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Resumo: Neste trabalho apresenta-se uma prática pedagógica desenvolvida com os alunos do
7º ano de uma escola particular localizada na cidade de Ribeirão Preto –SP. Tema do currículo
de Geografia nos anos finais do Ensino Fundamental, o espaço urbano brasileiro, sobretudo o
espaço urbano local, é analisado e discutido por meio de uma sequência didática que contempla
a leitura de livro paradidático, pesquisa no Atlas Escolar Histórico, Geográfico e Ambiental de
Ribeirão Preto1 e estudo de campo. Após o levantamento de conhecimentos prévios sobre a
história da cidade de Ribeirão Preto através de um questionário, os alunos utilizam o Atlas
Escolar a fim de confirmar o que haviam levantado e acrescentam aquilo que não sabiam. Ainda
com a colaboração do Atlas Escolar, os alunos buscam a ampliação dos conhecimentos sobre a
cidade analisando o bairro onde moram e observando imagens antigas e recentes de alguns
pontos do município. Contudo, a leitura do livro paradidático visa compreender como as
cidades crescem e se desenvolvem. Nele, discute-se sobre como ocorre o crescimento
horizontal, maneira na qual a cidade se expande ocupando as zonas rurais, característica comum
à todas as cidades, bem como o crescimento vertical, sendo ele uma forma de (re)organização
do espaço, comum as cidades médias e grandes. Ainda como maneira de ampliar a construção
do conhecimento sobre a dinâmica da cidade, debate-se com o auxílio do livro, sobre os
principais meios de consumo coletivo: saúde, educação e transporte. Para buscar abrangência e
sentido, entende-se que o estudo da localidade é uma maneira em que o aluno se aproxima da
realidade vivida e consegue, a partir daí, colocar-se como atuante e, sobretudo, consciente. Para
tanto, é necessário aprofundar as discussões adentrando literalmente no espaço urbano ribeirão-
pretano, segundo as cinco grandes zonas pesquisadas no Atlas Escolar. Os alunos, divididos em
cinco grupos, puderam experimentar, in loco, a exclusão social escancarada e sem recursos.
Outros, vivenciaram a sensação de ver do alto da zona oeste o crescimento vertical e horizontal,
simultaneamente. A convivência entre área industrial e residencial. O centro e sua história,
quantas histórias... história do apogeu do Café e, também, do apogeu do trabalhador, o
Memorial da Classe Operária – UGT (União Geral dos Trabalhadores). E tudo isso com a
parceria do transporte público, um caso à parte para aqueles que praticamente nunca haviam
utilizado. Sempre que se finaliza tal sequência didática, propõe-se a elaboração de uma
divulgação, valendo-se de diversos recursos pedagógicos como criação de sites, jornais, poesia
urbana, entre outros. Entende-se que tal prática, atendeu os objetivos de refletir sobre o espaço
urbano brasileiro utilizando-se da referência da localidade, potencializando maior leitura e
reflexão teóricas.
1
Software desenvolvido pelo "Grupo de Estudos da Localidade - ELO - FFCLRP - USP".
Introdução
2
Software desenvolvido pelo "Grupo de Estudos da Localidade - ELO - FFCLRP - USP".
escancarada e sem recursos. Outros, vivenciaram a sensação de ver do alto da zona oeste o
crescimento vertical e horizontal, simultaneamente. A convivência entre área industrial e
residencial. O centro e sua história, quantas histórias... história do apogeu do Café e, também,
do apogeu do trabalhador, o Memorial da Classe Operária – UGT (União Geral dos
Trabalhadores).
E tudo isso com a parceria do transporte público, um caso à parte para aqueles que
praticamente nunca havia utilizado. Ao finalizar tal sequência didática, propõe-se a elaboração
de uma divulgação do estudo, valendo-se de diversos recursos pedagógicos como criação de
sites, jornais, poesia urbana, entre outros.
Contudo, identificamos que esta prática pode e deve ser interpretada por meio da
Análise do Discurso, buscando dar “sentido”, a Sujeitos e Sentidos, no grande palco da atual
existência humana que é a cidade, o espaço urbano. Desse modo, procurou-se analisar como
determinados sujeitos (alunos) pensam e se relacionam com a cidade e como isso interfere na
constituição do sujeito urbano, pois o “espaço urbano pode ser considerado como um espaço
material concreto que funciona como um sítio de significação que demanda gestos de
interpretação particulares” (ORLANDI, 2001, p. 186).
Por quê?
Esse tema aparece fundamentado nos principais documentos legais como o PCN
(Parâmetro Curricular Nacional) de Geografia e na terceira versão da Base Nacional Comum
Curricular.
Uma terceira questão interessante de ser pontuada e que Castrogiovanni (2012) aponta,
é a maneira como as práticas pedagógicas podem e devem ser um “terreno fértil” e seguro das
trocas entre saber científico, acadêmico, e o saber escolar (aqui reporta-se à ciência geográfica
e o ensino de Geografia). Segundo Chevallard (1991, p 39), o saber não chega na sala de aula
da maneira como é produzido no âmbito acadêmico/cientifico. “Um conteúdo de saber que
tenha sido definido como saber a ensinar, sofre, a partir de então, um conjunto de
transformações adaptativas que irão torná-lo apto a ocupar um lugar entre os objetos de ensino”.
Enfim, espera-se que os alunos tenham um olhar com mais veemência sobre a dinâmica
das cidades, da sua cidade, podendo estabelecer a relação entre a cidade que temos com a cidade
que gostaríamos de ter.
E é exatamente essa pergunta (que cidade temos e que cidade quero?) que utilizou-se
como disparador do assunto. Ainda na avaliação inicial, os alunos são indagados a pensar sobre
como e porque a maior parte das cidades crescem? De que maneiras elas crescem?
Essas questões são importantes e extremamente ricas de reflexão, pois nelas começamos
a enxergar nos alunos, através dos conhecimentos prévios, os primeiros rascunhos sobre como
eles vivem o cotidiano da cidade, como eles se relacionam com o espaço urbano. Segundo Miras
(2009, p.57) “as mentes dos nossos alunos estão bem longe de parecerem lousas limpas, e a
concepção construtivista assume esse fato como elemento central na explicação dos processos
de aprendizagem e ensino na sala de aula”.
O mais interessante dessa pesquisa é que ano após ano observa-se o quanto os alunos,
apesar de viverem na cidade, conhecem muito pouco sobre ela. A pesquisa revela que o campo
de exploração do aluno na cidade é restrito, muitas vezes cercado pela proximidade física entre
sua moradia, sua escola e os lugares onde costuma frequentar, ou seja, todos esses lugares
normalmente se localizam no mesmo bairro e/ou região.
Orlandi (2001) explica que essas distinções dos lugares, o complexo (re)conhecimento
do cidadão no espaço urbano não se explica somente pelas diferenças e divergências de caráter
geográfico (espacial), mas, sobretudo, social. Ou seja, a cidade cria e recria um sentido vertical
(de hierarquia) no espaço e na sociedade, instituindo, ao mesmo tempo, privilégios e exclusões
que fragmentam os sujeitos.
A fim de buscar apoio em diversos recursos para o desenvolvimento da temática,
utilizou-se como ferramentas procedimentais a análise de música, filme, documentário e
programas de TV. Ainda contamos com a utilização do Atlas Escolar Histórico, Geográfico e
Ambiental de Ribeirão Preto, elaborado pelo Grupo ELO no ano de 2008. Como suporte teórico
utilizou-se, também, dois livros paradidáticos: “Cidades brasileiras: do passado ao presente” de
Rosicler Martins Rodrigues e o livro “A vida nas cidades” de Eliseu Savério Spósito. O
primeiro, mais histórico, apresenta textos que retratam o nascimento das cidades no Brasil e sua
evolução aos dias atuais. Já o segundo, mais técnico, procura trabalhar com as formas de
crescimento das cidades brasileiras, discutindo suas dinâmicas, seus problemas e soluções. Por
fim e não menos importante, os alunos também trabalham com textos e imagens inseridas em
suas apostilas elaboradas pelo próprio professor.
Para não deixar de fora da discussão, optou-se em fazer um processo avaliativo extenso,
rico em autoavaliação, procurando perceber o que cada um pode contribuir ao seu modo.
Observou-se alunos que são avaliados somente por suas atitudes perante o grupo, sua
generosidade em contribuir com o coletivo. Outros que se destacam na produção de textos.
Alguns sabem utilizar muito bem os procedimentos de pesquisa, de leitura e imagem. Há
aqueles que, mesmo contrariados em quase todo processo, no final se surpreendem,
principalmente quando vai a campo estudar um outro bairro/região.
Mas, principalmente há, também, alunos com necessidades especiais que, ao seu modo,
mas com muito apoio do professor e de uma equipe escolar, podem e devem dar contribuições
na construção do conhecimento individual e coletivo. Sobre esse aspecto, fotos tiradas por um
aluno autista foram utilizadas para a apresentação da região estudada.
Em primeiro lugar, destaca-se que tal projeto, cercado por diferentes práticas
pedagógicas, necessita de constante revisão mediante aos fracassos que também fazem parte do
processo de ensino-aprendizagem. Quando o professor se coloca também como um aprendiz,
ele passa a “tatear” melhor o que se passa nos processos de compreensão e construção de
conhecimentos dos alunos.
No mais, o que observou-se é que a aprendizagem pode tornar-se cada vez mais
significativa quando o aluno se aproxima e toma posse do seu espaço vivido, compartilhando
com os demais e aprendendo a (re)significar sentidos, estabelecendo comparações com demais
realidades. Ainda nessa discussão, Périgo et al (2009, p. 105) explicita que:
Nessa direção, percebeu-se que a falta de conhecimento sobre sua própria cidade parte
de diversos fatores que, cada um ao seu “tom”, implica na realidade do aluno. Por serem ainda
apenas crianças, a liberdade de se locomover pela cidade ainda está restrita a ajuda de um
adulto. Porém, sabe-se que em outras escolas essa realidade é um pouco diferente, quando
alunos do 7º ano chegam sozinhos, a pé ou pelo transporte público.
A maior parte das famílias, segundo a pesquisa realizada com os alunos, revela sua
moradia dentro de condomínios fechados. Isso também se torna um fator relevante para o pouco
conhecimento da cidade, uma falta de olhar mais expansivo. Desse modo, explica Orlandi
(2001, p. 187) que “podemos pensar criticamente as evidências colocadas no que significa a
cidade e o cidadão, evidências que, em geral, têm sido resumidas de forma homogênea e estreita
na rubrica de “violência urbana”. Violência essa que se materializa (de modo multifacetado),
ao mesmo tempo, no espaço e na sociedade.
Enfim, para além da discussão sobre a prática e a reflexão por parte de alguns aparentes
resultados, é válido ressaltar que também este trabalho apresenta a importância da pesquisa na
profissão do educador e o quanto a formação continuada pode possibilitar o desenvolvimento
profissional do professor.
Referências
BROWN JR, C. Dias de luta, dias de glória. São Paulo: EMI, 2006. Faixa 23.
COLL, C. et al. O construtivismo na sala de aula. 6. Ed. São Paulo: Ática, 2009.
LACOSTE, Y. A geografia: isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. Tradução de
Maria Cecília França. Campinas, SP: Papirus, 1988.
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MATURANO, L. G.; ABRÃO, V. L. S. Para onde vai o pensamento geográfico? : por uma
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______.Geografia: pequena história crítica. 21ª ed. São Paulo: Annablume, 2007.
______. Para onde vai o pensamento geográfico?: por uma epistemologia crítica. 1.ed. 1ª
reimpressão. São Paulo: contexto, 2008.
PÉRIGO, A.T. et al. Sujeitos e sentidos no espaço urbano: o escrito “dá o ar da sua graça”
(Revista Rua, nº 15, 2009).
_______. Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica. 6. ed., 1ª.
reimpressão. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.
_______. A Vida nas Cidades. 5ª ed. 1ª reimpressão. São Paulo: Editora Contexto, 2009.