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Esclerose Sistémica
I
ntrodução colégio americano de Reumatologia6 (ACR –
American College of Rheumatology) em que
A Esclerose Sistémica (ES) é uma doença para classificação da doença eram necessários Ana Cordeiro
sistémica auto-imune que se caracteriza por 1 critério major + 1 critério minor, dos Médica Reumatologista
inflamação e hiper-reactividade vascular seguintes: do Serviço de Reumatologia
da micro e macro circulação1 associadas a do Hospital Garcia de Orta
• Critério major: 1. Espessamento cutâneo
deposição excessiva de colagénio nos tecidos, proximal;
com consequente fibrose dos mesmos,
• Critérios minor: 1. Esclerodactilia 2. Pitting
incluindo pele e órgãos internos2,3.
digital ou cicatrizes ou perda de substância
É uma doença rara com uma prevalência da polpa digital 3. Fibrose pulmonar bibasal.
estimada de 2-20 milhão/pessoa/ano e com
Contudo, esta classificação só permite o
predominância do sexo feminino (ratio 3:1)
diagnóstico em casos de doença já instalada
com pico de incidência entre as 3.ª – 5.ª
e/ou evoluída num cenário em que cada
décadas de vida.
vez mais se pretende um diagnostico
Apesar dos avanços terapêuticos na área da precoce da doença. Além do mais, e dada a
Reumatologia e em particular no tratamento heterogeneidade de manifestações da ES estes
das doenças sistémicas, a ES continua a critérios têm uma baixa sensibilidade (cerca
ser uma patologia para a qual as opções de 30%) e não integram dados de serologia
terapêuticas são ainda limitadas. Além do (auto-anticorpos) nem de capilaroscopia,
mais, existe um reconhecido aumento de ambos importantes à luz dos conhecimentos
morbilidade e mortalidade com sobrevida actuais.
estimada de 66% a 10 anos4.
Posteriormente foram definidos subtipos de
Classicamente a crise renal esclerodérmica doença: limitada e difusa de acordo com a
era a complicação mais temida e a principal extensão de pele envolvida:
Actualmente, a principal causa
causa de mortalidade5 nestes doentes, mas • Esclerose sistémica limitada: com
é actualmente menos frequente dada a espessamento cutâneo distal aos cotovelos de mortalidade na Esclerose
utilização mais generalizada dos inibidores e joelhos mas que pode envolver a face e
da enzima de conversão da angiotensina
Sistémica é o envolvimento
pescoço;
II (IECA’s). Actualmente a principal causa • Esclerose sistémica difusa: espessamento pulmonar onde se inclui a
de mortalidade na Esclerose Sistémica é o cutâneo no tronco e extremidades proximais
envolvimento pulmonar onde se inclui a hipertensão pulmonar
além da face e extremidades distais.
hipertensão pulmonar. A esta última atribui-
se cerca de 30% da responsabilidade nas Em 2001, houve novas modificações7 com
causas de mortalidade sendo, portanto, a inclusão do termo Esclerose sistémica limitada
complicação vascular mais temida5. precoce (“early limited”) definida por:
Fenómeno de Raynaud
Classificação (documentação objectiva) +:
A classificação da ES está actualmente em a. Alterações capilaroscopia típicas de
re-apreciação, dado que as usadas até à Esclerose Sistémica
data têm várias limitações. A importância ou
b. Auto-anticorpos positivos
da classificação da doença prende-se não
só com a classificação em termos formais Fenómeno de Raynaud
(subjectivo) +:
e categorização de doentes para ensaios
clínicos, mas também tem como objectivo a. Alterações capilaroscopia típicas de
tentar melhorar a compreensão da patogénese Esclerose Sistémica
da doença e as diferenças existentes entre os e
b. Auto-anticorpos positivos
vários subtipos da mesma.
Um melhor conhecimento do tipo de Para além destas definições que pretendem
envolvimento de órgãos, factores preditivos um diagnóstico mais precoce não podemos
de prognóstico e sobrevivência nos vários esquecer os subgrupos de:
subtipos de doença permitirá um melhor • CREST: Esclerose sistémica limitada com
seguimento dos doentes e mais criteriosa manifestações major de calcinose, Raynaud,
vigilância de potenciais complicações. dismotilidade esofágica, esclerodactilia e
Em 1980 foram publicados os critérios do telangiectasias;
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Revisão
A ES pode envolver virtualmente todos os A doença no seu global causa franca diminuição
órgãos internos mas em geral poupa o sistema da qualidade de vida pela dor, reduzida função,
nervoso. esclerose da pele, úlceras digitais, alteração da
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imagem corporal, fadiga, dispneia, depressão, Anti-RNA polimerase 3
envolvimento de órgão interno, sobretudo • Espessamento cutâneo mais grave
• Maior frequência de crise renal
gastro-intestinal e pulmonar. • Rara associação a fibrose intersticial grave
Alterações laboratoriais
Terapêutica
Os exames laboratoriais são um auxílio no
diagnóstico e monitorização dos doentes com A ES tem manifestações heterogéneas e de
ES. As alterações podem ser mais inespecíficas diferentes órgãos e na maioria dos casos
correspondendes a inflamação sistémica, o tratamento é pouco eficaz. A EULAR
alterações relativas a envolvimento de órgão (European League Against Rheumatism)
específico ou de serologia (auto-imunidade). publicou em 2009 recomendações para o
É frequente os doentes apresentarem tratamento da ES14, com base da evidência
velocidade de sedimentação elevada e científica disponível e opinião de peritos.
anemia. Esta última pode ter várias causas, A corticoterapia tem pouco lugar no
nomeadamente de doença crónica, por tratamento destes doentes, podem ser eficazes
perdas gastro-intestinais ou carencial por má nas manifestações musculo-esqueléticas,
absorção de micro-nutrientes. como a artrite mas são no global pouco
Pode haver alterações da função renal e eficazes e podem mesmo ser deletérios
hepática relacionadas com envolvimento dos por risco de poder desencadear crise renal
respectivos órgãos e elevação das enzimas esclerodérmica14, para além da iatrogenia
musculares em casos de associação a miosite. inerente aos mesmos.
Existem vários anticorpos presentes nos No que respeita a algumas das manifestações
doentes com ES. Nem todos são específicos, de órgão salientam-se os fármacos que
muitos não são efectuados na nossa prática poderão ser usados, tendo sido a sua eficácia A terapêutica da
clínica diária. Entre eles estão os anticorpos comprovada em ensaios clínicos, ou com
Esclerose Sistémica
anti-nucleares (ANA), presentes em 95% dos resultados marginais benéficos ou segundo
doentes. Além destes destacam-se: Ac anti- opinião de peritos e de acordo com as exige uma visão global e
topoisomerase I (Scl 70), Ac Anti-Centrómero recomendações publicadas14:
(ACA), Anti-RNP U1 – anti-fibrilharina,
multidisciplinar do doente
• Crise renal esclerodérmica: inibidores dos
Anti-RNP U3, Ac anti – RNA polimerase III, receptores da angiotensina II (IECA´s);
Anti Pm/scl e Anti-Th/To.
• Doença intersticial pulmonar: ciclofosfamida;
Os auto-anticorpos específicos da ES são raros • Envolvimento cutâneo: metotrexato (sobre-
noutras doenças, contudo não é conhecido tudo na fase inicial);
o seu papel na patogénese da doença.
• Envolvimento gastro-intestinal: inibidores
Estão geralmente presentes no início das
da bomba de protões, pró-cinéticos, antibi-
manifestações clínicas e não se alteram ao
oticos de forma rotativa (em casos de má-
longo do curso da doença. Os seus alvos são Referências Bibliográficas
absorção por hiperproliferação bacteriana);
proteínas ribonucleadas e enzimas nucleares 1. Abraham D, Distler O. How does endothelial cell injury start? The role
of endothelin in systemic sclerosis. Arthritis ResTher 2007, 9(Suppl
(topo e poli isomerases) e a sua documentação • Hipertensão arterial pulmonar: bosentan, 2):S2 (doi:10.1186/ar2186)
prende-se sobretudo com as manifestações sildenafil, epoprostenol (incluindo combi- 2. Hachulla E, Coghlan JG. A new era in the management of pulmonary
clínicas que lhes estão associadas11,12,13 e nações); arterial hipertensión related to scleroderma: endothelin receptor
antagonism. Ann Rheum Dis 2004;63:1009-1014
por serem reconhecidos indicadores de • Vasculopatia (Fenómeno de Raynaud e úl- 3. Tamby MC, Chanseaud Y, Guillevin L, Mouthon L. New insights into
prognóstico. ceras digitais): bloqueadores dos canais de the pathogenesis of systemic sclerosis. Autoimmun Rev. 2003;2(3):152-
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cálcio (grupo dihidropiridinas como a nife- 4. Silman AJ. Scleroderma—demographics and survival. J Rheumatol
Anti-centrómero (ACA)
• Associado à forma limitada da doença
dipina), iloprost, bosentan (incluindo com- 1997;24 Suppl 48:58-61
• Maior tempo de evolução de doença à data do binações). 5. Steen VD, Medsger TA. Changes in causes of death in systemic
diagnóstico sclerosis, 1972–2002. Ann Rheum Dis 2007;66:940–4
• Pouco frequente associação a fibrose pulmonar O modo específico de administração dos 6. Subcommittee for Scleroderma Criteria of the American Rheumatism
• Menor risco de crise renal Association Diagnostic and Therapeutic Criteria Committee.
• Associação a hipertensão arterial pulmonar (lesão
fármacos referidos acima, as suas indicações Preliminary criteria for the classification of systemic sclerosis
vascular) precisas no contexto da doença e a sequência (scleroderma). Arthritis Rheum 1980;23:581-590
Anti topoisomerase (scl70) da sua introdução ultrapassam o âmbito deste 7. LeRoy Medsger. J Rheumatol. 2001 Jul;28(7):1573-6
• Doença mais grave 8. Khanna D. Diagnosis and management of systemic sclerosis. Indian
artigo, pelo que a informação disponibilizada Journal of Rheumatology 2010; 5( 2): 69–75
• Associação a doença intersticial pulmonar / fibrose
pulmonar é insuficiente para a correcta utilização dos 9. Ferri C et al. Assessment of heart involvement. Clin Exp Rheumatol
• Associação a crise renal mesmos. 2003 (sup 29):S24-S28
• Envolvimento Gastrointestinal mais grave 10. ESC/ERS Guidelines for the diagnosis and treatment of pulmonary
• Associação a envolvimento cardíaco A terapêutica da Esclerose Sistémica exige hypertension. Eur Heart J 2009;30:2493-2537
Anti-RNP U3 uma visão global e multidisciplinar do 11. Steen V. Semin Arthritis Rheum 2005;35:35-42
• Forma difusa 12. Doran JP, Veale DJ. Biomarkers in systemic sclerosis. Rheumatology
• Envolvimento multi-orgânico doente e deve ser iniciada de forma coerente 2008;47:v36-v38
• Mais frequente na raça negra e orientada às manifestações apresentadas 13. Walker JF, Fritzler MJ. Update on autoantibodies in systemic sclerosis.
• Frequente fibrose pulmonar grave e associação a
hipertensão pulmonar de forma a melhorar a qualidade de vida do Curr Opin Rheum 2007;19:580-591
14. Bielecka OK et al. EULAR recommendations for the treatment of
• Envolvimento GI grave (má-absorção, doente e impedir, nos casos em que é possível, systemic sclerosis: a report from the EULAR Scleroderma Trials and
pesudo-obstrução) a progressão da doença. Research group (EUSTAR). Ann Rheum Dis 2009;68:620-628
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