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AS TREVAS E A LUZ Exposicao sobre Efésios 4:17 a 5:17 D. M. LLOYD-JONES rs PUBLICACOES EVANGELICAS SELECIONADAS Caixa Postal 1287 01059-970 — Sao Paulo -SP Titulo original: Darkness and Light Editora: The Banner of Truth Trust Primeira edigio em inglés: 1982 Copyright: Lady E. Catherwood Traducao do inglés: Odayr Olivetti Revisiio: Antonio Poccinelli Capa: Ailton Oliveira Lopes Primeira edigio em portugués: 1995 Impressao: Imprensa da Fé POIANA WH . Corrupgaio, Concupiscéncia, Engano . Quando nao Orar, mas Agir .......... . Renovados no Espirito do Entendimento .. . O Novo Homem e a sua Origem . Justiga, Santidade e Verdade . . Apronte-se e Faga! ....... , Como e por que o Cristao se Reveste do Novo Homem . Como Comunicar-nos com os nossos Semelhantes . “Nao Entristegais o Espirito Santo de Deus” . Perdoado e Perdoando. . “Imitadores de Deus”... . Andando Prudentemente . Remindo o Tempo INDICE . A Pratica Arraigada na Doutrina il Vida Vazia — A Vida sem Cristo 23 As Trevas € a LUZ ....s100 35 . Separados da Vida de Deus 47 O Pecado num Mundo Paga 58 . O Cristo e 0 Nao Cristdo wal . O Conhecimento da Verd: 83 . Ouvindo a Cristo e ‘Aprendendo 93 . Despindo-nos e Revestindo-nos! .. 105 » “Deixai a Mentira” .. 192 " Ira Pecaminosa e Ira 203 . Nao Furtar, mas Trabalhar ¢ Da 215 . A Obra Expiatéria de Cristo 269 . A Igreja e o Estado: suas Fungoes Diferentes . 280 . Males que nem se Deve Mencionar entre os Santos 294 . O Reino de Cristo e de Deu: 305 . Alta de Deus 316 . Filhos da Luz 328 . As Obras Infrutuosas das Treva: 339 . O Fruto da Luz... 349 . Agradavel ao Senhor 358 . Expostos pela Luz 367 . O Néscio e 0 Sabi 376 PREFACIO Nao hé nenhuma razo particular para a ordem em que tém sido publicados os oito volumes que retinem os sermdes do Dr. Lloyd- -Jones sobre Efésios. Foi porque eles nado apareceram na seqiiéncia cronolégica que a tinica por¢io que restava para completar-se por ocasiao da morte do autor, em primeiro de marco de 1981, foi Efésios 4:17-5:17. O presente volume cobre agora a lacuna e, assim, conclui”* uma série que j4 foi extraordinariamente usada por Deus em todo 0 mundo. A opiniao, outrora ouvida, segundo a qual os que maior atracdo sentiriam pelos sermées do Dr. Lloyd-Jones eram os que se beneficiavam diretamente do seu ministério, foi refutada hA muito tempo. Embora seja grande o ntimero dos que desfrutaram do seu inesquecivel ministério, muito maior € 0 ntimero dos que jé foram beneficiados por suas obras publicadas. E muitos mais, cremos nés, ainda virao a estar sob a sua influéncia. O Dr. Lloyd-Jones foi pregador, de ponta a ponta. Dos seus sermées sobre Efésios, pregados entre 1954 e 1962, nenhum foi escrito, exceto na forma de esbogo esquemiatico. Por conseguinte, a sua publicagao sé foi possivel porque havia gravagao completa deles em fita. Dessas fitas, transcritas pela Sra. E. Burney, o Dr. Lloyd- -Jones preparou a exposi¢do de Efésios para publicagao, e aesse labor, conquanto auxiliado por sua esposa e pelo Sr. S. M. Houghton, ele dedicou muito tempo. Foi um trabalho mais drduo, disse ele muitas vezes, que a propria pregacio! No caso do presente volume, o Dr. Lloyd-Jones nao p6de empre- ender nenhuma supervisao do preparo da sua publicagiio antes da sua morte. Felizmente, os princfpios editoriais sobre os quais ele trabalha- * Na lingua portuguesaAs Trevas ¢ a Luz 0 quinto volume publicado. Ainda restam trés volumes da série. va, estavam claramente firmados nos volumes anteriores, e os seus auxiliares, j4 mencionados — com 0 auxflio adicional de Lady Catherwood, filha mais velha do autor — seguiram-nos fiel e rigorosa- mente, Ndo se pouparam esforgos para que a forma final deste volume seja como ele gostaria que fosse. Em 1937, quando o Dr. Campbell Morgan estava na ultima parte do seu ministério na Capela de Westminster, ele falou da sua confianga em que, quando os obreiros de Deus tém que renunciar ao seu trabalho, Deus esta ali, e 0 Seu escolhido sucessor esté a caminho. Ele nao sabia entio que dentro de doze meses o Dr. Lloyd-Jones haveria de juntar- -se a ele. Agora, passados mais de quarenta anos, certamente este livro serviré também como parte da ininterrupta obra de Deus. Em 1955 o Dr. Wilbur M. Smith, depois de visitar a Inglaterra, escreveria extensamente no Moody Monthly (Mensério de Moody) sobre o que tinha ouvido na Capela de Westminster, mencionando particularmente a série do Dr. Lloyd-Jones sobre Efésios, que chegara ent&o apenas ao sermao trinta e oito. Smith concluiu: “Eu gostaria que todos os ministros da Palavra de Deus na América pudessem ter ouvido os sermGes que ouvi deste ungido servo do Senhor neste verao. Minha linguagem é completamente inadequada para comunicar a experiéncia de sentar-me aos pés de uma tio ungida proclamagao das verdades eternas da nossa _santissima fé”. Este volume, juntamente com todos os demais da série, com a béngao de Deus, dard ao leitor uma idéia daquilo que o Dr. Wilbur Smith quis dizer. Oxal4 ajude também a promover aquela pregagao em todas as nagées! O autor destas paginas j4 entrou no gozo do seu Senhor. A nés, que continuamos no presente cendrio de peregrinagdo e servigo, resta lembrar os que nos falaram a Palavra de Deus, “a fé dos quais imitai . .. Jesus Cristo é o mesmo ontem, ¢ hoje, e eternamente” (Hebreus 13:8). Tain H. Murray 28 de dezembro de 1981 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 28 29 30 31 32 AS TREVAS E A LUZ Efésios 4:17 a 5:17 E digo isto, e testifico no Senhor, para que néo andeis mais como andam também os outros gentios, na vaidade do seu sentido. ~ Entenebrecidos no entendimento, separados da vida de Deus pela ignorancia que ha neles, pela dureza do seu coragdo; Os quais, havendo perdido todo o sentimento, se entregaram 4 dissolugao, para com avidez cometerem toda a impureza. Mas vés nao aprendestes assim a Cristo, Se é que o tendes ouvido, e nele fostes ensinados, como esta a verdade em Jesus; Que, quando ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe pelas concupiscéncias do engano: E vos renoveis no espirito de vosso sentido; E vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiga e santidade. Pelo que deixai a mentira, e falai a verdade cada um com o seu prdéximo; porque somos membros uns dos outros. Trai-vos, e nao pequeis; nao se ponha 0 sol sobre a vossa ira. Nao deis lugar ao diabo. Aquele que furtava, nao furte mais; antes trabalhe, fazendo com as maos 0 que é bom, para que tenha que repartir com o que tiver necessidade. Nao saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, mas s6 a que for boa para promover a edificagao, para que dé graga aos que a ouvem. Endo entristegais o Espirito Santo de Deus, no qual estais selados para o dia da redengao. Toda a amargura, ¢ ira, e célera, e gritaria, e blasfémias e toda a malicia seja tirada de entre vés. Antes sede uns para com os outros benignos, misercordiosos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou em Cristo. wR YW Ne BO © ON a me 13 14 15 16 M7 Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados; E andai em amor, como também Cristo vos amou, e se entregou asi mesmo por nés, em ofertae sacrificio a Deus, em cheiro suave. Mas a prostituigao, e toda a impureza ou avareza, nem ainda se nomeie entre vés, como convém a santos; Nem torpezas, nem parvoices, nem chocarrices, que nao convém; mas antes acdes de gragas. Porque bem sabeis isto: que nenhum fornicdrio, ou impuro, ou avarento, 0 qual é idélatra, tem heranga no reino de Cristo e de Deus. Ninguém vos engane com palavras vas; porque por estas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediéncia. Portanto, no sejais seus companeiros. Porque noutro tempo éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor; andai como filhos da luz (Porque o fruto do Espirito esté em toda a bondade, e justica e verdade); Aprovando o que é agrad4vel ao Senhor. E nao comuniqueis com as obras infrutuosas das trevas, mas antes condenai-as. Porque o que eles fazem em oculto até dizé-lo é torpe. Mas todas estas coisas se manifestam, sendo condenadas, pela luz, porque a luz tudo manifesta. Pelo que diz: Desperta, tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te esclarecerd. Portanto, vede prudentemente como andais, nao como néscios, mas como sabios, Remindo o tempo; porquanto os dias sao maus. Pelo que ndo sejais insensatos, mas entendei qual seja a vontade do Senhor. 10 1 A PRATICA ARRAIGADA NA DOUTRINA “E digo isto, e testifico no Senhor, para que ndo andeis mais como andam também os outros gentios, na vaidade do seu sentido.” ~ Efésios 4:17 Chegamos aqui a uma nova divisao de Efésios, e aleangamos uma jungao muito importante, porque esta é de fato a ultima grande divis&o da Epistola. Paulo comeca no versiculo 17 0 que continuaré como uma segiio até ao fim da sua carta. E, portanto, um ponto decisivo, sumamente importante, e isso torna necessdrio que entenda- mos exatamente o que ele vai fazer e por qué. E, pois, importante, nesta conjuntura particular, que vejamos com clareza as conexGes, € que tenhamos em nossas mentes uma visdo geral, uma espécie de sinopse da Epfstola como um todo. O apéstolo tinha firmado a sua grande doutrina nos trés primei- ros capitulos, e depois, tendo feito isso, prossegue com o seu apelo e exortagio 4 nos, para que nos demos conta de que somos membros do corpo de Cristo, e de que, portanto, 0 nosso primeiro interesse consideragao deve ser esforgar-nos para manter a unidade do Espirito pelo vinculo da paz em todas as ocasides. Ele nos ajudara a fazé-lo lembrando-nos de novo a doutrina da natureza da Igreja; e em particular nos indicara como o préprio Senhor Jesus Cristo, a Cabega da Igreja, quando subiu ao alto, estabeleceu oficios na Igreja e pessoas para desempenhé-los, e Ele o fizera com o fim de que féssemos instrufdos, conduzidos e exortados quanto a preservarmos sempre em nossas mentes essa grande meta (Efésios 4:8,11). Nao foros salvos meramente para escapar do inferno; fomos salvos para que Deus apresentasse um povo que causaria espanto ao mundo. Vocés recor- dam o que ele disse no versfculo dez do capitulo trés: “Para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus”. Assim é que cada vez mais devemos pensar em nés mesmos, nado de maneira atomistica ou individualista, mas, antes, como partes da Igreja, como membros do corpo de Cristo, e a nossa suprema ambig&o deve sempre ser a de il crescermos nEle, a Cabega, em todas as coisas, para que juntos cheguemos a varao perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo. E isso, entao, que 0 apéstolo estivera dizendo, ¢ assinalara que, em vista da provisao ja feita — nao somente pela instrug&o dada por meio dos pastores e mestres, e sim também por esta vida que flui da Cabega, por meio dos canais e vias de comunicagao, a cada parte segundo a sua medida e a sua capacidade — ficaremos absolutamente sem nenhuma desculpa, se falharmos. No versiculo dezessete do capitulo 4, a que passamos a dar atengao agora, Paulo passa ao desenvolvimento de todo o seu ensino ptévio. Denovo comega coma palavra “portanto” (VA; ARA) - “Isto, portanto, digo”, 4 luz de tudo aquilo que j4 passou. E a questao, a luz de tudo 0 que se passou, é: como vamos crescer em Cristo em todas as coisas? Como vamos chegar a esse varao perfeito? Como vamos manter a unidade do Espfrito pelo vinculo da paz? A partir deste versiculo até o fim da Epistola, Paulo dé-nos a sua resposta, e isso de maneira pratica e minuciosa. Portanto, parece-me que seria algo bom e itil se, neste ponto, eu fizesse uma andlise geral do restante da Epistola, para que pudéssemos divisar 0 esquema; e depois voltarfa- mos As diversas partes componentes, desenvolvendo-as. Este é sempre um excelente modo de proceder com as Escrituras. Diga-se de passagem, é um excelente modo de proceder com qualquer problema que nos confronte, seja qual for. Médicos ¢ clinicos e outros que se preparam para a profissio médica lhes diraio — pelo menos costumava ser assim quando a medicina era, talvez, mais clinica e menos cientifica, em certo sentido, do que é agora, e menos dependente de acessérios e recursos mecdnicos — que os médicos, os clinicos de antanho, sempre ensinavam que a primeira coisa que um médico deve fazer com um paciente é examin4-lo como um todo; nao deve apressar- -se & queixa particular, porém deve procurar ter uma visio geral e, enquanto nao tiver feito isso, nao deve ir para o particular. Dé-se o mesmo com um problema de matematica, porexemplo, ou de quimica. Se vocé estd tentando descobrir, pela andlise de uma substancia especifica, que elementos quimicos particulares hana massa que se lhe apresenta, primeiro vocé aplica os seus testes gerais, pela exclusio de certos grandes grupos antes de passar a andlise particular dentro dos grupos. E é exatamente a mesma coisa com relacao as Escrituras. Opino, pois, que sera bom e sdbio que, nesta altura, tenhamos uma visao geral do restante desta Epistola. 12 Aqui esté, parece-me, a divisio. Neste capitulo quatro, do versiculo 17 ao 24, Paulo nos diz que devemos compreender que somos criaturas inteiramente novas em Cristo. Passando para ques- tdes de conduta e comportamento pratico, ele comega dizendo: “Isto, portanto, digo, e testifico no Senhor, para que nao andeis mais como andam também os outros gentios”; “mas antes”, como ele diz mais tarde, “que vos despojeis do velho homem e vos revistais do novo homem”. Noutras palavras, como cristéos devemos compreender que em Cristo somos criaturas inteiramente novas. Tendo dito isso, nos versiculos 25 a 29 ele assinala a Sbvia implicagao disso na pratica, empregando ilustragées praticas. Note-se a légica com que 0 faz: ele diz, “Portanto” — para ligar a sua pratica, entdo, 4 luz da doutrina — “Pelo que”. Se vocés nao se deram conta da importancia dosportantos ¢ pelos ques nos escritos do apéstolo Paulo, nao o conhecem, de modo nenhum — “pelo que deixai a mentira” — tendo-se despido do velho homem e revestido do novo, vocé pée de lado a mentira - “e falai a verdade cada um com 0 seu préximo; irai-vos, e ndo pequeis; nao se ponha o sol sobre a vossa ira”, ¢ assim por diante. Portanto, o padrao é, doutrina primeiro, seguida de implicag6es dbvias e praticas, elabo- radas em detalhe. Depois, no versiculo 30, Paulo retorna a doutrina. “Nao entristegais o Espirito Santo de Deus, no* qual estais selados para o dia da redengo”! Noutras palavras, sempre devemos lembrar- -nos de que o Espirito Santo habita em nés. O apostolo esté falando sobre a conduta pratica, diaria, e comegou firmando como seu primei- ro lembrete 0 fato de que somos inteiramente novos; o segundo segue- -se rapidamente. “Nunca se esquegam”, diz ele, “de que o Espirito Santo de Deus habita em vocés” (versiculo 30), “e por causa disso” (versiculos 31-32) € dbvio, diz ele, que devemos evitar toda e qualquer coisa que entristega o Espirito Santo que est4 em nés. Portanto, “toda aamargura, ¢ ira, ¢ c6lera, e gritaria, e blasfémia e todaa maliciasejam tiradas de entre vés”, e “sede uns para com os outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos outros”, Por qué? Porque, se vocés nao procederem assim, estardo entristecendo o Espirito Santo. Chegamos ent&o ao capitulo 5, versfculos 1 e 2. Nunca se esquega, diz Paulo, que Cristo morreu para fazer de vocés filhos de Deus. Vocés sao filhos amados de Deus, porque “Cristo vos amou, e se entregou a si mesmo por nés, em oferta e sacrificio a Deus, em cheiro suave”. Doutrina outra vez! E por causa dessa doutrina, eu e vocés devemos viver de tal modo que estejamos constantemente * (VA: “pelo qual”) 13 manifestando a sua verdade. Assim ele volta a dar as suas ilustragdes praticas: “Mas a prostituigo, e toda a impureza ou avareza, nem ainda se nomeie entre vés, como convém a santos”! Cristo morreu para fazer-nos santos. Tanto nos amou que morreu por nés com o fim de apresentar-nos a Dens como santos. Portanto, livrem-se destas coisas feias. “Nem torpezas, nem parvoices, nem chocarrices, que nao convém; mas antes agdes de gracas.” Isso, diz Paulo, segue-se necessariamente dessa doutrina. No entanto ele o desenvolve para nés com minticias praticas. Nos versiculos 6a 17 do capitulo 5 0 apéstolo faz algo interessante. Ele estivera firmando doutrina, elaborando as implicagées praticas. Agora ele acha que deve fazer uma pausa por um momento, por assim dizer, e da a conhecer os pontos que defende. Deu-se conta de que Ihe era necessdrio fazer isso por causa de certos falsos mestres que estavam visitando as igrejas ~ antinomianos, como os nicolaftas de que fala o livro de Apocalipse, homens que tinham entendido de maneira completamente errada o evangelho e que virtualmente ensinavam: fagamos o mal para que nos venha o bem; homens que estavam transformando a graca de Deus numa espécie de escusa para a pessoa fazer 0 que quiser e pecar como quiser. Por isso 0 apéstolo diz: “Ninguém vos engane com palavras vas”, e tanto se preocupa com isso, e tao alarmado fica quanto ao futuro da igreja de feso, que dedica a isso consideravel espago (versiculos 6-17). Ele adverte os ef€sios de todos os falsos e especiosos argumentos que visavam impedir-Ihes a pratica da vida crista, ereforga a sua advertén- cia com outra declarac4o positiva da verdade concernente aos cristaos em Cristo. Depois torna a voltar as praticabilidades — isso foi uma espécie de digressao, esclarecendo, rebitando, por assim dizer, certi- ficando; ele sempre faz isso. Nos versiculos 18-21 0 apéstolo firma outro grande principio de doutrina, a saber, que sempre devemos lembrar a nds mesmos que as nossas vidas devem ser vividas no Espirito e plenamente sob o dominio do Espirito. “E nao vos embriagueis com vinho, em que ha contenda, mas enchei-vos do Espirito; falando entre vés em salmos, € hinos e cAnticos espirituais; cantado e salmodiando ao Senhor no vosso coragdo; dando sempre gragas por tudo a nosso Deus ¢ Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo.” A vida do cristao é para ser uma vida inteiramente sobe 0 dominio do Espirito, cheia do Espirito, dirigida, dominada pelo Espirito. Isso, é claro, é doutrina. Depois, do versiculo 22 ao versiculo 9 do capitulo 6, ele a aplica. Tendo firmado esta verdade, que 0 cristo é alguém que vive a sua vida no Espirito e cheia do Espirito, ele entéo mostra que, obviamente, isso também é 14 algo que deve ser posto em acio na pratica; é algo que deve governar todas as nossas relagdes. Assim, ele passa a considerar as relagdes entre mulheres e maridos, e maridos e mulheres; filhos e pais, e pais ¢ filhos; servos ¢ senhores, e senhores e servos. Notem como em cada caso, em todas essas subdivis6es, ele tem a doutrina apropriada; ele seleciona o aspecto particularmente relevante da doutrina geral. E assim, quando ele est4 tratando da vida no Espirito, o que traz para exame sao estas relagdes humanas pessoais — marido, esposa; filhos, pais; senhores, servos. Na secao final da Epistola, do versiculo 10 ao versiculo 20 do capitulo 6, Paulo diz efetivamente: ai esta o programa, essa é a classe de vida que vocés tém que viver. Vocés acham que é facil? Sejao que for que vocés pensem, continua ele, nao é facil. Vocés precisam de um poder infinitamente maior que o de vocés. Hé um adversdrio podero- so: “Nao temos que lutar contra a carne ¢ o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os principes das trevas deste século, contra os hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais”, H4 um poderoso antagonista que fara tudo o que puder para manter-nos fora deste programa. Por qué? Para ridicularizar a obra de Deus e a gracga do Senhor Jesus Cristo. Se satands puder fazer algum crist&o, ou até mesmo a Igreja toda cair em pecado, como ficar4 contente! Assim ele atacard vocés, diz Paulo, em todos os pontos particulares; e se vocés nao se dio conta disso, jd esto derrotados. Ha somente um meio pelo qual agir: “Revesti-vos de toda a armadura de Deus”. Deus, diz 0 apéstolo, fez provisio; Deus nao nos chama para cumprirmos um programa e depois nos deixa entregues a nés mesmos. Nada disso! Ele j4 nos supriu perfeita e pormenorizadamente. Assim vemos no capitulo 6, do versiculo 10 ao versfculo 20, uma descrigao da proviso feita por Deus para o cristéo neste combate da fé ~ toda a armadura de Deus! E havendo dito isso, Paulo conclui, como é seu costume, com saudagdes pessoais e palavras de recomendaciao, Aiest4, pois, a andlise da se¢do final desta maravilhosa Epistola aos Efésios. Vemos que a Epistola pode ser dividida em trés seges: primeira, capitulos 1, 2 ¢ 3, onde Paulo firma a grande doutrina da salvagao; depois, em seguida, no capitulo 4, versiculos | a 16, vemos a doutrina da Igreja e de tudo o que nos introduz na Igreja; seguindo- ~se a isso, na terceira Segao, temos a expressao pratica das doutrinas em nossas vidas, conduta e experiéncia didrias, e em todos os contatos da vida. Que maravilhoso esquema é este, e como 0 apdstolo desenvolve em detalhe cada sego de modo que nao hé lugar para enganos! Examinemos agora resumidamente o cardter geral desta ultima segao, porque, completamente separados do seu ensino pormenoriza- 15 do, hd certos princfpios ensinados aqui, que so da maior importancia. Erraremos em nossa aplicagao dos detalhes, se nado o abordarmos do jeito certo, em termos dos principios obviamente implicitos no método geral do apéstolo. A primeira coisa que, necessariamente, devemos notar é que 0 apéstolo Paulo nunca deixa nada ao acaso. Eleé um mestre cuidadoso, enunca se contenta com a mera enunciagdo de princfpios. Sempre faz isso primeiro, porém nunca p4ra ai, nunca o deixa nisso. H& uma escola de ensino da Biblia que nao faz nenhuma tentativa de aplicar 0 ensino. Para mim isso é contradizer as Escrituras. Ninguém tem direito de dividir esta Palavra de Deus e deixd-la, declarando, diga- mos: agora estou fazendo uma prelecio, nao estou pregando. E falsear © uso da Palavra de Deus. Esta Palavra € para ser aplicada sempre, e qualquer entendimento que possamos ter da Biblia podera ser uma cilada para nés, se deixarmos de aplicd-la. O apéstolo nos compele a aplicé-la, E nao temos direito de ver a aplicagao simplesmente como um cabegalho geral e dizer: ai Paulo esté aplicando a sua doutrina, pelo que passemos 4 Epjstola seguinte. Absolutamente nao! Ele pretende que encaremos cada detalhe; ele nos compele a fazé-lo pela minuciosa aplicagao da verdade. Paulo faz isso, é claro, de sorte que, como eu disse, nao ha desculpa pelo fracasso. E isso aplica-se a nds, nao somente em geral, mas em particular. Eu e vocés devemos aplicar detalhadamente 0 que sabemos. A vida crista nao é mera filosofia geral; € isso, todavia nao se detém nisso! E uma vida para ser vivida, e 6 uma vida que deve ser vivida em mindcias particulares. B se a nossa vida cristé nao esta sendo vivida em minticias, estamos negando a prépria verdade que proclamamos crer. Nunca se poderd exagerar na énfase a isso. Todo © propésito desta segdo é mostrar justamente isso, O nosso Senhor mesmo afirmou isso uma vez por todas quando disse ~ 0 que é para mim uma das palavras mais terriveis de toda a Biblia ~ “Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as fizerdes” (Joao 13:17). E nao nos esquegamos de que é segundo a medida do que temos que nos sera dado. “Aquele que tem, se dar, e tera em abundancia (Mateus 13:12; 25:29), Lembremo-nos também de que conhecer é uma tremenda responsabilidade. Tiago faz disso um forte argumento quando diz, no inicio do capftulo trés da sua carta: “Meus irmaos, muitos de vés nao sejam mestres, sabendo que receberemos mais duro juizo”. Conhecer é uma grande responsabilidade porque, se conhecemos e nao o aplicamos, teremos que responder por isso. O nosso Senhor de novo ensina isso com toda a clareza, quando fala sobre o senhor que voltou 16 e investigou a conduta dos seus servos durante a sua auséncia. Diz Ele que alguns receberao muitos agoites, e alguns receberao poucos. E os servos que receberio muitos agoites so aqueles a quem muito foi dado! Portanto, digo, eu, se estivemos entendendo a doutrina desta Epistola e nos alegrando nela, a nossa responsabilidade é enorme. Cabe-nos aplicar a verdade. “Isto, portanto, digo.” Enotem como ele o reforga, dizendo: “e testifico no Senhor” — chamar o Senhor como testemunha, é 0 que ele quer dizer. A verdade é para ser aplicada, e nada deve ser deixado ao acaso, nao devemos parar nas generalidades, a aplicagaio deve descer a cada detalhe das nossas vidas. Neste ponto chegamos a um segundo principio. A vida da igreja e a vida na igreja nao deve ser um tipo separado de vida. Noutras palavras, tudo o que fazemos e dizemos faz parte da nossa vida crista e do nosso viver cristéo. As nossas vidas fora da igreja e dentro da igreja sao essencialmente uma sé, e devem ser interrelacionadas, pois uma afeta a outra. Nao hé nada mais fatal do que ter uma ruptura ou Jacuna ou mudanga repentina entre a vida na igreja e a vida fora da igreja. O homem da rua diz realmente que esta é a razdo pela qual ele hoje est4 narua, ¢ nao na igreja, Nao estou dizendo que isso est4 certo ou errado, contudo o que ele afirma é que essa era a situagao dos nossos antepassados vitorianos. Olhem para eles, diz ele, nas igrejas e capelas no domingo; mas depois olhem para eles fora delas, de segunda a sdbado. Observem a devogii ¢ a reveréncia e a aparente piedade no domingo; observem-nos no mercado, na loja, entre os homens, ¢ eis que sio homens diferentes. Bem, se isso era verdade, e se ainda é verdade, a critica é valida. Que lastima! A gente as vezes vé essa tendéncia na Igreja dos dias atuais. Ha homens, que, por assim dizer, de repente tém que teadquirir 0 domfnio préprio e vestir uma espécie de uniforme ou miascara, e subitamente se tornam sérios e solenes, sendo eles normal- mente frivolos, Parecem duas espécies diferentes de homens: sfo uma coisa na rua, depois cruzam os umbrais de um edificio especial, e de repente se tornam sérios e solenes. Esse é 0 tipo de comportamento que 0 apéstolo est4 denunciando. Devemos ser tao reverentes fora da igreja como dentro; as nossas vidas nao devem ser determinadas por edificios. A vida do cristo é uma sd, ele é um novo homem! Ele nio € alguém que simplesmente veste um terno diferente quando vem 4 igreja e logo depois o tira, ou apanha a religiao como uma bolsa ea poe no cho pouco depois. Nada disso! Ele é algo; e porque é algo, é esse algo nao somente na igreja, mas onde quer que esteja — no mercado, na loja, no negécio, na profissio, no lar, em sua convivéncia com os 17

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