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unidade 3

PESQUISA SOBRE A DOCÊNCIA


E SEU EXERCÍCIO
Objetivos

Ao final da unidade você deverá:

• discutir a natureza da pesquisa no e para o


trabalho e formação docente;
• avaliar a pertinência da pesquisa na formação
docente.
UNIDADE III
Pesquisar sobre a docência e seu exercício

3
Unidade
1 INTRODUÇÃO

Como vimos anteriormente, outro tipo de saber considerado


necessário ao docente no exercício de seu trabalho é o da pesquisa.
Neste momento de nossos estudos, gostaríamos de discutir com você
acerca da formação do professor para a pesquisa, da natureza desta
pesquisa e das possibilidades concretas de sua execução no contexto
do trabalho docente.
Pensamos que essa é uma questão bastante pertinente porque
há uma tendência forte em apostar, por um lado, que a pesquisa
pode ser a resposta para os problemas relativos à formação docente,
depositando uma expectativa, muitas vezes ingênua, de solução de
questões complexas; e por outro, há a tendência em banalizar a
noção de pesquisa.
Na perspectiva da pesquisa como solução para os problemas
da formação, a proposta do professor como um pesquisador
assume, com freqüência, que os professores, ao desenvolverem
pesquisas sobre suas próprias práticas, consequentemente, tornam-
se “mais reflexivos”, transformando-se em melhores profissionais.
Quanto à banalização da noção de pesquisa, algumas linhas de

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FUNDAMENTOS DA DOCÊNCIA Pesquisa sobre a docência e seu exercício

defesa argumentam que o conhecimento produzido por meio das


investigações realizadas pelos professores será necessariamente de
grande importância, independente de sua natureza e qualidade.
Poderíamos concordar com estas posições?
Para responder a esta pergunta, propomos estudar nesta
unidade a natureza da pesquisa do professor, a sua pertinência e
validade e a relação entre a formação, o trabalho docente e a pesquisa.
Antes, porém, é importante ressaltar que a proposta de
formação do professor pesquisador, tal como hoje é discutida, também
se identifica com outras categorias apresentadas no campo teórico,
tais como: “professor-reflexivo”, “prático-reflexivo”, “pesquisa-ação”,
“pesquisa colaborativa”, dentre outras. É pertinente pontuar que
as denominações acima se tornaram “guarda-chuvas” que abrigam
muitos outros conceitos, mas que, aqui, não iremos abordar devido à
extensão de cada uma delas.

2 A NATUREZA DA PESQUISA DO PROFESSOR

Quantas vezes você já ouviu falar na necessidade de valorizar a


capacidade de pensar dos professores? De prepará-los para questionar
o seu trabalho? De unir teoria e prática? De problematizar sua ação
como docente? Se você alguma vez já se preocupou com alguma
dessas questões, então esteve próximo das ideias da pesquisa como
um elemento importante para o trabalho docente. Entretanto, de que
tipo de pesquisa estamos falando? Qual a sua natureza?
Para orientar o nosso debate sobre a natureza da pesquisa do
professor, levantaremos a contribuição da literatura recente dedicada
a essa questão, e como essa literatura reconhece a importância de
admitir a pesquisa do professor como membro legítimo no conjunto
de tipos de pesquisa hoje à disposição dos pesquisadores na área de
educação.
No Brasil, entre os autores mais citados a esse respeito se
acham Pedro Demo, que defende a indissociabilidade entre ensino
e pesquisa, e o caráter formador da atividade de pesquisa (DEMO,
1991; 1994; 1996); Corinta Geraldi, que estimula o desenvolvimen-
to da pesquisa-ação entre grupos de professores (GERALDI, 1996;
1998); e Marli André, que inspira a prática da pesquisa docente, por
meio da colaboração entre pesquisadores da universidade e profes-
sores da rede pública (ANDRÉ, 1992; 1994; 1995; 1997; 1999).
No plano internacional, destaca-se Keneth Zeichner, há bas-
tante tempo dedicando-se à defesa do exercício de uma pesquisa

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próxima à realidade do professor que atua em sala de aula, ou na
escola onde ele sente que as pesquisas correspondem melhor às SAIBA MAIS

necessidades dos professores e alunos (ZEICHNER, 1998). John Dewey (1859-


1952), filósofo norte-
Esses autores sofrem a influência direta do pensamento do americano que influenciou
educadores de várias par-
filósofo John Dewey, que representa um marco conceitual para os tes do mundo. No Brasil,
estudos relativos às formas de pensar e ao pensamento reflexivo. inspirou o movimento da
Escola Nova, liderado por
E como metodologia, a influência da obra de Lawrence Stenhouse, Anísio Teixeira, ao colo-
car a atividade prática e
responsável pela renovação da pesquisa-ação nos anos de 1960, na a democracia como im-
portantes ingredientes da
Inglaterra.
educação. O seu nome é o
Ampliando a ideia semeada por Stenhouse, John Elliot (1996) mais célebre da corrente
filosófica que ficou conhe-
propôs a pesquisa-ação como aliada do trabalho e do crescimento cida como pragmatismo,
embora preferisse o nome
profissional do professor. Nesta mesma linha, estão Carr e Kemmis
instrumentalismo; uma
- que reforçam a importância da dimensão crítica no pensamento do vez que, para essa escola
de pensamento, as ideias
professor - e Giroux, postulando que a pesquisa crítica não pretende só têm importância, desde
que sirvam de instrumen-
somente entender a realidade, mas intervir e mudar essa mesma to para a resolução de pro-
realidade. blemas reais. No campo
específico da pedagogia, a
Esses autores contribuíram para que a pesquisa passasse teoria de Dewey se inscre-
ve na chamada educação
a ser encarada como um forte instrumento de compreensão da

3
progressiva. Influenciado
pelo empirismo, ele criou
realidade educativa e de seus múltiplos sentidos, a partir da ação
uma escola-laboratório li-

Unidade
refletida e crítica do professor que, nesse contexto, seria o próprio gada à universidade, onde
lecionava, para testar
investigador de sua prática. métodos pedagógicos. A
experiência educativa é,
Entretanto, segundo Shulman (1999, p. 163), não se espera
para ele, reflexiva, resul-
da pesquisa realizada pelo professor que essa confira conhecimento tando em novos conheci-
mentos.
certo, mas antes que ofereça guias para a prática:

Ela oferece maneiras de reduzir a incerteza, mas


não de removê-la. Ela oferece precedentes e
exemplos, mais do que regras claras. Ela informa
o julgamento, mas raramente alivia o profissional
de suas tribulações. Ela contribui com padrões
(standards) de prática, mais do que regras de
procedimento.

Figura 2 - John Dewey


Fonte: Wikimedia Commons
A perspectiva de Shulman, quanto à natureza de uma
pesquisa de “apoio”, de “guia”, provocou uma série de indagações
a respeito da necessidade (ou não) de estabelecer critérios para a
pesquisa do professor.
Observe a situação abaixo:

O termo standards aqui


Uma professora alfabetizadora, ao chegar na metade
se refere à criação de
do ano letivo, tem na sua classe 20 crianças já alfabetizadas e padrões de prática, isto é,
05 crianças que ainda não conseguiram ler. mesmo acontecendo em
locais diferentes existem
Ela pergunta a si mesma: aspectos em comum que
Por que, apesar de todo esforço empreendido, essas caracterizam uma prática
pedagógica.
cinco crianças ainda não conseguiram ler?

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FUNDAMENTOS DA DOCÊNCIA Pesquisa sobre a docência e seu exercício

A professora levanta possíveis respostas para a sua


questão:
a – essas crianças, comparadas com as outras vinte, de-
vem ter algum déficit cultural;
b – essas crianças devem ter uma situação socioeconô-
mica desfavorável.
Em seguida, a professora verifica a veracidade de sua
resposta, fazendo um levantamento do repertório cultural das
crianças e de suas condições socioeconômicas. Mas não encon-
tra diferenças que possam justificar o fato de ainda não estarem
lendo.
Pensa mais um pouco a respeito da situação e levan-
ta mais algumas prováveis respostas: os alunos não devem ter
apreendido o objeto da leitura porque:
a – ainda não superaram a hipótese silábica; ou
b – ainda não estabeleceram a relação som/letras.
A professora prepara alguns testes e aplica com as crian-
ças. Os testes de três das cinco crianças comprovam a segunda
e duas crianças a primeira. A professora, assim, aceita como
certa a sua nova hipótese.
A professora decide interferir diretamente, utilizando
metodologia de trabalho diferenciada com essas crianças.
Entretanto, ao final do ano, essas crianças, mesmo já
lendo corretamente, ainda não conseguem escrever pequenos
textos. Surge, então, um novo problema: por que seus alunos,
ao final de um ano letivo, conseguiram ler, mas não conseguiram
produzir pequenos textos escritos?

Com esse exemplo podemos observar que, embora esteja claro


que a professora está envolvida em alguns processos de teorização
durante a sua ação, estas não passam de meios para melhorar a sua
prática, elas não têm um fim em si mesmo, o que explica por que
os práticos não desenvolvem sua teorização sob a forma de uma
teoria disciplinar. Segundo Tripp (2005), os professores estão muito
ocupados com suas práticas para perseguirem questões “puras” de
pesquisa.
Então, o que se considera uma boa pesquisa do professor?
Devem existir padrões universais dentro desse campo de pesquisa?
Se sim, quem deve criar estes padrões? Com que meios? Se for
possível chegar a um acordo sobre quais sejam estes padrões, como
devem ser divulgados e implementados e quem fará isso?
Como se pode notar, as perguntas sobre a pesquisa do pro-
fessor são muitas. Sendo assim, para que possamos efetivamente
distinguir o que são processos de teorização próprios da ação e o que
é a pesquisa-ação (tipo de pesquisa própria do professor), devemos
considerar a necessidade:
1. de tratamento adequado da subjetividade;

56 Módulo 2 I Volume 4 EAD


2. de que se distinga ação e pesquisa; PARA CONHECER
3. de que as questões relativas à ética sejam enfrentadas direta- Não há certeza sobre
quem criou a pesquisa-
mente (ANDRÉ, 2001); ação. Entretanto, a pes-
4. de que a pesquisa realizada pelo professor deve ser percebida quisa-ação educacional é
principalmente uma es-
como uma atividade que não pode ser realizada em isolamento; tratégia para o desenvol-
vimento de professores e
5. de identificar os quatro componentes da pesquisa: a disciplina pesquisadores de modo
com a qual o trabalho é conduzido; a variedade de meios pelos que eles possam utilizar
suas pesquisas para apri-
quais se torna público; a maneira pela qual uma comunidade morar seu ensino e, em
decorrência, o aprendiza-
intelectual examina e atesta sua qualidade e os modos pelos do de seus alunos. Para
saber mais sobre a pes-
quais o trabalho é apresentado, agregado e compartilhado, o
quisa-ação educacional
que o torna amplamente útil e generativo (ZEICHNER, 1998). leia o texto de David Tri-
pp: “Pesquisa-ação: uma
introdução metodológica”
publicado na revista Edu-
Podemos observar, então, que a natureza da pesquisa do pro- cação e Pesquisa, n. 3,
fessor é a de ser originada em sua prática e a ela se destinar (pesqui- set./dez. 2005 (www.pe-
riodicos.capes.gov.br).
sa-ação), mas que, por ser pesquisa, necessita de critérios que são
derivados: a) de preocupações epistemológicas referentes ao tipo de
conhecimento produzido; b) de preocupações metodológicas voltadas
para o cuidado com os procedimentos de coleta e análise dos dados

3
e c) de preocupações éticas relativas à qualidade da colaboração e às

Unidade
mudanças efetuadas.
São preocupações importantes e legítimas, que devem ser
discutidas pelos pesquisadores da área:

[...] pôr em discussão a questão geral dos critérios


que deveriam ser empregados para verificar a
credibilidade das afirmações feitas pela pesquisa
do professor, [...] defendendo sua legitimidade
como forma de pesquisa educacional, que deveria
ser avaliada com critérios que se entrelaçam, mas
também são algo diferente daqueles usados para
avaliar a credibilidade da pesquisa educacional
acadêmica (SHULMANN, 1991, p. 5).

Além dos que aqui citamos, outros autores têm buscado pa-
râmetros para julgamento da pesquisa-ação. No Brasil, devemos dar
destaque especial ao grupo coordenado por Corinta Geraldi, Dario
Fiorentini e Elisabete Pereira, que, após anos de estudo, organizou a
publicação “Cartografia do Trabalho Docente” (1998), divulgando o
pensamento de diferentes autores e trazendo importantes contribui-
ções ao debate sobre a formação do professor reflexivo/pesquisador.

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FUNDAMENTOS DA DOCÊNCIA Pesquisa sobre a docência e seu exercício

3 TRABALHO DOCENTE, FORMAÇÃO E A PESQUISA DE


PROFESSORES

Vários pesquisadores com experiência na pesquisa-ação têm


dado seus depoimentos do quão difícil é conciliar os papéis de ator e
de pesquisador, buscando o equilíbrio entre a ação e a investigação,
pois o risco de sucumbir ao fascínio da ação é sempre muito grande,
deixando para o segundo plano a busca do rigor que qualquer tipo de
pesquisa requer.
Em pesquisa realizada por Ludke (2001) sobre o professor
pesquisador, entre os aspectos que levantou, destacamos dois que
podem ilustrar as dificuldades de conciliar a tarefa de ser professor e
pesquisador ao mesmo tempo.
O primeiro deles diz respeito às instalações. Com raras
exceções, a autora registrou a falta de espaço para o trabalho conjunto
dos professores (e mesmo dos alunos), poucos recursos bibliográficos
e de informática, e a indisponibilidade de horas para essa atividade.
As escolas estão, quase sempre, mal equipadas, os professores estão
trabalhando isoladamente e o tempo de trabalho é insuficiente para
dar conta das múltiplas atividades que lhes são atribuídas.
O outro aspecto diz respeito à dualidade de perspectivas
“pesquisa acadêmica versus pesquisa-ação”. Segundo Ludke
(2001), o professor tem a percepção de que a pesquisa acadêmica
não consegue atingir os problemas e os temas mais importantes e
próximos do seu trabalho na escola, mas, ao mesmo tempo, ele sente
que ela (a pesquisa acadêmica) provavelmente domina os métodos e
os recursos necessários para investigar devidamente aqueles assuntos
fundamentais. A pesquisa que o professor faz, ou poderia fazer, em
sua escola, parece não ter, aos seus olhos, a capacidade de dominar
plenamente o conhecimento do objeto desejado, mas não há dúvidas
de que ele é quem sabe qual é esse objeto (não o pesquisador da
academia).
Como, então, formar o professor pesquisador?
Anderson e Herr (1999) mostram como, nos Estados Unidos, a
onda do professor reflexivo vem sendo apropriada por algumas facul-
dades de educação sem que se preocupem devidamente em manter o
rigor. Afirmam que muitas faculdades de educação têm pouca clareza
sobre o que significa desenvolver um programa rigoroso, que tenha
como foco principal o conhecimento dos “práticos”.
Segundo esses autores, os programas que objetivam formar
o professor reflexivo, por meio da pesquisa-ação, não podem ser jul-
gados pelos mesmos critérios de validade das pesquisas positivistas

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nem das pesquisas naturalistas, mas, de qualquer maneira, exigem
rigor. Argumentam que os critérios de julgamento da pesquisa acadê-
mica tradicional são inadequados para este tipo de pesquisa.
Além da discussão sobre a validade, muitos se perguntam
para que servem as pesquisas realizadas nos cursos de formação de
professores. Esta interrogação é também alimentada por alguns dos
próprios pesquisadores, que realizam trabalhos pouco acessíveis e
centrados em temáticas distantes das questões da prática.
Em resumo, os cursos se situam entre as duas exigências
apontadas por Schön (1983) e, frequentemente, incompatíveis: o
rigor (científico) e a pertinência (profissional). Como sair deste dile-
ma e evitar que aquilo que se ganha de um lado se perca de outro?
Como estabelecer vínculos orgânicos e funcionais entre formação e
pesquisa?
Outra pesquisadora que traz posições provocativas e instigan-
tes nessa discussão é Marília G. Miranda (2000), ao abordar o tema
da articulação ensino e pesquisa no debate contemporâneo sobre a
formação dos professores e, mais especificamente, ao comentar a

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literatura recente sobre a formação do professor reflexivo/pesquisa-

Unidade
dor.
Segundo Miranda, a literatura, que focaliza a problemática
do professor reflexivo/pesquisador trata também das relações entre
o conhecimento acadêmico e o conhecimento dos profissionais prá-
ticos, fazendo uma crítica pesada ao elitismo da universidade. Esta
literatura, segundo ela, tem vários méritos:
a) valoriza a ação do professor como caminho para sua auto-
nomia e emancipação;
b) busca propósitos justos e generosos ao dar voz ao profes-
sor para melhorar a prática, combater as desigualdades e a exclusão;
c) faz uma crítica salutar às universidades e às suas relações
com os profissionais práticos.
A preocupação da autora, no entanto, é com a possível ado-
ção acrítica dessa perspectiva, o que pode causar sérios problemas,
como, por exemplo: converter-se numa retórica legitimadora da re-
forma educacional, pondo nos ombros do professor toda responsa-
bilidade pelo seu insucesso; confirmar uma prática adaptativa aos
problemas, e não transformadora, ao insistir num processo de refle-
xão orientado para resolver problemas imediatos da prática; deixar
de elevar as reais possibilidades de reflexão crítica do professor ao
negar a teoria como parte necessária do processo de autonomia.
Compartilhamos de muitas das preocupações da autora,
pois temos visto surgir, nos últimos anos, uma tendência de apoio

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FUNDAMENTOS DA DOCÊNCIA Pesquisa sobre a docência e seu exercício

incondicional aos estudos que envolvem algum tipo de intervenção,


PARA REFLETIR aliada a uma crítica veemente ao caráter distante e acadêmico das

Em uma perspectiva cha- pesquisas produzidas na universidade. No fundo dessa polêmica está
mada dialética, a rela-
uma supervalorização da prática e certo desprezo pela teoria.
ção teoria e prática é de
“inter-relação”. Isto é, Entendemos que alguns dos problemas apontados sobre a
não se trata de um ajus-
te entre uma e outra ou relação prática docente/pesquisa e formação podem ser superados,
da diminuição de suas di-
na medida em que essa última (a formação) esteja atrelada à noção de
ferenças, adequando-as
uma a outra, mas trata- trabalho como forma de superação das dicotomias rigor/pertinência,
se da mútua dependên-
cia entre elas. A teoria saberes científicos/saberes da experiência.
não existe sem a prática
e a prática existe como a
Desta forma, vale a pena relembrarmos que a especificidade
prática de uma dada te- do trabalho docente é a de socializar os saberes elaborados
oria. É a própria relação
entre elas que possibilita historicamente pela humanidade. Para tanto, precisará: dominar
a sua existência. Entre-
tanto, esta é uma relação este saber tanto no seu conteúdo quanto na sua forma de produção;
de conflito e de tensão
saber transformar este saber em saber escolar, isto é, adequar
crítica que não busca o
equilíbrio ou a acomoda- quantidade e abordagem ao aluno; e precisará saber como irá mediar
ção e, sim, descobrir as
suas contradições. As- essa socialização considerando tanto a natureza do saber quanto as
sim, na pesquisa sobre
especificidades dos seus alunos. Falamos, portanto, em um professor
a formação e no trabalho
docente que tenha essa que reflete, decide e participa.
perspectiva, a teoria tem
como finalidade “ten- Para Saviani (1986) o processo de formação (da criança,
sionar” a prática e é na
prática que ela é checa-
do adolescente, jovem ou do próprio professor) tem cinco passos
da, dinamizando-se no distintos e interdependentes: a prática social como ponto de partida,
sentido de exigir novas
teorias. a problematização, a instrumentalização, a catarse e a prática social

como ponto de chegada.

Quadro 1

Prática Instrumen- Prática


Social talização Social
Problema- Catarse
tização

O primeiro passo, o ponto de partida, é a prática social, e


como uma de suas dimensões, a prática pedagógica, que, no caso da
formação de professores, é (ou deverá se tornar) comum tanto aos
formadores quanto aos professores envolvidos. Mas, como lembra
Saviani, há uma diferença essencial entre formadores e alunos,
neste momento, e que não pode ser esquecida: a de que cada um
desses sujeitos encontra-se em níveis diferentes de compreensão da
prática social e de que a intervenção do professor que forma, nesse
momento, precisa ser direta e intencional, a fim de que o aluno, que
está sendo formado, possa saltar de uma situação de compreensão
(conhecimentos e experiências) sincrética para uma compreensão

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sintética da prática social como um todo e da prática educativa em
particular.
O segundo passo diz respeito à problematização, isto é, ao
momento em que são destacadas as questões que precisam ser
resolvidas a respeito da experiência social de ensino escolar. Este
momento deve permitir ao professor estabelecer uma relação
consciente com a sua atividade pedagógica, de forma a apreendê-
la em suas múltiplas dimensões (teórica e prática) para sobre ela
intervir intencionalmente.
Não se trata, portanto, de apenas detectar as necessidades
e temas que surgem de suas experiências pessoais, o momento
de problematização deve ser entendido como a criação de novas
necessidades, a colocação de novos temas “como objeto de sua
reflexão, em função de necessidades da prática social” (MAZZEU,
1998, p. 65). Destaca-se, neste momento, a relevância social e
estratégica da reflexão pedagógica capaz de interpretar as relações
sociais de uma sociedade historicamente determinada, o que exige
domínio de conhecimento e de capacidade política de intervenção.

3
A intervenção intencional que tal problematização originará,

Unidade
exigirá novos procedimentos. O terceiro passo, a instrumentalização
do professor consiste na apropriação e criação das ferramentas
pedagógicas para o desenvolvimento do trabalho docente. Estas
ferramentas dizem respeito aos saberes necessários (conteúdos,
habilidades, valores, experiência) para o equacionamento dos
problemas e necessidades de uma prática pedagógica comprometida
com o sucesso do aluno.
A nosso ver, sem a problematização, momento fundamental
para a tomada de consciência do significado social do trabalho
docente e para favorecer o surgimento de novos motivos no professor
em formação, o momento de instrumentalização se tornará estéril,
mesmo com todo o empenho e boa vontade do formador crítico que
corre o risco de cair nas armadilhas do pragmatismo, não favorecendo,
assim, a catarse, o próximo passo.
O momento da catarse, segundo Duarte (1996, pp. 61-
74), é um dos momentos do processo de homogeneização, o qual
produz um salto qualitativo e irreversível na consciência do indivíduo.
Esse quarto passo, trata-se, ao mesmo tempo, da apropriação pela
consciência de uma “força” existente objetivamente, a qual, quando
incorporada pelo homem, é por ele empregada para modificar a
realidade, e do processo pelo qual o homem passa a se relacionar
consciente e intencionalmente com essa “força”:

UESC Pedagogia 61
FUNDAMENTOS DA DOCÊNCIA Pesquisa sobre a docência e seu exercício

Pode-se empregar a expressão catarse para indicar


a passagem do momento puramente econômico (ou
egoísta-passional) ao momento ético-político, isto é,
a elaboração superior da estrutura em superestrutura
na consciência dos homens. Isto significa também a
passagem do ‘objetivo ao subjetivo’ e da ‘necessidade
à liberdade’. A estrutura da força exterior que subjuga
o homem, assimililando-o e o tornando passivo,
transforma-se em meio de liberdade, em instrumento
para criar uma nova forma ético-política, em fonte de
novas iniciativas (GRAMSCI, 1987, p. 218).

A formação de professores deve procurar a irreversibilidade


dessas mudanças, de forma que os que nela estão envolvidos tornem-
se sujeitos de sua própria formação. Deve ela, pois, transformar-se,
para o educador que se forma, em um meio de liberdade. Sabemos,
no entanto, que o momento da catarse é um processo longo e exige
tempo (às vezes bem maior do que o previsto burocraticamente) e
um esforço contínuo.
PARA CONHECER
O quinto passo, o ponto de chegada, é a própria prática social
Para ver um exemplo de
uma prática pedagógi-
e, como uma de suas dimensões, a prática pedagógica, compreendida
ca na qual aparecem os agora não mais de forma sincrética, mas segundo o seu significado, a
cinco passos propostos
por Saviani (1996), as- finalidade social do ato de ensinar.
sista ao filme “Sociedade
dos poetas mortos” (de
Sabemos que a pesquisa típica da universidade teria muito
Peter Weir), no qual o a ganhar com a aceitação de uma nova conceituação da pesquisa
professor de inglês Jonh
Keating (Robin Williams), do professor, que lhe conferisse estatuto epistemológico legítimo,
tomando como ponto de
partida o cotidiano dos ajudando assim a própria universidade a ampliar seus horizontes
alunos, problematiza sua
de pesquisa, envolvendo temas e abordagens metodológicas mais
realidade, instrumenta-
liza-os com a arte e a próximas dos problemas vividos por alunos e professores, podendo
poesia, muda os seus
modos de verem o mun- contribuir de forma mais efetiva para o desenvolvimento do saber
do, transformando para
sempre suas vidas.
docente. Mas sabemos também, que as práticas de reflexão sempre
existiram na profissão docente. Precisamos, então, nos cursos de
formação tentar identificá-las e construir as condições para que elas
possam se desenvolver.
As práticas reflexivas não são inerentes à profissão docente,
no sentido de serem naturais, mas elas são inerentes, no sentido de
que elas são essenciais para a profissão. E, portanto, tem de se criar
um conjunto de condições, um conjunto de regras, um conjunto de
lógicas de trabalho e, em particular, criar lógicas de trabalho coletivos
dentro das escolas, a partir das quais – através da reflexão, através
da troca de experiências, através da partilha – seja possível dar
origem a uma atitude reflexiva da parte dos professores.
A experiência é muito importante, mas a experiência de cada
um só se transforma em conhecimento através da análise sistemática

62 Módulo 2 I Volume 4 EAD


das práticas. Uma análise que é análise individual, mas que é também
coletiva, ou seja, feita com os colegas, nas escolas e em situações de
formação.

DESAFIOS
Desafio 1 – Procure um professor da rede básica de ensino e pergunte o que ele
pensa sobre a relação entre a pesquisa e o trabalho docente.

Desafio 2 – Ao mesmo professor pergunte também se ele faz pesquisa sobre a


sua prática docente e, em seguida, defina o procedimento a seguir, dependendo
da resposta dada.

3
I. Se a resposta for afirmativa, pergunte mais:

Unidade
(a) Que metodologia utiliza para desenvolver a pesquisa (concepção,
levantamento do problema, definição da(s) técnica(s) de coleta de dados,
organização dos dados coletados, análise e registro dos resultados)?
(b) Quais as principais dificuldades que encontra para desenvolver a pesquisa?
(c) Como socializa os resultados da pesquisa e o que faz com eles?
II. Se a resposta for negativa, pergunte mais:
(a) Ele considera necessário que o professor também seja um pesquisador?
(b) Para ele, como deveria ser a formação do professor que também fosse
pesquisador?
(c) Que aspectos de seu trabalho (docência) precisariam ser modificados
para que pudesse exercer também a função de pesquisador?

Desafio 3 – Registre por escrito todas as respostas e analise-as a partir dos


aspectos abordados nesta unidade, elaborando um texto de, no mínimo, 500
palavras. Lembramos que, para a realização destas atividades, você precisará
que o professor declare aceitar compartilhar as suas ideias e experiências com
você, seus colegas e professor.

UESC Pedagogia 63
FUNDAMENTOS DA DOCÊNCIA Pesquisa sobre a docência e seu exercício

RESUMINDO

Nesta unidade, você estudou que a pesquisa tem se constituído


num tipo de saber necessário ao professor para e no desempenho de seu
trabalho. Você também viu que não há consenso sobre a natureza dessa
pesquisa e sobre a existência real das condições, tanto de formação de
um professor/pesquisador quanto de seu desempenho em seu espaço
de trabalho. Você estudou que, como o objeto de pesquisa e o objeto de
trabalho do professor são muito parecidos, por vezes, fica difícil dizer o
que é que diz respeito a cada um deles e, por isso, a necessidade de se
estabelecer critérios para avaliar a pesquisa feita pelo professor. Por fim,
você viu como é possível, mesmo não sendo um pesquisador, formar
no professor uma atitude de pesquisa ao permitir que ele, partindo de
sua prática social, a problematize, se instrumentalize, reflita sobre as
informações, transformando suas ideias e ações, retornando à prática
social sob outras condições.

LEITURAS NECESSÁRIAS

LUDKE, Menga; CRUZ, Gisele Barreto. Aproximando universidade e escola de


educação básica pela pesquisa. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, maio, 2005.

TRIPP, David. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e


pesquisa, v. 31, n.3, set./dez., 2005.

64 Módulo 2 I Volume 4 EAD


ANDERSON, G.; HERR, K. The new paradigma wars: is there room
for rigorous practitioner knowledge in schools and universities?
Educational Researche, v. 28, n. 5, p. 12-40, jun./jul., 1999.

ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: buscando rigor e qualidade.

REFERÊNCIAS
Cadernos de Pesquisa.  n.113, São Paulo, jul. 2001.

DUARTE, Newton. A individualidade para-si: Contribuição a uma


teoria histórico-social da formação do indivíduo. Campinas: Autores
Associados, 1996.

GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História. Tradução de


Carlos Nelson Coutinho. 7. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1987.

LUDKE, Menga. O professor, seu saber e sua pesquisa. Educação e


Sociedade. vol. 22, n. 74, abr., 2001.

MAZZEU, Francisco José C. Uma proposta metodológica para a

3
formação continuada de professores na perspectiva histórico-social.
Cadernos CEDES, n. 44. Campinas, abr. 1998.

Unidade
MIRANDA, Marília Gouvêa de, RESENDE, Anita C. Azevedo. Sobre a
pesquisa-ação na educação e as armadilhas do praticismo. Revista
Brasileira de Educação, v. 11, n. 33, set./dez. 2006.

SAVIANI, Dermival. Escola e Democracia. São Paulo: Autores


Associados; Cortez, 1986.

VEIGA, Ilma Passos A. A prática pedagógica do professor de


Didática. 2. ed. Campinas: Papirus, 1992.

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Suas anotações

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unidade 4
TORNAR-SE DOCENTE
NO BRASIL HOJE
Objetivos

Ao final da unidade você deverá:

• conhecer o contexto social e político atual de


formação docente;
• analisar, a partir de dados estatísticos, a atual
situação em formação no nível superior dos
docentes no Brasil.
UNIDADE IV
Torna-se docente no Brasil hoje

3
Unidade
1 INTRODUÇÃO

Na última parte de nossos estudos, investigaremos e


discutiremos a política nacional de formação profissional dos docentes
no Brasil.
Para tanto, é preciso, primeiramente compreender que, com
a reestruturação econômica iniciada, desde o início da década de
1990, algumas perspectivas de políticas sociais para as exigências
do estágio atual do capitalismo têm sido delineadas por organismos
internacionais para, principalmente, os países da América Latina,
Caribe, Ásia e África.
Essas orientações, forjadas em uma série de documentos,
desde então, vêm influenciando as decisões sobre a política pública
de educação a ser implantada. Não é o nosso objetivo discutir
estes documentos, entretanto, destacamos abaixo um trecho muito
esclarecedor das decisões sobre o tipo de conhecimento a ser
privilegiado para a educação.

UESC Pedagogia 69
FUNDAMENTOS DA DOCÊNCIA Pesquisa sobre a docência e seu exercício

Para que os países se tornem competitivos no mercado


internacional, faz-se necessário que disponham de talento para:

Difundir o progresso técnico e incorporá-lo ao sistema


produtivo de bens e serviço. [...] A acumulação de
conhecimentos técnicos implica uma complementação
entre criação de conhecimento, inovação e difusão.
Para desenvolver e utilizar plenamente as novas
tecnologias, resultam imprescindíveis alguns
processos fundamentais de aprendizagem, em
particular, as modalidades de aprendizagem mediante
a prática (learning-by-doing), mediante o uso de
sistemas complexos (learning-by-using) e mediante a
interação entre produtores e consumidores (learning-
by-interacting) (CEPAL/UNESCO, 1992, p.31).

A formação dos docentes, portanto, como elemento central


dessa nova perspectiva educacional, também precisou considerar a
necessidade dessas novas aprendizagens.
Assim, observamos as mudanças que vêm ocorrendo nos cursos
de formação docente a partir da proposição de um novo paradigma
de conhecimento: a epistemologia da prática, o neotecnicismo
(competências e habilidades) e a interação empreendedora, tornaram-
se as peças-chave de definição do novo corpo de saberes profissionais
docente.

2 PROJETOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Discutir a Política de Formação de Professores hoje, no Brasil,


implica, necessariamente, trazer à tona dois projetos que se entre-
laçam de forma antagônica na realidade atual. São eles: o Projeto

ATENÇÃO
sócio-histórico, defendido pelos movimentos dos educadores que, na
Dois projetos para a for- sua trajetória em prol da reformulação dos cursos de formação dos
mação de professores no
Brasil: (1) Projeto Neoli-
profissionais de educação, lutam por igualdade de condições dessa
beral e (2) Projeto Sócio- formação; e o Projeto neoliberal que vê, na formação de professores,
histórico.
a importância estratégica para a consolidação das reformas educati-
vas que, nesta perspectiva, são fundamentais para o aprimoramento
do processo de acumulação de riquezas.
Vejamos a seguir como cada um deles se constitui.

2.1 O projeto neoliberal de formação de professores

No Brasil, observamos atônitos ao fortalecimento do projeto

70 Módulo 2 I Volume 4 EAD


neoliberal. Este fortalecimento se dá, principalmente, através da im- PARA CONHECER
plantação de documentos regulamentadores (leis, decretos, parece- Resolução CNE/CP
res, resoluções) dos cursos para formação de educadores, que, logo 01/2002, que institui as
Diretrizes Curriculares
à primeira vista, denunciam sua proximidade das determinações de para a Formação Inicial
de Professores para a
organismos internacionais, que impõem seus fins e objetivos, tornan- Educação Básica em Ní-
vel Superior;
do a educação brasileira mais adequada à reestruturação produtiva
Resolução CNE/CBE
em curso. 02/1999, que institui Di-
retrizes Curriculares Na-
Historicamente, não é a primeira vez que a ideia da formação cionais para a Formação
de Docentes da Educação
em nível superior para os professores das séries iniciais aparece. No Infantil e dos anos ini-
ciais do Ensino Funda-
entanto, sempre se esbarrou na afirmação de que esta deveria se dar mental, em Nível Médio,
na modalidade Normal.
em “estágios elevados progressivamente” já que as condições, em
grande parte do Brasil, não seriam favoráveis (pelo menos em curto
prazo) a que os professores fossem formados senão em nível médio
(CARVALHO, 1997).
A dualidade “universitarização”, como ideal, e a real falta de
condições objetivas de sua efetivação no país (a exceção dos grandes
centros) estiveram presentes tanto na legislação brasileira quanto
nos discursos dos intelectuais desde a década de 1930 (com exceção

3
do Manifesto dos Pioneiros e da Reforma Teixeira) e, nos dias atuais,

Unidade
retornam como fato.
A seguir, destacamos trechos de dois documentos básicos da
política de formação de professores. O primeiro deles é o artigo 62
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) que
trata da formação de professores para atuar na educação básica. O
segundo trecho, que é um pouco mais longo, foi extraído do Plano
Nacional de Educação (Lei 10.172/2001) e trata sobre as diretrizes,
objetivos e metas para o magistério da Educação Básica. Observe os
trechos dos documentos.

Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação


básica far-se-á em nível superior, em curso de licencia-
tura, de graduação plena, em universidades e institutos
superiores de educação, admitida, como formação mínima
para o exercício do magistério na educação infantil e nas
quatro primeiras séries do ensino fundamental, a ofereci-
da em nível médio, na modalidade Normal.

§ 1º  A União, o Distrito Federal, os Estados e os Muni-


cípios, em regime de colaboração, deverão promover a
formação inicial, a continuada e a capacitação dos profis-
sionais de magistério.

§ 2º  A formação continuada e a capacitação dos profissio-


nais de magistério poderão utilizar recursos e tecnologias

UESC Pedagogia 71
FUNDAMENTOS DA DOCÊNCIA Pesquisa sobre a docência e seu exercício

de educação a distância.

§ 3º  A formação inicial de profissionais de magistério


dará preferência ao ensino presencial, subsidiariamente
fazendo uso de recursos e tecnologias de educação a dis-
tância (BRASIL, 1996).

IV – MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA


10. FORMAÇÃO DOS PROFESSORES E VALORIZA-
ÇÃO DO MAGISTÉRIO
[...]
10.2 Diretrizes

A qualificação do pessoal docente se apresenta


hoje como um dos maiores desafios para o Plano Nacional
de Educação, e o Poder Público precisa se dedicar priori-
tariamente à solução deste problema. A implementação
de políticas públicas de formação inicial e continuada dos
profissionais da educação é uma condição e um meio para
o avanço científico e tecnológico em nossa sociedade e,
portanto, para o desenvolvimento do País, uma vez que a
produção do conhecimento e a criação de novas tecnolo-
gias dependem do nível e da qualidade da formação das
pessoas. [...]
A formação inicial dos profissionais da educação
básica deve ser responsabilidade principalmente das insti-
tuições de ensino superior, nos termos do art. 62 da LDB,
onde as funções de pesquisa, ensino e extensão e a re-
lação entre teoria e prática podem garantir o patamar de
qualidade social, política e pedagógica que se considera
necessário. As instituições de formação em nível médio
(modalidade Normal), que oferecem a formação admitida
para atuação na educação infantil e nas quatro primei-
ras séries do ensino fundamental formam os profissionais.
[...]

10.3 Objetivos e Metas


[...]
5. Identificar e mapear, a partir do primeiro ano
deste plano, os professores em exercício em todo o terri-
tório nacional, que não possuem, no mínimo, a habilitação
de nível médio para o magistério, de modo a elaborar-se,
em dois anos, o diagnóstico da demanda de habilitação de
professores leigos e organizar-se, em todos os sistemas
de ensino, programas de formação de professores, possi-
bilitando-lhes a formação exigida pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, em seu art. 87. [...]

72 Módulo 2 I Volume 4 EAD


7. A partir da entrada em vigor deste PNE, so-
mente admitir professores e demais profissionais de edu-
cação que possuam as qualificações mínimas exigidas no
art. 62 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. [...]
12. Ampliar, a partir da colaboração da União, dos
Estados e dos Municípios, os programas de formação em
serviço que assegurem a todos os professores a possibili-
dade de adquirir a qualificação mínima exigida pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, observando as
diretrizes e os parâmetros curriculares.**
13. Desenvolver programas de educação a dis-
tância que possam ser utilizados também em cursos semi-
presenciais modulares, de forma a tornar possível o cum-
primento da meta anterior.**
14. Generalizar, nas instituições de ensino supe-
rior públicas, cursos regulares noturnos e cursos modula-
res de licenciatura plena que facilitem o acesso dos docen-
tes em exercício à formação nesse nível de ensino. **
15. Incentivar as universidades e demais institui-

3
ções formadoras a oferecer no interior dos Estados, cursos
de formação de professores, no mesmo padrão dos cursos

Unidade
oferecidos na sede, de modo a atender à demanda local
e regional por profissionais do magistério graduados em
nível superior. **[...]
18. Garantir, por meio de um programa conjun-
to da União, dos Estados e Municípios, que, no prazo de
dez anos, 70% dos professores de educação infantil e de
ensino fundamental (em todas as modalidades) possuam
formação específica de nível superior, de licenciatura ple-
na em instituições qualificadas.**[...] (BRASIL, 2001).
O Banco Mundial é uma
agência do sistema das
Nações Unidas, funda-
Observando os trechos, você pode perceber: da a 1 de julho de 1944
por uma conferência de
1. a clara intenção de elevar a formação dos professores para representantes de 44 go-
vernos. É composto por
o nível superior; 184 países membros e
2. ampliar a oferta de cursos superiores para a formação de sua sede é em Washing-
ton DC, EUA. A sua mis-
professores; são inicial era financiar a
reconstrução dos países
3. diversificar os modelos formativos, isto é, cursos presen- devastados durante a Se-
gunda Guerra Mundial.
ciais, semi-presenciais e a distância, para a formação de
Atualmente, sua missão
professores. principal é a luta contra
a pobreza, através de
Atribuímos o retorno, nos dias atuais, do ideal da formação financiamento e emprés-
timos aos países em de-
em nível superior vinculado à ideia de que a competência se adquire senvolvimento. Seu fun-
pela melhor e contínua formação, à pressão do Banco Mundial e de cionamento é garantido
por quotizações definidas
outros organismos internacionais, propagadores do modelo capitalis- e reguladas pelos países
membros.

UESC Pedagogia 73
FUNDAMENTOS DA DOCÊNCIA Pesquisa sobre a docência e seu exercício

ta neoliberal, para que o Brasil e ou países em desenvolvimento se


ajustem às novas políticas econômicas mundiais.
Estudos têm comprovado a relação dessas mudanças na for-
Neoliberalismo é um mação de professores no país às interferências diretas do processo
sistema econômico que
de globalização e do seu constructo ideológico, o neoliberalismo, na
prega uma intervenção
mínima do Estado na definição das políticas educacionais no mundo.
economia, deixando o
mercado se autorregular O neoliberalismo constitui-se numa forma hegemônica para a
com liberdade, ditando
as regras e controlando
saída da crise do capital, que, para se viabilizar, apresenta um pro-
a produção. As principais grama de política econômica caracterizado pelo conservadorismo. Se,
críticas a este sistema
econômico são as de fa- por um lado, há o interesse de estender o mercado (globalização),
vorecimento da prolife-
ração dos grandes con-
por outro, é preciso que, para tanto, haja uma desregulamentação
glomerados empresariais do Estado, o fim das barreiras políticas, de modo a facilitar a en-
e do aumento da pobre-
za, desemprego e da má trada de capitais internacionais. Nesta lógica, a educação torna-se
distribuição de renda.
um poderoso instrumento para atingir esse fim. Isto porque, dentre
outras formas, a educação permite uma intervenção mais direta dos
organismos internacionais nos Estados, com o objetivo de alinhá-los
à nova ordem econômica, política e social. As reformas educacionais,
portanto, a partir da década de 1980, partiram dos mesmos princí-
pios: isto é, das mudanças econômicas impostas pela globalização,
exigindo mais eficiência e produtividade, a fim de que o trabalhador
se adapte às exigências do mercado.
O objetivo político das reformas educacionais é bem defini-
do e envolve: a estrutura administrativa e pedagógica da escola, os
conteúdos, os aportes teóricos a serem adotados e a formação de
professores. O Banco Mundial aponta que, para que a educação seja
mais competitiva, é preciso investir pesadamente na educação básica
e na formação de professores. É preciso gerenciar melhor a escola, os
conteúdos e a formação de professores. Esta última entraria, então,
como um componente fundamental para que o aperfeiçoamento edu-
cacional se efetive e favoreça o desenvolvimento econômico.
As características assumidas por essa formação implicam, se-
gundo Maués (2003, p. 99), cinco principais linhas de reforma para o
ajustamento da mesma à agenda internacional:
(1) a universitarização/profissionalização;
(2) a ênfase na formação prática/validação das experiências;
(3) a formação para a competência;
(4) a formação continuada e
(5) a educação a distância.
VOCÊ SABIA?
Estas linhas, como partes de um conjunto maior, mantêm en-
Entre os anos de 2000
a 2008, as matrículas tre si uma coerência que as reforçam e justificam. Fazem parte, por-
em cursos superiores
tanto, de um projeto de educação coerente com um projeto de socie-
de Educação a Distancia
cresceram 12.000% no dade maior, cuja hegemonia ideológica é posta como única solução
Brasil?
possível à superação da provável crise atual de falta de qualidade na

74 Módulo 2 I Volume 4 EAD


educação, de forma geral; e na formação de professores, em espe-
cífico.
No Brasil, a reforma na formação de professores vem se insta-
lando gradativamente a partir da década de 1990, e a opção teórica
de abordagem do projeto de formação por ela gerado, com ênfase na
prática com atenção nos aspectos mais imediatos do cotidiano esco-
lar, retoma a discussão da formação técnica e se aproxima da pers-
pectiva pragmatista, quando atribui ao processo de trabalho docente
um caráter utilitarista de satisfação das necessidades individuais.
A justificativa apresentada para tanto tem suas bases em es-
tudos da área que vêm afirmando a centralidade da prática na e para
a formação dos profissionais de educação em que o saber valorizado
é o saber prático, o qual, nesta perspectiva, trata-se daquele conhe-
cimento capaz de dar conta dos problemas próprios do cotidiano.
A desvalorização do conhecimento científico/teórico/acadêmi-
co e a supervalorização da reflexão da prática na formação dos pro-
fissionais da educação, porém, acabam por justificar a adoção, por
parte dos cursos, de currículos mais “enxutos”, nos quais as áreas

3
de produção do conhecimento pedagógico são consideradas ora su-

Unidade
pérfluas ora parte de disciplinas de caráter instrumental, reduzindo a
formação de professores a uma formação meramente técnica.
Resumindo, trata-se de uma concepção pragmática. E, nesta
concepção, a contraposição teoria e prática se manifesta justamente
pela redução da prática ao utilitário e a dissolução da teoria no útil,
atrelada às exigências e necessidades de uma prática já existente.
Entretanto, tal qual estudamos anteriormente, como práxis
humana específica, a atividade educativa não pode ser reduzida ao
seu lado prático-utilitarista, pois a teoria é elemento constitutivo des-
ta atividade. Isto é, para que ela se realize, é necessário que seus
agentes captem a realidade nas suas múltiplas determinações co-
nhecendo-a para transformá-la. Por isso, ao contrário da perspectiva
acima difundida, a prática e a sua relação com a teoria na concepção
sócio-histórica de formação de professores assumem significados an-
tagonicamente diferentes como veremos a seguir.

2.2 O projeto sócio-histórico de formação de professores

Enquanto para o pragmatismo o conhecimento só é verdadeiro


na medida em que for útil, na concepção sócio-histórica, o conheci-
mento é útil na medida em que é verdadeiro, sendo a utilidade ape-
nas uma das consequências da verdade. Falamos em antagonismo

UESC Pedagogia 75
FUNDAMENTOS DA DOCÊNCIA Pesquisa sobre a docência e seu exercício

entre os dois projetos de formação, pois, não sendo possível haver


identificação entre essas duas concepções, elas estão em posições
diametralmente opostas.
A luta no interior do movimento em defesa da formação dos
profissionais de educação tem buscado construir, historicamente, essa
alternativa cujo horizonte tem sido o de transformação educacional
e social. Vale a pena salientar, entretanto, que esta luta vai além
das discussões sobre a formação e visa a conquista de condições
objetivas dignas de trabalho para os profissionais da educação.
Como dissemos anteriormente, o momento atual também
marca um campo divisório entre a concepção de formação do educador
construída pelos movimentos sociais (projeto sócio-histórico) e a
concepção “oficial” que retoma a concepção mecanicista de professor.

ATENÇÃO
As ideias que iremos discutir a seguir têm origem na
trajetória do movimento dos educadores em luta pela sua formação,
Optamos pelo projeto de
formação de professores representada aqui pela ANFOPE – Associação Nacional pela Formação
da ANFOPE, porque en-
tendemos que, no país,
dos Profissionais da Educação -, que defende uma “concepção de
até o presente momen- formação do profissional de caráter amplo, com pleno domínio e
to, ainda não temos ou-
tra proposta política, so- compreensão da realidade de seu tempo, com a consciência crítica
cialmente referenciada,
melhor sistematizada e que lhe permita interferir e transformar as condições da escola, da
podendo ser usada como
educação e da sociedade” (FREITAS, 1999, p. 2002).
referência de antagonis-
mo ao projeto neoliberal. Enquanto profissional do ensino, esse educador:

[...] tem a docência como base da sua identidade


profissional, domina o conhecimento específico da
sua área, articulado ao conhecimento pedagógico,
em uma perspectiva de totalidade do conhecimento
socialmente produzido que lhe permita perceber as
relações existentes entre as atividades educacionais
e a totalidade das relações sociais, econômicas,
políticas e culturais em que o processo educacional
ocorre, sendo capaz de atuar como agente de
transformação da realidade em que se insere
(CONARCFE, 1989, s/p).

Desta forma, a formação desse profissional da educação


não poderá jamais se reduzir a uma questão meramente técnica.
Pelo contrário, a produção teórica do movimento dos educadores
evidencia concepções avançadas sobre a formação desse profissional,
tanto por seu caráter sócio-histórico como também pela construção
de propostas de superação de dicotomias presentes na formação.
Os princípios norteadores da formação dos profissionais da
educação, defendidos pela ANFOPE, estão contidos na ideia de Base
Comum Nacional, originada durante o I Encontro Nacional, em 1983,
que podem ser assim sistematizados:

76 Módulo 2 I Volume 4 EAD


a) sólida formação teórica e interdisciplinar sobre o fe-
nômeno educacional e seus fundamentos históricos, po-
líticos e sociais, bem como o domínio dos conteúdos es-
pecíficos a serem transmitidos pela escola, que permita a
apropriação do processo de trabalho pedagógico;
b) unidade teoria/prática que implica assumir uma postura
em relação à produção de conhecimento que impregne a
organização curricular dos cursos; tomar o trabalho como
princípio educativo na formação profissional, revendo-se
os estágios e sua relação com a rede pública e a forma
de organização do trabalho docente na escola; e ênfase
na pesquisa como meio de produção de conhecimento e
intervenção na prática social;
c) gestão democrática como instrumento de luta contra
a gestão autoritária na escola, entendida como supera-
ção do conhecimento de administração enquanto técnica,
a fim de apreender o significado social das relações de
poder que se reproduzem no cotidiano da escola, nas rela-

3
ções entre os profissionais, entre estes e os alunos, assim

Unidade
como na concepção e elaboração dos conteúdos curricu-
lares;
d) compromisso social e político do profissional da educa-
ção, com ênfase na concepção sócio-histórica de educa-
dor, estimulando a análise política da educação e das lutas
históricas dos profissionais professores articuladas com os
movimentos sociais;
e) trabalho coletivo e interdisciplinar entre alunos e en-
tre professores como eixo norteador do trabalho docente
na universidade e da redefinição da organização curricu-
lar; a vivência e a significação dessa forma de trabalho
e da produção de conhecimento permitem a apreensão
dos elementos do trabalho pedagógico na escola e das
formas de construção do projeto pedagógico-curricular de
responsabilidade do coletivo escolar;
f) formação inicial articulada à formação continuada,
assegurando solidez teórico-prática na formação inicial e
diálogo permanente entre o locus de formação inicial e o
mundo do trabalho, por intermédio de programas e pro-
jetos de educação continuada, correspondendo à concep-
ção de uma formação em redes de conhecimento e sabe-
res, incluindo os programas de pós-graduação (ANFOPE,
1998).

UESC Pedagogia 77
FUNDAMENTOS DA DOCÊNCIA Pesquisa sobre a docência e seu exercício

Segundo documentos publicados pela Associação, os


princípios orientadores da Base Comum Nacional se baseiam em
uma compreensão sócio-histórica da educação e constituem um
direcionamento para a luta por uma “política orgânica e consistente de
formação de educadores” (ANFOPE, 2004, s/p), o que implica também
na tentativa de unificação nacional a favor do reconhecimento do valor
social da educação, aliada a outros movimentos pela recuperação da
escola pública de qualidade, e em defesa das condições materiais de
trabalho dos professores.
A categoria trabalho, nessa perspectiva, é tomada como fun-
damento, e a atividade docente como base da formação de todos os
profissionais de ensino. O trabalho pedagógico constitui-se, portanto,
no foco da formação docente e eixo articulador da relação teoria/prá-
tica. Nesse contexto, as categorias prática e trabalho docente assu-
mem significado específico e oposto aos propugnados pelos modelos
de formação de professores tão em voga na atualidade.
Na perspectiva sócio-histórica, é pelo trabalho, entendido
como atividade vital do homem, que o ser humano pode ao mesmo
tempo em que se apropria da sua produção, objetivar-se nela, trans-
formando a realidade em sua totalidade. É pelo trabalho, portanto,
que o homem pode exercer a práxis social, onde prática e teoria fa-
zem parte do mesmo processo do qual são imprescindíveis.O traba-
lho, nesse sentido, é entendido como todas as formas particulares de
manifestação de apreender, compreender e transformar a realidade e
por ela ser transformado. É, portanto, a fonte, o princípio do processo
de conhecimento pelo homem.
Como parte da formação de professores, o trabalho, na com-
preensão da ANFOPE, é necessário como uma aproximação dos alu-
nos do trabalho pedagógico da escola a partir do desenvolvimento
da atividade teórica, com a finalidade de transformar idealmente a
realidade, ou os instrumentos para captar essa realidade (SANCHES
VÁZQUEZ, 1977). Nessa perspectiva, esta atividade somente é pos-
sível através da prática, elemento mediador necessário para a futura
atuação docente. Isto significaria uma unidade necessária entre a
teoria e a prática, sendo que esta última é compreendida como:

[...] a ação material, objetiva, transformadora, que


corresponde a interesses sociais e que, considerada
do ponto de vista histórico-social, não é apenas
produção de uma realidade material, mas sim criação
e desenvolvimento incessantes da realidade humana
(SANCHES VÁZQUES, 1977, p. 213).

78 Módulo 2 I Volume 4 EAD


Tomar o trabalho pedagógico como foco da formação de
professores de maneira que esse se torne fonte da articulação teoria/
prática, não pode ser limitado a manter o aluno em sala de aula
o máximo de tempo possível, reduzindo a prática à experiência
individual. Diante disso, então, poderíamos afirmar que estamos
diante de dois significados muito diferentes de prática: um em que a
ação (ou as ações) do professor está destinada a satisfazer as suas
necessidades, seus interesses mais imediatos; e outro em que a ação,
ou conjunto de ações, é a criação e re-criação da realidade humana.

3 POLÍTICA NACIONAL E ESTADUAL DE FORMAÇÃO DE


PROFESSORES

Em janeiro de 2009, após seis meses de discussão do


anteprojeto, foi aprovado por decreto presidencial (Decreto 6.755)
a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da
Educação Básica, com a finalidade de organizar a formação inicial

3
e continuada dos profissionais do magistério das redes públicas

Unidade
de ensino da Educação Básica. O Decreto Presidencial também
disciplina a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior - CAPES no fomento a programas de formação
desses profissionais. O decreto indica à universidade brasileira
(principalmente a pública) posições a serem implementadas e ações a
serem organizadas em relação à formação de professores, apontando,
inclusive, certa prioridade formativa.
Agora, vamos nos deter no questionamento: como na Bahia
a formação dos professores está acontecendo? Buscamos analisar
aqui dois movimentos do atual momento: o primeiro diz respeito às
mudanças do cenário estadual em relação aos números de cursos para
formação de professores dos anos iniciais do ensino fundamental; e o
segundo, sobre o perfil dessa formação.

3.1 Os números da mudança

Os dados que ora iremos apresentar foram retirados do censo


do ensino superior – INEP. Eles são referentes à formação dos
professores que estavam ocupando as funções docentes nos níveis
de ensino da educação básica e as suas respectivas formação: só com
o ensino fundamental, só com o ensino médio e com formação em
ensino superior, entretanto, não necessariamente com licenciatura.

UESC Pedagogia 79
FUNDAMENTOS DA DOCÊNCIA Pesquisa sobre a docência e seu exercício

QUADRO 02
Número de funções docentes por formação em 1999

Creche
Ensino Ensino Médio Ensino Superior
Fundamental
Brasil 12.044 31.607 4.633
Nordeste 4.228 6.564 400
Bahia 451 1.394 39

Pré-Escola
Ensino Ensino Médio Ensino Superior
Fundamental
Brasil 23.309 143.395 47.419
Nordeste 16.607 48.670 3.580
Bahia 3.570 12.679 462

1ª a 4ª série
Ensino Ensino Médio Ensino Superior
Fundamental
Brasil 77.170 541.704 188.179
Nordeste 49.902 217.962 26.321
Bahia 12.330 64.305 2.935

5ª a 8ª série
Ensino Ensino Médio Ensino Superior
Fundamental
Brasil 4.522 178.078 520.614
Nordeste 1.902 79.850 92.675
Bahia 792 28.679 18.687

Ensino Médio
Ensino Ensino Médio Ensino Superior
Fundamental
Brasil 642 47.235 353.280
Nordeste 196 18.308 65.055
Bahia 63 7.469 14.510

Fonte: INEP, 2007.

Destacando apenas as séries iniciais do ensino fundamental,


podemos observar que, em 1999, das 79.570 funções existentes,
apenas 2.935 estavam sendo ocupadas por professores com formação
em nível superior. Isto significa um percentual de cerca de 97,67%
(noventa e sete vírgula sessenta e sete por cento) de funções docentes
nas séries iniciais ocupadas por professores sem formação no ensino
superior.

80 Módulo 2 I Volume 4 EAD


QUADRO 3
Número de funções docentes por formação em 2006

Creche
Ensino Ensino Médio Ensino Superior
Fundamental
Brasil 4.918 57.133 31.987
Nordeste 1.392 14.889 4.048
Bahia 312 3.844 236

Pré-Escola
Ensino Ensino Médio Ensino Superior
Fundamental
Brasil 6.343 162.124 141.414
Nordeste 3.834 75.466 24.494
Bahia 1.024 13.988 2.573

1ª a 4ª série
Ensino Ensino Médio Ensino Superior
Fundamental
Brasil 8.538 346.855 484.792
Nordeste 4.666 168.810 94.276

3
Bahia 1.325 57.133 8.785

Unidade
5ª a 8ª série
Ensino Ensino Médio Ensino Superior
Fundamental
Brasil 518 125.473 739.664
Nordeste 289 72.966 166.402
Bahia 155 34.614 29.782

Ensino Médio
Ensino Ensino Médio Ensino Superior
Fundamental
Brasil 22 23.704 496.209
Nordeste 7 13.591 110.963
Bahia 0 8.243 23.527

Fonte: INEP, 2007.

Em 2006 (quadro 03), considerando apenas os dados sobre as


séries iniciais do ensino fundamental da Bahia, das 67.243 funções
docentes 8.785 estavam ocupadas por professores com nível superior
de ensino. Isto significa um percentual de 94,1% das funções docentes
que ainda continuavam ocupadas por professores sem curso superior.
Entretanto, de 2,33% de funções docentes ocupadas por
professores com ensino superior, o Estado da Bahia no período de
seis anos (1999 a 2006) praticamente dobra esse índice, passando a
ter, em 2006, 5,9% das funções docentes com professores do ensino
superior.

UESC Pedagogia 81
FUNDAMENTOS DA DOCÊNCIA Pesquisa sobre a docência e seu exercício

Sem dúvida, ainda há um longo caminho a ser percorrido no


Estado da Bahia para a formação de professores no ensino superior, o
que termina por conduzir à ampliação da oferta de cursos presenciais
ou a distância.
Especificamente em relação ao curso de Pedagogia, comparemos
os dados de 2000 e de 2003 sobre o número de cursos existentes no
Brasil, Nordeste e Bahia.

QUADRO 4
Número de cursos de Pedagogia

Pedagogia (presencial)
Brasil Nordeste Bahia
2000 837 157 44
2003 1.214 253 80
Fonte: INEP, 2007.

Como pode ser observado, no período de três anos o número


de cursos presenciais quase dobra. O curioso deste aumento deve-
se ao fato de que dos 44 cursos de Pedagogia em 2000, cerca de
37 deles foram oferecidos em caráter emergencial e provisório pela
UNEB (Universidade Estadual da Bahia), através do programa Rede
UNEB 2000.
Em 2003, a UNEB respondia por cerca de 57 dos 64 cursos
de Pedagogia oferecidos pelas universidades estaduais da Bahia,
destacando-se significativamente entre as universidades baianas no
papel que estas vêm desempenhando nas mudanças dos números
baianos em relação à formação de professores.

QUADRO 5
Número de curso de Pedagogia por dependência administrativa

2000 2003
Federal 01 01
Estadual 35 64
Particular 04 09
Confessionais 04 06
Fonte: INEP, 2007.

3.2 A relação teoria/prática

Se por um lado, os números de docentes com a qualificação


mínima estabelecida nas leis aumentam para que o Brasil alcance
até o ano de 2011 o percentual de 70% de professores com nível
superior, por outro lado, também, cresce a quantidade de cursos com

82 Módulo 2 I Volume 4 EAD


propostas curriculares baseadas nos critérios mínimos estabelecidos
nos documentos legais, nos quais prevalece uma concepção de
formação imediatista e pragmática. Temos, então, que nos perguntar:
a quantidade de professores formados em nível superior efetivamente
dará conta para alcançarmos uma educação de qualidade? Que tipo de
formação (concepção) é efetivamente necessário para a concretização
de um projeto de escola transformador?
É preciso, então, que avaliemos o impacto dos milhares de
cursos de formação de professores sobre a prática social educativa.
Para tanto, propomos aqui dois critérios básicos que gostaríamos que
você passasse a considerar, quando pensar em cursos de formação
de professores (quer sejam eles de formação inicial, quer sejam
de formação continuada): a relação entre o currículo do curso e o
trabalho docente e a relação teoria e prática.
Por que o trabalho? Como parte da formação dos professores,
o trabalho é necessário como uma aproximação dos alunos do tra-
balho pedagógico da escola a partir do desenvolvimento da ativida-
de teórica, com a finalidade de transformar idealmente a realidade,

3
ou os instrumentos para captar essa realidade (SANCHES VÁZQUEZ,

Unidade
1977). Nesta perspectiva, esta atividade somente é possível atra-
vés da prática, elemento mediador necessário para a futura atuação
docente. Isto significaria, portanto, uma unidade necessária entre a
teoria e a prática.
Tomar o trabalho pedagógico como foco da formação de pro-
fessores de maneira que este se torne fonte da articulação teoria/
prática, não pode, desse modo, ser confundido com a noção de per-
manência do aluno em sala de aula o máximo de tempo possível,
reduzindo a prática à experiência individual.
Deparamo-nos, assim, com dois significados muito diferentes
de prática: um em que a ação (ou ações) do professor está destinada
a satisfazer às suas necessidades, seus interesses mais imediatos, e
outro em que a ação, ou conjunto de ações, é a criação e re-criação
da realidade humana. PARA CONHECER
Assista à palestra da pro-
Para Sanches Vázquez (1977), a prática não fala por si, ela fa. Bernadete Gatti, na
revista Nova Escola, “Oito
não é imediatamente teórica. Da mesma forma, o trabalho docente
desafios da formação de
não se reduz às ações do cotidiano da sala de aula, apesar de nelas professores” (2 partes),
na qual a pesquisadora
também se concretizar. A carga horária extensa em sala de aula discute alguns dos princi-
pais problemas da forma-
serve, basicamente, para que os cursos oferecidos pelos programas ção de professores hoje
de formação inicial, em serviço, para professores das séries iniciais no Brasil. Disponível em
http://www.youtube.com/
do ensino fundamental, na Bahia, (pedagogia ou outro) possam ser o watch?v=WH6kuIPXkvA e
http://www.youtube.com/
mais rápido e facilmente concluído. watch?v=42MugNVgQHI&
NR=1

UESC Pedagogia 83
FUNDAMENTOS DA DOCÊNCIA Pesquisa sobre a docência e seu exercício

Ressaltamos que os cursos, ao darem ênfase à prática cotidiana


e não ao trabalho educativo, reduzem a complexidade do trabalho
docente ao processo da aula, na qual a valorização das vivências ime-
diatas da realidade escolar reforça o caráter pragmático e o ativismo
pedagógico contidos desde a estrutura de organização do curso até
as suas formas de operacionalização. Como afirma Ribeiro (1991, p.
57):

Sem um grau elevado de consciência da práxis,


não se consegue explorar todo o universo de
possibilidades criadoras, não se consegue atuar no
sentido revolucionário, dado o nível de aguçamento
das contradições fundamentais em que se debate a
sociedade capitalista, em nossa época.

A consciência para uma ação transformadora precisa ultrapassar,


portanto, a clareza dos objetivos a serem atingidos e dos meios para
tal. Esse tipo de saber, apesar de ser necessário, não garante, por
si só, o desenvolvimento de uma ação não alienada. Isto porque
no processo de trabalho toda ação é idealmente anteposta, isto
é, sobre ela o homem tem um pensamento antecipador que tanto
pode ser repetitivo quanto manifestar-se criativo, originando ações
nunca antes experimentadas pelo sujeito. Mas este não supera o
pragmatismo da vida cotidiana, pois visa, em última instância, a um
objetivo imediato. Nesta perspectiva, o pragmatismo característico
da consciência alienada, não permite a produção de uma esfera mais
autônoma de conhecimento, reduzindo, assim, a compreensão da
teoria na formação do professor.
Assim, o fato de que ser exposto à teoria sobre os fundamentos
da educação e da atividade docente e reconhecer a sua importância
não são condições suficientes, apesar de necessárias, para a supera-
ção das limitações impostas pelas condições objetivas de realização
do trabalho. É preciso que, juntamente com a teoria, o professor
tenha acesso a elementos mediadores de abstração que permitam a
ruptura com as formas de pensamento cotidiano e o desenvolvimento
de uma atitude intencional na organização e, principalmente, na exe-
cução das ações pedagógicas.

84 Módulo 2 I Volume 4 EAD


DESAFIOS
Desafio 1 – Estabeleça um quadro comparativo entre os dois projetos de formação de
professores hoje vigentes no Brasil, apontando suas diferenças.

Desafio 2 – Na página www.portaldoservidor.gov.ba, leia o Plano Estadual de Formação


dos Profissionais do Magistério, e identifique as metas para a formação de professores na
Bahia e o papel do Estado e das universidades públicas baianas para alcançar estas metas.
Depois, compare-as com as metas propostas no Plano Nacional de Educação. Escreva um
texto a respeito.

Desafio 3 – Leia o texto de Olgaíses Maués “Reformas internacionais da educação e


formação de professores”, publicado na revista Cadernos de Pesquisa, n. 118, 2003 (http://
www.scielo,php?script=sci_arttexr&pid) e responda as seguintes questões:
(a) No Brasil, por que, mesmo estabelecendo a formação em nível superior como
mínima, não houve a “universitarização” da formação de professores?
(b) Por que, em um dado momento, a formação continuada de professores se tornou
prioridade em detrimento da formação inicial?

3
(c) O que é “validação de experiência” e qual o seu impacto sobre a formação de
professores?

Unidade
Desafio 4 – Leia as Diretrizes Curriculares para a Formação Inicial de Professores para a
Educação Básica em Nível Superior (Resolução CNE/CP 01/2002) e destaque os seguintes
conceitos: competência e simetria invertida. Explique cada um deles.

RESUMINDO

Nesta unidade, nós estudamos sobre a política nacional de formação


profissional dos docentes no Brasil. Para tanto, foi preciso pontuar a relação
entre a reestruturação econômica e algumas das perspectivas de políticas sociais
para as exigências do estágio atual do capitalismo delineadas por organismos
internacionais para os países em desenvolvimento, dentre eles o Brasil.
Vimos que essas orientações, forjadas em uma série de documentos, vêm
influenciando as decisões sobre a política pública de educação a ser implantada e,
consequentemente, o projeto de formação dos profissionais do magistério. Este
projeto de formação segue algumas linhas. Dentre elas, destacamos a formação
em nível superior, a supervalorização da prática em detrimento da formação
teórica e a tentativa de criação de cursos especiais para a formação em serviço
dos docentes que já estão atuando nas redes públicas de ensino.
Foi possível identificar que existe, também, outro projeto de formação
que, diferentemente do projeto hoje em crescente implantação no país, concebe a
formação como condição mínima, e não máxima, de trabalho docente. Observamos
os dados oficiais sobre a formação de professores, e pudemos verificar que ainda
há muitos professores que ocupam a função docente hoje na Bahia, e ainda não
têm a formação superior como formação mínima.

UESC Pedagogia 85
FUNDAMENTOS DA DOCÊNCIA Pesquisa sobre a docência e seu exercício

BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as


diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial [da República
Federativa do Brasil], Brasília, n. 248, p. 27833, 23 dez. 1996.
Seção 1.
REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n. 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano


Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial [da
República Federativa do Brasil], Brasília, n. 1, p. 1, 10 jan. 2001.
Seção 1.

BRASIL/INEP. SIED. Censo 1999. Censo 2006. Disponível em Wolrd


Wide Web: <http://www.ensinosuperior.inep.gov.br>. Acesso em: 05
ago. 2007.

CARVALHO, Mark Clark Assen de. Formação de professores para


o ensino fundamental: O discurso da eterna transitoriedade. 1997.
169 f. (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Pontifícia
Universidade Católica, São Paulo, 1997.

CONARCFE. Documento Final do Encontro. 1989. Disponível em Wolrd


Wide Web: <http://www.unicamp.br/fae.lite>. Acesso em: 12 dez.
2009.

MAUÉS, Olgaíses Cabral. Reformas internacionais da educação e


formação de professores. Cadernos de Pesquisa. Rio de Janeiro, n.
118, mar. 2003. p. 89-117.

FREITAS, Maria Helena. A reforma do Ensino Superior no campo da


formação dos profissionais de educação básica: As políticas educacionais
e os movimentos dos educadores. Educação e Sociedade. Campinas,
n. 68, 1999. p. 17-44.

RIBEIRO, Maria L. Santos. Educação Escolar e Práxis. São Paulo:


Iglu, 1991.

SANCHES-VAZQUÉZ, Adolfo. Filosofia da Práxis. 2. ed. Tradução de


Luis Fernando Cardoso. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

LEITURAS NECESSÁRIAS

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares


Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso
de licenciatura, de graduação plena. Parecer n. 009, de 08 de maio de 2001.
      
FREITAS, Maria Helena. A reforma do Ensino Superior no campo da formação dos
profissionais de educação básica: As políticas educacionais e os movimentos dos educadores.
Educação e Sociedade. Campinas, n. 68, 1999, p. 17-44.

86 Módulo 2 I Volume 4 EAD


Suas anotações

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