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Resumo
Hampaté Bá já nos alertava no início da década de 1980 de que “tudo na África é história”
(1982, p. 184). Não seria diferente na tradição da Jurema Sagrada, religião de matriz indígena
do Nordeste do Brasil, cujo em diversos elementos se assemelha às tradições africanas,
sobretudo em relação ao seu cosmo, filosofia e relação com o meio ambiente. Parafraseando-
o, posso dizer: tudo na jurema é história! História oral, tradição oral e memória. Malunguinho,
divindade (ou divindades) é considerado o Reis da Jurema. Nele (em seus rituais, toadas,
dança, vestes, história e memória oral) encontram-se um expressivo pressuposto juremológico
para a discussão do contexto cosmológico desta religião. Sendo assim, este artigo pretende
fazer uma etnografia de elementos juremológicos que cercam a figura mitológica e história de
Malunguinho, fazendo um aprofundamento em contos que compõe sua história e mitologia nos
terreiros.
Introdução
Trabalho apresentado no III Congresso Nordestino de Ciências da Religião, realizado entre
os dias 08 e 10 de setembro de 2016 na UNICAP, PE.
Mestrando em Ciências da Religião pela UNICAP – Universidade Católica de Pernambuco.
alexandrelomilodo@gmail.com
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Juremologia: estudo sistemático da Jurema Sagrada a partir de suas próprias bases
epistemológicas. Em artigos anteriores, o autor utilizava “Teologia da Jurema” para a
mesma função científica. Ver em: 1 - OLIVEIRA, Alexandre Alberto dos Santos (L’Omi
L’Odò). Teologia da Jurema, Existe alguma?. V Colóquio de História da UNICAP -
ISSN: 2176-9060. Recife, 2011. 2 - OLIVEIRA, Alexandre Alberto dos Santos (L’Omi
L’Odò). A Jurema Manda!”A Jurema Sagrada e sua decisiva representatividade
territorial em Recife e Região Metropolitana. 25º. Congresso Internacional da
SOTER - Sociedade de Teologia e Ciências da Religião - Mobilidade Religiosa – Linguagens
– Juventude - Política - ISSN: 2317-0506. Belo Horizonte, 2012.
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Após várias visitas em terreiros de Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte, pude perceber
pessoalmente a ausência de grande parte das toadas, rituais e assentamentos de
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O Quilombo Cultural Malunguinho é uma instituição que atua em Pernambuco propondo
discussões e formações no campo da educação e da formação teológica do Povo da
Jurema e de terreiro em geral com o objetivo de formar e informar na cultura afro
descendente e indígena. Seus participantes são juremeiros e juremeiras pesquisadores.
Suas atividades ao longo de mais de 8 anos, tem colocado a Jurema em espaço de
visibilidade política no âmbito das religiões de terreiro, ao qual antes da instituição sequer
esta religião era citada ou conhecida nos espaços públicos de debates e atividades
políticas. E, Malunguinho só veio ser reconhecido pelo público após diversos seminários
e aulas realizadas por esta instituição de forma descentralizada. Conheça em:
www.qcmalunguinho.blogspot.com
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Acessar espaço virtual com informações sobre esta Rede em:
https://www.facebook.com/redenacionaldopovodajurema
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O Catucá correspondia genericamente ao quilombo, ou quilombos dominados por
Malunguinho na primeira metade do século XIX em Pernambuco. Sua extensão territorial
representa hoje o que é compreendido como a Mata Norte do Estado – expandindo-se
das margens do rio Beberibe entre Recife e Olinda até o município de Goiana. Alguns
relatos indicam que os domínios do quilombo se estendiam até a cidade de Alhandra na
Paraíba. Catucá também é o nome de uma das sete principais Cidades encantadas da
Jurema Sagrada: Jurema, Angico, Vajucá, Catucá, Manacá, Aroeira e Juremal.
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Esquerdeiro é o termo utilizado para as entidades e divindades da Jurema que trabalham
com forças destrutivas para a defesa e para fazer o mal. São diversos os esquerdeiros.
Em outras pesquisas trabalharei estas personalidades dentro da Jurema com maior
abrangência.
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Trunqueiro é o termo usado dentro da Jurema para identifidcar as entidades e divindades
que trabalham na “esquerda”, como esquerdeiro ou esquerdeira, como um Exu,
cumprindo o papel desta divindade africana na umbanda ou kimbanda. A palavra nos
remete ao tronco de jurema (trunco-tronco...), forte, firme, duro e resistente de casca
grossa, assentamento também destes. Ainda nos remete ao termo truqueiro, àquele que
joga o truco, jogo de cartas... Também nos alude à palavra truque – ardil, estratagema.
Modo hábil de fazer uma coisa...
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O termo Reis, falado no plural, provavelmente não é apenas um erro de português no
falar dos juremeiros e juremeiras ao aclamar Malunguinho. Creio que o plural neste título,
sobre tudo se referindo à Malunguinho diretamente, revela à coletividade representada
em um único título/nome, que agrega a memória dos diversos líderes do Catucá. Como
a palavra Malunguinho é um título dado aos líderes que possivelmente lideraram em
determinado momento o Catucá, os juremeiros chamam estas divindades de Reis, como
forma de saudar todas estas lideranças, com seus diversos nomes próprios, como um só,
ou em um só. Segue lista dos nomes dos possíveis Malunguinho do Catucá, ou os que
atuaram nos quilombos: Manoel Galo, Leandro Carumbá, João Pataca, Antonio Cabundá,
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João Bamba, Paulo, Francisco de Paiva, mais dois chamados de João, Miguel, Raimundo,
Domingos, José Brabo, José Mobunga, Antonio Moçambique, João Carcará, outro João,
José Angico, Francisco, Caetano, José Quinto, José Molenga, Antonio Campona, Francisco
de Olanda. Ainda temos a presença das mulheres Joana, Luzia, Maria, Antonia e
Genoveva, guerreiras que batalharam junto aos Malunguinho.
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Não sabemos ao certo o significado concreto desta saudação (Sobô Nirê) à Malunguinho
na Jurema. Portanto, podemos tentar aqui traduzir estas palavras que são de origem fon
e yorùbá para pensarmos numa possibilidade de construção de significado para tal:
“Sobô” – (kwa) (PS) –s. Vodum equivalente a Xangô e Zazi. Nomes: Hevioço, Badé. Do
fon Sogbó (CASTRO, 2005, p. 337). Sogbo – divindade dos raios, um equivalente de
Sàngó. De So, fogo, Agbo, o que fura as nuvens, numa alusão à velocidade do carneiro
(BENISTE, 2002, p. 300). Nirê – possivelmente deve aludir ao título honorífico que Ogun
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recebeu após conquistar os sete vilarejos entorno de Ìré: “Ògún Méjèméjè lòde Ìré”,
Ògún está nas sete partes de Ìré. Trata-se de uma referência aos sete vilarejos que
existiam em volta de Ìré e que impediam que esta cidade fosse conquistada. Ògún Onìré,
o Senhor de Ìré (BENISTE, 2002, p. 108). Ainda podemos ver o significado de Ire – s.
Bondade, benção, sorte. E kú orí’re o! – Boa sorte!; Ó ro ire sí mi – Ele desejou sorte
para mim (BESNISTE, 2011, p. 388). Sabemos que Malunguinho tem forte ligação com
Xangô, recebendo em alguns terreiros até as mesmas comidas rituais que este Orixá, e
que é possível que o nome “Sobô” em sua saudação faça esta alusão diretamente,
querendo dizer que ele seria Sobô, ou Xangô, uma divindade do fogo... “Nirê” poderia
ser uma alusão à Ògún, como guerreiro e conquistador, traços também de Malunguinho.
O “Reis das Matas” também traz sorte e benção para quem o agrada, portanto, também
poderia aludir o termo “Nirê” à palavra Ire que significa sorte etc. Como no Catucá
existiam diversos negros e negras escravizados de diversas etnias africanas, além de
índios e índias de diversas outras etnias também, a possibilidade de ter ficado este
registro lingüístico no imaginário de Malunguinho se torna totalmente possível e
aceitável. Porém, esta saudação merece maior aprofundamento científico em busca de
maior esclarecimento.
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Conclusão
Referências
Artigos