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HISTÓRIAS

Ministério da Cultura, Governo


do Estado de São Paulo,
Secretaria da Cultura, Vivo,
Itaú, SESI e Terra Foundation
for American Art apresentam:

AFRO-
ATLÂNTICAS

PUBLICAÇÃO
EDUCATIVA

Concebida pelo Núcleo de Cultura e


Participação do Instituto Tomie Ohtake para
a exposição Histórias Afro-Atlânticas, em
cartaz no Instituto Tomie Ohtake e no MASP
de 29 de junho a 21 de outubro de 2018
HISTÓRIAS
Ministério da Cultura, Governo
do Estado de São Paulo,
Secretaria da Cultura, Vivo,
Itaú, SESI e Terra Foundation
for American Art apresentam:

AFRO-
ATLÂNTICAS

PUBLICAÇÃO
EDUCATIVA

Concebida pelo Núcleo de Cultura e


Participação do Instituto Tomie Ohtake para
a exposição Histórias Afro-Atlânticas, em
cartaz no Instituto Tomie Ohtake e no MASP
de 29 de junho a 21 de outubro de 2018
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HISTÓRIAS
AFRO-ATLÂNTICAS

O Núcleo de Cultura e Participação do Instituto Desenvolver materiais educativos como este, Como nos lembra a filósofa Djamila Ribeiro, Se toda nossa formação começa na educação
Tomie Ohtake realiza um extenso programa que com base na exposição Histórias Afro-Atlânti- “Falar de racismo, opressão de gênero, é visto e na cultura, temos aqui uma boa oportuni-
promove o engajamento e a atuação dos públi- cas, em colaboração com educadores e artis- geralmente como algo chato, ‘mimimi’ ou dade de, ao conhecer as obras da exposição
cos em projetos ligados à arte e à cultura. As tas e distribuído gratuitamente, é uma maneira outras formas de deslegitimação. A tomada Histórias Afro-Atlânticas e os caminhos de
atividades, que acontecem no Instituto Tomie de ampliar para a esfera da educação formal de consciência sobre o que significa deses- debate que elas propõem, explorar nossas
Ohtake e em outros territórios da cidade, bus- e não formal, a partir de um olhar crítico e in- tabilizar a norma hegemônica é vista como próprias crenças e convicções de que tipo de
cam considerar as aspirações e os interesses vestigativo, o alcance das discussões trazidas inapropriada ou agressiva porque aí se está sociedade desejamos construir.
das pessoas, seus repertórios culturais e papel pela mostra. confrontando poder.” Assim, abordar com
como sujeitos de seu próprio desenvolvimento. crianças, jovens e adultos os temas ligados Esperamos que esta publicação contribua para
Neste caso, discussões urgentes e imprescin- ao racismo e às desigualdades sociais deve seus processos pedagógicos e que você re-
O programa inclui visitas e ateliês em torno díveis. O Brasil não foi apenas o último país do ser feito de forma crítica, constante e con- torne ao Instituto Tomie Ohtake para esta e
das exposições do Instituto Tomie Ohtake, for- Ocidente a abolir a escravidão, mas também o tundente, pois eximir-se da responsabilidade outras exposições, cursos, debates, formações
mação de professores, cursos, debates, se- que recebeu o maior número de escravizados de revisão crítica da história e da discussão e apresentações artísticas que realizamos se-
minários, workshops, performances, mostras africanos (4,8 milhões de pessoas) durante sobre as heranças perversas do sistema es- manalmente de forma gratuita – confira a pro-
de filmes, projetos de experimentação artís- quase 400 anos. Mesmo depois de 130 anos cravagista é uma forma de silenciamento. Am- gramação em www.institutotomieohtake.org.br.
tica para jovens, premiações para professores, de sua abolição, completados em 2018, a es- pliar consciências e buscar transformações é
artistas, arquitetos e designers e publicações, cravidão revela cotidianamente suas heranças: uma medida que deve alcançar também as Teremos também a imensa satisfação em re-
como esta que você tem em mãos, além de a enorme violência, racismo e desigualdade próprias instituições, sejam elas educacionais, ceber suas ideias, dúvidas ou comentários
outras oportunidades de experimentação nos social que produziu e que marcam profunda- culturais, sociais, governamentais ou empre- pelo e-mail participação@institutotomieohtake.
campos culturais e artísticos. mente a nossa cultura e sociedade. sariais, de modo que as estruturas de poder org.br.
possam corrigir suas práticas.
A ampliação do entendimento sobre as múlti- Boa leitura!
plas histórias da escravidão e de seus efeitos
na vida atual é um caminho fundamental para Felipe Arruda
que nosso país se reconheça de forma ver- Diretor
dadeira em sua constituição e seus desafios Núcleo de Cultura e Participação
– e não por meio de idealizações como, por Instituto Tomie Ohtake
exemplo, a do mito da democracia racial – e
possa alterar seus rumos.
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HISTÓRIAS
AFRO-ATLÂNTICAS

PUBLICAÇÃO
A Lei 10.639, ao inserir nos currículos esco- A partir de diálogos com professores, educa-
lares a abordagem da história e da cultura dores, pesquisadores e artistas, identificamos
afro-brasileiras considerando a contribuição a potência de propor maneiras de articular
e o protagonismo de diferentes grupos étni- conhecimentos, pesquisas, práticas pedagó-

EDUCATIVA
co-sociais, demandou a reinvenção de práti- gicas e contribuições dos alunos e da comu-
cas pedagógicas e a busca por materiais di- nidade escolar no trabalho relativo aos fluxos
dáticos que trouxessem outras perspectivas. afro-atlânticos, ao continente africano e à
Alinhados aos novos desafios da educação e cultura afro-brasileira. Assim, esta publicação
às discussões apresentadas pela exposição pauta-se pela abordagem de ações afirmativas
Histórias Afro-Atlânticas, construímos este ma- que possam desconstruir práticas de racismo e
terial, que pretende ser um ponto de apoio e criar processos educativos mais democráticos,
uma ferramenta de trabalho e pesquisa para críticos e inclusivos. Afinal, a construção de
professores, educadores e outros profissionais uma sociedade mais justa e igualitária é uma
da educação, entendidos como um importante responsabilidade intensamente implicada no
ponto de ligação entre os diálogos propostos trabalho de professores e educadores.
pelas instituições culturais e a sociedade.
O projeto gráfico desenvolvido pelo Estúdio
O desejo de multiplicação de vozes e inserção Margem partiu de investigações sobre a esté-
de mais camadas de discussão acerca da his- tica e os conceitos do Afrofuturismo, os ideo-
tória oficial e das novas narrativas são ideias gramas africanos e a geometria em diálogo
que estruturam a espinha dorsal da publicação com os conteúdos e propostas desta publica-
educativa. O ponto de partida foi a reflexão ção educativa. Foi criada uma tipografia com
coletiva sobre os processos históricos da for- a dupla função de questionar a universalidade
mação do Brasil, suas reverberações sociais e a neutralidade da fonte helvética e, também,
e a consciência de que não é possível – nem propor a criação de uma nova fonte que con-
desejável – fechar o discurso com uma con- sidera a ancestralidade em diálogo com o
clusão unívoca. futuro, evitando a abordagem estereotipada
e folclorizada do continente africano e seus
símbolos. As cores escolhidas remetem àque-
las utilizadas por boa parte dos movimentos de
resistência negra. A partir desses elementos
foi pensada uma estrutura que remete à ideia
de camadas, convidado professores e educa-
dores a revirar as histórias e acessar outras
versões e maneiras de contá-las.
06 07
HISTÓRIAS
AFRO-ATLÂNTICAS

Com esses objetivos, propomos a vocês, pro- NARRATIVAS Considerando a potência VOCABULÁRIO Traz as definições resu- CONECTIVOS As 24 palavras são dis-
fessores e educadores, reflexões, discussões das histórias – termo colo- EM DEBATE midas de termos, pala- positivos para criar rela-
e atividades que auxiliem no diálogo com cado no plural –, as pequenas narrativas pre- vras e expressões que ções, aproximações, distanciamentos e sobre-
seus alunos, respeitando e considerando sua sentes nos 8 cartões contam momentos da remetem à história e à estruturação de nossas posições entre as imagens e os textos. Use
formação prévia e as especificidades de sua história do Brasil partindo da vida de sujeitos relações sociais, tangenciando as práticas de esses conectivos para explorar os materiais
comunidade escolar. Para isso, nos utilizamos específicos. Foram selecionadas pessoas que racismo e vocabulários utilizados pela mili- presentes nesta publicação educativa junto
de diferentes conteúdos e estratégias que pos- protagonizaram processos de emancipações, tância negra. Desejamos que você investigue com seus alunos e sinta-se livre para incluir
sam construir um novo universo de referências resistências e ativismos desde o século XVIII esses termos com os seus alunos e, também, mais palavras e mais elementos.
acerca de cultura e história africana e afro-bra- até os tempos atuais. A escolha considerou faça suas contribuições e apontamentos.
sileira. as diferentes épocas, as possibilidades de REFERÊNCIAS No final deste livreto há
atuação crítica dentro da sociedade e a diver- IMAGENS Foram selecionadas obras uma série de referências
DISCUSSÕES sidade das estratégias de luta e resistência. da exposição Histórias Afro- sobre a história do Brasil, o continente afri-
Trazem conteúdos que Além das histórias de Tereza de Benguela, -Atlânticas a partir de sua vinculação com os cano, a cultura afro-brasileira e as práticas de
partem da exposição Histórias Afro-Atlânti- Maria Firmina dos Reis, Luiz Gama, Madame conteúdos aqui desenvolvidos, considerando racismo, e também produções literárias feitas
cas e visam dar apoio aos professores para Satã, Abdias Nascimento, Marielle Franco e a diversidade de formatos, técnicas, épocas por negros e negras. Além de livros e artigos,
a construção de novas práticas pedagógicas Elza Soares, há uma narrativa ainda por ser e discursos. Norteou a escolha, também, o você encontrará indicações de páginas da in-
e estratégias de abordagem. Em Histórias feita, como uma afirmação da existência de desejo de apresentar novas referências ico- ternet e canais do YouTube. Essas indicações
estão reflexões acerca da sobreposição e da inúmeros outros sujeitos cujas histórias devem nográficas sobre a presença de africanos e sugerem caminhos para o aprofundamento da
reinvenção das histórias contadas sobre os ser lembradas e contadas. afrodescendentes na construção da história do pesquisa e podem ser usadas nas atividades
africanos no Brasil a partir da busca por ou- Brasil e na produção artística. Esperamos que com os estudantes e a comunidade escolar.
tros protagonismos e pontos de vista. O texto PANORAMA Estão alguns dos aconte- essas imagens possam estimular questiona-
Palavras traz apontamentos sobre como a cimentos ligados às eman- mentos, interpretações e processos de criação. Esta publicação partiu de situações coletivas
linguagem e as formas de comunicação cons- cipações, resistências e ativismos desde o de diálogo e partilha, tendo como norte o com-
troem relações sociais e podem reproduzir ou século XVII até o século XXI. Diante da im- Buscam auxiliar na promisso com as revisões críticas da história
reforçar racismos e segregações. O estímulo possibilidade de abranger todas as informa- PROPOSTAS DE abordagem das ques- que estimulam o respeito à diversidade e a
a uma leitura crítica e a busca por novas pos- ções, foram selecionados alguns dados sobre ATIVIDADES tões apontadas acima transformação das práticas pedagógicas. De-
sibilidades de abordagem iconográfica são as lutas, revoltas, conquistas e segregações por meio do estímulo sejamos que você e seus alunos apropriem-se
as questões estruturantes de Imagens. Em vividas e protagonizadas por africanos e a debates, pesquisas e construções coletivas dela e deem continuidade às construções co-
Diásporas estão discussões sobre as contri- afrodescendentes ao longo da história, com que explorem tanto a análise crítica quanto o letivas que a geraram.
buições dos africanos e novos imigrantes na destaque para o Brasil. Fique à vontade para potencial criativo dos estudantes. Desejamos
construção do Brasil. A menção a alguns dos desenvolver outras pesquisas e incluir mais que sua aplicação seja viável nos diferentes Divina Prado
trabalhos presentes na exposição comple- informações no panorama. espaços de educação e que possam ser adap- Pesquisa e Conteúdo
menta as reflexões trazidas pelos textos com tadas a diferentes grupos, considerando cada Núcleo de Cultura e Participação
possibilidades de leituras e diálogos. comunidade escolar e as questões de aces- Instituto Tomie Ohtake
sibilidade.
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HISTÓRIAS
AFRO-ATLÂNTICAS

HISTÓRIAS
Histórias Afro-Atlânticas é uma iniciativa iné- Buscando a pluralidade de imagens e histórias,
dita do Instituto Tomie Ohtake e do MASP, a exposição apresenta cerca de 400 obras de
duas das principais instituições culturais de mais de 200 artistas, tanto do acervo do MASP
São Paulo. A curadoria da mostra é assinada quanto de coleções brasileiras e internacio-

AFRO-
por Adriano Pedrosa e Lilia Schwarcz, junto nais, incluindo desenhos, pinturas, escultu-
aos curadores convidados Ayrson Heráclito, ras, filmes, vídeos, instalações, fotografias,
Hélio Menezes e Tomás Toledo. Trata-se de documentos e publicações de arte africana,
um desdobramento da exposição Histórias europeia, latina, norte-americana, caribenha,

ATLÂNTICAS
Mestiças, realizada no Instituto Tomie Ohtake entre outras. Os empréstimos foram cedidos
com curadoria de Adriano Pedrosa e Lilia Sch- por algumas das principais coleções particula-
warcz no ano de 2014. res, museus e instituições culturais do mundo,
como Metropolitan Museum of Art, J. Paul
A exposição busca oferecer um panorama das Getty Museum, National Gallery of Art, Menil
múltiplas histórias possíveis acerca das trocas Collection, Galleria degli Uffizi, Musée du quai
bilaterais – culturais, simbólicas, artísticas etc. Branly, National Portrait Gallery, Victoria and
– representadas em imagens vindas da África, Albert Museum, National Gallery of Denmark
da Europa, das Américas e do Caribe. Além (SMK), Museo Nacional de Bellas Artes de
disso, ressalta as contribuições culturais dos Cuba e National Gallery of Jamaica.
povos africanos, seu protagonismo nas lutas
pela liberdade e sua produção artística. Para O Brasil coloca-se como um território chave
isso, articula-se em torno de oito núcleos te- nessas histórias afro-atlânticas, pois recebeu
máticos que friccionam diferentes movimen- cerca de 46% dos africanos que, ao longo de
tos artísticos, geografias, temporalidades e mais de 300 anos, foram tirados de seus paí-
materialidades, sem compromisso cronoló- ses e escravizados deste lado do Atlântico. O
gico, enciclopédico ou mesmo retrospectivo. número corresponde ao dobro dos portugueses
No Instituto Tomie Ohtake estão os núcleos que se estabeleceram no país para colonizá-lo,
Emancipações e Resistências e Ativismos. No o que evidencia a expressiva presença e a im-
MASP estão presentes Mapas e Margens, Co- portância dos africanos em nossa história. De
tidianos, Ritos e Ritmos, Retratos, Modernis- maneira bastante perversa, o Brasil foi também
mos Afro-Atlânticos e Rotas e transes: Áfricas, o último país a abolir oficialmente a escravidão,
Jamaica, Bahia. em 1888, por meio da Lei Áurea, que completou
130 anos em maio de 2018. Assim, a discussão
sobre as questões trazidas pela mostra faz-se
necessária e urgente como forma de rever a
história e ressignificar o presente.
10 DISCUSSÕES

HISTÓRIAS P.13
PALAVRAS P.19
IMAGENS P.25
DIÁSPORAS P.31
HISTÓRIAS 13

“A história única cria estereótipos.


E o problema com estereótipos
não é que eles sejam mentira,
mas que eles sejam incompletos.
Eles fazem uma história tornar-se
a única história.”
Chimamanda Ngozi Adichie

Griots e griotes são homens e mulheres que


contam, dançam e cantam histórias sobre seu
povo e seus antepassados africanos. Essas
histórias são transmitidas oralmente de uma
geração a outra, constituindo um ponto de
ligação, identificação e pertencimento entre
diferentes sujeitos de uma comunidade. Por
seu importante papel na preservação e disse-
minação de narrativas tradicionais, os griots e
as griotes são chamados de guardiões da me-
mória. Através dos contadores de história que
atravessaram o Atlântico na diáspora negra
iniciada no século XVI, muitas histórias e me-
mórias do povo africano permaneceram vivas
e se disseminaram na cultura afro-brasileira.
14 15
HISTÓRIAS HISTÓRIAS
AFRO-ATLÂNTICAS

As religiões de matriz africana também tiveram Quando se pensa na diáspora africana, o que O trabalho Incômodo (2014), do artista bra-
importante papel no processo de “diáspora vem à mente primeiro, muitas vezes, é o sis- sileiro Sidney Amaral (1973-2017), traz uma
narrativa”, levando as histórias dos Orixás, In- tema escravocrata e a atuação dos africanos narrativa diferente acerca da abolição da es-
quices e Voduns aos terreiros, que constituem como força de trabalho. No entanto, todo o cravatura no Brasil. Ao invés de atribuir esse
espaços de convivência, educação, memória, processo de construção da sociedade brasi- processo unicamente à assinatura da Lei
celebração e culto. leira, que reverbera até hoje nas instituições Áurea, Sidney constrói um complexo quadro
e nas relações sociais, deu-se com a partici- de referências que coloca ne-
Não só os griots e as griotes construíram nar- pação de um número exorbitante de sujeitos, gros como protagonistas, evi- QUESTIONAR AS
rativas e contaram histórias no Brasil e em cada qual com sua história, seus valores, suas denciando a presença de ex- NARRATIVAS
outros países da América, incontáveis outros vontades e suas lutas. Questionar as narrati- -escravizados, abolicionistas NATURALIZADAS É
sujeitos também o fizeram. Contar histórias, vas naturalizadas é o primeiro passo para a e ativistas, a exemplo de Luiz O PRIMEIRO PASSO
expressar-se, partilhar memórias e ensinamen- construção de novas histórias, mais diversas e Gama e José do Patrocínio, PARA A CONSTRUÇÃO
tos por meio da fala, para além de fortalecer inclusivas. Nesse sentido, a arte pode ser uma símbolos da cultura africana, DE NOVAS HISTÓRIAS,
comunidades e culturas, são formas potentes grande aliada. Investigar as narrativas presen- como o Xangô fotografado por MAIS DIVERSAS
de resistência identitária. As narrativas, enten- tes na produção artística e entendê-las a partir Pierre Verger no Benin, e ou- E INCLUSIVAS.
didas como práticas de significação e proces- de um ponto de vista crítico, confrontando-as tros sujeitos que construíram
sos simbólicos que estabelecem relações de com outras histórias e buscando outros prota- essa história. O conjunto de imagens abre
poder, tornam-se campo de disputa. As histó- gonismos, pode ser um forte disparador para caminhos para uma investigação de outras
rias oficiais, construídas a partir de modelos que os discursos oficiais, tanto da arte quanto histórias do Brasil e reitera o direito à memó-
europeus e notadamente eurocêntricos, são das mídias, sejam colocados à prova. ria e à ancestralidade, bem como as lutas dos
repetidas e disseminadas até se naturalizarem afrodescendentes até os dias atuais.
como história única, que, além de ignorar a
riqueza cultural das narrativas que estão nas
margens, gera um processo de silenciamento,
desumanização e anulação de subjetividades.
16 17
HISTÓRIAS HISTÓRIAS
AFRO-ATLÂNTICAS

A pintura Rebelião de escravos em navio


negreiro (1833), do francês Edouard Antoine
A confluência entre as Áfricas e as Américas
construiu e vem construindo narrativas plurais De que formas
Renard (1802-1857), e a escultura Barca dos
Exus, do brasileiro José Alves de Olinda (1953-),
e diversas, com a participação de um número
incontável de sujeitos que são protagonistas as histórias são
também trazem outros apontamentos sobre
a história da escravidão e das emancipações.
de suas próprias vidas. Nesse sentido, investi-
gar novas formas de contar a história do Brasil, ensinadas?
Edouard representa um homem africano em considerando a presença dos africanos e afro-
uma situação de revolta no navio, afirmando descendentes para além do contexto da escra-
que as resistências à escravi-
dão tiveram início durante as A CONFLUÊNCIA ENTRE
vidão e buscando novos pro-
tagonismos, é um campo fértil Como
travessias do Atlântico e ne- AS ÁFRICAS E AS
gando a ideia de que os afri- AMÉRICAS CONSTRUIU
para a construção de proces-
sos educativos mais inclusivos, desconstruir,
canos aceitaram passivamente E VEM CONSTRUINDO
a situação que lhes foi imposta. NARRATIVAS PLURAIS
que respeitem a memória e a
contribuição dos diferentes desaprender
A escultura de José Alves de
Olinda constitui-se de um navio
E DIVERSAS. grupos étnico-raciais.
ou dar novas
cheio de guerreiros portando lanças. Isso evi-
dencia que os navios negreiros não trouxeram configurações?
para as Américas apenas homens e mulhe-
res que serviram como força de trabalho, mas
também culturas, religiões, memórias, línguas
e mecanismos de resistência que, desde os Onde
primeiros momentos, representaram tensão
para os traficantes e os senhores de escravos. uma história
começa?
PALAVRAS 19

Ubuntu.
[Eu sou porque nós somos.]*

* Antiga palavra africana Palavras carregam histórias, camadas, va-


das línguas zulu e xhosa,
pertencentes ao grupo lores e significados que, muitas vezes, per-
linguístico bantu. manecem incógnitos quando elas são ditas.
As revisões críticas do contexto da escravi-
dão moderna têm provocado importantes
reflexões acerca das palavras e expressões
usadas para contar as histórias da diáspora
negra. O termo “escravo” tem sido preterido
em prol do uso do termo “escravizado”, que
subentende a condição do indivíduo livre ao
qual foi atribuída a condição jurídica da escra-
vidão. Portanto, leva ao entendimento de que
a escravidão não é uma condição inata do
ser humano, mas uma situação imposta por
agentes e contextos específicos – no caso da
escravidão afro-atlântica, os colonizadores – e
que não deve estar acima de sua condição de
indivíduo portador de subjetividade, voz, livre
arbítrio, memória e origem.
20 21
PALAVRAS HISTÓRIAS
AFRO-ATLÂNTICAS

Ademais, nenhum grupo étnico-racial deve ser Essas classificações pautadas pela cor e cen- Lélia Gonzalez (1935-1994), intelectual, femi- Por outro lado, o escritor e pesquisador Ro-
definido e historicizado a partir de uma condi- tradas no sujeito tido como neutro cumprem o nista e militante do movimento negro brasileiro, land Barthes (1915-1980) afirma que a língua
ção de servidão a ele imposta arbitrariamente. papel de homogeneizar os diferentes grupos criou o termo Pretoguês para definir a forma é fascista não porque impede de dizer, mas
étnicos e culturais do continente africano, pro- como falavam os africanos escravizados no porque obriga a dizer. As práticas pedagógi-
Classificações étnico-raciais do mundo oci- cesso que foi reforçado pelo tráfico atlântico Brasil. Tais grupos tiveram importante con- cas que têm como objetivo a revisão crítica e
dental, que separam e definem indivíduos a ao definir os africanos a partir do porto de tribuição na estruturação da língua brasileira, as ações afirmativas devem considerar uma
partir de sua cor e de seus traços fenotípicos, saída da África, nem sempre condizente com que absorveu palavras, expressões e sota- orientação linguística que reveja criticamente
têm como ponto de partida a ideia de um su- seu lugar de origem. Tais processos históricos ques oriundos dos povos africanos que aqui as expressões e os termos racistas e excluden-
jeito universal e neutro materializado na figura incidem diretamente sobre os signos linguísti- aportaram. Além de mencio- tes usados no cotidiano – por
do homem branco. Todos os não brancos são cos e a comunicação, atribuindo valor semân- nar os intercâmbios entre o TODOS OS NÃO exemplo, chamar os africanos
racializados e definidos a partir dessa classi- tico pejorativo a alguns termos e perpetuando português e as diversas lín- BRANCOS SÃO sequestrados de “escravos” –,
ficação. Por exemplo, dificilmente são espe- expressões essencialmente racistas, violentas guas africanas, Lélia usa o RACIALIZADOS E propondo investigações acerca
cificados o grupo étnico ou o gênero de uma e excludentes. termo para denunciar o pre- DEFINIDOS A PARTIR de suas origens e suas rever-
exposição de arte que contempla apenas ar- conceito linguístico existente DESSA CLASSIFICAÇÃO. berações nas relações sociais.
tistas homens e brancos, situação em que são em relação à fala que se des-
mencionados o assunto, a técnica ou outra via das regras da norma culta. Assim, aponta O trabalho intitulado O que não precisa ser
característica vinculada unicamente à produ- a linguagem dominante como uma forma de dito (2012), do norte-americano Hank Willis
ção artística. No caso de mostras que trazem manutenção do poder por meio da atribuição Thomas (1976-), aproxima um pelourinho e
recortes diferentes, como as de artistas ne- de valor a um tipo de discurso e atribuição de um microfone. Ao unir objetos de contextos
gros, artistas mulheres, artistas indígenas e descrédito a todos os outros que dele se dife- tão distintos, o artista cria uma complexa rede
outros grupos considerados não universais e rem. Esse processo tem como uma de suas de relações que estimulam reflexões sobre
não neutros, dificilmente os discursos que as implicações perniciosas a criação de silen- os processos de silenciamento, os lugares
definem dispensam classificações étnico-ra- ciamentos das vozes de determinado grupo de fala e os discursos que reproduzem ra-
ciais ou de gênero. étnico-racial ou social. cismos. Além disso, traz possibilidades de
leitura sobre os significados e as memórias
que orbitam os objetos.
22 23
PALAVRAS HISTÓRIAS
AFRO-ATLÂNTICAS

Na série Ex-votos (2017), o artista Antônio


Obá (1983-) investiga as palavras escravo
Para desconstruir as relações sociais trunca-
das pela existência silenciosa de hierarquias Quais memórias
[ex-cravo], amnésia e identidade, utilizando-se
de madeira, betume, tinta, cravos e espelho
que definem protagonistas e negam subjeti-
vidades, é necessário buscar palavras e ex- habitam as
para dar materialidade estética à investigação.
Longe de afirmar um discurso unívoco sobre o
pressões que considerem a diversidade dos
integrantes de cada comunidade, grupo ou palavras?
uso social e o substrato histórico das palavras, sala de aula e, desse modo, não reforcem
Antônio Obá insere elementos e cria novas nem naturalizem processos de discriminação
relações de modo a ampliar
as possibilidades de leitura É NECESSÁRIO
e exclusão. No entanto, isso
não significa que seja neces- Quem pode
e interpretação. Esses traba- BUSCAR PALAVRAS
lhos trazem à tona as cama- E EXPRESSÕES
sário desviar dos termos vis-
tos como problemáticos – às falar?
das dos discursos ditos e não
ditos, bem como a polissemia
QUE CONSIDEREM A
DIVERSIDADE DOS
vezes é preciso enfrentá-los,
dar nomes às memórias que Quem consegue
de palavras e expressões de INTEGRANTES DE
uso corrente que inescapavel- CADA COMUNIDADE.
eles trazem e coletivizar a
discussão pelos caminhos da ser escutado?
mente estão relacionadas ao pedagogia do afeto.
contexto da escravidão e à estruturação das
sociedades escravocratas.
Que poderes
Paulo Nazareth (1977-) e Bruno Baptistelli
(1985-), respectivamente com os trabalhos as palavras
Negro preto (2012-13) e Linguagem (2015), uti-
lizam-se das palavras “negro” [neger] e “preto”. expressam?
Paulo insere os termos em cartazes escritos
à mão segurados por dois homens, enquanto
Bruno reproduz as palavras com tinta preta
sobre fundo preto com sutis variações de to-
nalidade. O procedimento de isolar as palavras
e inseri-las em outros contextos traz reflexões
sobre os valores semânticos a elas atribuídos,
processos de autodeclaração, identidade, re-
conhecimento, racialização e colorismo.
IMAGENS 25

“Eles querem de nós a lamentação


Subestimam demais
sem ter a visão
Causamos espanto quando
transformamos o pranto
Em coragem e superação
Sou apenas mais
uma na multidão
Clamando por progresso
e proteção
Num país onde a história do
negro é velada
E branquificada na televisão”
Karol Conka
26 27
IMAGENS HISTÓRIAS
AFRO-ATLÂNTICAS

Assim como os textos, as imagens possuem Grande parte das referências que habitam o Pesquisas mais aprofundadas sobre os trân- A fotografia de Adenor Gondim (1950-), da sé-
autores. Mesmo que em algumas situações imaginário sobre a presença de africanos e sitos afro-atlânticos e as estruturas sociais rie Irmandade da Nossa Senhora da Boa Morte
tais autores não sejam identificados, todas afrodescendentes na construção da cultura escravagistas trouxeram novos dados e pos- (década de 1990), mostra um grupo de cinco
elas foram feitas por sujeitos que estiveram em brasileira – ainda que cumpram um impor- sibilidades de confrontação das imagens ofi- mulheres negras ricamente vestidas e adorna-
contato com as estruturas sociais e políticas de tante papel de documentação dos costumes, ciais, dos quais podemos nos munir para lan- das. Trata-se uma confraria religiosa afro-ca-
seu tempo, dialogaram com outros sujeitos – arquiteturas, vestimentas e outros aspectos çar outros olhares ao acervo iconográfico dos tólica brasileira criada na primeira metade do
com ideias semelhantes ou diferentes das suas da organização social de uma dada época – tempos da escravidão. Essas novas narrativas século XIX e que existe até hoje. Dentre as ati-
– e criaram representações que, no ato de cria- foram construídas a partir do ponto de vista também criam suas iconografias contempo- vidades da irmandade estavam a arrecadação
ção, serviram a determinados propósitos. É ne- normativo do sujeito livre, o que confere a elas râneas, representando leituras da história da de fundos para a compra de alforrias, a ajuda
cessário mencionar, também, a longevidade algumas leituras já dadas de antemão e que diáspora negra em diálogo com as implica- aos necessitados e a realização dos rituais
das imagens. Se hoje temos contato com ima- reforçam a história oficial. Vale mencionar que ções sociais contemporâneas desse contexto. fúnebres e sepultamentos. Além do forte sin-
gens construídas no passado, quase não existem registros cretismo religioso, a fotografia traz discussões
é porque houve preocupação ESSAS NOVAS iconográficos da escravidão As colagens Sem título (2005), da norte-ame- sobre a preservação da memória como forma
com registro, documentação e NARRATIVAS TAMBÉM feitos pelos próprios escravi- ricana Kara Walker (1969-), revestem de vi- de resistência e a existência de diferentes ti-
salvaguarda, processos apli- CRIAM SUAS zados, o que evidencia uma sualidade as narrativas dissonantes. A artista pos de organizações coletivas de africanos e
cados a algumas imagens em ICONOGRAFIAS espécie de olhar estrangeiro se apropria de jornais ilustrados da época da afrodescendentes que lutaram continuamente
detrimento de outras. CONTEMPORÂNEAS, para tais cenas. Mesmo que Guerra Civil Norte-Americana (1861-1865) e pela emancipação dos escravizados.
REPRESENTANDO algumas delas sejam ima- faz intervenções sobre eles. A técnica da co-
LEITURAS DA HISTÓRIA gens inverossímeis e roman- lagem é particularmente interessante nesse O retrato de Fon Ndofoa Zofoa III - rei de Ba-
DA DIÁSPORA NEGRA ceadas, cuja função de docu- caso, pois possibilita a justaposição de frag- bungo (2012), do austríaco Alfred Weidinger
EM DIÁLOGO COM AS mento imparcial não resiste a mentos de diferentes épocas, lugares e con- (1961-), traz um contraponto à visão estereoti-
IMPLICAÇÕES SOCIAIS um olhar atento e crítico, são textos. Kara associa documentos do passado pada que até hoje se conserva acerca do con-
CONTEMPORÂNEAS legitimadas e reforçadas por escravagista dos Estados Unidos a novas tinente africano devido às teorias cunhadas
DESSE CONTEXTO. meio da reprodução em livros imagens e textos que tanto questionam os no passado para justificar a colonização e a
didáticos e livros de história discursos do passado quanto expõem as per- escravização. A imagem mostra um rei elegan-
sem considerar aspectos relativos a autoria, sistências atuais, com destaque para a atri- temente vestido, com tecidos africanos, cola-
contexto e objetivo de criação. buição de estereótipos ao corpo negro e as res de contas e coroa, sentado em um trono
violências sociais e simbólicas sofridas pelas imponente adornado por esculturas, peles e
mulheres negras. padrões geométricos, além de um número in-
contável de búzios – objetos que simbolizam
riqueza para muitos povos africanos.
28 29
IMAGENS HISTÓRIAS
AFRO-ATLÂNTICAS

Tais imagens são de extrema importância para


a incitação de diálogos sobre história e cul-
Diante da persistência de relações sociais
caudatárias da escravidão e da discrimina- O que as
tura afro-brasileiras que considerem a riqueza
cultural do continente africano e dos trânsi-
ção racial, o trabalho pedagógico vinculado
à Lei 10.639 implica que professores e edu- imagens dizem?
tos afro-atlânticos. Ademais, constituem um cadores invistam na leitura crítica das ima-
contraponto à ainda parca representatividade gens tradicionalmente encontradas nos livros
negra nas mídias de massa, que reforçam
estereótipos negativos ao inserirem os afro-
didáticos e na investigação de imagens que
criem identificação e referenciais para crian- Quando uma
descendentes em contextos de
subalternidade e precariedade A BUSCA POR
ças e adolescentes de dife-
rentes grupos étnico-raciais imagem se torna
em telenovelas, revistas, dese- OUTRAS IMAGENS
nhos animados e propagandas. POSSIBILITA, TAMBÉM,
e sociais. A busca por outras
imagens possibilita, também, um documento?
A RECONSTRUÇÃO a reconstrução das visões
DAS VISÕES SOBRE sobre o continente africano,
O CONTINENTE
AFRICANO, SEUS POVOS
seus povos e suas culturas.
Quem transforma
E SUAS CULTURAS.
as interpretações
em verdades
únicas?
DIÁSPORAS 31

Punho cerrado
Eu disse, tamo em formação
Erguendo império, superação
Tipo a Chimamanda,
trago informação
Lindas flores do gueto,
sou flor do gueto
Estrela do meu show, hei
Triunfo pra nós, viva o povo preto
Drik Barbosa

É impossível pensar a construção do Brasil


sem considerar a inestimável contribuição
dos diversos indivíduos que vieram de ou-
tros lugares do mundo e aqui se estabelece-
ram, com destaque para os povos da diás-
pora negra. O Brasil é o país que recebeu
africanos durante o maior período de tempo
e em maior quantidade: das quase 13 mi-
lhões de pessoas sequestradas e trazidas
às Américas, estima-se que 46% tenham
vindo para o território brasileiro.
32 33
DIÁSPORAS HISTÓRIAS
AFRO-ATLÂNTICAS

Benguelas, congos, cabindas, angolas, minas, Além disso, há os intercâmbios culturais que se Os africanos trazidos compulsoriamente ao Na pintura Okê Oxossi (1970), Abdias Nas-
entre tantos outros, protagonizaram trocas que fazem presentes não só na língua portuguesa continente americano, além das violências cimento (1914-2011) se apropria da bandeira
se iniciaram nos navios negreiros e se desen- falada no Brasil, na música, nos festejos po- do sistema escravocrata, vivenciaram um pro- brasileira e a refaz segundo outros referenciais
volveram nas senzalas, nos centros urbanos pulares, no sincretismo religioso, na culinária cesso de desterritorialização e desconstrução e discursos. As cores e formas ganham uma
e nos quilombos. São resultantes da diáspora e em outros aspectos do desenvolvimento da de identidades e referências que culminou em nova configuração vertical e o tradicional lema
negra a formação do território nacional e as cultura afro-brasileira, mas também na própria uma redefinição identitária a partir da inven- “Ordem e Progresso” é substituído pela repeti-
técnicas de agricultura, pecuária, mineração, estruturação da sociedade, visto que o país ção de novas formas de existência gestadas ção do termo “Okê”, palavra de origem iorubá
fundição e construção responsáveis pelo de- se formou sobre bases coloniais e escravo- no contato com outros lugares e indivíduos. O que significa uma saudação ao Orixá Oxóssi.
senvolvimento das cidades, moradias e hábi- cratas que até hoje determinam a organização hibridismo cultural é uma característica mar- É possível observar, também, a presença do
tos alimentares brasileiros, entre tantos outros da economia, da política, da educação e das cante da constituição da vida e dos costumes arco e da flecha, tradicionalmente associados
exemplos possíveis. A moder- relações sociais, bem como dos africanos escravizados que reverbera em a Oxóssi. Essa pintura traz incontáveis pos-
nidade ocidental e o sistema O HIBRIDISMO visões de mundo e projetos de toda a estrutura social atual do Brasil. sibilidades de leitura e interpretação acerca
colonial se nutriram da explora- CULTURAL É UMA sociedade. Essa diversidade da ideia de formação da nação brasileira, da
ção violenta de trabalhadores CARACTERÍSTICA cultural, étnica e social definiu bandeira como construção simbólica a serviço
escravizados, cuja força de tra- MARCANTE DA uma estrutura de nação extre- de um poder constituído, das tradições e suas
balho possibilitou a existência CONSTITUIÇÃO DA mamente complexa. representações simbólicas, das negociações
do sistema capitalista no Bra- VIDA E DOS COSTUMES e intercâmbios entre diferentes grupos étnico-
sil, da oligarquia e das classes DOS AFRICANOS -raciais e da importante presença das religiões
operárias que representam a ESCRAVIZADOS QUE de matriz africana na sociedade brasileira.
maioria da população do país. REVERBERA EM TODA
A ESTRUTURA SOCIAL
ATUAL DO BRASIL.
34 35
DIÁSPORAS HISTÓRIAS
AFRO-ATLÂNTICAS

As fotografias feitas por Moisés Patrício (1984-)


na série Aceita? (2014-18) trazem novos ele-
O Brasil vivencia até hoje diversos proces-
sos migratórios que reforçam a sua comple- Que mundo
mentos à reflexão sobre hibridização cultural
e processos migratórios. O artista utiliza ob-
xidade estrutural. As estratégias de inclusão
dos diferentes grupos étnico-raciais e sociais estamos
jetos encontrados nas ruas da cidade, frases,
palavras e sua própria mão. O processo de
precisam considerar o respeito à diversidade.
Afinal, inserir um sujeito num espaço que não construindo?
coleta de fragmentos e vestígios da vida ur- o integra adequadamente gera uma anulação
bana e a criação de associações, baseadas danosa de sua subjetividade e constitui, tam-
nas vivências e no repertório do próprio artista,
geram imagens que refletem relações sociais
bém, uma espécie de prática colonizadora. A
educação deve tomar para si o desafio de re- Como as
contemporâneas e sua vinculação com a he-
rança escravagista, novas diásporas e violên-
pensar as práticas pedagógicas e trazer novos
referenciais que promovam a diferença como individualidades
cia policial. Moisés cria, assim,
uma espécie de crônica visual DEVE-SE PENSAR
algo potente na construção
das relações sociais, e não se expressam
da ocupação dos espaços ur-
banos por diferentes sujeitos
NA EXISTÊNCIA DE
UMA DIVERSIDADE
como um fator de exclusão.
dentro das
e as negociações e conflitos
dela decorrentes.
INTEGRADORA QUE
POSSA RESPEITAR AS coletividades?
ORIGENS, TRADIÇÕES
Em detrimento de uma ideia E ANCESTRALIDADES.
de unidade homogênea dos
povos escravizados e seus descendentes,
deve-se pensar na existência de uma diver-
sidade integradora que possa respeitar as
origens, tradições e ancestralidades desses
sujeitos em consonância com suas expres-
sões individuais e sua atuação social, como
coprodutores da sociedade e de si mesmos.
37
HISTÓRIAS
AFRO-ATLÂNTICAS

PROPOSTAS DE
EXERCÍCIO DE Observe com seus Deixe-os livres para escolherem o melhor
CONSTRUÇÃO: alunos as Narrati- modo de construir a nova narrativa: pode
HISTÓRIAS E vas que estão nas ser um texto, um desenho, uma encenação,
MEMÓRIAS fichas que acom- uma música, uma instalação, uma história

ATIVIDADES
panham esta pu- em quadrinhos e o que mais eles sugerirem.
blicação educativa. As sete pessoas mencio- Conversem sobre o processo de pesquisa, as
nadas auxiliam na pesquisa e na compreensão escolhas, a construção e os resultados. Apro-
sobre a história do Brasil a partir de um ponto veitem para fazer conexões entre a atividade
de vista distinto daquele utilizado pela história proposta, as revisões críticas e as novas nar-
oficial, pois direcionam o olhar para sujeitos rativas sobre a abolição.
específicos, suas lutas e o modo como as polí-
ticas de estado e as relações sociais afetaram
suas vidas. Leiam juntos, discutam, busquem
mais informações. Conversem sobre os pon-
tos de vista, as referências e as situações des-
tacadas em cada história contada.

Peça para os estudantes escolherem, indivi-


dualmente ou em pequenos grupos, uma his-
tória para ser recontada. Pode ser uma das
narrativas presentes nos cartões, a trajetória
de outras pessoas africanas ou afrodescen-
dentes, algum acontecimento da história do
Brasil ou a vida de avós, avôs ou outros an-
tepassados dos estudantes – esses relatos
de família podem ser uma potente ferramenta
para discutir a história recente do Brasil. Vocês
podem investigar possibilidades de pesquisa
no Panorama ou no cartão que contém uma
provocação para que novos protagonistas se-
jam descobertos.
38 39
PROPOSTAS HISTÓRIAS
DE ATIVIDADES AFRO-ATLÂNTICAS

EXERCÍCIO DE Esta publicação Sugerimos que você acrescente mais mate- EXERCÍCIO DE Com base no perfil Indicamos que a pesquisa se estenda por algu-
RENARRATIVIZAÇÃO: contém cartazes riais à proposta, como outras palavras (por INVESTIGAÇÃO: de seus alunos e nas mas semanas para que você possa acompa-
PALAVRAS E com imagens e exemplo, vocês podem usar as que estão no PESQUISA E questões que deseja nhar o processo dos alunos, sugerir caminhos,
IMAGENS 24 palavras em Vocabulário em debate), papéis em branco DESCONSTRUÇÃO desenvolver em seu conversar sobre as dificuldades e auxiliar no
fichas. Distribua para fazer anotações, mapas do continente planejamento peda- registro das descobertas. O registro é uma
esses materiais entre seus alunos da maneira africano e do Brasil, imagens de revistas e jor- gógico, escolha alguns termos do Vocabulá- parte muito importante do processo, pois auxi-
como preferir. Dividi-los em pequenos grupos nais, gravuras e pinturas presentes nos livros rio em debate, organize sua turma em pe- lia na organização das informações coletadas
pode ser uma estratégia potente para criar si- didáticos de história, fotografias da escola, quenos grupos e proponha que realizem uma durante o percurso. Ademais, a análise desse
tuações de diálogo em que todos consigam se do bairro ou da família feitas pelos próprios pesquisa para aprofundar a compreensão. material produzido pelos alunos pode indicar
expressar, além de desenvolver a autonomia alunos e qualquer outro material que possa Fique à vontade para propor outros assuntos caminhos para que você crie novas propostas
ao estimular conversas nas quais os próprios contribuir para sua proposta pedagógica. como, por exemplo, expressões e termos ra- de atividades e planos de aula.
alunos sejam os mediadores e os propositores. cistas usados no cotidiano. Você pode indicar
Peça para que analisem coletivamente as ima- A partir das conversas sobre os percursos, dis- como caminhos possíveis para iniciar a pes- Ao final da pesquisa, inventem maneiras de co-
gens, buscando perceber narrativas, símbo- cussões e descobertas dos estudantes, criem quisa alguns dos canais do YouTube e páginas letivizar as descobertas. Vocês podem fazer
los, pessoas, objetos, materiais usados, cores, juntos cartazes que possam comunicar o que da internet presentes na seção Referências cartazes, blogs, vídeos e até mesmo organizar
cenários, gestos etc. Depois, peça para que vocês aprenderam para outros estudantes, deste livreto. Outro recurso de apoio pode ser uma exposição ou sarau na escola. Pensem
associem as palavras das fichas às imagens professores e funcionários da escola. Esco- a análise das imagens e narrativas presentes juntos em como desenvolver estratégias edu-
analisadas, considerando a vivência de cada lham lugares movimentados para colocá-los na literatura, no cinema, na televisão, nos jor- cativas de abordagem dos assuntos pesquisa-
aluno e garantindo que todos tenham espaço e pensem em estratégias para registrar as nais, nas revistas e nas propagandas. dos com a comunidade escolar, as famílias dos
para expressar o porquê das escolhas, quais reações que eles causam e ampliar as dis- estudantes e as pessoas que moram no bairro.
relações foram construídas e as reflexões que cussões. Vocês podem criar um diário a partir
o processo gerou. da observação das reações, construir novos
cartazes, mediar as leituras, fazer registros fo-
tográficos, utilizar um caderno de comentários
ou qualquer outra proposta que quiserem.
REFERÊNCIAS 41
HISTÓRIAS
AFRO-ATLÂNTICAS

A N
A África na sala de aula: Arte afro-brasileira: altos e baixos de Ensinando a transgredir: a educação como Necropolítica (Achille Mbembe)
visita à história contemporânea um conceito (Renato Araújo da Silva) prática da liberdade (bell hooks) Negociação e conflito: a resistência
(Leila Maria Gonçalves negra no Brasil escravista
Leite Hernandez) Aula (Roland Barthes) Estudos Afro-Brasileiros (Roger Bastide) (João José Reis e Eduardo Silva)

A escrava (Maria Firmina dos Reis)


B Banzo (Coelho Netto)
H
Hibisco roxo (Chimamanda Ngozi
Adichie)
Negras imagens: ensaios sobre cultura e
escravidão no Brasil (Lilia M. Schwarcz e
A descoberta do insólito: literatura negra Becos da memória Letícia Vidor de Sousa Reis)
e literatura marginal no Brasil, 1960-2000 (Conceição Evaristo) História e cultura afro-brasileira
(Mário Augusto Medeiros da Silva) (Regiane Augusto de Mattos) Negritude: usos e sentidos
Branquitude: estudos sobre a identidade (Kabengele Munanga)

I
A integração do negro na sociedade de branca no Brasil Identidade Cultural e Diáspora (Stuart
classes (Florestan Fernandes) (Lourenço Cardoso e Tânia M. P. Müller) Hall) Negros e Brancos em São Paulo, 1888-1988
(George Reid Andrews)
A mão afro-brasileira: significado da Brasil: uma biografia (Lilia Schwarcz Imprensa negra no Brasil do Século XIX

O
contribuição artística e histórica e Heloisa M. Starling) (Ana Flávia Magalhães Pinto) O mundo negro: relações raciais e
(Emanoel Araujo) a contribuição do movimento negro

A negação do Brasil: o negro na telenovela C Crítica da Razão Negra (Achille


Mbembe)
Intelectuais negras (bell hooks) contemporâneo no Brasil
(Amílcar Araújo Pereira)
brasileira (Joel Zito Araújo)
Culturas africanas e afro-brasileiras em L Lendas africanas dos Orixás
(Pierre Verger) O genocídio do negro brasileiro: processo de
A África e os africanos na formação do sala de aula: saberes para os professores, um racismo mascarado (Abdias Nascimento)
mundo atlântico (1400-1800) (John Thornton) fazeres para os alunos (Renata Felinto) Literatura e afrodescendência no Brasil:
África e Brasil africano antologia crítica (Eduardo de Assis Duarte) O negro no Brasil de hoje
(Marina de Mello e Souza)
D Dicionário escolar afro-brasileiro (Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes)

M
(Nei Lopes) Maio (Lima Barreto)
Americanah (Chimamanda Ngozi Adichie) O negro revoltado (Abdias Nascimento)
Dicionário da Escravidão e Liberdade Mitologia dos Orixás
Angola Janga: uma história de Palmares (Lilia M. Schwarcz e Flávio Gomes) (Reginaldo Prandi) O que é racismo estrutural? (Silvio Almeida)
(Marcelo d'Salete)

Antologia do negro brasileiro E E eu não sou uma mulher?


(Sojourner Truth)
Mulheres Negras no Brasil
(Érico Vital Brazil e Schuma Schumaher)
O que é lugar de fala? (Djamila Ribeiro)

(Edison Carneiro) Onda negra, medo branco: o negro no


Enciclopédia brasileira da diáspora africana imaginário das elites – Século XIX
(Nei Lopes) (Celia Maria Marinho de Azevedo)
42 43
REFERÊNCIAS HISTÓRIAS
AFRO-ATLÂNTICAS

O R SITES
Origens africanas do Brasil Racismo à brasileira: 100 livros Museu Afro Brasil:
contemporâneo: histórias, uma nova perspectiva infantis sobre www.museuafrobrasil.org.br
línguas, culturas e civilizações sociológica (Edward Telles) meninas
(Kabengele Munanga) negras: www.100meninasnegras.com Núcleo de Apoio à Pesquisa Brasil África:
Racismo e sexismo na cultura brasileira www.brasilafrica.fflch.usp.br
Os Orixás do Abdias: pinturas e poesia de (Lélia Gonzalez) A mãe preta: www.amaepreta.com.br
Abdias Nascimento Projeto Afreaka: www.afreaka.com.br

S
(Elisa Larkin Nascimento) Sejamos todos feministas A Cor da Cultura: www.acordacultura.org.br
(Chimamanda Ngozi Adichie) Revista Raça: www.revistaraca.com.br

P
Pai contra mãe (Machado de Assis) AfroeducAÇÃO: www.afroeducacao.com.br
Sonhos africanos, vivências ladinas: The Trans-Atlantic Slave Trade Database:
Pele negra, máscaras brancas escravos e forros em São Paulo – 1850-1880 Blogueiras Negras: www.slavevoyages.org
(Frantz Fanon) (Maria Cristina Cortez Wissenbach) www.blogueirasnegras.org
Uneafro: www.uneafrobrasil.org

U
Pode o subalterno falar? Um rio chamado Atlântico: a África no Casa de Cultura da Mulher Negra:
(Gayatri Chakravorty Spivak) Brasil e o Brasil na África (Alberto da
Costa e Silva)
www.casadeculturadamulhernegra.org.br CANAIS
Poemas da recordação e outros movimentos
(Conceição Evaristo) Úrsula (Maria Firmina dos Reis)
Casa das Áfricas: www.casadasafricas.org.br YOUTUBE
CULTNE - Acervo Digital de Cultura Negra: AD Junior

Q Quarto de despejo: diário de uma


favelada (Carolina Maria de Jesus) V Vozes Marginais na literatura
(Érica Peçanha do Nascimento)
www.cultne.com.br Afros e Afins
Cleyton Santana
Fundação Cultural Palmares: DePretas

Y
Que “negro” é esse na cultura popular Yorùbá: tradição oral e história www.palmares.gov.br Emicida
negra? (Stuart Hall) (Olúmúyìwá Anthony Adékóyà) Neggata
GELEDÉS Instituto da Mulher Negra: Papo de Preta
Quem tem medo do feminismo negro? www.geledes.org.br PH Côrtes
(Djamila Ribeiro) Preta Pariu
Ilú Obá De Min: www.iluobademin.com.br Preta-Rara
Quem é quem na negritude brasileira Pretinho Mais que Básico
(Eduardo de Oliveira) Instituto de Pesquisa e Estudos Afro- Racionais TV
Brasileiros: www.ipeafro.org.br Spartakus Santiago
Soul Vaidosa
Movimento Negro Unificado (MNU): Tá bom pra você?
www.mnu.org.br Um abadá para cada dia
44
FICHA TÉCNICA

Instituto Tomie Ohtake

Presidente: Coordenação Operacional:


Ricardo Ohtake Alexandre Lopes Pereira e
Núcleo de Pesquisa e Curadoria: Wagner Antônio Barbosa (supervisor)
Paulo Miyada (coordenador), Carolina De Angelis, Luise Apoio:
Malmaceda, Priscyla Gomes e Theo Monteiro Cícera Medeiros Fontão, Daniel Soares, Edmilson Pereira,
Produção: Edson Jose Dias, Elcio Borges, Everton Alves, Fábio
Vitória Arruda (diretora), André Luiz Bella, Carla Ogawa, Araújo, Frants Ley Pierre, Giane Andrade, Gilmar Batista,
Cecília Bracale, Karina Mignoni, Lucas Fabrizzio, Mana Marcelo Mariano, Marina Neves, Orlando Rodrigues,
Mendonça, Patricia Castilho e Rodolfo Borbel Raina Ramos, Regis Santana Alves, Silva Regina Melo,
Administração e Finanças: Solange Sousa e Wellington Araújo
Roberto Souza Leão Veiga (diretor executivo), Bruno Técnica:
Damaceno, Carlito Oliveira Junior, Fabiana Cristina de Adilson Oliveira da Silva, Jacildo Antonio de Paula,
Almeida, Joseilda Conceição, Moises Silva Mello, Renê Jefferson Lima, Pedro Mario Costa e Silvio Santos Lima
Rossignol, Sergio Santos Souza e Willian dos Santos Limpeza:
Negócios: Carmelita Novais, Dionizia Conceição, Elizandro Ferreira
Ivan Lourenço (diretor), Fernando Pinho, Flavio Alves Souza, Elza Martins, Jairo Nascimento, Luciene Monteiro
e Kelly Lima e Valdir Ramos da Silva
Assuntos Institucionais: Zeladoria:
Simone Alvim, Eloise Martins, Marcella Nigro e Ricardo Andre Luiz Cypriano, Aroldo Eça e Jessé de Souza
Miyada (audiovisual)
Núcleo de Cultura e Participação: Publicação Educativa
Felipe Arruda (diretor), Ágata Rodriguez, Andrea Souza,
Bruno Coltro Ferrari, Claudio Rubino, Divina Prado, Coordenação:
Elisabeth Barboza, Emol, Fernanda Beraldi, Isadora Divina Prado
Borges, Isadora Mellado, Jane Santos, Jordana Braz, Julia Laboratórios de criação:
Cavazzini, Luara Carvalho, Lucia Abreu Machado, Maiara Ananda Andrade, Berenice Torres, Bruno Coltro
Paiva, Mauricio Yoneya, Melina Martinho, Natame Diniz, Ferrari, Divina Prado, Eduardo Araujo Silva, Elidayana
Pedro Costa, Priscila Menegasso, Thiago Zati, Victor Alexandrino, Emol, Isadora Mellado, Janice de Piero,
Gabriel da Silva (estagiário) e Victor Santos Jordana Braz, Julia Cavazzini, Kelly Lima,
Assessoria de Imprensa: Luara Carvalho, Lucia Abreu Machado, Mariane
Pool de Comunicação, Marcy Junqueira, Ana Junqueira Lima, Marília Carvalho, Melina Martinho, Mirella dos
e Martim Pelisson Santos Maria, Nádia Bosquê, Nathalia Cury, Paula Vaz
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Marcos Massayuki Sutani e Jodeval de Souza (aprendiz) Estúdio Margem
Secretaria: (Alexandre Lindenberg, Fabiano Procopio e Nathalia Cury)
Maria de Fátima Rocha de Sá e Deolinda Correia Revisão:
de Almeida Isabela Maia
Design gráfico:
Mônica Passinato, Nazareth Baños, Rafael Suriani
e Rodrigo Passinato
TEREZA DE
BENGUELA
Tereza de Benguela (?-1770) foi uma liderança Após 20 anos governando o Quilombo e impe-
quilombola que viveu na região do atual estado dindo ataques, Tereza foi capturada em 1770.
do Mato Grosso no século XVIII. Assumiu o Alguns historiadores apontam que foi assas-
comando do Quilombo do Quariterê, também sinada por seus raptores, enquanto outros di-
conhecido como Quilombo do Piolho, após a zem que cometeu suicídio.
morte de seu companheiro, José Piolho, em
uma das ofensivas militares empreendidas pelo O legado de Tereza de Benguela, a Rainha
governo para tentar destruir a comunidade. Negra, permanece vivo até hoje. Ela é lem-
brada como uma das principais articuladoras
O Quilombo do Quariterê contava com uma da resistência ao sistema escravocrata e foi
complexa estrutura administrativa da qual fazia homenageada pela Lei 12.987, sancionada em
parte um parlamento negro formado por chefes 2014 pela presidenta Dilma Rousseff, que defi-
guerreiros que auxiliavam Tereza na tomada de niu 25 de julho como o Dia Nacional de Tereza
decisões. Com uma população multiétnica que de Benguela e da Mulher Negra.
chegou a quase 200 pessoas, composta por
africanos, indígenas e mestiços, a comunidade
praticava agricultura de subsistência, criação de
animais de pequeno porte, fundição de metais
e relações comerciais com vilas dos arredores.
MARIA FIRMINA
DOS REIS
Maria Firmina dos Reis (1825-1917) foi uma O romance Úrsula foi a primeira obra literá-
professora e escritora nascida no Maranhão, ria abolicionista a considerar o ponto de vista
cuja trajetória nos ensina outras formas de olhar dos escravizados, exaltando suas memórias,
para o passado e reinterpretar o presente. valores e dignidade humana. A narração em
terceira pessoa e os diálogos construídos por
Foi a primeira mulher a ser aprovada num Maria Firmina apresentam interpretações da
concurso público para o cargo de professora autora acerca da estrutura social, condenando
primária no estado do Maranhão, ofício que assertivamente a escravidão e apontando a
exerceu durante toda a vida. Ao se aposentar, segregação social, racial e de gênero existente
criou a primeira escola gratuita e mista – para na época.
alunos negros e brancos – na cidade de Ma-
çaricó, Maranhão, o que gerou escândalo na Maria Firmina dos Reis dedicou a vida à litera-
sociedade conservadora e escravocrata da tura e à luta pelo fim da escravidão e pelo res-
época. A escola funcionou por dois anos e peito à memória dos escravizados, deixando
meio antes de seu fechamento definitivo. como legado o trabalho pela educação e uma
rica produção literária que se iniciou no ano-
Publicou crônicas, poesias e ficção em vários nimato e permaneceu no ostracismo até ser
jornais, contribuindo assiduamente com a im- redescoberta na década de 1960.
prensa local. Em 1859 publicou o romance
Úrsula, uma das principais obras da literatura
abolicionista brasileira e o primeiro romance
publicado por uma mulher negra no contexto
de um país colonizado e escravocrata. O li-
vro foi lançado com a assinatura "Uma Mara-
nhense", omitindo o verdadeiro nome da autora.
LUIZ GAMA

Luiz Gonzaga Pinto da Gama (1830-1882) foi Desenvolveu estudos em direito e tornou-se
advogado, escritor, jornalista e orador. Dedi- rábula, título dado aos advogados que não
cou sua vida à libertação dos escravizados, possuíam diploma. Utilizou seus conhecimen-
conseguindo alforrias para mais de 500 afri- tos para atuar na libertação dos escravizados,
canos e afrodescendentes. Dedicado aboli- denunciando a ilegalidade da escravidão dos
cionista e republicano, morreu antes de ver a africanos trazidos ao Brasil após a proibição
concretização desses desejos. do tráfico e auxiliando nos casos em que os
senhores de escravos se negavam a assinar
Era filho de um homem branco com uma afri- a alforria, ainda que os escravizados tivessem
cana livre. Sua mãe, Luiza Mahin, esteve en- dinheiro para comprá-la. Fez parte do grupo
volvida na Revolta dos Malês (1935) e na Sabi- dos abolicionistas legalistas, modo como eram
nada (1937), sendo até hoje considerada uma chamados os que atuavam dentro das possi-
heroína pelos movimentos negros. Apesar de bilidades da lei.
ter nascido livre, visto que as crianças herda-
vam o estatuto jurídico das mães, aos 10 anos Em 2015, 133 anos após sua morte, recebeu o
de idade Luiz Gama foi vendido e escravizado, título de advogado pela Ordem dos Advogados
condição na qual permaneceu até os 17 anos. do Brasil (OAB) como um reconhecimento por
seus serviços prestados em prol da luta pela
Alfabetizou-se tardiamente, mas logo se tornou liberdade e pela igualdade. Luiz Gama foi de-
uma figura importante da intelectualidade da clarado Patrono da Abolição da Escravidão no
época. Escreveu poemas satíricos que ridicu- Brasil pela Lei 13.629, de 2018.
larizavam a aristocracia e as figuras poderosas
da sociedade, publicados sob os pseudônimos
Afro, Barrabás e Getulino. Em 1859 publicou
seu primeiro livro, chamado Primeiras Trovas
Burlescas e assinado por Getulino.
MADAME SATÃ

João Francisco dos Santos (1900-1976), mais A perseguição das autoridades do Estado a
conhecido como Madame Satã, foi uma figura Madame Satã reflete diretamente o contexto
importante da vida cultural e noturna carioca da época. Pouco tempo após a abolição sur-
na primeira metade do século XX. Destacou- giram ideias eugenistas no Brasil, que se ini-
-se pela atuação como drag queen e por lutar ciaram com a criação da Sociedade Eugênica
pela defesa dos marginalizados sociais da de São Paulo (1918) e estiveram presentes até
época. Ganhou o apelido ao se apresentar em o fim do governo de Getúlio Vargas. Com a
um desfile de bloco de rua do carnaval carioca implantação do Estado Novo, recrudesceu a
fantasiado de Madame Satã, cuja inspiração é perseguição aos ditos malandros, vadios, ocio-
o filme homônimo de Cecil B. DeMille. sos e pessoas consideradas suspeitas pelas
autoridades, como os marginalizados, negros
Madame Satã foi preso mais de uma vez. Os e homossexuais.
motivos de encarceramento estavam ligados
a desacato à autoridade, pois diversas vezes A vida de Madame Satã foi marcada pela ex-
enfrentou policiais em defesa dos indivíduos pressão da virilidade do malandro, a perfor-
marginalizados, como pessoas em situação de mance artística, a capoeiragem, o samba e a
rua, prostitutas, travestis e afrodescendentes. homossexualidade, cujo estereótipo de fragili-
Frequentava a boemia carioca e cuidava das dade e delicadeza foi negado por suas ações.
mulheres que trabalhavam com prostituição O personagem do malandro compartilha os
para que não fossem vítimas de estupro ou valores do seu tempo e revela códigos sociais
agressão física. vigentes, sendo perseguido pelas autoridades
oficiais ao mesmo tempo em que é honrado e
exaltado pelo grupo social no qual se insere.
ABDIAS
NASCIMENTO
Abdias Nascimento (1914-2011) foi drama- Abdias destacou-se pelo envolvimento nas ati-
turgo, ator, poeta, pintor, escritor, professor, ati- vidades culturais e pela forte militância no mo-
vista e político. Durante seus 97 anos de vida vimento negro. Fundou o Comitê Democrático
desenvolveu um consistente trabalho em prol Afro-Brasileiro (1945) e o Museu de Arte Negra
da defesa dos direitos dos negros e sua inclu- (1950). À frente do TEN, organizou a Conven-
são na vida social, cultural e política, lutando ção Nacional do Negro (1945), fundou o jornal
por políticas públicas afirmativas de igual- Quilombo (1948), organizou o I Congresso do
dade racial. Em São Paulo, quando era cabo Negro Brasileiro (1950) e publicou o livro O
do Exército, foi preso, torturado e excluído da Negro Revoltado (1968), entre outras ações.
instituição devido a sua resistência contra o ra-
cismo. Mais tarde, em uma viagem pela Amé- Pela sua militância antirracista na época da
rica Latina, assistiu no Teatro Municipal de Ditadura Civil-Militar, Abdias se exilou nos Es-
Lima, no Peru, à peça O Imperador Jones, de tados Unidos, onde foi professor universitário,
Eugene O’Neill, na qual o protagonista negro atuou em certames internacionais pan-africa-
era representado por um ator branco pintado nistas e desenvolveu sua produção pictórica.
de preto, o que provocou reflexões acerca da Ao regressar ao Brasil na década de 1980,
presença dos negros no teatro, maior palco e criou o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-
espelho da cultura naquela época. Voltando a -Brasileiros (IPEAFRO).
São Paulo após um ano atuando no Teatro del
Pueblo de Buenos Aires, Abdias foi preso, con- Em 1982 foi eleito deputado federal, tendo
denado à revelia pela justiça civil em virtude como bandeira política a luta contra o racismo
do mesmo incidente de resistência ao racismo e a defesa dos direitos humanos do povo ne-
pelo qual havia sido excluído do Exército. Na gro. Entre suas propostas, estiveram o ques-
Penitenciária do Carandiru, criou o Teatro do tionamento da comemoração do 13 de maio,
Sentenciado, um importante laboratório cênico sugerindo a substituição por 20 de novembro
para Abdias Nascimento e para os presos que – data que marca a morte do líder quilombola
escreviam e encenavam suas próprias peças. Zumbi dos Palmares –, a definição do racismo
Ao deixar a prisão, mudou-se para o Rio de Ja- como crime de lesa-humanidade e o incentivo
neiro e fundou o Teatro Experimental do Negro à criação de políticas afirmativas – como cotas
(TEN), em 1944. A primeira apresentação do no acesso às universidades e ao mercado de
grupo aconteceu no Teatro Municipal do Rio trabalho e ensino da história e cultura africana
de Janeiro, em 1945, com a mesma peça vista e afro-brasileira no currículo escolar.
em Lima, O Imperador Jones. O TEN chamou
a atenção de muitos artistas e intelectuais para
a causa negra.
MARIELLE
FRANCO
Marielle Franco (1978-2018) foi uma socióloga, Como vereadora, presidiu a Comissão de
política, ativista, feminista e defensora dos di- Defesa da Mulher e integrou uma comissão
reitos humanos nascida no Complexo da Maré, criada para monitorar a intervenção federal
na zona norte do Rio de Janeiro. Foi eleita no Rio de Janeiro, iniciada em fevereiro de
vereadora pela cidade do Rio de Janeiro em 2018. O mandato de Marielle foi interrom-
2016 com a quinta maior votação para o cargo: pido ao ser assassinada a tiros no dia 14 de
cerca de 46 mil votos. março de 2018 – crime que permanece sem
resolução até o início da exposição Histórias
Iniciou a militância pelos direitos humanos em Afro-Atlânticas.
2000, no Complexo da Maré, onde desenvol-
veu trabalhos com cultura e educação como Sua morte causou intensas reações no Bra-
forma de resistência aos processos de exclu- sil e em outros países, levando milhares de
são, silenciamento e violência policial sofridos pessoas às ruas e incitando debates sobre
diariamente pelos habitantes da comunidade. violência e impunidade. A Lei 8.054 incluiu no
Marielle lutou pelos direitos das mulheres, calendário oficial do Rio de Janeiro o Dia Ma-
apontando os alarmantes dados sobre vio- rielle Franco – Dia de Luta Contra o Genocídio
lência e feminicídio, defendendo o direito ao da Mulher Negra, a ser lembrado anualmente
aborto nos casos previstos por lei e comba- em 14 de março.
tendo a violência obstétrica, que culminou
na criação da Lei das Casas de Parto. Lutou,
também, pela garantia de direitos à população
LGBTQI+.
ELZA SOARES

Elza da Conceição Soares (1937-) nasceu em Com dezenas de discos lançados, Elza cons-
uma das primeiras favelas do Rio de Janeiro, truiu uma sólida carreira e em 1999 foi eleita
atualmente conhecida como Vila Vintém. Ca- a cantora do milênio pela Rádio BBC. Os dois
sou-se muito cedo e aos 21 anos já era uma últimos discos, A Mulher do Fim do Mundo
viúva com a responsabilidade de criar 5 filhos. (2015) e Deus é Mulher (2018), de grande
A carreira musical também veio cedo, em projeção nacional e internacional, trazem a
1953, quando participou do programa Calou- história de Elza Soares, seus desejos e proje-
ros em Desfile, apresentado por Ary Barroso, tos de mundo. A canção Exu nas Escolas, do
e ganhou o primeiro lugar. Usando roupas álbum Deus é Mulher, destaca-se por abordar
maiores que seu tamanho e muito jovem, a discussão sobre história e cultura afro-bra-
causou risos na plateia e estranhamento no sileira nos currículos escolares. Elza Soares
apresentador, que perguntou de qual planeta é considerada um símbolo de força da mulher
ela havia vindo. Elza prontamente respondeu: negra brasileira e de luta contra o racismo, a
“do planeta fome”. A resposta faz alusão às violência contra as mulheres e a homofobia.
privações que passou na infância e às dificul-
dades enfrentadas para cuidar dos filhos sem
o apoio do marido, que era alcoólatra e a tra-
tava com violência.

A musicalidade de Elza Soares ganhou muito


destaque por destoar da bossa nova, ritmo
da moda, e criar uma mistura original entre o
jazz, o samba e sua voz única. Na década de
1960, sua carreira decolou com a gravação de
vários discos e a projeção internacional. Pa-
ralelamente, casou-se com Garrincha, famoso
jogador de futebol da seleção brasileira, o que
gerou violentas reações populares. Elza rece-
bia ameaças de morte e era atacada nas ruas
e em sua própria casa sob a acusação de ser
oportunista e ter acabado com o casamento do
jogador – que já havia se casado três vezes
antes de conhecer Elza.
Quantas histórias
não foram
contadas?

Quantas vozes
não foram
ouvidas?

Quantas pessoas
permanecem
sem nome,
sem rosto, sem
história?

O SILÊNCIO
É UMA
PROVOCAÇÃO
RUIDOSA.
PANORAMA
ALGUNS DADOS SOBRE
EMANCIPAÇÕES, RESISTÊNCIAS,
ATIVISMOS, LUTAS, CONQUISTAS
E SEGREGAÇÕES VIVIDAS E
PROTAGONIZADAS POR AFRICANOS
E AFRODESCENDENTES DO
SÉCULO XVII ATÉ O SÉCULO XXI.

1597 1886 1950 1998


Primeiras notícias sobre A Lei 3.310 proíbe a O departamento feminino Criação do sistema de
a formação de focos de aplicação de pena de do Teatro Experimental cotas na Universidade de
resistência em Palmares. açoite aos escravizados. do Negro (1944) cria Brasília (UnB).
o Conselho Nacional

1711 1888 2000


Fundação da Irmandade A Lei 3.353, conhecida de Mulheres Negras, Criação da Articulação de
do Rosário dos Homens como Lei Áurea, declara considerado a primeira Organizações de Mulheres
Pretos, em São Paulo. extinta a escravidão organização autônoma de Negras Brasileiras (AMNB).
Irmandades semelhantes no Brasil. mulheres negras no Brasil.

2003
surgiram em todo o A Lei 10.639 torna

1890 1951
território brasileiro com O Decreto 528, que A Lei nº 1.390, obrigatório o ensino
o intuito de abrigar a regulamenta a imigração conhecida como de história e cultura
religiosidade de negros no Brasil, veta a entrada de Lei Afonso Arinos, inclui brasileira e afro-brasileira
e negras impedidos de africanos e asiáticos. entre as contravenções nas escolas públicas e
frequentar as igrejas dos O Decreto 847, que aborda penais a prática de atos particulares de todo o
brancos. crimes e penas, proíbe a motivados por preconceito território nacional.
prática da capoeira. de raça ou de cor. Criação da Secretaria

1791
Revolta de São Domingos Especial de Políticas de

1910 1964
ou Revolução Haitiana. Revolta da Chibata, Um golpe dá início à Promoção da Igualdade
no Rio de Janeiro. Ditadura Civil-Militar Racial da Presidência da
no Brasil. República (SEPPIR).

1833
Francisco de Paula Brito

1911 1976 2007


funda o jornal Homem de João Batista de Lacerda, Na Bahia, a Lei Estadual 1ª Jornada Desigualdades
Cor, o primeiro periódico diretor do Museu Nacional, 25.095 suprime a Raciais na Educação
brasileiro a lutar contra a participa do Congresso obrigatoriedade de Brasileira, promovida
discriminação racial. Paula Universal de Raças exigência de registro, pelo Núcleo de Estudos e
Brito foi responsável pela defendendo a tese de que autorização policial e Pesquisas sobre Relações
publicação dos primeiros em três gerações o Brasil pagamento de taxa para Raciais e Educação.
livros de Machado de Assis. seria um país branco. funcionamento dos terreiros

2009
de candomblé. A Portaria 992 do Ministério

1915
Revolta de Carrancas, O poeta Deocleciano da Saúde institui a Política

1978
em Minas Gerais. Nascimento funda Criação do Movimento Nacional de Saúde Integral
o jornal O Menelick. Negro Unificado (MNU). da População Negra.

1835
Revolta dos Malês, Teve duração efêmera,

2010
na Bahia. mas constituiu um marco A Lei 12.288 institui

1981
importante da imprensa Lélia Gonzalez (1935-1994) o Estatuto de
negra no Brasil, inspirando é eleita uma das mulheres Igualdade Racial.

1838
Revolta de Manuel Congo, a criação da revista do ano pelo Conselho

2011
no Rio de Janeiro. O Menelick 2º Ato Nacional de Mulheres A Lei 12.519 define 20
ATLÂNTICAS

em 2007. do Brasil. de novembro como o


Dia Nacional de Zumbi

1849 1929 1988


Insurreição do Queimado, Acontece o 1º Congresso Acontece o 1º Encontro e da Consciência Negra.
no Espírito Santo. Brasileiro de Eugenia. Nacional de Mulheres

2012
Negras, no Rio de Janeiro, A Lei 12.711, conhecida
com a participação de como Lei de Cotas,

1850 1931
A Lei 581, conhecida Fundação da Frente Negra cerca de 400 mulheres obriga as universidades,
como Lei Eusébio de Brasileira (FNB), que vindas de 18 estados institutos e centros federais
Queirós, proíbe o tráfico constitui-se como partido brasileiros. a reservarem vagas
negreiro para o Brasil. Teve político em 1936. para estudantes da rede

1989
poucos efeitos práticos Getúlio Vargas dissolve A Lei 7.716, conhecida pública de ensino. Define,
AFRO-

nos primeiros anos de a FNB em 1937. como Lei Caó, define também, a reserva de
aplicação. como crime a prática ou vagas para estudantes

1934
Antonieta de Barros (1901- incitação de discriminação com renda familiar mensal

1854
O Decreto 1.331-A proíbe 1952) é eleita deputada ou preconceito de por pessoa até 1,5 salário
o acesso dos escravizados pelo estado de Santa raça, etnia, religião e mínimo. A lei prevê reserva
à educação pública. Catarina, sendo a primeira procedência nacional. de vagas para negros,
mulher negra do Brasil a pardos, indígenas e

1869 1990
O Decreto 1.695 proíbe a alcançar o cargo. É criada a Campanha pessoas com deficiência
venda de escravizados em Nacional Contra a de acordo com a proporção

1936
leilões públicos e a venda Laudelina de Campos Esterilização de Mulheres desses grupos em cada
separada de membros Mello (1904-1991) funda Negras como resposta às unidade da federação.
da mesma família, com a primeira Associação de esterilizações em massa

2013
exceção dos filhos maiores Trabalhadores Domésticos que vinham acontecendo Aprovação da PEC dos
de 15 anos. do Brasil. A atuação de desde a década de 1980. Trabalhadores Domésticos.
Laudelina foi fundamental Mãe Stella de Oxóssi se

1871 1991
A Lei 2.040, conhecida para que, anos depois, as O IPEAFRO, em conjunto torna a primeira mulher
como Lei do Ventre empregadas domésticas com a Secretaria negra yalorixá a receber
Livre ou Lei Rio Branco, tivessem acesso à Extraordinária de Defesa e o título de “imortal”
concede a liberdade aos Carteira de Trabalho e à Promoção das Populações pela Academia de
filhos de escravizados Previdência Social. Em Negras do Governo do Letras da Bahia.
nascidos após 1871. 1988 a associação foi Estado do Rio de Janeiro,

2014
Define, também, que essas transformada organiza o 1º Fórum sobre A Lei 12.990 reserva aos
crianças deveriam ser em sindicato. Ensino da História das negros 20% das vagas em
entregues ao governo ou Civilizações Africanas na concursos públicos.

1938
permanecer aos cuidados O Decreto-lei 406 concede Escola Pública, que deu A presidenta Dilma
dos proprietários de seus ao Governo Federal origem à publicação A Rousseff sanciona a
pais até os 8 anos, quando o direito de limitar ou África na escola brasileira. Lei 12.987, que cria
era dada aos senhores suspender a entrada no o Dia Nacional de

1992
de escravos a opção de Brasil de indivíduos de Acontece o 1º Encontro Tereza de Benguela
receber uma indenização “determinadas raças ou Latino-americano e do e da Mulher Negra.
do governo ou utilizar origens” (trecho extraído da Caribe de Mulheres Negras,
os serviços do “liberto” publicação original). na República Dominicana.
até que completasse O encontro deu origem ao

1945
21 anos de idade. Ex-militantes da FNB Dia da Mulher Negra Latina
fundam a Associação do e Caribenha.
HISTÓRIAS

Negro Brasileiro,

1884 1995
As províncias do Ceará em São Paulo. 1ª Marcha Nacional Contra
e do Amazonas abolem Getúlio Vargas assina o o Racismo e pela Vida.
a escravidão em seus Decreto-lei 7.967, cujo 1º Encontro Nacional de
territórios. artigo 2º diz: “Atender- Comunidades Negras
se-a, na admissão dos Rurais Quilombolas, que

1885
A Lei 3.270, conhecida imigrantes, à necessidade dá origem à Comissão
como Lei dos Sexagenários de preservar e desenvolver, Nacional Provisória das
ou Lei Saraiva-Cotejipe, na composição étnica Comunidades Rurais
concede a liberdade aos da população, as Negras Quilombolas. No
escravizados com mais características mais ano seguinte é criada a
de 60 anos de idade. A convenientes da sua Coordenação Nacional
lei também define que ascendência europeia, de Articulação das
deveriam trabalhar para assim como a defesa do Comunidades Negras
seus senhores por mais trabalhador nacional.” Rurais Quilombolas
3 anos como forma de (CONAQ).
indenização pela alforria.
VOCABULÁRIO
EM DEBATE
A AFROFUTURISMO
Imaginar possíveis futuros e realidades
alternativas a partir de perspectivas negras.
E ETNOCENTRISMO
Concepção de mundo de um sujeito que
considera o seu grupo étnico superior a
P POLÍTICAS
AFIRMATIVAS
O termo surgiu em 1994 no texto Black To The todos os outros, o que gera hierarquização e Políticas públicas criadas com o objetivo de
Future, de Mark Dery. Nas palavras do próprio desvalorização de grupos étnicos diferentes. corrigir desigualdades sociais resultantes de
autor: “É possível a comunidade que teve seu processos históricos.

EUGENIA
passado deliberadamente apagado, e a energia

RACISMO
subsequentemente consumida pela procura
de traços legíveis de sua história, imaginar
possíveis futuros?” Termo criado em 1883 por Francis Galton que
defende a existência de raças superiores, Crime que parte da crença na superioridade de

APROPRIAÇÃO
vinculando características genéticas à atuação uma raça em relação às outras, gerando con-
de cada indivíduo no meio social, bem como dutas discriminatórias dirigidas a determinados

CULTURAL
a seleção artificial com o objetivo de melhorar grupos ou coletividades. Previsto na Lei Federal
a população. No Brasil, a eugenia ganhou 7.716/1989, o racismo é crime inafiançável e
contornos racistas, culminando nas políticas de imprescritível.
Fazer parte de uma cultura hegemônica e apro- branqueamento.

R RACISMO
priar-se de elementos de outra cultura, historica-

I INJÚRIA RACIAL
mente subalternizada, sem considerar os usos,

AMBIENTAL
significados e as tradições para os indivíduos
representados por ela.
Crime que consiste em ofender alguém com

B BRANQUEAMENTO
base em sua raça, cor, etnia, crença ou origem. Ato de impedir a posse ou desapropriar as terras
No Brasil, a injúria racial está prevista no artigo de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outros
140, parágrafo 3º, do Código Penal, e estabelece grupos raciais discriminados.
Clareamento da cor da pele ou internalização de a pena de reclusão de um a três anos e

RACISMO
comportamentos e culturas relacionados aos pagamento de multa.
brancos em detrimento da cultura de matriz

INTOLERÂNCIA CIENTÍFICO OU
africana. O processo pode incidir sobre um in-
divíduo ou sobre o modo como sua imagem é

RELIGIOSA RACIALISMO
reproduzida e sua história é contada.

BRANQUITUDE Atitude discriminatória, ofensiva ou violenta con-


tra grupos ou pessoas que têm diferentes reli-
Criação de doutrinas científicas que se pautam
na superioridade de uma raça para justificar pro-
Termo referente à identidade racial branca que giões ou crenças. cessos de dominação, exclusão e segregação.
ATLÂNTICAS

coloca o sujeito branco em posição privilegiada,

INTERSEC- RACISMO
perpetuando discriminação, racismo e desigual-
dade de oportunidades.

CIONALIDADE ESTRUTURAL
C COLORISMO
Termo relacionado à discriminação a partir do
julgamento dos tons de pele da população negra,
Sobreposição de identidades sociais vincula-
das a formas de subordinação, discriminação
e exclusão, como raça, gênero, sexualidade e
Processo histórico e político que reproduz estru-
turalmente os privilégios ou as subalternidades
de um sujeito com base em sua cor, raça e etnia.
ampliando as diferenças de oportunidades entre classe social.

RACISMO
as pessoas a partir da tonalidade da pele e de

L
AFRO-

LUGAR DE FALA
traços fenotípicos.

INSTITUCIONAL
D DIÁSPORA
NEGRA
O termo define a localização social do sujeito
que fala e como ela afeta a maneira como
é escutado, implicando em hierarquias,
desigualdades, racismo e sexismo.
Termo criado na década de 1960 por Stokely
Carmichael e Charles V. Hamilton, ativistas do
Panteras Negras. Define a existência de desi-
Dispersão de pessoas do continente africano gualdades baseadas na raça que ocorrem nas

M MERITOCRACIA
para outras regiões do mundo, principalmente diferentes instituições, como órgãos públicos,
devido às relações coloniais e ao escravagismo empresas, universidades etc.
mercantil. Fenômeno histórico e social que teve

REPRESEN-
início na Idade Moderna e se estendeu até o final Poder do mérito. Atribuição do sucesso pessoal
do século XIX. ou profissional ao esforço e às capacidades do

TATIVIDADE
indivíduo sem considerar as suas condições

DISCRIMINAÇÃO
sociais e históricas. Mito do esforço pessoal que
desconsidera a desigualdade de oportunidades

RACIAL
e perpetua a subalternidade de determinados Presença e representação de indivíduos de di-
grupos ou indivíduos. ferentes grupos étnico-raciais, classes sociais
e gêneros nas instituições, espaços de poder,
Atitude de exclusão, desvalorização, julgamento e
MITO DA
produção cultural e mídias.
negação de oportunidades, direitos e liberdades

DEMOCRACIA
S SEGREGAÇÃO
individuais a sujeitos de outra raça, cor ou etnia.

E EPISTEMICÍDIO
Desvalorização, negação ou silenciamento dos
saberes, conhecimentos e culturas produzidos
RACIAL
Mito construído historicamente no Brasil que
afirma a igualdade entre brancos, negros e indí-
RACIAL
Separar, isolar ou impedir o acesso de um grupo
étnico-racial a lugares, eventos, serviços e insti-
por grupos não dominantes e historicamente genas a partir do pressuposto de que cor de pele tuições.
subalternizados. e traços fenotípicos não implicam em relações

T TESE DO
sociais. A negação da existência de desigualda-

ESTEREÓTIPOS
de racial e de disparidade de acesso a direitos e

BRANQUEAMENTO
oportunidades entre brancos, negros e indígenas
contribui para a perpetuação das discriminações
Imagens mentais e conceitos que simplificam e segregações sociais.
a compreensão da realidade. Essas imagens Política de incentivo à imigração de europeus
HISTÓRIAS

N NEGRITUDE
mentais são baseadas em sistemas de valores brancos e aos casamentos inter-raciais visando
e crenças individuais ou culturais que definem ao branqueamento da população do Brasil.
indivíduos, grupos ou atitudes com base em in- Surgiu no século XIX, antes da abolição da
formações adquiridas anteriormente, o que tende Conceito multifacetado e dinâmico de caráter cul- escravidão, refletindo uma preocupação das
a gerar uma análise superficial e reproduzir pa- tural, ideológico e político. Relaciona-se à valori- elites brancas com a iminência da abolição.
drões negativos. zação das manifestações culturais de matriz afri-

X XENOFOBIA
cana, ao processo de aquisição de consciência
racial e às diretrizes e valores que dão subsídios
à atuação do movimento negro.
Atitude discriminatória e violenta contra

P PAN-
pessoas ou elementos de culturas estrangeiras.
Associa-se a preconceitos de cor, raça, etnia,

AFRICANISMO
culturas e ideologias.

Movimento social, político e filosófico que propõe


o alinhamento e a unificação política e cultural
das populações africanas após o colonialismo
europeu.
SIDNEY
AMARAL
Sidney Amaral 2014

Incômodo Cinco desenhos em aquarela,


grafite, guache, lápis de cor
e tinta de caneta permanente
sobre papel

Acervo Pinacoteca
do Estado de São Paulo,
São Paulo, Brasil
Doação Associação Pinacoteca
Arte e Cultura – APAC, 2017
JOSÉ
ALVES DE
OLINDA
José Alves sem data
de Olinda
Madeira policromada,
Barca dos Exus fibra vegetal e metal

Coleção Associação
Museu Afro Brasil,
São Paulo, Brasil
KARA
WALKER
Kara Walker 2005

Sem título Colagem,


três quadros

Coleção particular,
Rio de Janeiro, Brasil
ADENOR
GONDIM

Adenor Gondim década de 1990

Sem título, Impressão


da série Irmandade fotográfica
da Nossa Senhora
da Boa Morte

Coleção do artista,
Salvador, Brasil
ALFRED
WEIDINGER
Alfred Weidinger 2012

Fon Ndofoa Zofoa III — Impressão


rei de Babungo fotográfica
[Fon Ndofoa Zofoa III —
King of Babungo]

Acervo Associação
Museu Afro Brasil,
São Paulo, Brasil
HANK
WILLIS
THOMAS
Hank Willis 2012
Thomas
Pelourinho de
What Goes madeira e microfone
Without Saying

[O que não
precisa ser dito]

© Hank Willis Thomas.


Courtesy of the artist
and Jack Shainman Gallery,
New York.
ANTÔNIO
OBÁ

Antônio Ex-cravo, Amnésia, Identidade,


Obá da série da série da série
Ex-votos Ex-votos, Ex-votos

2017 2017 2017

Betume e Betume e Betume e


cravos sobre acrílica sobre espelho sobre
placa de madeira placa de madeira placa de madeira

Cortesia do artista e Cortesia do artista e Cortesia do artista e


Galeria Mendes Wood Galeria Mendes Wood Galeria Mendes Wood
DM, São Paulo, Brasil DM, São Paulo, Brasil DM, São Paulo, Brasil
BRUNO
BAPTISTELLI
Bruno 2015
Baptistelli
Impressão em
Linguagem papel offset
sobre madeira

Coleção particular,
São Paulo, Brasil

PAULO
NAZARETH
Paulo 2012-13
Nazareth
Impressão sobre
Negro preto papel algodão

Coleção Galeria
Mendes Wood DM,
São Paulo, Brasil
MOISÉS
PATRÍCIO

Moisés 2014-18
Patrício
Impressão
Sem título, fotográfica digital
da série
Aceita?

Coleção Fernando
e Camila Abdalla,
São Paulo, Brasil
ABDIAS
NASCIMENTO

Abdias 1970
Nascimento
Acrílica
Okê Oxossi sobre tela

Acervo Instituto
de Pesquisas e Estudos
Afro-Brasileiros (Ipeafro),
Rio de Janeiro, Brasil
SIDNEY
AMARAL
Sidney Amaral 2009-14

Mãe Preta Acrílica


ou A fúria sobre tela
de Iansã

Acervo Pinacoteca do Estado de


São Paulo, São Paulo, Brasil

Doação Cleusa de Campos


Garfinkel, 2015
EDOUARD
ANTOINE
RENARD

Edouard Antoine 1833


Renard
Óleo sobre tela
A Slave Rebellion
on a Slaveship

[Rebelião de escravos
em navio negreiro]

Coleção Musée du
Nouveau-Monde,
coleções de arte e história,
La Rochelle, França
HISTÓRIA
NARRATIVA
MEMÓRIA
DIVERSIDADE
IDENTIDADE
OBJETO
SUJEITO
OUTRO
EU
RESISTÊNCIAS
ATIVISMOS
EMANCIPAÇÕES
LIBERDADE
CULTURA
CORPO
DESLOCAMENTO
LONGE
PERTO
SILÊNCIO
GRITO
QUEM
ONDE
QUANDO
NÃO
Exposição
Histórias Afro-Atlânticas

Instituto Tomie Ohtake e MASP


29.06 — 21.10.2018

Parceiro Estratégico Patrocínio

Parceiro Cultural

Co-Realização

Apoio de Mídia

Realização

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