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UMA BREVE HISTÓRIA DA ÁFRICA – 2 ª Edição

AIRTON DE FARIAS

1 INTRODUÇÃO

Mama África
A minha mãe
É mãe solteira
E tem que
Fazer mamadeira
Todo dia
Além de trabalhar
Como empacotadeira
Nas Casas Bahia...(2x)
Mama África, tem
Tanto o que fazer
Além de cuidar neném
Além de fazer denguim
Filhinho tem que entender
Mama África vai e vem
Mas não se afasta de você...
Mama África
A minha mãe
É mãe solteira
E tem que
Fazer mamadeira
Todo dia
Além de trabalhar
Como empacotadeira
Nas Casas Bahia...
Quando Mama sai de casa
Seus filhos de olodunzam
Rola o maior jazz
Mama tem calo nos pés
Mama precisa de paz...
Mama não quer brincar mais
Filhinho dá um tempo
É tanto contratempo
No ritmo de vida de mama...
Mama África
A minha mãe
É mãe solteira
E tem que
Fazer mamadeira
Todo dia
Além de trabalhar
Como empacotadeira
Nas Casas Bahia...(2x)
É do Senegal
Ser negão, Senegal...
Deve ser legal
Ser negão, Senegal...(3x)
Mama África
A minha mãe
É mãe solteira
E tem que
Fazer mamadeira
Todo o dia
Além de trabalhar
Como empacotadeira
Nas Casas Bahia...(2x)
Mama África
A minha mãe
Mama África
A minha mãe
Mama África...

Mama África
Chico César

Em algum lugar, você estudou que o homem surgiu na África, há milhões de


anos, e depois passou a povoar o planeta. Apareceram, depois, várias civilizações,
dentre as quais a egípcia, que todo mundo lembra pelo rio Nilo, pelas pirâmides, pelas
múmias... Mencionávamos aquele continente de novo, indiretamente, quando falávamos
do Império Romano, dos Árabes, da Expansão Marítima Europeia e da escravidão dos
negros, trazidos à força e aos montes para a América. Pronto. Era isso que até bem
pouco tempo estudávamos sobre a África. Num País como o Brasil, construído em três
séculos de escravismo negro, não sabíamos quase nada sobre o que havia no Continente
Negro! Era como os africanos não tivessem passado e fossem meros coadjuvantes numa
história cujos “atores principais” eram os brancos e europeus...
Recentemente, com a força dos movimentos negros no Brasil, surgiu toda
uma preocupação em falar dos africanos, não apenas como escravos, mas entendê-los
quanto à cultura, religião, cotidiano, costumes, enfim, como agentes históricos
destacados. Estas páginas são uma pequena contribuição para este novo olhar sobre a
África, mãe de todos nós. Esperamos que você curta e, por que não, se identifique com
o que estudará.
Os povos e sociedades da África apresentavam aspectos diversos e viveram
processos históricos variado, que devem ser entendidos como uma parte natural da
história da Humanidade. Não eram sociedades perfeitas (tinham muitas contradições,
como a escravidão) e muito menos constituíam-se povos “inferiores”, “selvagens” ou
“exóticos”.
É fundamental ressaltar a diversidade que marca a história africana. É quase
impossível falar da África no singular, de uma só África. É um continente com 30
milhões de quilômetros quadrados de superfície, que abrigou diversas civilizações,
milhares de etnias, com origens, trajetórias e culturas distintas (embora existam
elementos culturais comuns também, óbvio). A própria noção de "africano" não existia
entre os escravos até o século XIX. A identidade de cada povo, que o mundo
escravocrata dissolvia, ainda assim prevalecia sobre a ideia da identidade africana, da
África como terra de todos. Esta só se desenvolveria na própria África nos séculos XIX
e XX, a partir das lutas de independência, que, por sua vez, culminariam, mais adiante,
em ideários como o do pan-africanismo.
O termo África não tem origem definida. Há quem afirme que deriva de
Avringa ou Afri, nome de uma tribo Berbere que na antiguidade habitava o norte do
continente; outros dizem que significa “façanha”, “proeza”, “valentia”, “algo difícil de
realizar”, termo usado pelos europeus evidenciando as dificuldades de se conquistar o
continente. O nome África começou a ser usado pelos romanos a partir da conquista da
cidade de Cartago para designar províncias a noroeste do Mar Mediterrâneo africano,
onde hoje situam-se a Tunísia e a Argélia. No século XVI, com a necessidade dos
Europeus (especialmente os portugueses) de avançarem para o interior e para o sul do
continente negro, o nome África generalizou-se para todo o continente.
Ao longo da história, houve diversos tipos de sociedades no continente.
Algumas não tinham Estado, ou seja, eram sociedades onde predominavam as formas
familiares de organização social – geralmente famílias cujas origens remontavam a
um deus ou herói fundador, muitas vezes sob a forma de um animal. Na unidade
familiar, o homem controlava filhos, esposas, parentes mais pobres e outros
dependentes. Era a partir dessas unidades familiar que se constituíam as aldeias e os
núcleos comerciais. Poderia até haver ofícios e saberes especiais ou específicos (um rei
ou um chefe, líder da linhagem; um curandeiro, que dominava os segredos da magia e
medicina, etc.; militares; mercadores, agricultores, etc.), mas no geral predominavam as
tradições e normas familiares, com laços de reciprocidade, fidelidade e vínculos de
parentescos, baseados em tradições e costumes mantidos pelos mais velhos, crenças
religiosas e práticas sociais. A maturidade e os conselhos dos mais velhos eram
valorizados, o que ajudava a conservar a ordem social familiar (embora, por outro lado,
fossem igualmente exaltados a virilidade e a coragem dos mais novos).
Geralmente a terra e/ou os rebanhos eram bens coletivos (isto é, não havia
propriedade privada ou individual: todos os membros da unidade familiar trabalhavam e
dividiam a produção). Os pais de família recebiam um lote de terra do chefe local e
tinham a obrigação de pagar um tributo em troca (geralmente parte da produção) ou
prestar trabalho. Por tal razão, os homens costumavam possuir várias mulheres e muitos
filhos para aumentar a produção – era o que ficou conhecido como “economia de
poligamia”. Nela, o pai era valorizado pelo tamanho da família e as mulheres, pela
quantidade de filhos. Também se entende assim a necessidade da escravidão doméstica,
quando mulheres e crianças de grupos inimigos eram sequestradas e reduzidas à
condição de cativas, para também ajudar na produção.
Poderiam, neste caso de sociedades sem Estado, existirem povos nômades,
cujos grupos vivendo do comércio, coleta e caça, da agricultura ou do pastoreio, se
deslocavam sempre que as condições climáticas ou as oportunidades de negócios assim
os obrigassem. Outros povos eram sedentários, vivendo da agricultura (normalmente
modesta, na base da enxada e do machado) e do pastoreio. No trabalho, os homens
ficavam com a tarefa de desmatar a terra, enquanto as mulheres cultivavam, embora a
colheita fosse uma atividade coletiva.
Havia sociedades de Estado, que se organizaram como grandes
civilizações, guiadas por uma dinastia dominante, com economias diversificadas
(artesanato, mineração, comércio, etc.) e obras de irrigação e destacadas construções,
expandindo-se e dominando e explorando outros povos – nesses casos, a organização
social familiar e o trabalho coletivo das comunidades aldeãs poderiam continuar
existindo, embora a posse da terra passasse a ser de grandes proprietários ou do Estado.
As comunidades tiravam o sustento, mas deveriam prestar serviços e entregar parte da
produção ao dominador, num regime de servidão coletiva. Outras vezes, a população
conquistada acabava escravizada e ocorria mesmo de povos serem dominados e
manterem a organização familiar praticamente inalterada! Impérios lutaram entre si,
conheceram épocas esplendorosas, construíram grandes obras arquitetônicas,
produziram extraordinários conhecimentos, entraram em decadência...
A África apresenta duas regiões bem delimitadas. Ao norte, temos a África
Mediterrânea ou Setentrional; a outra área, ao sul, a África Subsaariana. Ambas as
áreas são divididas pelo deserto do Saara. Este é importante para compreender vários
aspectos da história da África, pois era uma barreira que dificultava os contatos entre os
grupos de ambos os lados. Apesar disso, os contatos existiram, impulsionados
especialmente pelos povos nômades do Saara, a exemplo do berbere, que usavam o
camelo em suas atividades comerciais. Esse animal facilitava o transporte pelo deserto e
possibilitava a condução de pessoas e mercadorias como sal, grãos, metais, etc.
Os povos da África setentrional foram muito influenciados pelas
civilizações mediterrânicas, a exemplo de gregos, romanos, fenícios e árabes – por tal
razão, muitos chamam o norte de “África branca ou árabe”. Já a África Subsaariana
permaneceu mais isolada, espalhada entre florestas, savanas e estepes, embora também
mantivesse contato, sobretudo através do comércio. Nessa região, mereceu importância
os rios Niger e Senegal. Aí surgiram vários povos que negociavam ouro, peles,
artesanatos e escravos com as caravanas saarianas. No sul também se desenvolveu a
caça, o pastoreio, a pesca e a agricultura. Como a população ao sul é
predominantemente negroide, é chamada muitas vezes de “África negra”.
Como se percebe, a África também apresenta uma geografia variada, com
planícies, planaltos, montanhas, desertos, florestas, savanas, etc. É um continente
compacto, sem grandes recortes, ou seja, não tem muitas baias, enseadas, etc.

A “borda” ao sul do Saara é chamada de Sahel, entre Guiné (a oeste) e o mar vermelho
(ao leste). É uma área historicamente de contato entre os povos do norte e do sul da
África, fosse através do comércio ou de guerras – não é à toa q ainda hoje há vários
conflitos étnicos nesta região. Ali também há muitas riquezas minerais e surgiram
importantes reinos africanos.

2 UMA VISÃO GERAL

A África é tida como o “berço da humanidade”. Cientistas creem que os


primeiros ancestrais dos seres humanos tenham vivido ali a cerca de 4,4 milhões de
anos. Em 2009, por exemplo, foram encontrados na Etiópia os restos do esqueleto de
uma fêmea (o mais antigo fóssil de um hominídeo até hoje achado), reforçado ainda
mais essa tese. Em torno de 200 mil e 150 anos atrás surgiu igualmente nas terras
africanas o homo sapiens, possivelmente nas áreas fronteiriças das atuais Angola e
Namíbia. Acredita-se que há 50 mil anos o homem tenha deixado a África, espalhando-
se pelo resto do planeta.
Se foi a região onde primeiro surgiu o homo sapiens, a África conheceu a
metalurgia pouco depois dela aparecer, no século V a.C., na região da Anatólia, atual
Turquia. À época das primeiras grandes civilizações da Antiguidade, o Egito, o porto
mediterrânico de Alexandria, a Núbia – articulada aos circuitos do Mar Vermelho pelo
porto de Axum, na atual Etiópia – e cidades como Zanzibar, no Oceano Índico,
estiveram ligados a circuitos comerciais e culturais do Mediterrâneo e do Oriente.
No final do século I, o cristianismo chega ao continente, através do Egito,
propagando-se e chegando à Etiópia. Com a expansão do Islã no século VII, o
cristianismo se retraiu. Apenas a partir do século XV, com a expansão marítima
europeia, feita sob o discurso da “difusão da fé cristão”, que missionários europeus
passaram a atuar com mais intensidade na conversão dos nativos africanos,
especialmente no sul do continente.
Como eram grandes os contatos comerciais e culturais entre o
norte/nordeste da África e os árabes, não surpreende que toda a região do Saara e seu
entorno, e partes das costas índicas (ou seja, litoral oriental africano), adotassem o
islamismo como religião e sua forma de vida por volta do século VII, atribuindo-lhe,
porém, algumas vezes características próprias. Em muitos lugares a fé em Alá e os
cultos ancestrais conviveram, noutros a conversão ficou restrita ao soberano e à
aristocracia, enquanto as pessoas comuns continuavam a professar as crenças herdadas
dos antepassados. Mas também se viu a conversão de populações inteiras, fosse para
escapar do risco do cativeiro, já que apenas os infiéis podiam ser escravizados, fosse por
sincera convicção religiosa.
O islamismo foi propagado pela força da palavra (ação de professores e
místicos), dos acordos comerciais e, principalmente, das armas. Eram as guerras santas,
as jihad, destinadas a islamizar populações, converter líderes políticos e escravizar os
“infiéis”, ou seja, quem se recusasse a professar a fé em Alá. Um dos primeiros povos a
se converter ao islamismo, na África do Norte, foi o berbere, que, em suas andanças
comerciais, ajudou a difundir o novo credo. Foi tão forte a influência muçulmana
naquela área que a porção ocidental do norte da África ficou conhecida como Magreb
(em árabe, “oeste” – atuais Marrocos, Saara Ocidental, Argélia, Tunísia, Mauritânia e
Líbia).
O islã tentou expandir-se do norte africano em direção ao sul e leste, mas
esbarrou em alguns reinos cristianizados, como a Núbia e a Etiópia, embora possam ser
encontradas comunidades muçulmanas na chamada África sub-sariana. Árabes
igualmente fundaram comunidades islâmicas no litoral oriental africano, a exemplo do
atual Moçambique e as ilhas de Zanzibar.
No meio de populações nativas originariamente politeístas, os muçulmanos
se aproximavam dos monarcas e chefes, que os empregavam como administradores
letrados e se beneficiavam da suposta “superioridade” do Deus único do Islã para
ganhar batalhas e consolidar sua legitimidade. Com isso, crescia a adoção dos preceitos
muçulmanos pela população, embora os cultos tradicionais continuassem existindo e
não raramente se misturando com a nova fé – assim, por exemplo, tivemos tribos
islâmicas que mantiveram seus amuletos e curandeiros!

Os berberes (que chamam a si próprios Imazighen, ou seja, "homens


livres") são um conjunto de povos do norte de África. Ficaram famosos por viverem
como nômades no deserto do Saara. Desde a antiguidade, esse povo enfrenta as
tempestades de areia e a falta de água, para atravessar com suas caravanas (chamadas
de “cáfilas”) aquele território, fazendo comércio. Costumavam comercializar diversos
produtos, tais como: objetos de ouro e cobre, sal, artesanato, temperos, vidro, plumas,
pedras preciosas, escravos, etc.
Costumavam também parar nos oásis para obter água, sombra e descansar.
Utilizavam o camelo como principal meio de transporte, graças à resistência deste
animal e de sua adaptação ao meio desértico.
Durante as viagens, os berberes levavam e traziam informações e aspectos
culturais. Logo, eles foram de extrema importância para a troca cultural que ocorreu no
norte do continente, a exemplo da difusão dos valores islâmicos.
Um povo ancestral dos berberes, os garamantes, chegou a abandonar o
nomadismo e a fundar um império em pleno deserto, nas proximidades de oásis. Isso
teria acontecido por volta do século V a.C. Sua capital era Garama ou Germa. Os
garamantes eram bons agricultores, engenheiros e mercadores. Foram capazes até de
construir um complexo sistema de irrigação subterrânea, o que os possibilitou
desenvolver a agricultura e a criação de animais no deserto. Negociaram também
escravos com Fenícia e depois com Roma.
Na Idade Moderna (séculos XV-XVIII), com as grandes navegações
europeias, as sociedades africanas do litoral atlântico e do sul do continente (até então
desconhecidos por povos de fora da África) também passaram a fazer parte de circuitos
de relações intercontinentais. Os portugueses no século XV buscavam descobrir rotas
para as especiarias das Índias e encontrar metais preciosos. Em pouco os lusitanos (e
outros povos europeus posteriormente) entrariam também no lucrativo negócio da
escravidão, que já era praticado pelos árabes. Algumas das sociedades africanas
forneceram grande parte da força de trabalho escravo utilizada na América.
É a partir de então que a história das sociedades africanas se aproxima da nossa. O
sistema colonial português incluía a África; a economia do Brasil dependia dos
africanos; o povo brasileiro se formou com a participação maciça dos afrodescendentes,
e a sua cultura, principalmente a popular, deve muito às contribuições das culturas
africanas trazidas pelos que foram escravizados em suas terras natais. Estas constatações
nunca foram questionadas, mas, mesmo assim, o olhar dos brasileiros raramente se
voltou para a África, e quando se voltava, o faziam com desprezo e preconceito.

Para justificar a escravidão e a conquista colonial, os europeus e as elites


brancas buscaram desprezar os negros e suas culturas, passando a ideia de que eram
“animais” e “inferiores”, sem “moral” e “supersticiosos”. Assim, a colonização e o
tráfico negreiro deveriam ser aceitos como partes de um “processo civilizatório”...
Chegou-se ao absurdo de, no século XIX, nações europeias exibirem negros e
indígenas em jaulas de zoológicos! No Brasil mesmo, por décadas, simplesmente
ignorou-se a história da África, afinal, para os setores dominantes, moldados pelo
pensamento etnocêntrico ocidental, o “ideal” seria estudar e copiar a “superioridade”
europeia.
Os povos da África, porém, apresentavam grandes conhecimentos em áreas
diversas, algumas vezes, bem mais complexos que os dos brancos europeus! O saber
médico e sanitário, os cálculos matemáticos e o universo astronômico existiam no
continente há séculos!
O conhecimento médico não estava apenas no Egito como estudamos
normalmente – relatos dão conta que um cirurgião inglês em 1879 ao visitar a região
africana que hoje compreende Uganda, testemunhou e registrou uma cesariana feita por
médicos do povo Banyoro, os quais demonstraram profundo conhecimento dos
conceitos e técnicas de assepsia, anestesia, hemostasia, cauterização e outros. Enquanto
isso, na Inglaterra, operários e seus familiares morriam em quantidade devido as
péssimas condições sanitárias advindas com a Revolução Industrial...
No Mali, operavam-se os olhos removendo as cataratas. No Egito, há a
cerca de 4.600 anos já se fazia a cirurgia para a retirada dos tumores cerebrais. Os
Banyoro, também, detinham há séculos o conhecimento acerca da vacinação e da
farmacologia. Assim, conclui-se que as técnicas médicas e terapêuticas africanas não
estavam voltadas, somente, para o mundo mágico, como durante séculos os
conquistadores brancos difundiram. Em outras palavras, havia um estudo racional e
dirigido para prevenir e remediar doenças.
O conhecimento dos Dogon, no Mali, em relação à astronomia é antigo.
Dados informam que conheciam, desde 5 ou 7 séculos antes da Era Cristã, o sistema
solar, a Via Láctea com sua estrutura espiral, as luas de Júpiter, os anéis de Saturno, já
compreendiam que o universo é habitado por milhões de estrelas e que a lua era deserta
e inabitada, sendo refletida pelo sol à noite!
Inúmeros foram os povos africanos que lidaram com a metalurgia há
milhares de anos. O povo Haya (povo de fala banto, habitante de uma região da
Tanzânia, perto do Lago Vitória) entre 1500-2000 anos atrás, produzia aço em fornos
que atingiam temperaturas mais altas que os fornos europeus do século XIX. Uma
obra de engenharia bastante impressionante são as ruínas da muralha do complexo
urbano do Grande Zimbábue, uma monumental construção onde as pedras foram
colocadas uma em cima da outra, sem cimento, de forma semelhante às construções
dos Incas no Peru.

O comércio de escravos intensificou os conflitos internos e os desequilíbrios


populacionais africanos. No final do século XVIII, os movimentos liberais europeus em
expansão intensificaram as críticas à escravidão. Na Inglaterra e França nasceram o
movimento abolicionista. Aos poucos, o tráfico e a escravidão foram deixando de
existir.
O distanciamento radical entre o Brasil e a África ocorreu não só devido ao fim do
tráfico de escravos, em 1850 (Lei Eusébio de Queiroz), e à interrupção do fluxo de
entrada de africanos, mas também devido à adoção, por parte da elite política e
intelectual brasileira, das ideias evolucionistas e racistas então predominantes na
Europa. Com a lei que aboliu a escravidão (1888) e a instauração do regime republicano
(1889), o negro ficou associado a uma situação de atraso, a um Brasil “arcaico” que a
elite queria deixar para trás, tanto por remeter a um passado escravista como a uma
África entendida como “primitiva”.
Vale lembrar que a escravidão interna na África não cessou por completo no
século XIX e demorou ainda algum tempo para acabar, o que foi feito lentamente. No
Congo, a escravidão durou até 1889, no Senegal até 1892, na Gâmbia, até 1894, na
Nigéria, até 1900 e em Serra Leoa até 1928!
Em meados do século XIX, um novo processo de conquista europeu da
África começou a acontecer: era o neocolonialismo/imperialismo, ligado à
consolidação do capitalismo e à Revolução Industrial europeia. Praticamente toda a
África foi repartida entre ingleses, franceses, belgas, alemães e italianos. A segregação
racial tomou grandes proporções: os brancos e descendentes de europeus passaram a ser
os donos das terras e riquezas, discriminando a maioria negra nativa. Um exemplo dessa
herança na história do continente foi o regime do Apartheid na África do Sul, ao longo
do século XX.
A partir dos anos 1950, os países africanos conseguiram a independência
política. Entretanto, os colonizadores impuseram fronteiras artificiais que deram origem
aos novos países. Separaram grupos humanos pertencentes às mesmas tribos, com
dialetos e costumes comuns; e mantiveram, através de legislação imposta aos novos
governos, a hegemonia europeia. Isso gerou violento processo de segregação racial na
qual o africano foi considerado inferior em sua própria pátria. As consequências foram
guerras, massacres, genocídios entre os próprios africanos e uma estrutura social injusta.
No Zimbábue atual, por exemplo, 2% da população branca detêm a quase totalidade das
terras e da economia...

3 KUSH

Na Antiguidade, a África apresentou uma enorme diversidade de povos e


civilizações. A mais conhecida por nós foi a egípcia, muitas vezes, porém, vista apenas
como uma civilização mediterrânea. O Egito, na verdade, apresentava grandes
influências e contatos com o interior da África – hoje se sabe mesmo que boa parte da
população egípcia era negra!
Ainda na Antiguidade, por volta de 1700 a.C., ao sul do Egito, na região
mais tarde conhecida como Núbia (onde hoje se encontra o Sudão) houve a civilização
Kush. Os núbios apresentavam a pele bem escura (daí a palavra Sudão, que em árabe
significa “Terra de Negros”). Esse povo tinha como capital de inicio a cidade de Kerma,
tida como a cidade mais antiga da África com fundação por volta de 2500 a.C.
As relações entre Egito e Kush eram de influência mútua e disputa. Afora a
intensa atividade que os dois povos praticavam, as minas de ouro da Núbia sempre
despertaram a atenção do Egito. No século XV a.C., após várias investidas, os egípcios
finalmente conquistam Kuhs, erguendo ali varias fortalezas para vigilância e controle.
Por volta de 900 a.C., Kush obteve sua independência do Egito, passando a
possuir uma nova capital, Napata, a qual se destacou pelo caráter religioso, com
diversos templos de culto aos deuses. A civilização de Kush tornou-se uma grande
potência africana, expandindo seu território e chegando mesmo a dominar o Egito entre
750 e 700 a.C. – esses governantes kushtas que dominaram o Egito ficaram conhecidos
como Faraós Negros.
Em Kush, existia a crença na origem divina dos governantes: o rei, quando
não era tido como um deus, era concebido com um representante das divindades na
Terra, sendo sagrado por uma série de rituais (isso não nos lembra o faraó egípcio?). O
povo de Kush desenvolveu uma escrita hieroglífica até hoje não decifrada e construiu
pirâmides como as egípcias, embora menores. As mulheres tinham algum prestígio na
sociedade kush, ocupando, inclusive, posições de poder – destacaram-se em sua história
varias rainhas, como Amanirenas, que em 23 a.C., com um poderoso exército,
conseguiu barrar a expansão do Império Romano no norte da África. Conta-se que os
kushitas colocaram um busto do imperador romano Otávio Augusto na entrada de um
templo, para que todos pisassem em sua cabeça...
Os kushitas acreditavam que a fertilidade do solo, as chuvas e o bem-estar
da comunidade dependiam da vontade de seu monarca. Quando este adoecia, era um
desastre para o Reino, pois tudo poderia ruir! Ao falecer, o rei era enterrado com grande
pompa juntamente com as mulheres e comitiva. Raramente via-se o rei público e, no
geral, dava audiência atrás de uma espécie de cortina e comunicava essencialmente
através de porta-vozes. Não podia ser visto a realizar simples atos “mundanos” como
comer e beber. Abaixo do rei havia uma hierarquia de grandes funcionários (nobres),
sacerdotes e militares, que se ocupavam da corte e impunham a ordem e os tributos aos
súbditos das comunidades camponesas, submetida ao regime da servidão coletiva.
Por volta de 593 a.C, a cidade de Nepata foi dominada pelos egípcios. Com
isso, os kushitas transferiram sua capital para Meroé, numa área mais fértil e mais
próxima de importantes rotas comerciais do norte africano. Não surpreende, portanto,
que Meroé tenha se transformado num importante centro comercial, mantendo negócios
com gregos, romanos, sírios, árabes, persas e até indianos! A economia de Kush
baseava-se, sobretudo, no comércio produtos agrícolas, de pedras preciosas, madeira,
pele e marfim (presas de elefantes). Era um ponto estratégico para o comércio entre os
povos do deserto do Saara, o leste da África e o mediterrâneo. Região rica em ferro e
ouro, Kush influenciou também vários povos quanto à metalurgia.
Não se sabe bem como ocorreu o declínio deste império, mas há quem
associe isso à expansão do Império Romano no norte da África, que passou a controlar
várias rotas comerciais. Com isso, Kush ficou cada vez mais isolada e, embora
mantendo sua autonomia, entrou em decadência. O território de Kush foi aos poucos
sendo invadido por tribos rivais, em especial o reino de Axum que, por fim, atacou
Meroé no ano 325 da Era Cristã e a destruiu. Com a expansão árabe a partir do século
VIII, a região aderiu ao Islamismo.

4 AXUM

A Etiópia é hoje uma das nações mais pobres do mundo. No passado,


porém, chegou a ser uma das potências da África e foi berço de uma das primeiras
civilizações cristãs do continente, a de Axum.
Axum (também escrito como Aksum) foi um reino africano do leste do
continente, próximo ao Mar Vermelho. Afora a agricultura, criação de animais e caça, o
povo axum se destacou no comércio, afinal, apresentava uma posição privilegiada. Sua
capital era a cidade de Aksum, que se encontrava diretamente no caminho das
crescentes rotas comerciais entre a África, a Arábia, a Pérsia e a Índia. Como resultado
da intensa atividade comercial, o reino de Axum tornou-se fabulosamente rico e as suas
maiores cidades tornaram-se centros cosmopolitas, com populações de judeus, núbios,
cristãos e até budistas. Dessa forma, Axum apresentava grande intercâmbio étnico e
cultural, destacando-se a influência árabe, romanas e helenística – não é coincidência
que embora falassem gueze, os axumitas usavam o idioma e o sistema numérico gregos.
Afora capital Aksum, eram cidades mais prósperas as dos portos do Mar Vermelho de
Adulis e Matara, na atual Eritreia
No século I, os axumitas passaram a aderir ao cristianismo, que se tornou a
religião oficial do reino no século IV – o rei Ezana (300-350) se converteu à nova
religião, o que levou cada vez mais setores da sociedade local a abraçar aquela fé. A
Igreja Cristã-Católica tornou-se bastante rica e influente na Etiópia, justificando o poder
dos governantes e a exploração dos camponeses. Os monarcas axumitas acreditavam ser
descendentes do rei Salomão e da Rainha de Sabá.
De acordo com a Torá e o Velho Testamento, a rainha da terra de
Sabá/Etiópia (cujo nome, Makeda, não é mencionado nos textos) teria ouvido sobre a
grande sabedoria do rei Salomão, e viajado até Israel com presentes (especiarias, ouro,
pedras preciosas, e belas madeiras) pretendendo testar o monarca hebreu com
perguntas. O relato prossegue apontando a rainha como maravilhada pela grande
sabedoria e riqueza do rei Salomão, e pronunciando uma benção sobre a divindade do
rei. Salomão respondeu, por sua vez, com presentes e "tudo o que ela desejou", após o
qual a rainha retornou ao seu país. A tradição etíope posterior afirma que o rei Salomão
seduziu e engravidou sua convidada – isso tem uma importância considerável para o
povo etíope, já que a linhagem de seus imperadores remontaria àquela união.

O poderio comercial e alianças políticas feitas com o Império Romano


levaram a Axun a se fortalecer no século IV. Com isso, conquistou o norte da Etiópia, o
sul da Península Arábica e, finalmente, o reino de Kush. Com a expansão islâmica no
século VIII, Axum entrou em atritos com os árabes – o porto de Adulis foi destruído.
Sob o discurso de disputas religiosas, havia interesses no controle de rotas comerciais e
áreas com riquezas minerais. Gradativamente, Axun foi se enfraquecendo, até
desaparecer diante de novos ataques árabes-islâmicos.
Vale lembrar que o termo Etiópia foi atribuída àquela região africana pelos
gregos desde pelo menos o século IV a.C. Em grego, althiops significa “pele escura” ou
“cara queimada”. A região foi também historicamente chamada de Abissinia.

5 GANA

Entre os séculos IX e XV surgiram importantes reinos a região do Sahel, em


particular nas áreas próximas ao delta do rio Níger, a exemplo de Gana, Mali e Songai.
Aquela região era conhecida então como Sudão Ocidental e ficou famosa pelo controle
das minas de ouro e das rotas de comércio da região norte africana. Tais reinos
comercializavam com várias regiões do mundo, como a Europa, a Península Árabe e o
Oriente. Tal comércio era feito através de rotas de caravanas que atravessavam o deserto
do Saara, bem como através de rotas marítimas, que vencendo o Oceano Índico,
atingiam a Índia e a China. Afora o comércio, havia igualmente as trocas culturais e de
conhecimentos. A riqueza desses reinos africanos era tão famosa na Europa medieval
que o oeste da África era conhecida como a “Terra do Ouro”, um território dos mais
rico e próspero do mundo.
Gana (que não deve ser confundida com o país atual) surgiu no século IV,
constituindo-se ao longo dos séculos um dos maiores poderosos impérios do continente
africano, com territórios abrangendo os atuais Mali e Mauritânia, numa área de
transição entre o deserto do Saara e as florestas tropicais, e sem saída para o mar.
Embora apresentasse o comércio, a agricultura e a criação de gado como atividades
econômicas de destaque (sua posição era estratégica para as rotas mercantis entre Norte
da África, Egito e Sudão), a riqueza de Gana estava na extraordinária quantidade de
ouro extraída do subsolo. Estima-se que até a conquista da América, Gana tenha sido o
principal fornecedor de ouro para europeus e árabes. Os ganenses trocavam o ouro
principalmente por sal (raro nas savanas e que apresentava quase o mesmo valor do
ouro).
A produção aurífera permitia manter cidades como a capital, Kumbi Saleh,
com mais de 15 mil habitantes e um poderoso exército com 200 mil soldados, dos quais
40 mil arqueiros, que protegiam as rotas comerciais que cruzavam o país. Os principais
produtos comercializados eram o sal, tecidos, cavalos, tâmaras, escravos e ouro. Toda a
atividade comercial era controlada pelo Estado. Entre os centros urbano-comerciais
mais importantes, destacava-se a cidade de Bambuque. O ouro era muito negociado com
os árabes, que o usavam para fabricar moedas.
Curiosamente, Gana não foi um império expansionista – não pretendia
ampliar seu território conquistando outros povos. As populações de Gana, contudo,
tinham que trabalhar nas terras da nobreza, pagar tributos e servir como soldados ao rei
(este tinha o título de “gana”, ou seja, “senhor do ouro”, daí o nome do reino, embora as
pessoas chamassem aquelas terras de Uagadu, “País dos Rebanhos”).
A sucessão de Gana, como em alguns outros povos africanos, era
matrilinear: era o filho da irmã do rei que herdaria o trono. O rei era rodeado de pompa
– usavas roupas de luxo e colares de ouro. Ao avistar o monarca, todos batiam palmas,
curvavam-se até o chão e jogavam areia sobre as cabeças. Politeístas a principio, entre
as divindades mais cultuadas de Gana estava o Deus-Serpente – inclusive, a serpente era
tida como guardiã do Estado, e quando o rei morria, uma era trazida para escolher o
novo monarca, ao picar um dos pretendentes. Depois, boa parte da população de Gana
converteu-se ao islamismo.
A Gana atingiu seu auge no século VIII, mas o esgotamento das minas, a
expansão do islamismo (com o ataque de berberes convertidos ao Islã) e as disputas
internas pelo poder contribuíram para seu declínio no século IX. Em 1240 foi
conquistado pelo povo Mali.

6 MALI

O Império Mali foi um verdadeiro herdeiro de Gana. Teria surgido por


volta do século XIII, na região do rio Níger (onde estão hoje Senegal, Níger e
Mauritânia). Atribuí-se a fundação de Mali a Sundiata Keita, chamado de Mari Djata (o
Leão do Mali). Relatos lendários sobre esse rei foram transmitidos pelos griots, nome
dado aos contadores de histórias os quais percorriam as savanas falando ao povo dos
acontecimentos. Até hoje tais lendas ainda são relatadas, fazendo parte da cultura da
África Ocidental. Para os africanos, a oralidade é de grande importância. A palavra tem
origem divina, não devendo ser usada de forma imprudente.

Muitas lendas contam da origem de Sundiata Keita, o “Leão do Mali”. Filho do rei
Naré, nasceu com deficiência motora e mental – foi uma criança que não podia andar e
falar. Quando inimigos conquistaram o Mali e assassinaram toda a família real,
Sundiata foi poupado, pois acreditaram que ele não representa nenhum perigo. Os
conquistadores lamentariam esse erro depois...
Sundiata refugiou-se no Gana e ali tornou-se um mago poderoso, a ponto de curar
suas enfermidades. Virou igualmente um grande caçador e guerreiro. Formou, então,
um poderoso exército com soldados, arqueiros e cavaleiros para libertar a terra natal. A
notícia da vinda de Sundiata deixou eufórico o povo do Mali.
O chefe dos invasores também era um feiticeiro que, porém, tinha um ponto fraco:
poderia ser destruído pelo esporão de um galo branco.
Ao saber disso, Sundiata construiu um arco de madeira com um esporão branco
numa das extremidades para a batalha decisiva, em Kirina. No momento final do
confronto, Sundiata lançou a flecha “especial” de seu arco e atinge o ombro do
adversário. Este, enfraquecido, ainda conseguiu fugir, mas perdeu sues domínios.
Sundiata, então, foi proclamado “rei dos reis”. Era o nascimento do Império Mali.
Tal como o nascimento, a morte de Sundiata Keita encontra-se envolvida em
mistérios. Segundo uma versão, ele morreu durante uma cerimônia, atingido por uma
flecha. Outra versão diz que morreu afogado em circunstâncias inexplicáveis. O que se
sabe é que realmente faleceu por volta do ano 1255.

Após conquistar Gana, o mansa (rei) Sundiata Keita expandiu ainda mais o
território mali, constituindo-se uma dos maiores e mais importantes impérios da África.
Entre as várias etnias da população malinesa, estavam os mandigas, os quais, depois no
século XVI, foram escravizados e mandados para o Brasil.
Dentro das fronteiras do Mali estavam áreas ricas em sal e, sobretudo, as
três principais minas de ouro da região – daí obviamente que vinha a riqueza do
Império. O comércio igualmente se apresentava importante, pois rotas comerciais saiam
do Mali em direção ao norte do continente, passando pelo Saara e atingindo o Egito. A
cidade de Jenné era um grande centro comercial e agropecuarista – seus habitantes
criavam gado e produziam milhete (espécie de milho com grãos menores), sorgo, arroz
e artesanato de couro, algodão, ouro, etc., produtos que eram conduzidos em canoas e
negociados ao longo do rio Níger.
Um dos traços deste império foi a tolerância cultural com os povos
conquistados, que tinham respeitados seus costumes. Abubakari II, um outro
governante famoso do Mali, enviou no século XIV uma expedição com mais de dois mil
pequenos barcos, “para ver até onde ia o mar” (oceano Atlântico). Dessas embarcações,
nenhuma retornou. Apesar disso, estudiosos levantaram a hipótese de que aqueles
navegantes tenham talvez chegado à América, “descobrindo” o continente antes de
Colombo. Não há, porém, nenhuma prova acerca dessa possibilidade. Contudo, o
envido da expedição por si própria mostra o preparo marítimo do povo mali e sua
organização político-social para bancar uma aventura dessas!
O Império Mali conheceu o apogeu no início do século XIV, durante o
reinado de Mansa Mussa. Convertido ao islamismo, fundou escolas muçulmanas na
capital Tombuctu, trazendo sábios árabes para ministrar aulas – o que não surpreende,
afinal, uma das obrigações do islâmico é ler o livro sagrado (Alcorão). Com isso, além
de certo comercial, Tombuctu virou centro de estudos religiosos. Também foram
fundadas universidades, atraindo pessoas de toda África em busca de conhecimento.
Conta-se que havia um intenso comércio de livros, cujo lucro era maior do que de várias
outras mercadorias...
Para impressionar os governantes árabes e mostrar o esplendor do Mali,
Mansa Musa realizou em 1324 uma peregrinação a Meca (cidade sagrada islâmica,
situada onde hoje é a Arábia Saudita) com uma comitiva de 15 mil pessoas e bastante
ouro (duas toneladas), distribuído fartamente! Foi tanto ouro dado que o preço do metal
se desvalorizou! Tal fato tornou o Mali bastante conhecido, a ponto dos mapas europeus
citá-lo. De volta ao Mali, mandou construir a grande mesquita (templo islâmico) de
Djinger-ber, em Tumbuctu, tida com uma joia da arquitetura universal.
Depois do reinado de Mansa Mussa, o Mali teve dificuldade de manter um
território tão vasto. Ataques externos (sobretudo dos tuaregues, motivados pelas
riquezas do Império) e disputas internas pelo poder marcaram o inicio da decadência
daquele poderoso império. Vizinhos fortes começaram a conquistar parte do território
mali. No século XV, o Império de Songai se tornou o mais importante da região.
Como outras civilizações da África, a religião do Mali era uma mistura de
várias influências, mesclando principalmente o islamismo e religiões tradicionais. Por
exemplo, a população alimentava-se com carnes suínas (o que é proibido pelo Islã) e
sacerdotes praticavam ritos com mascaras de pássaros. Por outro lado, as festas
muçulmanas eram feitas com luxo e todos tinham que aprender o Alcorão.

7 SONGAI

Do começo do século XV ao final do século XVI, o Império Songai foi


uma potência da África. Sua capital era a cidade de Gao, centro comercial cujas origens
estão no século VIII. Ao que parece, o povo songai era originário do noroeste da
Nigéria e lentamente expandiu-se, conquistando boa parte do território do Mali, quando
este entrou em decadência. Organizou-se na região do rio Níger, onde estão os atuais
países de Níger, Nigéria e Burkina Faso.
No ano 1000, parte do Império Songai aderiu ao islamismo. Um dos mais
importantes governantes foi Askia Mohammed, que da mesma forma que Mansa Musa
do Mali, também realizou uma luxuosa peregrinação a Meca em 1496, com quinhentos
cavaleiros, mil homens a pé e um tesouro de 300.000 peças de ouro, um terço
distribuído em esmolas durante a viagem! Vale ressaltar que a maioria da população
continuou com práticas religiosas tradicionais, mesmo quando convertida ao islamismo.
Cultuavam-se vários deuses e espíritos, como aqueles do trovão e do rio. Os curandeiros
eram respeitados pela população e protegiam as cidades contra as coisas ruins.
Com um poderoso exército, o Império Songai realizou varias guerras e
ampliou cada vez mais o território – chegou a ter mais de dois mil quilômetros. O
império era mais organizado que o do Mali, com controle forte por parte do Imperador e
dos altos funcionários públicos. A estrutura administrativa do reino de Songai era
bastante complexa: o território era dividido em quatro vice-reinos, havia um sistema
regular de arrecadação de impostos, prevalecia o sistema de pesos e medidas árabe e um
exército que chegou a contar com cerca de cinquenta mil escravos.
A economia girava em torno da agricultura, comércio, artesanato e
exploração das minas auríferas e salinas. O ouro e o sal serviam como moeda, embora
também fossem aceitos os cauris, conchas de moluscos. Os povos conquistados
deveriam pagar pesados tributos. Os lavradores e criadores de animais das aldeias
tinham que entregar parte da produção anualmente ao Estado – relatos dão conta que
sobrava muito pouco para as comunidades locais, as quais viviam na penúria. Escravos
eram igualmente empregados na produção, transportes de mercadorias e até no
comércio.
As cidades eram bastante populosas e muitas delas eram centros de estudos
religiosos e de direito – apresentava-se como destaque a Universidade de Sankore, em
Tombuctu (conquistada pelos songais) que chegou a ter mais de 25 mil estudantes!
Tinham grandes bibliotecas (com até 20 mil volumes!) e atraiam muitos pensadores. A
maioria das casas, como em outros locais do continente, era de argila e madeira, com
cobertas de palha, embora também se encontrassem templos e palácios feitos de pedra.
As cidades eram abastecidas com água canalizada do rio Níger.
A partir do século XVI, as riquezas de Songai, sobretudo ouro e sal,
despertaram os desejos de conquista do Império do Marrocos. Em 1591. O Marroco
conquista Songai, saqueando-o impiedosamente. Ainda hoje o povo songai habita a
África Ocidental, disperso no Mali, Niger, Nigeria, Burkina Faso, Benin e Nigéria.

8 IOURUBÁ E DAOMÉ

A região do Golfo da Guiné (que não corresponde ao país chamado hoje


por este nome) caracteriza-se pelas densas florestas e clima quente e úmido. Favorecida
pela quantidade de água, solos férteis e outros recursos naturais, alem de ser um local
estratégico comercialmente (era rota obrigatória para as pessoas e mercadorias vindas
do deserto em direção ao mar), não surpreende que ali tenham existido várias
civilizações, a exemplo da Iourubá, situadas no sudeste da atual Nigéria. Acredita-se
que os iorubás tenham migrado do nordeste africano (talvez do Egito) em várias levas
entre os séculos VI e XI.
Os Iourubás não tinha um Estado centralizado, apresentando-se divididos
em diversas cidades e aldeias. Os reis das cidades-estados eram chamados Obá ou oni,
tidos como representantes dos deuses. Das cidades-estados, a mais poderosa era Ilê Ifé,
grande centro comercial e, principalmente, religioso, tida mesmo como cidade santa e
que estaria “no centro do mundo” – segundo uma lenda, uma divindade chamada
Olorum (ou Olodumaré) teria descido dos céus nos inícios dos tempos e posto sobre as
águas um punhado de terras e uma galinha, que, ao ciscar, lançou a terra por todos os
lados, gerando o mundo. Era um povo profundamente religioso, adepto das tradicionais
religiões africanas e depois, do islamismo e cristianismo. Outras importantes cidades
eram Oyo e Benin.
Ficou famosa a produção artística dos iourubás, com mascaras, cabeças e
figuras de bronze, latão e barro cozido. Igualmente destacavam-se os tecidos de
algodão, as joias de ouro e as cerâmicas ricamente decoradas. Era uma sociedade
eminentemente urbana, com cidades grandes e populosas, sendo intensas as atividades
mercantis (ficaram conhecidos como um povo de comerciantes). Passa-se a ideia que a
sociedade era uma “grande família”, em que cada indivíduo tinha um papel a cumprir.
Logicamente que este tipo de ideia era ótima para o rei e demais membros das elites
governantes, não acha? No século XV, quando da Expansão Marítima Europeia,
Portugal chegou àquela região, passando a haver relações diplomáticas e comerciais
entre Portugal e Iourubá.
A civilização Iourubá entrou em decadência no século XVII, em virtude de
disputas internas pelo poder, pelas agressões dos europeus, pela escravidão e ataque do
rival povo peul (este vivia no que hoje é o Sudão). Os peules acabaram conquistando e
escravizando os iourubás. Vários destes serão escravizados e trazidos à força para a
América, onde com seu trabalho ajudaram a construir o Novo Mundo – no Brasil,
ficaram conhecidos como nagôs.
Outra grande civilização da região do Golfo da Guiné foi a de Daomé ou
Adomei (“No Ventre da Serpente”). Atualmente chamado de Benin, foi fundado no
século XVII, apresentando um governo fortemente centralizado e um poderoso exército.
O Reino de Daomé ficaria famoso pelo comércio de escravos negros (falaremos depois
sobre a escravidão na África) – as fortes tropas de Daomé expandiam o território,
atacando outros povos e os vendendo como escravos aos europeus (franceses, ingleses e
portugueses estabeleceram feitorias em Daomé). Desta região vieram para o Brasil
sobretudo aqueles escravos chamados de jeje. Muitos comerciantes brasileiros, em
especial da Bahia, ficaram famosos por negociar escravos em Daomé – o mais famoso
desses traficantes foi Francisco Félix de Souza, transformado em vice-rei do monarca
daometano. Com os lucros do comércio negreiro, Daomé transformou-se numa potência
africana.
Escravos eram também empregados na economia interna do reino de Daomé
– calcula-se que no século XIX um terço da população era escrava! Sua capital era a
cidade de Abomei, atual Porto Novo. Todo o comércio era controlado pelo rei que, que
também era proprietário das terras – eram exigidos impostos e a prestação de serviços
das pessoas que ali trabalhavam e tiravam o sustento. Adomei teve o auge no início do
século XIX, e igualmente destacou-se pela venda e produção de azeite de dendê,
cultivado em grandes plantações. O reino de Daomé acabou conquistado pela França no
século XIX.

Um dos fatos que mais chama a atenção no Reino de Daomé era a


existência de um corpo militar só de mulheres, verdadeiras “amazonas africanas”. Estas
eram selecionadas ainda jovens, treinadas para a guerra e funcionavam como uma tropa
de elite e guarda pessoal do rei.
O treinamento era duro, tornando-as preparadas para não ter medo,
enfrentar a dor, não temer a morte e ser extremamente leais ao monarca. Não podiam
casar-se, exceção feita àquelas designadas para serem esposas do rei.
Manejavam bem várias armas, sobretudo espadas, cutelos e fuzis. Conta-se
que a prova principal para ser aceita como membro dos batalhões de mulheres estava
em decapitar um homem e beber seu sangue.
Quando no século XIX ocorreu o ataque das tropas francesas (aliadas de
exércitos senegaleses) objetivando conquistar o reino de Daomé, as guerreiras foram
as que mais resistiram na defesa do povo daomeano. As valorosas guerreiras
assustavam e confundiam os invasores, pela valentia e intrepidez na arte da guerra,
enfrentando fuzis, baionetas e canhões e lutando bravamente corpo a corpo. Relatos
dão conta que muitas das guerreiras cortavam um dos seios e jogavam nos rostos dos
adversários, demonstrando valentia. Isso, contudo, não foi suficiente para evitar a
derrota de Daomé diante da superioridade armamentista do Império Colonial Francês.

9 CONGO, NDONGO E ZIMBÁBUE

O Reino do Congo estava localizado no sudeste africano, próximo à bacia


do rio Congo, no território dos atuais Angola e República do Congo (antigo Zaire).
Fundado no século XIII, sua capital, Mbanza Kongo (Cidade do Congo, depois
rebatizada de São Salvador), chegou a possuir mais de 30 mil habitantes, sendo do
tamanho das cidades europeias da época. Seu rei tinha o título de mani Congo. No
século XV, com a presença dos portugueses, quando da Expansão Marítima Europeia, o
cristianismo/catolicismo propagou-se no Reino, embora as práticas religiosas
tradicionais tenham continuado entre a maioria dos habitantes – a população resistiu
muito à monogamia (ou seja, ter um único cônjuge) dos cristãos... Muitos filhos das
elites congolesas e até o futuro rei Nzimga Mvember (convertido ao cristianismo com o
nome de D. Afonso) foram enviados para estudar em Portugal. O Congo Seria outra
área da África famosa pela realização do tráfico de escravos negros, mantendo intensos
contatos e negócios com Portugal e Brasil – foi dali que no decorrer do século XVI veio
a maior parte dos escravos negros para a América. Em busca dos produtos fornecidos
pelos portugueses, o Congo passou a investir continuadamente contra outros povos, para
obter escravos - não tardou, inclusive, de próprios congoleses serem reduzidos à
escravidão.
A aliança do Congo com Portugal, de quem obtinha contribuições técnicas
apoio militar, visava também fortalecer o reino em relação às rivalidades que mantinha
seus vizinhos inimigos. Apesar disso, a influência crescente de Portugal e o tráfico
negreiro provocaram tensões no Gongo e lusofobia (aversão aos portugueses),
sobretudo no século XVII.
O Congo apresentava terras férteis, boas para a agricultura. Os camponeses
cultivavam milhete (com os qual fabricavam o asida, antecessor de nosso cuscuz),
sorgo, bananeiras, inhames, etc., além de criar porcos, ovelhas, galinhas, entre outros
animais domésticos. Fabricavam também um vinho a partir de palmeiras, fortíssimo,
capaz de rapidamente embriagar. A moeda era os famosos zimbos, espécie de búzios.
Destacavam-se também como riquezas o marfim, as minas de cobre e a pesca. Os
congoleses desconheciam a escrita, mas dominavam a metalurgia e eram habilidosos
artesãos, produzindo cerâmicas e panos com a casca do baobá (os portugueses até
usaram tais panos nas velas de seus navios). A população tinha que pagar impostos e
prestar trabalho ou servir no exército quando necessário.
No século XVII, explorado pelos europeus e atacado por inimigos próximos,
o Império do Congo sucumbiu, fragmentando-se. Os portugueses, já controlando
Angola, aliaram-se a inimigos dos congoleses (jagas) e após sucessivos debates,
saquearam as cidade do reino e mataram o rei congolês em 1665.
Situado ao sul do Congo, o Reino de Ndongo apresentava um monarca
como o título de ngola – daí Angola, nome do atual do país em que se localizava aquele
reino. Ndongo tornou-se uma das principais regiões do tráfico negreiro. Acabou
conquistada pelos portugueses no século XVII, isso depois de extraordinária luta
armada de resistência dos africanos, na qual destacou-se a rainha Nzinga. Em 1576, os
lusitanos fundaram a cidade fortificada de São Paulo de Luanda (atual Luanda) para
defender seus interesses na região e melhor obter cativos. Luanda rapidamente se tornou
uma grande feira de comércio de gente. Angola, desde fins do século XVI até a primeira
metade do século XVIII, foi o maior fornecedor de escravos para as Américas
portuguesa e espanhola. Entre 1575 e 1591 foram embarcados da região de Angola mais
de 52 mil africanos para o Brasil, especialmente da etnia banto.
Foram muito fortes os laços entre Angola e Brasil, não só em virtude do
tráfico negreiro, mas por contato culturais, familiares, comerciais, etc. – para se ter
ideia, quando da Independência brasileira em 1822, líderes políticos angolanos quiseram
até mesmo incorporar o país africano ao Brasil!

Um dos maiores símbolos da resistência africana aos europeus foi Nzinga


Mbandi (1582-1663), rainha de Ndongo, atual Angola. Ficou famosa como combatente
destemida, exímia estrategista militar e diplomata astuciosa. Para se ter idéia da fibra
desta mulher, com 73 anos ela chefiou pessoalmente um exército contra os invasores
portugueses, que a respeitavam profundamente. Angola só foi dominada depois da
morte de Nzinga, aos 81 anos.
Afora a invasão dos portugueses, Nzinga Mbandi (pronuncia-se inzinga
imbandi) tinha que se preocupar com os ataques de inimigos vizinhos e a oposição
interna, que não aceitava o governo de uma mulher, sobretudo de uma mulher que era
filha de escrava, como era o caso da rainha (as relações de parentesco eram importantes
no Reino de Ndongo). Para chegar ao poder, Nzinga havia travado uma árdua disputa
com o irmão, Kia Mbamdi, que assumira o trono após a morte do pai em1617. Ela só
virou rainha em 1624, após o assassinato de Kia, em meio ao avanço dos portugueses e
de uma das piores crises do Reino. Há quem atribua a Nzinga a morte do irmão... Teve
inúmeros amantes e obrigava-os a se vestir de mulher, enquanto ela usava roupas de
homens – uma forma talvez de mostrar seu poder, numa sociedade machista e que
vinha com estranheza uma mulher no governo.
Não aceitava a escravidão de seu povo, mas vendia outros povos derrotados
em guerra como escravos para os traficantes europeus. Igualmente defendia a religião
tradicional de Ndongo, embora durante uma tentativa de acordo de paz com os
lusitanos, tenha se convertido ao catolicismo, recebendo o nome cristão de Dona Anna
de Souza – depois, contudo, abandonou o catolicismo. Nas lutas contra os portugueses,
dirigia pessoalmente as tropas africanas, exigindo que seus homens a chamassem de
“rei”.
Em 1671, já após a morte da rainha, os portugueses passaram a controlar
totalmente a região de Angola. Nzinga Mbandi tornou-se um verdadeiro mito, dando
origem a um imaginário popular presente inclusive em manifestações populares
(folguedos negros) do Brasil como a rainha Ginga. Ainda hoje é tida como uma
heroína para os nacionalistas de Angola.

O Império Monomotapa localizava-se no que hoje é o Zimbábue e


Moçambique, no sudeste da África. Seu nome é uma referência ao soberano, que tinha o
título de monomotapa (“senhor das minas”). Foi outra extraordinária e poderosa
civilização africana entre os séculos IX e XIII, o que se deveu às suas minas de ferro e
ouro, ao domínio da metalurgia, e ao intenso comércio que mantinha com o norte da
África, Península Árabe, Pérsia e até com a Índia (converteram-se também ao
islamismo). Sua capital era a cidade de Zimbábue, onde foram erguidos grandes
palácios de pedra, entre os quais o Grande Zimbábue (“Casa de Pedra”), o maior de
todos, com muros de 10 metros de altura e extensão de 240 metros – importante notar
que os tijolos e pedra eram perfeitamente ajustados, sem qualquer material ente eles, a
exemplo de cimento, o que mostra a impressionante capacidade técnica desse povo!
Tinha perto de 200 mil habitantes, que, contudo, moravam em casas humildes, de barro
e cobertas de palha.
No século XVI, os portugueses se instalam na região (destacadamente em
Moçambique), interessados no ouro, no marfim e no tráfico negreiro. As agressões
portuguesas e disputas internas pelo poder levaram à decadência do Império
Monomotapa, conquistado por Portugal no século XVII.

O cinema de Hollywood difundiu uma ideia estereotipada da África negra,


como um território de florestas impenetrável, habitada por tribos esparsas da “Idade da
Pedra”. Na verdade, a floresta tropical ocupa uma área pequena do continente,
especialmente a bacia do rio Congo até a região dos Grandes Lagos, no centro da
África. Nessas áreas era comum a vinculação de símbolos silvestres às práticas
religiosas e poder (por exemplo, faziam-se oferendas aos deuses da mata e o leopardo
era associado aos reis, sendo sua pele muito apreciada). A maior parte da África
encontra-se dividida entre as savanas e as formações desérticas. No geral, predominam
muitas cidades por quase todo o continente, com intensa atividade comercial e cultural.
Um dos personagens do cinema e das Histórias em Quadrinhos (HQ) que
mais contribuiu para aquela visão estereotipada africana foi Tarzan. Este, personagem
criado por Edgar Rice Burroughs, apareceu pela primeira vez num romance de 1912 e
posteriormente em vinte e três continuações. Tarzan é filho de ingleses, porém foi
criado por macacos "mangani" na África, depois da morte de seus pais. Seu verdadeiro
nome é John Clayton III, Lorde Greystoke. Tarzan é como os macacos o chamam e
quer dizer "Pele Branca". Tarzan é uma história moderna que repete a tradição
mitológico-literária de heróis criados por animais. Uma destas histórias é a de Rômulo
e Remo, que foram criados por lobos e posteriormente fundaram Roma.
No entanto, a lenda de Tarzan se diferencia das lendas da antiguidade pelo
fato de estar relacionada ao imperialismo inglês na África: um lorde inglês branco se
perde na selva e, crescido, se torna "rei da selva" africana; Tarzan tem mais relações
com os macacos do que com os povos nativos da África; e finalmente, Tarzan se casa
com Jane, uma norte-americana de modos aristocráticos, para assim continuar a
linhagem branca no domínio do continente africano.

10 RELIGIÕES NATIVAS DA AFRICA

Costumeiramente, quando se fala em religião na África ou dos cultos afro-


brasileiros, muita gente logo associa à “macumba”, não raras vezes com grande
preconceito. Ora se havia uma diversidade de povos e culturas na África, fica fácil
concluir que existiam diversas religiões e crenças também, a maioria com seus muitos
deuses e ritos próprios, embora também apresentassem características parecidas, pois os
africanos, óbvio, mantinham muitos contatos entre si e apresentavam igualmente
elementos culturais comuns. E sobre esses aspectos religiosos comuns e gerais que
trataremos aqui.

O universo das religiões afro-brasileiras é muito complexo, visto que


diferentes grupos étnicos africanos deram origem a uma diversidade de denominações
religiosas, destacando-se o Candomblé e a Umbanda.
A rigor, “macumba” é um instrumento musical de origem africana. Como
nas festas e cerimônias religiosas os negros usavam aqueles instrumentos, as elites
brancas cristãs passaram a empregar o termo macumba genericamente. Os praticantes
dos cultos afro-brasileiros, porém, recusam fortemente a expressão.
O Candomblé é uma religião afro-brasileira que cultua os orixás, trazidos
da África pelos negros. Orixás são entidades espirituais ligadas à natureza e ao
comportamento humano. O candomblé sofreu grande repressão das elites a autoridades
ao longo dos séculos. Para contornar as perseguições, os adeptos passaram a associar
os orixás aos santos católicos, em um processo chamado de sincretismo religioso. No
sincretismo, por exemplo, Iemanjá é associada a Nossa Senhora da Conceição; Iansã, a
Santa Bárbara, etc. A Lavagem do Bonfim, em Salvador (BA), é um dos exemplos
mais claros da fusão religiosa do catolicismo com o candomblé.
As cerimônias do Candomblé ocorrem em templos chamados terreiros; sua
preparação é fechada e envolve muitas vezes o sacrifício de pequenos animais. São
celebradas em língua africana e marcadas por cantos e ritmo dos atabaques (tambores),
que variam segundo o orixá homenageado. Nos terreiros, além de chefiar os rituais, os
pais de santo e as mães de santo recebem os fiéis em sessões individuais para revelar o
orixá de cada um, tradicionalmente pelo jogo de búzios. A identificação do orixá, ou
santo no sincretismo, ajuda o fiel a entender a própria personalidade. Para o fiel,
cultuar o Candomblé significa equilibrar suas energias (axés) com as energias de seu
orixá.
Umbanda é um culto afro-brasileiro de origem mais recente (século XIX
ou começo do século XX), mesclando elementos do candomblé, catolicismo e
espiritismo. A umbanda considera o universo povoado de entidades espirituais, os
guias, que apresentam uma hierarquia e entram em contato com os homens por
intermédio de um iniciado (o médium), que os incorpora. Tais guias se apresentam por
meio de figuras como o caboclo, o preto-velho e a pomba-gira. Os elementos africanos
misturam-se ao catolicismo, criando a identificação de orixás com santos. Outra
influência é o espiritismo kardecista, que acredita na possibilidade de contato entre
vivos e mortos e na evolução espiritual após sucessivas vidas na Terra. Incorpora ainda
ritos indígenas e práticas mágicas europeias.

Civilizações como a de Kush cultuavam deuses semelhantes aqueles do


Egito (Amon-Há, Isis, etc.). O cristianismo atingiu a África em torno do século I da Era
Cristã, obtendo muitos adeptos na região do Egito, Núbia e Etiópia. O cristianismo,
contudo, teve enormes dificuldades depois em se expandir, pela chegada a partir do
século VII do Islamismo, da península Árabe, área vizinha e com a qual a África
sempre manteve muitos contatos comerciais e culturais. Não é a toa que ainda hoje o
islamismo é a religião dominante no norte africano – entre os povos islamizados,
destacaram-se os de Mali, Congo, Songai, Iourubá e Hauçás.
Em não poucas ocasiões o cristianismo e o islamismo conviveram ou se
“misturaram” (sincretismo religioso) com as chamadas religiões tradicionais
africanas, denominadas também algumas vezes, com preconceito, de religiões tribais
africanas ou primitivas. Tais religiões tradicionais eram inúmeras, encontradas ainda
hoje principalmente no centro e sul da África, e não apresentavam textos escritos –
muito do que se sabe sobre elas vieram das tradições orais e mitos, passados de geração
a geração, ou foi escrito pelos árabes e europeus, cheio de preconceitos e que vinham os
adeptos daquelas religiões como “primitivos” e “pagãos” e suas crenças como “obras do
diabo”. Já para os africanos, muçulmanos e cristãos eram “poderosos feiticeiros”.
As religiões tradicionais do Continente Negro creem que mesmo as coisas
físicas apresentam elementos espirituais. Assim, acreditam que há espíritos nas
montanhas, árvores, rios, trovões, lua, etc. Por esse motivo, essas religiões são
classificadas como animistas. Para os povos africanos, o homem é parte integrante e
não privilegiada da natureza, devendo ele, pois, respeitar o equilíbrio ambiental. Em
virtude disso, por exemplo, povos que viviam no litoral da Guiné fazerem oferendas às
arvores quando as cortavam, pois acreditavam que elas tinham alma.
Cada ato da vida pode ser associado com o sobrenatural – daí os cultos e
ritos para o nascimento, casamento, morte, etc. Muitas vezes esses ritos são feitos por
toda a comunidade, com cantos, danças, máscaras e outros adornos. Pedem saúde,
alegria, fertilidade dos solos, etc. Os locais de cultos podem ser uma montanha, uma
cabana, altares, templos, etc. Certos ritos de alguns povos podem exigir esforços, até
sacrifícios de animais e mutilações. Embora mais raros, os sacrifícios poderiam também
atingir seres humanos. Nas épocas de colheita, os melhores frutos são dados em honra
dos espíritos.
Ainda que fossem politeístas, os povos africanos acreditavam quase sempre
na existência de em um Ser Supremo (por exemplo, chamado de Olorum ou Olodumaré
entre os iurobás, povo que veio em grande quantidade para o Brasil). Esse Ser Supremo
teria criado o universo, as coisas, os homens, e estava associado aos céus – sendo tão
poderoso, controlava o destino de todos. Abaixo do Ser Supremo tinham-se deuses
“menores” ou entidades, as quais se ocupavam das coisas mais mundanas e que, por
isso, eram bastante invocadas (como os orixás dos iorubás), geralmente associadas a
fenômenos naturais (floresta, montanha, raio, etc.) ou comportamentais humanos.

Alguns Orixás mais conhecidos:


Exu: Tido como mensageiro entre os homens e os orixás e responsável pelo transporte
das oferendas. Domina as forças que agem sobre a realidade. É homenageado às
sextas-feiras.
Ogum: Orixá forte e corajoso, senhor da guerra e do fogo. Criou o ferro, a tecnologia
e a metalurgia. Por esse motivo, é considerado padroeiro de todos os que manuseiam
ferramentas. Seu símbolo é uma espada.
Xangô: Orixá dos raios e trovões. Durante sua vida na Terra foi rei de Oió, uma das
principais cidades iorubás. Por esse motivo, quando seus adeptos o incorporam usam
uma coroa.
Oxóssi: Senhor da mata e da caça, é o responsável pelo alimento de todos os outros
deuses. É considerado também o guardião da agricultura e da natureza. É umas das
entidades mais populares do candomblé.
Oxalá: Teria separado o mundo material do espiritual. É bastante respeitado, seja pelos
adeptos do candomblé, seja pelos demais orixás. Ajudou Olodumaré (o Ser Supremo) a
criar o homem e o princípio da vida.
Oxum: Senhora das águas doces, dos lagos e das cachoeiras, é tida como bela, vaidosa,
rica e sensual. É a orixá que influencia o amor e a gestação das mulheres.
Obaluaiê: Orixá das doenças e das curas. Trem no corpo as marcas das doenças que
carrega, daí porque se esconde atrás de um chapéu de palha em forma de manto.
Oxumarê: Apresenta a forma de arco-íris e liga o céu e a terra. Tem influência sobre a
chuva, a fertilidade do solo e as colheitas. É ao mesmo tempo masculino e feminino.
Iansã: Senhora dos ventos, raios, tempestades e da sensualidade feminina. É
representada sempre como uma guerreira e encaminha os espíritos dos mortos para o
outro mundo.
Ossaim: Orixá das folhas e das ervas medicamentosas. Seus sacerdotes dominam as
palavras que ativam o poder de cura das plantas.
Iemanjá: É tida como a mãe de todos os outros orixás e a deusa das águas. Controla o
equilíbrio emocional e a loucura. Famosa pela feminilidade, generosidade e
maternidade.

Em algumas religiões, o Ser Supremo teria vivido entre os homens por


determinado tempo – mas como estes o decepcionaram, resolveu retirar-se para os céus.
Apenas em situação de extrema necessidade que o homem recorre a esse Deus
Supremo. Na maior parte das vezes, não o incomodam, recorrendo aos deuses
“menores” e “espíritos intermediários”. Por tal motivo, os sacrifícios são feitos a esses
“espíritos intermediários” (e não ao Ser Supremo), como “meio de comunicação”, pois
o sangue é visto como portador da vida.
Era comum a prática de magia, entendida aqui como a capacidade de
influenciar nos acontecimentos, ativando os espíritos ou forças naturais. Tinha-se uma
magia branca, “benéfica”, e uma “magia negra”, “perversa”. A primeira era praticada
pelos curandeiros ou magos, os quais com suas orações e ervas, assistiam às
necessidades das pessoas. O curandeiro era uma espécie de sacerdote e médico –
fundamental em sociedades como as africanas, sujeitas a varias doenças (como a
“doença do sono”, transmitida pela mosca tsé-tsé) e à fome. Dominava a magia branca,
interpretava sinais dos deuses (como, por exemplo, analisar as entranhas de um pássaro)
e entendia de várias doenças, usando amuletos e fórmulas mágicas para afastar os maus
espíritos.
Já a “magia negra” era praticada por “bruxos” e “feiticeiros”, os quais
poderiam fazer “mal” às pessoas. Em seus rituais muitas vezes poderia haver sacrifícios
humanos e até antropofagia. A prática de “magia negra” era severamente punida,
geralmente com tortura e morte do ”feiticeiro” (queimado vivo, entregue a formigas,
lançado como pasto para hienas, etc.). Uma das funções do mago era combater e
desfazer a “magia negra” dos feiticeiros.
Muitas tribos africanas tinham os “fazedores de chuva”, que usavam magia
para “as águas caírem do céu”, geralmente imitando algo associado à chuva, como
saltitar como sapos ou cobrir a cabeça como palmeiras, como se estivesse se protegendo
da chuva (é a chamada “magia homeopática”, que se baseia no principio de que
“semelhante atrai semelhante”). Ocorria ainda a “magia de contágio”, baseada na
relação entre a parte e o todo – assim, por exemplo, se possuir algo do inimigo (um
pedaço de roupa, de cabelo, unha, etc.), a pessoa teria poderes sobre ele. Adivinhos
tentam saber a vontade dos espíritos, usando muitas técnicas, como a de jogar objetos
para cima e ver a maneira como caiam – consideravam isso uma mensagem das
divindades. Os espíritos e deuses podem aparecer também para indivíduos especiais, em
rituais de música e dança – tais indivíduos entravam em transe e ficavam “possuídos”
por um espírito, que se fazia conhecer e podia ser interrogada. Tais indivíduos eram
valiosos conselheiros da comunidade e tinham bastante prestígio.
A religião confundia-se com a moral. Qualquer ação que prejudicasse a
convivência humana ou o equilibro das forças naturais poderia ser punida pelas
lideranças tribais e reparada em rituais religiosos, sob o risco de haver secas, doenças,
enchentes, etc., pois as divindades ficariam irritadas. Por esse motivo, deviam-se
respeitar as pessoas, os bens e a vida, mesmo aqueles que não partilham da religião
tradicional. Todas as desgraças eram vistas como fruto da desordem social e moral da
sociedade. Não havia uma separação clara entre religião, política e justiça, de modo que
ao chefe da tribo ou rei, cabia o papel de liderar a comunidade, fazer a justiça e guardar
a religião. Não raras vezes, o líder tribal podia ser o representante dos deuses na terra ou
o porta-voz dos homens diante das divindades.
Nas religiões e crenças tradicionais, evidenciava-se mais uma vez a
importância que os grupos familiares têm para os africanos. A família abarcava não só
vivos, mas igualmente os mortos. O antepassado morto “permanece” junto à tribo,
preservando seus descendentes e o cumprimento dos costumes. Dessa forma, os vivos
deviam obedecer aos costumes e fazer o culto também dos antepassados – daí por que
era comum jogar bebida e comida na terra para que o espírito do antepassado “ingerir-se
e ficasse satisfeito.”
Na família estavam também os não nascidos ainda. Para um casal, não gerar
filhos é uma desgraça, pois quando morrer, ninguém iria fazer o culto de seus espíritos e
dos ancestrais. Possuir muitos filhos era um descanso para a alma, portanto, afora
questões bem terrenas – mais braços para trabalhar e guerrear. A virilidade dos homens
e a fertilidade das mulheres eram atributos bastante valorizados socialmente. Acredita-
se que no século XVIII, um terço das crianças africanas morria antes de completar um
ano de idade.
Na África, muito da arte estava relacionada com as crenças religiosas.
Certas esculturas eram tidas como suporte material dos antepassados mortos – através
delas, os espíritos dos antepassados ajudavam os parentes vivos a resolver problemas do
dia a dia. As máscaras igualmente poderiam ser objetos de rituais religiosos: os
dançarinos usavam-nas possuídos pelos espíritos que invocavam.

12 A ESCRAVIDÃO DOMÉSTICA NA ÁFRICA

A maior parte dos africanos trazidos para o Brasil veio da África Atlântica,
ou seja, da parte ocidental e centro-ocidental (em especial da Costa da Mina e Angola),
destacando-se dois grandes grupos, segundo as suas procedências e características
culturais e linguísticas: sudaneses e bantos.
-Sudaneses: oriundos da África ocidental, Sudão e da Costa da Guiné –
trazidos principalmente para a Bahia e utilizados na lavoura açucareira. Suas principais
etnias eram: os nagôs (iorubás), os jejes, os minas, os haussás, os galinhas (grúncis), os
tapas, os boirnuns, etc.
-Bantos: oriundos de Angola, Congo, Moçambique e Cambinda (Sul da
África), predominaram no sudeste (Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo),
existindo também em menor escala no Ceará, Maranhão, Pernambuco, Alagoas e litoral
do Pará. As suas etnias eram: angolas, benguelas, moçambiques, macaus, congos, etc.
Para a Bahia igualmente vieram muitos bantos.
Também não se podem esquecer as minorias fulas e mandes (malês) carregados de
forte influências muçulmanas, responsáveis por vários levantes, como a Revolta dos
Malês em 1835.

Ao contrário do que comumente se pensa, havia escravidão na África antes


da chegada dos europeus na Idade Moderna. O Egito antigo promovia expedições a
Núbia (atual Sudão) para capturar escravos. Reinos negros ou pequenas comunidades
aldeãs usavam trabalhão escravo.
De modo geral, predominava a chamada escravidão doméstica ou
patriarcal, que apresentava características distintas da escravidão comercial feita
posteriormente pelos árabes e europeus, embora fosse também opressora – não vamos
idealizar as sociedades africanas pré-coloniais: existia desigualdade e exploração!
Nos confrontos entre africanos, era comum que os vitoriosos fizessem
alguns escravos dentre os derrotados. Ou seja, na escravidão doméstica havia o
aprisionamento de alguém para utilizar sua força de trabalho, em geral, na agricultura de
pequena escala, familiar, ou ainda na produção artesanal ou serviços domésticos.
Perceba que a economia da comunidade ou do Estado não se baseava na mão de obra
escrava. Se a terra era abundante, mas rareava mão de obra, esse tipo de escravidão
servia para aumentar o número de pessoas a serem empregadas no sustento de uma
família ou grupo. Afinal, a terra de nada valia sem que se tivesse gente empregada no
cultivo de alimentos. Por essa razão, não poucas vezes os cativos trabalhavam lado a
lado com a família de seu amo.
Os escravos eram poucos por unidade familiar, mas a posse deles
assegurava poder e prestígio para seus senhores, já que representavam a capacidade de
autossustentação da linhagem. Não por acaso, nesse tipo de cativeiro se preferia
mulheres e crianças. A fertilidade das mulheres garantia a ampliação do grupo. Daí
porque era legítimo as escravas se tornarem concubinas e terem filhos com os seus
senhores.
O escravo poderia apresentar mesmo algum tipo de direito, por menor que
fosse (por exemplo, não podia ser vendido ou executado, poderia ter alguns bens, era
castigado apenas de forma moderada, poderia casar-se com alguém livre, etc.). Havia
mesmo, entre alguns povos, a possibilidade do escravo ser liberto, incorporando-se à
comunidade e à família do senhor. Poderia ser uma forma “mais branda” de escravidão,
especialmente no caso dos escravos responsáveis pelos afazeres da casa do chefe ou do
rei, embora ocorresse de escravos serem brutalmente explorados nas minas de ouro e
fazendas. No geral, porém, os escravos eram responsáveis pelas tarefas mais pesadas e
ocupavam uma posição inferior na sociedade.
Não era só na guerra que se corria o risco de ser escravizado. Em muitas
sociedades africanas, o cativeiro era a punição para quem fosse condenado por roubo,
assassinato, feitiçaria e, às vezes, adultério. A penhora, o rapto individual, a troca e a
compra eram outras maneiras de se tornar escravo. As pessoas podiam ser penhoradas
como garantia para o pagamento de dívidas. Em algumas sociedades, a escravidão
também era uma estratégia de sobrevivência quando a fome e a seca se faziam
desastrosas. A venda ou troca de um indivíduo da comunidade por comida podia
garantir a sobrevivência do grupo, inclusive de quem era escravizado.
Vale ressaltar, porém que houve civilizações da África que usaram o
trabalho escravo em quantidade. Para as elites de tais civilizações, havia um desprezo
pelo trabalho manual, sendo tido como “coisa de escravos”, visto que deveriam se
preocupar apenas com as guerras e administração. Dessa forma, a escravidão já tinha
certa importância econômica no Continente Negro antes da chegada de árabes e
europeus.

13 A ESCRAVIDÃO COMERCIAL MUÇULMANA

Do contato com os árabes, sobretudo a partir da expansão do Islã no século


VII, povos do norte da África (em particular com os berberes) passaram a vender
escravos para o Oriente Médio. Era o que foi chamado de escravidão comercial. Como
o nome sugere, a intenção era lucrar com a venda de cativos e explorar ao máximo o
trabalho escravo. O cativo era apenas uma mercadoria, sem direito a nada. Era a
“coisificação” do escravo. Nesse tipo de escravidão, a principal fonte de cativos era a
guerra que as comunidades e Estados negros mais poderosos praticavam contra seus
vizinhos mais fracos, escravizando os derrotados.
Já na metade do século VII, os escravos eram os principais produtos dos
caravaneiros do Saara, que por ali transportaram cerca de 300 mil pessoas. As cáfilas
rumavam do Norte da África para as savanas sudanesas carregadas de espadas, tecidos,
cavalos, cobre, contas de vidro e pedra, conchas, perfumes e, principalmente, sal. No
retorno, depois de meses, traziam ouro, peles, marfim e, cada vez mais, escravos.
Calcula-se que, entre 650 e 1800, esse tráfico transaariano de escravos vitimou cerca de
7 milhões de pessoas, sendo que 20% delas morreram no deserto.
Quanto mais escravos eram capturados outros tantos eram precisos para
preencher várias ocupações no mundo árabe. Podiam ser concubinas, agricultores,
artesãos, funcionários encarregados da burocracia, domésticas, tecelões, ceramistas.
Mas era principalmente como soldados que os cativos passavam a ser indispensáveis (à
medida que aumentavam os territórios submetidos aos muçulmanos, crescia a
necessidade de controlá-los, bem como de realizar novas conquistas). O mundo árabe
foi se revelando um bom mercado para os cativos trazidos não só da África, mas
também da Índia, China, Sudeste da Ásia e Europa Ocidental.
Ainda no século IX, o califado de Bagdá chegou a contar com 45 mil
escravos negros trazidos pelos comerciantes berberes. A partir do século X, o número
de escravos provenientes da África subsaariana excedia em muito o de turcos e eslavos.
E essa tendência só se acentuou ao longo do tempo, tanto que no século XVIII
aproximadamente 715 mil pessoas foram capturadas na África negra e escravizadas no
Egito, Líbia, Tunísia, Argélia e Marrocos. Esse tráfico voraz de africanos explica a
presença de negros nas populações árabes.

O Alcorão não condenava a escravidão. Para os muçulmanos, a escravização


era uma espécie de missão religiosa. O infiel, ao ser escravizado, “ganhava a chance”
de se converter e, depois de devidamente instruído nos princípios islâmicos, teria
direito a voltar a ser livre. Contudo, não bastava a conversão para ter direito a
liberdade. Havia razões bem mais econômicas comerciais para justificar o crescimento
do número de escravos no mundo muçulmano. Primeiro, porque uma vez escravizado,
o cativo nem sempre dispunha de tempo e condições para ser educado de acordo com
as leis do Alcorão, e segundo, porque o trabalhador escravo era fundamental para a
viabilidade do comércio dos mercadores islâmicos.
Ocorria, por outro lado, conforme a fé islâmica, a prática de libertar escravos
após alguns anos de trabalho, por ocasião de um acontecimento importante ou a morte
do senhor.
Assim, a escravidão doméstica africana foi dando lugar à escravização
comercial em larga escala, embora nunca tenha deixado de existir. A partir do século
XV, com a chegada dos europeus, o processo de escravização dos africanos ganhou
dimensão intercontinental e fez da África a principal região exportadora de mão de obra
do mundo moderno. Todas as grandes nações europeias de então, fossem católicas ou
protestantes, se envolveram no tráfico e disputaram acirradamente sua fatia nesse
lucrativo negócio. Holandeses, franceses, ingleses, espanhóis e, principalmente,
portugueses lançaram-se na conquista dos mercados africanos.

14. ESCRAVIDÃO COMERCIAL CRISTÃ, ATLÂNTICA OU ESCRAVIDÃO


MODERNA

Com a expansão marítima europeia, a escravidão comercial aumentou


imensamente, pois passou-se a necessitar de um número de escravos milhares de vezes
superior ao que abastecia aos árabes. Estima-se que vieram para a América 10 milhões
de africanos em 300 anos de tráfico negreiro. A escravidão e o tráfico negreiro (o
chamado comércio atlântico de escravos) tornaram-se uma preciosa fonte de riquezas
para diversas nações europeias. Não podem, portanto, ser dissociados da expansão do
capitalismo que então se verificava. O propósito era submeter pessoas e vendê-las como
escravas na América para obter lucros. O tráfico enriqueceu muitos burgueses europeus
na Idade Moderna e, posteriormente, de grandes comerciantes da própria América e no
Brasil.
Os portugueses foram os primeiros europeus a explorar a costa africana. Em
1442, o primeiro grupo de dez cativos chegou a Lisboa. No século XVI, os escravizados
passaram a ser enviados para o Brasil. Houve, grosso modo, duas maneiras para os
europeus obterem os cativos africanos. Num primeiro modo, atacavam diretamente as
comunidades africanas e escravizavam as populações. Em muitos casos, porém, tais
populações reagiam e levavam a melhor em relação aos agressores, que nada
conseguiam... Por esse motivo, os europeus buscavam obter escravos dos próprios
africanos: montavam feitorias e castelos no litoral do continente e obtinham os cativos
de comerciantes, chefes e reis locais, trocando-os por armas, pólvora, bebidas, tecidos,
cavalos, etc. (no século XIX, a compra de africanos passou a ser feita mediante
pagamento em dinheiro).
Realizados os primeiros negócios, a curiosidade acerca do destino dos
cativos embarcados tomou conta dos africanos. Havia, por exemplo, uma crença entre
os africanos de que os europeus eram ferozes canibais, capazes de devorar a carne negra
e guardar o sangue para tingir tecidos ou preparar vinho. Aos poucos, os europeus
foram vencendo as desconfianças, combinados preços satisfatórios e aumentando os
negócios com os africanos.
Assim, perceba, as elites africanas aliaram-se aos europeus na obtenção de
cativos (muitas delas antes, como vimos, já forneciam escravos para os árabes).
Estabeleceu-se uma rede imensa de traficantes, mercadores e caçadores de escravos na
África (eram os chamados pombeiros). Povos, comunidades e Estados africanos
especializaram-se em vender escravos, forçados pelos canhões europeus e/ou na ânsia
de obter lucros e produtos até então desconhecidos ou raros, como foi o caso do Reino
de Daomé. Há estimativas de que 75% das pessoas vendidas nas Américas foram
vítimas de guerras entre povos africanos. Comunidades viviam a atacar ou sequestrar
pessoas de outras comunidades. Era como um “jogo de gato e rato”: ou se caçava
escravos ou se virava caça... Foi o que houve, por exemplo, com os iorubás, que de
implacáveis caçadores de escravos, foram transformados eles mesmos em cativos,
principalmente a partir do final do século XVIII.

Vários povos da antiguidade, como gregos e romanos praticavam a


escravidão. O cativo era um objeto do seu senhor, passível de ser vendido, emprestado,
herdado, etc. Não havia, porém, nenhuma relação entre cor da pele e escravidão. Os
cativos podiam ser brancos, negros ou asiáticos, independiam da origem ou sexo.
Apenas com escravidão moderna ou atlântica do século XV em diante que
se passou a associar escravidão à cor da pele. Escravo tornou-se quase sinônimo de
negro. Essa escravidão racial seria justificada por várias teorias e pensamentos,
geralmente de base religiosa. Lembremos que a Bíblia não condenava a escravidão –
no Antigo e Novo Testamento aparecia como algo natural.
Pensadores sustentavam que os negros eram serem humanos “inferiores e
selvagens” (ou abaixo dos humanos) e que a escravidão era-lhes uma coisa “positiva”,
pois seriam introduzidos no “mundo civilizado”. Uma outra “teoria” afirmavam que os
negros eram descendentes de Cãm (ou Cã), filho de Noé. Cãm teria sido amaldiçoado e
expulso pelo pai para terras longes do sul, onde o sol forte teria deixado a pele de seus
descendentes negra. Assim, amaldiçoados por Noé, os descendentes de Cam foram
condenados a se tornar escravos.
Outra crença da época afirmava que a África era um pedaço do inferno no
mundo e que a pele escura dos africanos era sinal de pecados – assim, através do
trabalho os negros seriam capazes de purificar a alma e obter a salvação.
Lógico que todas essas justificativas foram forjadas para legitimar a
escravidão dos africanos, que era, aliás, aceita por boa parte da população. Apenas
intelectuais, geralmente, condenavam a escravidão dos africanos. Apenas no final do
século XVIII que aumentou a condenação do uso da mão de obra cativa, com o
Iluminismo. A condenação da escravidão, porém, não pôs fim ao preconceito em
relação aos africanos, tanto que no século XIX, o argumento usado pelos europeus para
dominarem a África foi a “inferioridade cultural” dos povos do continente e que os
brancos, “superiores”, deveriam conduzi-los “à civilização”.

No final do século XVI, franceses e ingleses passaram a disputar o comércio


negreiro atlântico com os portugueses, buscando igualmente estabelecer postos de
ocupação o litoral africano. A fixação dos estrangeiros no litoral dependia de uma série
de negociações com os líderes locais, o que incluía a entrega de presentes, aceitação de
regras existentes na região e o pagamento de impostos. Os europeus eram proibidos de
praticar agricultura e de adentrar ao interior do continente. Por essa razão, dependiam
do abastecimento dos africanos. Se houvesse algum desentendimento, os chefes negros
interrompiam o fornecimento de escravos ou cortavam a água e a comida para as
feitorias dos europeus. Os inúmeros exércitos africanos poderiam fazer guerras para
expulsar os estrangeiros. Daí, nos primeiros séculos pelo menos, os europeus buscavam
estabelecer relações amistosas e políticas com os chefes africanos. Depois, já passagem
do século XVII para o seguinte, com os efeitos nefastos da escravidão atlântica, os
Estados africanos acabaram se enfraquecendo, apresentando dificuldades daí em diante
para impor suas regras aos europeus. No século XIX, com o avanço do imperialismo
europeu, a África foi quase toda submetida e dominada.
O êxito comercial dos europeus passou a corresponder o infortúnio do
continente africano. Na concorrência por fornecedores de cativos, os europeus acabaram
participando das rivalidades internas dos povos africanos, alterando o equilíbrio de
forças dos reinos do continente. No litoral, a venda de escravos passou a determinar a
prosperidade e a força militar de uma minoria e a miséria de outros grupos africanos. O
comércio com os europeus reforçou o poder de chefes dispostos a guerrear contra povos
inimigos com o único intuito de fazê-los cativos. A presença europeia mudou a vida de
populações litorâneas que, até então, não tinham poder econômico e político
significativo e que passaram a ter na captura de cativos uma atividade corriqueira,
sistemática. A guerra produzia o cativo e o comércio distribuía o escravo.
A avidez por escravos reorganizou de tal maneira o mapa político africano
que alguns reinos experimentaram o apogeu nos séculos XVII e XVIII graças ao tráfico
negreiro. Foi o caso dos reinos de Daomé, Sadra, Achanti e Oió. Até o século XVI, Oió
era apenas uma cidade-estado iorubana que tinha na agricultura e na tecelagem as suas
principais atividades. Dedicava-se especialmente à fabricação de tecidos, os famosos
panos da costa que viriam a ser tão apreciados pelos negros na Bahia. Mas as atividades
agrícolas e artesanais perderam importância diante do tráfico. No final do século XVI,
as cidades iorubanas participavam tão ativamente desse comércio que a região do golfo
de Benim passou a ser conhecida como Costa dos Escravos.
Formou-se ali um mercado bastante competitivo. Entre os vendedores de
escravos, principalmente os iorubás e daomeanos competiam pelas mercadorias
europeias. Entre os compradores, a concorrência não era menos acirrada. Nos portos da
Costa dos Escravos, ingleses, holandeses, franceses, portugueses e brasileiros
abarrotavam os navios de gente destinada a ser “exportada” para as Américas.

O tráfico negreiro e a escravidão feitos pelos europeus tiveram dramáticas


consequências para o continente africano. Primeiramente, estimulou guerras entre os
povos africanos, com as mortes e destruições daí advindas. Depois, despovoaram-se
imensas regiões, pela captura e fugas das populações locais, sem falar das mortes, pois
muitos morriam nas guerras, lutando contra os captores ou faleciam antes mesmo de
embarcar para a América ou ainda devido ao contato com as doenças trazidas pelos
europeus – dessa forma, houve uma sensível redução da população, situação não mais
grave porque a maioria dos escravizados eram homens.
Desorganizou-se totalmente a economia, afinal, os escravizados eram
pessoas que estavam no auge de sua capacidade – suas ausências implicavam em
menos pessoas produzindo, daí a carência de alimentos e fome. Não se pode esquecer
as destruições materiais feitas pelos escravizadores, os quais não apenas escravizavam
as pessoas, mas também destruíam as plantações, saqueavam as vilas, roubavam e
matavam os gados, etc. – mesmo aqueles africanos que escapassem da escravização,
sofreriam por meses ainda as sequelas do ataque, pois suas vidas havia sido
completamente desorganizada.
Não se pode também ignorar os talentos e “cérebros” desperdiçados –
quantos poetas, músicos, intelectuais, etc. não tiveram suas trajetórias encerradas pela
escravidão? Quanta contribuição não poderia ter dado às suas comunidades e para a
humanidade como um todo?
Não se pode esquecer ainda os dramas pessoas vividos pelos escravizados.
Arrancados à força de suas terras, assustado com o que lhes aconteceria e para onde
iriam, tinham desfeitos para sempre os laços de amizade e de convivência familiar –
não mais veriam os amigos, pais, filhos, esposas... Não por acaso, muitos cativos
cometiam suicídio.
Por fim, os séculos de exploração sofridos pela África ajudam a entender as
dificuldades, confrontos e pobreza que ainda hoje vive o continente.

15 IMPERIALISMO E NEOCOLONIALISMO

Na segunda metade do século XIX, o capitalismo viveu grande impulso, em


decorrência do aumento do comércio, do aperfeiçoamento dos processos de produção,
da melhoria dos meios de transporte (locomotiva, carro, motor a gasolina ou a diesel) e
de comunicação (telégrafo, telefone, fonógrafo), do surgimento de novos ramos
industriais (como os setores químicos e eletrotécnicos), do aparecimento de novas
tecnologias, do uso de novas fontes de energia (eletricidade, petróleo), etc. Esse
conjunto de transformações é costumeiramente chamado de Segunda Revolução
Industrial ou Segunda Fase da Revolução Industrial (que se iniciou no século
XVIII). O capitalismo cada vez mais tornava-se dominante, se espalhando pelo planeta
e integrando a economia mundial – produtos europeus eram vendidos na Ásia, África,
América, cujas matérias-primas eram levadas para as fábricas de Londres, Berlim, etc.
Com a cada vez maior internacionalização da economia, aumentaram
também as disputas internacionais entre os países. As grandes empresas desejavam
áreas para obter matérias-primas (com as quais fabricariam os produtos ou forneceriam
energia para as fábricas); queriam também mercados para o consumo da crescente
produção industrial; objetivavam ainda áreas onde pudessem aplicar seus capitais (por
exemplo, construindo ferrovias, portos, etc.) e, logicamente, obterem gordos lucros. As
disputas entre as grandes nações capitalistas por mercados levariam a sérias
confrontações, entre as quais se destacariam a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais.
Na busca dos mercados, as nações/empresas se voltaram para a América
Latina, África e Ásia. Muitas dos países dessas regiões (sobremaneira os africanos e
asiáticos) foram invadidos e à força submetidos pelas potências capitalistas, isto é,
viraram colônias das metrópoles europeias (era o chamado neocolonialismo, diferente
daquele colonialismo ocorrido no Brasil e América no inicio da Idade Moderna). Para
muitos autores, quando um povo domina e explora outro, ele é chamado de
imperialista. Portanto, podemos dizer que os povos pobres do mundo acabaram alvo do
imperialismo das potências capitalistas, com a Segunda Revolução Industrial.
França, Inglaterra, Bélgica, Alemanha, entre outros, formaram no final do
século XIX e início do século XX, grandes impérios colônias. A dominação e
exploração imperialista, contudo, fazia-se sob a justificativa de que os europeus
desejavam apenas trazer o “progresso e a civilização” (entenda-se, tecnologia e
cristianismo) aos povos “atrasados” do mundo, que, por sua “inferioridade”, jamais
alcançariam sozinhos. Conforme a ideologia imperialista, os europeus eram “melhores e
superiores” em virtude de suas características raciais (brancos) e religiosas
(cristianismo) e do aperfeiçoamento técnico (as invenções possibilitadas pela Revolução
Industrial). Vale ressaltar que a postura imperialista não era questionada pela maioria
das populações dos países europeus – ao contrário, estas estimulavam, pelos interesses
da abertura de novos mercados e a crença da superioridade branca.

Entre as justificativas teóricas do imperialismo estava o chamado


darwinismo social, que apresentou o inglês Herbert Spencer como um de seus
principais formuladores. Para os darwinistas sociais, do mesmo modo que haveria uma
evolução das espécies, conforme o pensamento de Charles Darwin, existiria também
uma evolução e diferenças genéticas entre as raças. Os brancos (europeus e norte-
americanos) cristãos seria superiores aos demais povos do mundo, pois pertenceriam a
uma espécie mais evoluída. Difundiam ainda que a tendência era as raças superiores
submeter e substituis as outras – isso foi a base da chamada eugenia (estudos sobre o
“aprimoramento das raças humanas) que enaltecia a pureza das raças, a existência das
raças superiores e a desacreditava a miscigenação.
Muitos simpatizantes da eugenia defendiam a esterilização, proibição
marital, eutanásia e até extermínio das “raças inferiores”. Não por acaso, a eugenia foi
um dos fundamentos do Nazismo na Alemanha, embora tenha tido seguidores em
outros países. Por exemplo, a partir de 1924, leis que impunham a esterilização
compulsória foram promulgadas em 27 Estados norte-americanos, para impedir que
determinados grupos tivessem descendente (especialmente negros, índios e doentes
mentais).

Óbvio que tais ideias hoje são um absurdo – não há como afirmar que uma
civilização, cultura ou etnia são superiores em relação a outras! O que se usaria como
referência? Por exemplo, o Brasil pode não ter uma economia tão dinâmica quanto ao
dos Estados Unidos, mas certamente joga muito mais futebol que os estadunidenses! A
genética já provou que sejam brancos, negros, amarelos, indígenas, etc., não há
nenhuma diferença física ou de potencial intelectual entre os homens. Somos todos
iguais biologicamente – se há povos ricos e pobres, isso não é uma questão de “raça” ou
de clima ou coisas parecidas, mas uma consequência de fatores sócio-históricos. A
Europa e os EUA são poderosos hoje porque lá se estruturou o capitalismo, que se
fortaleceu e se expandiu dominando e explorando outros locais do mundo.

16 OS IMPÉRIOS COLONIAIS EUROPEUS NA ÁFRICA


No início do século XIX, eram poucas as áreas do continente africano
dominadas pelos europeus. A África era vista até então como uma fornecedora de
produtos exóticos (pimenta, marfim, etc.) e sobretudo de escravos. Com a Revolução
Industrial, porém, as potências europeias passaram a ver a África como mercado
fornecedor de matérias-primas, consumidor de produtos industrializados e área para
aplicação de capitais (ferrovias, exploração de diamantes, etc.).
Um marco importante da partilha da África foi a realização da Conferência
de Berlim (1884-85), na Alemanha, quando as potências capitalista reuniram-se para
estabelecer “amigavelmente” as “regras” da divisão do Continente Negro, levando em
conta apenas seus interesses geopolíticos e econômicos. O objetivo era delimitar as
fronteiras e as áreas de influência de cada potência colonizadora – daí porque se criaram
muitas fronteiras artificiais, em que num mesmo território encontravam-se povos
africanos rivais ou o mesmo povo dividido entre territórios distintos. Era óbvio que isso
iria provocar vários confrontos e guerras, o que repercute ainda hoje. Cerca de 90% das
atuais fronteiras da África foram herdadas do período colonial. Apenas em 15% delas
foram levadas em consideração questões étnicas. As disputas fronteiriças são
responsáveis por inúmeras tragédias militares e humanitárias no continente.
A dominação das potências imperialistas sobre os povos da África e da Ásia
era brutal e sanguinária, sem nenhum respeito pelas populações locais, o que custou a
morte de milhares de pessoas e a desarticulação daquelas sociedades. Afora a violência
e poder das armas (a Revolução Industrial também se fez na indústria bélica), os
europeus utilizaram como método básico para controlar a África o principio do “dividir
para governar”, ou seja, se aproveitavam das rivalidades entre os grupos étnicos locais
(ou criavam rivalidades, se não existisse) e tomavam o partido de um deles. Com o
apoio das elites do grupo escolhido, a quem davam armas e privilégios sobre os rivais,
os europeus controlavam a população inteira e exploravam o território.
A França estava presente na África desde 1830, quando conquistou a
Argélia. Com o passar do tempo, dominou Senegal, Guiné, Daomé, Mali, Costa do
Marfim e Marrocos – era o que ficou conhecido como África Ocidental Francesa. A
conquista do Marrocos pela França foi complicada, não só pela resistência dos
marroquinos, mas pelos interesses da Alemanha na região (como sabemos, a rivalidades
franco-germânicas contribuiria para a eclosão da Primeira Guerra Mundial).
Entre 1837 e 1901, a Rainha Vitória esteve no trono da Inglaterra,
coincidindo com o auge econômico e político do país. A Inglaterra virou nesse
momento a grande potência do mundo, abastecendo os mercados com seus produtos
industrializados. Na África, os ingleses buscaram estabelecer um domínio vertical do
continente, ou seja, dominando áreas desde o mar Mediterrâneo, ao norte, até o antigo
cabo da Boa Esperança, ao sul. Assim, os ingleses conquistaram a África do Sul,
Rodésia, Ruanda, Tanganica, Quênia, Uganda, Somália, Sudão e Egito.
A expansão francesa acabou entrando em choque com os ingleses no Egito.
Ali, os franceses investiram pesado inicialmente, construindo, por exemplo, o Canal de
Suez (1869). O Egito, endividado, viu-se obrigado a vender a sua parte do Canal aos
ingleses, que assim, passaram a adentrar no país (a Inglaterra tinha interesse em
dominar uma rota mais curta para o Oriente, onde apresentava várias colônias). Nem
essa venda salvou o Egito da bancarrota. A crescente dependência egípcia para com
estrangeiros provocou a explosão de uma revolta nacionalista, chamada de Arabi Paxá.
Antecipando-se à França, os ingleses invadiram o Egito e esmagaram a revolta (1882),
tornando o país sua colônia (“protetorado”). Em decorrência, a França foi afastada
totalmente do Egito (embora, em troca, os ingleses tenham depois apoiado os franceses
na conquista do Marrocos).
Em 1876, o rei da Bélgica, Leopoldo II, tomou o Congo como propriedade
pessoal, explorando e massacrando as populações locais, sob um discurso de filantropia
e humanitarismo. O detalhe é que o Congo apresentava um território dez vezes maior
que o belga... No início do século XX, os dois únicos países africanos livres eram a
Abissínia (atual Etiópia) e a Libéria (habitada por negros emigrados dos Estados
Unidos).
Itália e Alemanha, países que se unificaram apenas na segunda metade do
século XIX, lançaram-se tardiamente na “corrida imperialista” de conquistas de
colônias – por isso, dominaram áreas de “menor importância” da África e Ásia. A
Alemanha conquistou os Camarões, o Togo e regiões do sudeste e o oriente da África
(Ruanda, Burundi). A Itália conquistou a Líbia, a Eritréia e a Somália. Itália e Alemanha
iriam pressionar por uma “redivisão” dos mercados coloniais. Isso provocou várias
tensões e confrontos, levando à Primeira Guerra Mundial (1914-18). Portugal, cada vez
mais decadente, manteve o domínio em Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe,
Angola e Moçambique – tal manutenção, note-se, se deu, sobretudo, pelas rivalidades e
falta de acordo entre as potências acerca de uma divisão das colônias lusitanas...

Após a Guerra da Independência (1776-1783) dos Estados Unidos, muitos


negros americanos que lutavam contra a Inglaterra ganharam como prêmio a liberdade.
Assim, ex-escravos passaram a circular livremente pelas cidades, para irritação e medo
das racistas elites brancas norte-americanas. Para estas, os “negros não seriam nunca
capazes de se integrar na sociedade do país”, de modo que o regresso à África seria
uma solução para evitar certos "perigos" imaginados como resultado da presença negra,
como o casamento inter-racial ou a criminalidade.
Em 1816, um ano após a proibição do tráfico de escravos nos Estados
Unidos, foi fundada a ACS (sigla para American Society for Colonization, ou
“Sociedade Americana para a Colonização”), uma entidade sem fins lucrativos e que
contava com o apoio de órgãos governamentais, políticos, fazendeiros e trabalhadores
com o propósito de colocar em prática o envio de ex-escravos americanos para o
continente africano. Foi assim que surgiria a Libéria, um país formado por negros
emigrados dos Estados Unidos.
Em 1821 a American Colonization Society conseguiu adquirir uma parcela
de terra no litoral ocidental da África. Escolheu uma área que foi chamada de Cabo
Mesurado – local da atual capital da Libéria. Só que a terra já tinha dono. Pertencia às
tribos Dey e Bassa, habitantes do local há séculos. Depois de negociações nem sempre
amistosas, os chefes tribais cederam aos americanos uma faixa litorânea de 40
quilômetros de comprimento por quatro quilômetros de largura em troca de armas e
garrafas de rum que hoje valeriam, juntas, 300 dólares!
Em 1824, o governo americano fundou oficialmente a colônia da Libéria e
passou a chamar sua capital de Monróvia, em homenagem ao presidente dos Estados
Unidos, James Monroe.
Em seguida, começaram a chegar levas de negros americanos. Na
expectativa de aumentar as áreas cultiváveis, esses primeiros moradores passaram a
adquirir mais terras e avançar suas fazendas além das fronteiras originais. Em menos de
40 anos, o país cresceu duas vezes de tamanho. Não foi surpresa para ninguém quando
surgiram as primeiras desavenças com as tribos locais, principalmente com os grebos e
crus. Ai estaria a origem de vários confrontos, ditaduras, guerras civis, assassinatos em
larga escala que marcariam a Libéria ao longo do século XX.

Dominando os povos da África, os europeus organizaram os territórios


conforme seus interesses. As aldeias dos nativos foram deslocadas ou dispersadas (não
raras vezes, violentamente) e suas terras entregues a colonos brancos e empresas
estrangeiras, enquanto os africanos eram amontoados em áreas estéreis ou forçados a
trabalhar como assalariados para a nova elite dominante.
A produção (agrícola, mineral, comercial, etc.) foi direcionada para a
exportação. A lavoura de subsistência foi substituída (ou deslocada para áreas menos
férteis) pela agricultura de plantation praticada por grandes empresas estrangeiras em
latifúndios – ali eram explorados milhares de africanos expropriados de suas terras,
dedicando-se à monocultura de café, amendoim, cacau, etc. para o mercado externo.
Com isso, as organizações tradicionais africanas, assentadas na família, na produção de
subsistência, grande quantidade de mão de obra, muita terra e propriedade coletiva,
foram desestruturadas. Isso iria provocar o aumento da fome e das mortes por doenças e
subnutrição de milhões de pessoas no continente...
A ideia dos europeus era mesmo destruir aquela organização tradicional,
para tornar as populações nativas totalmente dependentes dos colonos brancos. Com
mão de obra farta e barata, se pagaria irrisórios salários e se aumentaria os lucros dos
europeus. Já os africanos, sem terras férteis, submetidos a pesados impostos, cada vez
mais pobres e muitas vezes coagidos, viam-se obrigados a trabalhar nas lavouras, minas,
construção de rodovias, portos, ferrovias, cidades, etc. É verdade que o imperialismo
europeu construiu várias obras “modernizantes” na África, mas o sentido dessas obras
era assegura o contato do continente com a Europa e facilitar o escoamento da
produção, nunca o beneficio dos nativos...
A expansão do imperialismo provocou várias revoltas das populações
coloniais. No que hoje é a África do Sul aconteceu a chamada Guerra dos Bôeres
(1899-1902), entre os descendentes de holandeses (chamados de bôeres ou africânderes)
e ingleses.
Originariamente, a África do Sul era habitada por vários povos negros, a
exemplo de bosquímanos, khois, xhosas e zulus. Os europeus chegaram em 1487,
quando o navegador português Bartolomeu Dias contornou o cabo das Tormentas/ Boa
Esperança. A partir do século XVII, imigrantes holandeses, inicialmente interessados
em explorar a rota comercial para a Índia, passaram a ocupar a região.
Em 1806, os ingleses se instalaram no lugar, atraídos pelas riquezas
minerais (ouro e diamantes), passando a lutar contra os nativos negros e contra os
bôeres. Os choques atravessaram todo o século XIX, provocando movimentos
migratórios dos bôeres para o nordeste do país, onde fundaram duas repúblicas, o
Transvaal e o Estado Livre de Orange. Na passagem para o século XX, a Guerra dos
Bôeres resultou na vitória dos ingleses, que estabelecerem o total domínio sobre a
região. Os Estados bôeres foram anexados pela Coroa Britânica. Os negros, no entanto,
eram a imensa maioria e constituíam uma ameaça ao domínio da minoria branca. Por tal
razão, os brancos eram privilegiados (para manter o domínio e os interesses britânicos
na área) e os negros reprimidos e explorados. Daí nasceria no século XX o apartheid,
um dos mais racistas e segregacionistas regimes políticos do mundo do século XX, em
que os brancos não reconheciam direitos aos negros, e que durou até a década de 1990.

O historiador africano Joseph Ki- Zerbo refletiu sobre a ocupação da


África:
“Em 1880, apenas uma décima parte da África estava vagamente ocupada
pelos europeus. Em vinte anos vão-se eles apoderar de todo o resto. Ocupam –se
territórios porque se pensa que ter-se necessidade deles para proteger ocupações
anteriores. Depois ocupam-se porque estão ao alcance da mão. Em seguida, para
chegar para chegar antes do vizinho. Acaba-se por ocupar por ocupar, como em tempo
de penúria, porque “sempre pode fazer jeito”, nem que seja para trocar por qualquer
coisa mais. Por toda a parte, os métodos são idênticos. O blefe e os “tratados”
extorquidos alteram com a liquidação de qualquer e, se necessário, com chacinas.
Impossível descrever por miúdo esta febre destruidora, cujos grandes “campeões”
foram incontestavelmente a Grã- Bretanha, a França, o rei dos belgas Leopoldo II e ,
por último, a Alemanha de Bismark.
É significativo notar que são os europeus mais brutais que mais falam da
hostilidade dos africanos. Mas, de longe, a atitude que prevalecia era a surpresa receosa
ou divertida e, sobretudo, a hospitalidade (...) No Bornu, os brancos eram olhados com
horror, porque se suspeitava que fossem leprosos ou infiéis. (...) Na região de Kano, os
Hauçás, ao contrário, imaginavam que os brancos tinham poderes sobrenaturais, como
o de transformar as pessoas em burros, cabras ou macacos. Doentes e mulheres estéreis
vinham lhe pedir amuletos e o filho do governador de Kano, convidado a tomar chá,
recebia a chávena com as mãos a tremer. Num pequeno mercado, um explorador
europeu atraiu a atenção de uma jovem peule, que, após exame pormenorizado de sua
pessoa, declarou às pessoas: “Não seria mal se não fosse tão branco!” Nas margens do
Zambeze, o padre Gomes encontrava-se um dia com o governador e um colono
português, que mandou buscar a sua guitarra e começou a tocar e a cantarolar. Juntou-
se logo um grupo de africanos e um deles, voltando-se daí a pouco para o vizinho,
exclamou: “Mas estes selvagens também têm instrumentos de música exatamente como
os nossos”.
(KI- ZERBO, Joseph. Historia da África Negra. Viseu: Europa- América,
1972. p. 76-77;83-84)
17 A DESCOLONIZAÇÃO DA ÁFRICA

Na segunda metade do século XX, cresceu o processo de emancipação


política (ou seja, de independência) de vários países da África e Ásia, até então colônias
subordinadas às potências europeias, uma herança ainda do imperialismo do século
anterior.
A independência afro-asiática deve ser associada à II Guerra Mundial
(1939-45). Terminado aquele devastador confronto, as potências europeias estavam em
decadência e não tinha mais o poder de antes para manter sob domínio os povos da
África e Ásia. Mesmo nas nações europeia, marcadas pelas ideias a favor da liberdade e
da democracia do pós-guerra, havia certa pressão da sociedade (especialmente das
organizações de esquerda) para o fim dos impérios coloniais, mantidos à custa da
violência e da exploração (ora, as sociedades europeias tinham sofrido com a violência e
a exploração aplicadas pelo nazismo!).
Os povos “colonizados” igualmente pressionavam por suas independências,
fosse com lutas armadas, fosse com negociações políticas, pois ao longo dos anos foram
tomando consciência da exploração da qual eram vítimas. Havia igualmente uma
solidariedade de várias outras nações do mundo aos africanos e asiáticos, apoiando a
emancipação – a ONU (Organização das Nações Unidas), criada em 1945, tinha entre
seus princípios a autodeterminação dos povos, ou seja, que cada povo deve ser
independente e livre.
A Guerra Fria igualmente contribuiu para a descolonização afro-asiática,
pois tanto norte-americanos como russos tinham interesses em ampliar suas áreas de
influências e apoiaram a luta pela independência de africanos e asiáticos. Isso explica
também porque houve vários projetos para a independência (socialistas e liberais) e por
que depois, eclodiram lutas dentro dos países independentes ou entre as nações
independentes, reproduzindo os antagonismos da Guerra Fria.
De modo geral, a descolonização afro-asiática deu-se de duas maneiras:
- de forma pacífica, ou seja, a independência deu-se sem grandes confrontos, em
acordo firmado com a metrópole europeia, que mantinha ainda alguma influência sobre
a colônia e preservava as estruturas sociopolíticas (as quais eram favoráveis aos brancos
de origem europeia e às elites coloniais).
Isso se deu especialmente nas colônias inglesas – os colonizadores
britânicos recorreram quando de sua expansão imperialista, via de regra, a um sistema
de colonização que procurava conservar a autoridade das elites nativas nos escalões
intermediários e inferiores da administração colonial, cooptando o mais amplamente
possível as aristocracias tradicionais para um sistema de parceria subordinada. Assim,
por ocasião do processo de descolonização, a Inglaterra adotou, como recurso frequente
em suas antigas possessões africanas, uma estratégia de “sair para ficar”, ou seja,
substituir o controle dos postos chaves do governo das colônias por elementos locais
formados política e culturalmente nos marcos do sistema colonial britânico, procurando
reintegrá-los posteriormente à Comunidade Econômica Britânica (British
Commonwealth), garantindo, assim, a primazia de seus interesses econômicos e
empresariais na nova ordem política pós-colonial. Apesar disso, ocorreram lutas
também em algumas colônias inglesas da África, como no Quênia, em que os britânicos
tiveram que enfrentar os guerrilheiros Mau-Mau liderados por Jomo Kenyatt – o
confronto deixou mais de 10 mil mortos.

Teríamos assim, nos anos 50, a independência da Tunísia (1950), da Líbia (1951), do
Sudão, do Marrocos (1956), de Gana (1957) e da Guiné (1958). No emblemático ano
de 1960 verificar-se-iam as libertações de Camarões, Togo, Madagascar, Zaire,
Somália, Mali, Benin, Nigéria, Níger, Alto Volta (atual Burkina Faso), Costa do
Marfim, Chade, República Centro-Africana, Congo, Gabão, Senegal e Mauritânia; em
1961, Serra Leoa; em 1962, Ruanda, Burundi, Argélia e Uganda; o Quênia em 1963;
Malauí, Zâmbia e Tanzânia em 1964; Gâmbia em 1965; Botsuana e Lesoto em 1966;
Ilhas Maurício e Guiné Equatorial em 1968. Na década de 70, Guiné Bissau em 1973;
São Tomé e Príncipe, Moçambique, Cabo Verde, Comores e Angola em 1975; Ilhas
Seychelles em 1976; Djibouti em 1977; Suazilândia em 1978. Já nos anos 80,
Zimbábue, em 1980 e, finalmente, a Namíbia, em 1990.

- de forma violenta, obtida mediante luta armada, envolvendo as tropas


metropolitanas e grupos de libertação colonial – nesse caso, em muitas ocasiões a luta
não era apenas pela independência, mas por mudanças nas estruturas sociais e
implantação do socialismo.
Isso aconteceu particularmente nas colônias francesas. A França, segunda
maior potência colonizadora europeia na África, apegou-se aos métodos de dominação
colonial direta e à prática ostensiva da assimilação cultural (ou seja, destruição das
culturas nativas). O resultado foi um enfrentamento, na maior parte das vezes, bastante
violento entre as administrações coloniais e os movimentos de libertação nacional, do
qual são exemplos os dois casos mais emblemáticos de revolução anticolonial
verificados na Ásia e na África: a guerra de independência da Argélia e o conflito do
Vietnã. Algum tempo passaria até que a França, seguindo os passos da Inglaterra,
procurasse reintegrar suas antigas colônias africanas à sua área de influência econômica
(e, por conseguinte, militar e diplomática), investindo na criação de uma zona comercial
e financeira.

Para várias nações africanas, a independência não significou paz – ao contrário,


eclodiram várias disputas e guerras, não raras vezes endossadas pelas antigas
metrópoles. Na Nigéria, em 1966, o povo ibo, cristão, declarou a secessão do território
de Biafra, no que foi apoiado por França e Portugal os quais apresentavam interesse no
petróleo da região. Os hauçás e muçulmanos, que assumiram o controle do país,
passaram a lutar pela unidade territorial da Nigéria, com o apoio da Inglaterra. O
resultado foi uma guerra civil que deixou quase um milhão de mortos, boa parte de
fome. Ainda hoje a Nigéria palco de confrontos religiosos e políticos.
18 CASOS DE DESCOLONIZAÇÃO: ARGÉLIA, CONGO E RUANDA

Das lutas anticoloniais africanas, uma das mais violentas foi a


independência da Argélia. Nesta colônia francesa, durante os anos 1950, a Frente de
Libertação Nacional (FLN) passou a promover ações guerrilheiras visando à
independência do país. Estimulada pela derrota francesa na Indochina (o que levaria à
emancipação de Laos, Vietnã e Camboja na Ásia) e contando com simpatia
internacional, a FLN (que tinha entre os apoiadores os comunistas) promoveu em 1954
grande levante, atacando os colonos franceses em dezenas de lugares. A partir daí a
Argélia entrou em guerra civil, pois começou uma luta aberta dos argelinos contra as
milícias organizadas pelos colonos franceses, apelidados de pieds noirs (pés pretos),
donos das riquezas e de um terço das terras, que não aceitavam a independência. A
metrópole enviou cerca de 500 mil soldados para manter o controle sobre a Argélia – o
exército francês notabilizou-se pela prática de torturas e assassinados dos defensores da
independência (o governo francês chegava a censurar os jornais da França para não ser
divulgado o que estava acontecendo no norte da África). Os pieds noirs igualmente
praticavam atos de terrorismo e de guerrilha.
A opinião pública francesa era favorável à independência argelina, contra o
que se posicionam, porém, partes das direitas, das elites (em especial as que negociavam
com os pieds noirs ou tinham investimentos da Argélia) e dos militares, que não viam
com bons olhos o fim do império colonial da França (que cada vez mais se tornava uma
potência de segunda categoria no mundo da Guerra Fria). Em 1962, o presidente francês
Charles De Gaulle reconheceu a independência da Argélia, que se tornou uma república
presidida por Bem Bella, da Frente de Libertação Nacional. Aproximadamente um
milhão de argelinos morreu no processo de independência.
A experiência belga na África talvez simbolize o sistema colonial europeu
no continente em suas contradições de brutalidade, autoritarismo e discriminação, bem
como de esforços da metrópole no sentido de garantir a preservação dos interesses
econômicos e estratégicos nas antigas colônias.
O Antigo Congo Belga, no centro da África, havia sido entregue pela
conferência de Berlim ao rei Leopoldo II, da Bélgica, em 1855. Até o ano de 1908, a
área era tida como propriedade pessoal do rei, que impunha condições brutais de
trabalho aos nativos. Para se ter ideia, se os nativos negros não cumprissem suas cotas,
os agentes de Leopoldo – que ganhavam por comissão – se encarregavam de açoitá-los,
mutilá-los (cortavam mãos) ou matá-los. Naquele ano, o Congo tornou-se formalmente
uma colônia belga. Apresentava muitas riquezas minerais.
Nos anos 1950, movimentos nacionalistas do Congo, liderados pelo poeta
socialista Patrice Lumumba, passam a questionar o domínio colonial, sendo
brutalmente reprimidos pelos belgas. Em 1960, a Bélgica viu-se obrigada a dar a
emancipação do Congo. Lumumba aproximou-se da União Soviética e acabou
sequestrado e assassinado em 1961, num golpe de Estado apoiado pela Bélgica e
Estados Unidos. Os anos seguintes foram de instabilidade e muitos golpes, até 1965,
quando Joseph Mobutu desferiu mais um golpe e implantou uma ditadura pessoal e
aliada dos Estados Unidos e da Bélgica. Em 1971, o Congo passou a chamar-se Zaire
(voltou a chamar-se Congo em 1997).

Uma Manhã no Coração da África


Durante mil anos tu, negro, sofreste como um animal
tuas cinzas foram espalhadas ao vento do deserto.
Teus tiranos construíram os templos mágicos e brilhantes,
onde preservam o teu sofrimento:
o bárbaro direito dos punhos e o direito branco ao chicote.
Tu tinhas direito de morrer, também podias chorar (...)
Enquanto rompes tuas cadeias, os grilhões pesados
os templos malvados e cruéis irão para não voltar mais.
Um Congo livre e bravo surgirá da alma negra,
um Congo livre e bravo, o florescer negro, a semente negra !
Patrice Lumumba

Mobutu criou uma verdadeira cleptocracia, ou seja, um regime político-


social em que práticas corruptas, especialmente com o dinheiro público, são
implicitamente admitidas ou mesmo consagradas. Financiado pelos EUA e pela França
- que compravam sua fidelidade por temerem que a União Soviética passasse a controlar
o centro da África -, Mobutu amealhou uma fortuna incalculável. Seu longo governo se
restringiu a sufocar rebeliões, manter o país em permanente crise econômica, dar
emprego a parentes e aumentar sua fortuna pessoal. Com o fim da Guerra Fria, o
Congo/Zaire já não tinha mais tanta importância geopolítica para as potências ocidentais
e Mobutu foi abandonado à própria sorte. Em 1997, rebeldes opositores tomaram o
poder. Mobuto fugiu para o exílio, no Marrocos, onde viria a falecer em setembro do
mesmo ano.
Já Ruanda era uma antiga colônia alemã que com a derrota germânica na I
Guerra Mundial (1914-18), passou para o controle da Bélgica. Ruanda foi ocupada
originariamente pelos pigmeus (famoso grupo étnico conhecido pela baixa estatura) e,
depois, pelos hutus, povo banto da bacia do rio Congo. No século XV, Ruanda foi
invadida pelos tutsis, pastores de grande estatura oriundos da Etiópia e que dominaram
os hutus, embora estes fossem maioria. Com a dominação belga, os tutsis foram
privilegiados (aproximavam-se mais do modelo de beleza europeu), virando uma
“aristocracia” detentora do poder político e econômico de Ruanda.
Nos anos 1950, contudo, com o movimento de descolonização também se
manifestando em Ruanda, a Bélgica passou a usar a tática de “dividir para governar”,
favorecendo a formação de uma elite hutu e incitando o confronto contra os tutsis.
Em 1962, com a independência de Ruanda, os tutsis foram perseguidos e
muitos foram expulsos para países vizinhos, de onde lançavam ataques ao país. Ao
mesmo tempo, correntes internas hutus disputavam o poder entre si, gerando
instabilidade política e golpes de Estado.
Os tutsis exilados criaram a Frente Patriótica Ruandesa (FPR) e no começo
dos anos 1990 invadiram o norte de Ruanda, adotando táticas de guerrilha. A partir daí
intensificaram-se os massacres de civis promovidos pela FPR e pelo governo hutu de
Juvenal Habyarimana (no poder desde 1973). Milhares de pessoas foram mortas e
milhões tiveram de se exilar nas fronteiras de Tanzânia e Uganda.
Em 1993, foram feitos acordos de paz intermediados pela Tanzânia e ONU.
Formou-se, então, um governo de transição com a participação da FPR e outros grupos
de oposição. Em 1994, Habyarimana morreu num atentado aéreo. Os hutus
responsabilizaram os tutsis pela morte. A guarda presidencial, parte do exército e um
número enorme de esquadrões da morte, perseguiram os tutsis, conforme um plano bem
elaborado. As vítimas do extermínio, segundo estimativas cautelosas, foram quinhentas
mil; segundo os maiores críticos, um milhão de mortos. Várias das mulheres que
sobreviveram ao genocídio foram violentadas sexualmente. Muitos dos 5.000 meninos
nascidos dessas violações foram assassinados. Na guerra civil que se seguiu, porém, a
FPR saiu-se vitoriosa e tomou o poder, sob a presidência de Pasteur Bizimungu.
Milhares de hutus foram perseguidos e assassinados.

Na descolonização africana surgiram vários movimentos políticos e


ideológicos, como o Pan-Africanismo.
O Pan-Africanismo foi um movimento cultural defensor da que a raça era o
elemento unificador dos povos africanos. Era a raça negra que incorporava todos os
africanos e seus descendentes numa única comunidade, que tinha como ponto comum a
situação de opressão imposta pelos colonizadores. O Pan-Africanismo pregava a união
dos africanos, na intenção de conquistar a independência e potencializar as
reivindicações do continente no contexto internacional. Como o imperialismo europeu
criou divisões territoriais arbitrárias sem considerar as diferenças entres os povos
africanos, o Pan-Africanismo defendia a necessidade de organizar federações regionais
de Estados, até se criar no futuro os Estados Unidos Africanos.
Relativamente popular entre as elites africanas ao longo das lutas pela
independência da segunda metade do século XX, o Pan-Africanismo tem sido mais
defendido fora de África, entre os descendentes dos escravos africanos que foram
levados para as Américas até ao século XIX e dos emigrantes mais recentes. Um dos
principais defensores foi o líder negro Jomo Kennyata, do Quênia.
O Pan-Africanismo levou as tentativas de reagrupamento político de novos
Estados surgidos nas décadas de 1950/60, como as efêmeras uniões de Guiné e Gana
(1958-60), da Federação da África Central (reunião de Zâmbia e Malavi, em 1959), etc.
Os particularismos de cada povo, as diversidades culturais e linguísticas, as
divergências ideológicas, a luta pelo comando e liderança dos novos Estados e a
pressão das grandes potências inviabilizaram esses projetos.

19 ÁFRICA NA GUERRA FRIA E O MOVIMENTO DOS NÃO-ALINHADOS OU


TERCEIRO MUNDISMO

Mesmo com sua extrema pobreza, a África não ficou indiferente aos
interesses da Guerra Fria. A URSS apoiava e estimulava os movimentos nacionalistas e
de independência contra as antigas potências imperialistas (França, Inglaterra, Bélgica,
Portugal...). O apoio a esses movimentos, mesmo aqueles que não se identificavam com
o socialismo, trazia pontos para a União Soviética na “guerra de propaganda” que
caracterizou a Guerra Fria.
Já os EUA, para não permitir a expansão soviética no continente,
pressionavam seus aliados europeus a conceder a independência e assim conservarem
suas influências políticas e econômicas – e lógico, o capitalismo. Outras, vezes, diante
da ameaça comunista, os norte-americanos apoiavam a instalação de ditaduras as mais
brutais e corruptas, financiavam grupos guerrilheiros responsáveis por crimes brutais
contra civis e por guerras civis, ou apoiavam regimes odiosos, como o apartheid na
África do Sul.
Carentes de quadros técnicos, de tecnologia industrial, de capitais e até de
mercados (pela pobreza das populações nativas), os países africanos independentes
estavam mergulhados numa situação de subalternidade política e econômica em âmbito
internacional. As jovens nações, em geral, eram produtoras e exportadoras de matérias
primas e gêneros agropecuário, e sofriam num sistema mundial pautado pela Guerra
Fria e pelo sistema comercial caracterizado pela deterioração constante do valor de seus
produtos primários em relação aos bens industrializados produzidos pelos países
centrais (Europa, Japão e Estados Unidos) e o monopólio dos capitais e da tecnologia
por parte destes, em muitos casos, suas antigas metrópoles coloniais.
Líderes africanos, não obstante, compreendiam que o continente possuía
riquezas naturais extraordinárias, capazes de propiciar as bases de seu crescimento
econômico, como as maiores reservas de ferro e carvão mineral do mundo, enormes
jazidas de petróleo e um notável potencial hidrelétrico. Por outro lado, esses líderes
eram capazes de identificar também os obstáculos ao progresso material de suas
sociedades: a grande fragmentação político-territorial, a dependência tecnológica, a falta
de capitais para a exploração de suas próprias riquezas, as rivalidades étnicas internas, a
falta de competitividade econômica de sua produção agropecuária e o próprio controle
de seus principais recursos pelas grandes empresas ocidentais.
Diante de tais constatações, uma parcela mais engajada da primeira geração
de líderes da África independente (como o ganense N’ Krumah, o tanzaniano Nyerere, o
queniano Kenyatta, e o congolês Lumumba) procurou adotar procedimentos práticos
que poderiam superar as mazelas deixadas pela dominação colonial. Assim alguns
adotaram internamente o socialismo e outros uma postura nacionalista, apresentando o
Estado enquanto ator fundamental para promover o processo de desenvolvimento
econômico.
Paralelamente, no âmbito externo, os líderes africanos trataram de somar
esforços na criação de um movimento de países não-alinhados, juntamente com outros
Estados da Ásia e América Latina, que tinham entre suas principais reivindicações a
revisão das regras do comércio mundial, valorizando os países exportadores do Terceiro
Mundo.
Assim, a descolonização afro-asiática e os interesses das superpotências
levaram um grupo de países nos anos 1950 a lançar o Movimento Terceiro Mundista
ou dos Não-Alinhados, isto é, a um grupo de países do Terceiro Mundo (países pobres
da África, Ásia e América) que se mobilizava no sentido de ter maior presença na
política internacional. Tal movimento ganhou mais força a partir da chamada
Conferência de Bandung (na Indonésia), em 1955 e rejeitava o alinhamento
automático com Estados Unidos e União Soviética, além de defender a independência
das nações ainda submetidas ao colonialismo, a cooperação e ajuda para os países
pobres do mundo e o combate ao racismo. Após Bandung e com a pressão da ONU
sobre as antigas metrópoles, o processo de independência das nações africanas e
asiáticas acelerou-se – não por acaso, apenas nos anos 1960, dezessete colônias da
França e da Inglaterra conquistaram o status de nações autônomas.

O líder egípcio Gamal Abdel Nasser foi o principal articulador do


movimento nacionalista chamado pan-arabismo, que propunha a união de todos os
países de maioria árabe-muçulmana, como forma de fortalecer a cultura e a causa
islâmica frente ao mundo ocidental. Em função da identificação do Egito com o Islã,
o país estava mais próximo do Oriente Médio, do ponto de vista cultural e político,
do que dos países da África Negra. De qualquer forma, o pan-arabismo de Nasser foi
de grande importância para a causa pan-africanista, já que as duas iniciativas tinham
em comum a luta contra os interesses estrangeiros em seus países. E um dos pilares
dessa luta, no caso da África, era exatamente a descolonização do continente.
Um marco importante da liderança de Nasser foi a nacionalização do
Canal de Suez, que resultou na Guerra de Suez (1956). Gamal Abdel Nasser era um
político carismático e nacionalista. Ele fazia parte de um grupo de militares que
derrubou a monarquia egípcia em 1952, instituindo um governo favorável a
unificação de todos os árabes numa única grande nação. Nasser nacionalizou o
Canal, desafiando abertamente britânicos e franceses. Além disso, proibiu o tráfego
de navios israelenses, estrangulando o fornecimento de petróleo ao Estado judeu.
Em resposta, Israel, França e Grã-Bretanha organizaram uma ação
militar conjunta contra Nasser. O chefe de Estado egípcio teria sido derrotado não
fosse a intervenção americana e soviética no conflito. Os soviéticos queriam evitar
que o Egito fosse novamente controlado pelos europeus aliados dos Estados Unidos
(sem falar que Nasser tinha uma retórica simpática ao nacionalismo de esquerda). E
Washington não estava disposto a brigar com Moscou pelo Canal de Suez (sem falar
na estratégia americana de se opor ao colonialismo tradicional). A saída foi um
acordo: franceses e britânicos teriam de aceitar a nacionalização do Suez. E os
egípcios, em compensação, teriam de garantir a todos o direito de utilizar o Canal,
inclusive dos israelenses.

Houve, porém, sérios problemas para as nações africanas neste processo, em


virtude dos interesses conflitantes das grandes potências ocidentais, particularmente dos
Estados Unidos. Como vários países africanos se declararam socialistas ou assumiram
posturas nacionalistas, os norte-americanas implementaram, desde os anos 1950, uma
estratégia voltada para a substituição da influência europeia por sua própria influência
sobre a África, assumindo a responsabilidade pela contenção do avanço da “influência
soviética” no continente.
Usando da chamada “diplomacia do dólar”, os norte-americanos
procuraram, a princípio, influenciar os estados africanos, condicionando sua inclusão
em programas de ajuda econômica e militar à concessão de privilégios para a operação
de empresas estadunidenses nestes países e ao alinhamento diplomático e militar com
Washington na Guerra Fria. Em outros casos, os EUA assessoraram, treinaram,
financiaram e armaram grupos conservadores de oposição, golpes de Estado e
movimentos separatistas contra governos de orientação anticolonialista e de esquerda,
algumas vezes, em parceria com as antigas metrópoles colonizadoras. Além disso,
desenvolveu uma política permanente de apoio aos regimes racistas da antiga Rodésia
até 1980 e da República Sul Africana até 1994, que atuaram como fatores de
desestabilização econômica e militar dos estados africanos independentes da África
Meridional.
Como resposta a essas ações dos EUA, os governos africanos de orientação
mais anticolonialista e anti-imperialista se aproximaram ainda mais da União Soviética
e de Cuba, na intenção de obterem apoio diplomático e militar contra seus inimigos
internos e externos. Isso aumentou a tensão diplomática e militar e as divisões entre os
Estados africanos, gerando mais conflitos e a militarização das sociedades. Os
confrontos e rivalidades intra-africanos inviabilizaram a cooperação e o
desenvolvimento do comércio entre os países do continente, deteriorou as bases já
frágeis da união continental e, em vários países, desorganizou a economia e dilapidou as
riquezas naturais, afora os milhões de mortos e mutilados das guerras.

Tendo rompido já com o socialismo soviético e sentindo-se desconfortável


como membro da burocracia cubana pós-Revolução de 1959, Ernesto Che Guevara
deixou Cuba em 1965. Sua intenção era ajudar outros povos do mundo a lutar contra o
imperialismo e difundir a revolução socialista onde fosse possível.
Dirigiu-se, então, ao Congo, como instrutor de guerrilha na luta contra
forças apoiadas pelos Estados Unidos e elites locais. Sua ideia era criar um “novo
Vietnã” no coração da África. Foi um fracasso a intenção de Che. Por seu total
desconhecimento da geografia africana, dos costumes, das crenças religiosas, relações
étnicas e culturais dos habitantes do Congo, o "delírio africano" de Che resultou numa
total decepção, como ele mesmo relata no livro Passagens da Guerra Revolucionaria –
Congo. Ali narra as agruras daquela tentativa de aplicar em solo africano sua visão
pessoal da luta revolucionária. Após o fiasco africano, Che se dirigiria para a Bolívia,
onde foi assassinado em 1967.

20 ÁFRICA DO SUL E O APARTHEID

Com muitos recursos minerais, indústria e agropecuária consideráveis, a


África do Sul é uma das nações mais prósperas da África. Mesmo assim, a maioria
absoluta da população, composta por negros, vive numa situação de extrema pobreza.
Isso tem muito a ver com um regime político que marcou o país no século XX, o
apartheid, que segregava social, política e economicamente os negros.
Como vimos, a atual África do Sul foi conquistada inicialmente pelos
holandeses (cujos descendentes foram chamados de bôeres ou africâners) e a seguir pela
Inglaterra, que impôs seu domínio na Guerra dos Bôeres. Os negros, porém, eram a
maioria da população e uma série ameaça ao controle britânico e da minoria branca.
Após uma independência limitada dadas pelos Ingleses em 1910, os
africâners, para minimizar a inferioridade numérica, fecharam em 1911 o primeiro
acordo para a aprovação de leis segregacionistas contra a população negra. A política de
segregação racial seria oficializada em 1948, com a chegada ao poder do Partido
Nacional. O candidato Daniel Malan, simpatizante da ideologia nazista, elegeu-se
usando na campanha a palavra apartheid, que em africâner significa separação.
O apartheid impedia o acesso dos negros à propriedade da terra, à
participação política e às profissões melhor remuneradas – na verdade, o sistema se
baseava na exploração econômica dos negros pelos brancos. Também confinava os
negros em áreas separadas dos brancos (os negros só entravam nas áreas brancas para
trabalhar). Foram proibidos os casamentos e as relações sexuais entre pessoas de raças
diferentes.
Em 1961, a África do Sul obteve sua independência completa e retirou-se da
Comunidade Britânica. A política do apartheid foi radicalizada. A partir de 1951, os
negros foram confinados nos bantustões, “nações tribais independentes” instaladas
numa área correspondente a 13% do território sul-africano – não passavam de imensas
favelas rurais, totalmente dependentes do governo central sul-africano, formadas com a
remoção forçada de mais de 3 milhões de negros dos grandes centros urbanos para as
áreas designadas no interior do pais. O objetivo dos bantustões era dividir a população
negra, acentuando as diferenças históricas e culturais entre as tribos. Além disso, os
governantes negros dos bantustões passaram a apoiar o apartheid, sistema que lhes
assegurava o privilégio do poder local.
A oposição ao apartheid ganhou maior densidade dos anos 1950, quando da
campanha de desobediência civil lançada pelo Congresso Nacional Africano (CNA),
uma organização negra fundada em 1912. No ano de 1960, a polícia racista matou 69
negros durante uma manifestação liderada pelo CNA em Sharpeville, uma favela a 80
quilômetros de Joanesburgo. O "massacre de Sharpeville" provocou marchas de
protesto em todo o país. O governo racista respondeu aos novos protestos com mais
violência policial. Milhares de militantes foram presos e o CNA acabou posto na
clandestinidade. O partido, então, adotou a luta armada como tática de resistência em
1961, sendo criada a facção chamada Umkhonto we Sizwe (“Lanças da Nação”, mais
conhecida pela sigla MK), a qual teve como primeiro comandante o advogado Nélson
Mandela.
Em 1962, Mandela foi preso e condenado à prisão perpétua por alta traição
em 1964, com outros sete membros do MK. Na ilegalidade, vários membros do CNA
partiram para o exílio, passando a agir em outros países contra a África do Sul visando o
boicote e a derrubada do apartheid.
A luta na África do Sul começou a sensibilizar a opinião pública mundial
ainda nos anos 1960 (no próprio país havia brancos, especialmente de esquerda e
comunistas, que condenavam e lutavam também contra o apartheid). Apesar disso, o
governo racista do país contava com apoio dos Estados Unidos e da Inglaterra, em
virtude dos investimentos feitos no país pelas empresas ocidentais (em aliança com a
elite branca, controlando os setores estratégicos da mineração e indústria e explorando a
mão de obra negra e barata) e da postura anticomunista adotada pelo governo da África
do Sul – este era um guardião do capitalismo no continente, financiando e combatendo
movimentos de esquerda, como os existentes em Angola e Moçambique.
Ao longo dos anos, agravaram-se os protestos internos contra o apartheid e a
pressão internacional sobre a África do Sul. Em 1976, aconteceu o levante de Soweto, o
maior bairro negro de Joanesburgo. Milhares de estudantes saíram às ruas para protestar
contra a política educacional do governo, que favorecia os jovens brancos. Mais uma
vez a polícia respondeu com extrema violência e deixou centenas de mortos e feridos. O
massacre causou enorme repercussão internacional e causou grande estrago à imagem
da África do Sul.
Há quem afirme que o levante de Soweto marcou o inicio do fim do
Apartheid. Os investimentos estrangeiros passaram a reduzir e mesmo os aliados da
África do Sul viam-se numa situação constrangedora. Para os Estados Unidos, por
exemplo, no início dos anos 80, o quadro político da África do Sul era incômodo. De
um lado, Washington tinha o apoio do exército sul-africano na luta contra os comunistas
em toda a região. De outro lado, o apartheid provocava indignação cada vez maior de
parte da própria opinião pública norte-americana e do resto mundo, tornando difícil a
manutenção do apoio ao regime racista.
Em 1984, a lei marcial foi estabelecida numa tentativa de conter a revolta
popular contra o apartheid. A economia do país estava em grave crise, por causa das
sanções internacionais adotadas para pressionar o governo racista. Os protestos
prosseguiram nas ruas das principais cidades sul-africanas. Paralelamente, começou a
ganhar corpo, no mundo inteiro, o movimento pela libertação do principal líder da luta
contra o apartheid: Nélson Mandela. No final da década de 1980, com o fim da Guerra
Fria e do Bloco Socialista, até os Estados Unidos passaram a pressionar a África do Sul
para liberalizar o regime. Aumentou o número de países e empresas que passaram a
boicotar comercialmente o país.
As próprias elites sul-africanas perceberam que era necessário fazer
concessões. O país estava em delicadíssima situação econômica e temia-se uma rebelião
dos negros, com violências contra os brancos. A partir de 1989, reformas profundas
passaram a ser realizadas pelo novo presidente Frederik de Klerk. Este revogou, uma a
uma, as leis racistas do apartheid e iniciou entendimentos com o CNA, que foi
legalizado em 1990. Em fevereiro daquele ano, Mandela foi colocado em liberdade,
após 28 anos de prisão.
As reformas de Frederik de Klerk foram apoiadas em plebiscito realizado
em 1992. Foi a última consulta popular restrita à população branca. Dois anos depois,
em abril de 1994, foram realizadas as primeiras eleições multirraciais da história da
África do Sul. Nélson Mandela, então, foi eleito presidente do país.
Apesar disso, os abismos sociais e étnicos continuam presentes na África do
Sul. Os negros continuam a apresentar uma grave situação social (sem falar que há
rivalidade étnicas e políticas entre os próprios negros) e o racismo de boa parte dos
brancos continua. Tudo isso é um desafio para as próximas gerações de sul-africanos.

"Uma boa cabeça e um bom coração formam uma formidável combinação."


Nélson Mandela

Nelson Rolihlahla Mandela, Mandiba, da etnia Xhosa, Mandela nasceu em


1918, no pequeno vilarejo de Qunu. Aos sete anos, Mandela tornou-se o primeiro
membro da família a frequentar a escola. Entrando em 1934 na faculdade de Direito de
Fort Beaufort, Mandela se envolveu com o movimento estudantil, num boicote contra
as políticas universitárias racistas, sendo expulso da universidade. Dali foi para
Johanesburgo, onde terminou sua graduação na Universidade da África do Sul
(UNISA) por correspondência.
Continuou ativo na militância contra o apartheid e em 1942 entrou no
Congresso Nacional Africano (CNA). Em 1961, se tornou comandante do braço
armado do CNA, o chamado Umkhonto we Sizwe ("Lança da Nação", ou MK).
Mandela coordenou uma campanha de sabotagem contra alvos militares e do governo e
viajou para a Argélia para receber treinamento paramilitar.
Em agosto de 1962, Nelson Mandela foi preso após informes da CIA
(agência de espionagem dos EUA). Em 1964 foi condenado a prisão perpétua como
“terrorista”, por sabotagem e traição.
Ao longo dos 28 anos em que ficou preso, Mandela se tornou um símbolo
da luta contra o apartheid. O clamor "Libertem Nelson Mandela" era o lema das
campanhas antiapartheid em vários países.
Durante os anos 1970, Mandela recusou uma revisão da pena e, em 1985,
não aceitou a liberdade condicional em troca de não incentivar a luta armada. Mandela
continuou na prisão até fevereiro de 1990, quando foi liberto aos 72 anos, por ordem do
presidente Frederik de Klerk. Nelson Mandela e Frederik de Klerk dividiram o Prêmio
Nobel da paz em 1993.
Mandela se tornou o primeiro presidente negro eleito da África do Sul (de
maio de 1994 a junho de 1999). “Mandiba” (como Mandela é chamado entre os
negros) comandou a transição do regime do apartheid, ganhando respeito internacional
por sua luta em prol da reconciliação interna e externa. Alguns setores do movimento
negro sul-africano, contudo, criticaram-no, acusando-o de ter se “vendido aos brancos e
às elites capitalistas”.
Após o fim do mandato de presidente, em 1999, Mandela voltou-se para a
causa de diversas organizações sociais e de direitos humanos, como a campanha contra
a AIDS. Em junho de 2004, aos 85 anos, Mandela anunciou que se retiraria da vida
pública.

21 A INDEPENDÊNCIA DA ÁFRICA PORTUGUESA


Como vimos, um a um, boa parte dos Estados africanos foi conquistando a
independência, sobretudo nos anos 1950/60, no processo que ficou conhecida como
descolonização. Houve, porém, uma exceção: as colônias portuguesas de Angola,
Moçambique e Guiné-Bissau.
As possessões portuguesas estavam entre as mais antigas da África, e foram
também as que duraram mais tempo. Os três Estados só chegaram à independência nos
anos 70, depois da morte do ditador Antonio Salazar, que governou Portugal entre
1932 e 1970, e com a Revolução dos Cravos, em 1974.

Portugal tornou-se República em 1910. Os anos seguintes foram de crise


econômica e social e instabilidade política provocada disputas entre as elites, formadas
pela burguesia e latifundiários, e setores de esquerdas, os quais desejavam mudanças
sociais.
Diante do crescimento das esquerdas, as classes dominantes portuguesas
apoiaram nos anos 1920 a instalação de um regime autoritário de cunho nacionalista e
anticomunista (influenciado pelo fascismo italiano) liderado pelo general Antônio
Carmona. Para o Ministério da Fazenda, foi nomeado Antônio de Oliveira Salazar, que
adotou várias medidas a favor do capital. Estes, então, apoiaram a ascensão de Salazar
ao comando de Portugal em 1933.
Salazar outorgou aos portugueses uma constituição de natureza fascista.
Iniciava-se uma fase política do país que ficou denominada como Estado Novo.
Salazar criou uma das mais duradoras ditaduras da Europa. Só deixou o poder, idoso,
em 1968 (faleceria em 1970), passando comando de Portugal para um sucessor,
Marcelo Caetano.
Portugal tornou-se um dos países mais atrasados da Europa. O
autoritarismo e a crise econômica (agravada com a crise do capitalismo de 1973), afora
as humilhantes derrotas sofridas pelas tropas portuguesas nas lutas anti-coloniais
africanas, levaram em 1974 ao fim do regime, na chamada Revolução dos Cravos. Esta
foi um movimento liderado por jovens oficiais do Exército português, contando com
apoio de setores populares, inclusive de comunistas.
No dia 25 de abril de 1974, explodiu a revolução. A senha para o início do
movimento foi dada à meia-noite através de uma emissora de rádio. A senha era uma
música proibida pela censura, Grândula Vila Morena, de Zeca Afonso. Os militares
fizeram com que Marcelo Caetano fosse deposto, o que resultou na sua fuga para o
Brasil. A presidência de Portugal foi assumida pelo general António de Spínola. A
população saiu às ruas para comemorar o fim da ditadura e distribuiu cravos, a flor
nacional, aos soldados rebeldes em forma de agradecimento.

Moçambique, um dos países mais pobres do planeta, foi o que mais tempo
permaneceu sob controle colonial: de 1505, quando os portugueses se apossaram de seu
litoral, até 1975. O movimento nacionalista de independência surgiu nos anos 1950 e
ganhou força em 1962, com a criação da Frente de Libertação de Moçambique, a
Frelimo, de tendência socialista, liderada por Eduardo Mondlane. Através de ações de
guerrilha, a Frelimo obteve em 1964 o controle de todo o norte moçambicano.
Mondlane seria assassinado em 1969, no exílio, e substituído por Samora Machel. Os
lusitanos, apesar dos modernos armamentos disponibilizados pela Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN, da qual Portugal era membro no enfrentamento ao
socialismo), tiveram que travar duros combates contra as forças coloniais, sofrendo não
raras vezes grandes derrotas e inúmeras baixas.
Os novos governantes portugueses, que tomaram o poder após a Revolução
dos Cravos, cumpriram a promessa de pôr fim ao império colonial português. Em 1975,
Portugal começou a retirar as tropas de suas colônias africanas, reconhecendo a
independência de Moçambique e iniciou negociações com Angola onde também havia
luta armada contra a dominação colonial.
Moçambique passou a ser governado pelo líder da Frelimo, Samora Machel,
que implantou um modelo socialista inspirado no Leste Europeu e na China de Mao Tse
Tung. O regime da Frelimo aprofundou os laços com a União Soviética e passou a
proteger os refugiados do Congresso Nacional Africano (CNA), que como vimos, lutava
contra o apartheid da áfrica do Sul. Além das dificuldades econômicas e problemas
sociais, Machel precisou enfrentar as ações da Resistência Nacional Moçambicana,
Renamo, um grupo guerrilheiro anticomunista apoiado pela África do Sul e pelos
Estados Unidos. A Renamo caracterizou-se como um grupo promotor de terrorismo,
massacrando camponeses e sabotando ferrovias, portos e indústrias. As ações da
Renamo provocavam o deslocamento das populações rurais para as cidades, reduzindo a
produção agrícola e agravando o quadro de escassez e fome do país.
Em 1984, a desorganização econômica provocada pela guerrilha de direita e
uma pesada seca provocou imensa fome em Moçambique.
Samora Machel morreu em 1986, num desastre aéreo. Foi sucedido pelo
chanceler Joaquim Chissano. O novo governo reintroduziu a agricultura privada e se
afastou gradativamente dos países socialistas, a fim de obter ajuda econômica ocidental.
Em 1990, sob o impacto da queda do Muro de Berlim, a Frelimo abandonou o
marxismo. Mas a guerra entre o governo e a Renamo continuou, num país repleto de
minas explosivas, terras cultiváveis afetadas pela devastação das batalhas e uma
população vitimada pela fome, tifo e cólera.
A guerra civil entre Frelimo e Renamo só se encerraria em 1992, após anos
de negociação. Já em 1990, fora aprovada uma nova constituição, que introduziu no
sistema político moçambicano a pluralidade partidária. As primeiras eleições
realizaram-se em 1994. A Frelimo foi o partido mais votado, passando a ter maioria no
parlamento e constituindo um governo, que continuou com Joaquim Chissano. Seu
governo promoveu a aproximação com o governo do recém eleito Nelson Mandela, da
África do Sul, tendo os dois países assinado vários tratados de cooperação econômica.
Muitas medidas neoliberais, como privatizações de estatais, foram adotadas nos últimos
anos. Moçambique fez muito para reconstruir-se desde o fim da guerra civil, embora as
minas terrestres e problemas climáticos, como as secas e os ciclones continuem a
dificultar...
Angola igualmente só conheceu a independência nos anos 1970. A presença
de Portugal no país foi marcada pelo tráfico de escravos, a principal atividade comercial
até meados do século XIX. No total, cerca de 3 milhões de angolanos foram vendidos
como cativos, a maioria para o Brasil.
A luta pela independência em Angola teve início na década de 1960, se
manifestando através principalmente de dois grupos rivais. Os principais eram o
Movimento Popular de Libertação de Angola, MPLA, de esquerda e a União
Nacional para a Independência Total de Angola, UNITA, conservador e ligado às
elites africanas.
A rivalidade entre aqueles grupos resultaria em uma guerra civil. O apoio
estrangeiro a cada facção em luta armada evidenciava claramente a Guerra Fria na
África: enquanto o MPLA tinha auxílio soviético e cubano, a Unita recebia ajuda dos
Estados Unidos, da França e da África do Sul.
Em outubro de 1975, a África do Sul enviou tropas para lutar em Angola, ao
lado da Unita. A ofensiva contra a capital Luanda foi detida pela chegada de soldados
cubanos, a pedido do MPLA.
Em novembro de 1975, Portugal renunciou oficialmente ao controle da
colônia e o MPLA tomou o poder e proclamou a República Popular de Angola, sob um
regime socialista tendo como presidente Agostinho Neto. Mas foi um difícil começo
para a nova república: os colonos portugueses (cerca de 6% da população) abandonaram
o país, e com isso Angola perdeu quase toda sua mão de obra qualificada.
Em 1976, o MPLA derrotou praticamente os grupos rivais e assumiu o
controle da maior parte do território angolano, obtendo o reconhecimento internacional.
A Unita, liderada por Jonas Savimbi, porém, continuaria com as ações guerrilheiras,
com o apoio dos Estados Unidos e da África do Sul.
A consolidação do governo da MPLA em Angola transformou o sudoeste
africano numa região das mais tensas da África. O regime racista sul-africano via em
Angola um desafio, pois ameaçava seu domínio sobre a Namíbia – esta era antiga
colônia alemã, dominada desde 1915 pela África do Sul e onde havia uma guerrilha de
esquerda (Organização Popular do Sudoeste Africano – SWAPO) que lutava pela
independência contando com apoio da MPLA (Angola chegou mesmo a ocupar e
libertar parte do território da Namíbia). Além disso, a África do Sul temia que uma
vitória significativa das esquerdas na região poderia estimular a luta contra o regime do
apartheid.

A Namíbia tornou-se uma colônia alemã em 1884, sob o nome de África


Alemã do Sudoeste de (Deutsch-Südwestafrika). Entre 1906 e 1907, os povos nativos
Herreros e Namaquas se rebelaram contra o domínio germânico e acabaram alvos de
um genocídio – os alemães ceifaram a vida de 10.000 Namas (metade da etnia) e de
65.000 Herreros (80% da etnia). O mais trágico é que muitas destas mortes não
ocorreram em batalhas, mas num processo claro de eliminação das etnias feito pelos
alemães. Incapazes de alcançar uma vitória conclusiva, os alemães passaram a fuzilar
os homens e empurrar especialmente mulheres e crianças para o deserto, onde
morreriam de fome, sede, doenças e trabalhos forçados em campos de concentração.
As autoridades alemãs davam números aos africanos e meticulosamente registraram
cada morte, seja nos campos ou de trabalho forçado. Empresas alemãs conseguiram
“alugar” os nativos, a fim de utilizar sua mão de obra, e as mortes dos trabalhadores
foram autorizadas, e até mesmo notificadas às autoridades alemãs. Historiadores
especulam que o sucedido na Namíbia pode ter sido modelo para o Holocausto judeu
praticado pelos Nazistas na década de 1940.
Os sobreviventes da Namíbia foram alvo de segregação racial e
discriminação, num sistema que antecipou de várias maneiras o apartheid. A África do
Sul ocupou a Namíbia em 1915 após a derrota alemã na I Guerra Mundial.
Apesar de o governo sul africano ter o desejo de incorporar a África Alemã do
Sudoeste ao seu território, isso nunca aconteceu, porém administrava efetivamente a
Namíbia, com uma minoria branca no poder que oprimia e discriminava a maioria
negra. Em 1966, a SWAPO (Organização Popular do Sudoeste Africano) um
movimento independentista de esquerda, lançou uma guerra de guerrilha contra as
forças sul-africanas, contando com apoio de tropas cubanas e angolanas.
Apesar de uma resolução da ONU de 1978, a África do Sul se recusou a
ceder o controle sobre a Namíbia. Apenas em 1990 o país se tornou independente.

Em 1979, após morte de Agostinho Neto, a presidência passou para José


Eduardo dos Santos. A guerra civil prolongou-se pelos anos 80. O desmoronar do
Socialismo Real e o próprio impasse do confronto levou a abertura de negociações em
1988, envolvendo Angola, Cuba e África do Sul. Fixou-se, então, prazos para a
independência da Namíbia (proclamada em março de 1990) e para a retirada das tropas
cubanas, em maio de 1991. No mesmo mês, um novo acordo entre o governo e a Unita
estabeleceu a convocação de eleições democráticas, realizadas em setembro de 1992.
José Eduardo dos Santos foi confirmado presidente nas urnas, mas a Unita não aceitou o
resultado e reiniciou a guerra civil. Os combates devastaram o país e provocaram a
fome em grande escala. Em 1993, os Estados Unidos reconheceram o governo do
MPLA e retiraram o apoio à Unita. Eram os reflexos do fim da Guerra Fria.
Mesmo assim a guerra civil persistiu, com pesadas perdas materiais e de
vidas para Angola. A morte de Jonas Savimbi em 2002, durante combates, abriu espaço
para um cessar-fogo entre o governo e a Unita. Encerrava-se, dessa forma, uma das
mais sangrentas e longas guerras da África. O país ficou devastado (500 mil mortos),
com milhares de mutilados vítimas das minas.

Nos anos 1970 outras duas pequenas colônias portuguesas obtiveram suas
independências: Guiné-Bissau e Cabo Verde. Em Guiné-Bissau (antiga Guiné
Portuguesa), a luta anticolonial e nacionalista vinha desde 1959 e foi liderada por
Amilcar Cabral, que acabou assassinado em 1973 pelos portugueses. Após a morte do
líder, a luta intensificou-se e naquele ano ainda Guiné-Bissau proclamou sua
independência (reconhecida por Portugal em 1974, após a Revolução dos Cravos). A
emancipação de Cabe Verde, um arquipélago no oceano Atlântico com 10 ilhas, teve
sua luta de independência ligada à mobilização de Guiné-Bissau. Havia planos para a
unificação dos dois países, mas que não foram adiante.
O irmão de Amílcar Cabral, Luís de Almeida Cabral, foi empossado como o
primeiro presidente da República da Guiné-Bissau. Instituiu-se um governo de
orientação marxista e favorável à fusão com a também ex-colônia de Cabo Verde. O
governo de Luís Cabral enfrentou sérias dificuldades que chegaram a provocar a
escassez de alimentos no país. Luís Cabral foi deposto em 1980 por um golpe militar
liderado pelo general João Bernardo Vieira. Com o golpe, a ala cabo-verdiana do
governo separou-se da ala guineense, o que fez frustrar o plano de fusão política entre
Guiné-Bissau e Cabo Verde. Os países romperam mesmo relações, que somente seriam
reatadas em 1982. Ambos países renunciaram ao marxismo no inicio dos anos 1990.

22 O CHIFRE DA AFRICA

Chama-se Chifre da África a península da Somália, região nordeste do


continente africano, que inclui a Somália, a Etiópia, o Djibouti e a Eritréia. Projeta-se no
oceano na região em que o Índico forma o golfo de Áden, na entrada do mar Vermelho.
O nome Chifre da África pode ter sido originado pela forma pontiaguda daquela parte
do continente, como chifre de rinoceronte (tido como afrodisíaco). Constitui-se uma
área estratégica por possibilitar o controle do golfo de Áden e das rotas marítimas que
ligam o Mediterrâneo ao Índico através do mar Vermelho e canal de Suez (por ali passa
boa parte do petróleo consumido na Europa). Militarmente, o seu valor decorre do fato
de ser uma rota encravada dentro do mundo árabe-muçulmano.
Não por acaso, essa área constitui-se um dos principais focos de tensão da
África. Os dois principais estados da região, Somália e Etiópia, protagonizaram nas
décadas de 70/80 duras disputas armadas pelo deserto de Ogaden, o que não pode ser
dissociado da Guerra Fria. A Etiópia era alinhada da URSS e a Somália, após certa
proximidade com os soviéticos, aproximou-se dos EUA.
O deserto de Ogaden localiza-se no interior do Chifre da África, na fronteira
entre Somália e Etiópia. É uma área habitada predominantemente por somalis. Quando
das negociações do pós-II Guerra Mundial, ainda nos anos 1940, os ingleses (que
dominavam o norte da Somália, enquanto os italianos controlavam o sul) entregaram o
território de Ogaden à Etiópia – lembremos que a Etiópia fora um dos poucos países da
África que mantiveram sua independência no contexto do imperialismo. Em 1960, com
a retirada de ingleses e italianos, a Somália se unificou e se tornou independente. Ficou,
contudo, a disputa pelo território de Ogaden com a Etiópia.
Nos anos 1970, vale ressaltar, tantos somalis como etíopes contavam com
apoio da URSS. Em 1977, a Somália invadiu a Etiópia pelo controle do Ogaden, no que
ficou conhecido como a Guerra do Chifre da África. A URSS apoiou a Etiópia, o que
irritou a Somália, que assim passou a se aproximar dos norte-americanos. Em 1978, a
Etiópia, com apoio de soldados cubanos, retomou o Ogaden. Mais de um milhão de
somalis que viviam em Ogaden tiveram que se refugiar na Somália. O conflito
fronteiriço, porém, continuou até 1988, quando no contexto do fim da Guerra Fria, foi
feito um acordo que incorporou o Ogaden à Etiópia.
Em 1991, o ditador Somali Barre (no poder desde 1969) foi deposto e fugiu
do país, derrotado por uma coligação de vários grupos armados rebeldes. A seguir os
grupos vencedores não chegaram a um acordo sobre o novo governo e a guerra civil foi
reiniciada. A Somália tornou-se um país “acéfalo”, dividido entre clãs (dominados pelos
“senhores de guerra”) que travavam entre si ferrenhas e bárbaras batalhas. Vários desses
grupos são islâmicos fundamentalistas, acusados pelos EUA de terem ligações com o
grupo terrorista Al Qaeda, de Osama Bin Laden. No caos administrativo, a população
sofre com a fome e doenças. Não raras vezes, os alimentos mandados por entidades
humanitárias são confiscadas por grupos armados.
Em 1992, na intenção de pacificar a região (e de também controlar o
estratégico Chifre da África), tropas norte-americanas, com autorização da ONU,
intervieram na Somália. Não conseguiram sucesso e foram obrigadas a se retirar nos
anos seguintes.

Desde o início da guerra civil, nos anos 90, somalis tem praticado a
pirataria nas águas ao largo do Chifre da África, sequestrando navios e petroleiros e
suas tripulações em alto mar, em troca de resgate, tornando a região uma ameaça à
navegação internacional. A mídia constantemente ressalta os milhões de dólares em
prejuízo e os riscos ao comércio na região.
Contudo, há muito mais no que concerne a esses piratas, na maior parte,
humildes pescadores, na faixa dos 20/30 anos. Nove milhões de somalianos passam
fome. A prática da pirataria se tornou, assim, para muitos a única opção de vida. Além
disso, há denúncias de que a população da Somália reage contra práticas criminosas
feitas por nações ocidentais. Como não há um governo somali organizado, empresas e
potências estrangeiras estariam aproveitando para jogar lixo atômico no litoral do país
e saquear seus recursos naturais. Fala-se que é comum a presença misteriosos navios
europeus no litoral da Somália, jogando ao mar contêineres e barris enormes. A
população litorânea começou a adoecer. No começo, erupções de pele, náuseas e bebês
malformados. Então, com o tsunami de 2005 (que também atingiu o litoral da
Somália), centenas de barris enferrujados e com vazamentos apareceram em diferentes
pontos do litoral.
Ao mesmo tempo, têm-se denúncias que outros navios europeus vivem de
pilhar os mares da Somália, atacando uma de suas principais riquezas: o pescado. A
cada ano saem de lá mais de 300 milhões de atuns, camarões e lagostas. Tudo roubado
anualmente, por pesqueiros ilegais.
Esse seria, então, o contexto do qual nasceram os "piratas" somalianos. São
pescadores somalianos, que capturam barcos como tentativa de assustar e dissuadir os
grandes pesqueiros; ou, pelo menos, como meio de extrair deles alguma espécie de
compensação. Eles se autodenominam "Guarda Costeira Voluntária da Somália" e a
maioria dos somalianos os conhece sob essa designação e os apóia.

Outro conflito na região envolveu a Etiópia e a Eritréia. Esta corresponde à


faixa litorânea do mar Vermelho, localizada ao norte da Etiópia. Enquanto a Etiópia
mantinha sua independência no século XIX e XX (aproveitando-se das rivalidades entre
as potências imperialistas europeias), a Eritréia foi colônia Italiana até a Segunda
Guerra Mundial, passando então para controle da Inglaterra. Em 1952, um acordo entre
ingleses e etíopes levou a formação de uma federação entre a Etiópia e Eritréia. Dez
anos depois, a Etiópia anexou definitivamente àquela área litorânea, transformando-a
numa colônia. Isso fez surgir um importante movimento separatista entre a população
eritréia (na maioria, islâmica e apoiada pelos países árabes) contra a cristã Etiópia.
Em 1974, a monarquia etíope (aliada dos Estados Unidos) foi derrubada,
sendo proclamada a república que se alinhou com a União Soviética. A guinada política,
porém, não mudou os interesses do Estado Etíope na Eritréia, com repressão ao
movimento separatista. Logo a região entrou em guerra, com os separatistas eritreus
contando com armas e financiamento de países ocidentais (Estados Unidos) e árabes,
enquanto a Etiópia recebia apoio soviético e reforços cubanos.
Nos anos 1980, o confronto viveu um prolongado impasse. No início da
década, secas e a desorganização da produção em virtude da guerra provocaram muita
fome na Etiópia, levando um milhão à morte. Com o fim da Guerra Fria e derrocada do
Leste Europeu, cessou a ajuda soviética aos etiopes. Em 1991, a guerrilha separatista
venceu a guerra civil e proclamou a independência da Eritreia. Entre 1998-2002
estourou guerra motivada pelas disputas de fronteiras entre os dois países. Até hoje a
tensão persiste na região.

23 AFRICA RECENTE

Com o fim da Guerra Fria, a África perdeu sua importância relativa. Nos
anos 1990, o continente foi praticamente de novo entregue ao esquecimento. Os Estados
africanos, artificialmente divididos, continuaram sendo cenário de guerras civis
provocadas por ódios étnicos. Muitas ditaduras permaneceram mantidas através das
armas e da corrupção, enquanto doenças (com destaque para a AIDS), fome e secas
continuam ceifando a vida de milhões de pessoas.
Com o processo de inovação tecnológica ocorrido nas décadas de 1980/90,
teve-se (com o uso crescente da tecnologia) a elevação dos juros internacionais, a
depreciação do preço dos gêneros agrícolas e extrativistas e a sobrevalorização dos
produtos exportados pelos países industrializados. A África foi duramente atingida por
esses processo. Sua população era tão pobre que não tinha como consumir em larga
escala os novos e caros produtos tecnológicos vendidos pelos países capitalistas
centrais. Desta forma, os países africanos, já excluídos do centro dinâmico da economia
mundial pelo monopólio tecnológico dos países ricos, viram-se também excluídos dos
créditos e financiamentos e com uma dívida gigantesca a pagar.
O resultado disso foi dramático para a África. A participação do continente
na economia mundial é, atualmente, inferior a 2%, tendo o volume de sua interação
comercial com o restante do mundo declinado 40% no decorrer do período 1980-2000.
A dívida externa africana atinge 315 bilhões de dólares, mais que o triplo do total de sua
receita anual de exportações. A renda per capita africana caiu 20% desde 1980,
passando, na África subsaariana, de US$ 752 a US$ 641. Os investimentos diretos
estrangeiros na África correspondem a menos de 5% do total obtido pelo Terceiro
Mundo.
Não obstante, algumas regiões da África que obtiveram certa estabilidade
política e com riquezas minerais (petróleo, diamantes, etc.) têm conseguido taxas
expressivas de crescimento. Afora a sempre forte economia da África do Sul, merecem
destaque Mauritânia, Angola, Moçambique e Malawi.
Para esse crescimento estão sendo importantes os investimentos da China.
Desde o começo deste século, os chineses têm investido milhões de dólares, expandindo
a frágil infraestrutura africana e explorando matérias-primas (especialmente petróleo)
que o gigante asiático necessita para o crescimento de sua economia. Aproximadamente
um terço do petróleo importado pela China vem da África. Em troca, a China envia
milhares de operários e técnicos, construindo pontes, estradas, hidrelétricas, escolas,
hospitais, etc. Afora isso, o regime de Pequim faz vantajosos empréstimos às nações
africanas, comprometendo-se a não intervir nos assuntos internos locais (e sendo
conivente com regimes opressores).
As riquezas e potenciais econômicos da África e a presença cada vez maior
da China na África não passaram despercebidas aos olhos de outros países – o Brasil
inclusive. Por esse motivo, a atenção que o presidente Lula deu ao Continente Negro em
seu mandato, fosse com viagens com o propósito de fazer acordos comerciais, fosse
com o estimulo para que estatais e empresas privadas brasileira investissem na África.
Europa e Estados Unidos igualmente buscam ampliar os negócios e os investimentos na
África, numa visível ofensiva diplomática. A realização da Copa do Mundo de Futebol
na África do Sul em 2010 não pode ser desvinculada desta nova valorização
internacional da África.
Há, porém, quem compare essa retomada da atenção do mundo para com a
África ao imperialismo dos séculos XIX e XX. Os países africanos acabam dependentes
dos governos e empresas estrangeiras e o crescimento econômico obtido fica restrito a
setores das classes médias e elites locais, não alterando profundamente o estado
lastimável de penúria em que vivem milhões de pessoas do continente. A Pobreza gera
igualmente instabilidade política, com grupos de batendo e guerreando por recursos
básicos como água e terra férteis. Há igualmente grupos estrangeiros que estão
comprando imensas terras agrícolas para a lavoura de exportação, diminuindo, por
consequência as áreas da produção de subsistência e agravando a fome.
Afora isso, governos e empresas estrangeiras tiram proveito da instabilidade
política e institucional das nações africanas e acabam intervindo, diretamente ou não,
nas disputas políticas internas (por exemplo, apoiando e financiando grupos opositores a
tomar o poder em troca de maiores vantagens na exploração de petróleo e diamantes).
Some-se, por fim, a corrupção quase endêmica, pela qual governantes e segmentos
dominantes africanos desviam ou se apossam das riquezas de seus países (e mesmo da
ajuda internacional).
Para esse crescimento estão sendo importantes os investimentos da China.
Desde o começo deste século, os chineses têm investido milhões de dólares, expandindo
a frágil infraestrutura africana e explorando matérias-primas (especialmente petróleo)
que o gigante asiático necessita para o crescimento de sua economia. Aproximadamente
um terço do petróleo importado pela China vem da África. Em troca, a China envia
milhares de operários e técnicos, construindo pontes, estradas, hidrelétricas, escolas,
hospitais, etc. Afora isso, o regime de Pequim faz vantajosos empréstimos às nações
africanas, comprometendo-se a não intervir nos assuntos internos locais (e sendo
conivente com regimes opressores).
As riquezas e potenciais econômicos da África e a presença cada vez maior
da China na África não passaram despercebidas aos olhos de outros países – o Brasil
inclusive. Por esse motivo, a atenção que o presidente Lula deu ao Continente Negro em
seu mandato, fosse com viagens com o propósito de fazer acordos comerciais, fosse
com o estimulo para que estatais e empresas privadas brasileira investissem na África.
Europa e Estados Unidos igualmente buscam ampliar os negócios e os investimentos na
África, numa visível ofensiva diplomática. A realização da Copa do Mundo de Futebol
na África do Sul em 2010 não pode ser desvinculada desta nova valorização
internacional da África.
Há, porém, quem compare essa retomada da atenção do mundo para com a
África ao imperialismo dos séculos XIX e XX. Os países africanos acabam dependentes
dos governos e empresas estrangeiras e o crescimento econômico obtido fica restrito a
setores das classes médias e elites locais, não alterando profundamente o estado
lastimável de penúria em que vivem milhões de pessoas do continente. A Pobreza gera
igualmente instabilidade política, com grupos de batendo e guerreando por recursos
básicos como água e terra férteis. Há igualmente grupos estrangeiros que estão
comprando imensas terras agrícolas para a lavoura de exportação, diminuindo, por
consequência as áreas da produção de subsistência e agravando a fome.
Afora isso, governos e empresas estrangeiras tiram proveito da instabilidade
política e institucional das nações africanas e acabam intervindo, diretamente ou não,
nas disputas políticas internas (por exemplo, apoiando e financiando grupos opositores a
tomar o poder em troca de maiores vantagens na exploração de petróleo e diamantes).
Some-se, por fim, a corrupção quase endêmica, pela qual governantes e segmentos
dominantes africanos desviam ou se apossam das riquezas de seus países (e mesmo da
ajuda internacional).

Há seis séculos, as potências europeias deram início à colonização do


continente africano. Agora, chegou a vez da China, a potência emergente do século 21,
redescobrir a África e tirá-la do esquecimento político e econômico a que estava
relegada desde o fim da Guerra Fria. Com uma estratégia agressiva de relações
diplomáticas baseadas em parcerias comerciais, a China encontrou nos países africanos
tudo o que precisa para sustentar sua média anual de crescimento econômico de 11,5%:
matéria-prima em abundância, indústria local fraca e um mercado inexplorado para os
produtos chineses.
O comércio bilateral deverá fechar o ano na casa dos US$ 70 bilhões,
aumento de 30% em relação ao ano anterior. Com 800 empresas espalhadas por 49 dos
53 países do continente, os chineses começam a fazer parte da paisagem de muitas
cidades africanas. Estima-se que já são mais de 750 mil deles vivendo na África.
Em Luanda, os canteiros de obras estão apinhados de operários chineses. Na
construção de um hotel no centro da capital, chineses e angolanos comunicam-se por
mímica. "Estou aqui há mais de um ano e adoro. Pretendo até trazer minha família",
disse ao Estado Yang Lee, arquiteto da obra. Seu patrão, um militar angolano da reserva
que não quis se identificar, elogia os chineses. "Eles são eficientes e muito caprichosos,
olhe só esse acabamento", diz, apontando para uma parede de azulejos.
Para o deputado João Melo, do partido governista MPLA, a parceria com os
chineses chegou na hora certa. "Eles estão nos ajudando a levantar esse país, que há
cinco anos estava no fundo do poço", disse. A grande novidade é que os chineses estão
chegando com investimentos pesados em infraestrutura - e num volume que muitos
países africanos não recebem há mais de quatro décadas, quando ainda eram colônias de
nações europeias.
O petróleo é, de longe, o principal fator do envolvimento chinês no
continente. Por isso, Angola, Sudão e Nigéria, os maiores produtores da África, são
beneficiados. Este ano [2007] Angola chegou a ultrapassar a Arábia Saudita como o
principal fornecedor de petróleo da China.
Linhas de crédito abertas por Pequim estão sendo usadas para abrir estradas,
construir pontes e recuperar ferrovias destruídas pela guerra civil angolana (1975-2002).
O Sudão viu sua economia crescer 11,2% este ano, também graças à China, destino de
64% dos barris extraídos do subsolo sudanês. Na Nigéria, além de fornecer crédito e
ajuda técnica para construção de refinarias e hidrelétricas, o governo chinês está
investindo no setor de telecomunicações, com o lançamento de um satélite para
transmissão de sinal de celulares.
A presença chinesa estende-se a outros países. Da África do Sul, a China
compra minério de ferro e platina. Do Gabão e Camarões, madeira. Do Congo, cobre e
cobalto. Pequim também importa a maior parte da produção de algodão das nações do
centro e do oeste africanos.
Agressiva, a estratégia chinesa para a África inclui ajuda humanitária e
propostas de negócios irrecusáveis - com preços abaixo do mercado e perdão de dívidas
-, que levam os críticos a falar em concorrência desleal. "Aqui em Angola, as parcerias
fechadas com a China não passam pelo crivo do Parlamento e são marcadas pela falta
de transparência", explica o cientista político Nelson Pestana, professor de economia
social e direito da Universidade Católica de Angola.
Vários países do continente, no entanto, veem a ofensiva chinesa como
saída para captar investimentos. "Antes, os africanos sofriam para conseguir verbas e
créditos de instituições como o FMI e o Clube de Paris, pois havia a exigência de metas
que eles não conseguiam cumprir", diz o cientista político queniano Firoze Manji. "A
China surgiu, então, como uma alternativa viável, que oferece empréstimos a taxas
baixíssimas."
Pequim alega que não mistura negócios com política e sua linha é de não
intervir nas questões internas dos países. Com esse argumento, fecha acordos com
líderes acusados de violar os direitos humanos, caso de Omar al-Bashir, presidente do
Sudão, onde o genocídio em Darfur já matou mais de 200 mil pessoas. "É hipocrisia
acusar a China de negociar com países onde há ditadores. Outras nações fazem muito
pior. A China nunca mandou assassinar nenhum líder africano, como a CIA já fez", diz
Manji.
Uma das facetas mais arriscadas dessa relação sino-africana está, segundo
especialistas, no tamanho do apetite chinês por petróleo e minérios, que prejudica a
diversificação da economia dos países africanos. Nas duas áreas, a criação de empregos
é limitada. Sem uma indústria manufatureira e dependente do instável mercado mundial
de commodities, o continente desenvolve-se de modo pouco sustentável.
Além disso, os contratos que os chineses assinam normalmente não os
obriga a transferir tecnologia. "Em todas as obras daqui só há trabalhadores chineses,
incluindo os sem qualificação. Num país com índice de desemprego de 45%, isso é
inconcebível", diz Pestana. A reclamação é a mesma em outros países africanos. Em
Zâmbia, empreiteiras da China construíram uma ferrovia de 2 mil quilômetros e
reformaram um porto. Terminadas as obras, os chineses partiram sem ensinar técnicos
locais, que agora não sabem como fazer a manutenção da ferrovia ou do porto.
O candidato a presidente Michael Sata prometeu acabar com a parceria
bilateral caso vencesse as eleições de setembro. "Os chineses estão aqui simplesmente
para tomar o lugar do Ocidente, são os novos colonizadores da África", acusou durante
a campanha. Imediatamente, Pequim ameaçou cortar relações diplomáticas com Zâmbia
- o que não ocorreu porque Sata acabou derrotado.
(in http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,china-vai-a-africa-e-muda-o-
continente,97886,0.htm)

24. UNIÃO AFRICANA

Em 2002, foi criada em Durban, na África do Sul, União Africana, em


substituição à Organização da Unidade Africana, de 1963.
O objetivo principal da OUA, surgida no contexto da descolonização do
continente, consistia em proporcionar apoio econômico, militar e diplomático aos
movimentos de luta pela independência nacional, contribuir para sua unidade e
divulgação de suas atividades, no que foi, em geral, bem sucedida. Quanto a outros
objetivos, a OUA teve resultados modestos – não conseguiu o desenvolvimento de
políticas comuns e de cooperação econômica entre seus membros, não obteve o
fortalecimento da influência internacional da África, não logrou êxito em proteger a
soberania e a integridade territorial dos estados africanos e a coordenação das atividades
destes em matéria de política externa, economia, defesa e cultura.
A União Africana (UA) aparece em outra conjuntura, marcada pela
eliminação das últimas sobrevivências coloniais no continente – o regime racista da
África do Sul (extinto nos anos 1990); da pacificação de sociedades dilaceradas por
décadas por destrutivas guerras civis (a exemplo de Angola e Moçambique); dos
avanços democráticos (muito bem expresso na queda de velhos ditadores do poder
como Mobuto) e do aparecimento de novas lideranças. Assim, foram dadas condições
favoráveis à construção de novos consensos políticos no continente e convergências
diplomáticas e cooperação econômica.
Os objetivos da UA não são modestos, afinal, os desafios que terá pela
frente são gigantescos. Pretende a criação de um Parlamento Pan-Africano, do Tribunal
de Justiça, de um Conselho Econômico e Social, de uma força comum de defesa e de
um sistema financeiro (Banco Africano, Fundo Monetário Africano, Banco de
Investimento Africano). Parece não existir alternativa para as nações africanas a não
investir decididamente nesta proposta de unificação/cooperação política e econômica,
capaz de melhor aproveitar o potencial das grandes riquezas do continente, fortalecendo
sua posição negociadora e estimulando os intercâmbios econômico, científico e cultural
entre os povos da região e mesmo com povos de outros continentes, a exemplo do
brasileiro.
A Pobreza do continente africano não tem causas naturais. Ela é uma
herança da escravidão, da dominação imperialista e, na segunda metade do século XX,
do jogo entre as superpotências na Guerra Fria. A África tem riquezas naturais que
encantam turistas e recursos minerais como petróleo e pedras preciosas. Seus habitantes
são inteligentes, criativos e trabalhadores. Mesmo com adversidades climáticas e em
terras pobres, os africanos viveram bem durante milhares de anos até que chegou o
homem branco. Os colonizadores tomaram o governo e as terras da África, roubando
tudo o que podiam. Durante séculos, utilizaram os africanos para fazê-los trabalhar
quase gratuitamente, e se apossaram de suas minas e riquezas. O mundo tem uma
gigantesca dívida histórica com a África.

Miséria, genocídio, estupros em massa, descaso, meninos-soldados. Todas


as tragédias que se transformaram em sinônimo de África continuam lá, mas boas
notícias vêm surgindo em diferentes cantos do continente. Elas revelam uma nova e
pouco conhecida faceta africana, que está animando de ativistas políticos a grandes
empresários. Depois de mergulhar no limbo após a Guerra Fria, o continente começa a
atrair investimentos externos - boa parte bancada pela China -, aproveitando a alta nos
preços de commodities, como petróleo e minérios, abundantes em muitas nações
africanas.
Imagens da África Vídeo-reportagem China vai à África e muda o
continente Angola vive ‘milagre econômico' Meninos-soldados tentam esquecer a
infância Brasileiros faturam no mercado angolano Darfur é retrato da velha África
Zimbábue de Mugabe vai na contramão Violência sexual ainda é epidemia Relatório
do Fundo Monetário Internacional (FMI) confirma que a África está desfrutando de seu
melhor período de expansão econômica sustentável desde o fim do período colonial, há
quatro décadas. O crescimento médio do continente foi de 6,1% este ano - maior do que
o da América Latina, de 5,2% -, com previsão de 7% para 2008. "Nos 25 anos em que
trabalho na África, nunca estive tão otimista", disse o americano John Prendergast, ex-
conselheiro do governo dos Estados Unidos e diretor do projeto Enough (Basta), que
luta contra o genocídio no Sudão. Algumas nações africanas estão entre as que mais
cresceram no planeta.
Um exemplo é Angola, cuja expansão de 23% do PIB em 2007 só ficou
atrás do Azerbaijão (31%). Na capital angolana, Luanda, os hotéis estão sempre lotados,
em qualquer época do ano, mesmo com diárias de US$ 200. São executivos de grandes
empresas petrolíferas que estão investindo bilhões de dólares no país. O lucro obtido
com as exportações é o motor do processo de reconstrução angolano, cinco anos após o
fim da guerra civil que matou 500 mil pessoas e arrasou a infraestrutura local. O drama
africano é que o continente tem 53 países e uma distribuição absolutamente desigual de
recursos naturais e de problemas. Na República Democrática do Congo, por exemplo,
os mesmos componentes que mantêm o leste do país atolado numa guerra que já deixou
4 milhões de mortos nos últimos 11 anos - rivalidade étnica e interesses divergentes de
países vizinhos - impedem que preocupações básicas, como saúde e educação, cheguem
à mesa de discussão do governo. A prioridade ali é limpar o terreno das minas
terrestres e encontrar uma fórmula para coibir milícias armadas de cometer estupros,
sequestrar crianças e obrigar milhares a fugir de suas casas. Angola e Congo
simbolizam, assim, os dois extremos da África atual. Petrodólares Para entender a
África que está dando certo, o Banco Mundial classificou os países de acordo com a
atividade que puxa o crescimento econômico.
O primeiro grupo, dos exportadores de petróleo e recursos minerais, inclui
Angola, Nigéria, Sudão e Chade. As reservas de petróleo do continente representam 7%
do volume total do mundo e a produção atual, de 6 milhões de barris ao dia, deve dobrar
nas próximas duas décadas. Boa parte da rápida expansão desses países deve-se às
parcerias comerciais com a China, que precisa desesperadamente desses produtos para
sustentar seu crescimento econômico. O segundo grupo abriga as nações com uma
economia mais diversificada. Vários países encaixam-se nessa categoria, entre eles
Tanzânia, Botsuana, Gana, Burkina Fasso, Quênia e Ilhas Maurício. "Além desses, os
governos de Senegal, Gana e Ruanda criaram pacotes econômicos eficientes e cada um
soube levar seu país na direção certa, mesmo com poucos recursos naturais", diz
Anthony Holmes, do Conselho para Relações Internacionais, centro de estudos com
sede em Washington, e ex-embaixador dos EUA em diversos países africanos. Como
não têm grandes reservas de petróleo nem de minérios, esses países cresceram por
viverem uma situação política mais estável, por promoverem uma melhor gestão
econômica e se abrirem mais ao capital externo. Segundo o economista-chefe do Banco
Mundial, John Page, "a África aprendeu a negociar com eficiência com o mundo, a
confiar mais no setor privado e a evitar colapsos no seu crescimento econômico, algo
que caracterizou os anos 70, 80 e começo dos 90".
Para desenvolver-se mais uniformemente, a África deve evitar algumas
armadilhas. "É ótimo que os africanos estejam aproveitando a alta nos preços de
commodities, mas é preciso estar alerta para o fato de que esse mercado é cíclico e, por
isso, o preço desses produtos pode cair a qualquer momento", explica o americano
Holmes. Outra prioridade é resolver os conflitos que assolam várias regiões do
continente e são responsáveis pelo fato de 36% dos 450 milhões de africanos ainda
viverem na miséria absoluta. "Sudão, Somália e Chade estão sendo devastados pela
guerra e são exemplos de pobreza e violência extremas", diz o francês François
Grignon, diretor do International Crisis Group, com sede em Bruxelas, na Bélgica.
"Etiópia e Eritréia também merecem atenção, além da Guiné-Bissau, que enfrenta um
gravíssimo problema com o narcotráfico", acrescenta Holmes.
A maioria desses conflitos envolve rivalidades étnicas, mas o componente
religioso ameaça as regiões de população islâmica. Além de disputas entre milícias
cristãs e muçulmanas em países como Sudão, Etiópia e Nigéria, o terrorismo islâmico
inspirado na Al-Qaeda consolidou-se no norte da África. Só este ano, cinco grandes
atentados promovidos pela Al-Qaeda do Magreb Islâmico - considerado uma das
facções mais ativas do grupo do terrorista saudita Osama bin Laden fora do Oriente
Médio - deixaram 131 mortos na Argélia. Em meio a tantos problemas que ainda
rondam o continente africano, o cientista político queniano Firoze Manji resume a
esperança de quem conhece a fundo a região. "Meu otimismo é mais social que
econômico. Vejo cidadãos se mobilizando por seus direitos. Nesse sentido, é um
momento extraordinário para a África, algo que eu não via há muito tempo."

(in http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,africa-um-continente-em-
transformacao,97875,0.htm )

25 AS REVOLTAS POPULARES NO NORTE AFRICANO ORIENTE MÉDIO

No final de 2010 e inicio de 2011, passaram a ocorrer várias revoltas


populares no mundo árabe (Oriente Médio e Norte da África), tidas como as mais
importante onda de protesto pró-democracia da história daquela região do mundo. As
revoltas iniciaram-se com a vitória das massas da Tunísia, derrubando a ditadura de Ben
Ali, e seguiram para outros países, a exemplo do Egito, onde foi derrubado Hosni
Mubarak (aliado dos Estados Unidos). Iêmen, Bahrein, Argélia, Jordânia, Marrocos e
Síria.
Há dúvidas sobre o que acontecerá, pois não se tem certeza se os pedidos
por reformas serão efetivamente postos em práticas em países sem muita tradição
democrática. Há quem tema que os processos abram espaços para grupos
fundamentalistas islâmicos, enquanto as potências ocidentais temem que seus interesses
sejam atingidos por governos não tão alinhados.
Os protestos começaram na Tunísia, em 17 de dezembro de 2010, após um
desempregado e vendedor ambulante de 26 anos, Mohammad Bouazizi, atear fogo no
próprio corpo para chamar a atenção para a sua dramática situação e protestar contra ao
polícia, que o expulsou do local onde ele comercializava seus produtos. A morte do
vendedor inflamou a insatisfação popular contra o ditador Zine El Abidine Ben Ali, no
poder desde 1987, e inspirou os tunisianos a se protestarem contra o governo.
Os protestos se espalharam pelo país e venceram as tentativas de repressão
do governo. A 14 de janeiro de 2011, Ben Ali caiu – era o que foi chamado de
Revolução de Jasmim, flor símbolo da Tunísia. A vitória dos tunisianos inspirou a
população dos países vizinhos a se revoltarem contra os respectivos regimes
autoritários. No Egito, após sucessivos protestos com dezenas de milhares de
manifestantes, o ditador Hosni Mubarak, grande aliado dos EUA no mundo árabe,
deixou a presidência em 11 de fevereiro, após três décadas no poder.
Paralelamente, as populações de Argélia, Bahrein, Iêmen, Jordânia e
Marrocos começaram a se manifestar contra governos. Manifestações menores ocorrem
também em outros países árabes, como Kuait, Iraque, Omã, Arábia Saudita e Irã,
governado por Mahmud Ahmadinejad, tido como um dos grandes inimigos dos Estados
Unidos na região.
Destaque para o envio de tropas da Arábia Saudita para o Bahein, a pedido
da família real barenita, para combater a revolta popular. Na ação militar, um comboio
de 150 blindados e outros veículos do Exército saudita cruzaram a ponte que divide a
Arábia Saudita do Bahrein, levando pelo menos mil homens para o país vizinho. O
Bahrein, que abriga a Quinta Frota Naval dos Estados Unidos, é um dos principais
aliados americanos no Golfo Pérsico. É uma monarquia hereditária das mais
autoritárias. O Ocidente pouco comentou sobre esta invasão, algo compreensível, pois
Estados Unidos e outras potências temem que estas revoltas populares atinjam ou mude
a política petrolífera dos países árabes.
Na Síria, a repressão às revoltas populares foi brutal, com dezenas de
mortos. No poder, está presidente Bashar al-Assad, no commando da Síria desde o ano
2000. O regime de Al-Assad optou, segundo declarações de ativistas dos direitos
humanos, pela "solução militar" para acabar com a onda de protestos.
Os levantes na Tunísia e no Egito motivou igualmente a população da Líbia,
governada desde 1969 por Muammar Kaddafi. Os protestos iniciaram no leste da líbia,
onde a popularidade do ditador é historicamente mais baixa, em virtude de rivalidades
internas (“tribais”). A dura repressão promovida às manifestações teria provocado
milhares de mortes, e a situação evoluiu para uma guerra civil. Os opositores a Kaddafi
passaram a contar com o apoio das potências ocidentais. Acusando o ditador de
massacrar o povo líbio, o Conselho de Segurança da ONU exigiu um cessar-fogo
imediato e autorizou o uso de forças militares contra o regime líbio. As operações
militares, com EUA, Reino Unido, França, Itália e Canadá à frente, começaram a 19 de
março de 2011. Pouco depois, a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte)
tomou a dianteira dos bombardeios. No confronto e nas opiniões distintas repassadas
pelos beligerantes, milhares de civis teriam morrido, fossem apoiadores do regime ou
opositores. Após meses de dura resistência, em agosto de 2011, os rebeldes entraram em
Trípoli e depuseram Kahafi, instalando um governo provisório. Não sabe-se qual o
destino do ex-ditador.

Kadhafi estava no governo da Líbia desde que derrubou o rei Idris I, em


1969, em um golpe de Estado. O rei era um forte aliado do Ocidente e sua queda pode
ser associada ao nacionalismo que se expandia então pelo mundo árabe e que tinha
como grande referência o líder egípcio Nasser.
No poder, Kaddafi manteve certa proximidade em relação à União
Soviética no contexto da Guerra Fria. Defendia a união dos árabes e era opositor
radical do Estado de Israel. Foi tido como aliado e estimulador do terrorismo
internacional, o que lhe trouxe um boicote pelos países ocidentais liderados pelos
Estados Unidos. Kaddafi apoiou grupos terroristas como o palestino Setembro Negro
(que assassinou atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique) e o grupo separatista
basco ETA (acusado de centenas de mortes na Espanha). O líder líbio se negou a
extraditar o terrorista líbio Abdel Basset al Megrahi, que em 1988 fora acusado de
colocar uma bomba num avião da PanAm que explodiu na Escócia, matando 270
pessoas.
Em 1977, Kaddafi criou o conceito de “Jamahiriya” ou “Estado das
massas”, em que o poder é exercido através de “comitês populares”. Seu “Livro
Verde”, que serve de Constituição do país, foi publicado em 1973 e resume seu sistema
de “democracia islâmica”, apresentada como uma alternativa ao socialismo e ao
capitalismo, combinada com princípios do islamismo.
Político habilidoso, após o colapso da URSS Kaddafi conseguiu tirar o país
do isolamento diplomático imposto pelos inimigos. Assim, nos anos 1990, assumiu
responsabilidade pelo ataque ao voo da PanAM e pagou indenização aos familiares das
vítimas, pondo fim a anos de sanções da ONU. Em 2003, foi tirado da relação de países
com ligações com terroristas pelo então presidente dos EUA, George W. Bush, com
quem estabeleceu vários negócios, especialmente envolvendo petróleo. Em 2008, a
ONU aceitou que o país participasse do Conselho de Segurança como membro não
permanente e em 2010 a Líbia foi eleita para o Conselho de Direitos Humanos da
organização.
O fim do isolamento diplomático igualmente impulsionou ainda mais a
economia da Líbia, atraindo investidores estrangeiros e grandes petroleiras. Segundo o
Fundo Monetário Internacional (FMI), a Líbia cresceu 10,6% em 2010, e a previsão é
de que viesse a crescer cerca de 6,2% em 2011. Mas uma das principais razões por trás
dos protestos é que essa riqueza não está chegando ao grosso da população. Cerca de
um terço dos líbios vive na pobreza. Alguns dos problemas apontados pelos
manifestantes que pedem o fim do regime de Kadhafi sãos os mesmos de outros países
árabes: alto desemprego, alto preço dos alimentos, importação da maior parte dos
alimentos necessários ao abastecimento e gastos exorbitantes com arsenal militar.
Afora isso, os opositores são apoiados pelas potências ocidentais por
questões estratégicas – com a queda de Mubarak no Egito, os ocidentais perderam um
importante aliado numa região rica em petróleo e que de modo geral não aceita o
Estado judeu de Israel. Assim, derrubar Kadafi e colocar ali um aliado pró-Ocidente
seria uma forma de “compensar” a perda do Egito.

Vários fatores podem ser apontados como motivadores desta onda rebelde
árabe. Uma das causas mais importante é de ordem social: muitas daquelas nações são
ricas exportadoras de petróleo e tiveram recentes crescimentos econômicos, mas
apresentam enorme concentração de renda, ou seja, a riqueza está nas mãos dos
dirigentes estatais e das elites, enquanto a situação de penúria da população é alarmante.
No Egito, por exemplo, 40% da população vive com menos de 2 dólares por dia, ou
seja, abaixo do limiar de pobreza fixado pela ONU. A situação de vida das populações
agravou-se ainda mais com a crise internacional do capitalismo de 2008, que provocou
falências, redução das exportações-importações e aumentou o desemprego e
subemprego. Nos países árabes, boa parte dos alimentos é importada – nos últimos
anos verificou-se uma alta nos preços dos alimentos e esse é um fator a se considerar
no contexto das revoltas.
Chama a atenção nas revoltas a grande quantidade de jovens. Isso não é
coincidência, pois é grande o número de jovens árabes sem grandes perspectivas. No
caso da Tunísia, 40% da população é formada por cidadãos com idade abaixo de 25
anos. De Marrocos até o Iraque, todas as nações árabes enfrentam uma crise social
gerada pela multiplicação de jovens entre 18 e 25 anos que não encontram espaço no
mercado de trabalho. As economias desses países não foram capazes de criar empregos
adaptados à demanda. Os jovens, inclusive mulheres, acabaram de sair do
analfabetismo de décadas passadas, frequentam universidades e absorvem o espírito de
contestação, questionando qualquer tipo de autoridade, sejam os pais, lideres religiosos
ou políticos.
Afora as más condições de vida, desemprego e injustiça social daqueles
países, há ainda a falta de liberdades políticas e de expressão – são regimes autoritários
e militarizados, que usam geralmente a força para silenciar os críticos. Há uma tomada
de consciência da importância da cidadania e das liberdades individuais e de um desejo
por democracia que implemente aqueles direitos. Os novos meios de comunicação, em
especial a mídia eletrônica, tornou-se espaço de ressonância para tantas frustrações. As
revoltas árabes devem ser associadas (não como fundamental, como exageram alguns
analistas) ao acesso aos novos meios eletrônicos e redes sociais. A Internet possibilita a
partilha desses sentimentos, ainda que sejam minoritários os que dela participam nos
países árabes.
A fogueira da revolta é alimentada ainda com a indignação popular com a
corrupção e o enriquecimento ilícito dos burocratas no poder em várias nações árabes.
Há ainda fatores específicos de cada pais. Poe exemplo, existem grupos
descontentes, como a maioria xiita governada por minoria sunita em Bahrein, e que se
ressente de um tratamento não igualitário. Em algumas nações, os virtuais herdeiros do
poder eram personagens detestadas pela população, como Gamal Moubarak, filho do
ditador egípcio Hosni Moubarak, ou como Seif Al Islam, filho do ditador líbio General
Kadhafi.

No chamado Mediterrâneo africano (ou seja, os países do norte africano


banhado pelo mar mediterrâneo), um das questões que mais chama a atenção é o
crescimento do fundamentalismo islâmico, especialmente no Egito e na Argélia.
Como vimos, nos anos 1950/60, o Egito adotou posturas nacionalistas sob a
liderança de Gamal Abdel Nasser, atuando no Bloco dos Não-Alinhados, aproximando-
se da URSS e defendendo o pan-arabismo.
Após a morte de Nasser (em 1970), os novos governantes egípcios (a
exemplo de Anwar Sadat- 1970/81) foram gradativamente abandonando as ideias de
Nasser e se aproximando dos Estados Unidos. Entre 1981 e 2011, o Egito foi
governado por Hosni Mubarak, um dos principais aliados dos Estados Unidos no
mundo árabe.
A pobreza de boa parte da população e as dificuldades econômicas, aliadas a
aquela mudança de rumos da política externa egípcia desagradaram a diversos setores
da sociedade, que passaram a acusar o governo de ser “subserviente ao Ocidente”. Isso
fortaleceu a ação de grupos radicais islâmicos, que em 1981 chegaram a assassinar o
presidente Sadat. Atualmente, esses grupos fundamentalista promovem atentados a
hotéis, ônibus de turistas e estrangeiros, para “asfixiar” a economia egípcia e
enfraquecer o governo (o turismo é um das principais fontes de recursos do País).
Mubarak realizou forte ação de combate a esses grupos, não raras vezes também sob a
acusação de violação dos direitos humanos. . Mubarak perdeu o poder em 2011 com as
revoltas populares que varreram o Oriente Médio e Norte da África.
A Argélia libertou-se da França m 1962, após violentíssima guerra liderada
pela Frente de Libertação Nacional (FLN), de Bem Bella. No poder, a FLN se
aproximou da URSS e instalou um regime de orientação socialista – empresas
petrolíferas estrangeiras foram nacionalizadas, foram distribuídas as terras
abandonadas pelos antigos colonos franceses, foi adotada uma política externa pró-
Moscou. Em 1965, Bem Bella foi deposto num golpe de Estado dado pelos militares e
substituído pelo coronel Houari Boumedienne.
Com a morte de Boumedienne em 1978 e a chegada à presidência de Chadli
Bendjedid, a Argélia começou a se reaproximar gradativamente dos países ocidentais,
como Estados Unidos e França.
No final dos anos 1980, com a crise do socialismo real, a Argélia abriu-se
politicamente, acabando com o regime de partido único existente desde a
independência. Entre os novos partidos aparecidos, ganhou destaque a Frente Islâmica
de Salvação (FIS), formada por fundamentalistas muçulmanos. O objetivo da FIS é a
criação de um Estado islâmico (teocracia), com o país organizado conforme o Alcorão,
o livro sagrado muçulmano.
Em 1991, num clima crescente de tensão e choques entre ativistas islâmicos
e policiais, a FIS ganhou de forma esmagadora o primeiro turno das eleições
legislativas (elegeu 188 deputados contra apenas 43 dos demais partidos!). Dias antes
do segundo turno (quando se esperava uma vitória maior ainda da FIS), o exército deu
um golpe de Estado. As eleições foram canceladas e a FIS posta na ilegalidade.
Milhares de militantes islâmicos foram presos. O golpe contou com apoio da França e
dos Estados Unidos.
Os fundamentalistas islâmicos, então, passaram a agir clandestinamente,
através de grupos armados que desde então promovem atentados terroristas. Seus alvos
são civis aliados do Ocidente e estrangeiros que residem no país. Em 1992, o
presidente Boudiaf foi morto num ato terrorista. Calcula-se que desde 1992 já
morreram mais de 100 mil pessoas – o governo também age brutalmente, elimina
opositores ou os mantém em campos de concentração no deserto do Saara. Grupos
paramilitares assassinam opositores.

Saara Ocidental é o único caso de território africano que ainda não conseguiu
independência. Em 1975, depois de décadas explorando o fosfato da região, a Espanha
o abandonou. No mesmo ano, o Marrocos invadiu o país. Houve, então, uma guerra,
que durou até 1991. Desde então a ONU tenta organizar um referendo para que a
população decida se quer a independência ou a anexação definitiva ao Marrocos.

26 A DIVISÃO DO SUDÃO

A 9 de julho de 2011 a África ganhou mais uma país: o Sudão do Sul, na


verdade, uma secessão do antigo Sudão. No começo daquele ano, a população do Sudão
aprovou em um referendo a separação entre as regiões Sul e Norte do país. Divisões
étnicas e religiosas causam conflitos que duram já décadas. Não obstante, a disputa por
reservas de petróleo ameaça dar início a novos confrontos.
No referendo de 15 de janeiro de 2011 a população sulista do Sudão
aprovou com 97,5% dos votos a separação da região sul do país para a formação de um
novo país, cuja capital será a cidade de Juba.
O referendo foi mais um passo para o desfecho de um dos grandes conflitos
do século XX, a guerra civil sudanesa (1983-2005) que deixou em seu percurso mais de
2 milhões de mortos e 5 milhões de refugiados. O Tratado de Naivasha, de em janeiro
de 2005, previa para 2011 a votação da população sulista acerca da emancipação
política. Historicamente, há profundos desentendimentos entre o norte e o sul do país.
O Sudão é o maior país do continente africano (2.505.815 km²), sendo
pouco maior que o Estado de Minas Gerais. Possui 8,5 milhões de habitantes. Segundo
dados da ONU, 90% da população vive abaixo da linha da pobreza. Até 85% da
população adulta é analfabeta, metade não tem acesso à água potável e quase não há
estradas ligando o país.
A região sul do Sudão é composta principalmente por uma população negra
com uma religiosidade católica ou de crenças locais tradicionais. Tal população se sente
menosprezada e não representada pelo Estado sudanês, governado pelo norte, de
maioria árabe e muçulmana.
Houve duas guerras pela independência do Sul. A primeira começou em
1955 e terminou em 1972, após um acordo de paz. Os conflitos recomeçaram em 1983 e
só foram interrompidos com um cessar-fogo em 2005, entre o Exército e os rebeldes
sulistas do SPLA (Exército Popular de Libertação do Sudão). Um acordo estabelecido
com o último cessar-fogo conferiu ao Sul autonomia.
Não podemos, contudo, ver o longo conflito do Sudão apenas por questões
étnicas e religiosas. Existem questões mais complexas. O Sudão é membro da Opep
(Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e possui petróleo em abundância.
Não por acaso, os vastos campos de petróleo estão justamente nos limites entre as
regiões norte e sul do país, o que traz ao conflito uma série de interesses internacionais.
Também não foi coincidência que os Estados Unidos de George W. Bush
foi um dos primeiros países a reconhecer o conflito em Darfur (região oeste do Sudão),
como sendo um genocídio. O presidente sudanês Omar al-Bashir,no poder há mais de
vinte anos, foi condenado por crimes contra a humanidade pela ONU. Os EUA não
recebem petróleo algum do Sudão. Já China e Rússia, grandes consumidores do
petróleo do Sudão, se abstiveram das votações do Conselho de Segurança da ONU
contra o governo do país africano.
Assim, o surgimento do novo país não impede problemas acerca de pontos
não resolvidos.

Apesar da pouca atenção dada pelas potências e mídia internacional, ocorreu


no Sudão neste início de século um das mais brutais guerras civis do mundo, que já
teria deixado mais de 500 mil mortos. É a chamada Guerra de Darfur.
Darfur é uma pobre região localizada no oeste sudanês, com uma
população muçulmana e origem centro-africana. O Sudão apresente sérias tensões
regionais, étnicas e religiosas, sobremaneira entre o norte e o sul.
O norte é mais rico e apresenta uma população de origem árabe-islâmica, a
qual impõe sua vontade desde a independência, obtida em 1956, da Inglaterra – por
exemplo, a religião oficial do Sudão é a muçulmana e o Direito se baseia no Alcorão
(Shari'ah). No sul, em geral, os habitantes apresentam origem não árabe, havendo além
de muçulmanos, grupos adeptos das religiões tradicionais e do cristianismo. Os negros
do sul, desiludidos pelas dificuldades de manter suas identidades étnicas e de suas
autonomias regionais, logo se rebelando contra o Estado central e a elite árabe.
Ocorreram guerras civis entre norte e sul, com milhões de mortos.
As populações do sul (e de Darfur) reclamam e sentem-se desassistidas e
discriminadas pelo governo controlado pelos árabes do norte. A descoberta de petróleo
no sul em 1978 somente agravou a tensão no país. No fundo, é mais um confronto
étnico deixado pelas potências imperialistas (para facilitar a dominação, os ingleses
estimulavam as rivalidades internas sudanesas).
As hostilidades se iniciaram em Darfur em meados de 2003, depois que um
grupo rebelde da região começou a atacar alvos do governo, alegando que a região
estava sendo negligenciada pelas autoridades sudanesas. Defendiam a separação de
Darfur em relação ao resto do Sudão.
A retaliação do governo veio na forma de uma campanha de repressão na
região, e mais de dois milhões de pessoas deixaram suas casas. Milhares foram
assassinados. Outros milhares foram vítimas de fome, sede e doenças.
As forças do governo passaram a contar com o apoio de milícias compostas
por árabes que moravam em Darfur – são as milícias Janjaweed. O governo sudanês,
embora negue publicamente que apóia os janjaweed, tem fornecido armas e assistência
e tem participado de ataques em conjunto com as milicias.
Nos ataques dos Janjaweed (que usam camelos e cavalos), práticas de
assassinatos, estupros e roubos são comuns. Há uma tentativa deliberada de se expulsar
a população negra africana de Darfur, ou seja, ocorre uma “limpeza étnica”.
Milhares de pessoas tiveram que deixar Darfur, passando a viver
precariamente em campos de refugiados, especialmente no Chade. Os campos de
refugiados dependem das doações internacionais de medicamentos e alimentos.
Não se sabe precisamente quantos foram mortos, mas há quem estimule
entre 50 mil e 500 mil as vítimas do genocídio de Darfur.
27 UMA VISÃO ACERCA DOS INTERESSES RECENTES DO BRASIL NA
ÁFRICA

Carlos Moore analisa o quadro de relações entre Brasil e os países africanos


Esta entrevista apareceu em o Jornal Ìrohìn em outubro, 2007. Está disponível em
www.irohin.org.br

Carlos Moore nasceu e cresceu em Cuba. Doutor em Ciências Humanas e Doutor em


Etnologia da Universidade de Paris-7 na França, ele é atualmente Chefe de Pesquisa
(Sênior Research Fellow) na Escola para Estudos de Pós Graduação e Pesquisa da
University of the West Indies (UWI), Kingston, Jamaica. Ele foi consultor pessoal para
assuntos latino-americanos do Secretário Geral da Organização da Unidade Africana
(atualmente União Africana), Dr. Edem Kodjo, de 1982 a 1983, e consultor pessoal do
Secretario Geral da Organização da Comunidade do Caribe (CARICOM), Dr. Edwin
Carrington, de 1966 a 2000. Foi assistente pessoal do professor Cheikh Anta Diop,
diretor do Laboratório de Radiocarbono do Instituto Fundamental da África Negra, de
1975 a 1980, em Dakar, Senegal.

(...)
Ìrohìn – Em que perspectiva o senhor coloca as relações entre o Brasil e a África?
Carlos Moore – Não podemos esquecer que se trata, fundamentalmente, de um
continente enfraquecido, dominado pelo exterior e prostrado diante dos grandes
interesses mundiais, após vários séculos de golpes duros, assaltos imperiais, intensos
tráficos de escravizados e a conquista de todo o território continental pela Europa
ocidental. A isso se agrega um processo de independência, a partir de 1957, já minado
pelas relações neocolonialistas: a maioria esmagadora de líderes que chegaram ao poder
já estava corrompida e entregue aos interesses hegemônicos mundiais. Tratava-se de
elites coniventes com os interesses imperialistas e hegemônicos da Europa Ocidental,
dos Estados Unidos e do Japão. E, ultimamente, essas elites se mostram também
coniventes com as ambições hegemônicas e neo-imperiais de grandes potências
emergentes como a China. É nesse contexto global que se insere a relação Brasil-África
que se inicia perante nós.
(...)

Ìrohìn – Quais são essas condições concretas [das relações Brasil-África]?


Carlos Moore – São muitos os elementos e bastante variados, mas se devemos resumir,
eu diria que são os seguintes: a) uma sociedade civil africana enfraquecida,
desarticulada, reprimida e com pouco poder de pressão sobre seus governantes, os quais
são, em sua maioria, despóticos, corruptos, coniventes com os interesses exploradores
do exterior, profundamente alienados culturalmente e atentos apenas a seus espúrios
interesses materiais; b) um contexto internacional definido pela supremacia dos
interesses de um punhado de nações imperialistas – médias, grandes e superpotências –
que cobiçam as fabulosas riquezas minerais e materiais estratégicas do subsolo africano;
c) uma indústria pujante no Brasil, em busca de campos de investimento e lucro,
correspondente a uma economia em expansão digna de países altamente tecnológicos e
perfeitamente industrializados, apesar do fato de o Brasil pertencer ao chamado Terceiro
Mundo. Somado a isso, está um outro fator, de natureza ideológica: a existência no
Brasil, fruto de um passado fartamente conhecido, de um desprezo profundo para com o
continente africano, seus descendentes e sua história. Ou seja, de modo geral, as elites
dominantes do Brasil, profundamente eurocêntricas e europeizadas, admiradoras dos
métodos norte-americanos e das normas e padrões euro-ocidentais, não consideram a
África como parceiro a se respeitar, mas como o “Continente Negro” provedor de
escravos, digno de ser explorado e humilhado. Essas elites têm, em suas mãos,
praticamente todos os meios de comunicação e, assim, podem forjar – e forjam – todas
as imagens distorcidas sobre o continente africano. Por sua vez, esse monopólio sobre a
mídia poderá permitir que a opinião pública e a própria sociedade civil brasileira se
mostrem omissas diante e até coniventes com a exploração desse continente. É aí onde
reside o perigo: que, pouco a pouco, a opinião brasileira seja manipulada num sentido
contrário a uma empatia e um sentimento de solidariedade com o continente ancestral
da maioria da população do país.

Ìrohìn – Somando a dimensão política e os aspectos propriamente econômicos, o que


dizer sobre a investida do governo brasileiro em países africanos como Burkina Faso,
Angola, Congo e África do Sul?
Carlos Moore – Sabemos que um chefe de Estado deve defender os interesses de todos
os seus concidadãos. Os interesses econômicos do país são pontos-chave a ser
protegidos pelo chefe de Estado. Na medida em que esses interesses são representados
pelos setores que marcam a presença do país no cenário internacional – em especial a
indústria e o comércio –, é lógico que o presidente do Brasil trate de abrir novos
caminhos para os investimentos das empresas, das companhias nacionais e
multinacionais de seu país, como qualquer outro chefe de Estado o faria. Isso é algo que
está previsto na lógica do poder de um chefe de Estado. Nisso, não há mistério algum.
Por outro lado, o continente africano é objeto da cobiça internacional por causa da
extraordinária riqueza mineral existente em seu subsolo. Dos 48 minerais considerados
estratégicos pelo mundo industrial de alta tecnologia, a África monopoliza não menos
que 38. Não é por acaso que a África tem sido chamada de “escândalo geológico”. É por
esse motivo que África figura como alvo privilegiado das potências mundiais e será
ainda mais neste século. Nesse momento, a China põe em curso uma das maiores
operações dirigidas aos 53 países africanos. A China está interessada na exploração e na
aquisição desses materiais estratégicos. E não somente ela, mas o Japão, a Coréia do
Sul, a Índia, a Turquia, o Irã; ou seja, todas as potências emergentes. O campo daqueles
países que se interessam pela África, antes restrito às grandes potências europeias, agora
se ampliou. Já não se trata apenas das antigas potências coloniais, como França, Itália,
Espanha, Portugal, Inglaterra, mas ainda da Alemanha, da Rússia e até da Polônia.
Todos esses países estão interessados na África. É dentro desse jogo de interesses que se
situa o Brasil, país que também busca ser uma potência no século XXI. Logicamente,
isso representa riscos para o continente africano, mas também poderá comportar
elementos positivos para esses países.

Ìrohìn – O que predomina na investida do Brasil no continente africano, a sensibilidade


política ou os interesses puramente econômicos?
Carlos Moore – Para mim, não há dúvidas de que são os interesses econômicos os que
primam, embora seja possível admitir como sincera a simpatia expressa pelo chefe de
Estado do Brasil para com esse continente. Não duvido da sinceridade do presidente
Lula, mas também não duvido que sejam os interesses concretos do Brasil que
comandam a sua política internacional, a qual está fundamentada em interesses
econômicos e comerciais. Ora, esses interesses se exprimem num contexto internacional
bem definido: a supremacia planetária dos Estados Unidos e, como resposta a essa
hegemonia unilateral, a emergência de novos polos de poder no mundo. O Brasil, nona
ou décima economia mundial, é um desses possíveis polos que aspiram ao status de
grande potência.

Ìrohìn – Apesar da nova aproximação entre o Brasil e os países da África, pode-se


afirmar que testemunhamos ainda uma relação entre “desiguais”?
Carlos Moore – Não se pode pretender que exista equilíbrio entre o Brasil, país
unificado, forte e nona economia do planeta, e um continente mesmo que tão gigantesco
quanto a África, mas fragmentado em 53 países paupérrimos e enfraquecidos
politicamente. O peso internacional do Brasil excede ao peso de todos os países da
África Central, por exemplo. Essa é a realidade. A própria mídia brasileira tem
enfatizado, nesses últimos dias, o desequilíbrio entre o Brasil e os países da África e
sublinhado, não sem uma ironia perversa, que o orçamento de Burkina Faso, país de
cerca de 15 milhões de habitantes, representa somente 10% do orçamento de uma única
multinacional brasileira: a Petrobrás! O Brasil é um país-continente unificado
federalmente, forte, atuante no plano internacional e capaz de defender suas fronteiras
se essas se virem ameaçadas. A África é tudo ao contrário disso: não há nem sequer um
projeto concreto de governo articulado em nível federal. O Brasil é um país forte,
pujante, tecnologizado, cuja economia e indústria estão impulsionadas pelas
multinacionais locais. Estas avançam agora pelo mundo em busca de lucro, de matérias-
primas e expansão comercial. Os 53 países africanos, em vez disso, são
majoritariamente exportadores de produtos brutos de extração, como petróleo, ouro,
diamante, tungstênio, urânio e cobre. Os exércitos africanos servem unicamente para
exercer a repressão contra seus povos, ou para montar golpes de Estado, e não para a
defesa dos países africanos contra qualquer ameaça externa.

Ìrohìn – O que deve, então, ser superado para possibilitar o estabelecimento de uma
relação justa e equitativa entre essas partes?
Carlos Moore – São vários os obstáculos, em ambas as partes, a serem superados para o
estabelecimento de uma relação de igual para igual entre Brasil e África. Os próprios
dirigentes africanos, na sua maioria, constituem-se em grandes entraves. De modo geral,
boa parte desses governantes não busca estabelecer esse tipo de relação equitativa com
o resto do mundo. Lembre-se de que a maioria deles chegou ao poder não por
representar os melhores interesses de seus países, mas porque foram colocados lá pelas
potências imperialistas ocidentais e para defender os interesses dessas. É por aí que
temos que começar. Iniciado com a independência de Gana, em 1957, e da Guiné, no
ano seguinte, o processo de descolonização se expandiu por praticamente todos os
países africanos a partir de 1960. Como resultado, levou ao poder verdadeiros dirigentes
nacionalistas, poderosos pensadores, grandes homens de Estado que pensavam em nível
do continente e queriam a integração do continente. Esses líderes almejavam que a
África deixasse de ser fragmentada, que se tornasse uma África federativa, com um
governo central e forças armadas únicas, com um parlamento e uma nacionalidade
única. Entre esses dirigentes clarividentes que pensaram essa África, estavam os
presidentes Kwame Nkrumah, de Gana; Sékou Touré, de Guiné; Modibo Keita, do
Mali; Alphonse Massamba-Débat, do Congo-Brazzaville; bem como o primeiro-
ministro do Congo Patrice Lumumba; e o presidente Julius Nyerere, da Tanzânia. Esses
grandes líderes foram seguidos por outros não menos importantes como Amilcar
Cabral, de Guiné-Bissau; o próprio Steve Biko e Nelson Mandela, da África do Sul, e
Thomas Sankara, de Burkina Faso. Estavam fundamentados num conceito de África
radicalmente diferente do utilizado pelos dirigentes neo-colonais de hoje.

Ìrohìn – O que aconteceu com esses dirigentes nacionalistas?


Carlos Moore – Esses dirigentes clarividentes, que chegaram ao poder com o processo
de descolonização e lutaram pela independência da África, foram derrubados com
sangrentos golpes de Estado ou assassinados, a exemplo de Lumumba; Cabral; Muritala
Muhammed, da Nigéria; e ainda Eduardo Mondlane, de Moçambique. Em um período
de menos de trinta anos, não menos que 38 importantíssimos dirigentes africanos foram
assassinados em circunstâncias que, na maioria dos casos, ainda não foram elucidadas.
Ou seja, essas lideranças desapareceram seja pela via dos golpes de Estado, seja pela via
dos assassinatos. A África nacionalista e pan-africana foi decapitada! Isso forma parte
da explicação de porque a África está na atual situação de subdesenvolvimento terrível.
Seus grandes líderes e pensadores foram dizimados. E quem tomou o poder em seus
lugares? Observe a longevidade dos atuais governos e você verá que aqueles que estão
no poder chegaram lá ou colocados pelos países do Ocidente ou urdindo sangrentos
golpes de Estado em favor do Ocidente, em muitos dos casos matando aqueles que se
opunham à exploração da África e que tinham grandes e inovadoras ideias sobre como
emancipar e federar o continente. Então, eu diria que um dos grandes obstáculos para
que o continente africano estabeleça uma relação em pé de igualdade com o resto do
mundo são esses próprios dirigentes africanos. Em sua imensa maioria, as atuais elites
africanas são, nesse sentido, um importante fator de subdesenvolvimento do continente
africano.

Ìrohìn – Por que exatamente?


Carlos Moore – A maioria das elites africanas de hoje trabalha para manter a velha troca
desigual, iniciada antes mesmo dos séculos XV-XVI, porque essa situação as beneficia.
Há séculos atrás, isso correspondia ao envio de mão de obra africana escravizada para
os grandes centros imperiais da época: primeiro o Oriente Médio e depois a Europa. Há
toda uma história dessa troca desigual com os países africanos que se instaura a partir
do momento em que o império árabe, nascido no século VIII, se tornou dominante no
mundo. Quando esse império, que durou mais de oitocentos anos, cai e começa a
emergir o império europeu ocidental, a mesma relação assimétrica se manteve. Ainda
hoje, ela está de pé e favorecendo os interesses das elites africanas. É chocante dizer
isso, e ainda mais aceitá-lo, mas essa é a realidade. Assim, essas elites são uma
importante peça na trama da manutenção dos nexos colonialistas de ontem e dos
possíveis nexos neo-colonialistas e neo-imperialistas de amanhã.

Ìrohìn – Ainda pensando sobre os obstáculos, o que dizer sobre o contexto brasileiro?
Carlos Moore – No Brasil, as coisas acontecem de outra maneira. Aqui as elites
dominantes são poderosas e defendem bem seus interesses nacionais. Entre essas elites,
há setores que cobiçam as matérias-primas africanas. São interesses criados pelas
grandes companhias multinacionais brasileiras que já têm força suficiente para intervir
fora das fronteiras deste país. Atualmente, as empresas brasileiras estão investindo
bastante em vários países latino-americanos e fazem um grande esforço para estabelecer
relações com o resto do mundo. Isso é parte de toda uma trama do mundo capitalista
atual. Portanto, essa tentativa brasileira de se implantar na África não é nada anormal;
ela faz parte da dinâmica preponderante no planeta, dominada pela economia liberal.

Ìrohìn – Mas, há pouco o senhor se referiu à existência de forças conservadoras que


atuam no Brasil. Como classificá-las?
Carlos Moore – É preciso apontar para o fato de que o Brasil dispõe de um sistema
muito complexo pelo fato de ser um conjunto nacional muito parcelado. Tanto os
interesses econômicos quanto os políticos são fragmentados. Nordeste, Sudeste, Centro-
Oeste correspondem a realidades socioeconômicas e históricas diversas, muitas vezes
divergentes. Aqui neste país, não há forças conservadoras simplesmente homogêneas,
senão que existem vários setores de conservadorismo. De igual maneira, há diferentes
forças progressistas neste país. Trata-se, justamente, de um quadro bastante complexo.
Aqui, há forças conservadoras agindo em sentidos diferentes. Por exemplo, há grupos
que se opõem aos laços com a África, embora isso beneficie o Brasil e as empresas
brasileiras. Assim, a política africana, que o governo Lula tenta estabelecer com o apoio
de um conjunto de empresas brasileiras, representa os interesses de grupos com uma
visão bem melhor definida acerca dos interesses nacionais, do que aqueles setores mais
retrógrados, que demonstram uma total falta de interesse pelas relações com os países
africanos.

Ìrohìn – Esses laços beneficiariam a quem, fundamentalmente?


Carlos Moore – De fato, nesta altura, eu não sei até que ponto esses laços atuais
favorecem os povos africanos. O certo é que, pelo momento, esses laços vão beneficiar
as elites africanas, por uma parte, e, sobretudo, a economia e as empresas brasileiras.
Apesar disso, há forças conservadoras que não querem o estabelecimento desses laços
com a África. Essas forças conservadoras – não apenas no Brasil, mas em todo o
continente americano – são tradicionalmente negro fóbicas; herdaram da história um
ódio e um desprezo para com o continente africano que as cega ao ponto de se oporem
ao desenvolvimento de relações econômicas entre suas empresas nacionais e os países
africanos, embora essas relações – repito – favoreçam às suas próprias economias.

Ìrohìn – Então, o senhor acha que essas relações serão inevitavelmente neocoloniais?
Carlos Moore – Nas condições que acabo de descrever, seria um milagre que isso não
acontecesse; e eu não acredito em milagres. Para mim, é evidente que todas as
condições estão dadas para que a relação Brasil-África não seja diferente das relações
que o resto das nações poderosas do mundo tem estabelecido e mantido com esse
continente. Todas as condições estão dadas para que as relações Brasil-África evoluam
na direção de relações neocoloniais, com o Brasil assumindo, pouco a pouco, o papel
cada vez mais acentuado de uma potência hegemônica, mas com cara “simpática”. Até
porque o atual cenário de um mandatário simpático para com os verdadeiros interesses
africanos pode não se estender além do mandato do presidente Lula. Tudo vai depender
da conivência ou não da própria sociedade civil brasileira na situação que nos interessa.

Ìrohìn – Essas relações estão condenadas a evoluir negativamente. É isso?


Carlos Moore – As relações neocoloniais surgem sempre de profundos desequilíbrios
estruturais entre nações. Sobre essas relações vêm incidir, logo após, as elaborações
ideológicas, que garantem a hegemonia do parceiro mais forte sobre o outro que se vê
cada vez mais subalternizado na relação desigual. Como eu disse, no que diz respeito ao
Brasil, o fator ideológico se dá na existência de uma superestrutura nacional
negrofóbica e antiafricana, legado da escravidão. No Brasil, indiscutivelmente, mesmo
diante de insistentes negações, existe um forte racismo estrutural e sistêmico, o qual está
profundamente enraizado no imaginário social. Esses são fatores graves que não podem
ser esquecidos, nem minimizados, quando se fala da África. Para se ter a medida disso,
só é necessário observar como a mídia brasileira trata cotidianamente os problemas que
atingem o continente africano: com um extremo grau de desprezo, insensibilidade e
desrespeito, promovendo mentiras, meias-verdades e omitindo os fatos que, facilmente,
poderiam explicar até os maiores horrores protagonizados nesse continente pelas suas
elites neocoloniais e corruptas. Não há simpatia ou empatia nas reportagens para com os
povos africanos, senão a vontade de apresentar o “Continente Negro” como algo bestial,
um buraco escuro e sujo, primitivo, bárbaro, ameaçador! Ou seja, a África é apresentada
na mídia nos mesmos termos que são apresentadas as favelas das grandes cidades
brasileiras.

Ìrohìn – Então, o senhor acha que um dia também possa surgir um imperialismo
brasileiro?
Carlos Moore – A experiência histórica nos demonstra que qualquer nação poderosa, a
despeito de seu perfil inicialmente democrático, pode se converter numa nação
hegemônica, dominadora e abusiva em relação aos países mais fracos. Esse é o caso,
especialmente, quando os interesses nacionais estão atrelados aos interesses econômicos
e financeiros das grandes empresas nacionais de porte multinacional. Nesse sentido, o
Brasil pode, sim, eventualmente, se converter num subimperialismo ou imperialismo no
século XXI. Não existe imunidade natural contra a arrogância nacional, o chauvinismo
nacional ou o racismo nacional. Não há antídoto algum que garanta que uma nação
poderosa não se converta numa nação imperialista. Os exemplos dos Estados Unidos e
de Israel mostram-nos a veracidade dessa ponderação. Pelo contrário, temos de ficar
muito atentos e muito lúcidos. A lucidez política, a atenção meticulosa à evolução das
relações com os países africanos, exige a vigilância constante da sociedade civil. Não
vejo outra maneira para garantir que essas relações se mantenham dentro de um
perímetro ético minimamente aceitável.

(...)

Ìrohìn – Qual o papel da sociedade civil brasileira em tudo isso?


Carlos Moore – A resposta se encontra no reforço imediato da capacidade de
intervenção democrática tanto da sociedade civil brasileira quanto da africana. As forças
democráticas dentro do Brasil, sejam negros ou brancos, devem se coligar para se
constituir como um fato de contrapeso político. Caso não seja assim, corre-se o risco de
que a história se repita e que, da imagem de um país “simpático, alegre, sambista e
futeboleiro”, o Brasil vire, para a África, uma simples nova potência neocolonial. As
multinacionais brasileiras terão de ser levadas a compreender que é de seu interesse, a
longo prazo, contribuir para o bem-estar dos povos africanos, ao tempo que acumulam
lucros nesse continente. E, também, terão de ser levadas a compreender que não é
sustentável lucrar na África e ignorar a pobreza endêmica da África doméstica do
Brasil. As interconexões entre essas duas realidades, embora não sejam tão visíveis
agora, tenderão a aumentar no futuro próximo e haverá que ajudar as empresas
multinacionais brasileiras a compreendê-las rapidamente. Ou seja, há que ajudar a
avançar a causa da federalização da África, por uma parte, e ajudar a reduzir as
desigualdades sociorraciais no Brasil, por outra. As multinacionais brasileiras podem
contribuir positivamente em ambos os sentidos, o que contribuiria para simetrizar a
relação com a África, ao tempo em que criaria um ambiente de confraternização
democrática dentro do Brasil.

Ìrohìn – E quais são as possibilidades reais de a sociedade civil fazer frente a isso?
Carlos Moore – A sociedade civil terá de descobrir o modo de intervenção para ter um
peso na política internacional do Brasil, pelo menos no que diz respeito à África. Vimos
como a população negra dos Estados Unidos se organizou para constituir verdadeiros
lobbies que forçaram o governo americano a recuar na África do Sul. Os Estados
Unidos eram absolutamente favoráveis ao regime do apartheid, bem como apoiavam
militar, econômica e politicamente todos os governos de segregação que se instalaram
nesse país. Foi só a partir da mobilização e da ação da sociedade civil que isso começou
a se modificar. Foi o pastor Leon Sullivan o primeiro a propor a política pelo fim de
investimento na África do Sul, a qual ficou conhecida como “O Princípio Sullivan”. A
partir daí, constituíram-se vários lobbies de negros americanos, dirigidos pela entidade
Trans-Africa, que pressionaram o governo e ameaçaram as empresas multinacionais
americanas de boicote caso continuassem a investir na África do Sul. Esse é um bom
exemplo de intervenção eficaz e positiva da sociedade civil da diáspora para
salvaguardar os interesses da sociedade civil africana. Ainda hoje, a sociedade civil
africana está bastante enfraquecida. Há, portanto, que ajudá-la a crescer e se fortalecer.
Os movimentos sociais africanos têm sido tão reprimidos pelas ditaduras de seus países
que é somente nos últimos quinze anos que começa a haver uma reorganização da
sociedade civil, de modo a essa ter uma vida independente. Há que ajudar e incentivar
esse processo de ressurgimento da sociedade civil africana.

Ìrohìn – Quais as medidas concretas que o senhor sugeriria?


Carlos Moore – Em primeiro lugar, eu sugeriria que a sociedade civil constituísse um
órgão incumbido especificamente de acompanhar e monitorar as relações Brasil-África.
Isso se converte cada vez mais numa necessidade imperiosa. Em segundo lugar, a
sociedade civil, através desse órgão, deve definir um código ético e político que deverá
ser aplicado nas ações de monitoramento e pressão sobre as empresas brasileiras
atuantes no continente africano. Esse código, que deverá ser discutido com as próprias
empresas e com os órgãos de política exterior do Estado, deve ir ao encontro dos
anseios da sociedade civil africana. Até agora ninguém tem exigido isso: que o Estado e
as empresas multinacionais brasileiras se subscrevam a um código de conduta nos
países africanos, de modo a explicitar o que farão e não farão ao tempo em que buscam
seus espaços de lucro lá. A meu ver, essas são algumas das precondições para que o
engajamento político e econômico brasileiro na África não caia na espiral do
neoimperialismo, como já está acontecendo com as relações da China com os países
desse continente.

Ìrohìn – Quais os fatores que poderiam influenciar numa evolução positiva no caso do
Brasil, contrariamente ao que acontece com a China?
Carlos Moore – Ao contrário da China, da Índia, da Europa ou do Japão, a maioria da
população brasileira tem suas origens no continente africano. Precisamente por isso, eu
penso que é o dever do movimento social e da sociedade civil brasileira zelar para que a
intervenção econômica do Brasil naquele continente leve em consideração os interesses
das sociedades civis africanas e dos povos por elas representados, os quais não estão
sendo defendidos nem mesmo pelos governos africanos na sua maioria. Esse é um dos
grandes deveres da sociedade civil brasileira, bem como de todas as forças democráticas
deste país: defender os interesses da sociedade civil africana. Todas as forças
democráticas brasileiras devem reconhecer que a África foi almejada e esmagada
historicamente, e que, portanto, não é possível que o Brasil siga contribuindo, como fez
no passado escravista, para a regressão desse continente. É responsabilidade da
sociedade civil democrática zelar para que a intervenção econômica do Brasil na África
seja, senão benéfica para os povos africanos, pelo menos não catastrófica ou
absolutamente negativa. Há que impedir que surjam relações neocolonialistas entre o
Brasil e o continente africano.
Ìrohìn – Em poucas palavras, como o senhor definiria uma relação sã entre o Brasil e a
África, baseada na cooperação?
Carlos Moore – De maneira sucinta, eu diria que um terreno sólido, saudável e
mutuamente profícuo para se firmar uma cooperação entre o Brasil e o continente
africano pode ser estabelecido mediante a definição das bases políticas e econômicas
para uma parceria estratégica África-Brasil no século XXI. Trata-se de uma questão de
vontade política por ambas as partes. Concretamente, o Brasil pode ajudar o continente
africano a superar seus problemas crônicos através da concretização de um processo que
conduza à unidade federal continental africana, coisa que o Brasil já tem feito consigo
mesmo. Nessa ótica, o Brasil pode chegar, até mesmo, a se constituir na maior
influência externa que empurre o continente africano à sua federalização imediata. Tal
processo seria proveitoso para este Brasil que emerge como grande potência e precisa
de aliados fortes para se defender. Por sua vez, a África, como um todo, pode ajudar o
Brasil a resolver seu maior dilema interno: o problema sociorracial. A África pode
ajudar este país a operar uma transição tranquila para uma verdadeira democracia
multirracial mediante o empoderamento político, econômico e social da maioria
populacional brasileira, que é de ascendência africana. Isso é, de todos modos,
inevitável historicamente. A África, também, precisa de um Brasil forte como aliado
para se defender da legendária cobiça das grandes potências externas por seus recursos
naturais. Assim, há lugar para uma parceria estratégica sã entre o Brasil e o continente
africano em torno da definição de uma agenda comum de longo prazo, visando à
eliminação dos grandes desequilíbrios internos e internacionais que se constituem, tanto
para o Brasil quanto para a África, em perigosos fatores de ruptura e de conflitos
violentos. Juntos, o Brasil e a África continental federalizada podem definir os termos
de uma grande aliança para o futuro. Ao fazerem isso, o Brasil e uma futura África
federalizada poderão constituir o centro de um novo bloco estratégico de países do
Atlântico Sul. Tudo giraria em torno da elaboração de um grande projeto em nome da
democratização simultânea e concatenada do âmbito internacional e do universo
doméstico das nações que compõem a comunidade internacional. Essa seria a maior
contribuição para a estabilização e a democratização da ordem internacional no século
XXI, no sentido de uma descentralização multipolar que beneficie o planeta, apague as
guerras e contribua para a felicidade dos povos.

China e os novos investimentos na África: neocolonialismo ou


mudanças na arquitetura global?

Ao se observar um mapa comum do continente africano, observam-se


linhas de fronteiras extremamente retas, em uma categoria claramente matemática. O
motivo óbvio para tal disposição é justamente a divisão imposta pela Europa, no século
XVIII e XIX, ao estabelecer suas colônias e áreas de influência.
Atualmente, as penetrações no Continente Negro são menos claras e as
demarcações menos fáceis de serem calculadas. Contudo, é notável a crescente
participação da China nos países da região, que vem causando receio em especialistas
na área.
A China tem uma história bastante vasta de envolvimento com a África,
que remonta aos primórdios dos movimentos de independência na década de 1960.
Nesse período, Pequim se limitou a influenciar através da diplomacia – com poucos
investimentos diretos.
Contudo, o investimento decolou na década de 1990, atrelado ao
crescimento vertiginoso da China e sua crescente demanda por commodities,
principalmente petróleo.
O interesse maior na África está nas fontes de energia, devido à dificuldade
de acesso ao petróleo do Oriente Médio, destinado prioritariamente ao Ocidente”,
afirma Gustav Broom, especialista em Segurança Energética.
No campo do ‘ouro negro’, Pequim mantém estreitas ligações com
inúmeros países africanos, muitos com sistemáticos problemas relacionados, por
exemplo, aos direitos humanos. O Sudão, por exemplo, foi financiado na década de
1990 para expandir sua indústria petroleira, atualmente com uma receita de quase US$
2 bilhões por ano – metade para a China. Na Nigéria, a potência asiática colocou US$
2,7 bilhões na compra dos direitos de exploração. Por sua vez, Angola, que é
atualmente a maior fornecedora de petróleo para a China, recebeu investimentos que
passam os US$ 2 bilhões nos últimos 5 anos.
Recentemente, a revista Economist publicou uma lista que demonstra que
quatro dos dez maiores exportadores de óleo bruto para a China se encontram na África
– o continente já corresponde a 30% de todo o petróleo importado por Pequim.
“Na lista de importações também estão o algodão bruto do Oeste do
continente, além de cobalto, cobre, minério de ferro e platina. Além disso, há casos de
arrendamentos de terras no leste para a produção de alimentos”, acrescenta Broom.
A grande diferença dos investimentos chineses, apontam os especialistas,
está justamente em certas particularidades ainda difíceis de serem calculadas. Em
primeiro lugar, Pequim não atrela nenhuma prerrogativa para efetuar tais ações.
Enquanto países ocidentais – e até mesmo órgãos multinacionais, como o FMI e o
Banco Mundial – exigem que as nações cumpram pré-requisitos em pontos como
direitos humanos e participação privada. Pequim, por outro lado, não cita tais questões.
“Isso provoca receios em certas regiões. Pode ser considerado um sinal
para que ditadores continuem suas ações, porque sempre haverá investimento de algum
lugar”, afirma Elisabeth Montmerry, especialista em Direitos Humanos da
Universidade de Gotland, na Suécia.
Outro ponto interessante é a venda e compra de grandes somas de terras.
No sul da Etiópia, por exemplo, há casos em que Pequim arrendou grandes áreas e as
cercou. Por se tratarem de países instáveis e com governos ainda não consolidados,
teme-se que tais zonas tornem-se literalmente protetorados. “Não há aparelhos
jurídicos para se esclarecer realmente quais são as intenções e direitos nesses pontos”,
conclui Montmerry.
Com o crescimento apontado nos últimos anos pela China e os indicadores
de que irá demandar cada vez mais de commodities, é de se esperar que os
investimentos em território africano cresçam substancialmente. “Podemos estar
presenciando o surgimento de novas relações comerciais estratégicas que excluem
totalmente o Ocidente”, aponta Broom.

. BRANCOLI, F. China e os novos investimentos na África: neocolonialismo ou


mudanças na arquitetura global? Disponível em: http://opiniaoenoticia.com.br.

28- EXERCÍCIOS

1- Sobre a África pré-colonial, marque a opção correta:


a) A África se caracterizou historicamente pela unidade cultural e étnica.
b) Encontramos, ao longo dos séculos, sociedades africanas sem Estado, com
predominância da organização social familiar.
c) O cristianismo chegou à África no século I e não sofreu solução de continuidade com
a expansão do Islã a partir do século VII.
d) Durante séculos houve toda uma preocupação do Ocidente em estudar e respeitar a
História e a cultura das sociedades africanas.

2-Marque V ou F:
A- ( ) Kush foi influenciado pelo Egito, e chegou mesmo a dominar aquela
civilização entre 750 e 700 a.C.
B- ( ) A Etiópia ficou famosa pela adoção e defesa do Cristianismo.
C- ( ) Gana destacou-se na produção e comércio de ouro.
D- ( ) O Mali foi o “herdeiro” de Gana, se caracterizando pela riqueza aurífera e a
tolerância para com os povos conquistados.
E- ( ) No começo da Idade Moderna, Songai se tornou uma das potências africanas.
F- ( ) A Civilização Iourubá acabou dominada pelos Peuls e escravizada – os
africanos escravizados dali ficariam conhecidos no Brasil como nagôs.
G- ( ) Daomé (atual Benin) apresentou forte tendência militarista e escravista.
H- ( ) O Congo e Ndongo (Angola) destacaram-se como centros fornecedores de
escravos negros para o Brasil.
I- ( ) Monomotapa tinha contatos comerciais com os árabes, persas e indianos.
3- (UFSCAR) Hoje, a independência nacional, a formação nacional nas regiões
subdesenvolvidas assumem aspectos totalmente novos. Nessas regiões, excetuadas
algumas realizações espetaculares, os diversos países apresentam a mesma ausência de
infra-estrutura. As massas lutam contra a mesma miséria, debatem-se com os mesmos
gestos e desenham com seus estômagos encolhidos o que se pode chamar de geografia
da fome. Mundo subdesenvolvido, mundo de miséria e desumano. Mundo também sem
médicos, sem engenheiros, sem administradores. Diante desse mundo, as nações
européias espojam-se na opulência mais ostensiva. (Frantz Fanon. Os condenados da
terra, 1979.)
a) Relacione a argumentação do autor com o processo de independência de países
africanos no século XX.
b) Cite dois exemplos de países africanos que se envolveram em guerras civis durante
ou após seu processo de independência.

4- (UFSCAR) Aconteceu num debate, num país europeu. Da assistência, alguém me


lançou a seguinte pergunta: – Para si o que é ser africano? Falava-se, inevitavelmente,
de identidade versus globalização. Respondi com uma pergunta: – E para si o que é
ser europeu? O homem gaguejou. Ele não sabia responder. Mas o interessante é que,
para ele, a questão da definição de uma identidade se colocava naturalmente para os
africanos. Nunca para os europeus. Ele nunca tinha colocado a questão ao espelho.
(Mia Couto. In: Leila Leite Hernandez. A África na sala de aula. Visita à História
Contemporânea,2005.)
Segundo o texto, o autor
a) valoriza a ideia de que existe uma identidade natural entre os povos europeus,
favorecendo a globalização.
b) denuncia a ideia genérica, presente entre os europeus, de que há uma suposta
identidade natural entre os africanos.
c) lembra o fato de que a Europa tem uma história de tendência à globalização, em
função da ausência de conflitos entre seus Estados-nação.
d) defende a existência de uma essência natural do que é ser europeu e do que é ser
africano.
e) indica os valores culturais e nacionais europeus e africanos como fundadores do
processo de globalização.

5 - (UFPE) O tráfico negreiro paralisou o crescimento da população na África. No


século XVII, a população africana equivalia à da Europa e representava um quinto da
população do globo. No século XX, representava menos da décima terceira parte da
população mundial, segundo Maurice Halbwachs.
Através do tráfico, o Brasil recebeu grandes contingentes de escravos africanos, que se
distribuíram, no território, da seguinte forma:
a) na produção do café, em São Paulo, desde o século XVII; a partir de século XVIII, na
Bahia e em Pernambuco;
b) os maiores contingentes de escravos africanos vieram para as áreas produtoras de
açúcar, posteriormente para a região das minas e, só mais tarde para São Paulo, na
produção de café;
c) para Minas, logo no início do século XVI; em seguida para o Espírito Santo, Pará e
Alagoas, com a produção de açúcar e, por último, para Pernambuco e Bahia;
d) na região algodoeira, onde o modo escravista de produção foi dominante e, em
seguida, para a região da borracha;
e) no Rio de Janeiro, com a vinda da família real e no Rio Grande do Sul, como a mão
de obra de uma agricultura do tipo familiar.

6- (PUC) O ano de 2004 encerrou-se com o impacto das catástrofes causadas pelas
"tsunamis", principalmente na Ásia, que acarretaram mais de 300 mil mortes. Porém,
como o mapa e a charge a seguir indicam, existem outras "tsunamis" que estão
arrasando o continente africano, há muito mais tempo.

Mapa: 34 milhões de crianças órfãs na


África subsaariana (porcentagem
estimada de crianças órfãs, no total de
crianças dos países africanos, 2001)

www.politicalcartoons.com - Best of Latin


Fonte: Children on the Brink, 2002.
América, 2005

Utilizando como referência as imagens acima, faça o que se pede:


a) Identifique e explique duas outras causas que ampliam a devastação da população no
continente africano, além da epidemia de AIDS.

b) Comente dois possíveis impactos nas estruturas produtivas dos países africanos
resultantes da desorganização demográfica causada pela epidemia de AIDS.

7- (ENEM) A identidade negra não surge da tomada de consciência de uma diferença de


pigmentação ou de uma diferença biológica entre populações negras e brancas e(ou)
negras e amarelas. Ela resulta de um longo processo histórico que começa com o
descobrimento, no século XV, do continente africano e de seus habitantes pelos
navegadores portugueses, descobrimento esse que abriu o caminho às relações
mercantilistas com a África, ao tráfico negreiro, à escravidão e, enfim, à colonização do
continente africano e de seus povos.
(K. Munanga. Algumas considerações sobre a diversidade e a identidade
negra no Brasil. In: Diversidade na educação: reflexões e
experiências. Brasília: SEMTEC/MEC, 2003, p. 37).
Com relação ao assunto tratado no texto acima, é correto afirmar que
A) a colonização da África pelos europeus foi simultânea ao descobrimento desse
continente.
B) a existência de lucrativo comércio na África levou os portugueses a desenvolverem
esse continente.
C) o surgimento do tráfico negreiro foi posterior ao início da escravidão no Brasil.
D) a exploração da África decorreu do movimento de expansão europeia do início da
Idade Moderna.
E) a colonização da África antecedeu as relações comerciais entre esse continente e a
Europa.

8- (UFC)Leia o texto a seguir.


Não há sombra de dúvidas sobre o papel central desempenhado pelos muçulmanos na
rebelião de1835. Os rebeldes – ou uma boa parte deles – foram para as ruas com
roupas usadas na Bahia pelos adeptos do islamismo. No corpo de muitos dos que
morreram a polícia encontrou amuletos muçulmanos e papéis com rezas e passagens
do Qurãn usados para proteção. REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 158.
Considerando os fatos descritos no episódio acima e o tema do islamismo, responda o
que se pede
a seguir.
A) Por qual nome ficou conhecida a rebelião de que trata o texto?
B) A imigração forçada de africanos ao Brasil trouxe para trabalhar como escrava uma
população de
diversas etnias, que pode ser englobada genericamente em dois grupos bastante
distintos, com claras
diferenciações culturais e linguísticas.
B.I. De qual desses dois grupos se originou a maior parte dos africanos islamizados?
B.II. De qual área geográfica da África esse grupo procede?
C) Como ocorreu a propagação da religião islâmica entre as populações da região
africana citada acima?

9- (PUC)

"O continente
condenado"

"África em chamas"

As manchetes que atualmente são publicadas sobre a África, como as apresentadas


acima, expressam o trágico quadro socioeconômico desse continente. Assinale a opção
que NÃO inclui um aspecto desse quadro.
(A) A baixa expectativa de vida de grande parte da população.
(B) O número significativo de africanos contaminados com a Aids.
(C) Os conflitos e guerras tribais envolvendo nações africanas.
(D) As guerras civis estimuladas pelas potências imperialistas europeias.
(E) O contingente de africanos fora de seus países de origem, em busca de trabalho.

10- (MACKENZIE) Ao contrário do colonialismo do século XVI, que se dirigiu


principalmente para a América, buscando especiarias e metais preciosos, subordinando-
se ao mercantilismo do capitalismo comercial e fazendo uso da fé como justificativa
para as conquistas, o imperialismo do século XIX refletia a maturidade capitalista
industrial. Carlos Guilherme Mota
Várias doutrinas foram forjadas, nos países europeus, para justificar o neocolonialismo.
As mais comuns defendiam
a) a difusão da Doutrina Monroe por todo o planeta.
b) a missão civilizadora do homem branco.
c) o capitalismo mercantilista.
d) a oposição às ideias do Darwinismo Social.
e) os princípios aprovados na Carta do Atlântico.

11- (UFMG) “Na história da África jamais se sucederam tantas e tão rápidas mudanças
como durante o período entre 1880 e 1935. Na verdade, as mudanças mais importantes,
mais espetaculares – e também mais trágicas –, ocorreram num lapso de tempo bem
mais curto, de 1880 a 1910, marcado pela conquista e ocupação de quase todo o
continente africano pelas potências imperialistas e, depois, pela instauração do sistema
colonial. A fase posterior a 1910 caracterizou-se
essencialmente pela consolidação e exploração do sistema.” BOAHEN, Albert Adu.
História geral da África. VII. A África sob dominação colonial, 1880-1935. São Paulo:
Ática/Unesco, 1991. p. 25.
Considerando-se o contexto da colonização europeia da África, é CORRETO afirmar
Que
A) a demarcação das fronteiras entre as diferentes colônias respeitou as divisões
territoriais previamente existentes entre as etnias africanas.
B) a derrota da Alemanha na Primeira Guerra implicou a concessão de independência
aos territórios por ela colonizados, sob a proteção da ONU.
C) essa colonização resultou em decréscimo da população africana, devido à intensa
exploração dos recursos humanos e materiais.
D) os Estados europeus, embora negassem oficialmente a escravidão, adotavam trabalho
compulsório em alguns territórios coloniais.

12- (FGV) Nos anos 1526-50, antes do deslanche do tráfico para o Brasil, saía da
Guiné-Bissau e da Senegâmbia uma média de mil cativos por ano. Cifra representando
49% dos indivíduos deportados do Continente Negro. Da África Central vinham outros
34%, enquanto 13% eram provenientes do golfo da Guiné. Versos célebres de Garcia de
Rezende retratam o lucro e os fluxos do trato de africanos para Sevilha, Lisboa, Setúbal,
Cabo Verde, Madeira, Canárias, São Tomé. E para o Caribe. (Luiz Felipe de Alencastro,
O Trato dos Viventes). O impacto do processo descrito nas sociedades africanas foi a
a) introdução de práticas econômicas fundamentadas no liberalismo, desorganizando as
antigas sociedades de auxílio mútuo.
b) implantação da escravidão como modo de produção dominante, determinando a
extinção da servidão anteriormente existente.
c) implantação de redes internas de tráfico, com envolvimento de sociedades locais, que
passam a ter nesse negócio uma fonte fundamental de recursos.
d) introdução da escravidão nas sociedades africanas, que até então desconheciam
qualquer forma de exploração do trabalho.
e) dissolução do tradicional caráter igualitário predominante nas sociedades africanas,
sendo substituído por regimes rigidamente hierarquizados.

13- (FGV) A Guerra da Argélia, iniciada em 1954 e terminada em 1962, com os


acordos de Evian, foi parte do movimento de:
a) Não-alinhamento
b) Neutralismo
c) Coexistência Pacífica
d) Guerra Fria
e) Descolonização

14- (UFRN) Em relação ao processo de descolonização afro-asiático, é correto afirmar:


A) As potências européias, fortalecidas com o fim da 2ª Guerra Mundial, investiram
recursos na luta contra os movimentos de libertação que explodiam nas colônias.
B) A Organização das Nações Unidas tornou-se o parlamento no qual muitos países
condenavam o neocolonialismo, dado que proclamava a autodeterminação dos povos.
C) A Guerra Fria dificultou a descolonização, em virtude da oposição de soviéticos e
americanos, que viam no processo uma limitação de seu poder de influência na África e
na Ásia.
D) As nações que optaram por guerra e luta armada foram as únicas que conquistaram
independência e autonomia política frente à dominação dos países europeus.

15- (UFPR) Uma das principais consequências da Segunda Guerra Mundial foi a
descolonização da África, quando surgiram dezenas de novos países, anteriormente
dominados pelos países europeus. Entre os últimos a conseguirem a liberdade, estavam
as colônias portuguesas:
A) Quênia e Senegal
B) Moçambique e Angola
C) Congo e Uganda
D) Namíbia e Biafra
E) Zambia e Daomé

16- (Cesgranrio) A Conferência de Bandung, ocorrida em 1954,


foi um momento importante na reafirmação dos países africanos,
latino-americanos e asiáticos nas relações internacionais. Dentre
as várias teses apresentadas, inclui-se a do:
a) Terceiro-mundismo.
b) Confronto com o mundo desenvolvido.
c) Apoio às nações neocolonialistas.
d) Liberalismo econômico.
e) Liberalismo político.

17- (UNESP) O dinamismo industrial e o desenvolvimento tecnológico são os grandes


responsáveis pelas relações de subordinação político-econômica no mundo. Nesse
contexto, e tomando como base a economia africana, analise os itens seguintes.
I. Industrialização tardia e incompleta. Pequena participação no comércio mundial.
II. Excesso de capital endógeno, porém, com escassez de mão-de-obra qualificada.
III. O fim do apartheid teve como principal resultado o domínio da alta tecnologia.
IV. Com exceção da África do Sul e do Egito, o setor industrial não apresenta
dinamismo e diversificação.
Descrevem a realidade da economia africana os itens
a) I e II. b) I e III. c) I e IV. d) II e III. e) II e IV.

18- (FGV) De 1948 a 1991, vigorou na África do Sul o regime denominado apartheid.
A esse respeito é correto afirmar:
a) Trata-se de uma política de segregação racial que excluía os negros da participação
política, mas lhes reservava o livre direito à propriedade da terra.
b) Trata-se de uma política de segregação racial que previa uma lenta incorporação da
população negra às atividades políticas do país.
c)Trata-se de uma política de segregação racial que excluía negros e asiáticos da
participação política e restringia até mesmo a sua circulação pelo país.
d) Trata-se de uma política de integração racial baseada na perspectiva ideológica da
mestiçagem cultural entre as diversas etnias negras.
e) Trata-se de uma política de segregação racial que propunha a eliminação gradual da
minoria negra, como forma de garantir a dominação branca.

19- (MACKENZIE) Os mapas mostram as atuais divisões políticas e as históricas


divisões étnicas e culturais do continente africano. As brutais diferenças desses traçados
comprovam a artificialidade das fronteiras, onde os europeus, em seus regimes
colonialistas, não respeitavam as diversidades de culturas que hoje ainda incitam vários
conflitos internos, em diversos países do continente.
Essa atual e artificial divisão política da África foi decidida
a) na Conferência de Berlim.
b) na Conferência de Bandung.
c) na Conferência de São Francisco.
d) na Conferência de Bretton-Woods.
e) nos Acordos de Oslo.

20- (UNIFESP) No continente africano encontramos focos de guerras civis e entre


países. No chamado Chifre da África, nos últimos anos, foram registrados violentos
conflitos entre
a) países pela definição de fronteiras, envolvendo Burundi e Ruanda.
b) países pelo acesso à água, por parte do Egito e do Sudão.
c) brancos e negros na África do Sul.
d) lideranças locais na Somália.
e) grupos étnicos em Ruanda.

21- (UNIFESP) Nelson Mandela, ex-presidente da República da África do Sul (1994-


2000), ganhou o prêmio Nobel da Paz, em conjunto com Frederik de Klerk, em 1993, e
hoje é nome de rua em Paris, Rio de Janeiro, Dacar e em Dar Es-Salam; é nome de
praça em Salvador, Haia, Glasgow e em Valência; é nome de escola em Bangalore,
Berlim, Birmingham e em Baton Rouge.
Essa extraordinária popularidade de Nelson Mandela deve-se, sobretudo,
a)aos vinte anos que passou injustamente encarcerado pelo regime racista então vigente
na África do Sul.
b) à sua campanha incansável em favor dos milhões de africanos vitimados pela Aids e
deixados sem assistência.
c) ao fim, negociado e sem revanchismo, do regime do apartheid e ao seu
desprendimento com relação ao poder.
d) à sua luta contra o imperialismo e em favor da independência de todos os países do
continente africano.
e)ao seu êxito em implantar na África do Sul um programa educacional que eliminou o
analfabetismo do país.

22- (FGV) Desde 2003, uma guerra civil no Sudão já deixou 200 mil mortos na porção
oeste do país: Darfur. As causas desses conflitos se assemelham a tantos outros no
continente. Considere as afirmativas:
I. Assim como ocorreram na Etiópia e Somália, no Sudão as disputas são pelas
grandes reservas de petróleo.
II. Diferenças étnicas, como ocorreram em Ruanda, e, no caso do Sudão, ocorrem
devido a presença de grupos sedentários e milícias de origem árabe.
III. Assim como ocorreu em Angola, no Sudão a disputa está relacionada às
diferenças ideológicas entre grupos que apóiam o capitalismo e outros que
buscam maior interferência do Estado na economia.
IV. Disputa por terras e fontes de água em Darfur e apoio do governo a milícias que
atuam no País são exemplos da guerra no Sudão.
Está correto o que se afirma em
a) I, II, III e IV. b) I, II e III, apenas. c) II, III e IV, apenas. d) II e IV, apenas. e) III e
IV, apenas.

23 Ata Geral da Conferência de Berlim, em 26 de fevereiro de 1885:

"Capítulo I: Declaração referente à liberdade de comércio na Bacia do Congo...

Artigo 6° - Todas as Potências que exercem direitos de soberania ou uma


influência nos referidos territórios comprometem-se a velar pela conservação
dos aborígines e pela melhoria de suas condições morais e materiais de
existência e a cooperar na supressão da escravatura e principalmente do
tráfico de negros; elas protegerão e favorecerão, sem distinção de
nacionalidade ou de culto, todas as instituições e empresas religiosas, científicas
ou de caridade, criadas e organizadas para esses fins ou que tendam a instruir
os indígenas e a lhes fazer compreender e apreciar as vantagens da
Civilização."

Pela leitura do texto acima, podemos deduzir que ele:

a) demonstra que os interesses capitalistas voltados para investimentos financeiros


eram a tônica do tratado;
b) caracteriza a atração exercida pela abundância de recursos minerais, notadamente
na região subsaariana;
c) explicita as intenções de natureza religiosa do imperialismo, através da proteção à
ação dos missionários;
d) revela a própria ideologia do colonialismo europeu ao se referir às "vantagens da
Civilização";
e) reflete a preocupação das potências capitalistas em manter a escravidão negra.

24 Darfur à espera de um milagre Darfur, no Sudão, cenário de um genocídio


silencioso, é um lugar sem lei e sem espaço para a misericórdia divina. Seria também
um lugar sem nenhuma esperança, não fosse o trabalho humanitário de um batalhão de
abnegados. Em um mundo em que a corrente de informação circula ao ritmo de
terabytes por segundo e quase tudo que se quer saber está, para 1 bilhão de pessoas, a
apenas um clique de distância, como explicar que a tragédia de Darfur seja invisível? O
mundo ignora ou finge ignorar quer Darfur, no Sudão, é cenário de uma guerra de
extermínio contra uma população indefesa de quase 6 milhões de habitantes. O mesmo
mundo que se apieda de um filhote de urso-polar abandonado pela mãe no zoológico de
Berlim fecha os olhos para as centenas de milhares de crianças subnutridas dos 130
campos de refugiados de Darfur. In: Veja, 24/12/2008 (com adaptações).
Tendo o texto como referência inicial, julgue os itens a seguir,
assinalando (V) para os verdadeiros e (F) para os falsos.
0.( ) O texto evidencia que o trabalho de voluntários é
pouco significativo em casos de conflitos
internacionais intensos como a guerra civil no
Sudão.
1.( ) A causa do conflito no oeste sudanês é étnica. Esse
motivo causa espanto nos especialistas já que o
mesmo não ocorre em outras regiões do globo.
2.( ) A comparação entre o conflito étnico no Sudão e a
tecnologia atual não é pertinente, uma vez que o
desenvolvimento astronômico dos meios de
comunicação aproxima a humanidade, mesmo com
o desconhecimento de alguns fatos.
3.( ) O papel das Organizações Não-Governamentais
(ONG), como os Médicos Sem Fronteiras (MSF), é
fundamental nas áreas de conflito como em Darfur.
4.( ) Em casos da dimensão de Darfur, nos campos de
refugiados, são comuns os fuzilamentos sumários,
estupros e grande dificuldade de organismos
internacionais de combater doenças e a mortalidade
infantil.

25 (UECE) O Reino de Kush foi o berço onde se desenvolveram importantes


civilizações e culturas. Teve um papel determinante como elo cultural entre diferentes
povos do Mediterrâneo e aqueles da África subsaariana. Dentre suas características
destaca-se o modo como o rei era eleito e o papel da mulher na política. Assinale a
afirmação verdadeira.
A) O Reino de Kush foi o lendário rival da antiga Núbia africana.
B) A história de Kush está estreitamente ligada à história do Egito.
C) O Reino de Kush não consta nos relatos de Heródoto sobre a África.
D) A economia cuxita foi precária devido à pobreza do solo e à escassez de água.

26- De abril a julho de 1994, em Ruanda, país do centro da África, o agravamento do


conflito entre as etnias tútsi e hutu culminou na morte de mais de 800 mil pessoas,
muitas vitimadas por golpes de facão. O genocídio cometido por grupos fanatizados,
como bem mostrou o filme "Hotel Ruanda" (rodado em 2004), não foi impedido por
nenhuma das potências contemporâneas, Estados Unidos ou países da Comunidade
Europeia, porque
a) as nações economicamente desenvolvidas manifestam, tradicionalmente, desinteresse
pela história e pelas riquezas da África negra.
b) a precariedade dos meios de comunicação e de informação impediu que fosse
conhecido o que se passava em Kigali, a capital de Ruanda.
c) o princípio internacional e democrático de não-intervenção na política interna dos
países livres pautou o seu comportamento.
d) havia dificuldade de uma ação militar eficaz, dada a lentidão do deslocamento de
tropas no terreno irregular da África.
e) a história de Ruanda é pouco determinante para o equilíbrio político interno e para as
relações internacionais das nações desenvolvidas.

27 (ENEM) A Superintendência Regional do Instituto do Patrimônio Histórico e


Artístico Nacional (Iphan) desenvolveu o projeto “Comunidades Negras de Santa
Catarina”, que tem como objetivo preservar a memória do povo afrodescendente no sul
do País. A ancestralidade negra é abordada em suas diversas dimensões: arqueológica,
arquitetônica, paisagística e imaterial. Em regiões como a do Sertão de Valongo, na
cidade de Porto Belo, a fixação dos primeiros habitantes ocorreu imediatamente após a
abolição da escravidão no Brasil. O Iphan identificou nessa região um total de 19
referências culturais, como os conhecimentos tradicionais de ervas de chá, o plantio
agroecológico de bananas e os cultos adventistas de adoração.

Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=14256&sigla=Noticia
&retorno=detalheNoticia>. Acesso em: 1 jun. 2009. (com adaptações).

O texto acima permite analisar a relação entre cultura e memória, demonstrando que

(A) as referências culturais da população afrodescendente estiveram ausentes no sul do


País, cuja composição étnica se restringe aos brancos.
(B) a preservação dos saberes das comunidades afrodescendentes constitui importante
elemento na construção da identidade e da diversidade cultural do País.
(C) a sobrevivência da cultura negra está baseada no isolamento das comunidades
tradicionais, com proibição de alterações em seus costumes.
(D) os contatos com a sociedade nacional têm impedido a conservação da memória e
dos costumes dos quilombolas em regiões como a do Sertão de Valongo.
(E) a permanência de referenciais culturais que expressam a ancestralidade negra
compromete o desenvolvimento econômico da região.

28 (UNIFICADAS) A opinião pública internacional, constantemente, se vê abalada


pelas notícias sobre o fantasma da fome que ameaça a milhões de africanos. A
interrupção da produção por guerras civis e golpes de estado é uma das causas. Mas,
também, há o risco de que a fome se alastre, em virtude do avanço de processos de
desertificação, o que se verifica, já em estado avançado, na área imediatamente ao sul
do Saara, conhecida como:

a) Sahel.
b) Magreb.
c) Atlas.
d) Benguela.
e) Kalahari.

29 (ENEM) No mundo árabe, países governados há décadas por regimes políticos


centralizadores contabilizam metade da população com menos de 30 anos; desses, 56%
têm acesso à internet. Sentindo-se sem perspectivas de futuro e diante da estagnação da
economia, esses jovens incubam vírus sedentos por modernidade e democracia. Em
meados de dezembro, um tunisiano de 26 anos, vendedor de frutas, põe fogo no próprio
corpo em protesto por trabalho, justiça e liberdade. Uma série de manifestações eclode
na Tunísia e, como uma epidemia, o vírus libertário começa a se espalhar pelos países
vizinhos, derrubando em seguida o presidente do Egito, Hosni Mubarak. Sites e redes
sociais — como o Facebook e o Twitter — ajudaram a mobilizar manifestantes do norte
da África a ilhas do Golfo Pérsico. SEQUEIRA, C. D.; VILLAMÉA, L. A epidemia da
Liberdade. IstoÉ Internacional. 2 mar. 2011 (adaptado).
Considerando os movimentos políticos mencionados no texto, o acesso à internet
permitiu aos jovens árabes
a) reforçar a atuação dos regimes políticos existentes.
b) tomar conhecimento dos fatos sem se envolver.
c) manter o distanciamento necessário à sua segurança.
d) disseminar vírus capazes de destruir programas dos computadores.
e) difundir ideias revolucionárias que mobilizaram a população.

30 (ENEM) A Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, inclui no currículo dos


estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, a
obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira e determina que o
conteúdo programático incluirá o estudo da História da África e dos africanos, a luta dos
negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política
pertinentes à História do Brasil, além de instituir, no calendário escolar, o dia 20 de
novembro como data comemorativa do “Dia da Consciência Negra”.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 27 jul. 2010 (adaptado).
A referida lei representa um avanço não só para a educação nacional, mas também para
a sociedade brasileira, porque
a) legitima o ensino das ciências humanas nas escolas.
b) divulga conhecimentos para a população afro-brasileira.
c) reforça a concepção etnocêntrica sobre a África e sua cultura.
d) garante aos afrodescendentes a igualdade no acesso à educação.
e) impulsiona o reconhecimento da pluralidade étnico-racial do país.

31 (ENEM) Os chineses não atrelam nenhuma condição para efetuar investimentos nos
países africanos. Outro ponto interessante é a venda e compra de grandes somas de
áreas, posteriormente cercadas. Por se tratar de países instáveis e com governos ainda
não consolidados, teme-se que algumas nações da África tornem-se literalmente
protetorados. BRANCOLI, F. China e os novos investimentos na África:
neocolonialismo ou mudanças na arquitetura global? Disponível em:
http://opiniaoenoticia.com.br. Acesso em: 29 abr. 2010 (adaptado).
A presença econômica da China em vastas áreas do globo é uma realidade do século
XXI. A partir do texto,como é possível caracterizar a relação econômica da China com
o continente africano?
a) Pela presença de órgãos econômicos internacionais como o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e o Banco Mundial, que restringem os investimentos chineses, uma
vez que estes não se preocupam com a preservação do meio ambiente.
b) Pela ação de ONGs (Organizações Não Governamentais) que limitam os
investimentos estatais chineses, uma vez que estes se mostram desinteressados em
relação aos problemas sociais africanos.
c) Pela aliança com os capitais e investimentos diretos realizados pelos países
ocidentais, promovendo o crescimento econômico de algumas regiões desse continente.
d) Pela presença cada vez maior de investimentos diretos, o que pode representar uma
ameaça à soberania dos países africanos ou manipulação das ações destes governos em
favor dos grandes projetos.
e) Pela presença de um número cada vez maior de diplomatas, o que pode levar à
formação de um Mercado Comum Sino-Africano, ameaçando os interesses ocidentais.

32 (ENEM 2011) O café tem origem na região onde hoje se encontra a Etiópia, mas seu
cultivo e consumo se disseminaram a
partir da Península Árabe. Aportou à Europa por Constantinopla e, finalmente, em
1615, ganhou a cidade de Veneza. Quando o café chegou à região europeia, alguns
clérigos sugeriram que o produto deveria ser excomungado, por ser obra do diabo. O
papa Clemente VIII (1592-1605), contudo, resolveu provar a bebida. Tendo gostado do
sabor, decidiu que ela deveria ser batizada para que se tornasse uma “bebida
verdadeiramente cristã”.
THORN, J. Guia do café. Lisboa: Livros e livros, 1998 (adaptado).
A postura dos clérigos e do papa Clemente VIII diante da introdução do café na Europa
Ocidental pode ser explicada pela associação dessa bebida ao
a) ateísmo.
b) judaísmo.
c) hinduísmo.
d) islamismo.
e) protestantismo.

GABARITO

1-b;
2-Todos verdadeiros;
3- A) O autor reflete sobre a situação da África, mais especificamente sobre o resultado
dos efeitos do Neocolonialismo. Nações colonizadoras europeias limitaram-se a
explorar suas colônias, sem lhes oferecer condições para um desenvolvimento
autossustentável após a colonização.
B) Pode-se citar Congo, Moçambique e Angola, entre outros países.

4-b;5-b;

6- A) -Guerras locais entre os clãs e etnias que buscam consolidação em solo africano,
muitas vezes apoiados por chefes de Estado que representam os interesses de apenas de
um ou de poucos grupos de clãs locais.
- Baixo grau de desenvolvimento humano na maioria dos países do continente. O Atraso
nas estruturas e a precária infraestrutura dificultam a erradicação de doenças como
difteria, malária, doença de Chagas, amarelão, etc.
B) – Redução acelerada da produção em idade adulta, o que causa a diminuição da mão
de obra geradora de riquezas.
-- Redução do número de profissionais qualificados para o mercado, devido aos óbitos.
Tal fator requer recomeço da formação básica, média e superior das populações
africanas.

7-d;
8 A) Revolta dos Malês
B1) Sudaneses e Bantos
B2) Sudaneses oriundos da África Ocidental, Sudão e Costa da Guiné; Bantos, oriundos
de Angola, Congo, Moçambique e Cambinda (sul da África).
C) O islamismo foi propagado pela força da palavra (ação de professores e místicos),
dos acordos comerciais e, principalmente, das armas. Eram as guerras santas, as Jihad,
destinadas a islamizar populações, converter líderes políticos e escravizar os “infiéis”,
ou seja, quem se recusasse a professar a fé em Alá.

9-d; 10-b; 11-c; 12-c; 13-e; 14-b; 15-b; 16-a; 17-c; 18-c; 19-a; 20-d; 21-a; 22-d; 23-d;
24- 0-F, 1-F, 2-F, 3-V, 4-V; 25-b; 26-e; 27-b; 28- a; 29-e; 30-e; 31-d; 32-d.

BIBLIOGRAFIA

COSTA E SILVA, Alberto da. A Enxada e a Lança: a África antes dos portugueses. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.
DEL PRIORE, Mary, e VENÂNCIO, Renato Pinto. Ancestrais: Uma Introdução à
História da África Atlântica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. FERREIRA, Muniz. A
África Contemporânea: dilemas e possibilidades.
HERNANDEZ, Leila Leite. A África na Sala de Aula: visita à História
contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2005.
GIORDANI, Mário Curtis. História da África. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2007.
LOVEJOY, Paul E. A Escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
NASCIMENTO, Elisa Larkin (organizadora). A Matriz Africana no Mundo. São
Paulo: Selo Negro, 2008.
MATTOS, Regiane Augusto. História e Cultura Afro-brasileira. São Paulo: Editora
Contexto, 2007.
OLIVER, Roland. A Experiência Africana: da pré-história aos dias atuais. Rio de
Janeiro: Zahar, 1994.

PERÍÓDICOS
Aventuras na História
Revista de História da Biblioteca Nacional
Nossa História
Leituras de História

INTERNET

http://www.yorubana.com.br/
http://afrologia.blogspot.com/
http://www.ricardocosta.com/pub/imperiosnegros2.htm
http://historiaafrica.blogs.sapo.pt/

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