfologia do
complexo QRS, mas principalmente as seguin-
tes anormalidades características:
- Supradesnivelamento do segmento ST;
- Infradesnivelamento do segmento ST;
- Inversão de onda T; Figura 1 - ECG com inversão da onda T em deriva-
- Ondas Q. ções precordiais

15
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

Tabela 2 - Localização da parede afetada por meio B - Enzimas cardíacas


de anormalidades no ECG
As enzimas cardíacas são utilizadas para
Paredes Derivações Artérias
definir a presença de lesão muscular miocár-
Descendente ante-
Anterior D1, avL, V3-V6 dica. Habitualmente, usam-se CPK, CK-MB, tro-
rior
poninas, mioglobina (Tabela 3).
Coronária direita ou
Inferolateral D2, D3, avF
circunflexa
Tabela 3 - Enzimas utilizadas na avaliação de
Lateral D1, avL Circunflexa lesão miocárdica
avR, V1 e V2; Marca- Eleva- Norma-
Direita Coronária direita Comentários
V3r, V4r dores ção lização
Posteroinfe- avF, V5-V6 “em Sensível, mas pouco
Coronária direita
rior espelho”
específica. Eleva-se
4a6 2a3 em lesões muscula-
Entre pacientes com infarto subepicárdico, CPK
horas dias res, diabetes, alcoo-
que representa os indivíduos com SCA com
lismo e embolia pul-
supradesnivelamento do ST, ocorre elevação
monar.
pronunciada da onda T na parede afetada,
imediatamente após a oclusão vascular; pos- Mais específica que a
teriormente, surge o desnivelamento do ST, ao CPK, principalmente
menos de 1mm acima da linha de base (Figuras a isoforma CK-MB-2.
4a6 2a3
CK-MB Pode elevar-se em
2 e 3). horas dias
miocardite, choque,
trauma e cirurgia car-
díaca.
Marcador mais espe-
Tropo- 6a8 10 a 14
cífico; não é útil para
nina horas dias
reinfarto precoce.
Mioglo- 1a2 É muito sensível e
4 horas
bina horas pouco específica.

C - Outros exames
Figura 2 - Supradesnivelamento de ST em paciente Todos os admitidos com hipótese de SCA
com infarto da parede inferior (D2, D3 e avF) devem ter análise laboratorial de hemo-
grama, eletrólitos e função renal colhidos
com a 1ª avaliação de enzimas. O perfil lipí-
dico deve ser analisado em todos, e a coleta,
realizada na manhã seguinte à internação,
em jejum.

4. SCA sem supradesnivelamen-


to de ST
A probabilidade clínica de um paciente ter
SCA sem supradesnivelamento de ST pode ser
Figura 3 - Supradesnivelamento de ST em paciente estimada com base nos dados da história, no
com infarto da parede anterior (V2-V6) ECG e nas enzimas cardíacas (Tabela 4).

16
Síndrome coronariana aguda

Tabela 4 - Estimativa de probabilidade de SCA con- Características Condutas


forme dados clínicos, ECG e enzimas
- Agente antiplaquetá-
Probabilidade de síndrome coronariana a) IAM/revascularização.
rio oral;
b) >70 anos. - Heparinização plena;
- Antecedente de insuficiência coro-
c) Dor >20 minutos; alívio - Nitrato para alívio de
nariana;
com nitrato ou espontâ- dor;
- Dor torácica igual à anterior;
neo. - Betabloqueador oral
- Hipotensão; d) ECG: inversão de T (se contraindicado,
Elevada - Congestão pulmonar; >2mm/ondas Q patoló- antagonista de canal
- Insuficiência mitral; gicas. de cálcio);
- Alteração transitória de ST; e) Enzimas normais ou - Investigação não
- Elevação de enzimas; pouco elevadas, mas sem invasiva;
- Eventualmente, cate-
- Dispneia. curva.
terismo.
- Dor torácica/braço esquerdo; Risco elevado
- Diabetes; Características Condutas
- Gênero masculino; - Agente antiplaquetá-
- Idade >70 anos; a) >75 anos; diabetes. rio oral;
Moderada - Inibidor da glicoproteí-
- Outra doença vascular; b) Dor >20 minutos; angi- na IIb/IIIa (tirofibana se
- Ondas Q patológicas; na progressiva, congestão, tratamento clínico; ab-
- Alterações fixas no ECG (ST ou T); B3, sopro de insuficiência ciximabe se invasivo);
- Enzimas pouco alteradas/normais. mitral, alteração de fre- - Heparinização plena;
- Dor com piora à digitopressão; quência cardíaca. - Estudo invasivo em
c) ECG: infra de ST 48 horas;
- Onda T aplainada;
Baixa >0,5mm/alteração dinâ- - Estudo precoce se:
- ECG normal; mica de ST/bloqueio de isquemia persisten-
- Enzimas normais. ramo novo/TVS. te ou instabilidade
d) Marcadores com curva hemodinâmica (até
Nas situações em que se define a probabili- 6 horas), isquemia
típica. recorrente ou extensa
dade como baixa, os pacientes podem ser estra- (até 24 horas).
tificados com teste ergométrico ou cintilografia
com sestamibi/ecocardiograma com estresse 5. Tratamento
farmacológico, conforme a disponibilidade de
cada método ou limitação para a sua execução. Na sala de emergência, e com monitoriza-
Caso seja caracterizada a presença de IAM, ção, os pacientes devem receber o tratamento
o risco de complicações já está elevado e o inicial para a SCA sem supradesnivelamento de
paciente necessita ser tratado imediatamente. ST, que envolve a administração de:
Naqueles com AI, no entanto, é necessária a - Morfina para alívio da dor;
classificação de risco para definir a proposta - Oxigênio em fluxo necessário para manter
terapêutica. Nesse contexto, serão classificados SatO2 >92%;
como AI de baixo risco, AI de risco moderado ou - Nitrato;
AI de risco elevado (Tabela 5). - Ácido acetilsalicílico e clopidogrel;
Tabela 5 - Classificação de risco
- Betabloqueador.
Risco baixo A morfina promove alívio da dor e pode auxi-
Características Condutas liar no controle da congestão pulmonar por seu
a) Dor de possível origem - Tratamento na sala de efeito venodilatador. Nitratos também estão
cardíaca. emergência;
- ECG e enzimas seria- indicados, e podem ter impacto adicional no
b) Duração <20 minutos. controle da pressão arterial. No entanto, ainda
das – 6 a 9 horas;
c) ECG normal. - Investigação com
d) Enzimas normais.
que muito utilizados, esses fármacos não têm
teste não invasivo.
impacto na mortalidade, devendo ser evitados

17
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

caso haja contraindicações, como hipotensão, - Revascularização prévia/angioplastia nos


ou, especificamente os nitratos, caso o paciente últimos 6 meses;
tenha usado inibidor de fosfodiesterase por dis- - Dor recorrente;
função erétil nas últimas 24 horas. - Taquicardia ventricular sustentada;
O oxigênio deve ser mantido por perí-
- Investigação não invasiva positiva;
odo mínimo de 6 horas, ainda que não exista
hipoxemia, pela baixa oferta tecidual em nível - Morte súbita abortada.
miocárdico. A oferta pelas coronárias é muito
sensível a alterações de fluxo, e as obstruções 6. IAMCSSST
cursam com redução importante de oferta de O diagnóstico é definido com os seguintes
oxigênio ao músculo cardíaco. critérios:
Os agentes antiagregantes, o ácido acetilsa-
- Sintomas isquêmicos;
licílico e o clopidogrel devem ser utilizados em
- Aumento e queda gradual de troponina e/
conjunto, exceto nos casos com alergia docu-
mentada, ou naqueles com programação de ou CK-MB;
cirurgia, quando o clopidogrel deve ser evitado. - Surgimento de ondas Q patológicas no
O ácido deve ser ofertado em dose de 160 a ECG;
325mg, e o clopidogrel, de 300mg. Os inibido- - Elevação de ST ≥1mV em 2 derivações con-
res da glicoproteína IIb/IIIa devem ser acopla- tíguas no ECG.
dos ao tratamento de todos que se submeterão
A estratificação prognóstica do IAM com
a estudo invasivo precoce; nos demais, indica-
supradesnivelamento de ST pode ser feita de
-se se há AI de alto risco ou IAMSSSST.
várias formas, sendo a mais frequente a classi-
Betabloqueadores devem ser utilizados em
ficação de Killip-Kimball:
todos, exceto naqueles com AI de baixo risco,
ou na presença de contraindicações. Devem ser - Classe I: sem congestão pulmonar;
iniciados nas primeiras 24 horas. - Classe II: estertores até metade dos cam-
Os pacientes com AI de risco moderado ou pos pulmonares, com ou sem B3;
elevado e aqueles com IAM devem receber - Classe III: estertores além da metade dos
anticoagulação com heparinas por 48 horas; se campos pulmonares;
for realizada angioplastia precoce, a heparina - Classe IV: choque cardiogênico.
não necessitará ser mantida.
Outros fármacos têm impacto adjuvante no Definido o diagnóstico, a abordagem inicial é
tratamento da SCA. As estatinas são recomenda- similar à de pacientes com IAMSSSST. Exceção é
das a todos com LDL >100mg/dL. Os inibidores da feita ao uso dos inibidores da glicoproteína IIb/
enzima conversora de angiotensina já demonstra- IIIa, não indicados rotineiramente a esses indi-
ram impacto na sobrevida em alguns grupos com víduos.
IAM, sendo indicados em doses baixas e iniciados Uma situação peculiar envolve aqueles com
nas primeiras 24 horas de atendimento. infarto do ventrículo direito. A evolução para
Na SCA sem supradesnivelamento de ST, o choque é frequente, em geral sem edema pul-
cateterismo estará indicado nas seguintes situ- monar. O tratamento tem de englobar oferta
ações: de volume, e devem ser evitados fármacos que
reduzam a pré-carga, como morfina e nitratos.
- Elevação de troponina;
Logo após a estabilização, os indivíduos com
- Alterações dinâmicas de ST;
IAMCSSST devem ser abordados quanto à pos-
- Insuficiência cardíaca congestiva; sibilidade de angioplastia primária ou terapia
- Piora de insuficiência mitral/novo sopro; trombolítica, de impacto substancial na sobre-
- Instabilidade hemodinâmica; vida. Quando comparados, a angioplastia se

18
Síndrome coronariana aguda

mostra superior à trombólise química; desta única, dependente do peso: <60kg = 30mg; 61 a
forma, se ambas estiverem disponíveis, e o 70kg = 35mg; 71 a 80kg = 45mg; >90kg = 50mg).
paciente for considerado apto à angioplastia, Como o efeito da estreptoquinase é dura-
esta deve ser realizada. douro, a heparinização após seu uso não é
A angioplastia primária associa-se a meno- necessária; no caso do rt-PA, de efeito por 2 a
res taxas de recorrência, necessidade de rein- 3 horas, a heparina deve ser iniciada e mantida
tervenção e reinternação quando em compara- por 24 horas.
ção ao trombolítico. No entanto, diferente dos
Tabela 6 - Contraindicações aos trombolíticos
trombolíticos, não está disponível em todos os
centros e tem critérios rígidos para sua execu- Absolutas
ção; sem respeitá-los, o método passa a ser - Acidente vascular cerebral hemorrágico prévio;
inferior aos trombolíticos. O principal deles é o - Acidente vascular cerebral isquêmico ou trauma
cranioencefálico grave nos últimos 3 meses;
tempo para emprego:
- Malformação vascular cerebral;
- O tempo da chegada ao pronto-socorro até
a insuflação do balão deve ser inferior a 90 - Neoplasia do sistema nervoso central;
minutos; - Sangramento ativo (exceto menstruação);
- O tempo porta-agulha deve ser inferior a - Distúrbio de coagulação;
30 minutos. - Dissecção de aorta.
Relativas
Ademais, espera-se que alguns pré-requisi-
- Hipertensão arterial sistêmica grave não controlada;
tos sejam atendidos:
- Pressão arterial >180x110mmHg à apresentação;
- Centro de hemodinâmica com mais de 200
- Uso de anticoagulantes;
angioplastias/ano;
- Cirurgia de grande porte nas últimas 3 semanas;
- Hemodinamicista com mais de 75 procedi-
- Acidente vascular cerebral isquêmico há mais de 3
mentos/ano;
meses;
- Paciente com perfil de maior benefício com
- Ressuscitação cardiopulmonar prolongada e trau-
angioplastia: IAMCSSST, sintomas <12 ho- mática (>10 minutos);
ras e evolução com edema pulmonar, pa- - Punções vasculares recentes não compressíveis;
cientes <75 anos com choque cardiogênico - Sangramento interno recente (2 a 4 semanas);
nas primeiras 36 horas (angioplastia em até - Uso prévio de estreptoquinase em mais de 5 dias
18 horas após o choque). – contraindicação para estreptoquinase;
- Gravidez;
Entre aqueles com evolução da dor por mais de
- Doença ulcerosa péptica ativa.
12 horas, mas menos de 24 horas, com insuficiên-
cia cardíaca congestiva grave, repercussão hemo- Alguns sinais podem indicar reperfusão
dinâmica ou sintomas isquêmicos persistentes, a coronariana:
angioplastia também pode ser considerada. - Alívio dos sintomas;
A trombólise química, quando indicada,
- Restauração do estado hemodinâmico;
deve ser feita nas primeiras 12 horas após o
- Restauração do equilíbrio elétrico;
início da dor, desde que haja contraindicações
absolutas. Na presença de contraindicações - Redução do supra em mais de 50% após 60
relativas, a decisão deve ser individualizada. a 90 minutos.
Os fármacos mais utilizados são estreptoqui- Considerando pacientes admitidos no
nase (1,5mUI em 30 minutos), que tem como pronto-socorro e que não apresentam mais cri-
efeito adverso mais comum a hipotensão; e térios de elegibilidade para trombólise química
rt-PA (10U em bolus; após 2 bolus de 10U com ou angioplastia, o tratamento será conserva-
intervalo de 30 minutos) ou tenecteplase (dose dor, e o prognóstico, certamente pior.

19
6
Insuficiência cardíaca
descompensada Fabrício Martins Valois

1. Introdução tes, doença pulmonar obstrutiva crônica, asma,


hipertensão arterial etc.) e os medicamentos
A Insuficiência Cardíaca (IC) é uma síndrome de que o paciente está fazendo uso.
caracterizada pela incapacidade do coração de No exame físico, o principal achado clínico é
suprir as necessidades do organismo, marcada a taquipneia, a qual costuma ser o sinal mais
pela presença de baixo débito cardíaco. Essa precoce de congestão pulmonar. Os linfáticos
incapacidade pode acontecer por falha na con- pulmonares estão atrelados à parede alveolar;
tração (IC sistólica) ou no enchimento/relaxa- assim, a dinâmica da inspiração–expiração pro-
mento ventricular (IC diastólica). move o estiramento e a contração dos vasos lin-
A IC é um grave problema de saúde pública e, fáticos, gerando um mecanismo de bomba. Ora,
em alguns países, representa a principal causa de em fases precoces da congestão pulmonar, há
internação na população idosa. O prognóstico é
ingurgitamento do território linfático, e o meca-
reservado. Diversos fatores podem estar rela-
nismo de defesa básico do sistema respiratório
cionados com a descompensação, como infarto
para aliviar o acúmulo de líquido é “bombear”
agudo do miocárdio, arritmia cardíaca, uso inade-
o excesso de líquido para o ambiente extratorá-
quado dos medicamentos de uso crônico, infec-
cico. Isso é possível com o aumento da frequên-
ções pulmonares, anemia e abstinência alcoólica.
cia respiratória e da amplitude do movimento
respiratório. Quando esse mecanismo não é
2. Achados clínicos mais suficiente para compensar a congestão
O paciente com IC descompensada geral- vascular pulmonar, o edema é identificado ao
mente apresenta-se à Emergência com queixa exame clínico.
isolada de dispneia. Assim, a anamnese deve Outros sinais podem estar presentes: cia-
sempre incluir tempo de sintomas, história de nose, taquicardia ou bradicardia (que pode ser
ortopneia, dispneia paroxística noturna, edema devida a toxicidade medicamentosa) e crepita-
periférico, grau de limitação funcional, assim ções à ausculta pulmonar. Os valores da pres-
como história prévia de infarto do miocárdio, são arterial sistêmica são variáveis: enquanto
doença coronariana ou mesmo IC. indivíduos com IC sistólica grave apresentarão
Outros sintomas devem ser buscados, como hipotensão, outros poderão ter edema agudo
febre, tosse, dor torácica, fraqueza, fadiga, ano- hipertensivo. Sinais indiretos de IC descompen-
rexia e letargia. Presença de dor abdominal sada são estase jugular, refluxo hepatojugular,
pode representar um sinal indireto de conges- presença de 3ª bulha e edema periférico nos
tão hepática. membros inferiores. A Tabela a seguir enumera
É importante, ainda, saber dados de interna- os dados clínicos mais importantes na avaliação
ções prévias, doenças associadas (como diabe- dos pacientes:

20
Insuficiência cardíaca descompensada

Tabela 1 - Dados clínicos

Sensibilidade (%) Especificidade (%) Razão de verossimi-


lhança (:1)
IC 60 90 4,4
História pre-
Infarto do miocárdio 40 87 3,1
gressa
Doença coronariana 52 70 1,8
Dispneia paroxística
41 84 2,6
noturna
Sintomas
Ortopneia 50 77 2,2
Edema 51 76 2,1
3ª bulha 13 99 11
Refluxo hepatojugular 24 96 6,4
Turgência jugular 39 97 5,1
Sinais
Edema periférico 50 78 2,3
Estertores 60 78 2,8
Sibilos 22 58 0,52
Fibrilação atrial 26 93 3,8
Achados Congestão
54 96 12
diagnósticos venosa pulmonar
Cardiomegalia 74 78 3,3
Fonte: adaptado de Wang CS et al.; JAMA, 2005; 294:1944-56.

3. Diagnóstico na abordagem clínica dos pacientes com sus-


peita de IC. De maneira geral, os níveis séricos
Exames complementares têm grande impor- de ambos estão relacionados a grau de sobre-
tância para definir o prognóstico e a gravidade carga no ventrículo esquerdo, gravidade da IC e
do paciente, mas frequentemente a história clí-
mortalidade em curto e longo prazos.
nica é suficiente para definir o diagnóstico de IC
Assim, a principal função dessa dosagem
descompensada.
é diferenciar a dispneia cardiogênica da não
O hemograma é útil para excluir anemia
cardiogênica quando a história e o exame
como causa da dispneia ou fator predisponente
físico deixam dúvidas. Pacientes com dispneia
da IC descompensada. Leucocitose ou desvio à
esquerda fala a favor de doenças infecciosas, e níveis séricos de BNP menores que 100pg/
como pneumonia. A avaliação da função renal mL ou de NT-ProBNP menores que 300pg/mL
tem importância na investigação de toxicidade têm baixa probabilidade de IC descompensada
aos medicamentos de uso crônico, como diu- (sensibilidade de 90 a 99%), enquanto aqueles
réticos. com níveis acima de 500pg/mL ou 1.000pg/mL,
Até 30% daqueles com IC descompensada respectivamente, têm alta probabilidade (espe-
podem apresentar aumento de troponina, cificidade de 87 a 95%).
achado associado a um pior prognóstico. O eletrocardiograma é útil no setor de emer-
A dosagem do peptídio natriurético cerebral gência para identificar condições preexistentes,
(BNP), ou do NT-ProBNP, liberados pelos mióci- como hipertrofia, isquemia e miocardiopatia
tos cardíacos quando há estresse e sobrecarga dilatada, e para diagnosticar novas alterações,
na parede ventricular, tem sido muito utilizada como arritmias.

21
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

Outro exame essencial na avaliação inicial é


a radiografia de tórax. O seu objetivo é auxiliar
o diagnóstico diferencial da dispneia, principal-
mente de causa pulmonar. Entre pacientes com
IC, alguns achados podem ser sugestivos do
diagnóstico: aumento do índice cardiotorácico
(cardiomegalia ou derrame pericárdico), proe-
minência dos hilos, inversão da trama vascular
(vasos mais visíveis nos segmentos superiores),
infiltrados intersticiais peri-hilares, derrame
pleural bilateral e linhas B de Kerley (Figuras 1
e 2).

Figura 2 - Cortes de radiografia mostrando as


linhas B de Kerley (características de IC) e as
linhas A de Kerley (menos específicas de IC, vistas
também nas doenças fibrosantes e na linfangite)

Um exame de extrema importância entre


os que ainda não têm diagnóstico de IC é o
ecodopplercardiograma, já que é capaz de for-
necer o status da função ventricular, além de
diferenciar IC sistólica de diastólica. No setor de
emergência, pode ter valor na identificação de
algumas causas reversíveis de IC descompen-
sada, como tamponamento cardíaco, ruptura
do septo ventricular ou das cordas tendíneas.
A monitorização hemodinâmica invasiva
Figura 1 - Radiografia de tórax de paciente com por meio do cateter de Swan-Ganz, apesar de
IC descompensada: aumento do índice cardio- fornecer muitas informações importantes e de
torácico, hilos proeminentes, inversão da trama ser capaz de extrair dados exatos das pressões
vascular, infiltrado intersticial peri-hilar e linhas
B de Kerley intracardíacas, não é um exame recomendado
ao paciente com IC descompensada.

4. Tratamento
A proposta terapêutica a ser instituída a
pacientes com IC descompensada depende da
gravidade da apresentação e do tipo de des-
compensação. Uma forma prática, e muito
utilizada, de alinhar o raciocínio terapêutico é
classificar os pacientes conforme a perfusão e
o grau de congestão em repouso: (a) boa per-
fusão e sem congestão; (b) boa perfusão, mas
com congestão; (c) perfusão ruim, mas sem
congestão; (d) perfusão ruim com congestão.
A proposta terapêutica para cada grupo está
demonstrada na Figura 3.

22
Insuficiência cardíaca descompensada

mento preferencialmente com cabeceira ele-


vada. Monitorização cardíaca, oximetria de
pulso e medida de pressão arterial devem ser
instaladas precocemente.
Os pacientes com franca insuficiência respi-
ratória podem se beneficiar da ventilação não
invasiva, desde que inexistam contraindicações;
caso contrário, deve-se proceder à intubação
orotraqueal imediatamente (como nos casos de
rebaixamento do nível de consciência e choque).
Do ponto de vista farmacológico, diversos
medicamentos estão disponíveis para com-
pensar o paciente com IC. As indicações, no
entanto, variam com o perfil. Vale lembrar que
Figura 3 - Classificação e proposta terapêutica
alguns fármacos usados no paciente compen-
sado, como betabloqueadores e digitálicos em
De forma geral, o atendimento inicial do vigência de descompensação, podem ter efeito
paciente com IC descompensada deve incluir deletério e devem ser suspensos, principal-
oferta de oxigênio suplementar e posiciona- mente em casos mais graves.

Tabela 2 - Principais fármacos usados no setor de emergência

Terapias Ações Indicação Cuidados e efeitos Doses iniciais


adversos

Edema Agudo de - Depressão respira-


Morfina Alívio da ansiedade tória; 2 a 4mg IV em bolus
Pulmão (EAP) - Hipotensão.
- Hipotensão; 20 a 40mg IV em
Furosemida Redução da pré-carga Hipervolemia - Insuficiência renal
aguda pré-renal. bolus

Dispneia
Redução de pré e pós- - Hipotensão;
Nitroglicerina Isquemia miocárdi­ 10 a 20µg/min IV
-carga - Tolerância.
ca

Hipertensão grave - Hipotensão;


Nitroprussiato Redução de pós-carga - Isquemia miocár- 0,1 a 0,2µg/kg/min IV
EAP refratário dica.
2µg/kg IV em bolus,
Redução de pré e pós- - Hipotensão;
Nesiritida Dispneia seguido de 0,01µg/
-carga - Mortalidade.
kg/h
- Taquicardia;
- Inotrópico positivo; - IC de baixo débi-
- Arritmia;
Dobutamina - Redução de pós- to; 2,5µg/kg/min IV
- Hipotensão;
-carga. - EAP refratário.
- Broncoconstrição.
- Inotrópico positivo; - IC de baixo débi- 50µg/kg IV em 10min
- Arritmia;
Milrinona - Redução de pós- to; e, a seguir, 0,375µg/
- Hipotensão.
-carga. - EAP refratário. kg/min IV

A - Diuréticos
Os diuréticos têm papel importante no tratamento da descompensação da IC, pois habitual-
mente há sobrecarga de volume. De fato, seu uso só tem certa restrição nos casos de hipotensão

23
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

grave e/ou choque cardiogênico. O benefício cativa com o tratamento diurético, ou naqueles
do fármaco decorre da redução da volemia, com hipotensão. Não há indicação de uso se
com pico de diurese na 1ª hora após a oferta, a função sistólica for preservada. Os fármacos
além de venodilatação, reduzindo a pré-carga. rotineiramente utilizados são dobutamina ou
O fármaco mais utilizado é a furosemida, milrinona.
em dose inicial que varia de 40 a 100mg IV; Pelo exposto, fica claro que o uso de ino-
em pacientes que já utilizam o fármaco croni- trópicos é terapia excepcional. De fato, são
camente, a dose deve ser aumentada em até fármacos não isentos de efeitos adversos: são
2 a 3 vezes. A resposta farmacológica deve ser arritmogênicos e podem precipitar isquemia
avaliada por meio de status volêmico, grau de miocárdica por aumentar o consumo local de
congestão, peso diário, oximetria; em casos de oxigênio.
resposta insatisfatória, a associação de tiazídico
ou diurético poupador de potássio pode ampli- D - Outros fármacos
ficar o efeito diurético. Ademais, nos casos IECAs e antagonistas dos receptores de
refratários, há recomendação de reduzir inges- angiotensina, ainda que sejam importantes no
tão de sódio (2g/d) e realizar restrição hídrica tratamento da IC, não demonstraram benefício
se houver hiponatremia. relevante na fase aguda da descompensação.
Além da monitorização dos efeitos terapêu- Se houver uso prévio, sua manutenção poderá
ticos, é importante observar a presença de ser tentada, principalmente conforme a função
efeitos adversos, principalmente piora da fun- renal – se houver instabilidade dos níveis de
ção renal. Elevações dos níveis de ureia com creatinina, o ideal será a remoção temporária.
pequena variação da creatinina são frequen- Raciocínio similar é dedicado ao uso dos
tes (mantendo relação ureia–creatinina >20), betabloqueadores. Se não houver uso prévio,
mas não indicam redução da dose do diurético, a recomendação será evitá-los na fase inicial
refletindo apenas reabsorção passiva de ureia; do tratamento da descompensação. Naqueles
do contrário, na elevação pronunciada da cre- com uso prévio, principalmente se IC sistólica,
atinina, pode ser necessária a suspensão do o fármaco deve ser mantido apenas nos casos
diurético – caso a congestão persista, pode ser de descompensação leve.
indicada hemodiálise. Diuréticos poupadores de potássio, que
também têm benefício em alguns subtipos de
B - Vasodilatadores pacientes com IC, habitualmente são iniciados
apenas após estabilização, pois seu impacto é
Recomendações atuais orientam associação
pequeno na fase aguda – exceto na tentativa
de vasodilatadores ao tratamento diurético
de amplificar o efeito de diurético de alça em
para alívio de sintomas e congestão, principal-
casos selecionados.
mente se não há hipotensão grave associada.
Por sua vez, vasopressores, como noradre-
Tradicionalmente, a nitroglicerina tem sido
nalina, estarão indicados nos casos específicos
o fármaco mais utilizado, com outras opções
de hipotensão grave.
como nitroprussiato e nesiritida. Podem ser uti-
lizados nitroglicerina, nitroprussiato e nesiritida
(menos recomendado).

C - Inotrópicos
Recomendações atuais sugerem o uso de
inotrópicos por tempo curto em pacientes com
disfunção sistólica e hipoperfusão sistêmica,
principalmente na ausência de resposta signifi-

24
7
Arritmias cardíacas
Fabrício Martins Valois

1. Conceitos ventricular. Os distúrbios de condução, por


sua vez, podem acelerar (Wolff-Parkinson-
As arritmias representam uma situação -White) ou desacelerar (bloqueio atrioventri-
clínica muito comum, tanto na sala de emer- cular) a condução elétrica.
gência quanto entre indivíduos ambulatoriais
ou internados. Nem sempre constituem uma
emergência médica, tampouco necessitam
3. Identificação
de tratamento clínico (como a extrassistolia), O eletrocardiograma deve ser analisado de
no entanto, em diversas situações, podem forma protocolar. Frequência, ritmo e origem
ter repercussão importante na função ven- do estímulo elétrico sempre devem ser des-
tricular ou mesmo representar manifestação critos. No contexto das arritmias, um aspecto
de outra doença, piorando o prognóstico do fundamental é a análise de elementos específi-
indivíduo e motivando o seu tratamento ime- cos do traçado: onda P, intervalo PR e complexo
diato. QRS. Ademais, diferente de como se procede
Neste capítulo, as arritmias serão discutidas habitualmente, as arritmias devem ser estu-
à luz de uma abordagem conjunta, com ênfase dadas com a análise de 1 derivação apenas,
nos passos a serem seguidos na sala de emer-
geralmente D2. O método mais utilizado para a
gência para a sua identificação e a abordagem
análise, independente de sua natureza, baseia-
terapêutica.
-se em 4 perguntas:
- O complexo QRS tem aparência e tamanho
2. Mecanismos normais?
De forma geral, é possível definir 3 meca- - Existe onda P?
nismos por meio dos quais as arritmias são - Existe relação entre a onda P e o QRS?
geradas: alteração do automatismo, distúrbios - Qual é a frequência cardíaca?
de condução atrioventricular e combinação
de distúrbios no automatismo e na condução. O complexo QRS tem aparência e tamanho
Com relação ao automatismo cardíaco, são normais?
possíveis estímulos excessivos ou reduzidos Não. Algumas arritmias promovem distorção
das estruturas automáticas do coração – nó completa do complexo QRS: assistolia e fibrila-
sinusal, nó atrioventricular ou miocárdio pro- ção ventricular. Em ambas, não há contração
priamente dito. Podem ocorrer, por exemplo, ventricular adequada, sendo necessário trata-
ritmos anormais como a taquicardia atrial ou mento imediato.

25
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

Tabela 1 - Fibrilação ventricular Tabela 4 - Taquicardia ventricular


Ritmo completamente caótico, Ocorre com 3 ou mais batimentos
resultante de despolarização des- de origem ventricular, frequência
coordenada dos ventrículos. Não acima de 120bpm, ritmo geralmen-
Comentários te regular e QRS alargado. Quando
existe contração efetiva; é um rit-
mo de parada cardíaca. Não são perdura por mais de 30 segundos
identificados onda P, QRS e T. ou quando há instabilidade he-
modinâmica, é denominada ta-
Tratamento Proceder à desfibrilação cardíaca.
quicardia ventricular sustentada.
Tem gravidade potencial, mas a
Comentários apresentação é variável: de palpita-
ções a parada cardiorrespiratória. É
Figura 1 - Fibrilação ventricular mais frequente em indivíduos com
doença cardiovascular instalada,
mas pode ser causada por: infarto
Tabela 2 - Assistolia agudo do miocárdio, intoxicação di-
Há detecção de linha reta à análise gitálica, miocardiopatia dilatada, hi-
do eletrocardiograma. Representa póxia, distúrbios eletrolíticos. Pode
ser monomórfica (morfologia idên-
ausência completa de atividade elé-
tica do QRS) ou polimórfica.
trica. Sempre se devem afastar ou-
tras causas de ausência de traçado: Depende da estabilidade hemodi-
Comentários nâmica. Se há, podem ser utilizados
artefato técnico, aumento do ga-
amiodarona (QTc prévio normal) ou
nho, posição dos eletrodos, ligação
Tratamento lidocaína (QTc prévio aumentado).
dos cabos, checagem em mais de Se há instabilidade hemodinâmica,
1 derivação. É ritmo de parada car- deve ser empregada a cardiover-
diorrespiratória, e não haverá pulso. são.
O tratamento de suporte é feito
Tratamento com adrenalina, enquanto se tenta
identificar a causa.

A duração do QRS pode ser classificada em Figura 2 - Taquicardia ventricular


estreita (<0,12ms) ou larga. A importância
da diferenciação está no fato de que um QRS Tabela 5 - Torsades de pointes
estreito denota funcionamento adequado do
Corresponde a uma taquicardia
sistema de condução ventricular; caso contrá- ventricular polimórfica, na qual
rio, um QRS alargado pode denotar anorma- os complexos QRS parecem
lidades em ramos do complexo de condução modificar seu eixo repetida-
cardíaco. Exemplos de arritmias com complexo mente, a cada 15 a 20 batimen-
QRS alargado são extrassistolia ventricular, tos, gerando um aspecto des-
taquicardia ventricular e torsades de pointes. crito como “torção das pontas”.
Pode ser autolimitada, mas
Tabela 3 - Extrassistolia ventricular também degenerar para fibri-
Correspondem a batimentos ectó- Comentários lação ventricular e acompanha-
picos, geralmente prematuros, por -se, com frequência, de prolon-
reentrada ou por um foco automá- gamento do QT. Boa parte das
tico ventricular. Representam causa vezes é causada por distúrbio
Comentários comum de arritmia, comumente eletrolítico, como a hipomag-
prescindindo de tratamento. Ao ele- nesemia, ou por efeito pró-
trocardiograma, a onda P geralmen- -arrítmico de alguns fármacos,
te é ocultada, e pode existir pausa como a procainamida. Pode ser
compensatória após o batimento. monomórfica (morfologia idên-
Tratamento É, geralmente, desnecessário. tica do QRS) ou polimórfica.

26
Arritmias cardíacas

A abordagem é similar à da O tratamento dependerá da


taquicardia ventricular, ex- presença de equilíbrio he-
ceto pela necessidade de modinâmico e do tempo de
desfibrilação em relação à duração da fibrilação atrial.
cardioversão nos pacientes A reversão da arritmia habi-
instáveis; se tentada a cardio- tualmente é mais efetiva com
versão, pode haver dificulda- a cardioversão elétrica do
Tratamento de em sincronizar o choque. que com a química; a primei-
O sulfato de magnésio pode ra deve ser iniciada com 100
ser usado para cessar e pre- a 200J na onda monofásica
venir a arritmia em pacien- ou entre 120 e 200J na onda
tes estáveis; outra opção é o bifásica; elevações de 100J
marca-passo de alta frequên- na energia são adicionadas
cia, pois a taquicardia reduz o aos choques subsequentes
segmento ST. até a reversão da arritmia e/
ou a carga de 360J em onda
monofásica e 200J em onda
bifásica.
No caso de opção por contro-
Tratamento le do ritmo e anticoagulação,
o antiarrítmico a ser escolhi-
Figura 3 - Torsades de pointes do dependerá da presença
de disfunção ventricular. Se
“O complexo QRS tem aparência e tamanho a função for preservada, pro-
normais”. Existe onda P? pafenona ou ibutilida serão
boas opções; se houver dis-
Não. Duas arritmias são importantes nesse
função do ventrículo esquer-
contexto, de complexo QRS normal, e ausência
do, a amiodarona será a me-
de onda P: fibrilação atrial e flutter atrial. lhor alternativa. As Diretrizes
Europeias recomendam:
Tabela 6 - Fibrilação atrial
- Preferir controle de fre-
Representa a arritmia crôni- quência em idosos e pouco
ca mais comum na prática di- sintomáticos (pelos efeitos
ária, com incidência de 0,1% pró-arrítmicos dos fárma-
em indivíduos com mais de cos para reversão);
40 anos e prevalência de - Preferir controle de ritmo
8% em maiores de 80 anos. em sintomáticos;
As principais causas são - Preferir controle naqueles
doença cardíaca reumática, com fibrilação atrial secun-
cardiomiopatia dilatada, hi- dária com causa corrigida.
pertireoidismo, intoxicação
Comentários
alcoólica, distúrbios metabó-
licos/eletrolíticos/hipoxemia
etc. Na sala de emergência,
habitualmente apresentará
frequência cardíaca acima
de 150bpm, com ritmo irre-
gular e ausência de onda P. A
linha de base pode ser irre-
gular, e o QRS geralmente é
estreito.
Figura 4 - Fibrilação atrial

27
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

Figura 5 - Abordagem da fibrilação atrial na sala de emergência

Uma situação peculiar e que demanda cau- adores de canais de cálcio e digoxina devem ser
tela adicional é a associação de fibrilação atrial evitados.
e Síndrome de Wolff-Parkinson-White (SWPW),
Tabela 7 - Flutter atrial
e alguns cuidados devem ser tomados no manu-
O flutter é gerado por mecanismo de
seio da fibrilação atrial nessa situação. Pode
reentrada atrial e tem como causas
ocorrer alta resposta ventricular, entretanto há principais insuficiência cardíaca con-
competição entre os estímulos conduzidos atra- gestiva, doença pulmonar obstrutiva
vés do nó atrioventricular e pela via atrioventri- crônica, hipertireoidismo, doença
cular anômala responsável pela SWPW. Se hou- reumática cardíaca ou insuficiência
ver uso de fármacos que determinem redução coronariana. No flutter, há surgimento
Comentários
seletiva na condução do nó (não atuam sobre das ondas “f”, conferindo um padrão
a via anômala), haverá inibição da competição “serrilhado” à linha de base, mais bem
entre as 2 vias, causando o aumento do número observado nas derivações D2, D3 e
avF. Na maioria das vezes, a frequência
de estímulos conduzidos efetivamente ao ven-
atrial é de 250 a 350bpm, e a ventricu-
trículo, determinando aumento da resposta lar, de 150bpm. O ritmo habitualmen-
ventricular e evolução para fibrilação ventricular te é regular, e o QRS, estreito.
– 300 a 400 estímulos passam por minuto pela O tratamento mais efetivo é a car-
via anômala, agora livre, pelo bloqueio seletivo dioversão elétrica (50J); os antiarrít-
do nó atrioventricular. Assim, para o controle da micos são pouco efetivos. Nos casos
resposta ventricular na fibrilação atrial associada Tratamento crônicos (raros), tem sido sugerido
a SWPW, utilizam-se fármacos que bloqueiem o seguimento das mesmas orienta-
tanto o nó como a via de condução anômala, ções de anticoagulação da fibrilação
como a amiodarona; betabloqueadores, bloque- atrial.

28
Arritmias cardíacas

Se houver sintomas, o tratamento


deve ser realizado (principalmente
no Mobitz II). Se houver repercus-
são hemodinâmica da bradicardia,
Tratamento o marca-passo transcutâneo estará
indicado; se indisponível, dopamina
ou adrenalina devem ser utilizadas.
A atropina pode ser utilizada para
aumento da frequência cardíaca.
Figura 6 - Flutter atrial

“O complexo QRS tem aparência e tamanho


normais”. “Há onda P”. Existe relação entre a
onda P e o QRS?
Não. A ausência de relação das ondas P com Figura 8 - Bloqueio atrioventricular de 2º grau
o QRS caracteriza os bloqueios cardíacos, habi- Mobitz I
tualmente por condução alterada no nó atrio-
ventricular. Em um indivíduo normal, o inter-
valo PR deve ser de, no máximo, 0,2ms. Os blo-
queios são classificados em 1º, 2º e 3º graus.
Tabela 8 - Bloqueio atrioventricular de 1º grau Figura 9 - Bloqueio atrioventricular de 2º grau
Indica retardo na condução do estímu- Mobitz II
lo no nó atrioventricular, do átrio para
Comentários
os ventrículos. O intervalo PR é maior
que 0,2ms e permanece constante. Tabela 10 - Bloqueio atrioventricular de 3º grau
É, geralmente, desnecessário, pois Compreende bradiarritmia em que
Tratamento há completa dissociação entre a ativi-
não costuma associar-se a sintomas.
dade atrial e a ventricular. Decorre de
anormalidade no nó atrioventricular,
feixe de His ou seus ramos. As causas
são infarto agudo do miocárdio infe-
Figura 7 - Bloqueio atrioventricular de 1º grau rior, fármacos (como os betabloque-
adores), ou doença no nó atrioventri-
Tabela 9 - Bloqueio atrioventricular de 2º grau cular. Quando a doença ocorre neste,
surge o ritmo de escape juncional
Alguns estímulos são bloqueados e Comentários
para comandar a frequência ventricu-
outros conduzidos. Há 2 padrões: lar, que se mantém entre 40 e 60bpm,
Mobitz I e Mobitz II. com QRS estreito. Quando a doença
No Mobitz I (fenômeno de Wencke- ocorre no feixe de Hiss, o ritmo de
bach), há aumento progressivo do PR, escape é ventricular, com frequência
até o bloqueio de uma onda P, com de 30 a 40bpm, com QRS alargado e
repetição do ciclo após. Geralmente é risco de degeneração para assistolia.
causado por aumento do tônus simpá-
No eletrocardiograma, o ritmo atrial
tico no nó atrioventricular, por vezes
pode ser regular ou irregular; o ritmo
induzido por fármaco (digital).
Comentários ventricular será sempre regular.
No Mobitz II, há ondas P bloqueadas,
sem aumento progressivo do intervalo Se houver sintomas, o tratamento
PR. Não há aumento do intervalo PR deve ser realizado (principalmente
antes da onda P, e pode haver mais no Mobitz II). Se houver repercus-
de 1 batimento não conduzido no mo- são hemodinâmica da bradicardia,
mento do bloqueio. Habitualmente, Tratamento o marca-passo transcutâneo é indi-
ocorre por lesão orgânica no sistema cado; se indisponível, dopamina ou
de condução, podendo evoluir para adrenalina devem ser utilizadas. A
bloqueio atrioventricular total. Boa atropina pode ser utilizada para au-
parte dos pacientes é sintomática. mento da frequência cardíaca.

29
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

Figura 10 - Bloqueio atrioventricular de 3º grau

Figura 11 - Abordagem geral das bradiarritmias

“O complexo QRS tem aparência e tama- Tabela 11 - Taquicardia sinusal


nho normais”. “Há onda P”. “Existe relação Corresponde a aumento do ritmo de
entre a onda P e o QRS”. Qual é a frequência despolarização dos átrios, geralmente
por necessidade de aumentar o débito
cardíaca?
cardíaco para atender à demanda me-
Dependendo da resposta, podemos iden- Comentários tabólica de oxigênio. Pode ser causada
tificar alguns ritmos adicionais: bradicardia por exercício intenso, febre, hipovole-
sinusal, taquicardia sinusal e taquicardia mia e dor. Ao eletrocardiograma, a fre-
supraventricular. A frequência pode ser deter- quência estará acima de 100, o QRS é
estreito, o ritmo é regular e há onda P.
minada de várias formas pelo traçado do ele-
Tratamento É dirigido à causa-base.
trocardiograma, sendo a mais fidedigna a de
dividir 1.500 pelo número de quadros peque- Tabela 12 - Bradicardia sinusal
nos entre 2 complexos QRS consecutivos (dis- Na maioria das vezes, decorre de
tância R–R). efeito de fármacos que inibem a
despolarização atrial ou a transmis-
são do estímulo pelo nó atrioventri-
Comentários cular, doença do nó sinusal ou au-
mento do tônus parassimpático. Ao
eletrocardiograma, o QRS é normal,
e o ritmo é regular; a frequência é
Figura 12 - (A) Taquicardia sinusal; (B) bradicardia menor do que 60bpm.
sinusal e (C) ritmo sinusal Tratamento É dirigido à causa-base.

30
Arritmias cardíacas

Sob a alcunha de taquicardia supraventricular, reconhecem-se taquicardia paroxística supraven-


tricular (TPSV), taquicardia atrial não paroxística, flutter atrial e fibrilação atrial.
Tabela 13 - Taquicardia paroxística supraventricular
É uma arritmia comum, observada tanto em indivíduos sem doença estrutural quanto em cardio-
patas. Caracteriza-se por eventos de taquicardia abruptos, com duração variável e que pode ser
interrompida por manobra vagal. Vários fatores são reconhecidos como desencadeantes: tireoto-
xicose, etilismo, tabagismo, cafeína, estresse emocional, antidepressivos tricíclicos.
Comentários
A frequência se apresenta entre 160 e 220bpm, com ritmo regular, QRS estreito e onda P ina-
parente – a despolarização atrial é retrógrada (onda P negativa). Se o QRS estiver alargado, o
diagnóstico diferencial será com taquicardia ventricular (a TPSV pode assumir esse aspecto em
caso de distúrbio de condução associado, como bloqueio do ramo direito).
Tratamento Envolve manobra vagal, adenosina, verapamil ou betabloqueador.

Figura 13 - Taquicardia paroxística supraventricular

Figura 14 - Abordagem geral das taquiarritmias

31
8
Síncope
Fabrício Martins Valois

1. Conceito dos separadamente: diagnóstico, diferenciação


das causas e estratificação de risco de eventos
A síncope é definida como perda súbita e adversos.
fugaz do nível de consciência, acompanhada
por instabilidade postural. Estatísticas interna-
cionais sugerem que cerca de 40% da popu-
3. Diagnóstico
lação apresentam ao menos 1 episódio de A síncope deve ser diferenciada de outras
síncope durante a vida; o quadro costuma ser causas de perda da consciência ou do tônus
mais frequente no gênero feminino, e a inci- postural. A Tabela 1 enumera as situações mais
dência aumenta com o avançar da idade, possi- frequentes.
velmente pelo uso mais frequente de fármacos Tabela 1 - Diagnóstico diferencial da perda de
que possam interferir na função cardiovascular consciência ou do tônus postural
e, ainda, pelo aumento da ocorrência de arrit- - Crise convulsiva;
mias. Perda de cons-
ciência - Causa metabólica (hipoglicemia,
As causas de síncope são variadas, mas deno- hiperventilação, hipóxia).
tam algum grau de redução do fluxo sanguíneo - Ataque isquêmico transitório;
Perda do tô-
cerebral. Ainda que boa parte dos casos de sín- nus com pre- - Queda, desequilíbrio;
cope decorra de etiologias benignas, a investi- servação da - Causa psicogênica (transtorno de
gação reveste-se de importância pelo fato de a consciência ansiedade).
síncope poder associar-se a lesões traumáticas
importantes, bem como poder denotar risco A situação que mais frequentemente simula
aumentado de morte súbita. síncope na prática diária é a crise convulsiva.
A síncope representa uma situação clínica Dados que podem sugerir essa etiologia são:
frequente na sala de emergência, correspon- - Ocorrência em idade mais precoce;
dendo a cerca de 3%, e, nesse contexto, a abor- - Presença de movimentos tônico-clônicos
dagem tem como meta a distinção dos pacien- (pouco comuns na síncope);
tes com condições de receber alta daqueles - Liberação esfincteriana;
que necessitarão de investigação e observação - Duração prolongada;
hospitalar, tal como discutiremos neste capí- - Recuperação mais lenta da consciência,
tulo. com fadiga e confusão mental.

2. Abordagem 4. Definição da causa


No diagnóstico diferencial da síncope, 3 O diagnóstico diferencial de síncope é amplo,
pontos são importantes e devem ser aborda- e, de forma sistematizada, podemos dividir as

32
Síncope

causas em 3 grupos: síncope cardiogênica, sín- no entanto, na quase totalidade desses casos,
cope não cardiogênica e síncope de causa des- não há recorrência do quadro, denotando
conhecida. ausência de comprometimento orgânico signi-
Em algumas séries da literatura, estima-se ficativo. Na prática, alguns dados da história e
que 40% dos casos de síncope fiquem sem defi- do exame clínico podem ser úteis na elucidação
nição etiológica, após investigação exaustiva; da causa de síncope.

Tabela 2 - Síncope de origem não cardiogênica

Síncope não cardiogênica Características da anamnese e exame


físico
- Vasovagal:
É precedida por pródromos, como sudore-
· Associada a estresse emocional;
se, náuseas, tontura, palidez cutânea.
· Associada a postura.
- Situacional:
· Pode ser desencadeada após: Representa uma variante da síncope vaso-
Síncope * Tosse, defecação ou micção com es-
vagal, na maioria das vezes disparada por
neurogênica forço;
* Após exercício físico; aumento da pressão intratorácica.
* Estímulo gastrintestinal.
É mais comum no idoso e decorre da ma-
Síndrome do seio carotídeo nipulação do seio carotídeo, acarretando
bradicardia e vasodilatação.
Fonte: adaptado de Task force for the diagnosis and management of syncope of the European Society of
Cardiology, 2009.

Tabela 3 - Síncope de origem cardiogênica


Características da anamnese e exame
Síncope cardiogênica
físico
Caracteriza-se pela redução excessiva dos
- Hipotensão ortostática: níveis pressóricos com a mudança da po-
· Anormalidade autonômica primária
sição supina para a ortostática após 3 mi-
ou secundária;
nutos: queda maior ou igual a 20mmHg da
· Fármacos;
· Hipovolemia. pressão sistólica ou 10mmHg da pressão
diastólica.
Nas bradiarritmias, a síncope pode ocor-
rer durante o esforço, pela inabilidade em
- Arritmias:
aumentar o débito conforme a demanda
Síncope · Bradicardias;
metabólica.
cardiovascular · Taquicardias.
Pode existir o relato de palpitações prece-
dendo a síncope.
Na isquemia, podem existir angina e fatores
- Doença estrutural: de risco para doença coronariana.
· Cardíaca (valvopatias, isquemia mio- Ao exame clínico, podem ser identificados
cárdica, cardiomiopatia hipertrófica,
pulso parvus e tardus (estenose aórtica),
entre outras);
· Outras (embolia pulmonar, hiperten- sopros de ejeção (estenose aórtica e car-
são pulmonar, dissecção de aorta). diomiopatia hipertrófica), 3ª bulha (deno-
tando insuficiência cardíaca).
Fonte: adaptado de Task force for the diagnosis and management of syncope of the European Society of
Cardiology, 2009.

33
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

5. Causas mais comuns -se considerar a hipotensão ortostática como


um diagnóstico de exclusão.
A hipotensão ortostática pode decorrer de
A - Síncope vasovagal
disfunção autonômica, ou mesmo por redução
A síncope vasovagal representa a causa mais do volume intravascular. A disfunção autonô-
comum de síncope, ocorrendo em até 60% mica pode ser primária, como na doença de
dos casos. Decorre de ativação autonômica, Parkinson e na síndrome de Shy-Drager; pode
com graus variados de bradicardia e hipo- ser secundária a doenças (diabetes, feocromo-
tensão, associados a perda de consciência. O citoma, hipoaldosteronismo, uremia, esclerose
quadro pode ser desencadeado por gatilhos múltipla, entre outras) ou a fármacos (antago-
como estresse emocional, mudança postural, nistas dos canais de cálcio, betabloqueadores,
ambientes quentes, entre outros. bloqueadores alfa-adrenérgicos, diuréticos,
O quadro inicia com percepção de sinto- nitratos, antipsicóticos, antieméticos, entre
mas prodrômicos, como sudorese, náusea e outros).
palidez cutânea, seguidos pela perda do tônus
postural. Em alguns casos, os pacientes podem D - Síncope cardiogênica
relacionar o evento a situações em que ocorra As causas mais frequentes estão listadas na
aumento da pressão intratorácica, como na
Tabela 3. Estima-se que a síncope cardiogênica
manobra de Valsalva, o que caracteriza a sín-
responda por cerca de 20% dos casos na sala de
cope situacional.
emergência.
De forma geral, a síncope vasovagal tem
Os pacientes com síncope cardiogênica por
excelente prognóstico, com baixa morbimorta-
arritmias habitualmente apresentam um qua-
lidade. Esses pacientes devem ser encaminha-
dro súbito, dissociado de pródromos, padrão
dos para seguimento ambulatorial.
classicamente conhecido como síncope “liga–
B - Síndrome do seio carotídeo desliga”. Já em pacientes com causa cardiovas-
É outra variante da síncope vasovagal, na qual cular estrutural, a presença de sintomas pre-
o gatilho é a compressão mecânica do seio caro- monitórios é frequente.
tídeo, com bradicardia e hipotensão reflexas.
Esse fenômeno corresponde a exacerbação de 6. Exames complementares
uma resposta fisiológica e é mais frequente em O eletrocardiograma é recomendado para
idosos. Na prática, pode ser desencadeado pelo todos os pacientes com síncope na sala de
ato de barbear, uso de colar ou colarinho aperta- emergência, pois, apesar de ter baixa sensibili-
dos ou movimentação extrema da cabeça. dade, é um teste simples e barato, e que pode
ter impacto importante no seguimento caso
C - Hipotensão ortostática
identifique alguma anormalidade, principal-
A hipotensão ortostática é definida mente:
como queda da pressão sistólica em valo- - Bradicardia acentuada;
res ≥20mmHg, ou da pressão diastólica em - Prolongamento de QT;
10mmHg, ou ainda aumento da frequência - QRS alargado;
cardíaca em mais de 20bpm, após 3 minutos - Pré-excitação;
da mudança de decúbito supino para o ortos- - Sinais de isquemia miocárdica.
tatismo. Na prática, deve-se ter cuidado em
distinguir a hipotensão ortostática de outras No caso de pacientes com episódio isolado
causas de síncope cardiovascular; recomenda- de síncope, exame físico e eletrocardiograma

34
Síncope

normais, a probabilidade de doença grave é especificidade de 92%, mas o teste não tem
muito baixa, e o indivíduo pode ser acompa- sido incorporado à abordagem de pacientes
nhado sem a necessidade de investigação adi- com síncope.
cional. Outros testes, como holter e teste ergomé-
Dependendo do eletrocardiograma e do trico, poderão ser úteis, principalmente em
padrão da síncope, outros testes podem ser nível ambulatorial e em indivíduos seleciona-
recomendados na sala de emergência, como dos.
o ecocardiograma, que pode identificar cau-
sas como estenose aórtica, dissecção de aorta, 7. Estratificação de risco de
tamponamento cardíaco. eventos cardiovasculares na
O tilt table test é recomendado aos pacien-
tes com estigmas de síncope vasovagal, tanto
síncope
em nível ambulatorial quanto durante inter- Como dito, o principal foco no atendimento
nação hospitalar. As principais indicações do da sala de emergência é identificar situações
exame após evento de síncope são: que denotem elevada morbimortalidade asso-
- Episódio único de síncope em pacientes de ciada ao evento de síncope. De fato, a 1ª deci-
alto risco; são na sala de emergência é se o indivíduo
- Síncope recorrente (sem doença cardiovas- pode receber alta, ou se necessitará de obser-
cular estrutural, ou doença cardiovascular vação ou internação hospitalar. Situações que
presente, excluídas outras causas com tes- geralmente denotam risco elevado e exigem
tes diagnósticos); investigação adicional e observação hospitalar
- Situações em que seja importante docu- estão descritas na Tabela 3.
mentar a presença de síncope vasovagal.
Tabela 4 - Estratificação de risco na síncope – situ-
ações que denotam risco cardiovascular elevado
O estudo eletrofisiológico tem sido cada vez
mais incorporado à rotina médica. As principais Idade >45 anos e comorbidade
indicações são: Doença estrutural grave
- Suspeita de arritmia por meio da história, História de arritmia, insuficiência cardíaca, infarto
do exame físico ou do eletrocardiograma; Estigmas de síncope arritmogênica ou isquemia
- Risco ocupacional elevado; - Síncope durante exercício;
- Avaliar etiologia de arritmia já identificada.
- Síncope em posição supina;
O estudo eletrofisiológico não está indicado - Palpitações, dor torácica ou dispneia no momento
a pacientes com eletrocardiograma normal, da síncope;
ausência de doença estrutural e sem palpita- - História familiar de morte súbita;
ções. - Anormalidade eletrocardiográfica;
A necessidade de exames laboratoriais - Pressão arterial sistólica persistentemente baixa
será guiada pelos dados clínicos disponíveis. (<90mmHg).
A única recomendação universal é para a Comorbidades importantes
glicemia capilar, que deve ser realizada em - Hematócrito inferior a 30%;
todos os pacientes com alteração do nível de - Distúrbio eletrolítico.
consciência. O peptídeo natriurético cerebral
(BNP) já foi estudado como marcador para O algoritmo demonstrado na Figura 1 esque-
distinguir as síncopes cardiogênicas das não matiza a abordagem de pacientes com síncope
cardiogênicas; a sensibilidade é de 82%, com na sala de emergência.

35
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

Figura 1 - Abordagem de síncope na Emergência

8. Tratamento
Em pacientes estáveis, o tratamento será
necessário se houver uma causa estabelecida.
Naqueles que apresentam instabilidade hemo-
dinâmica, a abordagem deve ser feita como
preconizada pelo suporte avançado de vida.

36
9
Crise hipertensiva
Fabrício Martins Valois

1. Conceito arterial sem que a perfusão dos tecidos perifé-


ricos seja prejudicada. A redução da pressão
Sob a alcunha de crise hipertensiva estão 2 arterial e, principalmente, seu aumento, neces-
situações clínicas: a urgência hipertensiva e a sitam sofrer grandes variações para ter impacto
emergência hipertensiva. Em ambas, há eleva- importante. Assim, os órgãos-alvo e sua micro-
ção significativa dos níveis pressóricos sistêmicos, circulação têm a função endotelial preservada
além de níveis que são toleráveis pela pequena mesmo com elevações importantes da pressão
circulação. Ainda que inexistam níveis pressóricos arterial. No entanto, se o limiar for ultrapassado,
considerados limítrofes, a maioria dos autores elevações adicionais da pressão arterial média
recomenda utilizar a pressão sistólica ≥180mmHg passam a ter impacto importante, promovendo
ou a pressão diastólica ≥120mmHg como parâ- lesão endotelial. Mais interessante é notar que
metros para definir crise hipertensiva. pacientes já hipertensos têm deslocamento da
A repercussão dos níveis pressóricos sistêmi- curva para a direita, tolerando níveis maiores
cos na microcirculação pode ser vislumbrada ao de pressão arterial que indivíduos com pressão
se contemplar o ajuste do fluxo sanguíneo cere- arterial normal (Figura 1).
bral conforme modificações na pressão arterial A urgência hipertensiva, também denomi-
média (Figura 1).
nada “pressão arterial acentuadamente ele-
vada”, representa situação clínica na qual ocor-
rem elevações pronunciadas dos níveis pressó-
ricos, sem que exista sofrimento da pequena
circulação agudamente. No entanto, o conceito
mais importante a ser valorizado nesse con-
texto é o de que há risco potencial de agressão
aos órgãos-alvo, sendo importante a aborda-
gem terapêutica desses pacientes.
A urgência hipertensiva pode ocorrer em
indivíduo previamente hígido ou ser compli-
cação de uma doença aguda em curso, como
insuficiência cardíaca, síndrome coronariana
Figura 1 - Comportamento do fluxo sanguíneo aguda, acidente vascular encefálico isquêmico,
cerebral conforme a variação da pressão arterial
média pré-eclâmpsia e glomerulonefrites agudas.
A principal característica das emergências
Habitualmente, a circulação periférica con- hipertensivas é a presença de lesão de órgãos-
segue se adaptar a variações amplas da pressão -alvo, apresentando-se, geralmente, como

37
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

síndrome coronariana aguda, edema agudo emergência e decorre de elevação da pressão


de pulmão, dissecção de aorta, encefalopa- arterial por aumento do tônus adrenérgico,
tia hipertensiva, acidente vascular encefálico como associado a quadros álgicos (cefaleia, por
hemorrágico, hipertensão maligna e eclâmpsia. exemplo), ansiedade e atividades físicas inten-
sas. Habitualmente, existirão queixas diversas
2. Abordagem diagnóstica e vagas, o exame clínico será frustro e novas
medidas da pressão arterial com o paciente
Ainda que não exista um nível pressórico
específico que defina a crise hipertensiva, em ambiente tranquilo e com alívio da situação
recomenda-se uma abordagem específica estressora tendem à normalidade.
para todos os pacientes com pressão arterial Outros pacientes não apresentarão queixas,
≥180x120mmHg. Na avaliação clínica desses com uma medida isolada de pressão arterial
indivíduos, há 3 conclusões diagnósticas possí- anormal, o que é frequentemente observado
veis: pseudocrise hipertensiva, urgência hiper- nas urgências hipertensivas. Uma parcela
tensiva ou emergência hipertensiva. menos representativa apresentará, de fato,
A pseudocrise hipertensiva apresenta situ- estigmas de lesão de órgãos-alvo, caracteri-
ação muito frequente na rotina da sala de zando a emergência hipertensiva (Tabela 1).

Tabela 1 - Abordagem clínica das emergências hipertensivas


Situações Dados sugestivos à Dados sugestivos ao Avaliações
clínicas anamnese exame adicionais
Avaliação de comporta-
Síndrome coronariana Angina pectoris, com ou sem
Sem achados exuberantes mento do eletrocardiogra-
aguda diaforese e dispneia
ma e enzimas
Principal diagnóstico di-
Crepitações em segmen-
ferencial com edema pul-
Edema agudo de pul- Dispneia e taquipneia; or- tos pulmonares inferio-
monar não cardiogênico,
mão topneia res; bulhas acessórias
como as doenças intersti-
(principalmente B3)
ciais pulmonares
Principal diferencial com
Dor torácica lancinante, pre- Sopro de insuficiência aór-
Dissecção de aorta síndrome coronariana
cordial ou no dorso tica, pulsos assimétricos
aguda
Avaliação de fundoscopia;
Exame frustro, exceto
Encefalopatia hiperten- Cefaleia, confusão mental, afastamento de acidente
pelos achados à fundos-
siva letargia, convulsões vascular encefálico com
copia
tomografia
Diagnóstico diferencial
Sinais localizatórios e/ou
Acidente vascular ence- Cefaleia repentina, altera- com encefalopatia hiper-
sinais de irritação menín-
fálico hemorrágico ção do nível de consciência tensiva e acidente vascu-
gea
lar encefálico isquêmico
Astenia, redução do débito Acompanhamento fre-
Achados à fundoscopia,
Hipertensão maligna urinário, sintomas cardio- quente da encefalopatia
hematúria
vasculares/neurológicos hipertensiva
Avaliação do comporta-
Idade gestacional acima da
Eclâmpsia Crises convulsivas mento prévio da pressão
20ª semana
arterial

38
Crise hipertensiva

A - Encefalopatia hipertensiva (tipo B). Enquanto a hipertensão arterial crô-


Decorre da falência do sistema que regula nica está muito associada às dissecções tipo
o fluxo sanguíneo cerebral conforme os níveis B, as do tipo A geralmente se relacionam a
de pressão arterial média (Figura 1). Apresenta- doenças constitucionais, como a síndrome de
-se com quadro insidioso de cefaleia, náuseas, Marfan. Independentemente da confirmação,
letargia, confusão mental, distúrbios visuais ambas necessitam de controle clínico imediato,
(escotomas, amaurose), crises convulsivas e, sendo que as do tipo A apresentam boa res-
em casos mais graves, coma. A maioria dos posta ao tratamento cirúrgico. Os fatores que
pacientes tem diagnóstico prévio de hiperten- interagem para o surgimento da dissecção são
são arterial, mas exibe controle inadequado, graus variáveis de fragilidade da parede arterial
geralmente com adesão baixa ao tratamento. (em um extremo representada pela síndrome
Sinais neurológicos focais não são habitu- de Marfan), e o estresse gerado na parede pelo
ais na encefalopatia hipertensiva, mas mesmo ritmo de aumento da onda de pulso aórtico
que ausentes, se houver alteração do estado (caracterizado pelas variações de pressão de
mental, esses pacientes devem realizar exame pulso por unidade de tempo).
de imagem para afastar a hipótese de acidente Os pacientes com dissecção de aorta por
vascular encefálico, pois a abordagem terapêu- vezes entram em protocolos de síndrome coro-
tica não poderá ser tão agressiva quanto aquela nariana aguda e têm seu diagnóstico real retar-
da encefalopatia hipertensiva. dado: geralmente se apresentam com quadro
de dor torácica intensa, habitualmente retroes-
B - Hipertensão maligna ternal, e frequentemente com irradiação para o
A hipertensão maligna é uma situação pouco dorso. Síncope, diaforese ou franca insuficiên-
frequente, mas com mortalidade elevada se não cia cardíaca podem estar presentes em estágios
tratada, de cerca de 90% em 1 ano. Ocorre, na mais graves da dissecção.
maioria das vezes, em pacientes com diagnós- Ao exame físico, pode ser verificada assime-
tico prévio de hipertensão arterial sistêmica, tria de pulsos periféricos, com variação da pres-
principalmente naqueles com tratamento irre- são arterial entre os membros acima da norma-
gular. O marcador diagnóstico é a presença de lidade (20mmHg da pressão sistólica e 10mmHg
necrose fibrinoide das arteríolas e proliferação da diastólica). Alguns pacientes podem apre-
da camada íntima de pequenas artérias, princi- sentar sopro de insuficiência aórtica.
palmente no território neurorretiniano e renal. O diagnóstico exige exame complementar,
Esses pacientes apresentam: angiotomografia ou ecocardiograma, preferen-
- Manifestações retinianas: hemorragias, cialmente o transesofágico, pois o transtorácico
exsudatos e papiledema; tem sensibilidade muito limitada para as dis-
- Manifestações renais: hematúria, protei- secções do tipo B.
núria e lesão renal aguda, relacionadas à Para conter a evolução da dissecção, é
nefrosclerose hipertensiva; há elevação de fundamental controlar a pressão arterial e a
creatinina em quase metade dos casos; frequência cardíaca, para reduzir o ritmo de
- Manifestações neurológicas: queixas rela- aumento da pressão de pulso aórtico. O trata-
cionadas a sangramento intraparenquima- mento deve ser iniciado com betabloqueador,
toso ou subaracnoide, ou a encefalopatia visando a uma frequência próxima de 60bpm;
hipertensiva. o controle da dor com morfina tem papel
adjuvante no controle da frequência. Com o
C - Dissecção de aorta bloqueio da resposta adrenérgica, um vasodi-
A dissecção de aorta pode envolver a aorta latador (nitroprussiato) deve ser iniciado para
ascendente (tipo A) ou poupar esse segmento reduzir a pressão arterial – utiliza-se apenas

39
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

após o uso do betabloqueador para impedir atingido, devem ser liberados com a prescri-
taquicardia reflexa. ção de um anti-hipertensivo para uso contínuo,
com seguimento ambulatorial.
3. Tratamento Se o paciente já for sabidamente hipertenso,
na alta deverá ser orientado ajuste medicamen-
O foco principal do tratamento da crise hiper-
toso, além de reforçar a importância do uso regu-
tensiva é a redução dos níveis pressóricos para
lar dos fármacos e de ajuste na ingesta de sal.
faixa tolerável, em velocidade que dependerá
Nas emergências hipertensivas, no entanto, a
da presença ou não de lesão em órgãos-alvo. O
redução da pressão arterial deve ser mais signi-
objetivo é impedir lesão vascular ou neurológica
ficante e ao mesmo tempo cuidadosa. A redução
permanente, além de inibir piora da função ven-
imediata dos níveis da pressão diastólica para
tricular, sem que exista risco de o paciente sofrer
valores entre 100 e 110mmHg é desejável em um
com consequências da hipotensão arterial.
período de 3 a 6 horas, respeitando o limite de
Na urgência hipertensiva, os níveis pressóri-
cos devem ser reduzidos em período de horas queda da pressão em até 25% daquele da apre-
a semanas. Os pacientes que apresentam pres- sentação inicial nas primeiras 24 horas. Quando a
são superior a 180x120mmHg podem receber meta for atingida, geralmente após 24 a 48 horas,
um anti-hipertensivo por via oral no setor de o fármaco parenteral poderá ser desmamado e se
emergência (como captopril 12,5 a 25mg) e ter iniciará um anti-hipertensivo por via oral.
reavaliação em algumas horas. A meta é redu- As Tabelas 2 e 3 enumeram, respectiva-
ção para níveis aquém de 160x100mmHg, mas mente, os fármacos mais utilizados nas emer-
evitando minorar a pressão arterial média em gências hipertensivas e algumas peculiaridades
mais de 30% nas 24 horas. Se o objetivo for das síndromes mais comuns.

Tabela 2 - Principais fármacos utilizados nas emergências hipertensivas


Fármacos Efeitos Indicações Doses Início Duração Efeitos adversos
Vasodilatador Intoxicação por
Nitroprussia- Emergência 0,3 a 10µg/kg/ 2 a 3 minu-
arterial e ve- Imediato cianeto, hipo-
to de sódio hipertensiva min tos
noso tensão grave
Cefaleia, taqui-
Vasodilatador
Nitroglice- Síndrome coro- 5 a 200µg/kg/ Até 5 mi- 5 a 10 cardia, flushing,
arterial e ve-
rina nariana aguda min nutos minutos meta-hemoglo-
noso
binemia
Insuficiência
Até 5 mi-
Furosemida Diurético cardíaca es- 20 a 60mg Até 1 hora Hipocalemia
nutos
querda
Taquicardia
Vasodilatador 10 a 20mg a 10 a 20 Até 12 reflexa, cefaleia,
Hidralazina Eclâmpsia
arterial cada 6 horas minutos horas descontrole de
angina
Síndrome coro-
5mg (repetir a
Betabloque- nariana aguda; Até 10 Bradicardia,
Metoprolol cada 10 minu- Até 4 horas
ador dissecção de minutos broncoespasmo
tos; até 20mg)
aorta
500µg/kg/min;
infusão intermi-
Betabloque- Dissecção de Até 2 mi- Até 20 Bradicardia,
Esmolol tente de 50µg/
ador aorta nutos minutos broncoespasmo
kg/min até
300µg/kg/min

40
Crise hipertensiva

Fármacos Efeitos Indicações Doses Início Duração Efeitos adversos


Bloqueador Taquicardia,
Feocromoci- 1 a 5mg (até Até 2 mi- Até 5 mi-
Fentolamina alfa-adrenér- flushing, ton-
toma 15mg) nutos nutos
gico turas

Tabela 3 - Aspectos terapêuticos das emergências hipertensivas mais comuns


Edema agudo de pulmão
Em indivíduos com disfunção sistólica, deve-se evitar fármacos que possam se associar a redução de contra-
tilidade (betabloqueadores) ou que aumentem o trabalho ventricular (hidralazina). Os fármacos de escolha
são nitroprussiato ou nitroglicerina.
Síndrome coronariana aguda
Vasodilatadores (nitroprussiato ou nitroglicerina) são fármacos fundamentais no tratamento. Ademais, os
betabloqueadores estão indicados na ausência de contraindicações. Deve-se evitar hidralazina, pela possi-
bilidade de aumentar o trabalho ventricular.
Dissecção de aorta
Os fármacos de escolha são aqueles que reduzem a amplitude da pressão de pulso e a frequência cardíaca.
Os betabloqueadores devem ser iniciados precocemente, com o objetivo de controlar a frequência cardíaca
(manter próximo de 60bpm), e antes de se iniciar um vasodilatador – nitroprussiato.
Hipertensão maligna/encefalopatia hipertensiva
Os fármacos de escolha são os vasodilatadores (nitroprussiato ou nitroglicerina) ou um betabloqueador.
Acidente vascular encefálico
As metas dependem da apresentação clínica e estão apresentadas nos capítulos específicos.
Eclâmpsia
Labetalol e hidralazina são os fármacos mais utilizados nesse contexto.

41
10
Insuficiência respiratória aguda
Fabrício Martins Valois

1. Conceitos sico, por meio da regulação dos níveis da pres-


são parcial de CO2 no sangue arterial.
A insuficiência respiratória aguda (IRpA)
é uma das situações mais frequentemente A - Oferta tecidual de oxigênio
encontradas nas salas de emergência. Denota A oferta tecidual de oxigênio corresponde ao
a incapacidade do sistema respiratório de rea- produto do débito cardíaco pelo conteúdo arte-
lizar trocas gasosas de forma adequada, por rial de oxigênio. Habitualmente, a oferta teci-
motivos variados, desde anormalidades do dual é de 3 a 4 vezes maior que a demanda teci-
comando ventilatório central até distúrbios no dual, o que garante estresse mínimo do sistema
território alveolocapilar. cardiorrespiratório para atividades usuais. No
Classicamente, a IRpA tem sido definida com entanto, sempre que a demanda energética for
base em critérios gasométricos, denotando a maior, o débito cardíaco e/ou o conteúdo arte-
falência nas trocas gasosas: redução da paO2 rial de oxigênio devem ser incrementados para
(<60mmHg) e/ou aumento agudo da paCO2 atender à demanda corpórea. De fato, tanto
(>50mmHg com pH <7,35). No entanto, como em situações de exercício físico intenso quanto
veremos, ainda que sejam critérios específi- em doenças graves, o aumento da oferta teci-
cos, são pouco sensíveis, pois na fase precoce dual de oxigênio é atingido, por exemplo, com
de instalação da IRpA os pacientes apresenta- aumento da frequência cardíaca (aumentando
rão mecanismos compensatórios que podem o débito cardíaco) e da frequência respiratória
tornar a hipoxemia absoluta não perceptível. (aumentando o conteúdo arterial de oxigênio),
Assim, para a adequada caracterização da IRpA, que são os mecanismos mais básicos para tal
devem-se levar em consideração, além dos ajuste fisiológico.
aspectos gasométricos, parâmetros clínicos O conteúdo arterial de oxigênio depende,
compatíveis com o estresse agudo ao sistema prioritariamente, da integridade das trocas
respiratório. gasosas. No sangue arterial, o oxigênio é trans-
No contexto de emergência, os pontos prin- portado de 2 formas: dissolvido no plasma
cipais da abordagem clínica envolvem a esta- (representado pela pressão parcial do gás na
bilização da oferta tecidual de oxigênio e o
parede do vaso, paO2) e ligado à hemoglobina
diagnóstico e tratamento da etiologia.
(representado pela saturação da hemoglobina
com oxigênio). A fração ligada à hemoglobina
2. Etiologia e fisiopatologia representa a principal parcela do oxigênio arte-
A função ventilatória dos pulmões tem 2 rial, sendo o componente dissolvido no plasma
objetivos principais: manter a oferta tecidual pouco representativo. Estima-se que em cada
de oxigênio e controlar o equilíbrio acidobá- 1dL de sangue exista 0,003mL de oxigênio dis-

42
Insuficiência respiratória aguda

solvido por mmHg de paO2. No mesmo dL de zida: uma mesma paO2 gera uma menor SaO2,
sangue há 1,34mL de oxigênio em cada grama para facilitar a liberação do oxigênio na perife-
de hemoglobina: ria. Do contrário, em situações de baixa ativi-
dade metabólica, com alcalemia, hipotermia,
DO2 = Débito cardíaco x [(paO2 x 0,003) + (1,34 x hipocapnia ou redução do 2,3-difosfoglicerato,
Hb x SaO2/100)] a curva será desviada para a esquerda: haverá
No entanto, ainda que a SaO2 seja um aumento da afinidade do O2 pela hemoglobina,
determinante mais importante do conteúdo com a clara intenção de poupar energia.
arterial de oxigênio que a paO2, seu valor – da Uma paO2 de 60mmHg como indicativo de
SaO2 – depende dos níveis da paO2, como nos hipoxemia e de insuficiência respiratória tem
mostra a curva de dissociação da hemoglobina valor quando o paciente estiver respirando em
(Figura 1). ar ambiente, com a fração inspirada de oxigênio
(FiO2) de 0,21. Se estiver utilizando concentra-
ções maiores de O2, a avaliação da hipoxemia
será feita por meio da razão paO2–FiO2, indi-
cando hipoxemia relativa se o valor estiver infe-
rior a 300. Ter uma relação paO2–FiO2 inferior
a 300 indica que, se o indivíduo estivesse em
ar ambiente, a paO2 certamente ficaria inferior
a 60mmHg. Reduções expressivas da relação
paO2–FiO2 têm sido utilizadas para definir IRpA
grave e também a Síndrome do Desconforto
Figura 1 - Curva de dissociação da oxi-hemoglo-
bina Respiratório Agudo (SDRA) – paO2–FiO2 <200.
De forma geral, se aceita que, para cada litro
Pela curva de dissociação da oxi-hemo- de oxigênio ofertado, a FiO2 aumenta em 0,04.
globina observamos que, conforme ocorre No entanto, o cateter nasal e a tenda facial, 2
aumento da paO2, há incremento da saturação dos dispositivos de suplementação de oxigê-
da hemoglobina com oxigênio. No entanto, nio mais frequentemente utilizados, não con-
a partir de determinado ponto, aumentos da seguem atingir frações inspiradas superiores a
paO2 promovem incrementos modestos na 0,4.
SaO2. Abaixo desse mesmo ponto, qualquer
redução da paO2 tem impacto importante na B - Ventilação alveolar e a paCO 2
saturação. Esse ponto, em condições normais, O CO2 é um gás que apresenta difusibilidade
corresponde ao valor de 60mmHg, que se con- maior que o oxigênio. Desta forma, seus níveis
vencionou definir como limiar para hipoxemia. dependem muito mais da ventilação alveo-
Desta forma, com valores de paO2 acima de lar do que da integridade da membrana alve-
60mmHg, a saturação da hemoglobina atingirá olocapilar. A ventilação alveolar é produto do
valores satisfatórios. volume-minuto pela frequência respiratória.
Existem situações nas quais a curva de Assim, hiperpneia ou taquipneia são fatores
dissociação pode sofrer desvios. Quando há que promovem redução da paCO2, enquanto a
queda da ventilação alveolar gera hipercapnia.
aumento da demanda energética, sinalizados
pela presença, no tecido, de acidose, hiperter-
mia, hipercapnia e aumento do 2,3-difosfogli- 3. Tipos de insuficiência
cerato (produto da degradação do ATP), a curva respiratória
é desviada para a direita. Nesse caso, a afini-
A ineficiência das trocas gasosas pode se
dade da hemoglobina pelo oxigênio será redu-
manifestar em 2 contextos principais: redução

43
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

da capacidade de oxigenação – IRpA hipoxê- Em qualquer das causas de IRpA tipo 1, em


mica (tipo 1) – ou redução da capacidade de fases precoces, quando se inicia a anormali-
eliminar CO2 – IRpA hipercápnica (tipo 2). dade de troca gasosa, o pulmão lança mão da
taquipneia para evitar o surgimento da hipoxe-
Tabela 1 - Causas de insuficiência respiratória
mia. Assim, é frequente que se observe hipo-
Tipo 1 - Hipoxêmica – paO2 <60mmHg; paCO2 capnia associada a graus variáveis de hipoxemia
variável
nesses casos. Como o CO2 consegue se difun-
- Pneumonia;
dir com mais facilidade que o O2, somente em
- SDRA; fases avançadas da IRpA tipo 1 é que se obser-
- Edema pulmonar; varão elevações da paCO2.
- Tromboembolismo pulmonar;
- Atelectasia;
B - IRpA hipercápnica
- Asma aguda; A IRpA hipercápnica decorre, na maioria das
vezes, de anormalidades no controle da venti-
- Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) exa-
cerbada; lação, como nos acidentes vasculares encefá-
licos, no trauma e na intoxicação exógena. A
- Pneumotórax.
estrutura alveolocapilar desses indivíduos está
Tipo 2 - Hipercápnica – paCO2 >50mmHg; pH
<7,35; paO2 variável intacta, de forma que apenas anormalidades
na concentração de CO2 podem ser detectadas,
- Doenças do sistema nervoso central (acidente
vascular cerebral, tumor, intoxicação etc.); por vezes. Isso decorre do fato de termos uma
reserva maior de O2 que de CO2 – em outros
- Doenças neuromusculares (miastenia, distrofias
musculares etc.); termos, os níveis de paCO2 alteram-se mais
facilmente que os da paO2, pela diferente faixa
- Doenças da parede torácica (tórax instável);
de normalidade de ambas.
- Obstrução das vias aéreas superiores (epiglotite,
edema de laringe, síndrome de apneia e hipop-
neia obstrutiva do sono).
C - Achados clínicos
Os pacientes com IRpA apresentam-se,
A - IRpA hipoxêmica habitualmente, com desconforto respirató-
A insuficiência respiratória do tipo 1, ou rio importante. A taquipneia frequentemente
hipoxêmica, decorre de anormalidades da é o achado mais precoce, mas geralmente
relação ventilação–perfusão ou de distúrbios apresenta-se associada a dispneia, cianose e
agitação. Ao exame físico, podem-se identifi-
de difusão. As alterações da relação ventila-
car achados de esforço respiratório excessivo
ção–perfusão podem ocorrer por redução da
– batimentos de asas de nariz, uso de muscu-
perfusão (efeito espaço-morto, como na embo-
latura acessória, tiragem intercostal, retração
lia pulmonar), por redução local da ventilação de fúrcula. É intuitivo imaginar que tal quadro
alveolar (efeito shunt, como na DPOC por des- seja característico da IRpA hipoxêmica. De fato,
truição de parte do septo alveolar), ou por abo- pacientes com IRpA hipercápnica apresentarão
lição da ventilação (shunt completo, como nas bradipneia e rebaixamento do nível de cons-
pneumonias extensas, e SDRA, em que o alvé- ciência, tanto pela doença de base como pela
olo está repleto de exsudato). hipercapnia resultante.
Nos distúrbios de difusão, ocorre espessa- Na anamnese e no exame físico serão, tam-
mento anormal do espaço intersticial, entre bém, avaliados estigmas clínicos que possam
a membrana alveolar e o capilar, reduzindo a indicar a etiologia da IRpA (Tabela 1).
capacidade difusiva dos gases. Exemplos carac-
terísticos são as doenças pulmonares fibrosan- D - Exames complementares
tes, a pneumocistose e o edema pulmonar car- O 1º passo na investigação da IRpA baseia-se
diogênico. na definição do grupo – hipoxêmica ou hiper-

44
Insuficiência respiratória aguda

cápnica. Para tanto, a gasometria arterial tem 4. Abordagem terapêutica


utilidade importante. No entanto, mais do que
a análise estática dos gases, o exame pode for- O tratamento da IRpA envolve a normaliza-
necer um parâmetro extremamente valioso, a ção da oferta tecidual de oxigênio (garantindo
diferença alveoloarterial de oxigênio (DAaO2). boa SaO2), suporte ventilatório e tratamento da
Considera-se que a DAaO2 normal seja, em causa da IRpA (Tabela 2).
indivíduos com menos de 60 anos, em torno de Todos os pacientes com IRpA devem receber
15mmHg. Acima dessa faixa etária, valores até oxigênio suplementar se hipoxêmicos, em fluxo
mínimo necessário para manter a SaO2 superior
25mmHg são aceitáveis. A DAaO2 é calculada
a 90%. A forma de administração dependerá da
por meio da diferença da pressão de oxigênio
disponibilidade no serviço e da adaptação do
dentro do alvéolo pela pressão dentro da veia
paciente. Fluxos mais baixos podem ser ofer-
pulmonar. Se essa diferença estiver maior que
tados com cateter ou tenda facial. Caso exista
o valor de normalidade, isso indica troca gasosa
necessidade de fluxo mais elevado, as másca-
ineficaz, pois oxigênio em excesso foi perdido
ras de Venturi ou com reservatório podem ser
no trânsito alvéolo–hemácia. De forma sim-
indicadas.
plificada, com deduções a partir da equação
geral dos gases, e para locais em nível do mar, Tabela 2 - Objetivos do tratamento da IRpA
a DAaO2 pode ser calculada da seguinte forma: Garantir vias aéreas Realizar aspiração e intu-
pérvias bação orotraqueal.
DAaO2 = 135 – (paO2 + paCO2) Ofertar menor fluxo de
Manter oferta tecidual
O2 para manter SaO2
O valor de normalidade ora citado só tem adequada
>90%.
validade se o indivíduo estiver em ar ambiente. Manter a níveis adequa-
São desconhecidos os valores de normalidade Manter débito cardíaco dos de pressão arterial
para frações de oxigênio acima de 0,21. Desta média e volemia.
forma, é recomendável que a gasometria arte- Identificar e controlar a
--
rial seja colhida antes de iniciar suplementação causa da IRpA
de oxigênio. Evitar fluxo excessivo de
Quando acima do nível de normalidade, a oxigênio e pressões ele-
Prevenir complicações
vadas na ventilação me-
DAaO2 indica IRpA tipo 1. Níveis superiores a cânica.
40mmHg geralmente associam-se a distúrbio
de difusão. Se a DAaO2 estiver normal, há inte- A - Ventilação não invasiva
gridade da membrana alveolocapilar, sugerindo A Ventilação Não Invasiva (VNI) corresponde
IRpA tipo 2. A resposta à suplementação de oxi- a um método de suporte ventilatório em que
gênio também pode fornecer dados importan- se fornece pressão positiva para as vias aéreas
tes. Pacientes com IRpA tipo 2 geralmente têm e o parênquima pulmonar, sem necessidade de
normalização da oximetria com fluxos baixos de intubação orotraqueal. Foi contemplada por
oxigênio – afinal, a membrana alveolocapilar apresentar alguns benefícios quando compa-
está íntegra. Naqueles com IRpA tipo 1, a res- rada com a intubação e a ventilação invasiva,
posta é menos exuberante, principalmente em como manutenção das defesas das vias aéreas
pacientes com shunt verdadeiro, nos quais flu- inferiores, prescindir de sedação, reduzindo
xos elevados de oxigênio promovem aumentos mortalidade, tempo de internação hospitalar e
modestos na SaO2. complicações como pneumonia, comprovada-
Outros exames serão solicitados depen- mente em várias situações clínicas.
dendo da hipótese diagnóstica elaborada para As primeiras evidências de benefício foram
o quadro clínico. documentadas em pacientes com DPOC exa-

45
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

cerbada, edema agudo de pulmão cardiogê- Tabela 4 - Situações que indicam evolução da VNI
nico, pneumonia em imunodeprimidos e na para ventilação invasiva
falência da desintubação. Nos últimos anos - Assincronia com o aparelho;
têm surgido evidências crescentes de bene- - Intolerância a interface;
fícios em outras situações clínicas, como na - Ausência de melhora de trocas;
pneumonia e na asma, o que fez com que o - Ausência de melhora da dispneia;
método passasse a ser indicado para todas as - Instabilidade hemodinâmica;
etiologias da IRpA, exceto se houver contrain- - Nível de consciência ruim após 30 minutos.
dicações (Tabela 3).
Tabela 3 - Contraindicações à VNI
- Parada cardiorrespiratória (ou sua iminência);
- Instabilidade hemodinâmica;
- Incapacidade de proteger vias aéreas – rebaixa-
mento do nível de consciência;
- Obstrução fixa das vias aéreas;
- Trauma ou cirurgia facial;
- Falta de colaboração do paciente;
- Anastomose de esôfago recente;
- Hemorragia digestiva alta ou hemoptise franca;
- Pneumotórax não drenado.

A VNI rotineiramente é realizada na forma


de 2 níveis de pressão (BiPAP), um nível inspira-
tório (maior) e outro expiratório (menor). Essa
estratégia pode ser executada em qualquer
situação em que a VNI estiver indicada. A CPAP,
que garante um mesmo nível de pressão na ins-
piração e na expiração, na IRpA somente tem
benefícios no edema pulmonar cardiogênico,
devendo ser evitada em outras situações (pode
aumentar o trabalho respiratório em outros
indivíduos).

B - Ventilação invasiva
A ventilação invasiva estará indicada para
pacientes com quadros mais graves de IRpA,
especificamente com falência ou contraindica-
ção à VNI (Tabelas 3 e 4). A proposta da venti-
lação mecânica é propiciar repouso ventilatório
enquanto são tomadas medidas destinadas a
controlar o distúrbio causador da anormalidade
nas trocas gasosas. Idealmente, o paciente deve
permanecer sedado nas primeiras 24 horas, e
a evolução para desmame ventilatório depen-
derá do controle da etiologia.

46
11
Asma aguda
Fabrício Martins Valois

1. Conceito envolve 2 fases: uma precoce, após contato


com o antígeno, com liberação de mediadores
O manejo da asma sofreu modificações sig- de mastócitos na mucosa brônquica; e uma tar-
nificativas nas últimas décadas, com a noção de dia, com a migração de células, principalmente
que a inflamação brônquica, e não o broncoes- eosinófilos e neutrófilos, gerando a inflamação
pasmo, representava o ponto central da fisio- na mucosa brônquica, com hipertrofia de glân-
patologia da doença. De fato, a introdução dos dulas mucosas, secreção excessiva de muco e
corticoides inalados no tratamento de manu- exposição de terminações nervosas, perpetu-
tenção resultou em melhor controle da doença ando as manifestações clínicas da doença.
em nível ambulatorial. A crise de asma decorre de obstrução aguda
No entanto, no tratamento da crise de asma, das vias aéreas, geralmente decorrente de 3
o controle da inflamação das vias aéreas tem fatores: contração da musculatura lisa (por res-
importância secundária e o foco principal é o posta excessiva a uma série de estímulos), infla-
alívio da obstrução das vias aéreas. Nesse con- mação da mucosa brônquica e edema asso-
texto, muitos equívocos são cometidos na sala ciado, e de obstrução mecânica das vias aéreas
de emergência, principalmente decorrentes da por secreção espessa. O grau de inflamação das
utilização inadequada de broncodilatadores vias aéreas parece ser o fator mais importante
inalados, por temor de efeitos adversos relacio- na determinação da gravidade da crise: quanto
nados a esses fármacos. Entretanto, a mortali- mais extensa, maior o grau de hiper-responsivi-
dade na crise de asma decorre de asfixia, e não dade aos estímulos diversos (pela exposição de
de efeitos colaterais de medicamentos. terminações nervosas, por exemplo) e maior a
quantidade de secreção mucoide.
2. Fisiopatologia Vários estímulos podem servir de gatilho
Uma característica peculiar da asma é a para a crise de asma. Infecções, principalmente
presença de hiper-responsividade brônquica: as virais, representam a etiologia mais comum.
pacientes asmáticos apresentam resposta exces- Outras causas seriam exposição a alérgenos,
siva a uma série de estímulos, expressa habitu- irritantes inalados, ar frio ou seco e fármacos
almente como constrição exuberante da muscu- (como betabloqueadores e Aspirina®).
latura lisa das vias aéreas. Esses estímulos são Na prática, é possível identificar 2 fenótipos
variados, geralmente representados por agentes de exacerbação de asma:
infecciosos, alérgenos, irritantes inalados, fárma- - Tipo 1: representa mais de 90% dos casos e
cos, exercício, estresse emocional, entre outros. tem baixa mortalidade. São pacientes que
De forma geral, independente da presença têm muita inflamação e pouco broncoes-
ou não de atopia, a fisiopatologia da asma pasmo. De fato, as secreções respiratórias

47
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

são ricas em eosinófilos. É mais frequente até 3 dias, associada a queixas rinossinusais.
no gênero feminino, e o quadro tem insta- Ao exame físico, os pacientes apresentarão
lação insidiosa, iniciado geralmente com grau variável de desconforto respiratório, com
queixas rinossinusais e evolução por 10 a presença de taquipneia, uso de musculatura
15 dias. A melhora completa ocorre com o acessória e tiragem intercostal em alguns casos.
passar dos dias e depende do uso de corti- A presença de sibilos é característica e pode ser
coides inalados; acompanhada de roncos. Em pacientes com
- Tipo 2: representa quase 10% dos casos evolução desfavorável da crise, com obstrução
e tem elevada mortalidade. Esses pacien- grave das vias aéreas, a redução do fluxo aéreo
tes têm pouca inflamação brônquica, mas pode ser tão importante que os sibilos podem
broncoespasmo exuberante. É mais comum se tornar imperceptíveis. Assim, ausência de
no gênero masculino, e o quadro tem insta- sibilos nem sempre denota quadro mais leve.
lação repentina, geralmente motivado por De fato, o diagnóstico da crise de asma na
algum gatilho, como exposição a alérgeno sala de emergência não é tão problemático, no
ou irritante, estresse emocional etc. Esses entanto 2 aspectos devem ser valorizados: a
pacientes necessitam de doses adequadas estimativa de gravidade da crise e a avaliação
de broncodilatadores para evoluírem com de diagnósticos diferenciais.
melhora clínica. O broncoespasmo, se não Vários dados na história clínica do paciente
revertido, pode ser fatal. asmático são importantes na avaliação prog-
nóstica e podem ser utilizados como parâ-
3. Diagnóstico metro. De forma geral, indícios clínicos que
demonstrem inflamação descontrolada e
Na maioria das vezes, os pacientes que estigmas de crises graves previamente são
se apresentam com crise de asma na sala de valorizados: idas frequentes à Emergência,
emergência já têm o diagnóstico estabelecido história de hospitalização por asma e/ou intu-
previamente. As manifestações mais frequen- bação orotraqueal, necessidade de uso pro-
tes na crise de asma são tosse, dispneia e longado de corticoide sistêmico e/ou de bron-
chiado no peito, com intensidade crescente em codilatador de alívio.
período variável de tempo, de minutos a dias. A caracterização da gravidade da crise é fun-
Habitualmente é possível identificar um fator damental para estabelecer condutas no trata-
desencadeante, como as infecções virais, tanto mento. Vários parâmetros têm sido utilizados
de vias aéreas superiores quanto inferiores. com esse propósito, como podem ser contem-
Desta forma, é frequente o relato de febre por plados na Tabela 1.

Tabela 1 - Classificação de gravidade da crise


Iminência de parada
Leve Moderada Grave
cardiorrespiratória
Dispneia Com atividade física Ao falar Ao repouso Ao repouso
Capacidade de Incapacidade de
Sentenças Frases Palavras
falar falar
Capacidade de Preferência por Incapacidade de Incapacidade de
Posição corpórea
deitar ficar sentado deitar deitar
Frequência respi-
Aumentada Aumentada FR >30irpm FR >30irpm
ratória
Uso da muscula- Normalmente au- Comumente pre-
Presente Respiração paradoxal
tura acessória sente sente

48
Asma aguda

Iminência de parada
Leve Moderada Grave
cardiorrespiratória
Sibilos difusos ins-
Sibilos expiratórios Sibilos expiratórios
Ausculta piratórios e expira- Tórax silente
moderados difusos
tórios
Frequência car-
<100bpm 100 a 120bpm >120bpm Bradicardia relativa
díaca
Pulso paradoxal
<10 10 a 25 >25 Ausente
(mmHg)
Confuso ou sono-
Estado mental Agitado ou normal Agitado Agitado
lento
VEF1 (predito <50%, ou resposta a
para idade, sexo e >80% 50 a 80% terapia menor que 2 <50%
altura) horas
SaO2 (%) >95 91 a 95 <91 <91
paO2 (mmHg) Normal >60 <60 <60
paCO2 (mmHg) <42 <42 ≥42 ≥42

A estimativa da função pulmonar na sala de Ademais, os exames complementares terão


emergência pode trazer informações importan- utilidade no diagnóstico diferencial com situa-
tes. No entanto, a espirometria tem aplicação ções corriqueiras, dependendo, é claro, da situ-
difícil nesse contexto, não sendo um método ação clínica: edema agudo de pulmão cardiogê-
adequado. Diante da necessidade de uma análise nico, pneumonia, pneumotórax, aspiração de
objetiva da mecânica respiratória e de sua evolu- corpo estranho, embolia de pulmão.
ção com o tratamento, com um método prático e
sensível, a medida do pico de fluxo expiratório foi 4. Tratamento da crise de
incorporada à rotina do manejo da asma na sala
de emergência. O medidor de pico de fluxo não asma
é útil para diagnóstico de uma doença específica, O tratamento medicamentoso da crise de
mas é útil para avaliar a repercussão na mecânica asma tem como objetivos o alívio da obstrução
respiratória. Assim, na crise de asma, espera-se brônquica (broncodilatadores), o controle da
que seus valores tenham maiores reduções em inflamação (corticosteroides) e o tratamento
pacientes com crises mais graves ou naqueles da etiologia, se indicado. A intensidade do tra-
com asma grave, observando-se melhora pro- tamento dependerá da gravidade da crise, e a
gressiva com o tratamento. recomendação é que se siga protocolo especí-
Outros exames complementares estarão fico no atendimento (Figura 1).
indicados em situações específicas:
- Radiografia de tórax: se houver suspeita A - Broncodilatadores
de pneumonia, pneumotórax ou nas crises Os broncodilatadores são os fármacos mais
graves; importantes no tratamento inicial da crise de
- Gasometria arterial: hipoxemia refratária; asma.
- Eletrólitos: na crise grave, principalmente
se houver uso de doses altas de broncodi- B - Beta-agonistas
latadores e corticoides; Os beta-2-agonistas representam a classe de
- Hemograma e biomarcadores: suspeita de broncodilatadores com maior eficácia no alívio
infecção. da obstrução das vias aéreas. O maior equí-

49
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

voco no setor de emergência na abordagem de C - Anticolinérgicos


pacientes em crise de asma é o de minimizar Ainda que existam dados controversos, há
a importância dos beta-agonistas por temor consenso atual de que os anticolinérgicos,
de efeitos adversos. O uso de doses baixas de quando associados aos beta-agonistas, propi-
broncodilatadores aumenta sobremaneira o ciam melhor controle da obstrução brônquica
risco de evolução desfavorável. que o uso de um dos fármacos isoladamente. Os
São utilizados os beta-agonistas de ação anticolinérgicos promovem diminuição da ação
curta (salbutamol ou fenoterol), por terem ação da acetilcolina nas fibras pós-gangliônicas que
mais precoce e pela maior facilidade de admi- terminam no epitélio, glândulas submucosas e
nistração. O formoterol, broncodilatador de musculatura lisa das vias aéreas, diminuindo,
ação prolongada, apesar de ter início de ação assim, o tônus broncoconstritor. Quando com-
tão precoce quanto os de ação curta, não tem parados aos beta-agonistas, os anticolinérgicos
sido incorporado ao tratamento da crise por apresentam início de ação mais tardio (apenas
estar disponível apenas em formulação de pó 90 minutos após a inalação).
seco, que é de difícil aplicação em pacientes O anticolinérgico indicado para uso na crise
com baixo fluxo inspiratório. de asma é o brometo de ipratrópio, na dose
Os broncodilatadores devem ser administra- de 0,25 a 0,5mg (20 a 40 gotas), adicionado ao
dos por via inalatória, pois a eficácia é maior e beta-2-agonista (Figura 1).
há menos efeitos adversos. Os broncodilatado-
res sistêmicos devem ser restritos aos pacien- D - Corticosteroides
tes com crises graves e refratárias a doses ade- Os corticoides são os fármacos mais impor-
quadas dos fármacos inalatórios. tantes no tratamento de manutenção da asma.
Os beta-agonistas podem ser administra- Na crise de asma, sempre estão indicados,
dos de forma intermitente ou em nebulização embora não tenham impacto no alívio da obs-
contínua, dando-se preferência à nebulização trução brônquica. Seu papel relaciona-se ao
contínua, pois a aplicação sequencial do fár- controle da inflamação, que habitualmente
maco parece fornecer broncodilatação adicio- sofre descontrole na exacerbação. Seu uso
nal. Recomendam-se inalações a cada 15 ou 20 associa-se à resolução mais rápida da obstru-
minutos, totalizando 3 inalações na 1ª hora da ção ao fluxo aéreo, dos sintomas e à redução da
chegada ao pronto-socorro (Figura 1). taxa de recidiva.
Os beta-agonistas disponíveis no Brasil são: É importante lembrar que os corticoides
- Fenoterol, dose de 10 a 20 gotas diluídas inalatórios geralmente não são indicados, uti-
em 3 a 5mL de soro fisiológico; lizando-se, preferencialmente, os sistêmicos.
- Salbutamol, de 2,5 a 5mg (de 10 a 20 gotas) Pela via sistêmica, o início de ação dos corticoi-
em nebulização com 3 a 5mL de soro fisio- des ocorre em 6 a 8 horas, praticamente sem
lógico. diferença quando ofertados por via oral ou
intravenosa; desta forma, a via oral deve ser
Após as doses sequenciais na 1ª hora, deve- escolhida sempre que possível.
-se reavaliar e deixar a frequência de novas No entanto, nem todos os pacientes que
inalações de acordo com o paciente. Se ainda se apresentam no pronto-socorro com sinto-
houver broncoespasmo, pode-se prescrever de mas asmatiformes necessitarão de corticoide.
1 em 1 hora e aumentar o espaçamento pos- Estima-se que cerca de 70% dos pacientes que
teriormente. Os nebulímetros geralmente não chegam ao hospital em crise de asma apresen-
estão disponíveis na sala de emergência, mas tam resolução clínica completa após a 1ª oferta
seu uso é tão eficaz quanto por meio de nebu- de broncodilatador. A rigor, essa situação não
lizador. representa uma crise de asma, mas apenas sin-

50
Asma aguda

tomas relacionados à doença. Nesses casos, o em comparação com a do ar, poderia diminuir
corticoide sistêmico é prescindível; nos demais, a resistência das vias aéreas. Outro benefício
deverá ser ofertado. teórico é que esse elemento poderia promo-
A prednisona é utilizada em dose de 0,5mg/ ver uma retenção maior das partículas aeroli-
kg/d a 1mg/kg/d, por 5 a 14 dias. Não há sadas no pulmão, podendo, assim, aumentar o
necessidade de retirada gradual do corticoide benefício dos beta-2-agonistas inalatórios. Sua
quando usado por período de tempo inferior a disponibilidade prática é pequena, e seu uso é
3 semanas. reservado aos casos graves e refratários.
O corticoide intravenoso de escolha é a
metilprednisolona, na dose de 0,5 a 1mg/kg/d, H - Suporte ventilatório
dividida em 2 a 3 doses. Até pouco tempo, a Ventilação Não Invasiva
(VNI) não era recomendada na asma brônquica;
E - Xantinas na última década, no entanto, o corpo de evi-
As metilxantinas não são recomendadas roti- dências na literatura favorável ao uso da VNI na
neiramente no tratamento da crise de asma. asma tornou possível recomendar essa modali-
Sua prescrição deve ser restrita a casos sele- dade de suporte ventilatório na inexistência de
cionados, com ausência de resposta ao trata- contraindicações e desde que a equipe esteja
mento padrão otimizado. familiarizada com o método (Tabela 2).

F - Sulfato de magnésio Tabela 2 - Contraindicações à VNI


O magnésio é cofator em várias reações - Parada cardiorrespiratória (ou sua iminência);
enzimáticas, e estudos têm mostrado que célu- - Instabilidade hemodinâmica;
las musculares lisas contraem em ambiente de - Incapacidade de proteger vias aéreas – rebaixa-
hipomagnesemia e relaxam quando há hiper- mento do nível de consciência;
magnesemia. Há evidência de que magnésio - Obstrução fixa das vias aéreas;
infundido em asmáticos providencia uma bron- - Trauma ou cirurgia facial;
codilatação adicional, assim como há evidência - Falta de colaboração do paciente;
de que hipermagnesemia diminui a ativação de - Anastomose de esôfago recente;
polimorfonucleares. - Hemorragia digestiva alta ou hemoptise franca;
Seu efeito broncodilatador é discreto, bem - Pneumotórax não drenado.
inferior ao atingido com os beta-agonistas ina-
latórios. Assim, seu uso é restrito aos casos Os pacientes que chegam em crise aguda de
refratários ao tratamento inicial. asma ao serviço de emergência apresentando
A dose recomendada é de 2g, diluída em alteração do nível de consciência, bradicardia e
100mL de solução salina fisiológica, adminis- iminência de parada cardiorrespiratória devem
trada em 30 minutos. ser submetidos à intubação orotraqueal. Da
mesma forma, durante a evolução no pronto-
G - Oxigênio suplementar -socorro, pode ser necessária a intubação, a
O uso suplementar de oxigênio em crises de qual deve basear-se em parâmetros clínicos e,
asma é, teoricamente, benéfico, considerando especialmente, antes que o paciente esteja em
o seu papel na fisiopatologia e a experiência situação crítica com risco de parada cardiorres-
médica universal. Deve ser ofertado sempre que piratória.
a saturação de oxigênio estiver inferior a 92%. Após a intubação o paciente deve ser sedado
O uso da combinação dos gases hélio e oxigê- adequadamente e os parâmetros devem ser
nio, o chamado heliox, foi estudado pela litera- bem ajustados, para que se consiga sincronia
tura. O hélio, devido à sua densidade diminuída do paciente com o aparelho e conforto ventila-

51
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

tório, fundamentais para o adequado controle diferente dos pacientes com doença pulmonar
do broncoespasmo com broncodilatadores (que obstrutiva crônica, os asmáticos podem ter piora
devem ser ofertados imediatamente e em doses da mecânica com PEEP elevada, por causar hipe-
máximas). Quanto aos parâmetros do respira- rinsuflação dinâmica – auto-PEEP. Dependendo
dor, pode-se utilizar modo de controle a volume da evolução (dos parâmetros de troca gasosa
ou pressão, com o cuidado de monitorizar a e da auto-PEEP), pode-se tentar elevar a PEEP,
mecânica respiratória, evitando picos de pressão sempre observando, cautelosamente, se haverá
ou volumes correntes muito baixos (a depender ou não piora da auto-PEEP.
do modo escolhido). O ideal é que a frequência A maioria dos pacientes asmáticos que
respiratória seja baixa, para aumentar o tempo necessitam de intubação e ventilação mecânica
expiratório e impedir hiperinsuflação dinâmica. o faz por período curto, podendo ser avaliada
A pressão expiratória final positiva (PEEP), ini- a desintubação precocemente, eventualmente
cialmente, deve ser a mais baixa possível, já que, dentro de 24 horas.

Figura 1 - Resumo do tratamento da crise aguda de asma (adaptado de Diretrizes Brasileiras para o Manejo
da Asma, SBPT, 2012)

5. Avaliação de resposta ao tratamento e orientações para alta


Os pacientes devem ser reavaliados a cada 30 a 60 minutos. Se houver melhora clínica exube-
rante e se considerar a possibilidade de alta hospitalar, o paciente deve receber orientação de usar
corticoide oral por período de 7 a 10 dias (prednisona 0,5 a 1mg/kg/d), além de uso de broncodi-
latadores de resgate em caso de sintomas.
Todos os pacientes devem ser orientados a buscar auxílio de seu médico assistente para ajuste
medicamentoso eventual. A princípio, o paciente deve ser orientado, na alta do setor de emergên-
cia, a manter os fármacos de uso habitual.

52
12
Exacerbação da DPOC
Fabrício Martins Valois

1. Conceito principalmente por Haemophilus influenzae,


Streptococcus pneumoniae, Moraxella catar-
Definir a presença de exacerbação da Doença rhalis e vírus.
Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) nem sem- Nas exacerbações há aumento de citocinas
pre é simples. Os pacientes apresentam sin- inflamatórias sistêmicas e das vias aéreas, além
tomas respiratórios crônicos, principalmente de aumento da concentração de neutrófilos na
dispneia e tosse produtiva, que sofrem cons- mucosa brônquica. Assim, ocorre aumento da
tantes variações diárias. Dessa forma, um mero produção de muco, edema da mucosa e bron-
aumento da dispneia, ou mesmo do volume ou coespasmo, culminando com limitação ao fluxo
da cor do escarro, isoladamente, dificilmente aéreo e hiperinsuflação dinâmica. Toda a reper-
denotam um quadro de exacerbação; o indiví- cussão clínica da exacerbação da DPOC decorre
duo certamente está apenas sintomático. de inflamação e hiperinsuflação.
O Global Initiative for Chronic Obstructive As exacerbações são mais comuns e mais
Lung Disease (GOLD) define uma exacerbação graves conforme o avanço no estadio da DPOC
de DPOC como um episódio agudo de piora dos – em pacientes com DPOC graus III e IV ocor-
sintomas habituais do paciente, e que motiva rem, em média, 3 a 4 ao ano. Da mesma forma,
a modificação nos fármacos recomendados. é intuitivo imaginar que quanto mais bem ajus-
Assim, existem critérios propostos para melhor tado o tratamento farmacológico, menor será a
caracterização da exacerbação da DPOC, pela incidência de exacerbações.
presença de ao menos 2 dos seguintes itens: Ainda que as infecções representem as etio-
- Piora da dispneia; logias mais comuns da exacerbação da DPOC, as
- Aumento do volume expectorado; causas não infecciosas não podem ser negligen-
- Mudança da coloração da secreção. ciadas, principalmente por se tratar de pacien-
tes, em maioria, com faixa etária de risco para
As exacerbações da DPOC aumentam a morbidez cardiovascular. Assim, infarto agudo
mortalidade e a morbidade relacionadas à do miocárdio, arritmias, insuficiência cardíaca,
doença; em nível individual, observam-se ace- embolia pulmonar e pneumotórax represen-
leração da perda de função pulmonar, piora da tam possibilidades que devem ser valorizadas
qualidade de vida e da capacidade funcional na investigação etiológica.
dos pacientes.
3. Avaliação diagnóstica
2. Etiologia
A maioria dos pacientes com exacerbação da
Na maioria das vezes, as exacerbações são DPOC já se apresentará com o diagnóstico da
desencadeadas por infecções respiratórias, DPOC estabelecida, de forma que a abordagem

53
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

clínica será importante para definir a etiologia coronariana, arritmia, insuficiência car-
e estimar a gravidade da exacerbação. Dessa díaca congestiva;
forma, tanto a modalidade terapêutica a ser - Manter a SpO2 >90%;
empregada quanto o local de tratamento serão - Reduzir a resistência das vias aéreas, ali-
definidos. viando a obstrução brônquica: broncodila-
A história prévia do paciente é relevante, tadores e corticoides;
por fornecer parâmetros prognósticos impor- - Melhorar o trabalho respiratório: suporte
tantes. O grau de dispneia apresentado habitu- ventilatório não invasivo, ventilação mecâ-
almente para atividades rotineiras, a gravidade nica.
da obstrução vista em espirometrias antigas
e o tratamento de manutenção são itens que Um aspecto que demanda avaliação priori-
devem ser abordados. tária é a definição do local de tratamento do
Ao exame físico, inúmeros parâmetros indivíduo: domicílio, enfermaria ou unidade de
podem denotar repercussão clínica importante terapia intensiva (Tabelas 1 e 2).
sugerindo a necessidade de internação hospi- Tabela 1 - Situações que motivam internação hos-
talar, como desconforto respiratório, cianose, pitalar na exacerbação da DPOC
instabilidade hemodinâmica, sinais de sobre- - Insuficiência respiratória aguda grave:
carga ventricular direita (cor pulmonale), alte- · Aumento acentuado da dispneia;
ração sensorial e respiração paradoxal. Todos · Distúrbio de conduta ou hipersonolência;
são parâmetros que motivarão a internação · Incapacidade de se alimentar, dormir ou deam-
bular.
hospitalar.
- Hipoxemia refratária, hipercapnia com acidemia;
Rotineiramente, os testes complementares
solicitados na avaliação da DPOC exacerbada - Embolia pulmonar, pneumotórax;
englobam exames de imagem (prioritariamente - Descompensação de outra morbidez, como insu-
ficiência cardíaca congestiva ou diabetes;
radiografia de tórax), e hemograma e eletróli-
tos. Tomografia de tórax estaria indicada para - Impossibilidade de seguir as orientações terapêu-
ticas em domicílio.
elucidação de imagem suspeita à radiografia,
Fonte: adaptado de II Consenso Brasileiro sobre
ou nos casos em que houver possibilidade de
DPOC, SBPT, 2004.
embolia de pulmão. Não existe recomendação,
até o momento, de uso de biomarcadores como Tabela 2 - Fatores que indicam necessidade de
PCR e procalcitonina rotineiramente como tria- internação em unidade de terapia intensiva
gem de infecção bacteriana nesses pacientes; - Instabilidade hemodinâmica e/ou necessidade de
droga vasoativa;
sua coleta deve ser desmotivada.
A gasometria arterial é dispensável na maio- - Taquipneia importante (frequência respiratória
>30irpm);
ria dos casos. Recomenda-se a coleta apenas
nos pacientes com SpO2 <90% ou com sinais de - Hipoxemia refratária ou acidemia;
insuficiência respiratória grave. Nos demais, a - Confusão mental aguda;
mera identificação de hipercapnia, hipoxemia ou - Fadiga da musculatura respiratória.
mesmo aumento da diferença alveoloarterial de
oxigênio certamente não teria impacto clínico. A - Broncodilatadores
Os broncodilatadores devem sempre ser uti-
4. Abordagem terapêutica lizados na exacerbação da DPOC, geralmente
em doses mais elevadas e com frequência
Os principais objetivos no tratamento da maior daquela de uso rotineiro do paciente.
exacerbação da DPOC são: Como em qualquer outro cenário, a via inalató-
- Identificar e tratar a etiologia: infecção, ria será sempre a de escolha, por maior eficácia
pneumotórax, embolia pulmonar, doença e menor incidência de efeitos adversos.

54
Exacerbação da DPOC

Recomenda-se utilizar a associação de beta- mendação mais aceita é a de usar antibióticos


-agonista de curta ação com anticolinérgico de nas seguintes situações:
curta ação, a despeito do uso isolado desses - Exame de imagem sugestivo de pneumonia;
fármacos. As doses propostas são: - Exacerbação de DPOC com secreção puru-
- Salbutamol ou fenoterol: de 10 a 20 gotas lenta;
(de 2,5 a 5mg) diluídas em 3 a 5mL de soro
- Exacerbação de DPOC grave (estadio GOLD
fisiológico. Devem ser 3 inalações a cada
III ou IV).
20 minutos ou mesmo contínuas, se o pa-
ciente se apresentar muito grave. Depois, Como dito, as bactérias mais associadas são
aumentar o intervalo entre as doses (1/1h, Haemophilus influenzae, Streptococcus pneu-
2/2h e assim por diante, de acordo com a moniae e Moraxella catarrhalis. A escolha do
melhora); antibacteriano, entretanto, é outro ponto de
- Brometo de ipratrópio: de 20 a 40 gotas na polêmica, pois outros germes podem estar envol-
mesma solução da inalação citada; vidos, como Pseudomonas aeruginosa. A presun-
- Caso o paciente utilize, rotineiramente, al- ção do germe responsável depende da gravidade
gum broncodilatador de ação prolongada, da doença e fatores de risco para mau prognós-
este deve ser mantido na prescrição, sem tico (Tabela 3), e as recomendações de escolha de
qualquer limitação com relação às doses antimicrobiano da Sociedade Brasileira de Pneu-
dos broncodilatadores de curta ação antes mologia e Tisiologia estão na Tabela 4.
citados.
Tabela 3 - Fatores de pior prognóstico na exacer-
B - Corticoides bação da DPOC
Independente da causa da exacerbação da - Idade superior a 65 anos;
DPOC, os corticoides sempre estarão indicados. - Dispneia grave;
Esses fármacos já demonstraram ter impacto - Comorbidade significativa (cardiopatia, diabetes
mellitus com uso de insulina, insuficiência renal,
importante nas exacerbações, reduzindo o tempo insuficiência hepática);
de internação hospitalar e promovendo melhora - Mais de 4 exacerbações nos últimos 12 meses;
mais acentuada da função pulmonar. A via sistê- - Hospitalização por exacerbação no ano prévio;
mica é a de escolha; os corticoides inalados não - Uso de corticoide sistêmico nos últimos 3 meses;
têm impacto na evolução da exacerbação. - Uso de antibióticos nos últimos 15 dias;
Devem ser utilizados por 7 a 14 dias, em - Desnutrição.
doses baixas, de 30 a 40mg de prednisona ou
Tabela 4 - Seleção de antimicrobianos na exacer-
equivalente. Sempre que possível, a via oral bação da DPOC (SBPT, 2006)
deve ser escolhida; em pacientes graves e Grupos Antibióticos recomendados
naqueles com incapacidade de deglutir, será VEF1 >50% Betalactâmico/inibidor de betalac-
utilizada a via intravenosa, quando se dá prefe- sem fatores de tamase, ou cefuroxima, ou azitro-
rência à metilprednisolona. risco micina ou claritromicina
VEF1 >50%
Quaisquer dos anteriores e levo-
C - Antibióticos com fatores de
floxacino ou moxifloxacino
risco
Ainda que as infecções sejam a causa mais
Levofloxacino ou moxifloxacino,
frequente de exacerbação da DPOC, poucos VEF1 entre 35
ou telitromicina, ou betalactâmi-
pacientes se apresentam com estigmas ine- e 50%
co/inibidor de betalactamase
quívocos de pneumonia, justificando o uso de Levofloxacino ou moxifloxacino,
antibióticos. A maioria tem sinais de traqueo- ou betalactâmico/inibidor de be-
VEF1 <35%
bronquite, o que gera bastante controvérsia talactamase, e ciprofloxacino se
com relação à indicação de antibióticos. A reco- suspeita de Pseudomonas

55
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

D - Outros fármacos Contraindicações


Metilxantinas têm impacto clínico muito - Parada respiratória;
discutível na exacerbação da DPOC, não sendo - Instabilidade hemodinâmica (hipotensão, infarto
recomendadas rotineiramente; no entanto, do miocárdio e arritmias graves);
podem ser consideradas nos casos refratários - Incapacidade de proteger as vias aéreas: vômitos,
às doses convencionais de broncodilatadores rebaixamento do nível de consciência, agitação
inalatórios. O mesmo raciocínio pode ser apli- psicomotora;
cado para os broncodilatadores sistêmicos. - Secreção excessiva com risco de aspiração.
Mucolíticos e antioxidantes não têm impacto
no tratamento da exacerbação e devem ser evi- c) Ventilação mecânica invasiva
tados. Aqueles pacientes com insuficiência respira-
tória que não forem candidatos à VNI deverão
E - Suporte ventilatório receber suporte ventilatório invasivo. De fato,
as presenças de alteração do nível de consciên-
a) Oxigenoterapia cia, bradicardia ou iminência de parada cardior-
Os pacientes com DPOC exacerbada devem respiratória indicam necessidade de intubação
receber fluxo de oxigênio suficiente para man- orotraqueal imediata. A ventilação mecânica é
ter a SpO2 >90%. Não há necessidade de se ofer- uma intervenção que salva vidas e não deve ser
tar fluxos maiores para garantir valores maiores adiada quando indicada.
de oximetria, o que pode, inclusive, piorar a Nas primeiras 24 horas o paciente deve ser
hipercapnia de pacientes graves. mantido sedado, evitando-se, porém, o uso de
b) Ventilação Não Invasiva (VNI) bloqueadores neuromusculares. A ventilação
mecânica deve ser iniciada no modo assistido-
A DPOC representa uma das situações clí-
-controlado, e respeitar a mecânica ventilatória
nicas para as quais a VNI demonstrou eficácia
do indivíduo: como há obstrução grave, deve-se
inicial (as outras foram edema agudo cardiogê-
manter o tempo expiratório o mais prolongado
nico, falência de desmame ventilatório e infec-
possível para evitar a permanência de volume
ções respiratórias em imunocomprometidos). O
excessivo ao final da expiração (auto-PEEP); a
impacto na DPOC foi visto em vários desfechos,
não observância desse detalhe culminará com
reduzindo a necessidade de ventilação mecânica
risco elevado de barotrauma. Desse modo,
invasiva, o tempo de internação e a mortalidade.
A ventilação com 2 níveis de pressão, um deve-se manter a frequência respiratória baixa
expiratório e outro inspiratório (BPAP), é reco- (6 a 12irpm), e tempo inspiratório curto (ou
mendada na DPOC; o CPAP (recomendado no fluxo elevado).
edema agudo cardiogênico) deve ser evitado. A À ventilação, à pressão ou a volume têm-se
rigor, a VNI está indicada a todos os pacientes resultados idênticos, desde que o clínico realize
com exacerbação da doença e insuficiência res- monitorização adequada da mecânica respira-
piratória aguda, desde que respeitadas as con- tória. Quando se ventila à pressão um paciente
traindicações (Tabela 5). com DPOC, o volume gerado pode ser dema-
siadamente pequeno e piorar a hipercapnia,
Tabela 5 - Indicações e contraindicações da VNI
pois há obstrução das vias aéreas, o que exige
Indicações pressões mais elevadas para que se atinja um
- Insuficiência respiratória (dispneia que não melho- volume satisfatório – assim, o volume precisa
ra ou piora, mesmo com o tratamento habitual): ser monitorizado. Na ventilação a volume de
· Uso de musculatura acessória e movimento abdo-
minal paradoxal; pacientes com DPOC, a pressão de pico gerada
· Moderada a grave acidose (pH <7,35) e hipercap- (aquela que se dirige às vias aéreas e não se
nia (paCO2 >45mmHg); relaciona tanto ao barotrauma) costuma ser
· Frequência respiratória >25irpm. bem elevada; se os alarmes do aparelho esti-

56
Exacerbação da DPOC

verem ajustados para pressões menores, o


pico pressórico abortará o ciclo respiratório e
o volume oferecido também será muito baixo.
Assim, nesses casos, deve-se ajustar o ventila-
dor para permitir a ocorrência de picos de pres-
são inspiratória (45 a 50cmH2O), mas sempre
com atenção à pressão de platô (até 35cmH2O).
Os níveis de PEEP recomendados são de cerca
de 80% da auto-PEEP, principalmente quando o
indivíduo estiver em ventilação de suporte.
Um aspecto muito importante no manejo
da ventilação mecânica de pacientes com exa-
cerbação da DPOC é em relação à hipercapnia.
Pacientes que apresentem hipercapnia sem
acidemia (por compensação metabólica) não
necessitam ter os níveis de pCO2 corrigidos.
Entenda a razão: com a redução dos níveis de
CO2 em pacientes com compensação, os níveis
de bicarbonato voltarão ao normal, já que o
distúrbio ventilatório foi corrigido; ao se retirar
o paciente do suporte ventilatório, o compro-
metimento da mecânica elevará, novamente,
os níveis de CO2, sem que exista a compensação
metabólica: o resultado final é acidose respira-
tória grave com necessidade de reintubação.
Assim, só há necessidade de reduzir a pCO2 se
houver acidemia instalada.

5. Considerações para a alta


hospitalar
Todos os pacientes com DPOC devem ter seu
tratamento revisado após a ocorrência de exa-
cerbação. Além da otimização de uso de bron-
codilatadores conforme o grau de obstrução
brônquica, existe uma série de outras medidas
que terão de ser avaliadas ambulatorialmente
para reduzir a possibilidade de nova exacerba-
ção, englobando tanto aspectos farmacológicos
(como avaliação de corticoide inalado, roflumi-
laste), quanto não farmacológicos (como ces-
sação de tabagismo, reabilitação pulmonar,
oxigenoterapia, vacinação). Desta forma, os
pacientes devem ser orientados a buscar, pre-
cocemente, reavaliação pelo especialista.

57
13
Tromboembolismo pulmonar
Fabrício Martins Valois

1. Conceito 2. Etiologia e fatores de risco


O tromboembolismo pulmonar (TEP) O TEP surge após deslocamento de trombos
decorre de obstrução mecânica da rede arte- ou seus fragmentos, oriundos da rede vascular
rial pulmonar por trombo proveniente da cir- a montante da artéria pulmonar, geralmente
culação venosa. Representa uma emergência do território venoso profundo. Os fatores habi-
médica muito frequente na prática diária. Em tualmente implicados no desenvolvimento de
pacientes hospitalizados, estima-se a ocorrên- tromboses vasculares foram descritos previa-
cia de 1 caso para cada 1.000 pacientes interna- mente por Virchow: estase venosa, hipercoagu-
dos. Ainda assim, sempre foi considerada uma labilidade sanguínea e lesão endotelial; na pre-
morbidez pouco diagnosticada, e dados antigos sença de 2 desses fatores, o risco de formação
de estudos de necrópsia descreviam presença de trombos é considerado significativo.
de TEP em até 16% dos pacientes em que a Na prática, os fatores que influenciam a trí-
hipótese não havia sido aventada. ade de Virchow são muito frequentes, e estão
Definir a presença de TEP tem impacto signi- agrupados como fatores adquiridos e hereditá-
ficativo na mortalidade relacionada à doença. rios (Tabelas 1 e 2).
Séries antigas estimaram a mortalidade em Tabela 1 - Fatores de risco hereditários para Trom-
até 30% naqueles pacientes em que o trata- bose Venosa Profunda (TVP)/TEP
mento não foi instituído adequadamente; com - Mutação do fator V de Leiden;
o tratamento adequado, a mortalidade caía - Hiper-homocisteinemia;
para 8%. - Deficiência de proteína C;
Com o aprimoramento da metodologia - Deficiência de proteína S;
de investigação complementar, considera-se
- Deficiência de antitrombina;
que atualmente esse cenário tenha se inver-
- Síndrome do anticorpo antifosfolípide;
tido: suspeita-se muito mais da possibilidade
- Mutação no gene da protrombina;
de embolia, por vezes culminando com rea-
lização excessiva de exames, de forma que - Outros mais raros: deficiência do plasminogênio,
deficiência do fator XII, ↑ inibidor do ativador do
talvez as falhas diagnósticas sejam menos plasminogênio.
frequentes.
Fica claro que, no contexto da emergência, Tabela 2 - Fatores de risco adquiridos para TVP/
TEP
para um adequado manejo desses pacientes,
são fundamentais a suspeita clínica, a definição Maior risco (risco relativo = 5 a 20)
da metodologia complementar a ser empre- - Cirurgia abdominal de grande porte;
gada e a escolha da modalidade terapêutica. - Cirurgia de quadril e joelho;

58
Tromboembolismo pulmonar

Maior risco (risco relativo = 5 a 20) Em pacientes com trombos volumosos ou


- Pós-operatório em unidade de terapia intensiva; naqueles com reserva cardiopulmonar limi-
tada, a obstrução vascular promove aumento
- Gravidez tardia e puerpério;
significativo da resistência vascular pulmonar. O
- Parto cesárea;
Ventrículo Direito (VD) pode sofrer com a ele-
- Trauma e fraturas de membros inferiores;
vação repentina da pós-carga, dilatar e compri-
- Câncer abdominal, pélvico e metastático; mir o Ventrículo Esquerdo (VE); com o VE com-
- Internação com paciente restrito ao leito (pouca primido, ocorrerá redução do débito cardíaco,
movimentação);
manifestada clinicamente como hipotensão e
- TVP prévia. choque.
Menor risco (risco relativo = 2 a 4) De fato, conforme a repercussão na função
- Doença cardíaca congênita; do VD, os pacientes com TEP são categorizados
- Insuficiência cardíaca; em 3 grupos:
- Uso de contraceptivo oral ou reposição hormonal; - TEP maciço: presença de instabilidade he-
- Doença pulmonar obstrutiva crônica; modinâmica (hipotensão ou choque);
- Doença neurológica com déficit importante;
- TEP submaciço: presença de disfunção do
VD sem instabilidade hemodinâmica;
- Cateter venoso central;
- TEP não maciço: ausência dos critérios an-
- Doenças trombóticas e estados de hiperviscosidade;
teriores.
- Obesidade;
- Outros: síndrome nefrótica, doenças mieloproli- A história natural do tromboembolismo é a
ferativas, doença inflamatória intestinal, diálise resolução do processo dentro de 3 a 4 sema-
crônica. nas em mais de 90% dos casos, com a maioria
tendo reabsorção do trombo na 1ª semana. Em
A maioria dos eventos tromboembólicos
cerca de 3 a 4%, a fibrinólise endógena não será
é ocasionada por êmbolos provenientes das
veias dos membros inferiores, principalmente capaz de reabsorver o coágulo; haverá organi-
do território ileofemoral; veias poplíteas ou zação fibrinosa do trombo, caracterizando o
mais periféricas podem ser responsáveis, mas TEP crônico, que se apresenta, na prática diária,
com menor frequência. Na circulação pulmo- como uma das principais causas de hipertensão
nar, o coágulo obstruirá um ramo da artéria pul- pulmonar.
monar, em nível que dependerá de seu volume.
Disso resultará uma área no parênquima pul- 3. Diagnóstico
monar com ventilação normal e perfusão redu-
O diagnóstico de embolia pulmonar baseia-
zida (chamado efeito espaço-morto, ou área
-se na suspeita clínica e na confirmação com
de baixo V/Q); na tentativa de compensar esse
déficit, algumas substâncias são liberadas e métodos complementares.
acabam por desregular o equilíbrio entre venti-
A - Quadro clínico
lação e perfusão em áreas normais do pulmão.
O resultado é uma mescla de áreas de espaço- A suspeita é suscitada pela presença de
-morto com áreas de shunt, o que pode ter quadro respiratório agudo, principalmente
impacto importante em trocas gasosas. quando associado à presença de fator de risco
Apesar da evidente importância da obstru- para trombose vascular. Os sintomas mais fre-
ção mecânica vascular no surgimento de anor- quentes são dispneia, tosse, dor pleurítica e
malidades nas trocas gasosas, a evolução des- hemoptise; estima-se que 100% dos pacien-
favorável no TEP tem relação direta com outro tes com TEP apresentarão ao menos 1 desses
fator: a repercussão da obstrução mecânica na sintomas. Ao exame físico, achados frequentes
função do ventrículo direito. são taquipneia e taquicardia e, com menor fre-

59
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

quência, cianose, sinais de trombose profunda, tos naqueles que de fato têm embolia, em rela-
crepitações e febre. ção aos daqueles que tinham outro diagnóstico
Ainda que o quadro gere a suspeita de TEP, ao final da investigação (Tabela 3). No entanto,
a definição diagnóstica exige metodologia com- os dados clínicos terão importância adicional
plementar. Diversos estudos já demonstraram na definição da probabilidade pré-teste, como
que os dados clínicos de pacientes com sus- veremos adiante, o que é fundamental para a
peita de TEP na sala de emergência são indistin- escolha da metodologia complementar.

Tabela 3 - Quadro clínico na suspeita de TEP


Pacientes sem TEP Pacientes com TEP
(n = 202) (n = 298)
Dispneia súbita 78% 29%
Dispneia gradual 6% 20%
Dor torácica pleurítica 44% 30%
Dor torácica não pleurítica 16% 10%
Sintomas Ortopneia 1% 9%
Desmaio/síncope 26% 13%
Hemoptise 9% 5%
Tosse 11% 15%
Palpitações 18% 15%
Taquicardia (>100bpm) 24% 23%
Cianose 16% 15%
Hipotensão (pressão arterial sis-
3% 2%
têmica <90mmHg)
Turgência jugular 12% 9%
Sinais
Edema unilateral na perna 17% 9%
Febre (>38°C) 7% 21%
Estertores 18% 26%
Sibilos 4% 13%
Atrito pleural 4% 4%
Fonte: adaptado de Miniati M et al. Accuracy of clinical assessment in the diagnosis of pulmonary embolism.
AJRCCM 1999; 159:864-71.

B - Exames complementares res, cintilografia V/Q, angiotomografia de tórax


Os exames complementares em trombo- e angiografia.
embolismo são fundamentais para a definição Tabela 4 - Exames subsidiários na embolia pulmonar
diagnóstica. Ainda que algumas anormalidades Hemogra- Discreta leucocitose e aumento de DHL
possam estar presentes em testes habituais ma e DHL podem estar presentes.
(Tabela 4), a metodologia complementar mais A hipocapnia com ou sem alcalemia é
relevante reúne: D-dímero, troponinas/pep- Gasometria
o achado mais comum. Dependendo
tídeo natriurético cerebral (BNP), ecocardio- da gravidade da doença, pode haver
arterial
aumento da diferença alveoloarterial
grama, ultrassonografia de membros inferio- de oxigênio e hipoxemia.

60
Tromboembolismo pulmonar

Importante no diagnóstico diferencial idade avançada, insuficiência renal, gestação e


com síndrome coronariana aguda. No puerpério e pós-operatório. Assim, é dedutível
TEP, os achados mais comuns são ta- ser um exame pouco específico, nunca útil para
quicardia sinusal e alterações inespe-
Eletrocar- confirmar o diagnóstico de TEP (independente de
cíficas do segmento ST.
diograma seus títulos), mas que pode auxiliar na exclusão
Padrões de sobrecarga de câmaras
direitas, como o S1Q3T3 (onda S pro- diagnóstica, pela sua sensibilidade alta. Há várias
funda em D1; onda Q e onda T inverti- metodologias, e a mais acurada é o ELISA (pode
da em D3) são vistos em poucos casos. ser utilizado para excluir embolia até em casos de
A maioria dos pacientes apresenta al- probabilidade clínica intermediária).
guma anormalidade sutil: elevação de
cúpula ou atelectasias segmentares. d) Cintilografia pulmonar de ventilação–perfusão
Sinais clássicos à radiografia, como a
corcova de Hampton (imagem trian- A cintilografia tradicionalmente foi conside-
Radiografia
gular com base voltada para a peri- rada uma boa metodologia complementar para
de tórax
feria, indicativo de infarto pulmonar), investigação da embolia aguda. O teste usa
oligoemia focal (área com pobreza como princípio a comparação da viabilidade
vascular) ou sinal de Fleischner  (dila-
tação das artérias pulmonares) ocor- das vias aéreas com a dos vasos pulmonares,
rem em menos de 15% dos casos. por meio de administração de um marcador
nuclear pelas vias inalatória e venosa (albumina
a) Ecocardiograma marcada com tecnécio). Espera-se que um
paciente com embolia apresente falha de per-
A maior utilidade do ecocardiograma é na
fusão localizada em segmento pulmonar com
identificação de pacientes com TEP que têm
ventilação normal, praticamente documen-
pior prognóstico, por meio da análise funcio-
tando o diagnóstico. Do contrário, um teste
nal do ventrículo direito. Também é útil para
normal afasta a possibilidade de TEP. O impacto
o diagnóstico diferencial de pacientes que
diagnóstico maior é visto em pacientes que não
se apresentam com dispneia, dor torácica e
apresentam lesão pulmonar parenquimatosa.
colapso cardiovascular. Nessas situações, o eco-
No entanto, a cintilografia perdeu espaço na
cardiograma pode indicar um diagnóstico alter-
última década, em parte por ter disponibilidade
nativo, como infarto agudo do miocárdio, endo-
limitada, mas principalmente pelo advento de
cardite infecciosa, dissecção aguda de aorta,
tomógrafos modernos.
pericardite ou tamponamento pericárdico.
Em casos raros pode ser possível identificar o e) Angiotomografia computadorizada de tórax
trombo nos vasos pulmonares, principalmente
Nas últimas décadas, o aperfeiçoamento dos
se a localização for proximal.
aparelhos de tomografia fez com que o método
b) Troponinas e peptídio natriurético cerebral se tornasse o mais utilizado na investigação da
As troponinas e o BNP não são exames diagnós- embolia (Figura 1). O tamanho do êmbolo inter-
ticos, mas são importantes para determinar prog- fere na sensibilidade, sendo possível, mesmo
nóstico do TEP. Ambos elevam-se nas situações com aparelhos mais novos, que pequenos coá-
de sobrecarga aguda de câmaras direitas. gulos não sejam identificados.
A angiotomografia permite, além de identi-
c) D-dímero ficar a extensão da obstrução vascular, avaliar a
Os D-dímeros são produtos de degradação da possibilidade de determinar a presença de outro
fibrina, detectados no sangue sempre que o pro- diagnóstico, principalmente de doenças pulmo-
cesso de coagulação–fibrinólise endógena acon- nares parenquimatosas. Ademais, é possível
tece em dinâmica maior. Habitualmente, estão identificar sinais de gravidade clínica da embolia:
elevados nos casos de TEP, mas inúmeras situa- análise comparativa dos diâmetros de ventrícu-
ções podem elevar os níveis dos D-dímeros, como los direito e esquerdo; essa relação, geralmente,

61
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

é de 0,9, e valores superiores a esse (ou seja, VD diagnóstico de TEP. O exame tem boa acurácia
de diâmetro igual ou maior que o do VE) indicam para identificação de trombose venosa do terri-
sobrecarga de câmaras direitas, caracterizando o tório ileofemoral, o mais implicado na emboliza-
evento como submaciço. ção. No entanto, um exame negativo não afasta
Limitações corriqueiras à realização do o diagnóstico de TVP, tampouco de embolia.
exame são alergia ao contraste e insuficiência É um método barato, não invasivo, sem uso de
renal. Há respaldo na literatura para não res- radiação ou contraste, e que pode ser realizado
tringir seu uso em gestantes, desde que seja mesmo em pacientes instáveis sem condições de
baseado em suspeita diagnóstica adequada, transporte para realização de outro exame.
não sendo justificada a realização intempes-
tiva do exame. Os potenciais riscos devem ser g) Arteriografia pulmonar
debatidos com a paciente, que pode, eventu- A arteriografia ainda é considerada o padrão-
almente, se negar a realizá-lo, indicando-se -ouro para o diagnóstico de TEP, no entanto
investigação com outro método. tem sido pouco utilizada rotineiramente: além
Outra possibilidade durante a tomografia de ter taxas de complicações em torno de 2%,
helicoidal é avaliar a presença de trombos nas a angiotomografia tem satisfeito as demandas
veias dos membros inferiores, principalmente diagnósticas.
quando há êmbolos pulmonares periféricos
que não foram identificados pela tomografia. O C - Algoritmos diagnósticos
método tem boa correlação com a ultrassono- Considerando-se a variedade de métodos
grafia, não adiciona custos, tampouco é neces- complementares disponíveis para investigação,
sária uma dose adicional de contraste. é necessário proceder a uma rotina de investi-
gação, conforme a probabilidade pré-teste de o
paciente ter TEP (Figura 2). Ainda que a expe-
riência clínica seja importante, diretrizes reco-
mendam que sejam utilizados critérios objeti-
vos, como o escore de Wells (Tabela 5).
Tabela 5 - Escore de Wells para probabilidade clí-
nica de TEP
Critérios Pontos
Sinais e sintomas de TVP 3
Outro diagnóstico pouco provável 3
Antecedente de TVP ou TEP 1,5
Taquicardia (FC >100bpm) 1,5
Imobilização ou cirurgia recente (últimas 4
1,5
semanas)
Figura 1 - Angiotomografia de tórax demons- Hemoptise 1
trando falhas de enchimento bilaterais nos ramos Neoplasia diagnosticada ou em tratamen-
1
principais da artéria pulmonar em paciente com to (últimos 6 meses)
embolia pulmonar (setas) Probabilidades clínicas
<2 pon-
Baixa (TEP em 5 a 13%)
f) Ultrassonografia de membros inferiores tos
A ultrassonografia é útil para a identificação 2a6
Intermediária (TEP em 38 a 40%)
de TVP; no contexto de um paciente com sinto- pontos
mas compatíveis com embolia, a presença de >6 pon-
Alta (TEP em 67 a 91%)
trombose venosa é extremamente favorável ao tos

62
Tromboembolismo pulmonar

Figura 2 - Diagnóstico de TEP

4. Tratamento Independente do método escolhido, o perí-


odo de anticoagulação é variável e dependerá
O tratamento da TEP é baseado na anticoagu- do fator de risco identificado.
lação plena, objetivando evitar a progressão das
lesões trombóticas; o uso de trombolíticos é reco- Tabela 6 - Tratamento do TEP: anticoagulação
mendado apenas aos pacientes com repercussão Bolus de 80U/kg IV e manter em bom-
hemodinâmica importante. Recomenda-se que, Heparina ba de infusão a 18U/kg/h com coleta
não de coagulograma (TTPA) de 6/6h, e
nos casos com probabilidade elevada de embolia, fracionada mantê-lo 1,5 a 2,5 vezes o controle. Em
o tratamento com anticoagulantes seja iniciado média, necessita de 1.000 a 1.250U/h.
enquanto se aguarda a definição diagnóstica. - Dalteparina: 200U/kg SC, 1x/d;
- Enoxaparina: 1mg/kg SC, 2x/d, ou
A - Pacientes com TEP não maciço 1,5mg/kg SC, 1x/d;
- Outra opção é o uso subcutâneo do
A anticoagulação plena deve ser iniciada com fondaparinux, que tem efeito similar
heparina não fracionada, heparina de baixo à heparina de baixo peso molecular;
- Outros anticoagulantes que têm
peso molecular ou fondaparinux (Tabela 6), sido incorporados à rotina ainda
em associação a um cumarínico, que será o fár- não têm sido utilizados largamente
maco de manutenção. A heparina ou o fonda- na embolia pulmonar, com evidên-
parinux deve ser mantido por período mínimo cias ainda limitadas para seu uso:
de 5 dias, ou mais, até que se atinja anticoa- Heparina de dabigatrana e rivaroxabana;
- As heparinas de baixo peso molecu-
baixo peso
gulação efetiva com a varfarina (RNI entre 2 e lar não devem ser utilizadas em pa-
molecular cientes com insuficiência renal crôni-
3). Mais recentemente, uma opção que surgiu
ca e clearance <30mL/min; naqueles
para o tratamento do TEP é a rivaroxabana, um com clearance entre 30 e 50mL/min,
anticoagulante sintético que inibe o fator Xa, recomenda-se utilizar 50% da dose e
utilizado por via oral, e que prescinde do uso monitorizar os níveis do antifator Xa;
- As heparinas de baixo peso molecu-
de heparinas na fase inicial; está liberada para lar devem ser usadas com cautela
o tratamento do TEP desde 2013; outros anti- em pacientes com mais de 150kg,
coagulantes orais, como a dabigatrana e a api- pois a curva dose-resposta pode ser
inadequada nesse grupo; recomen-
xabana, ainda não foram liberados pela Anvisa da-se monitorizar o efeito com do-
para uso no Brasil. sagem do antifator Xa.

63
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

- Administrado por via subcutânea, em 30 minutos e após manter 100.000U/h,


1x/d, em dose dependente do durante 24 horas (outra opção);
peso: - Uroquinase: 4.400U/kg/h, em 12 a 24 ho-
· <50kg: 5mg;
· 50 a 100kg: 7,5mg; ras.
· >100kg: 10mg.
Fondapari- - O fondaparinux é contraindicado Alguns grupos recomendam considerar a
em pacientes com insuficiência trombólise em indivíduos sem choque ou hipo-
nux renal e clearance de creatinina
<30mL/min; naqueles com clearan- tensão, mas com disfunção ventricular direita
ce entre 30 e 50mL/min, recomen- evidente – ecocardiografia mostrando disfun-
da-se utilizar 50% da dose; ção de VD e hipertensão pulmonar aguda. No
- A monitorização com dosagem do
antifator Xa não é necessária roti-
entanto, não há definição clara na literatura,
neiramente. sendo sugerida avaliação individualizada pelo
- Inibidor do fator Xa, é uma nova médico que assiste o paciente.
opção no tratamento do TEP, admi- A trombólise mecânica tem se mostrado efe-
nistrado por via oral;
- Dose: 15mg 2x/d, por 3 semanas;
tiva para os casos com repercussão hemodinâ-
após, 20mg, 1 vez ao dia; mica, principalmente se houver limitação para
Rivaroxa- - Monitorização não é necessária; uso de trombolítico; no entanto, está disponível
- Não há antídoto específico. Em apenas em poucos serviços.
bana caso de sangramento de peque-
na intensidade, recomenda-se a
suspensão do fármaco; para san- C - Filtro de veia cava
gramentos mais significantes, re- O filtro de veia cava é opção terapêutica para
comenda-se administrar complexo
protrombínico. casos em que a anticoagulação esteja contrain-
TEP com dicada, ou naqueles em que houver eventos
uma causa embólicos a despeito de anticoagulação efe-
Anticoagular por 3 a 6 meses.
reversível tiva. A rigor, representa um recurso terapêutico
corrigida de uso infrequente no tratamento do TEP.
TEP idiopá- Anticoagular por, no mínimo, 6 me-
tico ses.
Anticoagular por, no mínimo, 1 ano e
TEPs/TVPs
avaliar, individualmente, a manuten-
recorrentes
ção por tempo indefinido.

B - TEP maciço ou submaciço


Nos pacientes com TEP maciço, há indicação
de trombólise, com janela terapêutica de até
14 dias, embora o principal benefício aconteça
nas primeiras 72 horas do evento. A trombólise
reduz desfechos primários (óbito e/ou recor-
rência do TEP) em 45% (Intervalo de Confiança
– IC 95%: 4 a 67); com NNT (Número Necessário
para Tratar) de 14.
Os trombolíticos recomendados são:
- Ativador do plasminogênio tecidual (r-
-tPA): 100mg IV, em 2 horas (associado à
heparina não fracionada);
- Estreptoquinase: 1.500.000U IV, em 2 ho-
ras (dose sugerida pelo Consenso Euro-
peu); administrar um bolus de 250.000U IV,

64
14
Pneumonia adquirida na comunidade
Giselle Amado Boumann

1. Conceitos Grupos Agentes Prevalência


(%)
Pneumonia representa infecção do parên- Haemophilus
quima pulmonar, associada a sintomas como 4%
influenzae
febre e tosse, além de achados localizados à
Moraxella catar-
ausculta pulmonar. Por definição, exames de <1%
Bactérias Gram rhalis
imagem devem demonstrar anormalidade negativas Pseudomonas
parenquimatosa, mais frequentemente visuali- <1%
aeruginosa
zada por meio da radiografia de tórax.
Klebsiella pneu-
A pneumonia é uma das doenças mais <1%
moniae
comuns nos setores de emergência em todo o
Bacteroides spp.
mundo e a principal causa infecciosa de óbitos.
Fusobacterium
Bactérias anae-
spp. <1%
2. Etiologia róbias
Peptostreptococ-
Diversos patógenos são capazes de causar cus spp.
pneumonia, e o agente etiológico é identificado Influenza
em menos de 50% dos casos. Vírus sincicial
Em qualquer faixa etária (infância, idade Vírus respirató- respiratório 7 a 10%
adulta e idosos), o micro-organismo mais fre- rios
Parainfluenza
quente é o Streptococcus pneumoniae.
Adenovírus
Tabela 1 - Prevalência dos agentes

Grupos Agentes Prevalência


(%)
3. Achados clínicos
Streptococcus Na maioria das vezes a suspeita de pneu-
16 a 40%
Bactérias Gram pneumoniae monia ocorrerá em pacientes com quadro
positivas Staphylococcus respiratório febril agudo, com menos de 14
1%
aureus dias de evolução. Nesse contexto, o paciente
Mycoplasma poderá apresentar estigmas clínicos que
6 a 18%
pneumoniae podem indicar 3 possibilidades: rinossinusite
Chlamydophila aguda (resfriado comum), traqueobronquite
Bactérias atípicas 6 a 16%
pneumoniae aguda (como na gripe, por exemplo) ou pneu-
Legionella pneu- monia (Figura 1). A importância do diagnóstico
4%
mophila diferencial entre essas situações clínicas é que

65
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

a pneumonia deve ser tratada como doença estado geral, com mal-estar, adinamia, mialgias
de etiologia bacteriana sempre. Do contrário, e prostração. A febre é mais proeminente, mas
a rinossinusite aguda e a traqueobronquite costuma limitar-se a 3 a 4 dias. Não há dispneia,
aguda são abordadas como de natureza viral e a dor torácica, quando presente, tem cará-
habitualmente, considerando-se a possibili- ter osteomuscular e relaciona-se ao excesso
dade de infecção bacteriana secundária ape- de tosse. A ausculta pulmonar poderá revelar
nas se houver evolução desfavorável ou em roncos esparsos, como indicativo de secreção
se tratando de indivíduo com comorbidade espessa em vias aéreas.
grave, como insuficiência cardíaca, renal ou A pneumonia apresenta-se, geralmente, com
hepática avançadas. febre, tosse, expectoração e dor torácica tipo
Na rinossinusite aguda os sintomas rinossi- pleurítica. Outros sintomas, apesar de menos
nusais são proeminentes, com poucas queixas frequentes, também podem ser observados,
relacionadas às vias aéreas inferiores, geral- como dispneia e calafrios. No entanto, é possível
mente restritas a tosse, que é seca na maioria que o quadro seja mais frustro, principalmente
das vezes. Ainda que exista algum grau de adi- em pacientes nos extremos da idade – a febre
namia, o comprometimento sistêmico é dis- pode ser de menor grau, e a tosse seca, irritativa.
creto, com febre pouco frequente e limitada às Ao exame físico de um paciente com
primeiras 48 horas. pneumonia, o principal achado indicativo do
Na traqueobronquite os sintomas rinossi- diagnóstico é a presença de estertores finos
nusais podem estar presentes, mas a tosse, crepitantes localizados. Outros dados, como
geralmente produtiva, domina o quadro. Por taquipneia e cianose guardam relação com a
vezes, há algum grau de comprometimento do gravidade do quadro.

Figura 1 - Diagnóstico diferencial do quadro respiratório febril agudo

4. Diagnóstico (Figura 1): febre superior a 38°C ou por mais de


4 dias, taquicardia, dispneia ou taquipneia, ou
Em um paciente com quadro respiratório crepitações localizadas.
febril agudo, exames complementares estarão A radiografia de tórax em posteroanterior e
indicados se houver suspeita de pneumonia perfil é o exame mais importante no contexto das

66
Pneumonia adquirida na comunidade

infecções respiratórias. As principais alterações Os exames laboratoriais de importância são


são infiltrados lobares com broncograma aéreo, hemograma e marcadores de atividade inflama-
infiltrado intersticial e abscessos (Figura 2). tória/bacteriana, como proteína C reativa (PCR)
No raio x de tórax, ainda se podem ver algu- e procalcitonina. Outros exames, como análise
mas complicações, como pneumatocele e der- de eletrólitos e função renal serão úteis para
rame pleural, cujo agente com maior probabili- avaliar a repercussão sistêmica da infecção.
dade de causar esses achados é o estafilococo – A leucocitose, ainda que represente um
embora o mais prevalente seja o Streptococcus achado inespecífico e pouco sensível, auxilia no
pneumoniae. diagnóstico diferencial com outras situações clí-
nicas, como na exacerbação da asma. De maior
utilidade, são as provas inflamatórias, como
PCR e, mais recentemente, a procalcitonina,
que tem boas sensibilidade e especificidade
como marcador de infecção bacteriana grave.
Em pacientes com quadros sugestivos, porém
com dúvidas em relação à etiologia, a procal-
citonina tem se mostrado um bom parâmetro
para indicar ou não o uso de antimicrobianos.
Ambas devem ser avaliadas antes da introdu-
ção dos antimicrobianos e podem ser monito-
rizadas durante o tratamento, como critério de
boa evolução clínica.
No entanto, deve-se ter o cuidado de evi-
tar a supervalorização dos biomarcadores. Em
Figura 2 - Radiografia de tórax com infiltrado pacientes com quadro frustro (baixa probabili-
extenso à direita. A paciente apresentava quadro dade pré-teste) ou naqueles com quadro exu-
respiratório febril agudo com tosse produtiva e berante (elevada probabilidade pré-teste), nem
dispneia há 3 dias
PCR, tampouco procalcitonina serão úteis. Seus
A tomografia de tórax é indicada para ava- resultados podem gerar resultados falsos posi-
liar complicações (derrames pleurais septados, tivos ou falsos negativos.
cavitações, abscessos) e para diferenciar mas- Na maioria dos pacientes com pneumonia, a
sas tumorais de pneumonias (Figura 3). busca pela etiologia será frustrante e, de fato,
é desnecessária. O tratamento empírico habi-
tualmente é efetivo. No entanto, em quadros
mais graves, se houver necessidade de interna-
ção hospitalar, deve-se ainda solicitar hemocul-
turas. A positividade desse exame é de aproxi-
madamente 20%.
Em pacientes com saturação periférica de
oxigênio abaixo de 90% ou desconforto respi-
ratório importante, é indicada a coleta de gaso-
metria arterial e lactato arterial para avaliar a
gravidade.
Não se recomendam a coleta e a análise
Figura 3 - Corte tomográfico em janela de parên-
quima demonstrando consolidação extensa em
do escarro na investigação de pneumonia. Em
pulmão direito de paciente com pneumonia pacientes intubados, sugere-se cultura da secre-

67
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

ção do aspirado traqueal ou, sempre que for O derrame pleural parapneumônico é um
possível, fazer a broncoscopia, cultura do lavado exsudato com predomínio de neutrófilos. Os
broncoalveolar. marcadores de que há um derrame complicado
são:
5. Complicações - Líquido francamente purulento;
- Presença de pH <7;
Várias são as complicações possíveis da pneu-
monia: meningite pneumocócica, artrite séptica - Presença de glicose <40mg/dL;
ou reativa, endocardite, pericardite e perito- - Presença de germes à pesquisa direta ou à
nite. No entanto, a complicação mais comum cultura.
da pneumonia adquirida na comunidade é o
Se houver sinais de derrame complicado, a
derrame pleural – derrame parapneumônico. Na
drenagem torácica estará indicada. Caso exis-
maioria das vezes, trata-se de derrame pequeno
tam loculações, pode haver necessidade de
e causado meramente por irritação pleural rela-
toracoscopia.
cionada a um infiltrado periférico. No entanto,
Atenção especial deve ser dada à ADA. Ape-
o derrame parapneumônico pode sofrer compli-
sar de ser utilizada como marcador do derrame
cações, com reação inflamatória intensa e infec-
pleural da tuberculose, o empiema pode se
ção secundária do líquido pleural (empiema).
apresentar com valores da enzima acima de
Os principais marcadores clínicos de compro-
40U/L.
metimento pleural importante na infecção são
o volume do líquido acumulado e a organiza-
ção do derrame. O quadro clínico do paciente 6. Gravidade
não tem sensibilidade suficiente para indicar a A avaliação da gravidade da doença serve
característica da doença pleural. Assim, todos para determinar o local onde o paciente deve
os pacientes com pneumonia e derrame pleu- ser tratado. O escore CURP-65 é amplamente
ral que apresente espessura maior que 1cm na utilizado para esse fim (Tabela 3). Para cada
radiografia em decúbito lateral, ou com derrame
variável presente soma-se 1 ponto. Pacientes
loculado, devem ter o líquido aspirado para aná-
com até 1 ponto devem ser submetidos a tra-
lise laboratorial.
tamento ambulatorial. Com 2 ou mais pontos,
A análise do líquido pleural deve incluir pH,
considerar tratamento hospitalar.
glicose, proteínas totais, desidrogenase láctica
(DHL), bacterioscopia e cultura para bactérias. Tabela 3 - Critério CURP-65
A solicitação de ADA (adenosina deaminase), Letras Significados Pontos
BAAR (Bacilos Álcool-Ácido-Resistentes) e cul- C Confusão mental 1
turas para fungos e micobactérias dependerá
U Ureia >50mg/dL 1
da suspeição clínica.
R Frequência respiratória ≥30irpm 1
O objetivo principal da análise do líquido
pleural é diferenciar exsudato de transudato. Pressão arterial sistólica
P (<90mmHg) ou diastólica 1
Para tal, usam-se os critérios de Light.
(≤60mmHg)
Tabela 2 - Critérios de Light (presença de 1 dos 65 Idade ≥65 anos 1
seguintes = exsudato)
- Relação de proteínas totais no líquido pleural– Apesar de prático, esse escore não leva em
soro >0,5; consideração fatores que também são impor-
- Relação de DHL no líquido pleural–soro >0,6; tantes na avaliação da gravidade de um paciente
- DHL acima de 200UI/L no líquido pleural ou maior com pneumonia. Assim, mesmo que o paciente
que 2/3 do limite superior do laboratório para o apresente baixa pontuação no CURP-65, é
método no soro.
importante avaliar a presença de comorbida-

68
Pneumonia adquirida na comunidade

des descompensadas, saturação de O2 ≤90% e Os betalactâmicos têm sido muito utilizados


radiografia de tórax com infiltrado multilobar como monoterapia em pacientes previamente
ou bilateral. Se algum desses parâmetros estiver hígidos e com tratamento ambulatorial pro-
presente, o paciente deverá ser internado. Por posto. No entanto, são inefetivos para germes
fim, é importante avaliar os fatores psicossociais como Mycoplasma sp., Chlamydophila sp. e
e socioeconômicos e a impossibilidade de uso de Legionella sp., sendo ideal evitar seu uso iso-
antibióticos por via oral, todos também indicati- lado.
vos potenciais da necessidade de internação.
Tabela 5 - Antimicrobianos na pneumonia comu-
É importante lembrar que os critérios des- nitária
critos há pouco servem para que se evitem Tratamento ambulatorial
internações desnecessárias (e não altas hospi-
Macrolídeo (azitromicina ou claritromicina)
talares descabidas) e não devem substituir o ou
julgamento clínico. Quinolona respiratória (levofloxacino, moxifloxaci-
Os pacientes que forem considerados para no ou gemifloxacino)
o tratamento hospitalar podem ter, ainda, a Tratamento hospitalar
necessidade de admissão à Unidade de Tera- Quinolona respiratória (levofloxacino, moxifloxaci-
pia Intensiva (UTI); a essa situação denomina- no ou gemifloxacino)
-se pneumonia grave. A avaliação subjetiva ou
do médico assistente é o parâmetro mais Macrolídeo + betalactâmico (azitromicina ou clari-
importante, mas existem critérios consensuais tromicina + ceftriaxona ou cefotaxima)
para estabelecer esse diagnóstico, devendo o Tratamentos em UTI
paciente apresentar 1 critério maior ou 2 dos Sem risco para Pseudomonas*
critérios menores (Tabela 4). Betalactâmico (ceftriaxona, cefotaxima ou ampici-
lina/sulbactam)
Tabela 4 - Critérios para pneumonia grave
E 1 dos seguintes:
Critérios maiores Macrolídeo (claritromicina ou azitromicina)
- Choque; ou
- Necessidade de ventilação mecânica. Quinolona respiratória (levofloxacino, moxifloxaci-
no ou gemifloxacino)
Critérios menores
Com risco para Pseudomonas*
- paO2–FiO2 <250;
Betalactâmico anti-Pseudomonas (cefepima, pipe-
- Infiltrados multilobares;
racilina-tazobactam, imipeném ou meropeném)
- Pressão arterial sistólica <90mmHg; E 1 dos seguintes:
- Frequência respiratória ≥30irpm; Ciprofloxacino ou levofloxacino
- Confusão recente; ou
Azitromicina e aminoglicosídeo
- Ureia >50mg/dL;
* Uso crônico de corticoide sistêmico, doença pul-
- Leucopenia (<4.000/mm3);
monar de base, alcoolismo, uso recente de antibió-
- Plaquetopenia (<100.000/mm3); tico, hospitalização recente.
- Hipotermia (<36°C).
Fonte: IDSA/ATS Guidelines, Clin Infect Dis, 2007. Se houver suspeita de pneumonia aspira-
tiva, o tratamento deve envolver um fármaco
com atividade contra anaeróbios se houver
7. Tratamento perda repetida do nível de consciência, dentes
Para definição do melhor antimicrobiano em péssimo estado de conservação, escarro
para o tratamento de pneumonia, leva-se em pútrido ou evidência de abscesso pulmonar
consideração a provável etiologia, a gravidade ou pneumonia necrosante. Nesses casos, as
e o local de tratamento (Tabela 5). opções para tratamento ambulatorial são clin-

69
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

damicina ou amoxicilina-clavulanato (ou ampi-


cilina-sulbactam), ou piperacilina-tazobactam
ou um carbapenêmico para tratamento hospi-
talar.
O tempo de tratamento deve ser o mais
curto possível. Na pneumonia comunitária,
geralmente o tratamento é indicado por 5 a 7
dias, dependendo do perfil de cada fármaco
(azitromicina e gemifloxacino são indicados
por 5 dias; os demais, por 7 dias). No geral,
considera-se que o paciente deve se apresentar
afebril por 48 horas antes do término do anti-
microbiano e com, no máximo, 1 sinal clínico
relacionado à infecção.
Tempo prolongado de tratamento é reco-
mendado aos pacientes com infecção e estado
de imunossupressão associado, quando se
indica tratamento por 10 a 14 dias, ou naqueles
com infecção por Pseudomonas sp., com tempo
proposto de 14 dias.

70
15
Acidente vascular cerebral
isquêmico Gustavo Wruck Kuster

1. Conceitos 2. Etiologias
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é a 3ª
causa de mortalidade e a 1ª de morbidade do A - Aterosclerose de grandes artérias
mundo. O AVC é definido como déficit neuroló- Causado pela presença de placas ateros-
gico súbito com duração maior que 24 horas. Já cleróticas nas artérias que levam o sangue
o Ataque Isquêmico Transitório (AIT) é definido para o cérebro (artérias carótidas, cerebrais,
como déficit neurológico súbito com reversão vertebrais e basilar). As placas podem causar
completa em até 24 horas, embora a maioria diminuição de fluxo cerebral por hipofluxo ou
dos AITs dure no máximo 1 hora. Os fatores de embolia.
risco vasculares associados ao AVC estão des-
critos na Tabela 1. B - Aterosclerose de pequenas artérias
(lacuna)
Tabela 1 - Fatores de risco vasculares, alvos e
intervenções terapêuticas As síndromes lacunares clássicas incluem
Fatores de ris- Alvos terapêu- Intervenções síndrome motora e sensitiva pura, hemipare-
co vasculares ticos terapêuticas sia-hemiataxia e disartria-clumsy hand, que tra-
Modificação de duzem a topografia das pequenas lesões isquê-
Hipertensão micas (<15mm), no território de pequenas arté-
Pressão arterial estilo de vida e
arterial sistê-
<120x80mmHg anti-hiperten- rias perfurantes, na região de cápsula interna,
mica
sivos tálamo, ponte e mesencéfalo, respectivamente.
Glicemia de Modificação de
Diabetes jejum <110mg/ estilo de vida e C - Embolia cardíaca
dL hipoglicemiantes O AVC isquêmico (AVCi) secundário a embo-
LDL <100mg/ lia cardíaca geralmente compromete a circula-
dL, HDL Modificação de ção anterior terminal ou o topo de basilar. São
Dislipidemia >45mg/dL, estilo de vida e causas frequentes de embolia: fibrilação atrial,
triglicérides estatina estenoses e próteses valvares, infarto recente
<150mg/dL do miocárdio, doença de Chagas, aneurisma de
Adesivos de nico- septo atrial e forame oval patente.
Cessação do tina e/ou inibido-
Tabagismo
tabagismo res da recaptação D - Indeterminado
de serotonina Quando não é possível classificar o AVC ou
Manter INR quando há mais de 1 etiologia provável (por
Fibrilação Anticoagulantes
entre 2 e 3 (se exemplo, estenose carotídea e fibrilação arte-
atrial orais
varfarina) rial), o AVC é considerado indeterminado.

71
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

E - Outros
Etiologias pouco frequentes podem ser
identificadas dependendo da faixa etária do
paciente e dos fatores de risco associados. São
elas: dissecção arterial, displasia fibromuscu-
lar, doença de moyamoya, vasculite, CADASIL e
doença de Fabry (as 2 últimas são causas gené-
ticas).

3. Quadro clínico
O quadro clínico do AVC depende do terri-
tório arterial acometido, conforme descrito na
Tabela 2.
Figura 1 - (A) Tomografia computadorizada de
Tabela 2 - Quadro clínico de acordo com o territó- crânio mostrando hiperdensidade espontânea
rio arterial envolvido (seta) de artéria cerebral média direita, (B) evo-
Territórios arteriais Quadros clínicos luindo horas depois com imagem hipodensa em
todo território irrigado pela mesma artéria
Diminuição de força na
Artéria cerebral ante-
perna e no pé contralateral
rior
à lesão 4. Exames complementares
Hemiparesia contralateral,
Artéria cerebral média desvio conjugado do olhar, A - Tomografia computadorizada
distúrbios da fala
A Tomografia Computadorizada (TC) de crâ-
Artéria cerebral pos- Hemianopsia, confusão nio é o 1º exame a ser realizado quando há
terior mental
suspeita clínica de AVC na sala de emergência.
Rebaixamento do nível de A TC é capaz de diferenciar AVC isquêmico de
Artéria basilar consciência, alteração dos hemorragia intracraniana. Além disso, é sufi-
nervos cranianos
ciente para indicar trombólise intravenosa em
Artérias lenticuloes- Hemiparesia, hemi-hipoes- pacientes elegíveis para trombólise. O exame
triadas tesia, hemiataxia deve ter o laudo de um radiologista em até 45
minutos da chegada do paciente.
As alterações precoces do AVC isquêmico
na TC incluem diminuição da atenuação dos
núcleos da base, diminuição na diferenciação
entre substância branca e cinzenta, e hiperate-
nuação arterial, que indica trombo intraluminal
(Figura 1). Esses achados não devem excluir os
pacientes candidatos a trombólise.

B - Ressonância magnética
A Ressonância Magnética (RM) de crânio é
particularmente importante em pacientes com
AVC com apresentações pouco usuais, etiolo-
gias raras de AVC ou na suspeita de doença con-

72
Acidente vascular cerebral isquêmico

fundível com AVC não elucidada pela TC. A RM


com difusão (DWI) tem a vantagem de maior
sensibilidade para detecção de lesões isquêmi-
cas precoces do que a TC. Essa vantagem é útil
em AVCs de circulação posterior, infartos lacu-
nares e pequenos infartos corticais.
A discrepância (mismatch) entre o volume
tecidual com hipoperfusão crítica (que pode
recuperar após a reperfusão) e o volume de
tecido infartado (que não recupera mesmo
após a perfusão) pode ser detectada com ima-
gem de RM difusão­–perfusão, mas essa ainda
não é uma estratégia comprovada para melho-
rar a resposta à trombólise.
A angiorressonância magnética com con-
traste pode detectar estenoses de artérias
intracranianas, sendo o método mais sensível
e específico para detecção de estenoses caro-
tídeas, seguida de Doppler e angiotomografia
computadorizada.

C - Doppler transcraniano
O Doppler transcraniano (DTC) é útil para Figura 2 - (A) Angiografia cerebral digital mos-
trando oclusão (seta) da artéria basilar, (B) evo-
a detecção de estenoses de grandes artérias luindo após trombólise intra-arterial com aber-
cerebrais e monitorização da reperfusão cere- tura da artéria e fluxo nas artérias cerebrais pos-
bral durante a fase aguda do AVC (trombólise). teriores e cerebelares superiores
No entanto, 20% dos pacientes não têm janela
acústica adequada, particularmente idosos e
pacientes asiáticos. O DTC é o único método 5. Tratamento
para a detecção de microêmbolos intracra-
nianos circulantes, comuns em pacientes com A - Tratamento geral do AVC agudo
doença aterosclerótica de grande artéria, além Todos os pacientes com AVC agudo necessi-
de detectar shunt entre circulação direito- tam de cuidados especializados multidiscipli-
-esquerda (forame oval patente). Existe fraca nares numa unidade de AVC. Existe redução
evidência de que o DTC durante a trombólise significativa da letalidade, dependência em
intravenosa melhora a reperfusão arterial. pacientes tratados numa unidade de AVC, em
Outros exames podem ser solicitados para comparação com os tratados em unidades
investigação da etiologia do AVC, como os gerais.
ecocardiogramas transtorácico e transesofá-
gico, ultrassonografia com Doppler de artérias B - Vias aéreas
carótidas e vertebrais, holter ECG (eletrocar- Em pacientes com nível de consciência rebai-
diograma) e angiografia cerebral digital. Além xado (escala de coma de Glasgow <8), deve-se
dos exames anteriormente descritos, podem considerar intubação orotraqueal. O uso de
ser necessários exames específicos para inves- oxigenoterapia deve ser recomendado apenas
tigação de trombofilias, doenças infecciosas e quando a saturação de oxigênio estiver abaixo
inflamatórias. de 95%.

73
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

C - Cuidados cardíacos nóstico dos pacientes com AVC agudo. Dentro


Todos os pacientes com AVC agudo devem dessa janela, quanto mais precoce o trata-
ser submetidos a ECG e mantidos com moni- mento, melhor o prognóstico – recomendações
torização de ritmo cardíaco e pressão arte- atuais consideram ser ideal um tempo “porta-
rial. Recomenda-se monitorização regular do -agulha” (chegada à Emergência – infusão do
balanço hídrico e dos eletrólitos e uso de soro trombolítico) de 60 minutos. As violações do
fisiológico 0,9% durante as primeiras 24 horas protocolo estão associadas a taxas de mortali-
após o AVC. O uso de soro glicosado deve ser dade mais elevadas (Tabela 3).
desencorajado pelo risco de aumento da área Tabela 3 - Critérios de inclusão e exclusão para
infartada. trombólise intravenosa nas primeiras horas do
A pressão arterial deve ser reduzida, de início dos sintomas (AHA, 2013)
forma cautelosa, quando os valores excedem Inclusão
os 220mmHg de pressão arterial sistólica e - Diagnóstico de isquemia com déficit mensurável;
120mmHg de diastólica. A meta é reduzir em - Início dos sintomas em 3 a 4,5 horas;
15% a pressão nas primeiras 24 horas. - Idade ≥18 anos.
Em pacientes que serão submetidos a Exclusão – absoluta
trombólise, deve-se manter pressão sistólica - Trauma craniano ou AVC prévio nos últimos 3 me-
<185mmHg e diastólica <110mmHg. O uso de ses;
nifedipino sublingual deve ser evitado pelo - Suspeita de hemorragia subaracnoide;
risco de diminuição abrupta da pressão arterial. - Punção arterial em local não compressível nos úl-
Considerar o uso de nitroprussiato em doses timos 7 dias;
tituladas para o controle da pressão arterial. - Antecedente de AVC hemorrágico;
- Neoplasia intracraniana, aneurisma ou malforma-
D - Controle da glicemia e temperatura ção arteriovenosa;
A hiperglicemia ocorre em até 60% dos - Cirurgia intracraniana ou intraespinal recente;
pacientes não diabéticos com AVC agudo. Esta - Elevação de pressão arterial – sistólica >185mmHg
é associada a enfartos de grande volume e pior ou diastólica >110mmHg;
prognóstico funcional. Deve-se reduzir a glice- - Sangramento ativo;
mia quando os níveis excedem 180mg/dL, e a -
Distúrbios hemorrágicos, como plaquetas
hipoglicemia (<50mg/dL) pode simular um AVC <100.000/mm3, uso de heparina nas últimas 48
agudo e deve ser tratada com infusão de gli- horas (com TTPA acima do limite de normalida-
de), uso de anticoagulante (com RNI >1,7 ou TP
cose hipertônica. >15s), uso de inibidor direto de trombina ou inibi-
A hipertermia está associada a maior área dor de fator Xa (conforme testes específicos);
infartada com pior prognóstico clínico; assim, - Glicemia <50mg/dL;
recomenda-se uso de dipirona ou paracetamol - TC com infarto multilobar (hipodensidade >1/3 de
quando a temperatura corpórea for >37,5°C. hemisfério).
Exclusão – relativa (deve-se considerar o risco–
6. Tratamento trombolítico benefício)
- AVC pequeno ou com melhora evolutiva rápida;
- Gravidez;
A - Ativador do plasminogênio tecidual
- Convulsões na apresentação, com déficit pós-co-
(r-tPA) intravenoso micial;
A terapêutica trombolítica com r-tPA (0,9mg/ - Trauma grave ou cirurgia grande prévia nos últi-
kg de peso corpóreo, dose máxima de 90mg), mos 14 dias;
instituída até 4,5 horas após instalação dos - Sangramento gastrintestinal ou urinário nos últi-
sintomas, melhora significativamente o prog- mos 21 dias;

74
Acidente vascular cerebral isquêmico

Exclusão – relativa (deve-se considerar o risco– D - Dispositivos de recanalização intra-


benefício) -arterial
- Infarto do miocárdio recente (últimos 3 meses);
O ensaio MERCI (Mechanical Embolus Remo-
- Idade >80 anos; val in Cerebral Ischemia) avaliou um dispositivo
- AVC grave (NIHSS >25); que removia trombo de artérias intracranianas
- Uso de anticoagulante oral (sem considerar o e obteve recanalização em 48% dos pacientes
RNI); em até 8 horas. Outro dispositivo (Penumbra
- História de diabetes e de AVC isquêmico prévio. system) foi avaliado e mostrou recanalização de
81,6% em até 8 horas. Devemos ser muito crí-
O r-tPA administrado em pacientes maiores
ticos com esses resultados e aguardar estudos
de 80 anos é seguro e eficaz. Quando possível,
randomizados multicêntricos com desfechos
os riscos e benefícios do tratamento devem ser
clínicos.
discutidos com a família e com o paciente, prin-
cipalmente em quadros mal definidos e quando E - Antiagregação precoce
houver violações de protocolo.
A Aspirina® (dose de 325mg/d) é eficaz e
Os pacientes com convulsões na instalação
segura quando iniciada nas primeiras 48 horas
do AVC podem ser elegíveis para trombólise
após o AVC, além de aumentar a probabilidade
quando há evidência de novo AVC (lesão aguda
de recuperação completa. A associação a clopi-
na difusão RM). dogrel ainda tem sido estudada e não é reco-
mendada rotineiramente.
B - Outros trombolíticos intravenosos
A estreptoquinase está associada a um risco F - Anticoagulação precoce
inaceitável de hemorragia e morte. A desmo- As heparinas (heparina não fracionada e hepa-
teplase, administrada entre 3 e 9 horas após rina de baixo peso molecular) não devem ser utili-
o início dos sintomas, em pacientes seleciona- zadas nas primeiras 24 horas do AVC. Nos pacien-
dos com base no mismatch difusão–perfusão, tes com AVC cardioembólico, a administração de
está associada a taxa superior de reperfusão anticoagulantes após as primeiras 24 horas do
e melhor prognóstico clínico, comparativa- início dos sintomas está associada a uma redução
mente com placebo, em pequenos ensaios clí- na recorrência do AVC, mas não a uma redução
nicos. Esses achados não foram confirmados no substancial na morte ou incapacidade.
estudo de fase III DIAS (Desmoteplase in Acute
Ischemic Stroke) – II, mas esse agente será mais G - Neuroproteção
bem avaliado. Atualmente não existe recomendação para
tratar os pacientes com substâncias neuropro-
C - Trombólise intra-arterial e combinada tetoras na fase aguda do AVCi.
(IV + IA)
O tratamento trombolítico intra-arterial de 7. Complicações
oclusões proximais de artéria cerebral média O edema cerebral é a principal causa de
utilizando pró-uroquinase dentro das primeiras morte em AVCs extensos. Recomenda-se cra-
6 horas foi associado a melhor prognóstico no niectomia descompressiva, dentro de 48 horas
ensaio PROACT II. Deve-se considerar o trata- após a instalação dos sintomas, em pacientes
mento trombolítico intra-arterial com 4,5 e 6 até 60 anos, com infartos extensos em evolução
horas do início dos sintomas (Figura 2). Teve iní- de artéria cerebral média.
cio um ensaio clínico comparando terapêutica Dentre as complicações infecciosas, a pneu-
IV + IA com terapêutica IV, até 3 horas do início monia aspirativa é a mais importante, e não se
dos sintomas (IMS3). recomenda terapia antibiótica profilática.

75
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

As crises epilépticas pós-AVC devem ser tra-


tadas com base no princípio geral de tratamento
das crises convulsivas. Não se recomenda o uso
de antiepilépticos profiláticos pós-AVC.
Para profilaxia de trombose venosa pro-
funda, recomenda-se o uso de heparina de
baixo peso molecular ou não fracionada em
baixa dose a pacientes com membro parético.

76
16
Acidente vascular cerebral
hemorrágico
Gustavo Wruck Kuster

1. Conceitos - Tabagismo: o risco de AVC, incluindo AVCH,


é aproximadamente 2,5 vezes maior em
O Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico tabagistas do que em indivíduos que não
(AVCH) é causado pela ruptura espontânea fumam;
(não traumática) de um vaso, com extravasa- - Álcool: diversos estudos indicam que o
mento de sangue para o interior do cérebro consumo de álcool é um dos principais fa-
(hemorragia intraparenquimatosa), para o sis- tores de risco para AVCH;
tema ventricular (hemorragia intraventricular)
- Coagulopatias: diversas coagulopatias pri-
e/ou para o espaço subaracnóideo (hemorragia
márias e secundárias aumentam o risco
subaracnoide). A hemorragia intraparenquima-
de AVCH. O uso de anticoagulantes orais
tosa cerebral é o subtipo de AVC de pior prog-
aumenta o risco de AVCH cerca de 8 a 10
nóstico, com até 65% de mortalidade em 1 ano.
vezes em relação a pacientes de mesma
idade não submetidos a anticoagulação.
2. Fatores de risco Adicionalmente, o uso prévio de drogas an-
Os fatores de risco mais conhecidos para tiplaquetárias também está associado, de
AVCH são: forma independente, ao aumento do risco
- Idade avançada; de AVCH e ao crescimento do hematoma
intracerebral, medido na tomografia de
- Raça: negra, orientais;
controle no 2º dia de hospitalização;
- Gênero: masculino;
- Simpaticomiméticos: o uso de fármacos ou
- Hipertensão arterial: a Hipertensão Arterial drogas com atividade simpaticomimética,
Sistêmica (HAS) é o principal fator de risco tais como fenilpropanolamina, cocaína, an-
para AVCH, estando presente em 70 a 80% fetaminas ou efedrina, também aumenta o
dos pacientes com esse tipo de AVC; risco de AVCH.
- Angiopatia amiloide: a angiopatia amiloide
cerebral se deve ao depósito de proteína 3. Etiologia
beta-amiloide na parede das artérias ce-
rebrais de pequeno e médio calibres, lo- De acordo com a etiologia do sangramento,
calizadas, sobretudo, na superfície cortical o AVCH pode ser classificado como:
e leptomeníngea. Sua incidência aumenta - Primário (80 a 85% dos casos): ruptura de
com a idade e está presente em 80 a 98% pequenos vasos cronicamente danificados
das necrópsias de indivíduos com doença pela HAS;
de Alzheimer. A angiopatia amiloide é um - Secundário (15 a 25% dos casos): relacio-
fator de risco para AVCH lobar; nado à ruptura de aneurismas ou malfor-

77
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

mações arteriovenosas cerebrais, à anti- - O volume do hematoma é calculado pela


coagulação oral, drogas antiplaquetárias, operação: (A + B + C)/2.
coagulopatias, cirrose hepática, neoplasias,
vasculites, trauma, doença de moyamoya, B - Ressonância magnética
trombose venosa cerebral, eclâmpsia, en- A ressonância magnética tem sensibilidade e
tre outras causas. especificidade superiores às da TC para o diagnós-
tico de AVCH na fase aguda, porém, por ser um
4. Neuroimagem exame de realização mais demorada, pode ser
realizada em uma 2ª fase, ou realizada quando há
A - Tomografia computadorizada suspeita de etiologia não hipertensiva (caverno-
mas, angiopatia amiloide, neoplasias).
A confirmação do diagnóstico deverá ser
obtida por meio de exame de imagem, a C - Angiografia
Tomografia Computadorizada (TC) de crânio,
Pacientes com AVCH de localização atípica
exame útil com elevada sensibilidade para
ou com idade abaixo de 45 anos (independen-
o diagnóstico de AVCH e também de rápida
temente da presença de HAS) devem ser sub-
execução, o que torna seu emprego muito
metidos ao estudo angiográfico para investiga-
justificável.
ção de causas secundárias como malformação
O volume da hemorragia é o principal fator
arteriovenosa, aneurismas, fístulas, trombose
prognóstico em pacientes com AVCH. Este
de seio venoso e vasculites.
pode ser estimado por meio da TC de crânio
pelo método ABC/2. A aplicação desse método D - Avaliação inicial
baseia-se no fato de que a maioria dos AVCHs O médico emergencista deve aplicar a
se apresenta de forma aproximadamente arre- escala de coma de Glasgow e a NIHSS (Natio-
dondada. nal Institutes of Health Stroke Scale) na ava-
O método ABC/2 é aplicado seguindo as eta- liação inicial de todos os pacientes; em casos
pas: de AVCH, a escala AVCH (intracerebral hemor-
- Determina-se o corte tomográfico em rhage – ICH score); e, em casos de Hemorragia
que o hematoma tem seu maior volume – Subaracnóidea (HSA), as escalas de Fisher e
corte-índice; Hunt-Hess (escalas para avaliação dos pacien-
- Determinam-se o índice A, B e C. Índice A: tes com HSA).
maior diâmetro do hematoma; índice B: Tabela 1 - Escala AVCH (ICH score)
maior diâmetro perpendicular ao A (centí- Componentes Variações Pontos
metros); índice C: o numero de cortes de
3a4 2
10mm em que o hematoma aparece; Escala de coma de Glas-
5 a 12 1
gow
- Ajuste do índice C: para o corte-índice dá-se 13 a 15 0
1 ponto para C. Aos demais cortes em que ≥30 1
Volume do hematoma
o hematoma possui área superior a 75% da <30 0
área de hematoma no corte índice também Sim 1
Inundação ventricular
se dá 1 ponto para o índice C. Para cortes Não 0
de 10mm em que o hematoma presente Sim 1
Origem infratentorial
possui volume entre 25 e 75 do hematoma Não 0
revelado pelo corte índice dá-se 0,5 ponto. ≥80 1
Idade
<80 0
Somam-se os pontos, e está determinado o
índice C; Total

78
Acidente vascular cerebral hemorrágico

Tabela 2 - Escalas de Fisher e Hunt-Hess (escalas Tabela 3 - Recomendações para controle da pres-
para avaliação dos pacientes com HSA) são arterial na hemorragia intracerebral
Escores Classificações Pressão arterial Condutas recomendadas

I Assintomático ou cefaleia leve Iniciar redução agressiva da


PAS >200mmHg ou
PA por infusão contínua de
Cefaleia moderada a grave e/ou rigidez PAM >150mmHg (2
II anti-hipertensivo intraveno-
de nuca leituras com interva-
so com monitorização da PA
lo de 5 minutos)
a cada 5 minutos.
III Confusão, letargia e/ou sinais focais
PAS >180mmHg Considerar monitorização da
IV Estupor e/ou hemiparesia PIC. Iniciar redução da PA por
PAM >130mmHg
V Coma e/ou postura de descerebração infusão contínua ou intermi-
tente de anti-hipertensivo
Suspeita de aumen- intravenoso com monitoriza-
5. Tratamento to da pressão intra- ção da PA a cada 5 minutos.
craniana (PIC) Manter a pressão de perfu-
Não existe ainda um tratamento especí- são cerebral >60 a 80mmHg.
fico para AVCH. A abordagem deve ser dire-
PAS >180mmHg Iniciar redução moderada
cionada para: avaliação das vias aéreas, dos da PA por infusão contínua
PAM >130mmHg
parâmetros respiratórios e hemodinâmicos, ou intermitente de anti-
da temperatura, da detecção de sinais neu- -hipertensivo intravenoso
rológicos focais e da glicemia capilar. Pacien- Sem suspeita de au- com monitorização da PA a
tes estáveis deverão realizar TC de crânio; a mento da PIC cada 15 minutos (PA-alvo =
160x90mmHg ou PAM-alvo =
avaliação radiológica poderá ser complemen- 110mmHg).
tada a critério do médico assistente. Após
Expansão com cristaloides
a realização do exame de neuroimagem, os por via intravenosa e infusão
pacientes com AVCH devem ser rapidamente de aminas vasoativas:
transferidos para leitos em unidade de tera- PAS <90mmHg - Dopamina 2 a 20µg/kg/
min;
pia intensiva, com atenção especial a elevada
- Noradrenalina 0,05 a
frequência de hipertensão intracraniana, 0,2µg/kg/min.
emergências hipertensivas e necessidade de
suporte ventilatório invasivo. O estado neu- Algumas medicações comumente usadas
rológico do paciente deve ser seguido e rea- para o tratamento anti-hipertensivo na fase
valiado em intervalos curtos utilizando esca- aguda de AVCH são metoprolol, diltiazem ou
las neurológicas padronizadas, como a escala esmolol. Para casos mais graves ou refratá-
de NIHSS, a escala de coma de Glasgow e o rios, pode-se utilizar a infusão intravenosa de
escore de AVCH. nitroprussiato de sódio. Os medicamentos anti-
-hipertensivos por via oral devem ser instituí-
A - Pressão arterial dos e titulados assim que possível.
O tratamento da HAS deve ser mais agres- B - Uso de drogas antiepilépticas
sivo do que no AVC isquêmico e deve ser insti-
O uso de drogas antiepilépticas de rotina
tuído tão logo possível, com o objetivo teórico
deve ser obrigatório apenas em pacientes com
de evitar a expansão do sangramento. A redu-
AVCH que apresentam evidências clínicas ou
ção da Pressão Arterial Sistólica (PAS), quando eletroencefalográficas de crises epilépticas.
esta estiver acima de 180, e da Pressão Arte-
rial Média (PAM), quando estiver acima de C - Profilaxia de trombose venosa profunda
130mmHg, deve objetivar PA de 160x90mmHg Pacientes com AVC hemorrágico estão sob
(ou PAM inferior a 110mmHg). elevado risco de trombose venosa profunda e

79
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

tromboembolismo pulmonar. Para prevenção


de tais eventos, dispositivos de compressão
pneumática de membros inferiores devem ser
utilizados desde a admissão. O uso da heparina
não fracionada subcutânea profilática (5.000
unidades 3x/d) parece ser seguro após 48 horas
do evento vascular cerebral. A enoxaparina na
dose de 40mg/d parece uma alternativa com-
parável, mas ainda não estudada.
A administração de heparina deve ser ini-
ciada apenas se não houver expansão do hema-
toma.

D - Tratamento cirúrgico
As indicações de tratamento cirúrgico para
drenagem do hematoma intracerebral ainda
são divergentes entre vários centros de refe-
rência. Em sua maioria, esses pacientes devem
ser tratados clinicamente e encaminhados a
cirurgia caso apresentem deterioração do qua-
dro neurológico. Pacientes jovens com pontu-
ação na escala de coma de Glasgow entre 9 e
12, com hematomas lobares volumosos e em
até 1cm da superfície do córtex cerebral, são
aparentemente mais beneficiados por uma
intervenção cirúrgica precoce. Ademais, em
pacientes com hemorragia cerebelar com seu
maior diâmetro superior a 3cm, que apresen-
tem deterioração neurológica, sinais de hernia-
ção, compressão do tronco encefálico ou hidro-
cefalia, a craniectomia descompressiva de fossa
posterior e a drenagem do hematoma devem
ser realizadas o mais brevemente possível.

80
17
Crises convulsivas
José Lauletta Neto

1. Conceitos sial temporal, malformação arteriovenosa


e acidente vascular cerebral;
As crises epilépticas correspondem a uma - Estado de mal epiléptico: são crises epilépti-
emergência médica frequente. No setor de emer- cas com duração igual ou superior a 5 minu-
gência, as manifestações clínicas podem aconte- tos ou 2 crises recorrentes sem tempo de re-
cer em alguns contextos, com definições próprias: cuperação do nível de consciência entre elas.
- Crise epiléptica: descarga elétrica ocasio-
nal, excessiva e síncrona do tecido neural 2. Classificação das crises
sobre os músculos, podendo comprometer
a consciência, a sensibilidade e o compor- convulsivas
tamento; manifestando-se clinicamente Conforme definição da International League
como abalos musculares (manifestação Against Epilepsy, de 2010, as crises são classifi-
motora) na forma convulsiva ou não; cadas em:
- Crise sintomática aguda ou provocada: é - Crises focais: são crises que afetam 1 área
uma crise temporalmente associada a um do cérebro, não apresentando perda de
insulto agudo ao Sistema Nervoso Central consciência. Exemplo: crises motoras que
(SNC) de natureza sistêmica, metabólica, afetam apenas 1 braço ou 1 perna;
tóxica, abstinência de drogas, traumatismo - Crises generalizadas: são crises epilépticas
que afetam os 2 hemisférios cerebrais desde
craniano, acidente vascular cerebral, neu-
o início, havendo perda da consciência. Exem-
roinfecção; podendo ocorrer dentro de 7 dias
plo: crises tônico-clônicas generalizadas;
ao insulto no SNC e com tratamento voltado
- Crise focal evoluindo para crise bilateral:
para o período em que ocorreu o distúrbio;
trata-se de crise epiléptica que inicia em
- Epilepsia: doença caracterizada por 2 ou uma área focal e logo ocorre propagação,
mais crises epilépticas recorrentes, não havendo, posteriormente, difusão para
provocadas por qualquer causa imediata ambos os hemisférios cerebrais.
(crise sintomática aguda) ou a ocorrência
de apenas 1 crise epiléptica, desde que 3. Etiologia das crises epilépticas
exista a probabilidade aumentada de re-
corrência deste evento por meio de uma São causas comuns de crise epiléptica: trau-
predisposição persistente do cérebro em matismo craniano, hemorragia intracraniana,
gerar crises. Ou seja, 2 crises epilépticas anormalidades estruturais do SNC, infecções
em eventos separados ou 1 crise epiléptica do SNC, hiperglicemia ou hipoglicemia, hipo-
com eletroencefalograma (EEG) alterado natremia ou hipernatremia, uremia, insuficiên-
ou 1 crise com exame de imagem apresen- cia hepática, hipocalcemia, hipomagnesemia,
tando lesão focal do tipo: tumor, neurocis- medicamentos e drogas, encefalopatia hiper-
ticercose, displasia cortical, esclerose me- tensiva, isquemia do SNC e epilepsia.

81
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

A - Diagnóstico diferencial glicemia, função hepática), triagem infecciosa


As manifestações das crises epilépticas pela coleta de liquor no caso de febre, cefaleia
podem se confundir com síncope, ataque de e rigidez de nuca a fim de investigar neuroinfec-
pânico, distúrbio do sono, enxaqueca e crise ção. Realizar exame de imagem, preferencial-
não epiléptica de origem psicogênica. mente, ressonância magnética, ou tomografia;
se essa for a única opção e dentro das possi-
B - Conduta no paciente com crise epiléptica bilidades, realizar EEG no pronto atendimento.
No serviço de emergência, caso o paciente seja Podem-se ter, como resultados:
admitido após o término da crise, a conduta será:
- Realizar medidas de suporte básico (ABCD), a) Exames normais (metabólico, infeccioso, resso-
monitorização cardíaca, sinais vitais, satura- nância magnética e EEG)
ção de oxigênio (se abaixo de 90%, fornecer Deve-se liberar o paciente para sua residência
oxigênio suplementar) e glicemia capilar; sem medicação antiepiléptica, com acompanha-
- Após estabilização do quadro clínico, mento ambulatorial, pois se trata de crise única
abordar a história clínica completa para não provocada, ou seja, não é epilepsia doença.
tentar identificar a causa de crise epi-
léptica secundária e o tipo de crise epi- b) Exames alterados (metabólico ou infeccioso)
léptica (focal ou generalizada); realizar com ressonância magnética e EEG normais
o exame físico neurológico para buscar Deve-se tratar e corrigir o distúrbio, nesse
achados de lesão no SNC do tipo déficit caso o uso de medicação antiepiléptica tem
motor, alteração de sensibilidade, sinais
pouca eficácia, ficando em 2º plano; porém
de irritação meníngea, fundo de olho
deve ser mantida a medicação para evitar
com papiledema; e, se houver história de
recorrência somente até o término do trata-
trauma cranioencefálico, sempre realizar
mento e a correção do distúrbio. Tem-se aqui
tomografia de crânio.
uma crise sintomática aguda.
C - O paciente em questão já é portador de c) Exames normais (metabólico e infeccioso) com
epilepsia EEG normal
Nesse contexto, é importante observar se pos-
Se apresentar ressonância magnética de crâ-
suía adesão ao tratamento, devendo-se fazer a
nio com alteração reversível após tratamento
orientação e a complementação da dose prevista
para o dia. Ademais, avaliar se a dose da medi- e sem apresentar elevada probabilidade de
cação está insuficiente, devendo-se ajustá-la; no recorrência da crise epiléptica, por exemplo,
caso de troca recente da medicação antiepilép- tem-se crise epiléptica secundária a hemorra-
tica, pode-se concluir ser esse o motivo da crise. gia subaracnóidea ou abscesso cerebral. Nesse
Devem ser solicitados exames para dis- caso inicia-se medicação antiepiléptica para
túrbios metabólicos (ureia, creatinina, sódio, evitar recorrência da crise epiléptica por um
potássio, magnésio, cálcio, glicemia, função período de até 12 semanas e depois se pode
hepática) com correção dos mesmos; ademais, suspender a medicação e orientar o retorno
investigar quadro infeccioso sistêmico e tratá- ambulatorial com neurologista. Tem-se crise
-lo (sinusites, faringites, pneumonias, infecção sintomática aguda secundária à lesão cerebral.
urinária, infecção de pele, meningite), pois
pode descompensar a epilepsia doença. d) Exames de investigação metabólica e infecciosa
normais com EEG ou ressonância magnética anor-
D - O paciente em questão não é portador mais
de epilepsia, sendo a 1ª crise Nessa situação, há elevada probabilidade
É importante solicitar exames para triagem de recorrência da crise epiléptica; inicia-se tra-
metabólica (sódio, potássio, magnésio, cálcio, tamento para epilepsia com medicação antie-

82
Crises convulsivas

piléptica e orientação de retorno ambulatorial O uso de novas drogas para o tratamento do


com o neurologista. estado de mal refratário, como o topiramato na
dose de até 800mg/d por sonda nasoenteral
E - Paciente admitido em crise epiléptica como medicação adjuvante, foi bem tolerado
Nessa circunstância, a abordagem deve e com boa resposta terapêutica por meio da
seguir o algoritmo a seguir: reversão ou saída do estado de mal, fato obser-
vado principalmente até o 3º dia.
Tabela 1 - Abordagem do paciente que apresenta
crise epiléptica
Tempo Sequência terapêutica
Estabilização do paciente com ABCD,
monitorização com sinais vitais, acesso
venoso, oxigênio, glicemia capilar, e a
medicação de escolha disponível no Bra-
1 a 10
sil é o diazepam 10 a 20mg (1 ampola,
minutos
podendo repetir se preciso). Coleta de
sangue com triagem metabólica (sódio,
potássio, cálcio, magnésio, ureia e crea-
tinina, função hepática) e infecciosa.
Não cessou a crise:
- Fenitoína 15 a 20mg/kg diluída em
soro fisiológico 0,9% 250 a 500mL e
infundida na velocidade de 50mg/
min;
- Fenobarbital 10 a 20mg/kg diluído
10 a 20 e infundido na velocidade de 50 a
minutos 75mg/min.
Continuar monitorizando com sinais
vitais e saturação de oxigênio. Solicitar
tomografia de crânio ou ressonância
magnética; liquor se suspeita de neu-
roinfecção e EEG, se disponível.
Não cessou a crise:
- Considerar estado de mal refratário e
iniciar medicações sedativas ou anes-
tésicas com monitorização de EEG
contínua:
· Midazolam 0,2mg/kg ataque IV e
manutenção de 1 a 10µg/kg/min;
· Propofol 1 a 2mg/kg ataque IV e ma-
nutenção de 1 a 15mg/kg/h;
Maior que · Tiopental 3 a 5mg/kg ataque IV e
20 minu- manutenção de 3 a 5mg/kg/h;
tos · Pentobarbital 10 a 15mg/kg ataque
em 1 hora IV e manutenção de 0,5 a
1mg/kg/h. Cuidado com hipotensão
arterial.
Aqui, cuidados intensivos ventilatórios
e hemodinâmicos: sempre introduzir
agentes antiepilépticos para o trata-
mento crônico antes de proceder ao
desmame destas medicações.
Fonte: KÄLVIÄINEN, R. 2007.

83
18
Meningites
Giselle Amado Boumann

1. Conceitos tomas comuns são: vômito, mialgia, paresias e


sinais oculares como diplopia, nistagmo, miose
As meninges correspondem à aracnoide, à e midríase. Devemos sempre observar no
pia-máter e à dura-máter. É chamado de menin- exame físico a presença de rash purpúrico ou
gite o processo inflamatório que acomete as petequial, achado sugestivo de doença menin-
meninges e o líquido cerebrospinal (LCE). Bac- gocócica.
térias, vírus, fungos ou micobactérias podem Em crianças até os 6 meses, o quadro clínico
estar envolvidos nesse processo. mais comum é irritabilidade, anorexia e, ao
exame físico, abaulamento da fontanela.
2. Meningite bacteriana Ainda que inespecífica, história recente de
Todos os anos, estima-se que mais de 1,2 infecção de vias aéreas e otite sugere infecção
milhão de pessoas são diagnosticadas com por Streptococcus pneumoniae.
meningite bacteriana. A doença está relacio- A punção liquórica é essencial para o
nada a grande morbidade, mortalidade e risco diagnóstico de qualquer meningite e ideal-
de sequela neurológica. mente deve ser realizada antes do início do
O mecanismo mais comumente envolvido nas antibiótico (Tabela 1). A presença de pleocitose
meningites bacterianas é a invasão local do micro- (geralmente acima de 1.000 células, com pre-
-organismo, geralmente após colonização do hos- domínio de polimorfonucleares) e o aumento
pedeiro, multiplicação no epitélio, quebra da bar- da proteína e glicose diminuída são fortemente
reira hematoencefálica e posterior proliferação sugestivos de meningite bacteriana. O LCE
bacteriana no LCE. Clinicamente, esta proliferação deverá ainda ser enviado para bacterioscopia,
bacteriana no LCE é representada por quadro cultura e, se disponível, testes mais rápidos
agudo de febre alta, cefaleia e, frequentemente, para detecção do agente etiológico, como antí-
alteração no nível de consciência (torpor, confu- genos pelo látex e contraimunoeletroforese.
são, inquietação e, eventualmente, coma). Exames de neuroimagem devem preceder
O principal achado ao exame físico é rigidez a punção liquórica na suspeita de hipertensão
de nuca, que está presente em aproximada- craniana, como presença de edema de papila
mente 90% dos pacientes. Outros sinais e sin- ou sinais localizatórios (como convulsões).

Tabela 1 - Características do LCE conforme a etiologia da meningite

Etiologia Células por mm3 Tipo de Glicose Proteína


células
Muito elevada (até
Bactérias >1.000 PMN Muito baixa
1.000mg/mL)

84
Meningites

Etiologia Células por mm3 Tipo de Glicose Proteína


células
Vírus 5 a 500 LM Normal Normal
Fungos 5 a 500 LM Discretamente baixa Elevada (>200mg/mL)
Micobactérias 5 a 500 LM Baixa Elevada (>200mg/mL)
Valores normais Até 4 -- 2/3 glicemia <40mg/mL
PMN: polimorfonuclear; LM: linfomononuclear.

O tratamento deve ser iniciado antes do Faixas Patógenos prová-


etárias veis Antibióticos
resultado definitivo do agente etiológico.
Assim, a escolha empírica do agente antimi- - Staphylococcus
crobiano deve ser guiada pela faixa etária do Após ma- aureus;
nipulação - Estafilococos
paciente, a natureza da infecção (comunitária coagulase-negati- Vancomicina +
ou nosocomial), fatores de risco e também pela cirúrgica ou
vos; ceftazidima
ação bactericida do antibiótico (Tabela 2). infecção de - Pseudomonas
shunt aeruginosa;
Tabela 2 - Antimicrobianos recomendados para - Enterobactérias.
meningites conforme a faixa etária
Faixas Patógenos prová- O tratamento específico deve ser instituído
Antibióticos
etárias veis tão logo seja identificado o agente etiológico
- Estreptococo do (Tabela 3).
grupo B;
Cefotaxima + Tabela 3 - Tratamento dirigido das meningites
Até 1 mês - Enterobactérias;
ampicilina conforme o agente etiológico
- Listeria mo-
nocytogenes. Tempo de
Bactérias Antibióticos tratamento
- Estreptococo do
grupo B; Streptococcus Ceftriaxona 2g
10 a 14 dias
- Enterobactérias; pneumoniae 12/12h
- Listeria mo- Ampicilina + Ampicilina 2g
1 a 3 meses nocytogenes; ceftriaxona ou Neisseria me- 4/4h ou penici-
- Haemophilus cefotaxima 7 a 10 dias
ningitidis lina cristalina 4
influenzae; milhões U 4/4h
- Streptococcus
pneumoniae. Haemophilus Ceftriaxona 2g
10 dias
influenzae 12/12h
- Haemophilus
influenzae; Ampicilina 2g
Listeria mo-
3 meses a - Streptococcus Ceftriaxona ou 4/4h + aminogli- 2 a 3 semanas
nocytogenes
17 anos pneumoniae; cefotaxima cosídeo
- Neisseria menin- Ceftazidima 2g
Pseudomonas
gitidis. 8/8h + aminogli- 3 a 4 semanas
aeruginosa
- Streptococcus cosídeo
pneumoniae; Ceftriaxona ou Vancomicina
18 a 50 anos
- Neisseria menin- cefotaxima. Staphylococcus 500mg 6/6h
gitidis. 3 a 4 semanas
aureus ou oxacilina 2g
- Streptococcus 4/4h
>50 anos
(além de pneumoniae; Ampicilina +
- Neisseria menin- Faz-se uso de corticoide nas meningites por
gestantes e ceftriaxona ou
gitidis; Haemophilus influenzae. O objetivo é diminuir
imunossu- - Listeria mo- cefotaxima
primidos) as chances de sequelas, como perda da audi-
nocytogenes.
ção. Não há benefício de seu uso para meningi-

85
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

tes por outras bactérias. A dose preconizada é a transmissão oral–fecal destes vírus deve ser
de 10mg de dexametasona de 6/6h, por 4 dias. sempre considerada.
Não há recomendação de repetir rotinei- O início dos sintomas comumente se dá de
ramente a coleta de líquor, mas, em caso de 3 a 6 dias após a exposição. O mecanismo de
ausência de melhora clínica após 48 horas de penetração no SNC ainda não está elucidado,
antibiótico, febre persistente por mais de 8 dias mas as maiores evidências mostram que, após
ou meningite confirmada por bactéria multirre- a infecção intestinal, há replicação viral tam-
sistente, o procedimento é indicado. bém na nasofaringe. Outras etiologias possíveis
Em casos de meningite confirmada por são os arbovírus, herpes-vírus (herpes-simples,
meningococo e por hemófilo existe indicação citomegalovírus, Epstein-Barr, varicela-zóster),
de quimioprofilaxia. O objetivo da profilaxia é raiva, HIV e influenza.
erradicar a bactéria do provável portador assin- O quadro clínico inicial é semelhante ao
tomático, de forma a interromper a cadeia de da meningite bacteriana. A história prévia de
transmissão. Deve ser feita, preferencialmente, infecção gastrintestinal pode ajudar na suspeita
nas primeiras 24 horas, mas é aceitável a indi- clínica de meningite viral, mas apenas a análise
cação até 30 dias após o diagnóstico. do LCE é capaz de definir a etiologia.
As indicações da profilaxia são as seguintes: Baixa celularidade (abaixo de 500 leucócitos,
- Indivíduos que compartilham o mesmo do- com predomínio de linfomononucleares), gli-
micílio ou alojamento do paciente; cose normal, proteína normal ou discretamente
- Indivíduos que tiveram contato prolongado aumentada falam a favor de doença viral. Látex,
com o paciente (>4 horas); bacterioscopias e culturas serão negativos.
- Colegas da mesma sala (em caso de creche O tratamento do paciente deve ser conser-
e pré-escola); vador, com repouso, uso de analgésicos e anti-
- Profissionais de saúde que tiveram contato térmicos, e, eventualmente, reposição hidroe-
com secreções do paciente ou que realiza- letrolítica em pacientes que possam apresen-
ram intubação orotraqueal ou manobras tar vômitos de difícil controle (principalmente
de ressuscitação sem uso de máscara cirúr- crianças).
gica antes de 24 horas de antibiótico. Em alguns casos, é indicado iniciar tera-
pia antimicrobiana empírica enquanto não há
O fármaco de escolha é a rifampicina. No resultado final de culturas. Pacientes muito gra-
caso de infecção por hemófilos, a dose é ves, menores que 3 meses ou nos quais a aná-
600mg, em 1 tomada diária, por 4 dias. Contac- lise do LCE é duvidosa são candidatos a receber
tantes de pacientes com doença pelo meningo- antimicrobianos inicialmente. Se as culturas
coco deverão usar 600mg de rifampicina, 2x/d, estiverem negativas e o paciente apresentar
por apenas 2 dias. Outras opções são o uso de melhora clínica considerável nas últimas 24 a
ciprofloxacino 500mg VO ou ceftriaxona 250mg 48 horas, o antimicrobiano deve ser suspenso.
IM, ambos em dose única. Aciclovir está indicado se houver sinais de
encefalite.
3. Meningite viral Resumidamente, os pacientes que devem
As meningites virais são mais comuns em ser mantidos em observação hospitalar são os
crianças, e são definidas por doença febril com menores de 1 ano, os imunocomprometidos,
sinais de irritação meníngea, sem disfunção indivíduos com sinais de encefalite ou aqueles
neurológica e sem evidência de infecção bacte- que precisarão de hidratação venosa ou antimi-
riana à análise do LCE. crobianos, mesmo que por apenas 48 horas.
Geralmente, estão relacionadas a alguns A meningite viral é uma doença benigna e
enterovírus (até 95% dos casos). Desta forma, com bom prognóstico, que geralmente não

86
Meningites

deixa sequelas. Adultos podem apresentar mente inocente, ou pode apresentar-se com
um período de convalescência que pode durar edema difuso ou localizado. No paciente com
semanas. encefalite herpética, pode-se observar lesões
As ações de prevenção das meningites virais no lobo temporal, sugestivas de necrose.
devem ser focadas na higienização das mãos. A análise da celularidade do LCE pode ser
Não existem vacinas ou profilaxias contra os normal ou com discreta pleocitose (<250 leu-
enterovírus. cócitos, com predomínio de linfócitos e monó-
citos), proteína pouco aumentada ou normal e
4. Encefalites glicose discretamente baixa ou normal. Hemá-
cias no LCE sem histórico de trauma podem
Encefalites correspondem à inflamação do sugerir encefalite herpética. Enviar o LCE des-
parênquima cerebral. Pacientes menores de ses pacientes para realização de reação em
1 ano, maiores de 65 e imunossuprimidos são cadeia de polimerase (PCR) para herpes-sim-
os que apresentam maior risco de desenvolver ples é importante, mas seu resultado negativo
encefalite. não exclui o diagnóstico.
Dentre as etiologias, as causas virais são as O eletroencefalograma de pacientes com
mais comuns. Os vírus mais frequentemente encefalite herpética mostra ondas assimétricas
relacionados à encefalite são os vírus da família e confirma o comprometimento do lobo tem-
herpes (herpes-simples, varicela-zóster e cito- poral.
megalovírus), arbovírus e enterovírus. Algumas O tratamento de encefalites é geralmente
doenças bacterianas também podem evoluir de suporte. Devem-se controlar as crises con-
com encefalite, entre elas sífilis e leptospirose. vulsivas e a febre, monitorizar sinais de hiper-
Histoplasmose, criptococose e blastomicose tensão craniana e garantir proteção de vias
são as doenças fúngicas mais associadas à aéreas. Dentre as terapias específicas, é mais
encefalite. importante lembrar o tratamento da encefalite
O quadro clínico mais clássico assemelha- herpética, que deve ser feito preferencialmente
-se ao da meningite bacteriana e apresenta-se com aciclovir (10mg/kg IV de 8/8h). O tempo
com febre, confusão mental, cefaleia e rebai- de antiviral recomendado é de 14 a 21 dias.
xamento do nível de consciência, podendo Devem-se associar corticoides ao esquema
manifestar-se ainda com sinais focais de aco- (dexametasona 12 ou 16mg/d).
metimento cerebral. Em pacientes com menin- O prognóstico dependerá da etiologia da
goencefalite, sinais meníngeos podem estar encefalite. Pacientes com encefalite herpética
presentes ao exame físico. têm alta mortalidade (30% quando tratados
No diagnóstico diferencial, além de menin- com aciclovir) e, quando sobrevivem, geral-
gites agudas (bacterianas, virais e assépticas) mente apresentam algum tipo de sequela
e abscessos cerebrais, deve-se pensar na hipó- (motora, comportamental ou memória). Ape-
tese de encefalites secundárias a distúrbios nas 5% dos pacientes recuperam-se completa-
metabólicos, hipóxia, isquemia, intoxicações ou mente.
infecções sistêmicas.
Quando há suspeita de encefalite, indica-se
realizar tomografia computadorizada ou resso-
nância magnética de crânio antes da punção
lombar. Procuram-se causas secundárias de
rebaixamento do nível de consciência e sinais
focais, como lesões com efeito de massa, infec-
ção focal e isquemia. No paciente com encefa-
lite, no entanto, o exame de imagem é geral-

87
19
Diarreias agudas
Giselle Amado Boumann

1. Conceito 2. Achados clínicos


Diarreia é definida como a alteração do Os dados mais importantes da história da
hábito intestinal com aumento do conteúdo de doença atual são relacionados ao aspecto das
água nas fezes, frequência e volume das evacu- fezes, à presença de sangue ou pus, à frequên-
ações. A diarreia aguda tem, consensualmente, cia e associação a outros sintomas como febre e
duração máxima de 14 dias. cólica. As características da diarreia aguda não
A diarreia pode ser classificada como infla- inflamatória são as mais comuns.
matória e não inflamatória. A inflamatória Outros aspectos importantes são história
geralmente é de pequeno volume, que pode recente de viagem, consumo de alimentos
ser sanguinolenta, associada a dor abdominal em locais diferentes do habitual, presença de
doenças sistêmicas (como AIDS), uso de medi-
inferior, urgência fecal e febre. A não inflama-
camentos laxativos ou antibióticos e outras
tória apresenta-se com grande volume, geral-
pessoas acometidas, o que pode indicar um
mente sem sangue e sem leucócitos. As dores,
surto com fonte única.
quando presentes, são localizadas no abdome
No exame físico do paciente é de extrema
superior. Podem estar associadas a náuseas e importância avaliar o grau de desidratação e
vômitos. quantificar os sinais vitais. Deve-se fazer um
Outra forma de classificar a diarreia é como exame abdominal cauteloso, sempre procu-
infecciosa e não infecciosa. A infecciosa geral- rando sinais de peritonite. Em paciente com
mente está associada à ingestão de água e ali- quadros mais graves, pode-se encontrar toxe-
mentos contaminados com micro-organismos mia, alteração do nível de consciência e des-
patogênicos. Principais etiologias da diarreia conforto respiratório.
aguda infecciosa: Clostridium perfringens,
Clostridium difficile, Staphylococcus aureus, 3. Diagnóstico
Vibrio cholerae, Aeromonas sp., Escherichia Geralmente, devido ao curso rápido e
coli (enterotoxigênica, enteropatogênica, benigno da maioria dos casos, não há necessi-
enteroinvasiva e êntero-hemorrágica), Giardia dade de exames laboratoriais para os pacientes
sp., rotavírus, Cryptosporidium sp., Shigella, com diarreia aguda. No entanto, a investigação
Salmonella, Yersinia, entre outros. Exemplos complementar se faz necessária nos seguintes
de causas não infecciosas: uso de laxativos, casos:
retocolite ulcerativa, doença de Crohn, sín- - Quadro grave com desidratação;
drome do intestino irritável, intolerância a lac- - Presença de toxemia;
tose e doença celíaca. - Dor abdominal importante;

88
Diarreias agudas

- Presença de sangue, pus ou muco nas fezes; são recomendados quando o paciente tem
- Febre; mais de 5 evacuações por dia.
- Pacientes imunossuprimidos ou idosos. Os agentes probióticos visam ajudar a reco-
lonização da flora intestinal. Seu uso é contro-
Os exames solicitados devem ser hemo- verso e não indicado de rotina por ausência de
grama, função renal, eletrólitos, coprocultura, comprovação científica de seus benefícios.
exame parasitológico de fezes (suspeita de diar- Agentes antimicrobianos geralmente não
reia parasitária), pesquisa de leucócitos e san- são necessários. Alguns pacientes, no entanto,
gue nas fezes, pesquisa de toxina de C. difficile têm indicação precoce de seu uso. Os pacientes
(em pacientes com histórico recente de inter- com febre, fezes sanguinolentas com muco ou
nação hospitalar e uso de antibióticos), e pes- pus, os com diarreia persistente ou os com risco
quisa de rotavírus. de vida devem receber antibióticos. Imunossu-
A realização da retossigmoidoscopia ou primidos, idosos ou diabéticos geralmente tam-
colonoscopia deve ser reservada para pacien- bém terão indicação desse tratamento.
tes com sangramento volumoso ou persistente, O tratamento empírico pode ser feito com
sem definição etiológica. sulfametoxazol-trimetoprima ou quinolonas,
ciprofloxacino (500mg VO de 12/12h) ou nor-
4. Tratamento floxacino (400mg VO de 12/12h) por 3 a 5 dias.
Em pacientes com alergia ou contraindicação
O tratamento da diarreia aguda visa corrigir de quinolonas, pode ser feito cefuroxima (250
as principais alterações induzidas pela doença, a 500mg VO de 12/12h).
como reposição de volume, correção de distúr-
Tabela 1 - Tratamento antimicrobiano específico
bios hidroeletrolítico e acidobásico e eventual conforme as principais etiologias
desnutrição.
Etiologias Antimicrobianos
As soluções de reidratação oral caseiras
Escherichia Sulfametoxazol-trimetoprima ou
ou industrializadas são indicadas em casos de coli quinolonas por 3 dias
diarreia intensa, e apresentam altas taxas de
Sulfametoxazol-trimetoprima ou
sucesso na reposição hídrica e de eletrólitos. Salmonella
quinolonas por 7 dias (em pacien-
Para o preparo, deve-se acrescentar 1 litro de não typhi
tes com sinais de gravidade)
água filtrada, 4 colheres (sopa) de açúcar e 1 Clostridium Metronidazol ou vancomicina via
colher (chá) de sal. O volume oferecido deve difficile oral por 10 dias
ser semelhante às perdas. Vibrio chole- Tetraciclina ou doxiciclina em dose
A hidratação parenteral é indicada para rae única
pacientes hipotensos ou taquicárdicos, com Sulfametoxazol-trimetoprima ou
Shigella
vômitos intensos, com desidratação grave ou quinolonas por 3 dias
incapazes de fazer a reposição por via oral. Giardia Metronidazol por 7 dias
Recomendam-se expansões rápidas com soro Campylobac-
Eritromicina por 5 dias
fisiológico até a melhora do quadro. ter jejuni
Os agentes antidiarreicos não devem ser Entamoeba
Metronidazol por 10 dias
prescritos de rotina. Seu uso visa apenas ao alí- histolytica
vio dos sintomas e à diminuição da frequência
das evacuações. São contraindicados a pacien-
tes com diarreias com sangue, muco ou pus,
pelo risco de megacólon tóxico. Alguns medica-
mentos podem ser usados com essa finalidade.
Exemplos: loperamida e codeína. Geralmente,

89
20
Ascite
Giselle Amado Boumann

1. Conceitos A classificação da ascite consiste na observa-


ção do volume abdominal:
Ascite é o acúmulo de líquido na cavidade - Ascite grau I (leve): não é observada ao
peritoneal. Inúmeras etiologias podem causar exame físico, é um achado ultrassonográ-
ascite, mas a mais comum, responsável por até fico;
80% dos casos, é a cirrose. É também um mar-
- Ascite grau II (moderada): há aumento dis-
cador prognóstico do paciente com cirrose, pois
creto do volume abdominal, com distensão
sua sobrevida após o 1º episódio de ascite é de
simétrica de todo o abdome;
aproximadamente 50% em 3 anos. Em ascite
- Ascite grau III: distensão abdominal muito
recorrente, a mortalidade é de 50% em 1 ano.
importante, um abdome globoso.

2. Etiologia e classificação 3. Quadro clínico


Tabela 1 - Etiologia e classificação da ascite No 1º contato com o paciente, alguns dados
- Cirrose; da história são fundamentais para a investiga-
- Hepatite alcoólica; ção diagnóstica, assim como para encontrar a
- Insuficiência hepática aguda; provável etiologia da ascite. Na investigação,
Hipertensão - Insuficiência cardíaca conges- deve-se questionar uso de drogas ilícitas, trans-
portal tiva; fusões, hábitos sexuais, tatuagens (fatores de
- Pericardite construtiva; risco para hepatite C), consumo de álcool (cir-
- Doença hepática veno-oclusiva; rose alcoólica), história familiar de doenças
- Esquistossomose. hepáticas, história sugestiva de tuberculose,
- Tuberculose; insuficiência cardíaca congestiva, entre outros.
- Peritonite fúngica; As principais alterações no exame físico
Doença perito-
- Neoplasias; do paciente com ascite são macicez móvel,
neal
- Gastrenterite eosinofílica; semicírculo de Skoda e sinal “do piparote”. No
- Diálise peritoneal. entanto, o exame físico pode ser inocente no
- Síndrome nefrótica; paciente com acúmulo de líquido <1.500mL.
- Gastroenteropatia perdedora Outros achados que podem estar presentes
Hipoalbuminemia
de proteínas; são circulação colateral, esplenomegalia e alte-
- Desnutrição grave. rações na hepatimetria. É essencial pesquisar
- Ascite quilosa; sinais de insuficiência cardíaca direita (estase
- Mixedema; jugular, refluxo hepatojugular) e hepatopatia
Outras
- Ascite pancreática; crônica (eritema palmar, telangiectasias, flap-
- Hemoperitônio.
ping, ginecomastia, icterícia, entre outros).

90
Ascite

4. Exames complementares teínas totais, desidrogenase láctica (DHL), glicose


e pH. O líquido deve ser mandado para cultura
A paracentese é um procedimento de sempre que houver suspeita de infecção (bacté-
extrema importância e deve ser feito rotinei- rias, fungos e micobactérias). Outros exames que
ramente no 1º episódio de ascite do paciente. podem ser solicitados, de acordo com a suspeição
Nos episódios subsequentes, as indicações são: clínica, são: citologia oncótica, amilase, adenosina
- Alívio dos sintomas nos paciente com as- deaminase (ADA) e triglicerídeos.
cite grau III e desconforto respiratório; O número de células é importante para o
- Ascite associada a febre, dor à palpação diagnóstico diferencial de peritonite bacteriana
abdominal, insuficiência renal ou alteração espontânea ou outras peritonites secundárias.
do nível de consciência. Sempre que necessário, deve-se calcular o
gradiente soro-ascite da albumina (GASA), que
Complicações da paracentese são raras, é o resultado da subtração da albumina sérica
mesmo em pacientes trombocitopênicos. menos albumina do líquido ascítico. Resultados
Quando presentes, as principais complicações maiores ou iguais a 1,1g/dL indicam ascite por
são sangramentos, hematomas e saída de hipertensão portal.
líquido ascítico pelo local da punção. A perfura- Exames de imagem como ultrassonografia
ção de alças seguida de peritonite secundária é e tomografia computadorizada podem ajudar
a complicação mais grave. na elucidação do diagnóstico etiológico, assim
A análise do líquido ascítico deve incluir citolo- como no acompanhamento de complicações
gia total e diferencial, dosagem de albumina, pro- pós-punção.

5. Diagnóstico diferencial
Tabela 2 - Análise do líquido ascítico e sua etiologia
Líquido ascítico
Etiologias Contagem de Outros exames
GASA leucócitos Aspectos
Ascite por cirrose ≥1,1g/dL <250/mm3 Amarelo-citrino Proteínas <2,5g/dL
Ascite por insufi-
≥1,1g/dL <250/mm3 Amarelo-citrino Proteínas >2,5g/dL
ciência cardíaca
Ascite nefrótica <1,1g/dL <250/mm3 Amarelo-citrino Proteínas <2,5g/dL
Ascite por peri- - Cultura positiva para ape-
tonite bacteriana ≥1,1g/dL ≥250/mm3 PMN* Turvo nas 1 micro-organismo;
espontânea - Proteínas <1g/dL.
- ADA >40UI;
<200/mm3 (pre- - Proteínas >3g/dL;
Ascite por perito- <1,1g/dL ou
domínio de linfó- Turvo - BAAR negativo;
nite tuberculosa ≥1,1g/dL - Cultura sensibilidade de 20
citos)
a 80%.
Ascite por perito- Cultura geralmente de Gram
>100/mm3 (>50%
nite associada a <1,1g/dL Turvo positivos (associado ao cate-
de PMN*)
diálise peritoneal ter)
- Cultura com crescimento
de 2 ou mais micro-organis-
Peritonite bacte- <1,1g/dL ou mos;
≥250/mm3 PMN Turvo - Proteínas >1g/dL;
riana secundária ≥1,1g/dL - Glicose <50mg/dL;
- DHL superior níveis séricos
normais.

91
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

Líquido ascítico
Etiologias Contagem de Outros exames
GASA leucócitos Aspectos
Ascite pancre- - Amilase >1.000UI/L;
<1,1g/dL Variável Turvo
ática - Proteínas >3g/dL.
- Triglicérides >200mg/dL;
Ascite quilosa <1,1g/dL Variável Leitoso
- Proteínas 2,5g a 7g/dL.
Possivelmente san-
Ascite maligna ≥1,1g/dL <250/mm3 PMN Citologia oncótica positiva
guinolenta
PMN: polimorfonucleares.

6. Tratamento
O tratamento da ascite depende da etiologia e dos sintomas do paciente.
A ascite por hipertensão portal, com GASA ≥1,1g/dL, requer o seguinte tratamento e orienta-
ções:
- Dieta hipossódica: medida que consegue controlar até 20% das ascites; recomenda-se uso de
2g/d de sal na dieta;
- Restrição hídrica: é recomendada em pacientes com hiponatremia dilucional (Na <120mEq/L);
o volume recomendado deve ser de 800mL/d;
- Uso de diuréticos: devem ser usados nos pacientes com ascites grau II e III; inicia-se com espi-
ronolactona (100 a 200mg/d – máximo 400mg/d) e pode ser associada a furosemida (40mg/d
– máximo 160mg/d);
- Paracentese de alívio: é importante lembrar que na retirada de mais de 5 litros de líquido
ascítico, há indicação de infusão de albumina (8 a 10g de albumina por litro removido);
- TIPS (Transjugular Intrahepatic Portosystemic Shunt): é indicado em pacientes com ascite
recorrente que requerem paracenteses frequentes (mais de 3 procedimentos por mês) ou em
pacientes com contraindicação de paracentese.

92
21
Peritonite bacteriana espontânea
Giselle Amado Boumann

1. Conceito lado no frasco de hemocultura à beira do leito


imediatamente após a punção para aumentar a
A Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE) positividade.
é a infecção bacteriana do líquido ascítico na A confirmação do diagnóstico só é feita por
ausência de foco de infecção intra-abdominal. meio do crescimento de 1 bactéria no líquido
Ocorre, assim, por translocação bacteriana, ascítico (mais de 1 micro-organismo afasta PBE)
principalmente por Escherichia coli. em associação à contagem de polimorfonucle-
A PBE tem alta mortalidade, de até 40%, no ares (PMNs) acima de 250/mm3.
1º episódio, após o qual a mortalidade pode Apenas a contagem de PMNs não confirma
chegar a 70% em 2 anos. o diagnóstico, mas já é indicação de início de
terapia empírica. Vale lembrar que até 50% dos
2. Quadro clínico casos de PBE podem ter cultura negativa.
Os pacientes que apresentam PMNs abaixo
Os sintomas são geralmente vagos, e 30%
de 250/mm3 associados a cultura positiva têm
dos pacientes são assintomáticos no momento
indicação de repetir a punção, devido ao alto
do diagnóstico. Apesar de serem os sintomas
risco de evoluir para PBE.
mais comuns, febre e dor abdominal podem
Já aqueles com PMNs acima de 250/mm3 e
estar ausentes. Algumas queixas observadas
com cultura positiva para mais de 1 micro-orga-
são astenia, piora da ascite, alteração do nível
nismo devem ser tratados como Peritonite Bac-
de consciência e mialgia.
teriana Secundária (PBS), a qual deve ser con-
O principal fator de risco é a presença de
siderada quando o paciente com diagnóstico
doença hepática avançada. Cirróticos com
inicial de PBE tem piora importante, mesmo
hemorragia digestiva alta têm 20% de chance
em vigência de antibiótico. O tratamento defi-
de apresentarem PBE no ato da admissão hos-
nitivo, em muitos casos, é cirúrgico.
pitalar e até 40% durante a internação. Outros
Uma situação interessante e não incomum
fatores de risco são infecção urinária e presença
entre os hepatopatas é o empiema bacteriano
de dispositivos invasivos (translocação), proteí-
espontâneo. Decorre de infecção do líquido
nas no líquido ascítico <1g/dL e episódio ante-
rior de PBE (recorrência de 75% em 2 anos). pleural (hidrotórax hepático) acumulado pela
passagem livre do líquido ascítico por fenestra-
ções diafragmáticas. As ponderações já feitas
3. Diagnóstico para PBE são as mesmas para o empiema bacte-
É obrigatória a paracentese diagnóstica na riano espontâneo, exceto o critério diagnóstico:
suspeita da PBE. O material sempre deve ser no empiema, o diagnóstico será sugerido se a
enviado para cultura, preferencialmente inocu- contagem de PMNs for superior a 500/mm3.

93
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

4. Tratamento
Pacientes com suspeita clínica de PBE devem
ter o líquido ascítico removido o máximo possí-
vel. A antibioticoterapia empírica deve ser ini-
ciada logo após a suspeição.
O tratamento de escolha é feito com cefa-
losporinas de 3ª geração, principalmente a
cefotaxima (2g IV de 8/8h), fármaco que atinge
as maiores concentrações no líquido ascítico,
ou ceftriaxona (2g IV 1x/d). O tempo de trata-
mento é, geralmente, de 5 dias. Outra opção
é o uso de amoxicilina-clavulanato, por até
2 semanas. As quinolonas (ciprofloxacino ou
ofloxacino) podem ser usadas, mas conferem
maior chance de desenvolver resistência e falha
terapêutica. A proibição para seu uso empírico
é ao paciente que já fazia uso de profilaxia com
norfloxacino ou ciprofloxacino.
A paracentese de controle deve ser feita em
48 horas e tem como objetivo observar o declí-
nio no número de PMNs em 25% ou mais. Se
essa resposta não ocorrer, deve-se considerar
falha terapêutica ou PBS.
Uma conduta que melhorou a sobrevida des-
ses pacientes foi a administração de albumina.
A dose a ser feita é de 1,5g/kg no momento do
diagnóstico, seguida de 1g/kg no 3º dia de tra-
tamento.
Na suspeita de PBS, o esquema antimicro-
biano deve ser eficaz também contra anaeró-
bios e enterococos.

5. Profilaxia
Após o 1º episódio de PBE, o paciente
tem indicação de profilaxia com norfloxacino
(400mg/d) ou ciprofloxacino (750mg 1x/sem).
Paciente com cirrose e hemorragia digestiva
alta, com ou sem ascite, deve fazer uso de nor-
floxacino (400mg, de 12/12h) por 7 dias.

94
22
Crise tireotóxica
Eduardo Melges Cruz de Lucas / Fabrício Martins Valois

1. Conceitos xos proteicos que irão atuar no núcleo celular


estimulando a síntese de enzimas envolvidas
A crise tireotóxica, também chamada de no metabolismo.
tempestade tireoidiana, corresponde à exacer- Além de aumentarem a taxa metabólica
bação aguda dos sinais e sintomas associados basal, acarretam maior responsividade tecidual
ao hipertireoidismo (tireotoxicose), levando a às catecolaminas, levando ao aumento da ativi-
um quadro de hipermetabolismo e descarga dade adrenérgica.
adrenérgica intensa, com repercussão sistê- Acredita-se que a crise tireotóxica seja con-
mica. De forma geral, a presença de crise tire- sequência no aumento súbito da concentração
otóxica denota a falência dos mecanismos cor- da forma livre desses hormônios, independen-
póreos de compensação da tireotoxicose. temente da concentração total anterior.
Trata-se de condição clínica rara (presente A crise tireotóxica pode ocorrer em paciente
em 2% dos casos de tireotoxicose) e grave, com com tireotoxicose prévia, mas pode ser a apre-
mortalidade que chega a 30% quando não iden- sentação inicial de doença tireoidiana não
tificada e tratada. diagnosticada até então. As principais causas de
tireotoxicose são: doença de Graves, adenoma
2. Fisiopatogenia tóxico, bócio multinodular tóxico, pós-operató-
rio de cirurgia tireoidiana e ingestão excessiva
Os hormônios tireoidianos têm a função de de hormônio tireoidiano. As situações que mais
elevar a taxa metabólica celular. São sintetizados frequentemente descompensam a tireotoxi-
e armazenados na glândula tireoide nas formas cose são cirurgia e infecções (Tabela 1).
de T4 e T3 (tetraiodotironina e triodotironina,
respectivamente). O iodo é elemento essencial Tabela 1 - Fatores precipitantes de crise tireotó-
xica
da sua composição. A oferta de iodo estimula
tanto a liberação quanto a síntese dos hormô- - Cirurgias;
nios. Em doses muito altas, porém, passa a ser - Infecções;
inibitório (efeito Wolff-Chaikoff). Um exemplo - Doenças sistêmicas;
é o hipotireoidismo induzido pela amiodarona, - Infarto do miocárdio;
droga que contém iodo em sua estrutura. - Acidente vascular encefálico;
Tanto o T4 quanto o T3 estão presentes no - Trauma;
plasma na forma ligada a proteínas e na forma - Cetoacidose diabética;
livre, predominando a forma ligada, menos
- Uso de contraste radiológico iodado ou amiodarona;
ativa que a livre. No meio intracelular, o T3 (T4
- Interrupção de antitireoidianos;
é convertido em T3 no citoplasma) interage
com receptores nucleares, formando comple- - Eclâmpsia.

95
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

3. Apresentação clínica Efeito no sistema nervoso central Pontos


Moderado (delirium, psicose, letargia) 20
Os dados clínicos de pacientes com crise
tireotóxica são muito valorizados, pois seu Grave (convulsão, coma) 30
diagnóstico é basicamente clínico. Disfunção gastrintestinal/hepática Pontos
Os sintomas decorrem do hipermetabolismo Ausente 0
e da atividade simpática aumentada, sendo a Moderada (dor abdominal, diarreia, vô-
10
apresentação clínica decorrente de seu efeito mitos)
na termorregulação e sobre os sistemas ner- Grave (icterícia) 20
voso, cardiovascular e gastrintestinal. Na maio- Disfunção cardiovascular (taquicardia
– bpm) Pontos
ria das vezes, esses indivíduos apresentam
febre e alteração do estado mental (agitação ou 90 a 109 5
rebaixamento), com graus variáveis de: 110 a 119 10
- Sudorese intensa, tremores, diarreia, náu- 120 a 129 15
seas, vômitos, icterícia; 130 a 139 20
- Taquicardia sinusal, taquiarritmias supraven- >140 25
triculares (fibrilação atrial é a mais comum), Insuficiência cardíaca Pontos
hipertensão arterial e, nos casos mais graves,
Ausente 0
insuficiência cardíaca de alto débito;
Leve (edema de membros inferiores) 5
- Perda ponderal e caquexia são frequentes;
- Sinais da doença tireoidiana de base: exof- Moderada (estertores em bases) 10
talmia, bócio, miopatia proximal. Grave (edema agudo de pulmão) 15
Fibrilação atrial Pontos
Considerando a importância do quadro Ausente 0
clínico para o diagnóstico definitivo, foram
Presente 10
propostos critérios diagnósticos, sendo o de
Fatores precipitantes Pontos
Burch e Wartofsky o mais utilizado (Tabela 2). O
escore baseia-se em pontuação de acordo com Negativo 0
os seguintes parâmetros clínicos: temperatura, Positivo 10
efeitos no sistema nervoso central, disfunção Pontuação:
gastrintestinal, frequência cardíaca, presença - <25: crise improvável;
da insuficiência cardíaca, presença de fibrilação - 25 a 44: crise iminente;
- >45: crise tireotóxica.
atrial e de evento precipitante.
Tabela 2 - Escore de Burch e Wartofsky para crise
tireotóxica
4. Laboratório
Disfunção termorregulatória (tempe- Diferente do considerado para a tireoto-
ratura) Pontos
xicose em geral, a avaliação hormonal tem
37 a 37,7°C 5 menor importância na crise tireotóxica: TSH
37,8 a 38,1°C 10 e dosagem dos hormônios tireoidianos têm
38,2 a 38,5°C 15 pouca utilidade, pois não costumam ter valores
38,6 a 38,8°C 20 diferentes daqueles do hipertireoidismo não
38,9 a 39,2°C 25
complicado (TSH suprimido e elevação de T3 e
T4).
>39,3°C 30
Todo paciente com suspeita de crise tireo-
Efeito no sistema nervoso central Pontos
tóxica deve ser investigado quanto à possibi-
Ausente 0 lidade de infecção (urina I, culturas, raio x de
Leve (agitado) 10 tórax, hemograma) e anormalidades eletro-

96
Crise tireotóxica

líticas (hipercalcemia/hipocalemia), glicemia - Controle das manifestações cardiovascu-


(hiperglicemia), função hepática (elevação de lares: uso de betabloqueadores está indi-
TGO, TGP e bilirrubinas), creatinofosfoquinase cado para controle da taquicardia, exceto
e eletrocardiograma. nos casos em que houver insuficiência car-
Os principais diagnósticos diferenciais envol- díaca descompensada associada. Propra-
vem doenças em que há hipertermia e/ou nolol é uma boa opção, já que pode ser ad-
aumento da atividade simpática: ministrado por via intravenosa (1mg/dose
- Hipertermia maligna; em bolus; repetir conforme resposta) e oral
- Síndrome neuroléptica maligna; de manutenção (40 a 80mg de 3 a 4x/d).
- Feocromocitoma;
Diltiazem ou verapamil (bloqueadores dos
- Intoxicação exógena com agentes adrenér-
canais de cálcio) constituem opção para pacien-
gicos ou anticolinérgicos;
tes com contraindicações para betabloqueado-
- Sepse.
res, desde que não haja disfunção ventricular
concomitante.
5. Tratamento Já as arritmias – fibrilação atrial e outras
A base do tratamento da crise tireotóxica taquiarritmias supraventriculares – devem ser
consiste no uso de agentes antitireoidianos (ini- manejadas do mesmo modo que em outros
bição da síntese e secreção dos hormônios) e contextos clínicos. A insuficiência cardíaca pode
nas medidas de suporte para controle da hiper- ser manejada com digoxina, mas se houver
termia das alterações decorrentes do estado choque cardiogênico há necessidade de inotró-
hiperadrenérgico, principalmente as cardio- picos e aminas vasoativas.
vasculares (taquicardia, hipertensão e arrit-
mias). A crise tireotóxica deve ser manejada em
B - Tratamento específico
ambiente de terapia intensiva, com o paciente As opções farmacológicas do tratamento
monitorizado. A identificação e a correção de antitireoidiano são as mesmas do hipertireoi-
fatores precipitantes são essenciais. dismo compensado, porém no caso da crise
tireotóxica as doses são maiores e mais fre-
A - Medidas gerais quentes.
- Controle da hipertermia: a droga de esco- a) Antitireoidianos
lha é a dipirona, em doses de 1g até 4x/d.
São representados pelas tionamidas, drogas
Pode ser utilizado paracetamol caso haja
que inibem a enzima tireoperoxidase, responsá-
alergia a dipirona. Não deve ser utilizada
vel pela formação dos hormônios tireoidianos.
Aspirina® ou outros anti-inflamatórios não
Inibem a síntese, mas não afetam a liberação
esteroides, pois estes aumentam a fração li- do hormônio já formado. Existem 2 fármacos
vre dos hormônios tireoidianos no plasma. disponíveis: propiltiouracil e metimazol. O pro-
Resfriamento por meio de medidas não piltiouracil tem preferência sobre o metimazol
farmacológicas pode ser necessário, sendo por apresentar atividade inibitória na conversão
obtido pelo uso de compressas frias; periférica de T4 em T3. Ambos deverão ser admi-
- Reposição volêmica: devido a hiperter- nistrados por via oral (ou sonda enteral) ou retal.
mia, sudorese e diarreia, é frequente a Não existem formulações para via intravenosa.
desidratação grave e a insuficiência renal As doses utilizadas são, respectivamente:
pré-renal, sendo a reposição volêmica in- - Propiltiouracil: ataque 0,8 a 1,2g; manu-
travenosa com solução fisiológica neces- tenção 0,2 a 0,3g, de 6/6 ou 4/4h;
sária, exceto em caso de edema agudo de - Metimazol: 20mg de 4/4h. Após revertida
pulmão cardiogênico; a crise, reduzir frequência para 1x/d.

97
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

b) Glicocorticoides
Inibem a conversão de T4 em T3 e podem ser
úteis em pacientes com doença de Graves que
apresentem insuficiência adrenal associada.
Administrar hidrocortisona intravenosa em
ataque de 300mg e manutenção de 100mg de
6/6h. Outra opção é o uso de dexametasona, 2
a 4mg de 6/6h.
c) Iodo
Nos casos de pacientes alérgicos às tionami-
das ou que apresentem agranulocitose, a inibi-
ção da função tireoidiana com sobrecarga de
iodo (efeito Wolff-Chaikoff) é uma opção viável.
Administrado na forma de contraste iodado ou
solução de lugol.
Se o iodo for utilizado como tratamento
adjuvante nos pacientes que receberam antiti-
reoidianos, fazê-lo ao menos 1 hora depois do
bloqueio da síntese hormonal, garantindo que
não seja substrato para fabricação de mais T4
e T3.
d) Lítio
Na situação de alergia tanto ao iodo quanto
aos antitireoidianos, o carbonato de lítio pode
ser utilizado para bloquear a liberação de hor-
mônio tireoidiano. Trata-se de último recurso,
uma vez que as toxicidades renal e neurológica
limitam seu uso.
e) Cirurgia
A tireoidectomia é uma possibilidade tera-
pêutica para os pacientes sem possibilidade
de uso das tionamidas. Quando indicada, deve
ser precedida por um período de 5 a 7 dias de
tratamento da tireotoxicose, com betabloque-
ador, corticoide, além de, nos casos de doença
de Graves, iodo.

98
23
Cetoacidose diabética e estado
hiperosmolar hiperglicêmico
Fabrício Martins Valois

1. Introdução haverá dificuldade em utilização da glicose, pro-


movendo, assim, aumento da gliconeogênese
As complicações hiperglicêmicas do Diabe- e da glicogenólise. Assim, haverá descontrole
tes Mellitus (DM) podem se apresentar, agu- progressivo da glicemia e, portanto, estímulo à
damente, de 2 formas: cetoacidose diabética diurese osmótica excessiva, promovendo desi-
(CAD) e Estado Hiperglicêmico Hiperosmolar dratação de distúrbios eletrolíticos.
não cetótico (EHH). Nessas situações, as eleva- Na CAD, essa evolução habitualmente é
ções agudas e sustentadas da glicemia geram rápida, e complicada por anormalidades impor-
anormalidades metabólicas e com repercus- tantes no metabolismo lipídico. Como há pro-
são sistêmica importante, potencialmente dução muito reduzida de insulina (ou supri-
fatais. mida), há um desequilíbrio na balança insu-
Alguns aspectos da fisiopatogenia e do tra- lina–glucagon, de forma que os baixos níveis de
tamento dessas síndromes são muito similares, insulina não são suficientes para inibir a produ-
mas há peculiaridades em seu manejo, con- ção de glucagon. Há deficiência na inibição da
forme será discutido a seguir. lipase hormônio-sensível pela falta de insulina,
com diminuição da atividade da enzima malo-
2. Cetoacidose diabética nil-CoA, que deixa de inibir a carnitina-palmitoil
transferase; dessa forma, há estímulo para o
A - Conceito e fisiopatogenia transporte de ácidos graxos para o interior da
A CAD responde por até 8% das internações mitocôndria para serem metabolizados, cul-
hospitalares por DM, geralmente complicando minando na produção de ácido aceto-acético,
o curso clínico de pacientes com DM tipo 1. De acetona e ácido beta-hidroxibutírico – cetose.
fato, é infrequente o diagnóstico em pacientes O acúmulo de ácidos recém-formados gera o
com DM tipo 2; quando ocorre, geralmente é estado de acidemia, com consumo do bicarbo-
causado por estresse sistêmico importante. nato sérico.
Como se relaciona prioritariamente ao DM tipo A acidemia costuma promover repercussão
1, a CAD pode se apresentar como manifesta- clínica importante e precoce, antes mesmo
ção inicial em até 30%, principalmente em ida- que os níveis glicêmicos possam atingir valores
des precoces. como os vistos em indivíduos com EHH.
Por definição, corresponde a complicação do O fato de a deficiência de produção de
DM, na qual há hiperglicemia, acidemia e pro- insulina ser importante na fisiopatologia da
dução excessiva de corpos cetônicos. CAD explica a razão de ser uma complicação
O mecanismo central para o surgimento é a bem mais frequente dentre pacientes com
deficiência de insulina. Nos tecidos periféricos, DM tipo 1.

99
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

B - Fatores desencadeantes Avaliar a etiologia (dependendo da suspeita)


Os 2 fatores mais relacionados são infecção Eletrocardiograma, radiografia de tórax, enzimas
(em até 50% dos casos) e a baixa adesão ao tra- cardíacas, tomografia de crânio, culturas
tamento (até 30% dos casos). Outra situação
A leucocitose pode estar presente pelo
não incomum é a primodescompensação (em
estresse metabólico e nem sempre sugere
20% dos casos), muito frequente no DM tipo 1.
infecção; nos exames iniciais, se há desidra-
Os quadros infecciosos promovem aumento
tação importante, pode ser identificada ele-
da resistência periférica a insulina e liberação
vação do hematócrito, ureia e creatinina. A
significativa de hormônios contrarreguladores.
osmolaridade pode ser calculada por meio da
A rigor, qualquer foco infeccioso tem potencial
fórmula:
de promover descontrole da glicemia, podendo
levar à CAD. Osmolaridade = (2 x Na) + (glicose/18)
Outros fatores implicados são cirurgias, trau-
mas, doenças vasculares, uso abusivo de álcool, A faixa de normalidade está entre 285 e
fármacos (corticoides, betabloqueadores) e 295mOsm/kg, e valores acima de 320mOsm/kg
doenças intra-abdominais (pancreatite, colecis- associam-se a anormalidades importantes no
tite, apendicite etc.). nível de consciência.
Os níveis de potássio devem ser avaliados à
C - Apresentação clínica admissão e durante o tratamento da CAD. Pela
Os pacientes geralmente apresentam qua- diurese osmótica, há espoliação de potássio
dro de instalação aguda. Geralmente estão corpóreo; no entanto, o organismo lança mão
desidratados, por efeito da diurese osmótica, de um mecanismo compensatório, facilitado
com repercussão hemodinâmica variável – pela falta de insulina, que é a transferência do
podem existir hipotensão e taquicardia. Altera- potássio do meio intracelular para o extracelu-
ção do nível de consciência é possível em qua- lar. Assim, habitualmente os níveis de potássio
dros mais graves. dos pacientes com CAD apresentam-se dentro
A acidemia pode gerar taquipneia, ritmo res- da faixa de normalidade, mas com o potássio
piratório de Kussmaul e, caracteristicamente, corpóreo total reduzido. De fato, aqueles com
hálito cetônico. potássio baixo já à admissão certamente têm
A presença de dor abdominal é frequente e comprometimento importante da reserva cor-
nem sempre indica doença gastrintestinal asso- pórea do cátion.
ciada; do contrário, a febre é uma manifestação O sódio habitualmente apresenta concentra-
não habitual da CAD, e sua presença deve motivar ção reduzida pelo fluxo de água do ambiente
a busca por infecção como fator desencadeante. intracelular para o extracelular – hiponatremia
dilucional. Os níveis de sódio medido podem
D - Avaliação laboratorial estar menores que o valor real, por influência
A Tabela a seguir enumera exames comple- da glicemia. Assim, os valores devem ser corri-
mentares importantes na avaliação de pacien- gidos por meio da seguinte fórmula:
tes com CAD.
Na corrigido = Na dosado +
Tabela 1 - Exames complementares [1,6 x (glicemia - 100)/100]
Avaliar a repercussão
- Hemograma, glicemia, ureia, creatinina, sódio, E - Diagnóstico
potássio, cloro, osmolaridade, cetonemia, gaso-
metria arterial; A Sociedade Brasileira de Diabetes sugere,
- Cetonúria; como diagnóstico:
- Eletrocardiograma (hipercalemia). - Glicemia >250mg/dL;

100
Cetoacidose diabética e estado
hiperosmolar hiperglicêmico

- Acidemia – pH arterial ≤7,3 e bicarbonato No momento em que a glicemia capilar atin-


sérico ≤115mEq/L; gir 250mg/dL, se a cetoacidose estiver mantida,
- Cetose – cetonúria ou cetonemia. deve-se associar glicose ao soro para evitar
hipoglicemia.
A gravidade é caracterizada pelo grau de aci-
demia: b) Insulinoterapia
- CAD leve: pH = 7,25 a 7,3; A oferta de insulina na CAD moderada a
- CAD moderada: pH = 7 a 7,24; grave deve acontecer sempre por via intrave-
- CAD grave: pH <7. nosa; nos casos leves, ou naqueles sem acide-
mia, a oferta pode ocorrer por via subcutânea.
O diagnóstico diferencial contempla situa-
Apenas insulinas de ação rápida devem ser uti-
ções como cetoacidose de jejum ou alcoólica
lizadas.
(glicemia normal), cetose diabética (cetonemia
A insulina deve ser iniciada associada a hidra-
e hiperglicemia, sem acidemia; representa fase
tação venosa, exceção feita aos casos em que
precoce da CAD), acidose láctica, intoxicação
o potássio sérico estiver menor que 3,3mEq/L,
por ácido acetilsalicílico (glicemia dentro da
pelo risco de evolução para hipocalemia grave.
faixa de normalidade).
A insulina deve ser ofertada em bomba de
Em alguns casos raros, a CAD pode apresen-
infusão contínua:
tar-se sem hiperglicemia pronunciada, como
- Bolus inicial de 0,15U/kg;
visto em pacientes com jejum prolongado, ges-
- Manutenção com infusão de 0,1U/kg/h,
tação ou insuficiência hepática.
com ajustes conforme a glicemia.
F - Tratamento
A redução da glicemia deve ser de 50 a
Os pacientes com cetose diabética sem aci- 75mg/dL/h. Caso a queda seja maior, a infu-
demia podem ser tratados com hidratação e são pode ser reduzida pela metade; se menor,
insulina subcutânea, sendo prescindível a inter-
dobra-se a velocidade.
nação. Os pontos fundamentais no tratamento
Quando a glicemia atinge valores abaixo de
são hidratação, reposição de potássio e insuli-
250mg/dL, a velocidade de infusão deve ser
noterapia.
reduzida, mas a bomba de insulina somente
a) Hidratação venosa será desligada se a cetoacidose estiver contro-
A hidratação venosa inicial é feita com solu- lada; caso contrário, deve-se associar glicose ao
ção salina isotônica a 0,9%, com o objetivo esquema, para evitar hipoglicemia, enquanto a
de restaurar a volemia e melhorar a perfusão acidemia é controlada. Os parâmetros que indi-
renal. A hidratação, por si, já é capaz de reduzir cam o controle da cetoacidose e, assim, permi-
a glicemia em até 25%, com certa melhora da tem a cessação da oferta de insulina em bomba
acidemia. são:
Há necessidade de acesso venoso periférico - Glicemia controlada (<250mg/dL);
calibroso, sendo infundido volume de 1L a 1,5L - pH arterial >7,3;
na 1ª hora; se houver hipotensão, nova fase - Bicarbonato arterial ≥18mEq/L;
rápida deve ser ofertada. Caso inexista hipoten- - Ausência de cetonemia (se disponível).
são, a hidratação dependerá do sódio corrigido:
se estiver baixo, serão mantidos de 4 a 14mL/ A avaliação da cetonemia não pode ser subs-
kg/h com salina a 0,9%; se estiver normal ou tituída pela cetonúria, pois esta se normaliza
elevado, de 4 a 14mL/kg/h com salina a 0,45%. somente horas após o controle da cetoacidose.
A osmolaridade plasmática deve ser monitori- Respeitados os critérios citados, inicia-se
zada, evitando-se quedas superiores a 3mOsm/ oferta de insulina por via subcutânea, para
kg/h. evitar que o indivíduo tenha um período sem

101
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

cobertura terapêutica com insulina; após 2 pela manhã (2/3 de NPH e 1/3 de regular) e 1/3
horas da oferta da 1ª dose da insulina regular, a pela noite (1/2 de NPH e 1/2 de regular).
bomba, enfim, poderá ser desligada.
G - Complicações
c) Reposição de potássio
As principais complicações e seu tratamento
Como dito, os pacientes com CAD apre- são hipoglicemia, edema cerebral e hipocale-
sentam nível sérico de potássio elevado com mia. Todas serão evitadas, como já descrito,
potássio corpóreo total baixo. Nos pacientes caso a abordagem dos pacientes com CAD seja
com diurese mantida, a perda de potássio é protocolar, respeitando a sequência de eventos
contínua, e deve ser controlada. Assim, a repo- no tratamento na sala de emergência.
sição de potássio deve ser feita com o seguinte
critério:
- K >5mEq/L: não repor;
3. Estado hiperosmolar hiper-
- K = 3,3 a 5mEq/L: 20 a 30mEq para cada glicêmico
litro de soro;
- K <3,3mEq/L: a reposição de insulina deve A - Conceito e fisiopatogenia
ser evitada, pois pode reduzir ainda mais Diferente da CAD, mais comum em indiví-
o potássio com risco elevado de arritmias; duos com diabetes tipo 1, o EHH é caracterís-
devem ser repostos de 20 a 30mEq em 1L tico dos pacientes com DM tipo 2. O EHH não
de cristaloide, com nova dosagem em 1 cursa com acidose, podendo apresentar níveis
hora. de glicemia acima de 800mg/dL.
d) Bicarbonato A fisiopatogenia é muito semelhante à da
CAD; o que as distingue é a produção mantida
O bicarbonato representa terapia de exce-
de insulina nos pacientes com DM tipo 2. Eles
ção na CAD. Só estará indicado se houver aci-
aumentam a glicogenólise e gliconeogênese,
demia grave:
sem estímulo à lipólise excessiva, como visto na
- pH = 6,9 a 7: ofertar 50mEq de bicarbonato
CAD. Assim, a acidemia não será observada e o
(50mL de bicarbonato a 8,4% em 100mL de
descontrole da glicemia terá piora progressiva
salina isotônica, com infusão em 2 horas);
com o passar do tempo.
- pH <6,9: ofertar 100mEq de bicarbonato.
Com a elevação progressiva da glicemia,
Após a oferta do bicarbonato, nova gasome- esses pacientes evoluem para um estado hipe-
tria deve ser avaliada. rosmolar e de desidratação intensa, pela diu-
rese osmótica. É nesse estado que os pacien-
e) Outras recomendações tes habitualmente se apresentam no setor de
O fósforo sérico tem sua reposição contro- emergência.
versa na CAD, sendo recomendado apenas nas Da mesma forma que na CAD, os fatores pre-
seguintes situações: níveis <1mEq/L ou se hou- cipitantes principais são infecção, falta de ade-
ver insuficiência cardíaca congestiva ou insufi- são ao tratamento e doenças cardiovasculares.
ciência respiratória associada.
Após a resolução da CAD e a transição para B - Apresentação clínica
insulina subcutânea, a hidratação deve ser Diferente da CAD, os pacientes com EHH têm
mantida até a resolução dos distúrbios ele- evolução insidiosa, com poliúria, polidipsia e
trolíticos, e a dieta do paciente, liberada. Os astenia. É muito frequente o relato de acesso
pacientes que já se sabiam diabéticos devem difícil à água, por limitação funcional, agra-
ter a mesma dose novamente introduzida; nos vando ainda mais o estado de desidratação e
demais, recomenda-se 0,6U/kg/d, ofertada 2/3 de hiperosmolaridade.

102
Cetoacidose diabética e estado
hiperosmolar hiperglicêmico

Dependendo dos níveis da osmolaridade


sérica, os pacientes com EHH podem apresen-
tar-se com alterações importantes do estado
mental ou mesmo com sinais localizatórios ou
crises convulsivas.

C - Diagnóstico
A Sociedade Brasileira de Diabetes sugere
critérios para a adequada caracterização do
EHH:
- Hiperglicemia (>600mg/dL);
- Hiperosmolaridade (>320mEq/L);
- Ausência de acidose (pH >7,3 e bicarbo-
nato >18mEq/L);
- Ausência de cetose.

D - Tratamento
O tratamento segue, em linhas gerais, os
mesmos aspectos discutidos para a CAD no que
diz respeito a hidratação, reposição de potássio
e insulinoterapia. Os critérios de resolução são:
- Osmolaridade <315mOsm/kg;
- Glicemia <300mg/dL;
- Paciente em bom estado geral, vígil e hidra-
tado.

Um aspecto que distingue a CAD do EHH no


tratamento é o uso de bicarbonato; enquanto
pode ser considerado em alguns casos de CAD,
é prescindível no EHH.

103
24
Insuficiência renal aguda
Fabrício Martins Valois

1. Conceito são renal; intrínseca (ou renal), relacionada a


lesão do parênquima renal propriamente dito;
A Insuficiência Renal Aguda (IRA) é definida e pós-renal, secundária a obstrução ao fluxo
pela redução significativa e repentina da Taxa de urinário.
Filtração Glomerular (TFG), gerando retenção de
escórias, independente da causa ou do meca- Tabela 1 - Causas
nismo envolvido. De fato, são muitas as causas IRA pré-renal
relacionadas, mas os dados clínicos, as complica- Redução do débito cardíaco
ções e mesmo o tratamento são similares. - Insuficiência cardíaca;
A caracterização da IRA, rotineiramente, - Embolia pulmonar;
é feita por meio da identificação de elevação
- Hipertensão pulmonar;
nos valores séricos de creatinina, no entanto
- Ventilação mecânica;
há limitações práticas para o uso da creatinina
como marcador isolado da função renal, como - Trauma;
sugestão de valores de corte diferentes. Assim, - Redução do volume intravascular;
foram propostos alguns critérios, utilizando a - Desidratação (perdas por trato gastrintestinal,
variação dos níveis de creatinina, TFG e diurese. pele, rins, hemorragias);
Atualmente, conforme o KDIGO (Kidney Disease: - Choque;
Improving Global Outcomes), tem sido recomen- - Hipoalbuminemia;
dado considerar como definição de IRA: - Ascite e peritonite;
- Aumento da creatinina sérica >0,3mg/dL - Queimaduras;
em 48 horas; ou um aumento da creatinina
- Uso de vasodilatadores.
sérica >1,5 vez o valor basal, conhecido ou
presumido, como tendo ocorrido nos últi- IRA renal
mos 7 dias; ou um volume urinário <0,5mL/ Glomerulonefrite aguda
kg/h por 6 horas. - Pós-infecciosa;
- Vasculite;
De forma geral, as consequências diretas da
- Glomerulonefrite membranoproliferativa;
redução da TFG são edema, distúrbios hidroe-
letrolíticos e perda da capacidade de manter o - Idiopática.
equilíbrio acidobásico. Nefrite intersticial aguda
- Fármacos;
2. Etiologia - Infecção;
- Metabólicos;
As etiologias da IRA são reunidas em 3
grupos: pré-renal, que decorre de hipoperfu- - Doença autoimune.

104
Insuficiência renal aguda

Oclusão glomerular/microcapilar guíneo renal (geralmente inefetivo para níveis


de pressão sistólica inferiores a 90mmHg). Ade-
- Púrpura trombocitopênica trombótica;
mais, há ativação do sistema renina–angioten-
- Síndrome hemolítico-urêmica; sina–aldosterona, aumentando a reabsorção
- Coagulação intravascular disseminada. de sódio e água no néfron proximal.
De forma geral, independente da causa, os
Necrose tubular aguda
pacientes com IRA pré-renal apresentarão oli-
- Fármacos; gúria, com urina concentrada (osmolaridade
- Choque séptico; >500mOsm/kg) e com concentração baixa de
sódio (Tabela 2).
- Obstrução tubular (hemólise, rabdomiólise, mie-
loma múltiplo); As causas mais comuns de IRA pré-renal
estão enumeradas na Tabela 1.
- Intoxicação (contraste radiológico, etilenoglicol,
metais pesados). B - IRA renal
IRA pós-renal Na IRA renal, o indivíduo apresenta lesão
Obstrução ureteral extrínseca tecidual renal. Na prática, costuma ser con-
- Neoplasia;
siderado diagnóstico de exclusão quando as
possibilidades de IRA pré-renal e pós-renal são
- Fibrose retroperitoneal ou hemorragia; afastadas.
- Ligadura cirúrgica inadvertida. Ocorre em até 40% dos casos de IRA e
Obstrução ureteral intrínseca tem como principal causa a necrose tubular
aguda, embora outras situações que afetem os
Litíase, coágulos, neoplasia
ambientes vasculares, glomerulares, tubulares
Bexiga ou uretra e intersticiais do rim possam concorrer para o
- Hipertrofia ou neoplasia prostática; surgimento da IRA renal (Tabela 1).
A sua principal característica, independente
- Neoplasia de bexiga;
da etiologia, é a incapacidade dos néfrons de
- Prolapso uterino; executarem suas funções pela lesão anatômica
- Litíase e/ou coágulos; nessa unidade funcional. Assim, esses pacien-
tes não apresentam avidez excessiva por sódio,
- Bexiga neurogênica;
tampouco conseguem concentrar a urina. Os
- Oclusão de dispositivo de sondagem vesical. achados característicos são:
- Concentração de sódio urinário muito ele-
A - IRA pré-renal vada (>40mEq/L);
A IRA pré-renal decorre de hipoperfusão renal, - Osmolaridade urinária semelhante à plas-
sendo revertida caso exista normalização do fluxo
mática (<250mOsm/kg);
sanguíneo renal. Representa a causa mais comum
- FENa >1.
de IRA, correspondendo a 55% dos casos.
Em situações de baixa perfusão renal, como Diferente da IRA pré-renal, ocorre o aumento
na redução do débito cardíaco, os rins lançam proporcional das escórias nitrogenadas, sem a
mão de mecanismos para autorregular o fluxo disparidade observada naquela. Ademais, pela
sanguíneo renal e manter o volume extracelular. presença de lesão renal, a recuperação da fun-
Desta forma, há redução pronunciada da fração ção não costuma ocorrer com brevidade, como
de excreção de sódio (FENa) para valores muito na IRA pré-renal e na pós-renal.
inferiores a 1%, além de dilatação das arteríolas Algumas peculiaridades de causas específi-
aferentes, na tentativa de manter o fluxo san- cas de IRA renal estão listadas na Tabela 3.

105
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

Tabela 2 - Distinção entre IRAs pré-renal e renal


Exames Pré-renal Renal
FENa <1% >1%
NaU (mEq/L) <20 >40
Osmolaridade urinária (mOsm/kg) >500 <250
Relação ureia–creatinina >40 <20
Relação ureia urinária–ureia plasmática >8 <3
Densidade urinária >1.020 <1.015
FEureia <35% >50%
Cilindros Hialinos Granulosos

Tabela 3 - Características de causas específicas de IRA renal


Exames complementa-
Condições Dados clínicos res (além dos achados Comentários
de IRA renal)
Associada a hemorragia, Habitualmente, autoli-
Necrose Tubular Aguda Cilindros granulosos e
choque, estado pós-ope- mitada; fase poliúrica ao
(NTA) isquêmica debris celulares
ratório final
Uso de contraste iodado,
antibióticos, anti-inflama-
NTA por toxinas/fárma- Cilindros granulosos e Melhora com retirada do
tório não esteroide; ante-
cos debris celulares agente tóxico
cedente de doença renal,
desidratação, sepse
Dipstick com sangue na
Diagnóstico clínico e labo-
Rabdomiólise (trauma, urina, mas sem hema-
ratorial; busca da restau-
esmagamento), hemólise, túria à microscopia; au-
NTA por obstrução tubular ração da perfusão renal;
convulsões, mieloma múl- mento de CPK (creatino-
alcalinização da urina
tiplo, transfusão fosfoquinase) e mioglo-
após
bina na rabdomiólise
História de infecções re-
centes ou crônicas (endo- Hematúria dismórfica, ci-
Glomerulonefrites cardite); queixas nasais, lindros hemáticos; leuco- Biópsia renal
articulares, lesões cutâne- citúria, proteinúria
as, hemoptise
Fibrilação atrial, endocar-
dite, infarto agudo do mio- Proteinúria e hematúria Angiorressonância ou ar-
Trombose da artéria renal
cárdio recente; dor abdo- discretas teriografia diagnósticas
minal e em flancos
Associação a síndrome ne- Hematúria e proteinúria
frótica, embolia de pulmão, discretas (mais impor- Ressonância e Doppler
Trombose da veia renal
dor nos flancos proemi- tante na síndrome nefró- diagnósticos
nente tica)
Infecção gastrintestinal
Biópsia renal diagnóstica;
Púrpura trombocitopêni- prévia; febre, palidez; al- Hematúria e proteinúria;
afastamento de outras
ca trombótica ou síndro- teração de consciência na anemia hemolítica mi-
causas de anemia hemolí-
me hemolítico-urêmica púrpura trombocitopêni- croangiopática
tica microangiopática
ca trombótica

106
Insuficiência renal aguda

Exames complementa-
Condições Dados clínicos res (além dos achados Comentários
de IRA renal)
Cilindros leucocitários,
Fármacos potencialmente leucocitúria, proteinúria, Vasculite leucocitoclástica
Nefrite intersticial aguda
lesivos hematúria; eosinofilia, à biópsia de pele
rash cutâneo, artralgias
Manipulação de aorta ou
uso de cumarínico; livedo Eosinofilia; consumo de Fissuras biconvexas em
Ateroembolismo reticularis; nódulos cutâ- complemento, aumento biópsia (rim, pele ou mús-
neos; estigmas de vascu- de CPK culo)
lopatia
Leucocitúria, bacteriúria; Melhora com antimicro-
Estigmas de síndrome in-
Pielonefrite cultura de urina positiva; bianos – ajuste com cul-
fecciosa
leucocitose turas

C - IRA pós-renal 3. Quadro clínico


A IRA pós-renal decorre de obstrução ao
fluxo de urina no trato urinário, entre o meato A - Anamnese e exame físico
uretral externo e o trígono vesical, ou em nível
O relato que mais provavelmente suscitaria
ureteral bilateralmente, ou unilateralmente em a investigação de disfunção renal é a redução
pacientes com disfunção renal prévia ou rim do débito urinário, no entanto esse achado é
único. pouco sensível, e na maioria das vezes a IRA é
Ainda que, logicamente, se considere que diagnosticada incidentalmente, como compli-
a IRA pós-renal se apresente com redução do cação de outra morbidez. A maioria das queixas
fluxo urinário, esse achado não é obrigatório. relacionadas a ela tem relação com a queda da
A obstrução reduz a sensibilidade tubular ao taxa de filtração glomerular, tanto por hiper-
hormônio antidiurético, promovendo graus volemia – hipertensão, edema, dispneia por
variáveis de diabetes insipidus nefrogênico, o congestão pulmonar – quanto por uremia (alte-
que pode justificar a manutenção do volume rações sensoriais, sangramento, náuseas, vômi-
urinário em alguns casos. tos).
As causas mais comuns de IRA pós-renal são É importante lembrar que, embora a maioria
doença prostática, bexiga neurogênica e uso de dos casos de IRA curse com redução significa-
agentes anticolinérgicos (Tabela 1). tiva do débito urinário (IRA oligúrica), há situa-
Após a instalação do quadro obstrutivo, os ções nas quais o volume urinário estará normal
pacientes apresentarão redução progressiva ou aumentado (como na nefropatia por con-
da TFG, gerada por elevação de pressão na via traste radiológico).
urinária, que acaba sendo transmitida à cápsula Ao exame físico, podem estar presen-
de Bowman, e pela produção de substâncias tes estigmas de hipervolemia – hipertensão,
vasoativas, que promovem a vasoconstrição edema, estertores crepitantes –, associados a
local. A possibilidade de recuperação da fun- uremia – torpor/coma, asterix, hálito urêmico
ção renal na IRA pós-renal tem relação com –, além daqueles relacionados a doenças asso-
a precocidade em que o quadro obstrutivo é ciadas, como vasculites. Em indivíduos com
resolvido; de fato, em situações com disfunção causa obstrutiva da insuficiência renal, por
renal persistente por mais de 3 meses, a possi- vezes é possível identificar o globo vesical à pal-
bilidade de restabelecimento da função renal é pação da região pélvica, principalmente naque-
muito pequena. les com hipertrofia prostática.

107
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

B - Laboratório Fração de excreção de ureia


Ureiaurina/Ureia-
a) Ureia e creatinina x 100, sendo a ureia e
sérica
FEureia = a creatinina medidas
Os principais marcadores laboratoriais Creatininaurina/ em mg/dL
da função renal são a ureia e a creatinina; Creatininasérica
de fato, ambas estarão elevadas na IRA. No
entanto, isoladamente, nem sempre refletem A principal utilidade desses parâmetros,
de forma fidedigna o estado da filtração glo- como veremos, está na distinção entre as
merular. A creatinina pode se elevar como causas da IRA. A FEureia tem vantagem sobre
resultado de estados catabólicos intensos os outros parâmetros por ser um pouco mais
(como na rabdomiólise) ou estar reduzida em sensível e sofrer menos impacto com o uso de
indivíduos com massa muscular pequena, em diuréticos.
estados dilucionais ou na presença de icterí- d) Sedimento urinário
cia. Já a ureia tem seus níveis influenciados
A análise da urina pode ser feita por fita rea-
pelo turnover proteico, aumentado em situa-
gente ou por microscopia. Com a fita (dipstick),
ções de sangramento gastrintestinal, estados
estima-se o pH, além de definir a presença de
catabólicos, dieta hiperproteica, uso de cor-
hemoglobina, proteínas, glicose e corpos cetô-
ticoides etc.
nicos.
Durante a instalação da IRA, deve-se ter
Pela análise microscópica, é possível iden-
cuidado com a utilização de fórmulas para
tificar a presença de leucócitos totais (como
a estimativa da depuração de creatinina;
nas infecções e nas doenças inflamatórias) e
somente devem ser utilizadas após a esta-
a contagem diferencial (eosinófilos podem
bilização dos níveis séricos da creatinina por
indicar nefrite intersticial aguda, embolização
alguns dias.
por colesterol, entre outras), hemácias (auxi-
b) Eletrólitos séricos liando na distinção entre hematúria verdadeira
Distúrbios eletrolíticos são frequentes e hemoglobinúria; presença de hemácias dis-
durante o curso da IRA e são abordados em mórficas sugere doença glomerular) e cilindros
capítulo específico. A identificação do distúrbio (os hemáticos indicam doença glomerular, os
eletrolítico, seu controle e monitorização são granulosos são sugestivos de necrose tubular
pontos fundamentais na abordagem da IRA. aguda, e os leucocitários denotam inflamação
no parênquima renal).
c) Eletrólitos urinários
e) Outros exames
A amostra aleatória da urina pode ser útil
na abordagem de pacientes com IRA. A medida Anemia e distúrbios da coagulação são acha-
da concentração de sódio urinário, da FENa e da dos não infrequentes. No entanto, na maioria
FEureia são mensurações importantes. das vezes, a anemia será um indício a favor de
A redução do sódio urinário é sugestiva nefropatia crônica.
de aumento em sua reabsorção, da mesma Entre os pacientes com glomerulonefrite, a
forma que valores baixos de FENa e FEureia. avaliação de doenças autoimunes é imperativa,
As frações de excreção são calculadas da lançando-se mão da dosagem de autoanticor-
seguinte forma: pos e de marcadores de atividade inflamatória.

Fração de excreção de sódio


C - Imagem
Naurina/Nasérico x 100, sendo o Na a) Ultrassonografia
FENa = Creatininaurina/ medido em mEq/L e a
creatinina em mg/dL A ultrassonografia é um exame muito utili-
Creatininasérica
zado na avaliação de pacientes com IRA; é de

108
Insuficiência renal aguda

fácil execução, livre de uso de contrastes, e 4. Tratamento


fornece informações importantes sobre insufi-
ciência renal. Rins de tamanho reduzido e com Os objetivos do tratamento de emergência
alteração da relação corticomedular indicam a da IRA são:
possibilidade de insuficiência renal crônica, a - Identificar e tratar causas reversíveis de
despeito de quadro agudo isolado. Do contrá- IRA;
rio, rins aumentados de tamanho podem ser - Tratar e prevenir complicações graves asso-
vistos no diabetes, na amiloidose e no mieloma ciadas à IRA;
múltiplo. - Tratar a causa-base.
A ultrassonografia pode identificar sinais de A - Controle das causas reversíveis
hidronefrose, indicando obstrução do trato uri-
Entre indivíduos hipovolêmicos, como pode
nário. Em pacientes com IRA, a identificação de
ocorrer na IRA pré-renal, deve-se empregar
estigmas de obstrução do trato urinário é muito
solução salina para restaurar o volume intravas-
relevante, principalmente por se tratar de situ-
cular; se houver dificuldade em elevar a pres-
ação reversível na maioria dos casos. Ademais,
são arterial média para valores superiores a
a ultrassonografia pode identificar cistos ou
65mmHg, deve-se iniciar oferta de droga vaso-
massas tumorais.
ativa. A melhora do fluxo sanguíneo renal pode
b) Tomografia e ressonância resultar em melhora importante da função do
Em pacientes com estigmas de obstrução órgão, revertendo a IRA.
do trato urinário, caso a ultrassonografia não Havendo estigmas de IRA pós-renal, o alívio
da obstrução do trato urinário é uma conduta
tenha identificado a etiologia, a tomografia
obrigatória, que pode ser feita com cateteriza-
computadorizada pode ser contemplada – tem
ção das vias urinárias.
maior sensibilidade que a ultrassonografia para
Nos pacientes com evidência de IRA renal, a
a detecção de litíase. O exame deve ser feito
etiologia deve ser identificada precocemente,
sem contraste, exceto nas situações em que a
e sua remoção ou controle, buscado. Assim,
doença vascular seja uma possibilidade etioló-
fármacos com toxicidade renal devem ser reti-
gica.
rados, infecção deve ser tratada, hipovolemia
A angiorressonância pode substituir a angio-
resolvida etc.
tomografia, quando disponível, na suspeita de
doença vascular, principalmente por prescindir B - Complicações graves associadas
de contraste iodado, em pacientes com clea-
rance de creatinina de até 30mL/min. a) Hipervolemia e congestão pulmonar
Em pacientes com IRA renal ou pós-renal, a
D - Biópsia de rim presença de hipervolemia é mais comum, por
A biópsia renal estará indicada nas situa- vezes com hipertensão, congestão pulmonar,
ções em que se contemple a necessidade de turgência jugular e edema periférico impor-
tratamento mais agressivo (com imunossu- tante. A hipervolemia pode se manifestar
pressão) ou mesmo informação prognóstica. em graus variáveis, com tênue taquipneia ou
Com esse fim, está indicada precocemente mesmo em franco edema agudo do pulmão.
nos casos de IRA renal por doença sistêmica No controle da hipervolemia, diurético de
(vasculite), glomerulonefrite aguda, nefrite alça (furosemida) e vasodilatadores (nitroprus-
intersticial aguda, na suspeita de necrose seto ou nitroglicerina) podem ser empregados.
cortical bilateral ou quando, em um quadro Caso as medidas farmacológicas sejam inefeti-
com repercussão grave, inexiste diagnóstico vas no controle da hipervolemia, a diálise pode
provável. ser indicada.

109
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

Outras medidas podem ser efetivas no con- tremia, hiper e hipocalcemia, hipo e hiperglice-
trole do edema pulmonar, tal como feito no mia.
edema cardiogênico, como suporte ventilatório
não invasivo (CPAP ou BiPAP). c) Tratamento da doença de base
Tão logo seja identificada a etiologia, o tra-
b) Hipercalemia e outros distúrbios eletrolíticos tamento deve ser iniciado, pois guarda relação
A hipercalemia é uma das complicações mais com a possibilidade de recuperação da função
graves relacionadas à IRA, principalmente por renal.
sua repercussão na função cardiovascular, com O tratamento pode envolver o alívio de obs-
arritmias graves. Pacientes com IRA e elevação trução (na IRA pós-renal) ou o uso de imunos-
do potássio sérico devem ter o eletrocardio- supressores e/ou plasmaférese em doenças
grama avaliado quanto a anormalidades suges- sistêmicas, corticoides (alguns casos de nefrite
tivas de hipercalemia. intersticial) etc.
Na presença de anormalidade eletrocar-
diográfica, está indicado o gluconato de cálcio C - Indicações de hemodiálise
para estabilizar o miocárdio. Outras medidas
A indicação precisa de hemodiálise na IRA
que podem ser adjuvantes são o uso de solu-
depende da presença de emergência dialítica.
ção polarizante, beta-agonistas, bicarbonato
e sulfato de magnésio, que induzem influxo Nesse contexto, a diálise tem benefício docu-
de potássio para o ambiente intracelular. No mentado na IRA. As situações que caracterizam
entanto, a hipercalemia somente será contro- emergências dialíticas são:
lada com espoliação do íon, feita por meio de - Hipercalemia (K >6,5mEq/L) sustentada e
diurético de alça ou de diálise. refratária ao tratamento medicamentoso
habitual;
Tabela 4 - Anormalidades eletrocardiográficas
evolutivas na hipercalemia - Acidemia metabólica acentuada (pH <7,1)
- Apiculamento da onda T; sustentada, refratária ao tratamento con-
- Achatamento da onda P;
servador;
- Prolongamento do PR; - Achados clínicos indicativos de encefalopa-
tia ou de neuromiopatia urêmicos;
- Alargamento do QRS;
- Ritmo idioventricular;
- Pericardite urêmica;
- Fibrilação ventricular.
- Hipervolemia sem resposta ao tratamento
conservador.
Na IRA, há formação de excesso de ácidos
que necessitam ser tamponados por bicarbo- Nos casos em que não é caracterizada a pre-
nato; o consumo excessivo deste promove aci- sença de emergência dialítica, a diálise pode
dose metabólica com ânion-gap aumentado. ser indicada como medida para reduzir a mor-
Na IRA, a acidemia não costuma ser grave, e bidade associada à doença; a rigor, a decisão
medidas adicionais específicas para o controle é individualizada e dependerá do comporta-
da acidose metabólica são desnecessárias caso mento evolutivo das escórias nitrogenadas e do
o bicarbonato sérico seja superior a 15mEq/L e débito urinário.
o pH superior a 7,2. Caso contrário, o déficit de Existem várias modalidades disponíveis para
bicarbonato deve ser reposto: terapia de substituição renal. Não existe na lite-
ratura nenhum dado indicando clara superiori-
Déficit de bicarbonato (mEq/L) =
0,5 x peso (kg) x (24 - bicarbonato medido) dade de um método sobre os demais. A seleção
deve ser individualizada, considerando a dispo-
Outras anormalidades eletrolíticas possíveis nibilidade e a possibilidade de melhor adapta-
na IRA são hipermagnesemia, hiper e hipona- ção do paciente ao método específico:

110
Insuficiência renal aguda

- Terapia de substituição renal contínua


(hemofiltração venovenosa, hemodiálise
venovenosa contínua e hemodiafiltração
venovenosa contínua): bem tolerada por
pacientes com instabilidade hemodinâ-
mica, pois são utilizados fluxos mais baixos
por períodos mais longos, o que resulta em
menor repercussão hemodinâmica;
- Hemodiálise intermitente: método mais
utilizado corriqueiramente; mais indicada
aos pacientes com equilíbrio hemodinâ-
mico;
- Terapia híbrida (SLED): método intermi-
tente, com maior duração e fluxo mais
lento que o convencional, realizado no
mesmo aparelho que faz a diálise conven-
cional – reduz o custo (elevado com a diá-
lise contínua);
- Diálise peritoneal: bem tolerada em pa-
cientes instáveis, mas menos eficaz no
controle da hipervolemia e de distúrbios
eletrolíticos graves. Pode ser limitada pela
presença de doença abdominal.

111
25
Distúrbios hidroeletrolíticos
Eduardo Melges Cruz de Lucas / Fabrício Martins Valois

desde que afastada pseudo-hiponatremia. Está


I - Distúrbios do sódio classificada nas formas a seguir:

A - Pseudo-hiponatremia
1. Conceitos e fisiopatogenia Trata-se de conteúdo de sódio e osmolali-
dade plasmática normais, mas com leitura da
Os distúrbios do sódio dividem-se em hipona-
amostra em laboratório acusando valores bai-
tremia e hipernatremia. Consideram-se agudos
xos de sódio. Ocorre quando há diminuição
se instalados em menos de 48 horas e crônicos
relativa da fração de água e sódio no plasma à
se estabelecidos há mais de 48 horas. A veloci-
custa da elevação da concentração de outras
dade com que se desenvolvem e com que ocorre
substâncias, como nas hipertrigliceridemias
a adaptação cerebral às mudanças de tonicidade
graves e nas paraproteinemias (mieloma,
plasmática delas decorrentes define a gravidade
macroglobulinemia). A dosagem de lipídios e
das manifestações clínicas e norteia o tratamento.
de proteínas totais exclui essa causa.
O sódio é o principal cátion extracelular. As
alterações da homeostasia do sódio estão dire- B - Hiponatremia hipertônica
tamente relacionadas com as da água corpó-
rea. Assim, podemos raciocinar os distúrbios Compreende hiponatremia em vigência de
de acordo com a expansão ou a contração do osmolalidade plasmática elevada, o que ocorre
volume extracelular e a capacidade renal de nas hiperglicemias graves. A glicose, osmotica-
regulá-las, por meio da concentração ou dilui- mente ativa, desloca água dos espaços intra-
ção urinária e da consequente retenção ou celular e intersticial para o plasma, diluindo a
excreção de água livre de solutos. concentração de sódio, a qual, estima-se, cai
O mecanismo crucial para essa regulação é a 1,6mmol/L para cada 100mg/dL de elevação da
secreção de vasopressina (hormônio antidiuré- glicemia acima de uma base de 100mg/dL.
tico – HAD) pela hipófise posterior em resposta ao
aumento de osmolalidade sérica (principal estí-
C - Hiponatremia hipotônica
mulo) e à contração do volume extracelular (estí- Trata-se de hiponatremia com osmolalidade
mulo secundário). A vasopressina leva a aumento plasmática baixa. É o tipo mais frequente na
da sede e maior concentração urinária pelos rins, prática clínica, mais bem compreendido em
ocasionando a retenção de água livre de soluto. termos de causas e tratamento se subdividido
de acordo com a volemia:
2. Hiponatremia a) Hipovolêmica
Entende-se por hiponatremia concentração Perda de água e sódio, com a perda deste
de sódio no soro menor do que 135mEq/L, sendo maior que a daquela. O paciente se

112
Distúrbios hidroeletrolíticos

encontra desidratado. A contração do volume do peptídio atrial natriurético, que aumenta a


plasmático leva a maior secreção de vasopres- excreção de sódio e água o suficiente para se
sina, que estimula a retenção de água livre manterem euvolêmicos, mas ainda hiponatrê-
pelos rins. micos.
São causas: diarreia e vômitos intensos asso-
Tabela 1 - Critérios diagnósticos
ciados à ingestão de líquidos hipo-osmolares,
- Exclusão de outras causas de hiponatremia e do
uso de diuréticos de alça e de tiazídicos (causa uso de diuréticos;
muito frequente, principalmente em idosos); - Osmolalidade sérica* efetiva diminuída
doença renal crônica avançada, diurese osmó- (<270mOsmol/L);
tica e síndrome perdedora de sal. - Osmolalidade urinária inapropriadamente alta
(>100mOsmol/L) diante da diminuição da osmo-
b) Hipervolêmica lalidade sérica;
Aumento da água e do sódio corpóreos - Concentração urinária de sódio elevada na vigên-
totais, mas com a retenção da primeira exce- cia de ingestão normal de sódio e água;
dendo a do último. O paciente se encontra con- - Euvolemia.
gesto ou edemaciado. * Cálculo da osmolalidade sérica: 2x [sódio sérico] +
São causas: insuficiência cardíaca congestiva, [glicose sérica]/18 + [ureia sérica]/6.
insuficiência hepática crônica, síndrome nefró- Observações:
tica e doença renal avançada. A hiponatremia é - A dosagem de vasopressina sérica, na prática,
não é necessária para o diagnóstico;
um marcador de pior prognóstico quando pre- - A hipouricemia pode estar presente, mas não é
sente nessas situações clínicas. essencial para o diagnóstico.
c) Euvolêmica Tabela 2 - Principais causas
Distúrbio do sódio mais comum entre hos- Trauma craniano, meningite, ence-
pitalizados. Não há sinais, ao exame físico, de falite, tumores cerebrais, hemorra-
desidratação nem de edema ou congestão. gia subaracnóidea, tuberculose do
Neurológicas
sistema nervoso central, trombose
São causas: hipotireoidismo, secreção ina-
de seio cavernoso, síndrome de
propriada do hormônio antidiurético (SIHAD) Guillain-Barré
causada por medicamentos, excesso de hidra-
Neoplásicas Tumores pulmonares (de peque-
tação hipotônica (como perioperatório) e (secreção nas células, espinocelular), linfo-
ingestão excessiva de água por distúrbios psi- tumoral de mas, timomas, carcinomas urote-
quiátricos. vasopressina) liais
Pulmonares Pneumonia viral ou bacteriana, tu-
d) Síndrome da secreção inapropriada do hormô-
não neoplá- berculose, aspergilose, pneumotó-
nio antidiurético sicas rax, ventilação mecânica, asma
Trata-se da causa mais comum de hiponatre- Dor intensa, HIV/AIDS, exercício
Outras
mia entre hospitalizados e classifica-se como prolongado
hiponatremia hipotônica euvolêmica.
Tabela 3 - Fármacos* associados (além dos diu-
Corresponde a defeito na osmorregulação réticos)
pelo sistema nervoso central levando a secre-
Análogos da vaso- Desmopressina, ocitocina
ção descontrolada de vasopressina (HAD) e pressina
concentração urinária excessiva que resulta em Clofibrato, vincristina, antide-
Drogas que au-
acúmulo de água livre. pressivos*, antipsicóticos*,
mentam
Os pacientes não se encontram hipervolê- carbamazepina* e oxicarba-
liberação de vaso-
micos porque a expansão inicial da volemia é mazepina*, opiáceos (morfina,
pressina
Tramal®, fentanila etc.)
posteriormente compensada pelo aumento

113
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

Análogos da vaso- mica, devem-se solicitar a osmolalidade uriná-


pressina Desmopressina, ocitocina
ria (SIHAD) e o TSH. Se SIHAD for diagnosticada,
Drogas que po- direcionar exames complementares para possí-
Ciclofosfamida, anti-inflamató-
tencializam a ação veis causas de acordo com o contexto clínico.
rios não esteroides, paraceta-
renal da vasopres- Na hiponatremia hipotônica hipovolêmica,
mol
sina
a dosagem de sódio urinário ajuda na diferen-
Haloperidol*, amitriptilina,
ciação da origem das perdas. Em caso de sódio
Mecanismo des- fluoxetina, MDMA (ecstasy)**,
conhecido imunoglobulinas intraveno-
urinário >20mEq/L, a perda provavelmente é
sas*** renal; se <10mEq/L, provavelmente terá outra
* Drogas mais comumente implicadas na hipona- origem.
tremia.
** Provável mecanismo: indução de sede excessiva. E - Tratamento
*** Provável mecanismo: pseudo-hiponatremia. Se há suspeita de hiponatremia fármaco-
-induzida ou SIADH, deve-se remover a droga
D - Manifestações clínicas e exames com- ou corrigir o fator precipitante sempre que pos-
plementares sível. Os sintomas e a duração da hiponatremia
Os sintomas da hiponatremia são predomi- determinam seu tratamento.
nantemente neurológicos. A maioria só apre-
a) Hiponatremia crônica assintomática e sódio
senta sintomas com sódio sérico <125mEq/L.
Os sintomas são inespecíficos e compre- >130mEq/L
endem um largo espectro: cefaleia, náuseas, Não tem indicação de reposição de sódio; o
letargia, ataxia, confusão mental, convulsões tratamento está voltado para a doença de base
e coma. Em casos extremos, podem ocorrer e os fatores predisponentes. Está mais asso-
edema cerebral grave e herniação levando ciada a insuficiência cardíaca e cirrose, ambos
a óbito, principalmente se a hiponatremia é estados clínicos de retenção crônica de sódio e
intensa e de rápida instalação. água (hiponatremia hipotônica hipervolêmica).
Outra síndrome neurológica, a síndrome da A restrição de sódio e água, combinada com
desmielinização osmótica, pode acontecer nos diurético de alça, embasa o tratamento nessas
casos de correção muito rápida da hiponatre- situações. O uso de antagonistas do receptor
mia. Caracteriza-se por acometer a ponte e V2 da vasopressina (valptanos) na insuficiência
o tronco encefálico, manifestando-se inicial- cardíaca vem sendo estudado, mas o benefício
mente como encefalopatia e, após 3 a 7 dias, na mortalidade em longo prazo ainda é incerto.
paresias dos pares cranianos, fraqueza muscu- Na SIHAD, o tratamento da hiponatremia
lar progressiva e quadriplegia, por vezes irre- envolve, além da correção da causa associada,
versíveis. É rara na correção da hiponatremia a restrição hídrica (800mL/d) associada a diuré-
aguda, sendo hiponatremia crônica ou grave tico de alça. Este último atua diminuindo a toni-
(sódio <120mEq/L) a situação de maior risco cidade da medula renal e reduz a capacidade
para a síndrome. de concentração urinária, diminuindo a reab-
Pacientes com hiponatremia crônica geral- sorção de água livre mais do que aumentando
mente são assintomáticos, mas podem apre- a excreção de sódio.
sentar alterações sutis na marcha e no desem- O uso de antagonistas V2 da vasopressina
penho cognitivo quando submetidos a exame (intravenoso ou oral) na SIHAD é liberado e dis-
neurológico mais apurado. pensa a necessidade de restrição hídrica, mas
Deve-se revisar a prescrição do paciente a experiência clínica ainda é pequena e ocorre
para a presença de droga causadora de hipo- poliúria, dificultando aderência, além do poten-
natremia. Na hiponatremia hipotônica euvolê- cial de nefrotoxicidade.

114
Distúrbios hidroeletrolíticos

b) Hiponatremia aguda (<48 horas de instalação) e Observações:


sintomática - A quantidade de sódio é o valor em mEq/L de sódio
Demanda tratamento imediato e agressivo presente na mesma;
- A solução de NaCl a 3% contém 513mEq de sódio
em pacientes com sintomatologia importante
por litro;
(rebaixamento do nível de consciência, convul- - A água corpórea total corresponde a 60% do peso
sões), pois o risco de edema cerebral é muito em homens adultos, 50% do peso em mulheres e
maior do que o de mielinólise pontina durante idosos e 45% do peso em mulheres idosas.
a correção. É feito com salina hipertônica a 3%.
- Objetiva-se aumento de 2mEq/L/h no só-
dio sérico, até o desaparecimento dos sin- 3. Hipernatremia
tomas. Inicialmente, não há necessidade Definida como sódio sérico >145mEq/L, a
de restaurar o sódio à normalidade com- hipernatremia ocorre quando há déficit de
pleta, contanto que cessem os sintomas; água livre ou ganho excessivo de sódio.
- Deve ser infundida salina hipertônica (NaCl Seus mecanismos fisiopatológicos envolvem
a 3%) à velocidade de 1 a 2mL/h/kg do pa- diminuição do estímulo hipotalâmico à sede
ciente; diante do aumento da osmolalidade plasmática
- Revertidos os sintomas, o ritmo de corre- ou da alteração na capacidade renal de con-
ção deve ser diminuído; centrar a urina, por deficiência na secreção de
- Durante a infusão, monitorizar o paciente vasopressina ou na resposta renal deficiente ao
quanto a quadro neurológico e presença de hormônio, além de perdas de água maior do
congestão pulmonar e dosar o sódio sérico que as de sódio, levando a déficit de água livre.
idealmente a cada 2 horas. Pacientes com acesso à água prejudicado,
c) Hiponatremia crônica (>48 horas de instalação) como idosos, crianças e intubados têm maior
risco de hipernatremia. Por essa razão, é um
ou desconhecida sintomática
distúrbio frequente em unidades de terapia
Trata-se do tratamento mais vagaroso e cau- intensiva e em idosos hospitalizados.
teloso pelo risco de mielinólise pontina durante
a correção. Feito com salina hipertônica (NaCl a A - Causas e classificação
3%), respeitam-se os seguintes parâmetros: Toda hipernatremia é, necessariamente, hipe-
- Não ultrapassar a taxa de correção de rosmolar. Assim, pode ser mais bem estudada se
1mEq/L a cada hora; subdividida conforme a volemia, a saber:
- Não variar o sódio sérico em mais de 8 a
12mEq/L em 24 horas; a) Hipovolêmica
- Durante a infusão, monitorizar o paciente Está associada a situações em que a água e o
quanto a quadro neurológico e presença de sódio corpóreos totais estão baixos, mas com a
congestão pulmonar e dosar o sódio sérico perda de água livre maior do que a de sódio. O
idealmente a cada 2 horas. paciente encontra-se desidratado.
São causas: diurese osmótica, diuréticos de
A fórmula para estimar quanto cada litro da
alça, queimaduras, perda de fluidos por dre-
solução de reposição irá alterar o sódio sérico
nos, diarreia e perdas urinárias (fase poliúrica
encontra-se a seguir. Apesar de útil, deve-se
da recuperação de necrose tubular renal aguda
notar que a fórmula tende a subestimar discre-
e pós-desobstrução do trato urinário) e insensí-
tamente a taxa de correção do sódio.
veis de água não repostas.
Variação de sódio sérico por litro da solução b) Hipervolêmica
(quantidade de sódio na solução - sódio sérico do
Está associada a água e sódio corpóreos
paciente)/(água corpórea total + 1)
aumentados, mas com ganho de sódio propor-

115
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

cionalmente maior. O paciente apresenta-se menos do que 10% entre si. Colhe-se nova
edemaciado, hipertenso e/ou congesto. Trata- osmolalidade urinária e logo após administram-
-se do tipo menos frequente de hipernatremia -se 5 unidades subcutâneas de vasopressina,
na prática clínica. repetindo-se nova osmolalidade urinária após
São causas as associadas à infusão exces- 60 minutos da sua administração. A interpreta-
siva de salina hipertônica ou de bicarbonato de ção dos resultados se encontra a seguir:
sódio. Tabela 5 - Resultados esperados do teste da restri-
ção hídrica de acordo com o diagnóstico
c) Euvolêmica
Caracteriza-se por conteúdo corpóreo de Vasopres- Aumento da
osmolalida-
sódio total normal com diminuição da água Condições Osmolalida-
de urinária
sina
sérica de urinária
clínicas (mOsmol/L) após o após admi-
extracelular. Isso é possível porque perda de nistração de
teste vasopressina
água sem perda de sódio não acarreta contra-
ção volêmica importante. A principal causa é o Pouco ou
Normali- Aumen-
diabetes insipidus. >300 nenhum
dade tada
aumento
d) Diabetes Insipidus (DI) Significa-
Indetectá-
Compreende distúrbio da concentração uri- DI central <300 tivamente
vel
aumentada
nária caracterizado por poliúria e polidipsia,
causado por secreção diminuída de vasopres- DI nefro- Aumen- Pouco ou
<300 a 500
gênico tada nenhum
sina (DI central) ou por resposta renal à vaso-
pressina prejudicada (DI nefrogênico). Polidipsia Pouco ou
>500 --
primária nenhum
Tabela 4 - Causas Observação: osmolalidade urinária >300mOsmol/L
Infecções do sistema nervoso praticamente exclui DI.
central (meningites, encefalites),
tumores do sistema nervoso cen- B - Manifestações clínicas e exames com-
tral, aneurismas, trauma crania- plementares
DI central
no, pós-operatório de neurocirur-
gia, síndrome de Guillain-Barré. Tal como na hiponatremia, as manifestações
As demais causas (50%) são idio- são predominantemente neurológicas e ines-
páticas ou genéticas. pecíficas. Compreendem um amplo espectro:
Doença renal crônica, distúrbios alterações do nível de consciência (letargia,
hidroeletrolíticos (hipocalemia, delirium, coma), irritabilidade, fraqueza muscu-
hipercalcemia) farmacológico (in- lar, convulsões, hiper-reflexia e espasticidade.
toxicação por lítio, anfotericina B, Sinais de desidratação (boca seca, taquicardia,
foscarnete), anemia falciforme, hipotensão, perda do turgor da pele, olhos
DI nefrogênico
gestação (produção de vasopres-
encovados) costumam estar presentes.
sinase pela placenta). Raramente
apresenta etiologia genética (defei- Os sintomas neurológicos mais graves, com
tos nos genes das aquaporinas ou risco de óbito, geralmente surgem quando o
dos receptores de vasopressina). sódio está acima de 160mEq/L. Pacientes com
sódio acima de 180mEq/L têm taxas de mor-
O diagnóstico definitivo é feito com o teste talidade acima de 75%, embora isso também
da restrição hídrica. Tal teste consiste em res- possa ser reflexo das comorbidades que leva-
trição hídrica até que o paciente perca 3% do ram a hipernatremia.
peso (deve-se tomar cuidado com desidratação A medida da osmolalidade urinária é muito
excessiva) ou até que 3 medidas consecutivas importante, pois seu resultado pode direcionar
(a cada hora) da osmolalidade urinária variem a investigação diagnóstica para DI:

116
Distúrbios hidroeletrolíticos

- Osmolalidade urinária <300mOsmol/L as- (não contém sódio). A salina hipotônica é pre-
sociada a poliúria ou diurese normal su- ferível ao soro glicosado, pois ele pode causar
gere distúrbio de concentração urinária, perda de água livre por diurese osmótica, com
exigindo investigação para DI; o risco de não corrigir ou até de agravar a hiper-
- Osmolalidade urinária >300mOsmol/L e natremia.
associada a oligoanúria constitui resposta Nos casos de desidratação grave (com ou
fisiológica esperada à desidratação e se sem instabilidade hemodinâmica), deve-se
deve pensar em outra causa (perdas de primeiramente corrigir a desidratação com
água livre por mecanismo não renal) para solução salina fisiológica para somente depois
hipernatremia. infundir soluções hipotônicas.
Como a osmolaridade intracelular está
Deve-se atentar para glicemia e cálcio séricos, aumentada pela produção de osmóis endóge-
pois a desidratação pode ser causada por hiper- nos pelas células visando ao equilíbrio com a
glicemia (diurese osmótica) ou por hipercalcemia. osmolalidade plasmática aumentada, há risco
Por causar diminuição do parênquima cere- de edema cerebral e de herniação e óbito caso
bral pela desidratação celular, a hipernatremia a natremia seja corrigida muito rapidamente.
grave pode cursar com alterações da arquitetura Os mesmos cuidados na velocidade de corre-
vascular cerebral, podendo levar a hemorragia ção do sódio sérico para hiponatremia crônica
intracraniana. Na presença de déficits focais ou sintomática se aplicam aqui: não variar mais do
rebaixamento do nível de consciência, deve-se que 1mEq/L/h e não ultrapassar a variação de 8
proceder à tomografia de crânio sem contraste. a 12mEq/L em 24 horas. A fórmula é a mesma,
mas nesse caso tende a subestimar levemente
C - Tratamento
a taxa de correção da natremia.
Como a hipernatremia corresponde, neces- Variação de sódio sérico por litro da solução
sariamente, a um estado de hiperosmolaridade
(quantidade de sódio na solução - sódio sérico do
plasmática, deve ser sempre corrigida. paciente)/(água corpórea total + 1)
Também se deve atentar para causas-base e
Observações:
sua correção. A hipernatremia pode e deve ser - Nesse caso, o valor será negativo. Isso indica em
prevenida em contextos clínicos em que é pre- quanto a solução diminui o sódio sérico;
visto maior risco da sua ocorrência, como nos - A quantidade de sódio é o valor em mEq/L de só-
casos sem acesso espontâneo a água, idosos, dio presente na mesma;
infusão de soluções hipertônicas e uso de diu- - A solução de NaCl a 0,45% contém 76,5mEq de
réticos de alça. Para tanto, deve-se monitorizar sódio por litro e o soro glicosado não contém sódio;
o estado de hidratação e ofertar água livre de - A água corpórea total corresponde a 60% do peso
em homens adultos, 50% do peso em mulheres e
acordo.
idosos e 45% do peso em mulheres idosas.
O DI central é tratado com administração
de DDAVP (desmopressina, análogo da vaso-
pressina), por vias subcutânea ou nasal. O DI
nefrogênico é pouco responsivo a essa medida, II - Distúrbios do potássio
por isso são associados diuréticos tiazídicos ou
anti-inflamatórios não esteroides, que aumen-
tam a osmolaridade urinária por mecanismos 1. Conceitos e fisiopatogenia
não dependentes de vasopressina e assim dimi- O potássio é o cátion intracelular mais abun-
nuem a perda de água livre. dante, enquanto o sódio é o mais frequente no
Nas outras causas de hipernatremia, a corre- ambiente extracelular, efeito da atividade da
ção do sódio é feita com a infusão de soluções Na-K-ATPase. O gradiente do potássio do meio
hiposmolares: salina a 0,45% ou soro glicosado intracelular para o extracelular é da ordem de

117
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

40:1 e proporciona excitabilidade nervosa e - Diarreia;


muscular, tendo impacto no miocárdio, por - Nefropatia perdedora de sal;
exemplo; de fato, as anormalidades do potássio
- Paralisia periódica hipocalêmica;
podem gerar alterações importantes do ritmo e
- Síndromes de Liddle e de Bartter;
da função ventricular.
- Vômitos.
As anormalidades nos níveis séricos são
resultado de ingesta inadequada, alteração da
distribuição entre os meios intra e extracelular 3. Manifestações clínicas e
e/ou distúrbio na eliminação renal. Os rins pare- exames complementares
cem exercer papel principal na regulação dos
níveis de potássio; a excreção renal é influen-
A - Hipercalemia
ciada por vários fatores, sendo aumentada
por aumento do fluxo urinário, hipercalemia, Pode ser assintomática e ainda assim ame-
aumento da aldosterona (reabsorve sódio e eli- açadora à vida; o efeito mais proeminente são
mina potássio no túbulo distal) ou do influxo de as alterações progressivas na condução mio-
sódio no néfron distal, e pela alcalose. cárdica (vide traçados de eletrocardiograma –
ECG), que culminam em arritmia letal (fibrila-
ção ventricular). O risco aumenta quanto mais
2. Causas alto é o valor de potássio, geralmente acima de
As Tabelas a seguir enumeram as causas 6mg/dL, mas arritmias podem acontecer com
mais frequentes de hipercalemia e hipoca- elevações menores, principalmente se estas
lemia. Todos os pacientes com hipercalemia são de rápida instalação. A evolução das anor-
devem ser avaliados quanto à possibilidade de malidades eletrocardiográficas, em geral, tem a
pseudo-hipercalemia, o que pode ocorrer por progressão apresentada na Figura 1.
aumento do número de células sanguíneas Outros sintomas de hipercalemia incluem
(com hemólise) ou coleta inadequada (garrote- fraqueza muscular; nos casos mais graves
amento excessivo, por exemplo). (potássio >7mEq/L), pode ocorrer falência da
Tabela 6 - Principais causas de hipercalemia musculatura respiratória.
- Dieta; Além do ECG, esses pacientes devem ter
- Fármacos (anti-inflamatórios não esteroides, anta- análise de gasometria venosa para pesqui-
gonistas AT2, inibidores da enzima conversora de sar acidose metabólica e dosagem sérica dos
angiotensina, betabloqueadores, espironolactona, demais eletrólitos; hiponatremia associada a
heparina etc.);
hipercalemia e acidose metabólica sugere hipo-
- Acidemia; aldosteronismo.
- Hemólise;
- Síndrome de lise tumoral; B - Hipocalemia
- Rabdomiólise; Quando leve (2,5 a 3,5mEq/L), costuma ser
- Insuficiência renal; assintomática. Menos de 5% apresentam sin-
- Insuficiência adrenal; tomas associados, geralmente com reduções
- Paralisia periódica hipercalêmica; mais pronunciadas do potássio. Os sintomas
- Pseudo-hipercalemia. decorrem do efeito sobre a condução cardíaca,
Tabela 7 - Principais causas de hipocalemia
neuronal e muscular esquelética e compreen-
dem extrassístoles ventriculares, facilitação de
- Redução da ingesta;
arritmias, fraqueza muscular, cãibras, paresia,
- Fármacos (beta-agonistas, anfotericina B, diuréti-
cos de alça, insulina etc.); rabdomiólise. Alterações encontradas ao ECG
estão apresentadas na Figura 1:

118
Distúrbios hidroeletrolíticos

hiperglicêmico) e inalação com beta-2-agonista


(a cada 20 minutos, por 1 hora) se não há con-
traindicação (alergia, coronariopatia grave,
arritmias cardíacas). Caso o paciente urine,
iniciar diurético de alça intravenoso em 0,5 a
1mg/kg de ataque e titular a dose conforme a
resposta.
O uso de resinas para provocar a perda intes-
tinal de potássio é pouco eficaz, sendo, na prá-
tica, dispensável.
Deve-se ter atenção especial ao ECG, que
deve ser realizado tão logo seja diagnosticada a
hipercalemia. Monitoriza-se com ECG contínuo
e, se há alterações compatíveis, infunde-se de
imediato gluconato de cálcio a 10%, 10mL intra-
Figura 1 - (A) Traçado normal; (B) hipercalemia e
(C) hipocalemia venoso ao longo de 10 minutos. Seu efeito é
transitório (30 minutos), e medidas para baixar
Além do ECG, os pacientes com hipocalemia o potássio devem ser prontamente iniciadas.
devem ter dosagem sérica de outros eletrólitos, Caso o paciente esteja oligoanúrico, não res-
em especial do magnésio (descartar hipomag- ponsivo a diuréticos, a causa não seja de rever-
nesemia associada), e obter gasometria venosa são imediata (por exemplo, obstrução do trato
para distúrbio acidobásico (espera-se alcalose urinário passível de correção) ou haja franca
metabólica; a acidose metabólica deve levantar insuficiência renal, deve-se proceder à hemodi-
a hipótese de tubulopatia). álise de urgência para remover o potássio acu-
mulado, valendo-se das medidas de comparti-
4. Tratamento mentalização (polarizante e beta-2-agonistas)
enquanto se prepara para hemodiálise.
A - Hipercalemia Identificar e suspender, sempre que possí-
O potássio só pode ser eliminado do orga- vel, qualquer droga ou fator exógeno que possa
nismo pelas vias urinária (principal) e intestinal ser causa da hipercalemia. Buscar a etiologia de
(pouco eficaz). Medidas como solução polari- base e corrigi-la.
zante, inalação de beta-2-agonistas e bicarbo-
B - Hipocalemia
nato não depletam o potássio; simplesmente o
fazem mudar temporariamente para o compar- A hipocalemia grave (potássio <2,5mEq/L) e
timento intracelular. sintomática (paralisia hipocalêmica periódica,
Assim, deve-se ter o conceito de que tais extrassístoles ventriculares concomitantes a
medidas servem para diminuir o potássio sérico infarto do miocárdio) constitui uma emergência
transitoriamente na Urgência, pois são mais e deve ser corrigida por via intravenosa.
rápidas que as depletoras (diuréticos e resinas), O potássio é administrado na forma de clo-
mas não resolvem o problema do acúmulo de reto de potássio (KCl 19,1%). Cada ampola
potássio de forma definitiva. (10mL) contém 25mEq. Em média, 20mEq de
Deve-se iniciar a solução polarizante (insu- KCl elevam o potássio sérico em 0,25mEq/L,
lina regular e soro glicosado a 5%, intravenoso, valor variável entre os pacientes.
à proporção de 1:5, ou seja, 1UI, e insulina para Não se deve utilizar soro glicosado como veí-
cada 5mg de glicose no soro – não há neces- culo para a diluição do potássio, pois a glicose
sidade do soro glicosado se o paciente está estimula a liberação de insulina que, por sua

119
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

vez, internaliza o potássio no meio intracelular, tos internados. É caracterizada por cálcio sérico
levando a piora da hipocalemia. >10,5mg/dL, com a repercussão clínica tendo
A reposição intravenosa deve obedecer aos relação com o grau de elevação do cálcio sérico,
seguintes parâmetros: de forma que é caracterizada como:
- Com acesso periférico, não ultrapassar a - Leve: cálcio entre 10,5 e 11,9mg/dL;
concentração de 40mEq/L na solução de - Moderada: cálcio entre 12 e 13,9mg/dL;
reposição, e a velocidade fica entre 5 e - Grave: cálcio >14mg/dL.
20mEq/h (o ideal são 10mEq/h);
- Com acesso central, a concentração má- As causas mais comuns de hipercalcemia são
xima passa a ser 60mEq/L, e a velocidade hiperparatireoidismo (principal) e neoplasias,
de infusão limite é de até 40mEq/h (com principalmente os tumores de mama, pulmão,
necessidade de monitorização eletrocar- próstata e o mieloma múltiplo.
diográfica contínua); O paratormônio (PTH) regula a excreção
- Excepcionalmente, nos casos dos sintomas renal de cálcio, a absorção intestinal e a dinâ-
graves, a reposição pode ser feita em do- mica do cálcio no osso. No hiperparatireoi-
ses de 5 a 10mEq ao longo de 20 minutos, dismo primário, ocorre aumento da reabsorção
com necessidade de monitorização eletro- renal de cálcio, além de reduzir o fósforo sérico.
cardiográfica contínua e monitorização fre- Nas neoplasias, a hipercalcemia pode ter vários
quente dos níveis séricos de potássio. mecanismos: a maioria resulta de secreção de
peptídio homólogo ao PTH produzido pelas
Concentrações mais altas que as listadas células neoplásicas (PTHrh); por produção ectó-
podem causar dor intensa e flebite no local de pica de calcitriol e PTH; ou por efeito de envol-
acesso. Além disso, são as variações rápidas vimento ósseo metastático (lesões osteolíticas).
do potássio sérico que provocam as arritmias Independente do mecanismo, a hipercalce-
cardíacas potencialmente fatais. Se o potássio mia promove desidratação (por vômitos, redu-
sérico sobe muito rápido, mesmo que o potás- ção da ingesta hídrica ou diurese osmótica),
sio corpóreo total ainda esteja baixo, há risco induzindo a aumento da reabsorção de sódio
de arritmias durante a reposição. no túbulo proximal. Como o excesso de cál-
Deve-se lembrar de pesquisar e de corrigir cio é excretado atrelado ao sódio, o aumento
hipomagnesemia. Se eventual uso de diuréticos da reab­sorção desse cátion promove piora da
não pode ser interrompido, associam-se diuré- hipercalcemia.
ticos poupadores de potássio. No osso, o cálcio é liberado conforme a ati-
Hipocalemia leve e sem sintomas (potás- vidade dos osteoclastos, o que depende dos
sio >3mEq/L) pode ser tratada com reposição níveis de PTH, e estará aumentado nas lesões
oral (cada comprimido com cerca de 6mEq de
metastáticas líticas; no intestino, o calcitriol,
potássio), geralmente na dose de 20mEq de 3 a
forma ativa da vitamina D, estimula a absorção
4 vezes por dia.
de cálcio, além de ter uma pequena atividade
estimuladora sobre os osteoclastos. Nas doen-
III - Distúrbios do cálcio ças granulomatosas, como a sarcoidose, os
níveis de calcitriol elevados podem promover
hipercalcemia.

1. Conceitos B - Hipocalcemia
A hipocalcemia caracteriza-se por nível de
A - Hipercalcemia cálcio <8,5mg/dL e é causada, na maioria das
A hipercalcemia não é um distúrbio hidroe- vezes, por hipoparatireoidismo, cujas etiologias
letrolítico incomum, visto em até 3% de adul- mais comuns são estado pós-cirúrgico do pes-

120
Distúrbios hidroeletrolíticos

coço (tireoidectomia ou paratireoidectomia) o sinal de Chvostek, menos específico, que


ou agressão glandular de origem autoimune, decorre de espasmo facial à percussão do nervo
ou por doenças sistêmicas, como sarcoidose e facial (2cm anteriormente ao trágus); e o sinal
hemocromatose. de Trousseau, mais sensível e específico, que
O uso de fármacos pode culminar em hipocal- representa espasmo da musculatura da mão
cemia ou facilitar sua ocorrência quando asso- após a interrupção do fluxo sanguíneo arterial
ciado a outra etiologia; medicamentos muito por 3 minutos para a região (insuflação de man-
implicados são bisfosfonatos, cetoconazol, feni- guito 20mmHg acima da pressão sistólica).
toína, inibidores da bomba de prótons etc.
Tabela 9 - Manifestações
- Parestesias;
2. Sinais e sintomas Neurológicas/mus- - Espasmos musculares;
culares - Tetania;
- Convulsões.
A - Hipercalcemia
- Bradicardia;
Os achados clínicos relacionados surgirão - Prolongamento do QT;
conforme o aumento nos seus níveis séricos. Cardiovasculares - Insuficiência cardíaca con-
Enquanto em pacientes com cálcio <12mg/dL gestiva;
os sintomas são inexpressivos, quando >14mg/ - Arritmias.
dL os dados clínicos costumam ser exuberan- Respiratórias Laringoespasmo
tes. A Tabela 8 mostra as principais manifesta- - Alteração do estado de
ções clínicas: consciência;
Psiquiátricas
- Irritabilidade;
Tabela 8 - Manifestações - Depressão.
- Adinamia;

Neurológicas
- Confusão mental;
- Depressão;
3. Tratamento
- Torpor;
- Coma. A - Hipercalcemia
- Diurese osmótica; As principais medidas no tratamento são
Renais
- Nefrolitíase e nefrocalcinose.
hidratação venosa, diurético de alça, bisfosfo-
- Vômitos; natos, calcitonina e corticoides.
- Anorexia;
Gastrintestinais
- Constipação;
A hidratação venosa representa o ponto
- Íleo paralítico. principal do tratamento. Com a restauração da
- Fraqueza; volemia, há redução da reabsorção de sódio e
Osteomusculares - Dor óssea; aumento da excreção urinária de cálcio. Sem-
- Osteopenia. pre que a reserva cardiovascular permitir, esses
- Bradiarritmias; indivíduos deverão receber oferta vigorosa de
Cardiovasculares - Redução do intervalo QT; volume, geralmente de 200 a 400mL/h nas pri-
- Elevações inespecíficas do ST. meiras horas de atendimento, atingindo volu-
mes de 3 a 4L por dia de solução salina.
B - Hipocalcemia Os diuréticos de alça aumentam a excreção de
Os sinais e sintomas relacionados somente sur- cálcio na urina e devem ser utilizados somente
girão com reduções mais pronunciadas do cálcio após o restabelecimento da volemia do paciente;
sérico, habitualmente <7,5mg/dL. As manifesta- seu uso antes da oferta de volume será pouco
ções mais comuns estão descritas na Tabela 9. efetivo no controle da calcemia e certamente pro-
Os sintomas neuromusculares, em geral, moverá repercussão hemodinâmica negativa.
são os mais exuberantes na hipocalcemia. Ao Os bisfosfonatos representam terapia extre-
exame clínico, 2 sinais, ainda que com pouca mamente útil no controle dos níveis séricos de
acurácia, podem ser observados. São eles: cálcio e inibem a atividade osteoclástica. No

121
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

entanto, seu impacto clínico habitualmente é ticipa de diversos processos metabólicos como
visto após dias. Os fármacos mais utilizados são cofator enzimático. Além disso, participa da
o pamidronato (de 60 a 90mg) e o ácido zole- estabilização elétrica das membranas excitá-
drônico (de 4 a 8mg). veis, sendo que alterações na sua quantidade
A calcitonina inibe a atividade osteoclástica corpórea afetam os tecidos muscular, cardíaco
e a reabsorção urinária de cálcio, e tem início e nervoso.
de ação precoce. No entanto, seu impacto no Como apenas 1% do magnésio total está no
controle da hipercalcemia é discreto e, quando plasma, seu nível sérico não é um bom indi-
utilizada, é mantida até o início do efeito dos cador da quantidade total no organismo. Sua
bisfosfonatos, respeitando tempo inferior a 3 absorção dá-se no intestino delgado e o seu
dias, pela possibilidade de causar taquifilaxia. principal mecanismo excretor é renal. A absor-
Os corticoides apresentam benefícios clí- ção intestinal é inibida pelo fosfato da dieta,
nicos em situações específicas: doenças gra- pela aldosterona e pela calcitonina; além disso,
nulomatosas (como a sarcoidose) e linfomas. é estimulada pela vitamina D e pelo hormônio
Nesses pacientes, prednisona na dose de 20 a do crescimento.
40mg/d pode ser efetiva em reduzir a produção A excreção urinária depende de diver-
de calcitriol e auxiliar no controle da hipercalce- sos fatores. Fluxo urinário aumentado leva a
mia; esse efeito, no entanto, raramente é visto aumento da magnesúria, tal como hipercalce-
nas primeiras 48 horas. mia e expansão do volume extracelular. O para-
tormônio, a calcitonina, o glucagon e a vaso-
B - Hipocalcemia
pressina estimulam a reabsorção e a retenção.
O tratamento é feito com reposição de cálcio Conceitualmente:
por via intravenosa. Habitualmente, a reposi-
- Hipermagnesemia: magnésio sérico >2,2mg/
ção é feita com gluconato de cálcio a 10%, de
dL;
10 a 20mL diluídos em 200mL de solução salina
fisiológica, ofertados em 10 a 20 minutos. - Hipomagnesemia: magnésio sérico <1,7mg/
Após a oferta inicial, o cálcio deve ser man- dL.
tido em infusão contínua de 50 a 100mg/h de
cálcio elementar (100mL de gluconato de cálcio 2. Causas
a 10% com 900mL de solução glicosada a 5%,
em infusão de 0,5 a 1,5mL/kg/h), além de insti- A - Hipermagnesemia
tuir oferta oral de cálcio (por exemplo, com car- De modo geral, ocorre com muito menos
bonato de cálcio de 1 a 1,5g/d). A oferta paren- frequência do que a hipomagnesemia. Pode
teral será interrompida quando os sintomas ocorrer em pacientes com insuficiência renal
forem controlados e os níveis séricos estiverem (aguda ou crônica) que recebam magnésio em
adequados, sendo mantido o cálcio por via oral. doses farmacológicas e no uso de laxantes ou
Assim como na hipocalemia, se existir hipo- enemas que contenham sais de magnésio.
magnesemia esta deverá ser tratada como tera-
A hipermagnesemia leve pode estar pre-
pia adjuvante no controle da hipocalcemia.
sente na insuficiência adrenal, na acromegalia,
no hiperparatireoidismo e na hipercalcemia
hipocalciúrica familiar.
IV - Distúrbios do magnésio
B - Hipomagnesemia
As principais causas associam-se a desnutrição
1. Conceitos e fisiopatogenia (particularmente em alcoólatras), perdas uriná-
O magnésio, depois do potássio, é o 2º cátion rias aumentadas e doenças do trato gastrintesti-
mais abundante no meio intracelular, onde par- nal. É frequente na população de internados.

122
Distúrbios hidroeletrolíticos

São causas: síndromes disabsortivas, res- Hiper-reflexia, tetania, convulsões e alte-


secção extensa do intestino delgado, pancrea- ração do nível de consciência são os sintomas
tite aguda, fístulas enterobiliares, situações de neurológicos observados.
débito urinário aumentado (poliúria pós-deso- Atenção especial deve ser dada aos sintomas
bstrução do trato urinário, fase poliúrica de cardiovasculares: a hipomagnesemia leva ao
necrose tubular aguda), drogas que aumentam prolongamento do intervalo QT no eletrocar-
as perdas urinárias de magnésio (diuréticos de diograma, predispondo a taquicardia ventricu-
alça e tiazídicos, anfotericina B, aminoglicosí- lar polimórfica sustentada, também chamada
deos), uso crônico de omeprazol e situações clí- de torsades de pointes e importante causa de
nicas com magnesúria aumentada (hipoparati- parada cardiorrespiratória.
reoidismo, hipercalcemia, síndrome de Bartter Quanto aos exames complementares,
e Gitelman, acidose metabólica, hiperaldoste- devem-se dosar o cálcio e o potássio, pois a
ronismo primário e diabetes mellitus). depleção desses íons geralmente acompanha a
Quanto às síndromes de Bartter e Gitelman, hipomagnesemia.
tratam-se de defeitos genéticos de reabsorção
de íons pelos túbulos renais e que simulam os
mecanismos de ação dos diuréticos de alça e
4. Tratamento
tiazídicos, respectivamente.
A - Hipermagnesemia
3. Manifestações clínicas e Como a principal causa é a administração
exógena, a base do tratamento consiste na sus-
exames complementares pensão da reposição de magnésio.
Fluxo urinário aumentado leva a perda de
A - Hipermagnesemia magnésio e, em pacientes com a função renal
As manifestações clínicas são decorrentes do preservada, a magnesúria pode ser estimulada
seu efeito sobre a condução elétrica nos siste- com diurético de alça após hidratação com soro
mas neurológico e cardiovascular, e sua gravi- fisiológico. Entre pacientes com insuficiência
dade depende do nível do magnésio sérico. renal, a hemodiálise pode ser necessária.
Níveis séricos de até 3,6mg/dL costumam ser Caso o paciente apresente arritmia cardíaca
assintomáticos; a partir de 6mg/dL, pode ocor- ou sintomas neurológicos graves, procede-se
rer diminuição dos reflexos tendinosos profun- de imediato à administração de 1g de gluco-
dos; conforme a magnesemia se aproxima de nato de cálcio a 10% (contém 90mg de cálcio
12mg/dL, surgem manifestações ainda mais elementar) diluídos em 100, num intervalo de
graves: rebaixamento do nível de consciência, 5 a 10 minutos.
coma, paralisia da musculatura respiratória,
hipotensão e arritmias cardíacas (bloqueio B - Hipomagnesemia
atrioventricular de 1º grau evoluindo para blo-
queio total ou assistolia, nessa ordem). A hipomagnesemia grave, com arritmia
cardíaca ou convulsões, demanda tratamento
B - Hipomagnesemia imediato. Para tanto, procede-se à infusão de
Como frequentemente há hipocalemia ou sulfato de magnésio intravenoso em bolus de
hipocalcemia concomitantes, seus respecti- 2g (diluídos em 50 ou 100mL de soro glicosado
vos sintomas podem estar sobrepostos aos da 5%) ao longo de 5 minutos, seguido de infusão
hipomagnesemia, e por vezes se torna difícil intravenosa de 2g ao longo de 6 horas e manu-
diferenciá-los. tenção de 0,5 a 1g/h. Também se deve dosar
Clinicamente, os sintomas derivam do o magnésio sérico no mínimo a cada 4 horas e
estado de hiperexcitabilidade neuronal e mus- mantê-lo sempre maior do que 1mg/dL, repe-
cular cardíaca decorrente da hipomagnesemia. tindo o bolus, se necessário.

123
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

Quadros menos graves ou assintomáticos lar para circulação), administração exógena


podem ser tratados com mais parcimônia. Há (hipercorreção de hipofosfatemia, uso de
necessidade de, pela via parenteral, adminis- enemas com fosfato e, raramente, bisfosfo-
trar de 1,5 a 3g de sulfato de magnésio por dia natos), hipoparatireoidismo e alcalose respi-
(150 a 300mg de magnésio elementar). Existem ratória prolongada.
sais para reposição oral, mas a absorção é muito
variável e todos causam diarreia, dificultando a B - Hipofosfatemia
adesão. Corrigir hipocalemia ou hipocalcemia A principal causa adquirida é a desnutrição.
concomitantes. A nutrição parenteral sem reposição adequada
de fosfato e a correção rápida da desnutrição
proteico-calórica podem causar hipofosfatemia
V - Distúrbios do fosfato (captação celular aumentada para síntese de
ATP e proteínas), fazendo parte da síndrome da
realimentação.
1. Conceitos e fisiopatogenia Outras causas adquiridas incluem alcoo-
lismo, hiperparatireoidismo, síndrome de Fan-
A maioria do fosfato corpóreo está nas célu- coni, acidose tubular renal distal, alcalose res-
las ou tecidos; a fração plasmática corresponde piratória aguda, hiperparatireoidismo primário
a apenas 1% do total. O fósforo encontra-se (sem insuficiência renal associada), deficiência
predominantemente na matriz mineral óssea, de vitamina D, “fome óssea” após paratireoi-
na forma de sais combinados com cálcio. No dectomia e fármaco-induzida (imatinibe, usado
meio intracelular, faz parte dos compostos no tratamento de leucemia mieloide crônica).
orgânicos de alta energia (ATP, fosfocreatina) e Há causas genéticas, mas são raras e fogem
da composição de proteínas intracelulares. ao escopo da obra. Ainda assim, hipofosfate-
O valor normal do fosfato sérico oscila entre mia grave só costuma ser observada nas causas
2,5 e 4,5mg/dL. O equilíbrio dá-se pela com- adquiridas (listadas anteriormente).
plexa relação entre os seguintes fatores: absor-
ção intestinal, metabolismo ósseo e excreção
renal.
3. Manifestações clínicas e
Os principais hormônios envolvidos na exames complementares
homeostase do fosfato são a vitamina D e o
PTH. O primeiro atua aumentando a absorção A - Hiperfosfatemia
intestinal de cálcio e fósforo, estimula a minera- Hiperfosfatemia de instalação aguda pode
lização óssea e inibe a secreção de PTH, hormô- levar a hipocalcemia sintomática e a deposi-
nio que estimula a excreção renal de fósforo. ção extraóssea de fosfato de cálcio tecidual.
- Hiperfosfatemia: fosfato sérico <2,5mg/dL; Quando crônica, está implicada na calcificação
- Hipofosfatemia: fosfato sérico >4,5mg/dL. vascular e no aumento no risco cardiovascular,
particularmente na doença renal crônica. Even-
2. Causas tualmente, leva a calcifilaxia urêmica, quadro
gravíssimo de calcificação vascular acelerada
com necrose cutânea e de extremidades.
A - Hiperfosfatemia
As causas mais comuns são a doença renal - Exames complementares
crônica e a lesão renal aguda, pela redução da Como a insuficiência renal (aguda ou crô-
excreção renal de fosfato. nica) é a principal causa de hiperfosfatemia, a
Outras causas incluem lise tumoral e rab- creatinina deve ser sempre dosada nesse con-
domiólise (liberação do fosfato intracelu- texto. A dosagem sérica de PTH intacto pode

124
Distúrbios hidroeletrolíticos

identificar o hiperparatireoidismo secundário à também desvia o fósforo para o meio intrace-


doença renal crônica. lular.
Deve-se dosar o cálcio à procura de hipocal- Se houver insuficiência renal aguda grave, a
cemia concomitante. Nos casos em que tanto o hemodiálise pode ser necessária.
cálcio quanto o fósforo estão elevados, devem- O tratamento da hiperfosfatemia crônica
-se dosar vitamina D e metabólitos, para avaliar envolve o uso de quelantes de fósforo na dieta
a possibilidade de hipervitaminose D. para diminuir sua absorção intestinal e medi-
das específicas para doença de base (hipopara-
B - Hipofosfatemia tireoidismo, doença renal crônica, intoxicação
Apresenta-se com encefalopatia, hemólise, por vitamina D etc.).
fraqueza muscular com eventual rabdomiólise
e insuficiência cardíaca, rash e descamação B - Hipofosfatemia
cutâneos. Os sintomas raramente acontecem A hipofosfatemia geralmente não configura
com fosfato sérico acima de 2mg/dL e são emergência, principalmente se assintomática.
tanto mais graves quanto mais rápido se instala A suplementação dietética com alimentos ricos
o déficit de fosfato. em fósforo ou sais de fosfato é suficiente.
Mesmo quando assintomática, a hipofos- Hipofosfatemia grave (fosfato <1mg/dL) ou
fatemia pode ser causa de dificuldade de des- sintomática demandam tratamento imediato.
mame de ventilação mecânica e deve ser sem- A reposição inicialmente é intravenosa. Utiliza-
pre pesquisada nessa situação. -se fosfato de sódio (ou de potássio) a 2mg/kg
IV de 6 em 6 horas, até que os níveis de fósforo
- Exames complementares
subam para 2mg/dL, quando a suplementa-
A dosagem de cálcio sérico ajuda na inves- ção passa a ser via oral, visando ao aporte de
tigação diagnóstica. Se normal ou elevada, há 1.200mg de fosfato por dia.
possibilidade de hiperparatireoidismo primá-
rio, devendo-se dosar o PTH sérico. Se o cálcio
estiver baixo, investigar deficiência de vitamina
D por meio de sua dosagem e de seus metabó-
litos.
Colhe-se gasometria arterial caso haja sus-
peita de alcalose respiratória. A dosagem de
potássio e a gasometria venosa podem direcio-
nar a investigação para acidose tubular renal
proximal ou distal (do tipo I), que cursam com
acidose metabólica e hipocalemia.

4. Tratamento
A - Hiperfosfatemia
O tratamento da hiperfosfatemia aguda
sintomática, em pacientes com função renal
preservada, envolve medidas para aumentar a
excreção renal desse ânion. Para tanto, podem-
-se utilizar expansão volêmica com solução
fisiológica, acetazolamida e solução polarizante
(insulina mais soro glicosado), pois a insulina

125
26
Artrites
Edgard Torres dos Reis Neto /
Marcelo de Medeiros Pinheiro / Diogo Souza Domiciano

1. Conceitos - Aditiva: quando uma articulação


é acometida, a outra permanece
A artrite consiste na presença de sinais flo- com artrite. Exemplo: artrite reu-
gísticos em uma articulação, incluindo dor, Padrão matoide;
edema, calor, rubor e perda de função. Entre- - Migratória: quando uma nova ar-
tanto, é importante ressaltar que nem sempre ticulação anterior já teve melho-
estes sinais estarão presentes de maneira con- ra. Exemplo: febre reumática.
comitante. Além disso, nas artropatias inflama- - Simétrica: acometimento bila-
tórias usualmente se observa rigidez matinal teral do mesmo grupo de articu-
lações. Exemplo: artrite reuma-
superior a 30 minutos. Deve-se ainda sempre toide;
estar atento para diferenciar dor e processos Simetria
- Assimétrica: sem relação com
inflamatórios intra-articulares daqueles pro- articulações acometidas entre os
cessos inflamatórios periarticulares, tais como lados do corpo. Exemplo: artrite
bursites e tendinites. Quando um paciente com psoriásica.
artrite é avaliado, alguns dados da anamnese e - Recorrente: episódios de crises
do exame físico são fundamentais e úteis para intercalados por períodos assin-
o diagnóstico diferencial da etiologia da artrite Persistência tomáticos. Exemplo: gota;
(Tabela 1). - Persistente: persiste ao longo do
tempo. Exemplo: artrite reumatoide.
Neste capítulo, abordaremos principalmente
os pacientes com artrites agudas, uma vez que - Axial. Exemplo: espondiloartrite;
esses são os mais frequentemente avaliados Localização - Periférica. Exemplo: artrite reuma-
toide, lúpus eritematoso sistêmico.
em um serviço de emergência.
Algumas doenças podem apresen-
Tabela 1 - Avaliação de paciente com artrite Sintomas tar a artrite como 1º sinal de uma
- Monoartrite: 1 articulação. Exem- sistêmicos doença sistêmica, como lúpus eri-
plo: doença por cristal, artrite sépti- tematoso sistêmico e vasculites.
ca;
Número de
articulações
- Oligoartrite: 2 a 4 articulações.
Exemplo: espondiloartrite;
2. Artrites agudas
acometidas
- Poliartrite: ≥5 articulações. Dentre as artrites agudas, os principais
Exemplo: artrite reumatoide, lú- diagnósticos diferenciais incluem artrite sép-
pus eritematoso sistêmico. tica, artropatia por cristais, 1º sintoma de
- Aguda: poucas horas ou dias. doença inflamatória sistêmica como lúpus
Exemplo: doença por cristal; eritematoso sistêmico ou artrite reumatoide,
Duração
- Crônica: mais de 6 semanas. artrite reativa, farmacodermia, infecções virais,
Exemplo: artrite reumatoide.
especialmente por citomegalovírus, rubéola,

126
Artrites

hepatites virais, infecções por espiroquetas Características Não gonocó-


clínicas Gonocócica cica
(doença de Lyme), síndrome de Sweet, sinovite
vilonodular pigmentada, hemartrose, artropa- Período mens- Risco aumen-
Sem relação
tia neuropática, osteoartrite, lesão traumática trual tado
ou carcinoma metastático. Deficiência de
Maior risco Maior risco
complemento,
para Neisseria para Neisseria
A - Artrites infecciosas agudas lúpus eritemato-
gonorrhoeae meningitidis
Os principais fatores de risco para artrite sép- so sistêmico
tica são: idade avançada; lesão ou doença arti- Tenossinovite Comum Incomum
cular prévia, especialmente artrite reumatoide, Poliartralgias Comum Incomum
osteoartrite e lúpus eritematoso sistêmico; uso Lesões de pele
Possivelmente
de tratamento imunossupressor; manipulação ou dermatite Ausente
presente
cirúrgica prévia, como artrocentese e injeção pustulosa
intra-articular ou presença de prótese articular;
diabetes mellitus; baixo nível socioeconômico; Até prova em contrário, todo paciente com
alcoolismo; hepatopatia e nefropatia crônica; monoartrite deve ser submetido a artrocen-
uso de drogas intravenosas; úlceras cutâneas e tese, sendo esta fundamental para o diagnóstico
hemoglobinopatias. da doença (ver classificação do líquido sinovial
Do ponto de vista didático, as artrites agu- na Tabela 3). Nas artrites sépticas, a análise do
das sépticas são divididas em 2 grandes grupos: líquido sinovial mostra habitualmente células
gonocócica e não gonocócica (Tabela 2). acima de 50.000/mm3, com predomínio de neu-
trófilos. A pesquisa de bactérias, pela coloração
Tabela 2 - Artrites gonocócica e não gonocócica: de Gram, é detectada em 50 a 70% dos casos.
fatores predisponentes e manifestações clínicas
Cultura deve ser sempre realizada, mas a posi-
Características Gonocócica Não gonocó- tividade é inferior a 50%. Na suspeita de artrite
clínicas cica
gonocócica, culturas de uretra, colo uterino,
Risco com
Idade Adultos jovens reto e orofaringe devem ser realizadas em meio
idade
específico (ágar-chocolate ou Thayer-Martin),
4 vezes mais
Sexo Sem diferença assim como inquérito em parceiros e pesquisa
em mulheres
de outras doenças sexualmente transmissíveis.
Tabela 3 - Classificação do líquido sinovial
Características Classe I Classe II Classe III Classe IV
Não inflamatório Inflamatório Séptico Hemorrágico
Cor Amarela/clara Amarela ouro Amarela/verde Vermelha
Aspecto Transparente Translúcido/opaco Opaco/purulento Sanguinolento
Viscosidade Alta Variável Baixa NA
Coágulo de mu-
Firme Variável Friável NA
cina
Leucócitos (mm3) <2.000 2.000 a 100.000 >100.000* NA
Diferencial
<25 >50 >75 NA
(% PMN)
Cultura Estéril Estéril Positiva Variável**
DHL Muito baixo Alto Variável --
>25, inferior à <25, muito inferior à
Glicose Próxima à glicemia Próxima à glicemia
glicemia glicemia
NA: não se aplica; PMN: polimorfonucleares.
* Pode ter valor inferior a 100.000 em quadros iniciais, micro-organismos de baixa virulência e pacientes que
já tenham iniciado tratamento.
** Pode ser positiva se hemartrose for decorrente de tuberculose.

127
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

A escolha inicial do antimicrobiano se baseia a 8 semanas. A drenagem do líquido sinovial é


no quadro clínico, na idade, no grupo de risco de extrema importância para preservação da
e no foco associado. O diagnóstico e a conduta função articular, o que pode ser feito por meio
terapêutica precoces são fundamentais para de aspiração por agulha, artroscopia, lavagem
evitar a destruição e o dano articular perma- aberta ou sinovectomia. Na prática, se uma
nente (Tabela 4). articulação é facilmente acessível por agulha
(como joelho), a aspiração diária pode ser rea-
Tabela 4 - Tratamento empírico inicial das artrites
lizada. No caso de articulação de difícil punção
sépticas
(como ombro ou quadril), a artroscopia ou a
Caracterís-
ticas Agente provável Antibiótico lavagem aberta garantem melhor resultado.
clínicas Nas artrites gonocócicas, a resposta à anti-
S. aureus, Ente- bioticoterapia é rápida, o que pode ser usado
robacteriaceae, como prova terapêutica naqueles com clínica
Idade <3 Streptococcus Oxacilina + cef- sugestiva e culturas negativas, com duração de
meses do grupo B, triaxona 7 dias, podendo ser mais prolongada a critério
Neisseria gonor- médico. Analgésicos e/ou Anti-Inflamatórios
rhoeae
Não Hormonais (AINHs) podem ser utilizados
S. aureus, S. de acordo com os sintomas dos pacientes.
pyogenes, S.
Idade entre Oxacilina ou Fisioterapia para prevenção de atrofia muscular
pneumoniae, H.
3 meses e 14 vancomicina + e contraturas deve ser iniciada precocemente.
influenzae, BGN,
anos ceftriaxona
Neisseria menin-
gitidis B - Artrites infecciosas crônicas
- LS + para BGN:
a) Tuberculose
cefalosporina
Neisseria gon- de 3ª ou 4ª Na maioria dos pacientes, é monoarticular. O
Adulto com
orrhoeae, S. geração; quadril e o joelho são as articulações mais aco-
vida sexual
aureus, S. pneu- - LS + para CGP: metidas, além da coluna vertebral. Quando se
ativa
moniae, BGN oxacilina ou apresenta na forma poliarticular, seu diagnós-
vancomicina ou tico é um desafio, chamando a atenção a possi-
linezolida.
bilidade de fístula sinovial para pele. O diagnós-
- Oxacilina ou tico se baseia na análise do líquido sinovial ou
ceftriaxona;
Adulto sem S. aureus, S. na biópsia sinovial. O disco intervertebral é o
- Vancomicina +
vida sexual pneumoniae,
ceftriaxona ou
local mais frequente dessa enfermidade, carac-
ativa BGN terizando discite e abscesso das partes moles
ciprofloxacino
(casos graves). adjacentes. O tratamento inclui o esquema para
Alto risco Cefalosporina de tuberculose recomendado atualmente pelo
-- Ministério da Saúde: isoniazida, pirazinamida,
para BGN 3ª ou 4ª geração
Cefalosporina de rifampicina e etambutol por 2 meses, seguido
Risco MRSA -- 2ª, 3ª ou 4ª gera- de rifampicina e isoniazida por 4 meses.
ção + vancomicina Deve-se lembrar de que a doença de Poncet
BGN: Bacilo Gram Negativo; CGP: Coco Gram Po- não é artrite infecciosa pelo Mycobacterium
sitivo; MRSA: S. aureus meticilinorresistente; LS: tuberculosis, mas sim uma forma de artrite rea-
Líquido Sinovial. tiva (estéril) secundária à tuberculose em outro
órgão ou sistema.
Nas artrites não gonocócicas, a duração do
tratamento intravenoso é de 3 a 4 semanas, b) Fungos
dependendo da gravidade do caso, seguido por Podem ser decorrentes de infecção direta
complementação por via oral até completar 6 sobre a articulação ou por extensão de infecção

128
Artrites

óssea adjacente. São mais comuns em pacien- associado a colchicina para obtenção de
tes imunossuprimidos, oncológicos e HIV posi- efeito sinérgico;
tivo. O diagnóstico é feito por pesquisa e cultura - Colchicina: via oral, dose 0,5mg, a cada 4
de fungos no líquido sinovial e, quando neces- a 8 horas ou até produzir efeitos colaterais
sário, biópsia sinovial. O tratamento depende gastrintestinais;
do fungo isolado (Tabela 5). - Glicocorticosteroides: oral, injetável ou in-
tramuscular ou intra-articular para casos
Tabela 5 - Tratamento de infecções fúngicas arti-
culares de contraindicação aos AINHs.
Agentes etiológicos Terapêuticas b) Crises recorrentes e intermitentes
Histoplasma capsula- Doses baixas de colchicina de 0,5mg, 1 a
tum var capsulatum
Itraconazol ou anfotericina B 2x/d, como tratamento profilático.
Histoplasma capsula-
tum var duboisii c) Hiperuricemia assintomática
Cryptococcus neofor- Fluconazol ou anfotericina
Deve ser tratada apenas se o nível sérico de
mans B ou 5-fluorocitosina
ácido úrico estiver acima de 12mg/dL ou uri-
Itraconazol ou cetoconazol
Paracoccidioides bra- cosúria de 24 horas acima de 1.100mg (preva-
ou anfotericina B ou sulfo-
siliensis lência de 50% de nefrolitíase por ácido úrico).
namidas
Sporothrix schenckii Itraconazol ou anfotericina B d) Terapia em longo prazo
Blastomyces dermati- Itraconazol ou anfotericina Se houver mais de 3 crises em 2 anos, cál-
tidis B ou fluconazol
culos renais (urato ou cálcio), gota tofácea ou
quadros crônicos erosivos.
3. Artrites metabólicas agudas - Podem-se usar inibidores da xantina oxi-
dase: alopurinol 100 a 300mg/d, para hipe-
- Artrite por cristais – gota e doença por rexcretores;
depósito de pirofosfato de cálcio - Agentes uricosúricos: benzbromarona
100mg/d, para normo ou hipoexcretores.
Durante a crise, a medida da uricemia tem
valor limitado, uma vez que pode estar nor- É importante ressaltar que essas medicações
mal ou baixo, devido à precipitação dentro das podem desencadear crise aguda de gota no iní-
articulações. O diagnóstico de certeza da gota cio do tratamento. Desta forma, as doses devem
é dado quando se encontram cristais intrace- ser gradualmente aumentadas e associadas aos
lulares, em forma de agulha ou espiculados, AINHs, em baixas doses, ou colchicina, como
birrefringência negativa, no líquido sinovial ou profilaxia para os 6 primeiros meses.
material tofáceo, à luz polarizada. Os cristais de
e) Considerações importantes
pirofosfato de cálcio apresentam forma rom-
boide e com birrefringência positiva. - Modificação do estilo de vida: evitar o ex-
A medida da uricosúria de 24 horas é indi- cesso de ingestão de alimentos com ele-
cada para se caracterizar 2 grupos principais de vada carga proteica, bem como de bebidas
pacientes: hipo ou normoexcretores (<800mg alcoólicas. Redução do peso, do consumo
em 24 horas) ou hiperprodutores. Essa caracte- abusivo de álcool, da hipertensão, do dia-
rização é fundamental para a tomada de decisão betes e da síndrome metabólica, bem
do agente terapêutico no período intercrise: uri- como da doença renal crônica e uso de diu-
cosúrico ou inibidor de síntese, respectivamente. réticos, especialmente tiazídicos;
- Contraindicações a medicações habituais:
a) Tratamento da crise aguda doença renal crônica, diabetes, hiperten-
- AINH intravenoso ou oral; dependendo da são, doença arterial coronariana e sensibi-
gravidade da sintomatologia do paciente, lidade ao alopurinol.

129
EMERGÊNCIAS CLÍNICAS

f) Para casos refratários melhores respostas radiológicas e funcionais ao


- O febuxostate (80 a 120mg/d) é um similar tratamento.
ao alopurinol e deve ser utilizado em pa- As principais medidas compostas de ativi-
cientes com sensibilidade prévia ao alopu- dade da doença utilizadas na prática clínica são:
rinol. Pode ser utilizado com segurança em DAS28 (Disease Activity Score derivative for 28
doença renal crônica; joints), SDAI (Simplified Disease Activity Index) e
- A rasburicase e a uricase peguilada são CDAI (Clinical Disease Activity Index). Deve ocor-
uma alternativa para pacientes com altos rer aumento progressivo da dose das Drogas
níveis de ácido úrico e com tofos. Modificadoras do Curso da Doença (DMCDs), até
atingir resposta satisfatória, dose máxima indi-
4. Artrites crônicas cada ou ocorrência de toxicidade. Além disso, há
evidências de melhora funcional em maior grau,
menor progressão radiográfica e maior índice de
- Artrite reumatoide remissão da doença nos pacientes que iniciam
A Artrite Reumatoide (AR) é uma doença com combinação terapêutica em relação àque-
inflamatória crônica de etiologia autoimune les que iniciam com monoterapia.
caracterizada por poliartrite simétrica de gran-
des e pequenas articulações que leva a defor- -Tratamento modificador do curso da doença
midades e destruição articular decorrente de Na Tabela 6 estão relacionadas as recomen-
erosões ósseas, com potencial evolução para dações atuais de tratamento da AR, segundo a
incapacidade funcional. European League Against Rheumatism (EULAR).
Com relação ao tratamento da doença, as
Tabela 6 - Resumo das recomendações EULAR
estratégias variam de acordo com diferentes para o tratamento (2010)
guidelines; porém, alguns princípios são comuns
- Tratamento com DMCDs sintéticas deve ser inicia-
no tratamento da AR. O objetivo do tratamento do tão logo o diagnóstico da AR seja feito;
deve ser a remissão da doença e, quando esta
- Objetivo do tratamento: remissão (DAS28 <2,6)
não é possível, manter, pelo menos, a doença ou baixa atividade da doença (DAS28 entre 2,6 a
em baixa atividade, como nos casos de artrite 3,2). Enquanto essa meta não for atingida, o trata-
reumatoide de longa evolução. Em linhas gerais, mento deve ser ajustado a cada 1 a 3 meses, com
rigoroso acompanhamento;
o diagnóstico precoce da doença possibilita a
instituição de tratamento precoce, que, por sua - Metotrexato é a 1ª DMCD de escolha para o trata-
mento em pacientes com artrite reumatoide ati-
vez, implica melhor prognóstico do paciente. va. Se houver contraindicações ou intolerância ao
O tratamento adequado deve ser aquele tão metotrexato, outras DMCDs devem ser considera-
agressivo quanto necessário para controlar a ati- das (leflunomida, sulfassalazina e ouro injetável);
vidade da doença, com monitorizações clínica, - Glicocorticoides em baixas ou altas doses, asso-
laboratorial e radiográfica do paciente. ciados às DMCDs em monoterapia ou em combi-
nações, fornecem benefícios e podem ser usados
O controle da atividade da doença deve ser
na fase inicial do tratamento e pelo menor tempo
realizado por meio de avaliações regulares, uti- possível;
lizando-se medidas compostas de atividade da - Avaliar os fatores independentes de mau prognós-
doença para tomada de decisões terapêuticas. tico, tais como fator reumatoide ou ACPA positivos,
No início do tratamento, recomenda-se que o especialmente em altos títulos; dano estrutural
paciente seja avaliado preferencialmente com precoce (cistos, erosões e redução do espaço ar-
ticular); elevada e persistente atividade de doença
frequência mensal. Avaliações mais espaçadas, (DAS28 >5,1 e VHS e PCR). Na presença desses fa-
com intervalos de até 3 meses, podem ser fei- tores, DMCDs biológicas podem ser considerados.
tas naqueles que estejam com a doença sob Na ausência de fatores de mau prognóstico, a troca
controle. A manutenção de um controle vigo- para outra DMCD sintética ou combinação entre
elas são a estratégia mais recomendada;
roso da atividade da doença está associada a

130
Artrites

- Inibidores do TNF-alfa devem ser administrados Drogas Doses


em combinação com metotrexato, uma vez que 500mg (até 60kg), 750mg (61
são mais eficazes do que a monoterapia;
a 100kg) e 1.000mg (acima de
- Na falha ao 1º agente anti-TNF, a troca pode ser Abatacepte 101kg), IV. Indução nos tempos 0,
feita para outro bloqueador do TNF ou com ou- 2 e 4 semanas. Manutenção a cada
tros mecanismos de ação, como anti-CD20 (ritu- 4 semanas
ximabe), anti-IL6 (tocilizumabe) ou modulador do
2º sinal (CTLA-4 – abatacepte); Tocilizumabe 8mg/kg IV, a cada 4 semanas
- Casos graves e refratários às DMCDs sintéticas 1g/infusão, em 2 infusões com in-
e agentes imunobiológicos podem ser tratados tervalo de 15 dias entre elas; repe-
Rituximabe
com azatioprina, ciclosporina ou ciclofosfamida tição do ciclo após 6 a 12 meses, de
(monoterapia ou em combinação, embora sejam acordo com a resposta clínica
medicações de exceção).

Nas Tabelas 7 e 8 estão apresentadas as


posologias utilizadas das DMCDs:
Tabela 7 - DMCDs sintéticas

Drogas Doses Monitorização


(intervalos)
Hemograma, AST
15 a 25mg/sem
Metotrexato e ALT, creatinina (3
(VO ou SC)
meses)
Hidroxicloro- Exame oftalmológi-
400mg, 1x/d
quina co (anual)
Sulfassala- Hemograma, AST e
1 a 3g/d
zina ALT (3 meses)
Hemograma, AST
Leflunomida 20mg/d e ALT, creatinina (3
meses)
Hemograma, AST e
Azatioprina 1 a 2mg/kg/d ALT, fosfatase alca-
lina (3 meses)
Pressão arterial
(cada consulta),
Ciclosporina 3 a 5mg/kg/d
creatinina (2 me-
ses)

Tabela 8 - DMCDs imunobiológicas


Drogas Doses
3mg/kg IV nos tempos 0, 2, 6 sema-
Infliximabe nas (indução) e depois a cada 6 a 8
semanas (manutenção)
25mg SC 2x/sem, ou 50mg SC, 1x/
Etanercepte
sem
Adalimumabe 40mg SC, a cada 2 semanas
400mg SC nas semanas 0, 2 e 4 e
Certolizumabe posteriormente 200mg a cada 2 se-
manas ou 400mg a cada 4 semanas
Golimumabe 50mg SC, a cada 4 semanas

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