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SONETOS CAMONIANOS

LUÍS VAZ DE CAMÕES


O LÍRICO
 Camões soube, como nenhum outro poeta, entrelaçar as formas da poesia culta,
aristocrática de seu tempo e a lírica tradicional, bela e ingênua dos “cancioneiros”
medievais, transformada, entretanto, por seu gênio, captou a mudança de
interesses, o refinamento do gosto artístico e a exigência de sutilezas.
 A poesia à moda medieval, tradicional, chamada “medida velha”, encontra-se
expressa nas redondilhas; a medida nova, como a praticou nos sonetos, nas odes,
nas elegias, canções, éclogas, sextinas e oitavas e ainda, na poesia épica (Os
Lusíadas).
 Toda lírica camoniana “espelha a confissão duma torturada vida interior, feita de
paradoxos e incertezas, a reflexão feita em torno de magnos problemas que lhe
assolavam o espírito, não só provocados pelas suas vivências pessoais, mas a
tomada de consciência duma espécie de inquietação universal, em que todos os
homens estivessem imersos”

Erros meus, má fortuna, amor ardente


“Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjugaram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que para mim bastava amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente


A grande força das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso dos meus anos;


Dei causa [a] que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos.


Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Gênio de vinganças!”

A Fortuna (para os românticos a Fatalidade, o Destino), para o poeta português, regia as vidas
humanas sem que estas pudessem mudar sua sorte. E, se com os tormentos de amor se mostra, de
certa maneira, conformado, a razão de sua existência infeliz leva-o a este grito paroxístico.

“Transforma-se o amador na cousa amada,


Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,


Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semidéia,


Que como acidente em seu sujeito,
Assim como a alma minha se conforma.

Está no pensamento como idéia;


E o vivo amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma”.

“Alegres campos, verdes arvoredos,


Claras e frescas águas de cristal,
Que em vós os debuxais ao natural,
Discorrendo da altura dos rochedos;

Silvestres montes, ásperos penedos,


Compostos em concerto desigual,
Sabei que, sem licença de meu mal,
Já não podeis fazer meus olhos ledos.

E, pois me já não vedes como vistes,


Não me alegrem verduras deleitosas,
Nem águas que correndo alegres vêm.

Semearei em vós lembranças tristes,


Regando-vos com lágrimas saudosas,
E nascerão saudades de meu bem.”

Todo o soneto é elaborado à base de oposições ou contradições. É bem a


composição de um homem que poderia ter sido feliz, mas foi um dos mais desgraçados
de seu tempo, porque não se contentou em viver simplesmente, mediocremente,
preocupado em gozar a vida apenas, mas interrogou-a, desafiando-a, pois seu espírito
ávido de saber queria uma resposta definitiva, para a função do homem na Terra.
Dessa luta constante para saber, nasceu o profundo pessimismo que lhe povoava
a alma. Camões sofreu o impacto da cultura humanista e da experiência. É um poeta
comprometido com a tradição medieval, sim, mas um homem de seu tempo, inquieto,
palpitante. Por tudo isso, sua obra transpira sua dúvidas, interrogações, paradoxos,
filosofias, pessimismos...
O soneto acima apresenta-nos alguns desses temas. Camões sempre se
considerou perseguido pela má sorte (fado), um indivíduo inadaptado, marginal à moda
romântica (“já eu para erros fui nascido”). Assim, se a sociedade lhe era hostil, ia buscar
um refúgio para o seu “mal-do-século”, em pleno século XVI, num clássico campo
verdejante. Não o procura, porém, como se esperaria, num homem de sua época, filosofar
e sim para espalhar livremente sua melancolia.
Em Camões, todavia, o dualismo cultural está tão arraigado, que não sabe pintar
a aquarela de modo puramente clássico. Há campos, há águas de cristal, sim, mas não
correm pela campina, caem da altura de escuros rochedos...
Por outro lado, não só de planuras e verduras é feita a tela do poeta: os montes
se erguem, selvagens, os rochedos são ásperos e desiguais e se harmonizam com as ânsias
da alma do poeta: elevam-se, indaga o alto, tentam atingir um não sei quê.

Doce sonho suave e soberano


Doce sonho, suave e soberano,
se por mais longo tempo me durara!
Ah! quem de sonho tal nunca acordara,
pois havia de ver tal desengano!

Ah! deleitoso bem! ah! doce engano,


se por mais largo espaço me enganara!
Se então a vida mísera acabara,
de alegria e prazer morrera ufano.

Ditoso, não estando em mim, pois tive,


dormindo, o que acordado ter quisera.
Olhai com que me paga meu destino!

Enfim, fora de mim, ditoso estive.


Em mentiras ter dita razão era,
pois sempre nas verdades fui mofino.

Grito de desalentada saudade é o presente soneto. Desfez-se o seu sonho “doce,


suave e soberano”, mas lamenta o poeta não viver por mais tempo no engano em que
vivera. Considera-se, no entanto, feliz por ter alcançado, sonhado, o que desejava obter.
Enquanto esteve fora de si foi feliz, pois que sempre foi ditoso, enquanto amou enganado,
e infeliz na triste realidade. Apesar de tudo, a imagem da infanta não desaparecerá de vez
do seu espírito.

SONETOS CAMONIANOS

Enquanto quis Fortuna que tivesse

Enquanto quis Fortuna que tivesse


Esperança de algum contentamento,
O gosto de um suave pensamento
Me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse


Minha escritura a algum juízo isento,
Escureceu-me o engenho co'o tormento,
Para que seus enganos não disesse

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos


A diversas vontades! Quando lerdes
Num breve livro casos tão diversos,

Verdades puras são e não defeitos;


E sabei que, segundo o amor tiverdes,
Tereis o entendimento de meus versos.
(Luís de Camões)

ANÁLISE

 A sorte permitiu ao poeta que alimentasse esperanças de felicidade, o prazer dos


pensamentos. Mas o deus do amor trocou a alegria do eu-lírico em tristezas,
sofrimentos, liquidou a sua inspiração para que a ninguém ele revelasse as suas
dores. O amor é contraditório, pois revela uma coisa hoje e outra diferente
amanhã. Além do mais afirma não escrever maus poemas por força do ardiloso
amor, cada qual vai entender os seus poemas de acordo com o amor que está
sentindo.
 A fortuna (= o acaso) eram os caprichos do destino, que, no caso andavam bons
para o poeta. O amor, porém, muda de repente a sorte. No vocativo, terceira
estrofe, há um belo aviso aos amantes que o amor pode ser prudente, mas ao
mesmo tempo doloroso.

Tanto de meu estado me acho incerto


Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, justamente choro e rio,
O mundo todo abarco e nada aperto.

É tudo quanto sinto, um desconcerto;


Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio,
Agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao Céu voando;


Numa hora acho mil anos, e é jeito
Que em mil anos não posso achar uma hora.

Se me pergunta alguém por que assim ando,


Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora.

ANÁLISE

 O poeta se revela apaixonado, não realiza o seu amor e sofre por esse amor
não correspondido.
 Este soneto é todo constituído de contradições, em que o poeta inspira-se
no soneto de Petrarca. As contradições são na verdade conjuntos de
sensações corporais opostas para realçar o delírio amoroso provocado pela
senhora. Nota-se as oposições calor x frio, choro x riso, fogo x rio, terra x
céu, mil anos x uma hora; contentamento x tristeza e alteração de estado e
tempo.
 Observa-se nesse soneto o desconcerto do mundo o neoplatonismo, pois
Camões vê o mundo sensível constituído de aparências e contradições. Há
de notar nos versos acima traços da lírica tradicional, bela e ingênua dos
“cancioneiros medievais”. Pode notar nesse soneto o emprego de figuras
como: as antíteses, paradoxos, hipérboles, elementos estes comuns na
lírica camoniana.

Eu cantarei de amor tão docemente

Eu cantarei de amor tão docemente,


Por uns termos em si tão concertados,
Que dous mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.

Farei que o amor a todos avivente,


Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.

Também, Senhora, do desprezo honesto


De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.

Porém, para cantar de vosso gesto


A composição alta e milagrosa,
Aqui falta saber, engenho e arte.

ANÁLISE

 Este poema é construído em versos decassílabos, com uma sintaxe elegantíssima. O


amor e a saudade, temas comuns na lírica de Camões perpassam o soneto. O poeta
através de sua lírica amorosa, canta o amor de forma galante, com otimismo e
confiança, numa atmosfera de idílio.
 Por meio do canto o eu-lírico promete atear o amor nos que não amam, com suas
“brandas iras” seus “mil segredos”, seus “suspiros magoados”. No conjunto aí temos
o elogio da poesia.
 A argumentação começa do nono verso. O poeta se diz incapaz de cantar a amada.
Prefere, pois, cantar a “menor parte”.
 Há influências de Petrarca. Há dois hiperbolismos, um é do poeta encantatório, que
fascina a todos, outro é da beleza inefável, indescritível.

O dia em que eu nasci moura e pereça


O dia em que eu nasci, moura e pereça,
não o queira jamais o tempo dar,
não torne mais ao mundo, e, se tornar,
eclipse nesse passo o sol padeça.

luz lhe falte, o sol se [lhe] escureça,


mostre o mundo sinais de se acabar,
nasçam-lhe monstros, sangue chova
o ar, a mãe ao próprio filho não conheça.

as pessoas pasmadas de ignorantes,


as lágrimas no rosto, a cor perdida,
cuidem que o mundo já se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,


que este dia deitou ao mundo a vida
mais desgraçada que jamais se viu!

ANÁLISE

 O soneto começa pela maldição que o poeta profere contra o dia em que nascera
e que se estende também ao futuro, de maneira que aí nós surpreendemos com
uma concepção cíclica do tempo. O desgosto, a maldição vai até o último verso,
com clamor e exagero. Nota-se o recurso imagístico sugerido pelas palavras:
eclipse, sol, luz, monstros, sangue, lágrimas; além das antíteses figura principal
no soneto camoniano, que contribui para acelerar o conflito expresso neste poema.
 Observa-se o plano da existência, dolorido e triste. Nota-se que não há menção ao
ideal, ao contrário, aqui nosso mundo é o inferno do eu, um eu sem qualquer paz.
Observa-se no eu-lirico um conflito existencial, desesperado, dramático. O
intensificador é o dia do nascimento, que funciona como uma fatalidade
prolongada.

Amor é fogo que arde sem se ver


Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;


é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;


é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor


nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

ANÁLISE

 O poeta tenta definir o que é o amor, mas sempre cai em contradições. Como conhecê-
lo, se uma hora é uma coisa, e outra hora é outra? Por isso, a definição é contraditória.
Volúvel, contrário a si, o amor não pode engendrar “amizade” (sem gerar também
ódio).

 Não é um soneto narrativo. Nas três primeiras estrofes temos o paradoxo do amor; e,
na última estrofe surge a pergunta perplexa de quem sofre. No primeiro quarteto, a
dor é minimizada diante do sentimento amoroso, enfim, quase não é sentido; no
segundo há passividade, há “romantismo”; depois, a escravidão e a morte voluntárias
e, finalmente, a pergunta final e sem resposta.

 Há de notar o estilo maneirista, em função do acumulo de antíteses, paradoxos e


oxímoros, presentes ao longo não apenas da primeira estrofe, mas de toda composição.

Que diz que amor é falso ou enganoso

Quem diz que Amor é falso ou enganoso,


ligeiro, ingrato, vão, desconhecido,
sem falta lhe terá bem merecido
que lhe seja cruel ou rigoroso.

Amor é brando, é doce e é piadoso.


Quem o contrário diz não seja crido;
seja por cego e apaixonado tido,
e aos homens, e inda aos deuses, odioso.

Se males faz Amor, em mi se vêem;


em mi mostrando todo o seu rigor,
ao mundo quis mostrar quanto podia.

Mas todas suas iras são de amor;


todos estes seus males são um bem,
que eu por todo outro bem não trocaria

Na metade do céu

Na metade do Céu subido ardia


o claro, almo Pastor, quando deixavam
o verde pasto as cabras, e buscavam
a frescura suave da água fria.

Co a folha da árvore sombria,


do raio ardente as aves se emparavam;
o módulo cantar, de que cessavam,
só nas roucas cigarras se sentia;

quando Liso pastor, num campo verde


Natércia, crua Ninfa, só buscava
com mil suspiros tristes que derrama.

«Porque te vás, de quem por ti se perde,


para quem pouco te ama?» suspirava.
O Eco lhe responde: «Pouco te ama.»

Este soneto fala da natureza em que é perceptível os recursos imagísticos. Este poema
revela elementos comuns á natureza e à cultura grega, que é o pastoralismo, pois exalta a
natureza, o bucolismo (a valorização da vida campestre), a vida no campo.
Nota-se que o pastor cuida do seu rebanho, o jogo imagístico é representado pelas
palavras: sombras, raio ardente que afloram de uma forma idealizada O poeta além do
pastoralismo também alude à musa grega maravilhosa, como podemos observar que o
poeta derrama os seus suspiros tristes em busca de Natércia.

Bem Sei Amor, que é Certo o que Receio

Bem sei, Amor, que é certo o que receio;


Mas tu, porque com isso mais te apuras,
De manhoso, mo negas, e mo juras
Nesse teu arco de ouro; e eu te creio.

A mão tenho metida no meu seio,


E não vejo os meus danos às escuras;
Porém porfias tanto e me asseguras,
Que me digo que minto, e que me enleio.

Nem somente consinto neste engano,


Mas inda to agradeço, e a mim me nego
Tudo o que vejo e sinto de meu dano.

Oh poderoso mal a que me entrego!


Que no meio do justo desengano
Me possa inda cegar um moço cego?
Luís Vaz de Camões
 É um poema lírico de amor, logo no primeiro verso o eu-lírico demonstra um tom
de receio e com isso a amada parece engrandecer. Ela parece negá-lo, mas logo
em seguida jura algo e ele acredita, parece ser uma donzela de classe.
 O eu-lírico está apaixonado, observa-se a submissão do homem frente á mulher.
Este poema nos lembra a tradição medieval das cantigas de amor em que o homem
é totalmente submisso.
 Na segunda estrofe o poeta-se revela uma pessoa triste, sozinho e apaixonado. Ele
se sente enganado, está ciente do engano, mas aceita e nega a si mesmo, pois
parece querer esconder a realidade que está vivendo.
 No final, ele afirma que está possuído pela dor do amor (paixão). Ele se revela
uma pessoa cega de amor e a amada cada vez mais distante; mesmo passando por
todo esse sofrimento, ele ainda acha justa a sua condição de submissão ou de
vassalagem.

LUÍS VAZ DE CAMÕES – TÓPICOS

 Camões soube, como nenhum outro poeta, entrelaçar as formas da poesia culta,
aristocrática de seu tempo e a lírica tradicional, bela e ingênua dos “cancioneiros”
medievais, transformada, entretanto, por seu gênio, captou a mudança de interesses, o
refinamento do gosto artístico e a exigência de sutilezas.
 Camões cultivou à moda medieval, tradicional, chamada “medida velha”, encontra-se
expressa nas redondilhas; a medida nova, como a praticou nos sonetos, nas odes, nas
elegias, canções, éclogas, sextinas e oitavas e ainda, na poesia épica (Os Lusíadas).
 Toda lírica camoniana “espelha a confissão duma torturada vida interior, feita de
paradoxos e incertezas, a reflexão feita em torno de magnos problemas que lhe
assolavam o espírito, não só provocados pelas suas vivências pessoais, mas a tomada
de consciência duma espécie de inquietação universal”.
 Camões explorou grandes temas como: o amor, a saudade, a tristeza, a natureza, a
religião.
 Em seus sonetos (em sua lira), Camões procurou, através de sua angústia amorosa
(amores não correspondidos) cantar suas dores e seus sofrimentos; suas paixões pelas
belas mulheres portuguesas.
 O poeta Camões recebeu influências do poeta italiano Petrarca.
 A sua poesia recebeu, também, influências clássicas, como por exemplo, de Platão.
 Poesia de elevação sentimental, análise íntima, dramática e racional do sentimento
amoroso; por tentar analisar “racionalmente” o amor, cai quase sempre nos paradoxos
entre ter e ser, amar a mulher ou a imagem da mulher? Viver para amar ou amar para
viver?
 Poesia de perfeição geométrica, sem abuso de artifícios; tudo nela parece estar no
lugar certo; nada falta, nada sobra; sintaxe elegantíssima e melodiosa.

Doces águas e claras do Mondego,

Doces águas e claras do Mondego,


doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo após si me trouxe cego:

de vós me aparto; mas, porém, não nego


Que inda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança;
mas quanto mais me alongo, mais me achego.

Bem pudera Fortuna este instrumento


d' alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;

mas alma, que de cá vos acompanha,


nas asas do ligeiro pensamento,
para vós, águas, voa, e em vós se banha.
Luís Vaz de Camões
Análise:
Além de expressar a deia recorrente na poesia clássica de que o cenário bucólico é o
motivo de contemplação e de reflexão, o poeta atribui as doces e claras águas do rio
Mondego o papel de testemunho dos seus sofrimentos amorosos. Assim, ao despedir-se
do rio, o eu-lírico deseja que as águas possam revelar à mulher amada as lágrimas por ele
vertidas e que ela, comovida, igualmente aumente a torrente do rio com o próprio pranto.
Através da imagem – rio depositário (“doce repouso de minha lembrança”) e revelador
de lembranças e sofrimentos (“mas a lama, que de cá vos acompanha, /nas asas do ligeiro
pensamento, /para vós, águas, voa, e em vós se banha”) – o texto
ganha um tom dramático e ressalta-se a dor do eu-lírico, causada pela ausência da amada.
O poeta tem consciência de que despedir-se do lugar, que evoca a amada, não promove
aquietação da alma , na verdade, a dor parece avivar-se quanto mais distante do Mondego
ele está: “mas quanto mais me alongo , mais me achego.”

I – Mondego: Rio que banha Coimbra.


II – Após si – Atrás de si.

Que me quereis, perpétuas saudades?

Que me quereis, perpétuas saudades?


Com que esperança inda me enganais?
Que o tempo que se vai não torna mais,
E se torna, não tornam as idades.

Razão é já, ó anos, que vos vades,


Porque estes tão ligeiros que passais,
Nem todos pera um gosto são iguais,
Nem sempre são conformes as vontades.

Aquilo a que já quis é tão mudado,


Que quase é outra cousa, porque os dias
Têm o primeiro gosto já danado.

Esperanças de novas alegrias


Não mas deixa a Fortuna e o Tempo errado,
Que do contentamento são espias

Quanta incerta esperança, quanto engano!


Quanta incerta esperança, quanto engano!
Quanto viver de falsos pensamentos,
pois todos vão fazer seus fundamentos
só no mesmo em que está seu próprio dano!

Na incerta vida estribam de um humano;


dão crédito a palavras que são ventos;
choram depois as horas e os momentos
que riram com mais gosto em todo o ano.

Não haja em aparências confianças;


entende que o viver é de emprestado;
que o de que vive o mundo são mudanças.

Mudai, pois, o sentido e o cuidado,


somente amando aquelas esperanças
que duram pera sempre com o amado.

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