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Sara Nunes

A CONSTITUIÇÃO DE UM LEGADO:
O CONTINENTE DAS LAGENS, DE LICURGO COSTA

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História da Universidade
Federal de Santa Catarina para obtenção
do título de Doutora em História
Cultural.
Orientadora: Letícia Borges Nedel

Florianópolis
2017
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Dedico:

Eu que pensei em tantos outros nomes e, então, como um sopro, você


escolheu seu nome.
João... mais, João Rafael.
Tempo depois pensei sobre o significado literal desses nomes:

João: o enviado de Deus


Rafael: aquele que cura

Assim: João Rafael, aquele que cura.


Dedico essa tese a vocês: João Rafael e Rafael, os meninos lá de casa.
E aos meus: pai e mãe.
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GRATIDÃO

Uma colcha de crochê. Só posso expressar a minha gratidão por


todas as coisas que me cercam e são internas a esse ritual da escrita de
uma tese, começando pela colcha de crochê tecida pela minha avó
materna, já falecida. Um dia antes de começar essa que foi, para mim,
uma trajetória brutalmente transformadora – o doutorado –, ganhei a
colcha de crochê para guardar como lembrança da “vó”. E esse lembrar
desencadeou memórias que conduzem a entender um pouco quem eu
sou (a junção daqueles que me antecedem, somada ao resultado
cotidiano de cada dia que respiro). Sou filha de uma mãe que sempre me
disse: estude e seja independente, mulher tem que ser dona do seu nariz.
Eu devia ter uns três anos de idade e ainda não sabia muito bem acerca
desses detalhes que pairam sobre a condição de ser mulher em uma
sociedade patriarcal e tão marcada por injustiças. Hoje, entendo um
pouco melhor e penso na história das mulheres do meu clã,
principalmente minha avó materna, Maria, minha avó paterna, Robélia,
e minha mãe, Maria Aparecida. Minhas avós, cada uma em seu
contexto, protagonizaram na carne e na alma a dor que caminha junto
com a força. Uma foi filha única, órfã na adolescência em um meio rural
e latifundiário. Ela queria estudar, mas a solução para encaminhar tão
desamparada menina: casamento, ela tinha 19 anos. Daí vieram cinco
filhos, sendo a mais velha, a minha mãe. E ela, na condição de mulher e
filha mais velha, ajudou a criar os outros cinco. A outra avó foi mãe
solteira no final da década de 1930, e tinha 19 anos quando minha tia
havia nascido. Depois, foi mãe novamente em 1954. Um mês depois do
suicídio de Getúlio Vargas, nasceu meu pai. Entre o recorte temporal
que compreende o nascimento dos dois filhos sem uma autoridade
paterna, muita coisa aconteceu, contudo, Dona Robélia era discreta e
não gostava muito desse assunto. Amava discutir política, amava
história e aprendeu a ler sozinha nos anos 1980, quando utilizava como
recurso para a leitura, os livros didáticos de história de minhas primas
mais velhas. Guardo algumas cartas que ela escreveu naquele tempo,
rabiscos tão preciosos. Frutos dessa rede, pai, mãe, irmão, gratidão pelo
amor, exemplos e ensinamentos. Minha tia e primas de São Paulo,
gratidão por me receberem com carinho na temporada quando fiz uma
disciplina na USP. Gratidão a todos e com amor.
Considerando o enredo apresentado, são muitos os nomes que
compõem o crochê de linhas humanas e generosas que compõem os
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bastidores desta tese. Corro o risco de alguns não nomear, não por
descaso, mas pelo acaso das fugas que a memória comete.
Para as linhas humanas que constituem a minha colcha de
vivências, reservo um espaço ímpar aos que adentraram nessa trajetória
via UDESC, espaço marcado por profundas amizades e transformação,
aprendizados que protagonizam a minha vida. As memórias são as mais
felizes. Foi lá na antiga Faed, no prédio que hoje é o Museu da Escola,
que entendi que pesquisar sobre Lages seria o meu caminho. Registro
minha gratidão a todos os professores, cada um com suas subjetividades
compartilhadas na ação da docência. Agradeço os apontamentos da
professora Janice Gonçalves no exame de qualificação desta tese,
sempre dedicada e atenta. Na construção de minhas escolhas, há aqueles
que ocupam uma posição irreversível e de inestimável valor: o professor
Norberto Dallabrida, a personificação do comprometimento,
generosidade e profundidade acadêmica, a minha referência. Não
poderia deixar de registrar toda a minha gratidão à professora Maria
Teresa Santos Cunha, cuja participação nesta banca de tese é resultado
da forma exemplar como organizava suas aulas e a sensibilidade
dedicada a mim. Foi sua forma de atuar que despertou em mim “um
gosto” pela escrita da história.
Agradeço imensamente à UFSC, instituição pública onde realizei
meu curso de mestrado e doutorado. Nesse espaço, fiz também amizades
de grande valor. Agradeço à minha orientadora, a professora Letícia
Nedel, pela orientação criteriosa e pela generosidade em me acolher em
um momento de transição da minha trajetória na UFSC. Suas
contribuições firmes, lúcidas e consistentes se configuram em uma
grande força que deu a esta tese um caminho. À professora Maria de
Fátima Fontes Piazza, pela generosidade e carinho na leitura realizada e
pelas contribuições sempre pertinentes. Ao professor Paulo Pinheiro
Machado, pelo exemplo sólido de seriedade, conhecimento e ação. À
professora Aline da Silveira e a todo o seu clã, viva a amizade, o vinho e
as lembranças do ano de 2010. Agradeço também ao amigo Felipe
Matos, sempre generoso.
Aos amigos de Lages, Carla Souza, Eveline Andrade, meninas
fortes do Museu Thiago de Castro, companheiras de todas as jornadas.
À Janaina Maciel, pela amizade, confiança e inestimável ajuda com as
fontes. Ao Fabiano Garcia, amigo da UFSC e de Lages, uma das mentes
mais lúcidas, um apaixonado por “desconfortar” a história de Lages e
que o faz com competência singular.
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À Elisiana Trilha Castro e ao seu clã, historiadora talentosa,


leitora atenta de meu trabalho. Uma parceria produtiva e feliz. Foi Elis
quem apontou lá em 2010 a possibilidade de escolher Licurgo e sua obra
como objeto de tese.
Aos familiares de Licurgo, em especial à filha Lilian e aos
sobrinhos Gabriel Costa Rodrigues Alves e Paulo César da Costa.
Ao Maurício Neves de Jesus que na condição de superintendente
da Fundação Cultural de Lages, incentivou a publicação da segunda
edição do Continente.
Aos amigos irmãos, Fábio Feltrin e Dani Sbravatti, por partilhar a
força para ainda acreditar: “viva o sonho, a luta e o novo”.
Ao final de 2008, o governo Lula criou os Institutos Federais de
Educação, uma proposta profundamente transformadora. Desde então,
meu sonho era fazer parte desse projeto. Em 2011, o sonho se realizou,
passei no concurso e ingressei no IFC – Instituto Federal Catarinense –
Campus Ibirama, como professora do ensino básico, técnico e
tecnológico. Assim, essa tese foi escrita em meio à minha trajetória
como servidora pública federal. Foi um tempo marcado por desafios
extremos, porém, leves por conta das grandes parcerias construídas.
Nesse recorte da colcha de crochê, encontrei companheiros para todas as
lutas. Ganhei uma irmandade: Gislaine, Guilherme e Liamara. Em
muitos momentos, nos tornamos o lar um do outro, já que a casa
material e imaterial estava longe ou inexistente, assim, construímos com
a força da parceria novos horizontes e teses, dissertações... Em Ibirama,
os estudantes também se tornaram parte da casa, Yasmim, Vanessa e
Ketrin, meus doces e a inquisição: termina logo essa tese!
Desse pedaço ibiramense, que faz parte da colcha de crochê, ou
melhor, da composição humana das entrelinhas desta tese, existe um
professor doutor em sociologia, que se tornou o diretor do campus
Ibirama e suportou todas as minhas intransigências e catástrofes
pessoais. Refiro-me ao senhor Fernando José Taques ou, como gosto de
chamá-lo, menino Taques, a quem, cuja minha gratidão, não cabe aqui.
São muitas e inigualáveis as suas contribuições durante o meu trajeto
pessoal e acadêmico.
É em terreno ibiramense encontrei também o que hoje dá sentido
a todo esse caminho, Rafael. Eu realmente não gostava de dialogar com
o setor tecnológico do IFC, com os engenheiros, os quais considerava
seres de um outro planeta inabitável, conforme meus fechados
conceitos. Obrigada por quebrar paradigmas e de forma leve, feliz e
pautada no companheirismo, mostrar-me outros caminhos tão bonitos e
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tão maravilhosos para serem vividos. Por todas as coisas tão simples,
fortes e cotidianas compartilhadas com tanto amor. Nesse caminho,
fizemos a sua tese, agora, a minha, ou como você um dia disse: as
nossas. Muito mais que tudo isso, o nosso João, uma escolha e um
presente para além de todas as palavras aqui escritas neste exercício de
gratidão.
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RESUMO

Nesta tese, analisa-se a produção escrita de Licurgo Costa sobre a cidade


de Lages, identificando a historicidade do lugar social do agente para
compreender o significado de sua principal obra, O continente das
Lagens, tanto em sua trajetória de vida, quanto no campo cultural e
político catarinense sobre o qual interveio como autor. Dentro dessa
análise, problematiza-se e pontua-se a inserção da referida obra no
cenário de produção historiográfica catarinense, como também a do
próprio Licurgo nesse espaço de atuação. Para tanto, busca-se identificar
na ação do autor a intenção de projetar Lages na tradição política e
cultural de Santa Catarina, e também, de projetar a si mesmo como
intérprete regional da história de Lages. Deste modo, é necessário
considerar, na construção da representação sobre o passado de Lages,
elaborada por Licurgo, sua posição como um agente social dos quadros
da elite política de Santa Catarina, oriundo de duas oligarquias
tradicionais da Região Serrana de Santa Catarina, os Ramos e os Costa,
famílias que ocuparam relevantes espaços políticos em Santa Catarina.
Em sua Escrita da História (1975), Certeau compreende a historiografia
como uma operação que envolve a articulação entre um lugar social
(uma profissão, um meio), uma prática, isto é, os procedimentos de
análise e as regras que lhe conferem um caráter disciplinar, e uma
escrita (o texto histórico). Com esse pressuposto, ressalta o caráter
institucional, o jogo de forças sociais e as regras da composição ocultas
na escrita histórica, permitindo integrar a história à realidade social
enquanto atividade humana. Neste sentido, entende-se a escrita de
Licurgo e a escritura desta tese como um produto elaborado a partir dos
condicionantes apresentados por Certeau.

Palavras-chave: Trajetória, escrita, legado, Licurgo Costa, Lages.


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ABSTRACT

In this thesis, the written production of Licurgo Costa on the city of


Lages is analyzed, identifying the historicity of the agent's social place
to understand the meaning of his main work, The continent of the
Lagens, both in his life trajectory and in the field Cultural and political
situation in which he intervened as an author. Within this analysis, the
insertion of this work in the scenario of historiographic production in
Santa Catarina, as well as that of Licurgo himself in this space of
performance, is problematized and punctuated. In order to do so, it is
sought to identify in the action of the author the intention of projecting
Lages in the political and cultural tradition of Santa Catarina, and also of
projecting oneself as regional interpreter of the history of Lages. Thus, it
is necessary to consider, in the construction of the representation of the
past of Lages, elaborated by Licurgo, his position as a social agent of the
political elite of Santa Catarina, originating from two traditional
oligarchies of the Serrana Region of Santa Catarina, the Branches And
the Costa, families that occupied important political spaces in Santa
Catarina. In his Writ of History, originally published in 1975, Certeau
understands historiography as an operation that involves the articulation
between a social place (a profession, a means), a practice, that is, the
procedures of analysis and the rules that give it A disciplinary character,
and a writing (the historical text). With this assumption, it emphasizes
the institutional character, the game of social forces and the rules of
composition hidden in historical writing, allowing to integrate history
with social reality as a human activity. In this way, it is understood the
writing of Licurgo and the writing of this thesis as a product elaborated
from the conditions presented by Certeau.

Keywords: Trajectory, writing, legacy, Licurgo Costa, Lages.


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LISTA DE ABREVIATURAS

ACL – Academia Catarinense de Letras


IHGSC – Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
UDESC – Universidade Estadual de Santa Catarina
PPGH – Programa de Pós-Graduação em História
PRC – Partido Republicano Catarinense
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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Belizário Ramos .....................................................................50


Figura 2: Adélia Ramos, mãe de Licurgo Costa ....................................50
Figura 3: Lages, em 1900 ......................................................................57
Figura 4: João José Theodoro da Costa .................................................60
Figura 5: Retrato de Otacílio Costa .......................................................65
Figura 6: Ginásio Nossa Senhora da Conceição, São Leopoldo/RS
................................................................................................................68
Figura 7: Frontispício do texto publicado por Otacílio Costa ...............72
Figura 8: Avenida Rio Branco, centro do Rio de Janeiro em 1920 .....90
Figura 9: Licurgo Costa e a carteira sindical ..........................104
Figura 10: Benito Mussolini e um grupo de jornalistas brasileiros, entre
os quais, Licurgo Costa .......................................................................108
Figura 11: Licurgo em companhia de Lourival Fontes e Alzira Vargas,
em 1939 ...............................................................................................110
Figura 12: Getúlio Vargas e a equipe do DIP, entre os quais, Licurgo
Costa e Lourival Fontes.......................................................................112
Figura 13: Licurgo Costa em reunião no gabinete do Presidente Getúlio
Vargas ..................................................................................................113
Figura 14: Licurgo e Darcy Vargas .....................................................113
Figura 15: Ocasião em que Licurgo Costa recebeu Tancredo Neves no
Uruguai para negociar a posse de João Goulart ..................................132
Figura 16: Página da agenda de Licurgo Costa, em 31 de março de 1964
..............................................................................................................134
Figura 17: Imagem de Giorgio de Chirico e Licurgo Costa ............141
18
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .....................................................................................21
Apresentação do Problema de pesquisa ...........................................21
Metodologia ....................................................................................34
As fontes ..........................................................................................37
Estrutura da tese ...............................................................................40

CAPÍTULO 1. O LUGAR DE NASCIMENTO: FAMÍLIA E


ESCOLARIZAÇÃO ..............................................................................43
1.1 O agreste .....................................................................................48
1.2 Desterro e o Ginásio Catarinense ...............................................79

CAPÍTULO 2. A TRAJETÓRIA ALÉM DE SANTA CATARINA ...89


2.1 O Rio de Janeiro nos anos 1920 .................................................89
2.2 Política, propaganda e ascensão profissional ............................98
2.3 O Itamaraty ...............................................................................115

CAPÍTULO 3. DO RESTO DO MUNDO PARA OS CAMPOS DAS


LAGENS .............................................................................................139
3.1 As ações do Fidalgo da Serra ..................................................140
3.2 O memorial da serra .................................................................157
3.3 As representações do passado sobre um “continente: o “das
Lagens” ................................................................................................163

CAPÍTULO 4. A EMERGÊNCIA DO CONTINENTE EM CENÁRIOS


DA HISTÓRIA ....................................................................................171
4.1 Entre lugares de produção .......................................................172
4.2 As relações políticas e o Instituto Histórico e Geográfico de
Santa Catarina .....................................................................................177
4.3 A circulação do Continente no meio universitário ..............189
4.4 O monumento de um legado ....................................................205

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................217

DOCUMENTOS CONSULTADOS ...................................................221

REFERÊNCIAS ..................................................................................237
20
21

INTRODUÇÃO

Apresentação do Problema de pesquisa

Caso não sobrassem motivos para justificar sua


longa e profícua vida, bastaria a Licurgo Costa o
fato de ser o autor de uma das mais importantes
obras da historiografia brasileira. O Continente
das Lagens, nos seus quatro volumes, já nasceu
com a estatura e o destino de ser um clássico, uma
daquelas obras sobre as quais Italo Calvino disse
que são clássicas porque nunca terminam de dizer
aquilo que têm para dizer, e por isso estão
voltadas à perenidade. Mas Licurgo Costa foi
além, e sua produção literária é farta e sempre
brilhante, seja no ensaio, na biografia, na
memorialística e em todos os gêneros pelos quais
transitou desde que, ainda na terra natal e antes de
se lançar ao mundo, fez do ofício de escrever,
mais do que vocação, uma necessidade.
Descendente de uma estirpe de pioneiros que
desbravaram e povoaram os campos das Lages e
do Planalto Serrano, abrindo o “caminho das
tropas” numa saga marcada pela coragem e o
espírito de luta, cultuou os valores e tradições
ancestrais à sua maneira. Deu-lhes a dimensão da
cultura e do saber, destacando a inestimável
contribuição da gente daquelas paragens serranas
à construção da nacionalidade e da identidade
catarinense (Diário Catarinense, 13 de julho de
2002).

O recorte acima, intitulado “O Legado de Licurgo”, escrito por


Mário Pereira1, publicado em julho de 2002, pelo jornal Diário
Catarinense, traz como mote uma celebração póstuma do lageano
Licurgo Ramos da Costa. São notáveis, nessa homenagem fúnebre, as
referências à frutuosa trajetória do homenageado, como também a
qualificação do morto ilustre como o “autor de uma das mais
importantes obras da historiografia brasileira”, propriamente, o livro O
continente das Lagens (COSTA, 1982). Escrito entre os anos de 1975

1
Jornalista e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.
22

até 1982, a primeira edição foi responsabilidade da Fundação


Catarinense de Cultura. A publicação de 1982 marca o retorno de
Licurgo Costa para Santa Catarina, já que entre as décadas de 1920 e
1970, construiu sua trajetória profissional, primeiro, como jornalista,
depois, como funcionário do Itamaraty em embaixadas e consulados do
Brasil pelo mundo. Além de marcar o retorno a casa, O continente das
Lagens é também um registro do seu empreendimento na construção de
uma representação sobre o passado de Lages, mediante o qual faz um
recorte que destaca a memória do grupo social ao qual Licurgo Costa
pertencera em sua terra natal. Trata-se de um investimento na produção
de uma memória que destaca o legado2 de seus familiares. Ao retornar
para Santa Catarina, após a aposentadoria como ministro de primeira
classe do Itamaraty, em meados da década de 1970, Licurgo aproximou-
se de instituições como o Instituto Histórico e Geográfico3, tornando-se
sócio em 1976, e da Academia Catarinense de Letras, eleito em 1978.
Investiu também na produção de uma memória de si relacionada à sua
trajetória profissional. E conforme as palavras do já falecido historiador

2
Em seus estudos, a pesquisadora Luciana Quilet Heymann refere-se a “legado”
como um investimento social por meio do qual uma determinada memória
individual é tomada exemplar ou fundadora de um projeto político, social,
ideológico, etc. Cabe assinalar que a produção de um legado e a fundação de um
lugar de memória dedicado a recuperá-lo estão submetidas a condições diversas,
tal como ocorre no processo de produção de arquivos pessoais. Em primeiro
lugar, dependerão da ação de sujeitos que expressem essa “necessidade” de
recuperar esses legados, que sejam porta-vozes do risco do esquecimento, da
“dívida” com a memória desses personagens, da importância dessa recuperação
para a “memória nacional”, categoria na qual se incluem os legados e os objetos
que os simbolizam. In: HEYMANN, Luciana. De “arquivo pessoal” a
“patrimônio nacional”: reflexões acerca da produção de “legados”. Rio de
Janeiro: CPDOC, 2005, p. 1. A produção de um “legado” depende e muito dos
lugares ocupados por esses sujeitos responsáveis por esse processo de produção,
os quais mobilizam recursos sociais e políticos em prol de um projeto de
produção de “legado”. Licurgo Costa, ao retornar para Santa Catarina, foi um
“agente” da produção do legado de seus familiares.
3
Solicitaram-se ao Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina as atas da
instituição referentes à década de 1970. A intenção era identificar as condições
mencionadas pelos então sócios para realizar o convite a Licurgo Ramos da
Costa, a fim de que ele se tornasse sócio. Esses documentos são
disponibilizados somente para os sócios, de modo que não foi possível acessá-
los. No entanto, outros documentos estão disponíveis, como textos, recortes de
jornais, entre outros, citados no arrolamento das fontes pesquisadas para a
realização desta tese.
23

e também membro do IHGSC, Carlos Humberto Correia, Licurgo


“mostrou várias vezes que os trinta e tantos anos em que viveu no
exterior não o afastaram da cultura do seu estado natal e suas conhecidas
diversificações em face dos variados grupos colonizadores e
características geográficas” (COSTA, 2002).
Tendo como ponto de partida essas colocações acerca do “legado
de Licurgo”, a publicação de O continente das Lagens, sua história e
influência no sertão da terra firme, e também a memória fabricada pelo
autor a respeito de sua própria trajetória, propõe-se nesta tese analisar a
produção escrita de Licurgo Costa sobre a cidade de Lages,
identificando a historicidade do lugar social do agente para compreender
o significado da publicação dessa obra, não só na trajetória literária do
autor, mas também no campo cultural e político catarinense sobre o qual
interveio. Nessa análise, é importante problematizar e pontuar a inserção
da referida obra no cenário de produção historiográfica catarinense,
como também a inserção do próprio Licurgo nesse espaço de atuação.
Procurar identificar na ação do autor, a intenção de projetar Lages na
tradição política e cultural de Santa Catarina, de certa forma, projetando
a si mesmo como intérprete regional da história de Lages.
No prefácio de O continente das Lagens, escrito pelo próprio
Licurgo, ele finaliza com a seguinte colocação: “para um lageano que
viveu sempre longe da terra natal e para ela retornou quando sentiu que
começava a envelhecer, este livro representa, de certo modo, um
mecanismo de compensação” (COSTA, 1982, p. xv). Prefaciar é algo
muito sintomático, precede o que então virá. De tal forma que é notável
uma intenção de compensar a ausência através de uma ação pública, que
possa conferir certo reconhecimento à memória social e política de seus
familiares e, por consequência, dele mesmo como intérprete da região
em que nascera. Ressalta-se que, no prefácio, há uma nota de rodapé que
acompanha a autodefinição como lageano, na qual ele se apresenta
como descendente, tanto do lado materno quanto paterno, dos primeiros
povoadores portugueses que chegaram ao lado de Antônio Correia Pinto
de Macedo4.
Na organização de sua escrita, Licurgo pontua os vínculos
familiares com personagens que ele nomeia como centrais no desenrolar
de vários acontecimentos políticos e administrativos de Lages e de Santa
Catarina. Conforme as palavras já citadas de Mário Pereira: “deu-lhes a

4
Bandeirante paulista representante da Coroa portuguesa, responsável por
fundar a Vila de Nossa Senhora dos Prazeres das Lagens, em 1766.
24

dimensão da cultura e do saber, destacando a inestimável contribuição


da gente daquelas paragens serranas à construção da nacionalidade e da
identidade catarinense” (Diário Catarinense, 13 de julho de 2002). De
certa forma, é um acerto de contas de Licurgo com seu grupo social de
origem: inscrever a história local e familiar – de Lages e dos Ramos e
Costa – na história política e cultural do estado catarinense. Cabe
destacar que essa elite serrana protagonizou eventos em espaços
políticos e administrativos de Santa Catarina ao longo do século XX.
Contudo, essas posições de poder político não se projetaram com a
mesma força ou importância naqueles espaços destinados à História,
como as academias de eruditos e a pesquisa acadêmica universitária. A
incipiência de estudos sobre Lages acabou por conferir longevidade à
obra de Licurgo Costa, transformando-a em um clássico por abstenção
da concorrência.
Não obstante ter vindo à luz entre o final de 1982 e o começo de
1983, a publicação do Continente ocorreu em um momento da
historiográfica catarinense em que é possível observar a franca crise de
legitimidade do saber produzido pelo IHGSC, em decorrência da
expansão do meio universitário e dos novos pressupostos
epistemológicos experimentados pela academia histórica. Apesar de ser
uma obra mais reconhecida pelos consócios do IHGSC do que pelos
acadêmicos das universidades, o fato de existirem poucos trabalhos
publicados, acadêmicos ou não, em relação à história de Lages, torna o
Continente uma obra que, embora se configure em um monumento5 à
memória do grupo social ao qual Licurgo pertencera, transita também
em espaços universitários, na medida em que reúne, em seu corpo
textual, uma ampla gama de temas e fontes. Isso confere ao livro uma
valorosa importância, já que reúne uma rica perspectiva de conteúdos,
fontes e informações, as quais servem como referência para a produção
de outros estudos históricos, como também para pesquisas geográficas,

5
Para compreender essa noção de “monumento”, cabe apropriar-se das
contribuições de Jacques Le Goff, quando afirma que “a memória coletiva e sua
forma científica, a história, aplicam-se a dois tipos de materiais: os documentos
e os monumentos. De fato, o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu
no passado, mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no
desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se
dedicam à ciência do passado e do tempo que passa, os historiadores” (LE
GOFF, 2003, p. 525). Neste sentido, compreende-se O continente das Lagens
como um monumento que resulta de uma operação de forças sociais e históricas
para celebrar memórias.
25

políticas, econômicas e culturais. Por conta disso, é possível atrelar ao


Continente uma compreensão de patrimônio, tendo em vista que agrega
bens: menção a documentos sobre um passado constantemente
esquecido.
Licurgo nasceu em 1904, na cidade de Lages, região serrana de
Santa Catarina, filho de Otacílio Vieira da Costa (jornalista e político) e
Adélia Ramos da Costa (filha de Belizário Ramos, uma das lideranças
do Partido Republicano), representantes de oligarquias latifundiárias da
região serrana do estado. Formado em farmácia, direito e economia, foi
escritor, jornalista, advogado e funcionário do Itamaraty.
A partir da memória que fabricou de si, registrada em um livro
póstumo (COSTA, 2002) e em algumas entrevistas, apresenta-se a
seguir uma breve súmula de sua trajetória: cresceu em um ambiente
rural, rodeado por livros, inclusive de literatura estrangeira, como a obra
do português Eça de Queiroz. Recebeu uma escolarização típica às
aspirações dos jovens pertencentes às oligarquias da época. Como
jornalista, viveu episódios que marcaram o fim da Primeira República e
o começo da Era Vargas. Durante o Estado Novo, foi diretor
administrativo do DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda, um
órgão responsável por vigiar, censurar e controlar os meios de
comunicação, as produções intelectuais e artísticas. Conviveu com
pessoas expressivas, nacional e internacionalmente, tanto do meio
artístico quanto político. Foi adido comercial do Itamaraty em cidades
como Roma, Madri e Nova York. Foi um personagem sempre presente
nas entrelinhas e linhas de articulações políticas e de interações sociais e
culturais. Por ocupar um cargo relativo ao comércio exterior no
Itamaraty, as agendas pessoais apontam contatos com políticos, entre os
quais, Café Filho, atividades culturais com Rubem Braga e Nara Leão,
amizade com um dos membros da Academia Brasileira de Letras, Josué
Montello, além de certa proximidade com a família de Getúlio Vargas.
Publicou vários livros, alguns relacionados ao período em que Vargas
esteve no poder, tais como Cidadão do mundo6 e História e Evolução da
Imprensa Brasileira7, assim como da política econômica do governo de
Juscelino Kubischek, Uma nova política para as Américas8. Publicou

6
COSTA, Licurgo Ramos. Cidadão do Mundo. Rio de Janeiro: Livraria José
Olympio, 1942.
7
COSTA, Licurgo Ramos; VIDAL, Carlos. História e Evolução da Imprensa
Brasileira. Rio de Janeiro: Comissão dos Centenários de Portugal, 1940.
8
COSTA, Licurgo Ramos. Uma nova política para as Américas. São Paulo:
Livraria Martins, 1960.
26

também trabalhos econômicos desenvolvidos nas embaixadas e


consulados, tais como a Conferência Interamericana de municípios9,
Panorama del Brasile10, O Brasil e o mercado italiano11 e O café
brasileiro no mercado espanhol12, além de traduzir A Rua das
Vaidades13, de Gwen Bristow14.
Ao retornar às terras catarinenses, depois de peregrinar por quase
todos os continentes, ele escreveu um continente, ou melhor, O
continente das Lagens, sua história e influência no sertão da terra
firme. Narrativa em quatro volumes sobre a história de Lages, produção
que envolve uma abordagem extensa, fazendo uma incursão desde o que
o autor denominou como os “primitivos habitantes”, isto é, os
indígenas, até as composições sociais do século XX. Pesquisou sobre
várias temáticas, incluindo educação, costumes, política, economia,
religião e esportes. Em seu retorno a Santa Catarina, publicou também
as seguintes obras: Otacílio Costa, uma vida a serviço da comunidade15,
Lages, comércio e desenvolvimento de uma cidade16 e Um cambalacho
político17. Dele há também as biografias de Otacílio Costa, Lindolfo
Collor18 e Edmundo da Luz Pinto19, figuras de projeção nacional com as
quais Licurgo convivera.
Embora a trajetória do lageano apresente um enredo generoso em
experiências, a ação que lhe rende certo reconhecimento, especialmente
em seu estado de nascimento, é a publicação de O continente das
Lagens, lançado alguns anos após a sua aposentadoria como ministro do
Itamaraty. Em seu retorno ao estado, é possível observar dois
investimentos em seu repertório, isto é, a construção de uma

9
Idem. Conferência Interamericana de municípios. Rio de Janeiro: Observador
Econômico, 1942.
10
Idem. Panorama del Brasile. Roma: Nardine, 1950.
11
COSTA, Licurgo Ramos. O Brasil e o mercado italiano. Rio de Janeiro:
Livraria São José, 1951.
12
Idem. O café brasileiro no mercado espanhol. Madrid: States Editorial, 1957.
13
BRISTOW, Gwen. A Rua das Vaidades. Trad. de Licurgo Ramos Costa. Rio
de Janeiro: Livraria José Olympio, 1943.
14
Escritora norte americana nascida em Carolina do Sul, Estados Unidos.
15
COSTA, Licurgo Ramos. Otacílio Costa, uma vida a serviço da comunidade.
Lages: Edição do autor, 1983.
16
Idem. Lages comércio e desenvolvimento de uma cidade. Lages: Senac, 1985.
17
Idem. Um Cambalacho Político. Florianópolis: Lunardelli, 1987.
18
Idem. Ensaio sobre a vida de Lindolfo Collor. Florianópolis: Lunardelli,
1990.
19
Idem. O Embaixador de Ariel. Florianópolis: Insular, 1999.
27

representação da memória de seu grupo social de origem, um segmento


social com força nos quadros políticos, e o outro, a fabricação de uma
memória de si, atrelada a uma busca de prestígio ou, em outros termos, a
poder simbólico (BOURDIEU, 1989). De certa forma, as vivências além
de Santa Catarina proporcionaram um “ethos cosmopolita20” que deveria
ser convertido em favor de si e de sua terra natal, em capital cultural.
Vale destacar que Licurgo utilizou-se bastante de suas experiências
sociais como personificação das próprias qualidades, isto é, como um
recurso de poder:

Gente famosa que conheci? A lista é longa e


variada e carece resumi-la. Dos nacionais anotarei
Getúlio, Juscelino, Café Filho e Nereu Ramos,
amigos do peito e todos, para os distraídos,
Presidentes da República. Também amigos
caríssimos, Candinho Portinari, Villa Lobos, Ary
Barroso, Érico Veríssimo, Josué de Castro,
Gilberto Freyre, Tancredo Neves, Carlos
Drummond de Andrade, Josué Montello, Paulo
Tarso Flecha de Lima, grande embaixador e, mais
espaço houvera mais dissera. Lá fora fui amigo de
telefonemas mútuos de Monsenhor Giovanni
Baptista Montini, depois S.S Papa Paulo VI;
Diego Rivera e David Alfaro Siqueiros, pintores
celebrados, inteligentíssimos comunistas,
freqüentadores de minha casa mexicana; George
De Chirico, criador da pintura metafísica; em
outra esfera Mussolini, Salazar e Franco, rudes e
temíveis facistas; Don Gregório Marañon e Ortega
y Gasset, espanhóis geniais e universais; o xá da
Pérsia e sua belíssima imperatriz Soraya, de rosto
evangélico e de mãos macias; a fabulosa Amália
Rodrigues; Carmem Miranda, menos fabulosa. No

20
De certa forma o ambiente familiar, o processo de escolarização, a vida como
jornalista no Rio de Janeiro e a carreira no Itamaraty foram permeados por esse
“Ethos cosmopolita”. Algumas referências de leitura colaboram para refletir
sobre esse “ethos” na formação dos jovens oriundos das elites.
Exemplos:ALMEIDA, Ana Maria F. & NOGUEIRA, Maria Alice (orgs). A
escolarização das elites:um panorama internacional da pesquisa. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2002; GARCIA Jr. Afrânio. “Les Intellectuels et la Conscience
Nationale au Brésil.” Actes de La Recherche en Sciences Sociales, nº 98, juin
1993, p. 20-33
28

México, no subúrbio de Tacubaia, fui vizinho de


Trotski e, em Havana, vi de perto Churchill, de
charutão na boca.
Da nau catarineta, Vidal Ramos, o “Tio Vida”,
naturalmente; Lauro Müller, esgalgado e solitário;
Edmundo da Luz Pinto, uma galáxia de
inteligência e de graça; Diniz Junior que andava
por perto; Luiz Galoti, Ministro do Supremo;
Alexandre Konder, uma espécie de Patrocínio
Filho Louro.
E fico neste resumo, no elenco cintilante de
amizades, para não ser muito agressivo e nem
despertar ciúmes (COSTA, 1987).

Tal apresentação de si consta na contracapa de Um cambalacho


político, de 198721, e o que se pontua aqui não é o conteúdo desse livro,
mas sim, as escolhas de Licurgo para apresentar, mesmo de forma
resumida, a própria biografia. Ao fazer referência muito mais a uma
rede de relações do que às próprias ações, essa atitude deixa transparecer
um exercício de agregar a si certo capital social em busca de um
reconhecimento à sombra do prestígio de suas relações, como também o
indício de uma ação compensatória perante a ausência de outros
capitais. A menção a essas várias figuras públicas, tanto do meio
político quanto cultural, repete-se na publicação de suas memórias,
como também nas matérias publicadas nos jornais de Santa Catarina.
Então, compreender a sua inserção no cenário catarinense em seu
retorno à terra natal, significa considerar: o exercício de poder simbólico
agregado a essa trajetória repleta de contatos com nomes ilustres,
verificada não somente no que o Licurgo dizia de si, mas também no
conjunto de alguns documentos, como cartas e bilhetes, trocados com
algumas das personalidades mencionadas; o sobrenome Ramos Costa,
oriundo de oligarquias estaduais que exerceram poder político; e a
publicação de O continente das Lagens, um “memorial” do lugar de
nascimento, espaço presente na história política, mas quase ausente na
historiografia22.
A apresentação da obra, escrita pelo advogado e membro do
IHGSC, Norberto Ungaretti, expressa o seguinte:

21
Livro sobre as disputas territoriais entre os estados do Paraná e Santa
Catarina, um dos motivos relacionados à Guerra do Contestado (1912-1916).
22
A análise dos dados acerca dessa produção se encontra no 4º capítulo desta
tese.
29

Lages encontrou o seu historiador e pode agora


oferecer à Santa Catarina a grande obra que
faltava sobre a sua evolução política, social,
econômica, religiosa e cultural. Uma obra à altura
da sua importância e das suas tradições. Houve
pioneiros, seria injusto omitir. Entre eles, além de
outros, Vidal Ramos, Fernando Athayde, Otacílio
Costa e alguns padres franciscanos, um dos quais
menos estudioso do que personagem da história
regional, o santo homem que se chamou Frei
Rogério Neuhaus. Mas a Licurgo Costa de vastas
raízes serranas, caberia registrar, neste alentado
“O continente das Lagens”, toda a crônica da sua
terra, fixada com o objetivado, com elegância,
com inteligência, senso crítico, com precisão e
riqueza de informações, com revelações baseadas
em documentação farta e idônea, parcialmente
inédita, fruto de pesquisas que realizou, inclusive
em arquivos portugueses (UNGARETTI 1982,
s/p).

Afirmações como sendo o “autor de uma das mais importantes


obras da historiografia brasileira”, conforme o jornalista Mário Pereira23,
ou então, a colocação de que “Lages encontrou o seu historiador e pode
agora oferecer à Santa Catarina a grande obra que faltava sobre a sua
evolução política”, despertam uma instigante inquietação, já que não é
possível identificar, na obra escrita por Licurgo, as devidas credenciais
que o consagram dentro da produção historiográfica nacional, embora
sua origem social, o capital político familiar e a vida cosmopolita que
levara, já poderiam lhe conferir recursos suficientes para uma projeção
regional. Entende-se também que adjetivar Licurgo como “historiador
de Lages” pode limitar a compreensão da produção de sua própria
escrita, uma vez que ele não fora um historiador de ofício. Além disso,

23
Mário Antônio da Silva Pereira, nascido em Porto Alegre, embora formado
em direito, atuou mais como jornalista e escritor. Mudou-se para Santa Catarina
em meados da década de 1980. Foi um dos pioneiros na implantação do jornal
Diário Catarinense, e era colaborador fixo da coluna de cultura do mesmo
jornal. Tornou-se sócio da Academia Catarinense de Letras em 2009, vindo a
falecer em julho de 2014.
30

tal afirmação corre o risco de negligenciar a ação de outros narradores24


que também escreveram sobre a história de Lages, constantemente
referenciados como fonte de pesquisa pelo próprio Licurgo na
elaboração de seu Continente. Contudo, é inegável que se trata de uma
obra de referência, não somente pelas características já mencionadas,
como também pelos questionamentos que um olhar mais atento
descortina, como uma reflexão mais apurada sobre a utilização das
fontes. Licurgo reuniu uma série de documentos considerados oficiais,
isto é, vinculados a instituições do poder público, como também se
utilizou de documentos não oficiais, tais como diários, memórias, entre
outros.
A forma como se narra tem uma historicidade, um lugar social. O
que move os historiadores a escrever História, os critérios legitimadores
dessa escrita, assim como a relação entre o presente e o passado, são
fenômenos profundamente históricos. Licurgo escreve de forma a
celebrar os acontecimentos políticos que envolvem os nomes das
famílias oligárquicas de Lages. Há, na obra escrita do autor, uma
intenção reparadora, um esforço homérico para não permitir que o
passado sucumba ao esquecimento. Em outras palavras, a escrita de O
continente das Lagens representa, pela parte de Licurgo Costa, um
investimento à memória de um determinado grupo, em especial, as
famílias Ramos e Costa, uma insistência em preservar a memória. No
entanto, o preservar, em sua concepção, enaltece glórias, sacraliza a
memória, faz culto ao passado, reivindica monumentos como nomes de
ruas, instituições e estátuas. Entende-se que esse ato de lembrar requer
uma responsabilidade política e ética, é bem mais que celebrar “lugares
de memória” (NORA, 1993), até porque, quando se estabelece um lugar
para lembrar, isso significa que a memória já caiu no esquecimento, que
perdeu sua força e que precisa de um mecanismo de lembrança,
geralmente construído com direções e intenções. Ao se abordar a obra
de Licurgo, é importante questionar a construção desse rito social de
sepultamento – a escrita da história – e também compreender os
processos políticos de elaboração do passado. A obra escrita por Licurgo
é, inegavelmente, uma contribuição para a realização de novas

24
Trata-se especialmente dos políticos que eram também jornalistas em Lages,
que escreveram artigos publicados nos jornais da cidade em diferentes épocas.
A circulação dessa produção ficou restrita à região de Lages, com exceção de
Otacílio Costa, que participou do I Congresso Catarinense de História em 1948,
assunto abordado no 1º capítulo desta tese. Licurgo Costa utilizou essas
publicações como fonte de pesquisa.
31

pesquisas, de modo que requer um olhar atento às condições históricas,


sociais e culturais que cercaram sua produção.
Em que consiste a pertinência de realizar uma análise
historiográfica sobre a produção de memória e história empreendida por
Licurgo, um filho de latifundiários protagonistas do cenário político?
Ainda mais nas linhas de uma tese produzida dentro de um programa de
pós-graduação de uma universidade pública (espaço marcado por
relações de forças que determina qual é o conhecimento histórico que se
produz). Não se deve perguntar apenas o que se diz sobre o passado,
mas de onde se diz sobre o passado; como esse dizer foi produzido, em
qual época, por quem e em quais circunstâncias sociais, políticas e
econômicas, como também o que confere legitimidade à determinada
produção de conhecimento. A escolha do tema justifica-se ao propor
dimensionar a inserção da referida produção na historiografia
catarinense, como também interrogar as estratégias que Licurgo utilizou
para se inserir nesse cenário, pontuando onde o escritor busca autoridade
para a sua narrativa, seja nos documentos, seja em sua trajetória e
sobrenome. Observa-se que, de acordo com o historiador Pierre Nora,
em seu famoso estudo “Entre mémoire et histoire”, o que se evidencia
como uma revalorização da memória esconde ausências e
esquecimentos, pois, “fala-se tanto de memória precisamente porque ela
não existe mais”25. Neste sentido, o Continente representa um lugar para
lembrar, carregado de excesso de memória e esquecimento (RICOEUR,
2007). O excesso de memória fica por conta das celebrações de Licurgo
aos seus, enquanto o excesso de esquecimento26 ao que foge dos limites
do grupo social destacado pelo autor, entre outros silêncios.
Levando em consideração o tema proposto nesta tese, torna-se
primordial analisar a trajetória percorrida por Licurgo Ramos da Costa,
para assim pontuar o lugar social desse autor e buscar compreender a
historicidade de sua escrita. Ao estudar as práticas sociais que elaboram
uma mediação sobre o passado, surge a necessidade de se compreender
a história de seus mediadores. A historiadora Angela de Castro Gomes
organizou um livro, publicado em 2016, em que realiza uma abordagem
voltada a pensar sobre os “mediadores culturais27”. Desta forma, é

25
NORA, Pierre. Entre Mémoire e Histoire. La problemátique dês Lieux. In:
Les lieux de mémoire. Vol I. Paris: Gallimard, 1984,p.xvii.
26
Licurgo menciona outros grupos sociais no Continente, sem deter-se a uma
investigação mais detalhada.
27
Neste estudo, a autora propõe nomear, como mediadores culturais, sujeitos
que realizam determinadas operações culturais, sendo seus diversos tipos de
32

possível compreender em Licurgo um mediador cultural, cuja operação,


ou seja, sua escrita acerca da história de Lages, exerce uma forte
relevância na constituição da memória não somente de indivíduos, mas
de toda uma comunidade que se apropria dos significados presentes no
Continente.
Por isso, é necessário considerar, na construção da representação
sobre o passado de Lages, elaborada por Licurgo, a sua posição como
um agente social dos quadros da elite política de Santa Catarina, uma
vez herdeiro de duas tradicionais oligarquias da região serrana de Santa
Catarina, os Ramos e os Costa, famílias que ocuparam importantes
cargos políticos28 desde a monarquia até os anos 1960 (LENZI, 1983).
No caso de Licurgo, ele recebeu uma escolarização adequada aos
anseios desse grupo social, porém, sua trajetória deu-se em um cenário
distante da terra natal, diferente da grande maioria dos rapazes que
ocupavam semelhante posição social em Lages, os quais retornavam
para construir carreira profissional em Santa Catarina.
Com dezesseis anos de idade, no começo de 1921, seguindo as
ordens do pai, Licurgo desembarcou no Rio de Janeiro para estudar. É
justamente nesse período de profundas transformações no cenário
brasileiro que o domínio dos proprietários rurais entra em decadência e
que a expansão das organizações políticas e espaços de produção
cultural ganha força. Nos anos 1930, os intelectuais conquistam um
espaço dentro do Estado, como mediadores da nação. Ocorre o que se
pode compreender como a transformação do papel ocupado pelos
intelectuais (MICELI, 1979), pois não bastava apenas ser letrado e ter
um sobrenome vinculado à posse da terra, e sim, investir na
profissionalização para buscar a inserção no aparelho estatal como
membros da administração.
Foi nesse contexto, durante os anos 1920, que Licurgo fez o
curso de farmácia para agradar ao pai, conseguiu emprego como
jornalista para sustentar a si e à boêmia, já que suas memórias (COSTA,
2002) denunciam o quanto experimentou os bares, as festas e os eventos
culturais da então Capital Federal. Entretanto, foi como jornalista que
teve acesso aos espaços de maior relevância política, como a Câmara

ação designados como práticas de mediação cultural. Observa que essas práticas
podem ser exercidas por um conjunto diversificado de atores. In: GOMES,
Angela de Castro; HANSEN, Patrícia Santos (Orgs). Intelectuais Mediadores:
práticas culturais e ação política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016, p.
9.
28
Mencionados no 1º capítulo desta tese.
33

Federal, local em que fortaleceu as relações herdadas pelo seu


sobrenome e origem social, como também teceu novos relacionamentos
com integrantes dos grupos políticos que protagonizaram o fim da
Primeira República e a ascensão de Getúlio Vargas. Em 1928, passou
em um concurso, sendo nomeado 3º oficial do Ministério do Interior,
porém, não abandonou o jornalismo, quando percebeu que seria
oportuno estudar mais, cursando Direito. Durante os anos 1930,
observa-se a ascensão profissional de Licurgo Costa, chegando a ocupar
o cargo de diretor administrativo do Departamento de Imprensa e
Propaganda – DIP, órgão responsável por controlar a produção artística
e intelectual, como também por organizar práticas de propaganda do
governo Vargas. Licurgo foi responsável por pagar subsídios para vários
jornais, uma verba direcionada para a propaganda das realizações de
Getúlio Vargas. No começo da década de 1940, ele conseguiu uma
transferência para o Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty. A
partir de então, tornou-se adido comercial, construiu uma carreira nas
embaixadas e consulados Brasil mundo afora, mas com o olhar sempre
voltado à sua terra.
Ao trazer para estas linhas uma investigação sobre a produção da
escrita empreendida por Licurgo Costa em seu retorno para Santa
Catarina, considera-se a sua escrita um produto que resulta de vários
fatores, tais como: origem social favorecida, educação de qualidade,
intima relação com livros e intenso acúmulo de capital social e capital
cultural. Trata-se de uma trajetória que, de acordo com as contribuições
teóricas do sociólogo francês, Pierre Bourdieu, faz pensar sobre o
mundo social de Licurgo, uma vez que ele aprimorou a herança dos
capitais recebidos em seu núcleo familiar e reconverteu o capital
econômico, social e cultural na construção de sua trajetória profissional.
É possível identificar no Continente mais do que uma manifestação da
volta nostálgica para casa, pois o fato de escrever a história de Lages é
uma expressão de sua trajetória, uma ação de compensação pelos anos
ausentes, um investimento no legado do poder político familiar. É
possível também compreender a escrita dessa obra como uma ação que
emerge de um Habitus29, entendendo esse conceito como fruto da

29
“Sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a
funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador
estruturador das práticas e representações que por ser objetivamente regulado e
reguladores sem ser produto da obediência e regras, objetivamente adaptadas a
seu fim sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das
34

incorporação da estrutura social de origem no interior do próprio sujeito.


O habitus é a interiorização da vida social e se manifesta na prática dos
sujeitos de uma forma quase que sinérgica. “Essa estrutura incorporada
seria colocada em ação, ou seja, passaria a estruturar as ações e
representações dos sujeitos, em situações que diferem em alguma
medida, das situações nas quais o habitus foi formado” (NOGUEIRA,
2004, p. 28). Desta forma, as representações sobre o passado de Lages,
elaboradas por Licurgo, configuram-se em uma ação profundamente
relacionada com o seu habitus.
Além disso, é importante realçar o peso político da elaboração30
de uma memória sobre determinado grupo social, pois Licurgo advinha
de uma família de políticos de alta extração social, portadores de títulos
escolares e profissionais de prestígio, compatíveis com o exercício de
funções políticas e atividades intelectuais. No entanto, esse grupo
letrado de políticos de uma elite de interior, ao qual Licurgo pertencia,
não tinha erguido ainda um monumento no campo da cultura até a
publicação de O continente das Lagens. A construção de uma memória
sobre determinado lugar ou grupo social é um mecanismo de produção
de poder simbólico, que pode ser convertido em poder político.

Metodologia

A escrita da história é uma ética da ação presente, pois o passado


não se impõe ao historiador, é investigado em função das perguntas
elaboradas pelo presente. A operação historiográfica contemporânea
adota uma posição autocrítica, sensível às fragilidades do próprio ofício.
A pesquisa em questão é realizada em uma época ou regime de
historicidade, em que a emergência dos estudos historiográficos pode
ser entendida como sintoma de um momento peculiar de crise da
disciplina nas décadas finais do século XX. Observa-se uma reflexão
acerca do próprio ofício, uma necessidade de historiar-se, uma busca por
compreender melhor os mecanismos de produção do conhecimento
histórico. Desta forma, esta tese de doutorado se insere dentro de um
contexto universitário, marcado pelos pressupostos teóricos

operações necessárias para atingi-las e coletivamente orquestradas, sem ser o


produto da ação organizadora de um regente” (BOURDIEU, 1994, p. 74).
30
GRILL, Igor Gastal; REIS, Eliana Tavares dos. O que escrever quer dizer na
política? Carreiras políticas e gêneros de produção escrita. Revista Pós Ciências
Sociais, v. 9, n. 17, 2012, p. 101-121.
35

metodológicos que colocam em inquérito a própria produção do saber


histórico, em que se considera este saber como resultado de escolhas,
como uma produção caracterizada pelas questões do então presente.
“Toda operação historiográfica representa o equivalente
escriturário do rito social do sepultamento, da sepultura. O trabalho do
historiador é uma reconstrução do passado por atos interpretativos
complexos” (LORIGA, 2009, p. 30). As fontes apresentam-se dadas a
interpretar. É fundamental delinear os instrumentos teóricos e
metodológicos que serão empregados como lentes na leitura dessas
fontes. Ao considerar a escrita da história como uma produção social
que constrói uma representação sobre o passado a partir da interpretação
das fontes, entende-se que todo trabalho histórico começa com o ato de
separar, de reunir em documentos informações distribuídas de forma
aleatória (CERTEAU, 2002, p. 1), e logo, organizar, problematizar,
interpretar e construir uma escrita. Conforme Certeau, historiador de
uma geração que, em determinado momento, voltou-se para a própria
prática do historiador de forma crítica, o ofício não seria um dado
acabado, mas sim, uma série de disposições e operações históricas e
socialmente localizáveis, a partir das quais se construiria a disciplina
como é conhecida. A produção de história seria a articulação entre um
lugar, uma prática e uma escrita.
Em sua Escrita da História, publicada originalmente em 1975,
Certeau compreende a historiografia como uma operação que envolve a
articulação entre um lugar social (uma profissão, um meio), uma prática,
isto é, os procedimentos de análise e as regras que lhe conferem um
caráter disciplinar, e uma escrita (o texto histórico). Com esse
pressuposto, ressalta o caráter institucional, o jogo de forças sociais e as
regras da composição ocultas na escrita histórica, permitindo integrar a
história à realidade social enquanto atividade humana. (CERTEAU,
2002, p. 66). Desta forma, entende-se a escrita de Licurgo e a escritura
desta tese como um produto elaborado a partir dos condicionantes
apresentados por Certeau. No entanto, as contribuições do autor são
mais voltadas para investigar a produção de conhecimento dentro de um
espaço disciplinar elaborado por historiadores de ofício, ou seja, com
formação acadêmica, de tal forma que se apropriar dele, na circunstância
desta tese, é algo que se faz considerando o contexto onde Licurgo está
inserido, pois não se trata de um historiador com formação acadêmica,
de modo que classificá-lo como historiador pode limitar as
possibilidades de interpretação de sua escrita. Sendo assim, é melhor
entendê-lo como um diplomata aposentado com incursões intelectuais
36

plurais, considerando a diversidade de suas publicações, e logo, como


um intelectual mediador. Assim, o percurso metodológico adotado
compreende as representações elaboradas por Licurgo, mais próximas
dos diversos quadros sociais dos quais participara, do que exatamente do
rigor de uma instituição portadora de reconhecidas credenciais,
norteadora da produção do saber histórico. Embora estivesse ligado ao
IHGSC, vincular as características de sua escrita apenas a esse espaço,
apesar das proximidades, limitaria a compreensão das referências
implícitas ou explícitas às representações de Licurgo, assim como a
abrangência do alcance de sua obra.
Ao argumentar que a produção escrita sobre o passado configura-
se em uma representação, uma estratégia discursiva, isto é, uma prática
de apropriação dos vestígios do passado, reorganizados pelo ofício de
escrever em forma de uma realidade textual, identifica-se também nos
estudos do historiador Roger Chartier uma significativa orientação de
como analisar e compreender a escrita realizada por Licurgo Costa. O
objetivo de Chartier consiste em identificar o modo como, em diferentes
lugares e momentos, uma determinada realidade social é construída,
pensada e dada a ler (CHARTIER, 1988, p. 16-17). O autor ainda
destaca que: “Todo escrito obedece a categorias de pensamento e formas
de apreensão do real – e que ao representarem uma dada situação, os
textos criam realidades” (CHARTIER, 1988, p. 61.). O Continente se
constitui em uma representação performativa sobre o passado de Lages,
uma apreensão de várias realidades que acaba por produzir
constantemente outras realidades a partir dos atos interpretativos da
escrita e da leitura. Conforme já mencionado, além das diversas
temáticas abordadas e do extenso recorte temporal (séculos XVI a XX),
assemelha-se também a um arquivo em forma de livro, o que lhe confere
um lugar de memória, na medida em que guarda em si muitas
referências de fontes, vestígios de realidades dadas a interpretar e a
construir outras representações. É importante destacar que, por conta
dessas características, trata-se de uma obra bastante singular, já que os
demais estudos históricos realizados sobre Lages e a região serrana até a
data da publicação do Continente voltavam-se a registrar
acontecimentos sobre a história de Lages, contudo, sem uma
preocupação mais apurada com registros documentais.
37

As fontes

Além de O continente das Lagens (COSTA, 1982), utilizam-se


também, como fonte de pesquisa, as seguintes obras: Licurgo Costa, um
homem de três séculos (COSTA, 2002), cujo livro traz as memórias de
Licurgo, publicadas um pouco depois de seu falecimento. Nele, há
registros sobre a infância em Lages, os estudos no Colégio Catarinense
em Florianópolis, a vida boêmia no Rio de Janeiro dos anos 1920, as
experiências como jornalista, a vida profissional nos bastidores da
política, as vivências internacionais como funcionário do Itamaraty, os
relatos sobre as celebridades que conhecera, os gostos artísticos e
literários. Depois, o livro Otacílio Costa, uma vida a serviço da
comunidade (COSTA, 1983), uma biografia escrita por Licurgo sobre o
próprio pai; Como também o livro “Reminiscências Políticas” do avô,
João José Theodoro da Costa (COSTA, 2003), publicadas pelo Instituto
Histórico e Geográfico de Santa Catarina, em uma coleção intitulada
“Catariniana”. Tanto a biografia sobre o pai quanto as memórias do avô,
configuram-se em registros que possibilitam analisar a elaboração
dessas escritas como legados, uma produção que confere aos seus
agentes um lugar de memória e poder.
Vale lembrar que o processo de elaboração das memórias de
Licurgo envolve, primeiramente, duas entrevistas concedidas a editores
e jornais de circulação estadual diferentes, em anos distintos. A primeira
publicada em 21 de outubro de 1995, pelo jornal O Estado, organizada
pelo jornalista Mario Pereira. A segunda publicada em 25 de fevereiro
de 1997, pelo jornal A Notícia, da cidade de Joinville, organizada pelo
jornalista Apolinário Ternes. A partir dessas memórias produzidas em
função das entrevistas, Licurgo agregou mais algumas páginas e
organizou suas lembranças em forma de livro. Na apresentação,
elaborada pelo historiador Carlos Humberto Corrêa, à época presidente
do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, observam-se
pertinentes apontamentos sobre o processo de elaboração dessas
memórias, as quais, se reitera, foram construídas a partir de entrevistas,
cujas questões foram dirigidas a elucidar determinados aspectos da
trajetória de Licurgo:

Portanto, não pode ser lido como realmente uma


autobiografia que tem, como gênero histórico,
certas normas a serem cumpridas e que a
caracterizam. Mas, estas memórias mostram
perfeitamente a interação entre o individualismo
38

do personagem em torno do qual move-se o


motivo central do livro, e a sociedade integrante
de personalidades as mais variadas que giram em
sua volta ou ao seu lado, para as quais o autor foi
atraído, coincidentemente ou não. Mais do que
coincidência, tenho certeza, concorreu a
convergência de personalidades com as mesmas
características e com os mesmos fins. De qualquer
maneira, mostra também que a história de
ninguém é completamente a de um homem só,
pois o objetivo de Licurgo, mais do que contar a
vida, foi a de registrar aspectos da história dos
outros que passaram por sua vida (CORRÊIA
apud COSTA, 2002).

É importante ressaltar que a utilização das memórias como fonte


e objeto de análise nesta tese procura dimensionar o registro destas
como percepções elaboradas por Licurgo sobre variados temas,
experiências e recortes temporais, o que possibilita analisar as relações
tecidas pelo autor nos lugares sociais e também culturais abordados. No
caso de Licurgo, que viveu por quase 98 anos, herdeiro de um capital
social simbolizado, entre outros fatores, por um sobrenome de prestígio,
particularmente em Santa Catarina, arquivou em si muitas vivências e
arquivou a si mesmo, deixando rastros, bilhetes, cartas e obras. Sergio
da Costa Ramos31, primo de Licurgo, escreveu um artigo
homenageando-o por conta do falecimento, no qual mencionou o medo
que o escritor tinha de cair no esquecimento e a vontade de preservar a
própria memória: “Há a esperança que a memória de um homem das
letras possa sobreviver por mais meio ano” (Diário Catarinense, 15 de
julho de 2002). Como existia uma preocupação de não ser esquecido, o
registro de memórias, por conta disso, pode ser considerado um
monumento de si, não inocente, uma vontade de exercer algum controle
sobre sua imortalidade. Registrar a si constitui uma prática bastante
comum entre os chamados homens de letras, caracterizados como
indivíduos voltados ao estudo, à leitura e à vida em gabinetes
(CHARTIER, 1996, p. 60). Ao realizar uma escrita de si32, os registros

31
Advogado e escritor e membro da Academia Catarinense de Letras.
32
“A escrita auto-referencial ou escrita de si integra um conjunto de
modalidades do que se convencionou chamar de produção de si no mundo
moderno ocidental. Essa denominação pode ser mais bem entendida a partir da
idéia de uma relação que se estabeleceu entre o indivíduo moderno e seus
39

elaborados abrangem também, além da esfera individual, possibilidades


de interpretar o meio social e cultural onde tais observações foram
“guardadas” por seu autor. Logo, as memórias de Licurgo permitem
reconhecer práticas pertencentes aos campos em que ele se constitui
como um sujeito de ação. Ao se considerar as memórias como um
caminho para observar as relações tecidas pelo autor ao longo de sua
trajetória33, assim como os demais documentos, isso compreende um
processo de produção de si, uma escolha do que eternizar, uma
manipulação das representações do passado e do futuro realizadas no
presente. Além disso, a produção escrita dessas memórias,
principalmente quando publicadas nas entrevistas, uma vez que o livro
foi uma obra póstuma, significou também um instrumento de afirmação
do seu autor no espaço em questão.
Além das publicações mencionadas, constam também, como
vestígios investigativos, o acervo do Licurgo Costa pertencente aos
arquivos do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e da
Academia Catarinense de Letras. Há, entre esses documentos, textos,
rascunhos, discursos, bilhetes, convites, recortes de jornais, homenagens
e cartas. Nesse caminho de construção da tese, após consultar e estudar
as publicações, o acervo do IHGSC e da ACL, foi possível acessar uma
parte do acervo pessoal34 do autor. Esse conjunto de documentos, que

documentos” (GOMES, 2004, p. 10). Essa escrita pode ser autobiográfica,


íntima, um relato retrospectivo, como também pode ser um texto que visa entrar
na esfera pública.
33
Rafael Pereira da Silva realizou uma tese sobre a trajetória de Sérgio Buarque
de Holanda, na qual argumenta que “apreender a trajetória de um personagem a
partir dos papéis que o possibilitam existir como imagem, fruto da capacidade
humana de criar, inventar, construir, nos obriga a pensar que os arquivos são
constituídos, que nascem tanto das operações de acúmulo e guarda de
documentos, de classificação, nomeação, acondicionamento, de dados conjuntos
de documentos, como também de operações de seleção, separação,
ordenamento, distribuição e até mesmo de atividades de descarte, destruição e
adulteração de documentos. O arquivo e o documento se fabricam, tanto quanto
as narrativas que dele se utilizam. In: SILVA, Rafael Pereira. A Morte do
Homem Cordial: trajetória e memória na invenção de um personagem (Sergio
Buarque de Holanda, 1902-1982). Tese de Doutorado. Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
2015, p. 19.
34
Destaca-se aqui a noção de “acervo pessoal” como um conjunto de
documentos que resulta de uma série de gestos e práticas, conformados pelos
titulares, mas também por seus colaboradores, familiares e herdeiros, e
40

conta com fotos, cartas, rascunhos de textos, mais de quarentas agendas,


recortes de jornais, objetos pessoais, livros, entre outros, é guardado por
um sobrinho-neto de Licurgo desde a época de seu falecimento, em
2002. Ressalta-se que se trata de uma parte dos pertences de Licurgo,
pois, de acordo com o sobrinho, “havia mais textos, obras de arte,
diários, documentos, mas ficaram com a filha de Licurgo35”. Fato é que,
diante da possibilidade desse acervo, foi possível localizar vestígios
pertinentes da trajetória do autor, importantes para a construção desta
tese.

Estrutura de tese

A tese apresenta-se estruturada em quatro capítulos. O 1º e 2º


capítulos correspondem a uma investigação sobre a trajetória percorrida
por Licurgo Costa, os caminhos profissionais e a construção das
relações sociais. No 1º, apresenta-se sua trajetória no espaço social
catarinense nos primeiros anos do século XX e as relações familiares.
Busca-se pontuar essa trajetória em um meio social marcado por certas
disputas políticas, compreender a formação intelectual inicial de Licurgo
em um espaço regional marcado por conflitos e disputas nos espaços da
política e da cultura, além de investigar o papel do legado familiar tão
presente na ação do autor ao escrever O continente das Lagens.
No 2º capítulo, abordam-se as relações profissionais e sociais
articuladas de Licurgo a partir dos anos 1920 no Rio de Janeiro, a
ascensão profissional durante a Era Vargas e as vivências como
funcionário do Itamaraty. Objetiva-se, com isso, identificar as ações que
conferem a Licurgo sua ascensão profissional como jornalista, como
também a construção de uma notável rede de relações e a mobilização
da mesma em contornos de ordem mais pessoal. Na medida em que
viveu em vários lugares e experimentou relações em distintos grupos
culturais e sociais, alimentou a construção de um capital cosmopolita.

disponibilizados por meio de estruturas institucionais que os produzem como


fontes. HEYMANN, Luciana Quillet. O Lugar do Arquivo: a construção do
legado de Darcy Ribeiro. Rio de Janeiro: Contra Capa/FAPERJ, 2012, p. 24.
35
Esse contato com o acervo e o sobrinho neto aconteceu pela primeira vez em
abril de 2015. A partir de então, organizaram-se algumas estratégias para
financiar a higienização e o inventário desse acervo. No começo de 2016,
estabeleceu-se uma parceria com a Fundação Cultural de Lages, que financiou
parte do tratamento inicial do acervo.
41

De certa forma, ao mapear essa trajetória para além de Santa Catarina, é


possível identificar a fabricação de uma memória de si, recurso muito
utilizado para angariar prestígio no retorno para a terra natal,
conjuntamente com a escrita do Continente.
No 3º capítulo, discutem-se as ações empreendidas por Licurgo
Costa ao retornar para Santa Catarina, em meados dos anos 1970, a
conversão das experiências anteriormente vivenciadas em produção de
atividades culturais e a inserção no espaço em questão. Propõe-se, além
de identificar as ações em busca de um reconhecimento nesse cenário,
delinear nessas condições do retorno à terra natal os dispositivos que
impulsionaram a escrita do Continente, como também identificar nas
representações sobre o passado de Lages escritas no Continente, o grupo
social ao qual Licurgo pertencia.
No 4º capítulo, a investigação se detém no campo historiográfico
catarinense e no papel ocupado por Licurgo e sua referida obra nesse
cenário de produção do conhecimento histórico. Além de mapear o
cenário de produção sobre a história de Santa Catarina, objetiva-se
também pontuar o significado da publicação do Continente e outros
investimentos de escrita, como uma estratégia de afirmação de seu
próprio agente, com destaque para o seu grupo social e para os
mecanismos que conferem à sua obra um sentido monumental.
42
43

CAPÍTULO 1
O LUGAR DE NASCIMENTO: FAMÍLIA E ESCOLARIZAÇÃO

Apesar de Licurgo Costa ser oriundo de uma família com


reconhecida tradição política em Santa Catarina e dedicar-se a honrar a
memória dos seus, ao empreender um estudo sobre história de sua
localidade natal, ele não tem seu nome citado no dicionário escrito por
Walter Piazza (1985) sobre personalidades políticas catarinenses. O que
faz supor que sua participação na vida social catarinense estaria mais
atrelada à cultura. Embora tenha publicado mais de 15 livros,
homenageado pelos pares catarinenses como uma pessoa de projeção
nos meios intelectuais, como historiador e erudito membro do IHGSC e
da ACL, tampouco consta no dicionário literário de Afrânio Coutinho
(1995). Essa sua quase ausência é um indício revelador tanto das tensões
e relações existentes no campo cultural catarinense, na época de seu
retorno a Santa Catarina, como também, um sintoma da tardia inserção
de Licurgo Costa nesse cenário. No entanto, é no Dicionário Histórico e
Biográfico da Propaganda no Brasil (ABREU, 2007), organizado pela
pesquisadora Alzira Alves de Abreu, do CPDOC, que consta um resumo
de duas páginas da trajetória profissional de Licurgo Ramos da Costa.
Essa publicação enfatiza as atividades estratégicas exercidas pelo autor
no universo da comunicação social durante a Era Vargas, os cargos que
ocupou como diretor da Agência Nacional e presidente da Associação
Brasileira de Propaganda - ABP, como também sua atuação nos quadros
econômicos do Itamaraty. A nota biográfica encerra sem mencionar as
realizações em Santa Catarina após a aposentadoria na década de 1970:

Licurgo Ramos da Costa nasceu em Lages (SC),


em 4 de outubro de 1904, filho de Otacílio Vieira
da Costa, fazendeiro, e de Adélia Ramos da Costa.
Fez seus estudos secundários em Florianópolis.
Em 1922, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde
concluiu o curso no Colégio Pedro II. Estudou na
Faculdade Nacional de Medicina da Antiga
Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal
do Rio de Janeiro, e na Faculdade Nacional de
Direito, da mesma universidade, onde concluiu o
curso em 1931. Estudou também no Instituto
Internazionale de Economia, Roma, em 1952. Ao
chegar ao Rio de Janeiro, no início dos anos 1920,
conseguiu um emprego de repórter no jornal A
44

Pátria, dando início a sua carreira de jornalista.


Trabalhou em alguns dos jornais mais importantes
do Rio de Janeiro, como O Jornal, Diário da
Noite, O Radical, onde foi diretor secretário, A
Noite, A Tarde, A Nação, onde chegou a redator
chefe, Amanhã e Gazeta de Notícias. Foi
colaborador durante vários anos das revistas Para
Todos e Ilustração. Em São Paulo, foi redator de
A Gazeta. Colaborou também em alguns jornais
no exterior, com o Excelsior do México e o
Herold Tribune, de Nova York e o jornal espanhol
Madrid. Em 1934, foi um dos fundadores do
Sindicato União dos Trabalhadores do Livro e do
Jornal. Nesse mesmo ano foi criado o
Departamento Nacional de Propaganda e Difusão
(DPDC), com o objetivo de organizar a
propaganda oficial e que englobava os setores de
rádio, cultura e cinema. Lourival Fontes, chefe do
novo departamento, convidou Licurgo para
trabalhar no órgão. Em março de 1937, Licurgo
Ramos da Costa fundou, juntamente com outros, a
Agência Nacional, na qual passou a atuar como
diretor. Em novembro desse ano, com a
instauração do Estado Novo e o fechamento do
Congresso, o DPDC foi transformado no
Departamento Nacional de Propaganda, com as
funções de censurar e controlar os meios de
comunicação. Lourival Fontes permaneceu à
frente do órgão. Em 1939, o departamento passou
a se chamar Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), ainda sob a chefia de Lourival
Fontes, e tendo Licurgo como diretor
administrativo. Entre outras funções, cabia-lhes
distribuir as verbas de publicidade entre os
diversos jornais e, segundo declarações suas, uma
verba secreta para subvencionar jornais do Rio de
Janeiro, de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande
do Sul e Bahia. O jornal Correio da Manhã só
aceitava verbas de publicidade e o Estado de São
Paulo não aceitava receber nem mesmo verbas de
publicidade. Licurgo Ramos da Costa foi
presidente da Associação Brasileira de
Propaganda (ABP) em 1938/39 e entre 1943 e
1945. Em 1941, tornou-se adido comercial do
Brasil no México. Em seguida ocupou cargos nas
45

embaixadas de Lisboa, Milão, Roma, Washington,


Nova York, Madri, Buenos Aires e Montevidéu,
aposentando-se em 1973. Tem 18 livros
publicados e era membro da Academia de Letras
de Santa Catarina e do Instituto Histórico e
Geográfico de Santa Catarina. Foi o fundador e
diretor de Publicidade do Rio de Janeiro, a
primeira revista de propaganda e publicidade da
América Latina. Faleceu em julho de 2002
(ABREU, 2007, p. 70-71).

A presença e a ausência do nome de Licurgo nos dicionários


revelam as múltiplas faces de um mesmo indivíduo, o que certamente
afasta abordar a sua vida pelas lentes de uma ilusória coerência
biográfica. Os dicionários podem ser entendidos como monumentos
consagradores dos autores neles citados, estabelecendo uma escala
hierárquica de reconhecimento social. No caso de Licurgo, a síntese
biográfica publicada no dicionário organizado pela pesquisadora Alzira
Alves de Abreu não explora os temas sobre os quais Licurgo Costa se
debruçou, tampouco os detalhes de sua trajetória depois da
aposentadoria, nem os pormenores da inserção no campo cultural
catarinense e a publicação da obra que confere a ele certo prestígio na
terra natal, propriamente, O continente das Lagens. Há apenas uma
breve menção sobre o local de nascimento e o nome dos pais, nenhum
apontamento sobre o destaque local do grupo social de origem e,
principalmente, nenhuma referência a respeito de suas contribuições no
terreno da História. Reafirma-se que o recorte realizado pelo referido
dicionário centraliza as atenções para as ações no setor da publicidade e
propaganda, espaço profissional onde Licurgo atuou, principalmente
entre as décadas de 1920 e 1940. Entretanto, é válido destacar que,
embora ele tenha vivenciado uma trajetória plural em experiências, o
reconhecimento de seu nome na terra natal ocorre em virtude de sua
origem social e da publicação da já mencionada obra sobre a história do
município de Lages. As concisas notas biográficas apenas esboçam, de
forma linear, uma trajetória, que ganhará um esboço36 mais detalhado

36
A utilização da palavra “esboço” remete diretamente às contribuições da obra
Esboço de auto-análise, de Bourdieu (2005). Nesse estudo, o sociólogo toma
sua trajetória como objeto de reflexão a partir de seus próprios conceitos,
procurando objetivar a si mesmo. É possível observar o quanto as contradições
e tensões na formação do Habitus de Bourdieu são fomentadoras do seu modo
de fazer pesquisa e também da escolha de seus objetos. Desta forma, entende-se
46

nos dois primeiros capítulos desta tese. Reitera-se que o objeto de


pesquisa a ser explorado neste estudo é sobre uma prática social de
representação do passado, elaborado por Licurgo Ramos da Costa (no
caso em questão, o passado de Lages). Emerge, então, a necessidade de
estudar a trajetória37 de seu mediador, para assim compreender a
historicidade de sua escrita.
Segundo Bourdieu (1996, p. 184), “produzir uma história de vida
como um relato coerente de uma sequência de acontecimentos, talvez
seja conformar-se com uma ilusão retórica”. No entanto, é fundamental
estar atento às condições históricas e aos mecanismos sociais de
produção tanto do autor quanto de sua escrita. A ação empreendida por
Licurgo Costa ao escrever uma representação sobre o passado de Lages
vincula-se à construção da memória do lugar, com destaque para o
grupo social ao qual ele pertenceu. Investigar a movimentação
empreendida pelo agente social Licurgo Costa em seu trajeto, remete,
então, à necessidade de analisar os diversos campos38 “com o qual e
contra o qual ele se fez” (BOURDIEU, 2005, p. 40).
Neste capítulo, busca-se realizar um estudo da trajetória de
Licurgo Ramos da Costa no recorte temporal das duas primeiras décadas
do século XX, período que corresponde às suas vivências iniciais no
cenário social catarinense. Para tanto, apresentam-se os laços familiares
pertinentes na construção de seu capital social39 e cultural40, como

que a realização de um esboço da trajetória de Licurgo Ramos da Costa é


primordial para se compreender a construção de suas representações históricas a
respeito de um universo social que lhe é muito íntimo.
37
É importante destacar a noção de trajetória como uma série de posições
sucessivamente ocupadas por um mesmo agente em um espaço que é, ele
próprio, um devir, estando sujeito a incessantes transformações. (BOURDIEU,
1996, p. 189).
38
O conceito de campo é central na obra de Pierre Bourdieu, é possível defini-lo
como um espaço estruturado de posições em que seus agentes lutam pela
manutenção e obtenção de determinados postos. Os campos são espaços
estruturados e hierarquizados, de lutas e tensões entre seus agentes.
39
Conjunto de recursos ligados a uma rede durável de relações mais ou menos
institucionalizadas de um interconhecimento e reconhecimento, ou, em outros
termos, à vinculação a um grupo ou conjunto de agentes dotados de
propriedades comuns em questão (BOURDIEU, 1998, p. 67).
40
Para Bourdieu, o capital cultural pode existir sob três formas: no estado
incorporado, ou seja: disposições adquiridas na educação familiar; capital
objetivado: obras de arte, livros; capital institucionalizado: diplomas, títulos. Cf.
47

também os primeiros anos de escolarização. Tomar a trajetória como


objeto de reflexão nessa circunstância significa mapear as interações
sociais iniciais e relacionar sua produção sobre a história de Lages com
as experiências vinculadas a esse meio social, espaço marcado por
interações e posições. Logo, dialogar com alguns conceitos centrais
presentes na obra de Pierre Bourdieu, como os conceitos de “campo” e
de “habitus”41, permite uma compreensão mais apropriada do mundo
social do autor, como também dos espaços pelos quais circulou e a
conversão dos créditos acumulados ao longo dessas experiências na
constituição de sua biografia e obra. Trata-se de identificar o peso
exercido pelo pertencimento social de Licurgo em seu repertório de
ações, o investimento na construção de um legado42, considerado, nesta
tese, a partir da produção escrita, com relevo para a obra O continente
das Lagens.
O presente capítulo está organizado da seguinte forma: em um
primeiro momento, a investigação recai sobre o meio social lageano, ou
conforme o termo utilizado por Licurgo, “o agreste”. Observam-se aqui
os laços familiares, o desenvolvimento de determinadas práticas de
socialização em um lugar marcado pela presença de oligarquias
latifundiárias, representantes dos setores políticos dominantes, ou seja, o
Partido Republicano de Santa Catarina, aspirantes à construção de uma
determinada ilustração intelectual. Apresentam-se também as disputas

BOURDIEU. Os três estados do capital cultural. In: Escritos da Educação.


Petrópolis: Vozes, 2001, p. 73-79.
41
Sistema aberto de disposições, ações e percepções que os indivíduos
adquirem com o tempo em suas experiências sociais (tanto na dimensão
material, corpórea, quanto simbólica, cultural, entre outras). O Habitus vai, no
entanto, além do indivíduo, pois diz respeito às estruturas relacionais onde está
inserido, possibilitando a compreensão tanto de sua posição em um campo
quanto seu conjunto de capitais (BOURDIEU, 2003, p. 74).
42
Ao considerar as contribuições da pesquisadora do CPDOC, Luciana
Heymann, é possível compreender que a produção de um legado implica, de
fato, na atualização (presente) do conteúdo que lhe é atribuído (passado), bem
como na afirmação da importância de sua constante rememoração (futuro). As
ações que tomam os legados históricos como justificativa, sejam elas
comemorações, publicações ou a organização de instituições, alimentam o
capital simbólico de que são dotadas, um capital que carrega em si o atributo da
continuidade, da sobrevivência no tempo. Além disso, é determinante o lugar
ocupado pelos agentes na produção de legado. In: HEYMANN, 2005, p. 4-5.
No caso de Licurgo, ele foi o agente da transmissão do legado de seus
familiares.
48

desse grupo regional no cenário catarinense, como também a


preocupação em investir na escolarização de seus varões. Este
corresponde ao segundo momento, quando se investigará o percurso
escolar do Licurgo Ramos em sua passagem pelo então Ginásio
Catarinense, atual Colégio Catarinense, que permitirá observar, dentro
desse espaço de formação escolar, uma amostra das disputas políticas e
culturais regionais.

1.1 O AGRESTE

Em seu livro de memórias, uma das descrições que utiliza com


maior frequência para caracterizar Lages é “o agreste de Santa
Catarina”:

Temos, pois, com nossa garimpagem por épocas


tão remotas, base para um esboço ainda que
resumido do perfil dos lageanos que, há mais de
dois séculos, povoam a antiga Região Serrana de
Santa Catarina e que, com alguma propriedade,
bem poderia ter sido chamada de “o agreste”
catarinense. Agreste, com melhores razões que a
área pernambucana assim denominada devido à
caatinga, agressiva, árida, com suas minúsculas
árvores contorcidas, espinheiros, cardos e
gravatás, porque aqui no Sul a Mata Atlântica que
cobria a totalidade da chamada Região Serrana,
com seus pinheirais centenários, considerados
“praga” até por volta de 1920, e a bugrada
traiçoeira, perigosa, era muito mais fechada que a
vegetação quase rasteira do nordeste. Agreste
também pelo temperamento de seus povoadores e
sem o atenuante da parte doce dos canaviais
nordestinos (COSTA, 2002, p. 27).

Ao observar a forma como Licurgo Costa apresenta o seu local de


nascimento, “o agreste”, é impossível não sentir o impacto da expressão
“bugrada traiçoeira, perigosa”. Essa abordagem sobre a população
indígena que compõe a história da Região Serrana de Santa Catarina é
um indicativo de como Licurgo elabora as representações em sua escrita
da História.
49

Licurgo nasceu em Lages, região serrana de Santa Catarina, em


outubro de 1904, ou conforme ele enuncia, no “agreste”. Sua estreia na
vida aconteceu em uma família de notáveis lageanos, nomes relevantes
no cenário político catarinense, os quais ambientavam os primeiros anos
republicanos do século XX. As próprias considerações de Licurgo sobre
seu nascimento denotam tal condição familiar:

A bem dizer, quando nasci, na remota primavera


de 1904, houve um certo rebuliço na antiga “Villa
de Nossa Senhora dos Prazeres da Fronteira do
Certam das Lagens”, que então já havia encurtado
o seu longo e gracioso nome para Lages,
simplesmente. Explica-se a agitação: afinal eu era,
pelo lado materno o primeiro neto do coronel
Belizário Ramos superintendente municipal –
como se chamavam os prefeitos da época – e, o
que não deixava de ser relevante, fazendeiro dos
mais abastados da região serrana. E mais, era o
primeiro sobrinho-neto do governador Vidal
Ramos, que enfrentou seis dias de viagem, do
Desterro a Lages para me conhecer e se
congratular com o irmão pelo acontecimento.
Naquele tempo estas deferências na família
tinham grande significação. Mas também pelo
lado paterno a situação não era menos brilhante,
visto que era filho primogênito do secretário-geral
da superintendência e respeitável jornalista, assim
como neto do coronel João Costa, deputado
estadual em várias legislaturas e então presidente
da Câmara Municipal (COSTA, 2002, p. 33).

Os laços familiares do varão Licurgo Costa são referenciados


como uma das mais sólidas oligarquias de Santa Catarina. Belizário
Ramos, avô materno, foi superintendente municipal por mais de vinte
anos. Tanto Belizário Ramos quanto seu irmão, Vidal Ramos, foram
protagonistas do cenário político estadual durante a Primeira República,
filhos de Vidal Ramos Sênior, um dos nomes fortes da política imperial
da região, vinculado ao partido conservador. A família Ramos
constituiu-se em uma das presenças políticas mais notáveis em Santa
Catarina no século XX. Proprietária de grandes extensões de terra no
planalto catarinense, constituiu, ao lado da família Konder Bornhausen –
também de Santa Catarina –, uma das poucas oligarquias que
50

acompanharam todos os movimentos políticos mais importantes do


século XX, sem ceder à primazia da política estadual.

Figura 1: Belizário Ramos


Fonte: Arquivo do Museu Manoel Thiago de Castro

Figura 2: Adélia Ramos, mãe de Licurgo Costa


Fonte: Acervo pessoal de Licurgo Costa

A ascensão43 dos Ramos na política estadual ocorreu em 1902,


quando Lauro Müller foi eleito governador, mas não cumpriu o

43
Vale registrar que ainda durante o período imperial, em 1883, a família
Ramos decidiu lançar dois de seus filhos na política. Primeiro, Belizário, que foi
candidato a deputado provincial, mas fez apenas dois votos entre os 245
eleitores votantes. Nas eleições de 1885 para a Assembleia Provincial de Santa
Catarina, foi lançada a candidatura de Vidal Ramos Júnior, eleito
51

mandato, em decorrência de ter sido convidado pela administração do


Presidente da República, Rodrigues Alves, para ser ministro de viação e
obras públicas. Em consequência, quem assumiu o cargo de governador
entre 1902 até 1906, foi o lageano Vidal Ramos, que também o exerceu
entre 1910 até 1914. Nesse período, dedicou grande parte de seu
governo à reforma do ensino primário estadual. Do clã Vidal Ramos,
tio-avô de Licurgo, outros nomes terão projeção política nacional, como
o filho de Vidal Ramos, Nereu Ramos44, entre outros.
Os impactos da Proclamação da República45 em Santa Catarina,
particularmente em Lages, uniram tanto os oriundos do extinto partido

irregularmente, pois ele tinha 19 anos, sendo que a idade mínima exigida era de
21 anos. Chegou a ser o 2º secretário da Casa em 1887. Após a derrota nas
eleições de 1883, Belizário Ramos foi nomeado Delegado de Polícia de Lages e
em 1886 concorreu à Câmara Municipal de Lages, ganhando para o quadriênio
1887-1890. Já nas eleições para a Assembleia Provincial de Santa Catarina em
1888, os dois irmãos concorreram por Lages. Com 115 votos, Vidal Ramos foi
o mais votado, enquanto Belizário teve apenas um voto. Nas eleições para a
Assembleia Legislativa Provincial, desde 1881 venciam os conservadores. No
pleito para o biênio 1888-1889, venceram os liberais, e por causa disso, houve
retaliações que atingiram os dois filhos do Velho Vidal Ramos. O deputado
Vidal Ramos foi afastado da Assembleia, enquanto que o Delegado Belizário
foi exonerado da Polícia de Lages. Em 1890, para tentar conciliar a situação
entre os liberais e os conservadores, Lauro Müller nomeou para a delegacia de
Lages e a intendência dois republicanos do Partido Federalista. Nas eleições de
1892, Belizário foi eleito vereador de Lages, assumindo a presidência da
Câmara e a administração municipal. Vidal Ramos Júnior foi eleito deputado
constituinte no Estado em 1894 e representante de Lages no Congresso Estadual
para as legislaturas 1894-1895 e 1896-1897. Cf. VANALI, Ana Christina.
Apontamentos iniciais para estudos genealógicos das famílias históricas e
políticas da Região do Contestado (1880-1970). Revista Nep (Núcleo de
Estudos Paranaenses), Curitiba, v. 2, n. 2, p. 170-203, maio de 2016.
44
Formou-se em direito pela tradicional faculdade de São Paulo em 1909. Em
Santa Catarina, foi deputado estadual, governador nos anos 1930 e interventor
no Estado Novo. Foi Presidente da República entre o final de 1955 e o começo
de 1956, momento em que a UDN, derrotada nas eleições de 1955, não aceitava
a vitória de Juscelino Kubitschek. Para evitar um golpe, a Assembleia
Constituinte e mais alguns militares designaram o presidente do Senado, Nereu
Ramos, para assumir o posto de Presidente e assim garantir a posse de
Juscelino.
45
Para analisar como se deu a Proclamação da República em terras catarinenses,
são pertinentes as contribuições do estudo realizado pelo historiador Felipe
Carlos Oliveira em sua Dissertação de Mestrado intitulada Aclamação da
52

conservador, quanto os do extinto partido liberal. Ex-liberais e ex-


conservadores agregaram-se ao Partido Republicano Catarinense - PRC.
Nesse cenário, os irmãos Vidal e Belizário Ramos tornaram-se
representantes de facções distintas, embora pertencentes ao mesmo
partido e clã regional. Os ex-liberais serão mais próximos de Vidal,
enquanto os ex-conservadores, de Belizário. Vidal Ramos foi
superintendente municipal entre 1895 e 1902, além de deputado estadual
até 1898. Em 1902, Vidal, a partir de articulações do PRC, segue em
projeção estadual ao assumir o governo do Estado de Santa Catarina,
conforme já mencionado. Já o irmão Belizário permaneceu em Lages e
assumiu a superintendência do município entre 1902 e 1922,
intercalando com o genro Otacílio Costa (1911-1914) e o filho
Aristiliano Ramos (1919 até 1922). Ocorreram desavenças políticas
entre os irmãos em 1920, quando Vidal Ramos, vice-presidente do
partido, tentou promover a candidatura do filho, Nereu Ramos, à
Câmara Federal, ação não bem sucedida na ocasião. Belizário Ramos, o
filho Aristiliano e o genro, Otacílio, apoiaram Adolpho Konder,
representante da elite do vale do Itajaí, apoiados por Hercílio Luz, ao
passo que o clã do Vidal Ramos foi apoiado por Lauro Müller
(VANALI, 2016, p. 180).
Ao lançar vistas para o papel ocupado pelos Ramos na política
estadual, no decorrer das primeiras décadas republicanas, é oportuno
salientar que, analisar os vínculos familiares e as posições político-
partidárias, auxilia na compreensão do peso político das forças sociais e
da ação desses agentes tanto no âmbito político quanto cultural. De tal
modo que é possível mapear o quadro político catarinense, pontuando,
em especial, a trajetória de duas oligarquias que se alternaram no poder,
principalmente até a década de 1930. De um lado, Lauro Müller (com o
apoio da família Ramos, especialmente Vidal), e de outro, Hercílio Luz
(apoiado por algumas forças políticas do litoral e do vale do Itajaí, os
Konder, como também, em muitas ocasiões, por Belizário Ramos). Vale
destacar as redes de parentesco, oriundas de casamentos que
representavam união de forças e articulações políticas. Filipe Schmidt,
nome proeminente na política estadual, nasceu em Lages em 1859,
porém, mudou-se cedo para o litoral. Por conta de sua origem, mantinha
relações com as oligarquias lageanas e era primo-irmão de Lauro
Müller, a figura de maior destaque do Partido Republicano Catarinense,

República: imagens do ideário político catarinense, defendida no Programa de


Pós-Graduação em História da UFSC, 2008.
53

em oposição à outra figura do mesmo partido, Hercílio Luz. Além disso,


Belizário era casado com a irmã de Filipe Schmidt.
Os conchavos e conflitos seguiram até 1920, quando as
discórdias acerca de decisões dentro do PRC acirraram as dificuldades
de articulação entre Lauro Müller e Hercílio Luz (CORRÊA, 1996, p.
48). Ao final de 1920, o PRC começou as articulações para escolher os
candidatos a deputado federal, e entre os nomes sugeridos pelo partido
estava o de Nereu Ramos. Entretanto, depois de realizada a convenção
partidária presidida por Hercílio Luz, o candidato escolhido foi um
hercilista. As sugestões de candidaturas próximas a Lauro Müller não
tiveram o esperado respaldo. Nereu Ramos saiu candidato, mas não pela
chapa oficial, porém, pelo mesmo partido, mas de forma independente.
Nessa situação, seu pai, Vidal Ramos, rompeu definitivamente com o
partido e com Hercílio Luz, recolhendo-se em Lages para fazer a
campanha do filho. Nereu não foi eleito. Tais episódios repercutem nas
escolhas de Licurgo como um intérprete da história de Lages, de forma
que é notável o destaque que o autor confere às ações políticas e
culturais de Vidal Ramos e seu filho, Nereu Ramos.
Esses acontecimentos no cenário político repercutiram
imediatamente no campo cultural, estendendo, para o interior das
associações de eruditos, o faccionismo próprio do desempenho dos
atores na vida partidária. Sociedades savantes, como a Sociedade
Catarinense de Letras, eram o espaço de onde os agentes políticos
retiravam seus trunfos de notabilidade, sendo que a consequência mais
imediata desse entrecruzamento entre o desempenho político e a
atividade intelectual era o espelhamento das dissensões nas arenas
adjacentes às dos partidos e da administração pública. No caso da
“Sociedade Catharinense de Letras, dirigida por hercilistas, estes
impediram o ingresso de Lauro Müller, e prejudicaram a freqüência às
sessões de Nereu Ramos” (CORRÊA, 1996, p. 50). Lauro Müller era
membro da Academia Brasileira de Letras desde 1917 e patrono da
cadeira número 26 da ACL. Nereu Ramos era membro da Academia
Catarinense de Letras. No contexto que se apresenta, é oportuno apontar
as forças no cenário cultural catarinense durante a Primeira República.
Em espaços culturais, como o Instituto Histórico e Geográfico de Santa
Catarina - IHGSC, fundado em 1896 por José Boiteux, era público o
apoio do então governador, Hercílio Luz, no momento de sua fundação.
Da mesma forma, ele foi um incentivador da criação da Sociedade
Catarinense de Letras, inspirada na Academia Brasileira de Letras, que
passou a se chamar, em 1924, a Academia Catarinense de Letras. O
54

historiador Felipe Matos, em sua tese de doutorado46, elaborou uma


investigação sobre o campo cultural em Florianópolis durante a Primeira
República, evidenciando o quanto esse campo cultural estava
subordinado ao Partido Republicano Catarinense:

Uma das características da chamada “Geração da


Academia” apontadas pelos críticos literários foi o
atrelamento de suas atividades ao poder político
constituído, com práticas culturais desenvolvidas
em torno da liderança efetiva do governador
Hercílio Luz dentro do Partido Republicano
Catarinense, desde a sua ascensão ao poder como
primeiro governador republicano eleito depois da
Revolução Federalista, até seu falecimento em
1925. O hercilismo concentrou em torno de si os
principais nomes da elite cultural da Primeira
República, embora talvez fosse apropriado afirmar
que tais nomes se tornaram os principais da
intelectualidade catarinense justamente pelo apoio
hercilista que os legitimou (MATOS, 2014, p. 64).

Eram predominantes na composição da ACL, representantes do


litoral, em grande maioria apoiadores de Hercílio Luz. A realidade
cultural de outras regiões, como Lages, por exemplo, município da
região serrana de Santa Catarina, não tinha quase nenhuma expressão
representativa em instituições culturais como a ACL e o IHGSC,
considerando que muitos intelectuais da época eram sócios de ambas.
Em uma carta de Gama d’Eça, membro da ACL, enviada a José
Boiteux, quando residira em Lages para ocupar o cargo de promotor
provisionado, datada de 17 de maio de 1923, o então advogado relatou,
entre outros assuntos, como andava a literatura no município serrano:
“Aqui a literatura ainda está trepada em árvore, atravessando o seu
longo período de antropóide e a ensaiar as peripécias das manifestações
de linguagem” (CORRÊA, 1996, p. 53)47. E conforme o comentário do
próprio Carlos Humberto Corrêa sobre tão desmerecida qualificação:

46
MATOS, Felipe. Armazém da Província: Vida literária e Sociabilidades
Intelectuais em Florianópolis na Primeira República. Tese apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa
Catarina, 2014.
47
O historiador Carlos Humberto Corrêa cita essa carta em seu livro: Lições de
Política e Cultura: a Academia Catarinense de Letras, sua criação e relações
55

Era a posição do intelectual ilhéu da época,


isolado do resto do mundo pois sequer existia
ainda a ponte Hercílio Luz, que achava que seu
canto de terra sobre o Atlântico era o centro do
universo civilizado (CORRÊA, 1996, p. 53).

Não se tratava apenas da “posição do intelectual ilhéu isolado do


resto do mundo”, mas também das disputas políticas travadas dentro do
campo cultural. A escrita de Licurgo se contrapõe a esse
desmerecimento das práticas literárias serranas, ao apresentar o que o
autor intitula como “um centro cultural isolado no agreste”:

Não se julgue que o lageano fosse atrasado, tosco,


indelicado. Em absoluto, ele era sim, um
introvertido, austero, cerimonioso. E tinha boa
cultura, estava mais ou menos em dia com a
literatura brasileira. Os clubes dançantes que
congregavam a sociedade local tinham
denominações que denotavam uma preocupação
desaparecida há várias décadas, eram clubes
literários e recreativos. E sempre dotados de boas
bibliotecas onde os sócios retiravam livros para
ler em casa. E quando não a freqüentavam
recebiam um bilhete do presidente, com um pito
não muito delicado sobre seu desinteresse pela
cultura.
Outro pormenor curioso estará no fato de que
muitos lageanos assinavam grandes jornais e
revistas da Europa. Em minha casa recebíamos La
Illustracion, de Paris, O Século, então maior
jornal de Lisboa, O Paiz e a revista O Molho, do
Rio de Janeiro, e de Florianópolis, se não me
engano, A República (COSTA, 2002, p. 35-36).

No Continente das Lagens, observam-se considerações sobre a


ilustração dos jovens lageanos. Licurgo, inclusive, refere-se a Lages
como a capital cultural de Santa Catarina à época:

com o poder. Edição da Academia Catarinense de Letras, 1996. A referida carta


encontra-se localizada na coleção José Boiteux, no arquivo do Instituto o
Histórico e Geográfico de Santa Catarina.
56

Dos antigos alunos do colégio da conceição, os


que não perderam o gosto pelas letras e
juntamente com elas exerceram suas atividades na
política, administração, profissões liberais, no
comércio e na indústria, todos triunfaram, todos
deixaram com maior ou menor brilho os seus
nomes na história da inteligência e da cultura
lageana, naquele trintênio. Foi então que Lages
mereceu o título da capital cultural de Santa
Catarina (COSTA, 1982, p. 20).

Esse título “Capital Cultural de Santa Catarina”, na Primeira


República, é uma atribuição que Licurgo credita ao seu grupo social de
origem, e o faz ao realizar seu empreendimento escrito no retorno à terra
natal, já nas últimas décadas do século XX. E apesar de ser uma
afirmação que requer uma maior contextualização, pontua-se que, ao
lançar vistas para o lugar e recorte temporal em pauta, é possível
observar que nesse cenário48 formaram-se latifúndios onde impérios
familiares povoaram e teceram suas relações de forças. No alvorecer da
República, a posse da terra não era mais o único sinônimo de poder, já
que certa instrução intelectual tornou-se necessária. Os filhos dos
fazendeiros foram estudar em colégios como o Nossa Senhora da
Conceição, em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, instituição
administrada por padres jesuítas, caracterizada à época por uma sólida
formação49. Os jovens que deixaram o “ninho”50 (AVÉ-LALLEMANT,

48
Lages foi fundada em meados do século XVIII pelo bandeirante paulista
Antônio Correia Pinto de Macedo. O motivo da fundação esteve profundamente
relacionado com a necessidade de proteger as terras da colônia portuguesa,
especialmente as do Sul, constantemente ameaçadas pelos domínios espanhóis.
A configuração da região possibilitou o desenvolvimento de atividades
econômicas voltadas à criação de gado e muares. A maior parte dos primeiros
moradores desenvolveu seu trabalho nesse setor econômico (BOGACIOVAS,
1989).
49
O historiador Élio Serpa, ao analisar a reformulação das condutas e das
práticas sociais em Lages durante a Primeira República, aponta que a elite local
adotou práticas em sintonia com os desejos de uma educação que
proporcionasse códigos de civilidade apropriados também às condutas do
espaço público e político. “De forma que os filhos e filhas das elites lageanas
ligadas à pecuária, ao comércio e até de profissionais liberais investiram na
formação educacional destes e, então escolhiam o colégio Nossa Senhora da
Conceição para os rapazes e o colégio São José para as meninas (SERPA, 1996,
p. 18-19).
57

1980, p.158), retornaram sintonizados com saberes que circulavam nos


grandes centros culturais. As posturas e as estratégias adotadas por esses
varões ilustrados entraram em cena, transformando os espaços urbanos e
sociais durante os primeiros anos republicanos. É nesse ambiente
caracterizado por mudanças, e principalmente pelas contradições entre
um universo rural e os desejos de modernidade, que sonhos de progresso
teceram as páginas dos jornais, aqueceram discussões partidárias e
alimentaram projetos políticos.
Licurgo nasceu nessa Lages com ares de modernidade51, pois,
como ele mesmo menciona em algumas passagens de suas memórias,
em sua casa liam-se jornais franceses e literatura portuguesa, como Eça
de Queiroz. Em grande medida, observa-se um contraste entre essa
Lages “bucólica” do começo do século XX e o ethos cosmopolita da
cultura ilustrada da época. Se não fossem alguns desejos pulsantes, e a
civilidade penetrando nas ruas da cidade, a Lages do começo do século
XX poderia ser descrita como um lugar de tranquilidade incólume:

50
O viajante alemão Robert Ave-Lallemant passou por Lages em meados do
século XIX e denominou a cidade como um “ninho”.
51
“Podemos observar em Lages, desde o início do século XX, a presença do
discurso da modernidade e da mudança. Reformas e novas normas irão
imprimir-lhe novo delineamento. A partir daí, esses espaços são não apenas
delimitados, mas também configurados e delineados conforme a existência dos
diversos grupos, mormente criando espaços privilegiados para a elite. Vive-se,
pois, com o advento da República, o período de redefinição do papel da cidade e
de sua proeminência na região, de constituição da cidade como lócus do poder
político (embora não desvinculado da terra). Assim, as ações da cidade
perpassam a criação de novos espaços de sociabilidade para a elite, ações no
espaço intermediário, de controle dos grupos populares, de modificação dos
padrões de comportamento, de criação de signos e símbolos que representem
este novo tempo” (PEIXER, 2002, p. 42-55).
58

Figura 3: Lages, em 1900


Fonte: Acervo do Museu Manuel Thiago de Castro

As pacatas ruas dessa cidade serrana presenciaram, desde as


últimas décadas do século XIX, alguns movimentos intensos
sintonizados com comportamentos e ações vivenciados na Europa e nas
grandes cidades brasileiras. Espaços foram construídos, como o Clube
Literário e Recreativo 1º de Julho, inaugurado em 1896, que contou com
a participação de João José Theodoro da Costa, avô paterno de Licurgo.
Jovens lageanos, filhos de comerciantes, funcionários públicos e
latifundiários, especialmente, buscaram educação em outros centros,
conforme já mencionado. A maioria desses rapazes52 retornava a Lages
influenciada com ideias e saberes vinculados às concepções científicas,
políticas e culturais, experimentados nos grandes centros das sociedades
ocidentais naquele período (NUNES, 2011, p. 63). Ou seja, um conjunto
de novas disposições adquiridas, um habitus necessário aos desafios
sociais e políticos a serem enfrentados nos primeiros tempos

52
Para constar alguns que, ao retornarem para Lages, ocuparam funções
públicas em Santa Catarina: Vidal José de Oliveira Ramos, João de Castro
Nunes, Caetano Costa, Sebastião da Silva Furtado, Joaquim de Oliveira Costa,
Manoel Thiago de Castro, Caetano Vieira da Costa, Adalberto Belizário Ramos,
João Batista Rosa, Otacílio Vieira da Costa, Herculano Edmundo Furtado,
Indalécio Domingos de Arruda, Walmor Argemiro Ribeiro, Joaquim de Oliveira
Waltrick, Paulino de Athaíde, Bebiano Rodrigues Lima, José Ribeiro Castelo
Branco, Cândido de Oliveira Ramos, Mario Vieira da Costa, Nereu Fiuza de
Oliveira Ramos, Aristiliano Laureano Ramos (SERPA, 1996). Vale ressaltar
que o historiador Élio Serpa utiliza, como fonte de pesquisa, O continente das
Lagens para identificar esses nomes que estudaram no Ginásio Nossa Senhora
da Conceição, em São Leopoldo no Rio Grande do Sul.
59

republicanos, costumes que vinculavam determinada formação


intelectual com a permanência no poder. É notável um grande anseio por
escolarização, em especial, nos setores mais abastados da sociedade,
pois se percebe, nessa busca por escolarização, a conversão do capital
econômico em capital cultural e poder político.
Essas disposições adquiridas e certa escolarização geraram
impactos na organização do espaço urbano e na reformulação das
condutas sociais (SERPA, 1996). Observam-se, por meio da leitura dos
códigos de postura de 1845, e depois de 1895, medidas de organização e
alinhamento do espaço urbano, algumas regras sobre como administrar
as ruas da cidade, sugestões de comportamento em público, instruções
sanitárias, limites para a presença dos animais a circular nas ruas
centrais, entre outros apontamentos. A historiadora Eveline Andrade, em
sua Dissertação de Mestrado (ANDRADE, 2011), analisa o processo de
urbanização em Lages entre os anos de 1870 a 1910, período marcado
por transformações no cenário político local devido, principalmente, à
transição da Monarquia para a República, o que repercutiu na
composição do espaço urbano lageano, assim como nas relações sociais
dos habitantes da cidade. Conforme argumenta Eveline, os desejos de
modernidade irão se refletir nas concepções de civilidade e nas
sociabilidades.
Depois da incursão a expor as transformações sociais e urbanas
de Lages no alvorecer republicano e os vínculos familiares maternos que
correspondem ao sobrenome Ramos, cabe adentrar o outro lado, isto é, a
herança paterna, os Costa. Reafirma-se a importância desse mapeamento
das origens sociais de Licurgo, para melhor compreender o peso do
pertencimento social na biografia do autor e, consequentemente, na
escrita do Continente. O avô paterno, João José Theodoro da Costa, foi
proprietário de um dos maiores latifúndios de Santa Catarina, como
também uma forte expressão pública e cultural de seu tempo. O pai,
Otacílio Viera da Costa, foi jornalista atuante e também político, sendo
prefeito de Lages, deputado estadual e federal. Ambos ocuparam
espaços públicos, não apenas em posições de cargos políticos, mas
também em ações e atividades culturais. Otacílio Costa, inclusive,
dedicou-se ao exercício da escrita sobre a história de Lages. E o avô,
João José Theodoro da Costa, foi atuante na criação de sociedades
recreativas e literárias53, como também na formação de grupos teatrais

53
“De 1870 a 1910, em quatro decênios de vida lageana, o pai de Otacílio Costa
teve uma atuação intensa e ininterrupta, nas suas atividades culturais, políticas e
sociais. Incentivador do amadorismo teatral, construiu o teatro São João, depois
60

(LAVOURA, 2013). Além disso, há um documento peculiar, o registro


que fizera de suas memórias, publicadas pelo IHGSC em 2003, com o
título Reminiscências políticas (COSTA, 2003).

Figura 4: João José Theodoro da Costa


Fonte: Acervo do Museu Manuel Thiago de Castro

Os manuscritos originais, guardados por Licurgo, foram


entregues ao IHGSC, instituição responsável por organizar uma
coleção54 nomeada Catariniana. De acordo com as palavras do então
presidente do IHGSC, o historiador Carlos Humberto Corrêa, à época da
publicação:
As Reminiscências Políticas do lageano João José
Theodoro da Costa, constitui-se no sexto volume
desta coleção. João J.T. da Costa (1849-1931),
líder político da região do planalto e iniciador de
influente família de políticos, juristas e
intelectuais catarinenses, vivenciou importante

adquirido pelo município e foi fundador, com uns poucos amigos, das
sociedades teatrais ‘Perseverança’ e ‘Phoenix Lageana’. Colaborou, como
redator e financiador no primeiro jornal da cidade, ‘O Lageano’ fundado em 14
de abril de 1883. Deixou um livro manuscrito - Reminiscências - em que relata
a vida política do município desde 1880 a 1900” (COSTA, 1983, p. 12).
54
De acordo com a apresentação elaborada pelo então presidente do IHGSC,
Carlos Humberto Côrrea, sobre a referida coleção: “O objetivo da Coleção
Catariniana editada pelo Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina é
divulgar originais guardados por instituições e famílias - e por elas mesmas,
muitas vezes esquecidos e, portanto desconhecidos do grande público, mas que
pelo caráter memorialista de cada um mostra as ciências histórica e geográfica
como reflexo característico de uma época e da personalidade que a escreveu”
(CORRÊA apud COSTA, 2003, p. 1).
61

época da história de SC (a partir do segundo


império) passou pelas propagandas abolicionistas
e republicanas, acompanhou de perto os anos que
mediaram a Proclamação da República e a
Revolução Federalista de 1893 e toda a Primeira
República, até os primeiros anos da revolução de
30. Começou sua vida como professor das
primeiras letras ensinando filhos e familiares de
fazendeiros, foi deputado estadual na república,
membro do partido conservador, e depois, do
partido republicanos catarinense. Colaborador de
jornais, deixou suas reminiscências há muito
guardadas por seu neto (CORRÊA apud COSTA,
2003, p. 11).

Assim como os Ramos, os Costa se faziam presentes na política


local. No prefácio das memórias de João José Theodoro da Costa,
escrito por Jali Meirinho, também membro do IHGSC, consta a seguinte
reflexão:

“Reminiscências Pálidas de minha Vida Pública e


particular escrita de memória no começo do
século XX”. É datada de Lages, janeiro de 1901,
sua primeira parte. Passado um século nos
inquirimos de saber, como naquela comunidade
distante, alguém estivesse preocupado em prestar
depoimento sobre sua experiência de vida? Não
temos registro da formação intelectual do autor.
Aos 17 anos já era professor, com conhecimento
da literatura de que se embasou. Na Europa,
comumente, as pessoas mais ou menos destacadas
sempre legaram à posteridade depoimentos
pessoais. Os imigrantes que se estabeleceram em
Santa Catarina no século XIX nos têm dado
provas. João Costa, assimilou a importância do
significado de registrar sua participação em
determinado momento da vida lageana. Ele foi
líder de um grupo familiar e social (MEIRINHO
apud COSTA, 2003, p. 13-14).

Em um estudo dos acervos pessoais (cartas, fotos, bilhetes e


registros autobiográficos) dos intelectuais catarinenses José Arthur e
62

Lucas Alexandre Boiteux55, a historiadora, Maria Teresa Santos Cunha


analisou os registros que os irmãos Boiteux mantiveram guardados. Ela
observou a possibilidade de identificar, nos modos de vida das novas
elites republicanas em Santa Catarina no começo do século XX
(CUNHA, 2008, p. 113), os meandros de construção de uma
representação mais legítima de sua posição de elite, como também as
redes de sociabilidade que visavam assegurar a manutenção de seu
poder (ABREU, 1996, p. 19). A partir dessas reflexões é possível
pontuar que essa ação de “guardar” é uma prática que faz parte da
constituição dos sujeitos protagonistas de enredos políticos e culturais,
próprios de uma elite letrada (CUNHA, 2008, p. 116). Por se tratarem
de testemunhas privilegiadas da passagem da história, nota-se uma
necessidade de salvaguardar esses registros na intenção de legar uma
imagem de homens públicos ilibados. Ao escrever essas memórias, João
Theodoro da Costa afirmou que seu desejo era deixar um legado aos
seus descendentes:

Estes ligeiros traços biográficos eu os lego aos


meus descendentes; Não tenho outro objetivo,
escrevendo a minha vida obscura, senão o de
proporcionar aos meus filhos e netos uma ligeira
notícia da minha passagem neste mundo. Um dia,
talvez, em palestra de família, quando reunida, se
lembrarem de seus progenitores já há muito
desaparecidos da terra; um deles se recordará
achar-se em seu poder este manuscrito, o
oferecerá para que os outros o leiam e, então,
terão ocasião de conhecer quais as peripécias
pelas quais passaram, na terra, os autores de seus
dias.Não quero que aos meus descendentes suceda
o mesmo que a mim sucedeu. Não conheço nada
do início da vida de meus finados pais (COSTA,
2003, p. 29).

55
Os irmãos José Arthur Boiteux (1865-1934) e Lucas Alexandre Boiteux
(1880-1966) foram intelectuais de projeção em Santa Catarina na virada dos
séculos XIX e XX. José foi fundador de instituições como a Faculdade de
Direito, do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e da Academia
Catarinense de Letras. Lucas foi Almirante da Marinha e escreveu muitas obras
sobre a história de Santa Catarina. Os acervos pessoais dos irmãos encontram-se
sob a guarda do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (CUNHA,
2008, p. 112).
63

Embora o registro das memórias seja uma ação para deixar um


legado, ninguém sustenta o próprio legado. No caso em questão, o
agente determinante na construção desse legado, no trabalho de
transmissão cultural intra-elites, foi o neto, Licurgo Costa, herdeiro do
legado da família. Segundo Luciana Heymann (2005), para se
compreender a noção de “legado”, isto é, as ações que utilizam os
legados históricos como justificativa, a exemplo da publicação de
memórias, percebe-se que estes alimentam a transmissão de um capital
simbólico, o qual carrega um emblema de sobrevivência ao tempo.
Licurgo Costa, ao tornar-se agente do legado familiar, não apenas pela
ação de doar as memórias do avô para serem publicadas pelo IHGSC,
mas também por todo o seu investimento na escrita do Continente,
projetou o legado político de seus familiares em espaços da cultura
catarinense, angariando lucros simbólicos que o inscreveram nesse
cenário como legítimo representante e guardião da memória de Lages.
De acordo com Canedo56, é possível compreender nesse registro
de memória um mecanismo de transmissão de um patrimônio político
familiar, uma forma de se reproduzir nos meios de poder57. Vale
destacar que o registro do poder político dos Ramos e dos Costa não se
restringe aos papéis e narrativas transmitidos por eles, mas está presente
em monumentos, prédios e ruas, não somente na cidade de Lages, mas
também em espaços públicos das principais cidades de Santa Catarina.
São símbolos que registram o poder político exercido por essas famílias.
Se o objetivo de João José Theodoro da Costa era que seus descendentes
não o deixassem cair no esquecimento – e considerando a publicação
dessas reminiscências pelo IHGSC como uma intervenção de seu neto
Licurgo –, é possível concluir que o seu desejo ganhou eco no decorrer
do tempo. As memórias do avô também são utilizadas como fonte
histórica por Licurgo, o que, de certa forma, favorece a reprodução de
uma determinada representação do passado histórico de acontecimentos
vinculados à história política da Primeira República.

56
Letícia Bicalho Canêdo, doutora em Ciência Política e professora da
Unicamp, publicou um artigo intitulado “Caminhos da Memória Parentesco e
Poder”, no qual analisa os mecanismos de transmissão de um patrimônio
político familiar e as relações entre família, sociedade e poder local.
57
De modo geral, a singularidade dos homens públicos da Primeira República
estava ligada à sua condição letrada, pois eram homens de letras, condição que
representava um importante bem simbólico, cujo capital social muitas vezes
ultrapassava o financeiro.
64

Na condição de membro do IHGSC desde 1975, Licurgo, antes


de falecer, participou da elaboração do projeto de publicação das
reminiscências do avô, deixando escrita uma apresentação, na qual
consta um relato da convivência entre avô e neto, indício que reforça
essa transmissão de capital cultural, e mais do que isso, do compromisso
com a memória familiar. Além disso, os homens da família, através de
Licurgo, asseguram seu posto de guardiões da memória lageana:

João Costa era um palestrador sumamente


inteligente e tinha gosto em transmitir a seus
interlocutores aspectos da história lageana e fatos
em que tomara parte ou soubera de fonte segura.
Para nós, aquelas duas ou três semanas em que o
acompanhávamos eram, sob tal ponto de vista,
preciosíssimas. Cansados da lida diária em
rodeios, marcação, contagem de gado, desponte
de chifres de novilhos, inspeção de divisas, visitas
a agregados, etc. Era a noite, depois da janta, às
18 horas, que descansávamos ao redor do fogo, na
cozinha de chão de terra batida. E então, o velho
fazendeiro dava largas à sua vocação de professor,
contando como se lecionasse, fatos
interessantíssimos, em geral ligados à vida
campeira, às origens da fazenda Figueiredo, e até
sobre política serrana. Muita coisa me ficou
daquelas preleções e quando íamos deitar, lá pelas
21 horas, naquele silêncio lunar, quebrado às
vezes pelos brunidos de tigre e rugidos de leões,
assim como vozes de índio, eu passava em revista
o que havia ouvido e guardava o essencial nos
arquivos da memória (COSTA, 2003, p. 20-21).

Além do avô, é fundamental pontuar também aspectos da


trajetória do pai, Otacílio Costa, que foi jornalista e político, além de
adentrar o universo da escrita sobre história. Publicou vários artigos nos
jornais de Lages sob o título “Lages de outrora”, nos quais elaborou
alguns registros sobre os fundadores da cidade e sobre questões
políticas, incluindo a Proclamação da República, artigo que apresentou
no Primeiro Congresso Catarinense de História, realizado em
Florianópolis, em 1948.
65

Figura 5: Retrato de Otacílio Costa


Fonte: Acervo do Museu Manoel Thiago de Castro

Na biografia de Otacílio Costa, intitulada Otacílio Costa, uma


vida a serviço da comunidade (1983), escrita pelo filho, Licurgo Costa,
na articulação das palavras, ressaltam-se as qualidades políticas, cívicas
e culturais do pai. Uma biografia de referências e reverências, ao estilo
tradicional heroico. Vale alguns recortes para melhor entender:

Há na vida publica de Otacílio Costa, um aspecto


que, pela sua significação, merece relevo especial:
ele pertencia àquela geração de políticos - duas,
talvez - que na transição da monarquia para a
República, devia basicamente trabalhar pelo
aprimoramento cívico do povo brasileiro, muito
mais importante para a formação da
nacionalidade, que as grandes obras públicas,
algumas monumentais e santuárias, que
caracterizam a preocupação dos governos, depois
dos anos trinta. Por isso, naqueles distantes
tempos, que vieram da Proclamação da República,
até mais ou menos a Revolução de 30, foi a fase
dos grandes oradores, dos evangelizadores
cívicos, das figuras apostolares da nacionalidade.
Ruy Barbosa, Lopes Trovão, José do Patrocínio,
Barbosa Lima, Nilo Peçanha, J. J. Seabra, João
Luiz Alves, Irineu Machado, Antônio Carlos, João
Neves da Fontoura, Armando Salles de Oliveira,
Nereu Ramos são, entre muitíssimos outros,
exemplos a serem citados. E, obviamente para
tanto, a arma principal de que dispunham era a
66

oratória. A Otacílio Costa o destino concedeu o


dom da palavra. Era um orador primoroso. E
como tal ajudou, na modéstia do meio em que
viveu suas primeiras décadas de vida, a criar no
povo aquele amor à Pátria, sem o qual não é
possível estabilizar e engrandecer as nações. E,
como doutrinador político, ele foi, sem favor, uma
figura exponencial do seu tempo, em Santa
Catarina (COSTA, 1983, p. 6).

Licurgo qualifica seu pai no mesmo patamar que outras figuras


públicas de renome nacional da época em que Otacílio vivera. É
irresistível observar o entusiasmo de que se revestem esses elogios, pois,
antes que uma análise do pai enquanto um homem público das primeiras
décadas do século XX, o filho faz apologias e notifica glórias. Não há
nessa biografia sobre Otacílio lugar para narrar desventuras, o que
Licurgo procura se justificar com o seguinte argumento:

Este modesto trabalho é uma contribuição às


comemorações do centenário de nascimento de
Otacílio Costa. Procuramos escrevê-lo com
isenção, na certeza - que nos seja perdoada a
imodéstia - de que a sua personalidade dispensa
concessões de amizade ou de parentesco. E,
sinceramente, até consideramos que se está
biografia fosse escrita por alguém que não tivesse
os laços de sangue que nos ligam a Otacílio Costa,
ele seria muito mais enaltecido, que nas páginas
que aqui apresentamos (COSTA, 1983, p. 5).

É preciso verificar os parâmetros que pautam a escrita de Licurgo


acerca de seu pai, para não incorrer em julgamentos. O que nos cabe,
mais que denunciar a subjetividade dessa escrita, é interpretá-la. Vale
destacar que “por muito tempo a biografia foi vista como o modelo da
história tradicional, mais propensa à apologia do que análise”
(SHIMIDT, 2000, p. 49). Nas memórias de Licurgo, há um apontamento
bem oportuno para a ocasião, isto é, de exercitar o pensar sobre a
biografia, o biografar, a escrita, o falar bem e mal:

Fui durante muitos anos aluno de sábios


educadores jesuítas e com eles aprendi que nunca
devemos falar mal de nós mesmos. Para falar mal
de nós, ensinam os experientes discípulos de
67

Santo Ignácio, bastam os amigos... .Mas, no caso,


esquecendo o conselho, direi que sou e terminarei
meus dias não passando nunca de um medíocre
aprendiz de escritor (COSTA, 2002, p. 123).

Em praticamente todos os seus registros, o autor economizará


palavras sobre os infortúnios, tantos os próprios quanto os alheios.
Assim sendo, é possível compreender melhor os critérios que pautam a
escrita sobre o pai, pois não se trata apenas da relação consanguínea
entre biógrafo e biografado, visto que carrega toda uma postura
embasada em valores que permeiam o seu olhar sobre o mundo, como
também reverbera o que se entendia por biografia à época em que o
livro fora escrito. Licurgo explica os motivos que o fizeram escrever
sobre Otacílio:

Atendendo a pedidos de amigos de Otacílio Costa


e nossos, acedemos em escrever um resumo de
sua biografia, baseados no conhecimento direto
que dele tivemos - era nosso pai - e na
documentação, digna de fé, que fomos
colecionando durante muitos anos. Assim
pudemos, nas páginas que se seguem, mostrar em
largos traços, suas origens, a atuação da família
Costa em Portugal e no Brasil e, finalmente, como
foi, desde seus primórdios, a vida pública do líder
lageano (COSTA, 1983, p. 2).

De certa forma, ao escrever a biografia sobre o pai, Licurgo


reforça o investimento na fabricação de uma memória sobre os seus,
cujo compromisso é ressaltar o legado familiar. É preciso considerar, na
produção dessa memória, a ênfase depositada na escolarização. A
educação formal inicial de Otacílio ocorreu na escola Luz e Confiança,
ministrada por Fernando Athayde e Moritz de Carvalho, lageanos que
exerceram funções públicas notáveis na cidade. Eram republicanos,
maçons, jornalistas e defendiam a educação laica. Essas informações são
fatores pertinentes para se compreender a formação intelectual do pai.
Depois das primeiras instruções, Otacílio seguiu para São Leopoldo no
Rio Grande do Sul. Lá, como muitos outros lageanos de sua geração,
recebeu escolarização ministrada pelos padres jesuítas, um tanto
contraditório ao se considerar sua educação inicial laica, mas
compreensível pela áurea que acompanhava o colégio jesuíta:
68

No começo de 1897 matriculou-se no Colégio


Nossa Senhora da Conceição, em São Leopoldo
(RS). Era, então, esta instituição de ensino
elementar e secundário, uma das mais prestigiosas
do país. Fundado pelos padres jesuítas,
sabidamente grandes humanistas e educadores,
recebia alunos não somente dos estados do sul
(Rio Grande do Sul e Santa Catarina) mas também
do Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e até do
exterior. Com dificuldades de comunicação -
viagens de 8 a 10 dias - por pequenos navios, o
fato de atrair alunos do Rio de Janeiro (José do
Patrocínio Filho, lá estudava com uma bolsa
concedida pela Princesa Isabel) comprovava a
fama, o conceito de que desfrutava o grande
colégio jesuíta (COSTA, 1983, p. 14).

Licurgo atribui ao Colégio Conceição a formação humanística


que o pai recebera. Ao produzir uma memória sobre a escolarização do
grupo social de origem, em especial, do pai, é possível compreender
essa ação como um investimento em busca de legitimar o valor desse
grupo também no campo cultural.

Figura 6: Ginásio Nossa Senhora da Conceição, São Leopoldo/RS


Fonte: Acervo da Unisinos

Licurgo direciona certa ênfase a essa contribuição do colégio nas


ações de Otacílio:
69

O Colégio Conceição, no seu curso de


humanidades, abriu no espírito do jovem lageano,
como no daqueles seus alunos dotados de alto
nível de inteligência, uma visão da vida, que
poderia ser chamada, sem exageros, de
caleidoscópica, proporcionando-lhes aptidões para
uma lúcida compreensão dos acontecimentos e
das suas projeções sobre o futuro. E tanto isto é
certo, que muitos artigos e comentários do jovem
jornalista, lançados no começo do século, seriam
atuais ainda neste ano de 1983, em que se
comemora o centenário de seu nascimento. Num
deles sugere ao governo municipal várias
providências para resolver o problema da
mendicância, que assolava a cidade. Nas mesmas
condições e para citar apenas dois exemplos,
estaria o que escreveu sobre poluição – que então
era chamada de contaminação – das águas e dos
poços urbanos, situados a poucos metros das
sentinas, abertas nos vastos quintais das
residências. No primeiro exemplo se enquadra o
atual centro urbano, com muitos falsos e
verdadeiros mendigos, que a crise em curso vem
aumentando assustadoramente, e, no segundo,
estarão as milhares de residências da periferia,
ainda não integradas na rede de esgotos (COSTA,
1983, p. 16-17).

Ao destacar os apontamentos sobre a escolarização oferecida


pelos jesuítas e os impactos na formação do pai de Licurgo, sobretudo
nas ações como homem público, identifica-se a utilização da formação
escolar adquirida em ações no espaço público, como também se
observam elementos na formação do que se pode considerar um
“habitus” do referido grupo social, a saber: participar de associações
recreativas e literárias e publicar artigos nos jornais locais, de forma a
intervir na organização da urbanidade e nas condutas sociais e políticas.
Licurgo também foi estudante secundarista sob a tutela dos jesuítas, mas
não em São Leopoldo, como era de costume entre os lageanos do final
do século XIX. Ele também foi interno do Ginásio Catarinense em
Florianópolis, outro empreendimento dos padres jesuítas, que contava
com o apoio de setores políticos e oligárquicos, principalmente de seu
tio-avô, Vidal Ramos, governador de Santa Catarina em 1905, data da
instalação do referido ginásio.
70

Otacílio Costa também atuou como jornalista:

Estava, ainda, no Colégio Conceição quando


iniciou suas atividades jornalísticas, estreando a 4
de março de 1900 com uma crônica intitulada
“Ilusão”, publicada no semanário lageano “A
Região Serrana”, ao tempo o jornal mais
importante do planalto catarinense. Tinha
Otacílio, á época, 16 anos e 3 meses de idade,
porém já se revelava uma grande promessa de
grande jornalista e escritor, confirmada, com o
correr do tempo, através de sua colaboração de
meio século em jornais de sua terra, do Rio
Grande do Sul, Rio de Janeiro e de várias cidades
catarinenses. Em janeiro de 1903 retornou
definitivamente a Lages, ingressando na redação
de “O Imparcial”, que semanalmente publicava
seus artigos assinados sobre os mais variados
temas (COSTA, 1983, p. 16).

Além de escrever nos jornais da cidade, trabalhou no comércio e


como advogado provisionado pelo Superior Tribunal de Justiça. Tornou-
se também um homem da vida pública, reconhecido, entre outras
qualidades, pela oratória:

Em 11 de janeiro de 1903, cinco semanas depois


de completar 19 anos, Otacílio foi nomeado
Diretor Geral da Diretoria Central do Município, o
segundo cargo na hierarquia administrativa. Nesta
fase já alcançara a fama de excelente orador,
considerado, depois de Sebastião Furtado, de justo
renome estadual, o mais notável entre os
numerosíssimos discursadores lageanos. “Estamos
na época da oratória em Lages”, escrevia o ilustre
e destemido jornalista local José Rodrigues
Castello Branco, sendo os dois Sebastião e
Otacílio os maiores, segundo seus contundentes
comentários, em que citava uns vinte deles,
criticando-os impiedosamente. Mas enquanto o
primeiro andava pelos trinta e cincos anos, o outro
como dissemos, apenas dezenove (COSTA, 1983,
p. 17).
71

Na vida pública, passou algumas vezes pelo poder municipal e


também estadual e federal, na condição de deputado. Casou-se com
Adélia Oliveira Ramos, filha de Belizário Ramos, um dos homens da
política local e estadual, conforme mencionado. Adentrou também o
terreno da história, escrevendo muitos artigos publicados nos jornais de
Lages58. Participou também do I Congresso Catarinense de História:

No Primeiro Congresso Catarinense de História


apresentou três teses: “A Proclamação da
República em Lages, em 1839 e sua adesão à
República em 1889”; “Lages e a história dos seus
templos - A Ermida - A Igreja - A Matriz e a
Catedral”; e “O Coronel Antônio José da Costa”
(COSTA, 1983, p. 32).

Conforme Licurgo, essas monografias foram publicadas nos anais


do referido congresso. Contudo, foi possível localizar, no arquivo na
Academia Catarinense de Letras, em uma das pastas do Licurgo Costa, a
publicação de uma das pesquisas de Otacílio:

58
Foi após a Revolução de 30, que ele mais se dedicou às pesquisas históricas e
criou, na imprensa local, começando pelo “O Planalto”, de Anibal Ataide, uma
coluna sob o título de “Lages de Outrora”. Ali, semanalmente, divulgava os
resultados de suas garimpagens pelos arquivos lageanos e pela memória dos
mais velhos. Não teve, porém a preocupação de dar sequência cronológica as
suas crônicas, escrevendo-as segundo o material ia colhendo ou em atenção a
pedidos que recebia dos seus leitores. Entretanto, pelo número elevado de
crônicas escritas, cerca de quatrocentas, é possível quase completar-se uma
biografia de Lages, a partir da chegada de Correia Pinto, até mais ou menos
1930. Com o desaparecimento de “O Planalto”, “Lages de Outrora” passou a ser
publicada no “Guia Serrano”, até pouco antes do falecimento de Otacílio Costa
(COSTA, 1983, p. 32).
72

Figura 7: Frontispício do texto publicado por Otacílio Costa


Fonte: Acervo da Academia Catarinense de Letras

No acervo pessoal de Licurgo há uma pasta com vários recortes59


de jornal acerca do congresso, que comemorava o segundo centenário da
colonização açoriana. Fato é que, no ano em que ocorreu esse evento,
1948, Licurgo já era funcionário do Itamaraty, vivendo distante da terra
natal. Em um dos recortes de jornal, onde consta a programação do
evento, ele sublinhou os trabalhos com autores e temas relacionados à
história de Lages: “Otacílio Costa – História de Lages; Proclamação da
República em Lages, no ano de 1893; As constituições do Estado.
Nilson Vieira Borges – Biografia de Manoel Tiago de Castro” (O
Estado, 10 de agosto de 1948). Nessa mesma pasta Licurgo arquivou os
discursos dos organizadores do evento, publicados nos jornais locais,
nomes de referência na historiografia catarinense, incluindo Oswaldo
Rodrigues Cabral. Esse evento foi financiado pelo governo estadual e
tinha como perspectiva historiográfica a valorização das origens
portuguesas na construção do que eles entendiam como identidade
catarinense. De certa forma, características muito presentes na
constituição do Continente.
Na introdução do livro, há a menção a nomes que escreveram
sobre a Serra Catarinense, momento em que Licurgo enfatiza as

59
Na mesma pasta consta o convite que Otacílio Costa recebeu de Henrique
Fontes para participar do evento. Não se sabe a data em que Licurgo arquivou
esses recortes.
73

pesquisas de Otacílio Costa, as quais são citadas, com frequência, em


notas de rodapé como fontes de referência:

Do grupo acima, o que mais escreveu sobre o


tema foi Otacílio Costa, que, além de oito
opúsculos editados e seis teses para congressos de
história, deixou cerca de quatrocentos artigos
publicados na Imprensa Lageana, durante mais de
cinqüenta anos de atividades jornalísticas, sendo
que duzentos e cinqüenta deles sob o título de
“Lages de Outrora”, foram divulgados na maioria,
pelo semanário “Guia Serrano” (COSTA, 1982, p.
11).

Se foi Otacílio ou não o autor que mais escreveu sobre a história


lageana, esse dado quantitativo não é relevante, pois, na verdade, cabe
considerar a sua contribuição sobre a construção de representações
acerca do passado de Lages. Em um dos artigos de “Lages de Outrora”,
que versa sobre a Proclamação da República, Otacílio expressa o anseio
que o motivou a escrever sobre história:

Estas notas não visam outro fim se não conservar


para posteridade a lembrança de acontecimentos
que tão alto falam da nossa educação cívica, já
evidenciada naqueles tempos, há quase cinqüenta
anos, em que Lages, a cidadezinha que o
bandeirante Antônio Correia Pinto veio fundar
neste altiplano de Santa Catarina, sem vias de
comunicação, sem telégrafo, sem outros recursos,
já começava a expandir-se nos seus justos anseios
de progresso, numa alta virada para a realização
de seus destinos (Guia Serrano, março de 1938).

É possível observar, no trecho citado, uma concepção de história


como um instrumento para a educação cívica dos cidadãos. Os sentidos
que vestem o corpo da escrita de Otacílio têm os signos do tempo em
que ele viveu e narrou. Tempo em que a história era um forte
instrumento utilizado pelo Estado para legitimar as glórias de uma
nação. Vale destacar que as questões historiográficas que permeavam a
produção das representações sobre o passado em Santa Catarina estavam
vinculadas às concepções do IHGSC, instituição criada ao final do
século XIX, composta por agentes ligados ou muito próximos ao poder
74

político. O IHGSC seguiu, como exemplo, muitos dos propósitos do


Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, criado em 1838, entidade
que delineara uma construção de nação muito próxima ao ideal do
projeto colonizador português60. Em 1948, ano do I Congresso
Catarinense de História, evento que procurou fortalecer a identidade
regional portuguesa, sobretudo por ressaltar o açoriano, figura presente
no litoral catarinense desde o período colonial.
No entanto, esse tema da identidade portuguesa açoriana, como
também da identidade portuguesa dos bandeirantes paulistas que
colonizaram Lages, já ocupava os meandros do IHGSC bem antes da
realização do referido evento, pois “o tema dos açorianos, ao articular-se
aos poderosos mecanismos de propaganda do Estado Novo e à intensa
campanha de nacionalização de Nereu Ramos” (GONÇALVES, 2006,
p. 64), já era um assunto em pauta. Nessa época, Nereu Ramos foi
interventor em Santa Catarina durante a ditadura Vargas, reaproximou o
IHGSC dos interesses do governo estadual na valorização de uma
identidade nacional. Ressalta-se que a colonização açoriana no litoral
catarinense recebeu bem mais atenção por parte dos membros do
IHGSC que a colonização dos portugueses bandeirantes paulistas na
região serrana de Santa Catarina. Otacílio Costa não era membro do
IHGSC, participou do evento a convite do então presidente da
instituição, Henrique Fontes. Embora não fizesse parte, a questão
historiográfica que mobilizava Otacílio, ao defender os valores pátrios e
as origens portuguesas em seus textos, aproximava-se dos anseios da
instituição então gabaritada para produzir conhecimento sobre o passado
de Santa Catarina.
Ao fazer uma incursão no cenário em que Licurgo nasceu,
considera-se importante destacar que o registro das ações políticas,
econômicas, sociais e culturais dos Ramos e dos Costa se faz perene nas
ruas e monumentos não somente de Lages, como também de muitas
cidades de Santa Catarina, em estátuas, prédios públicos e nomes de
ruas. O calçadão central da cidade de Lages, por exemplo, carrega o
nome do avô paterno, João Costa61.

60
GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.1, 1998.
61
No mesmo espaço há uma estátua do primo Nereu Ramos e uma escola com o
nome de outro primo, desafeto político de Nereu, Aristiliano Ramos, tio de
Licurgo.
75

Observa-se, nessas relações vinculadas ao lugar de nascimento,


um poder não apenas econômico, mas também simbólico. De certa
forma, a construção elaborada por Licurgo sobre a história de Lages está
profundamente relacionada com sua rede de parentesco e o poder local,
exercido pelos Ramos e pelos Costa. É nesse sentido que considerar o
pertencimento familiar representa um instrumento importante para
refletir acerca do capital acumulado durante muitas gerações. A
ascensão profissional inicial, alcançada por Licurgo como jornalista na
década de 1920, caracteriza-se como um exemplo clássico de conversão
do poder político familiar em capital social. Licurgo não converteu a
força política familiar em prol de uma trajetória política, mas sim, em
uma rede de contatos dotados de certo prestígio social.
Logo, compreender a herança familiar e as ações de Licurgo
remete aos letrados e republicanos de Lages no começo do século XX.
Em uma entrevista62 concedida à prefeitura de Lages, em maio de 2002,
dois meses antes de seu falecimento, o autor enfatizou que:

Lages tinha nas duas primeiras décadas do século


XX um grupo de rapazes brilhantes, os quais
escreviam nos jornais locais, fundaram sociedades
teatrais, era um grupo cultural inigualável em
Santa Catarina, o qual merece ser pesquisado.

Esses apontamentos representam os investimentos empreendidos


por Licurgo na construção de um lugar no campo da cultura para o seu
grupo de origem. Nascido em 1904, ele só foi morar no Rio de Janeiro
em 1921. Contudo, mesmo quando criança, testemunhou as
movimentações desses rapazes ou jovens senhores. Haja vista que, em
uma carta enviada a Nereu Correia em 1978, autor de um livro sobre
Paulo Setúbal (imortal da Academia Brasileira de Letras, que morou em
Lages entre 1918 até 1920), Licurgo registrou o seguinte:

Lages, 10/12/1978
Meu caro Nereu Corrêia,
Muitíssimo obrigado pelo seu “Paulo Setúbal”.
Gostei horrores como diz a moçada de hoje. Santa
Catarina estava a dever uma grande homenagem a
ele. E, com o seu magnífico livro você resgatou a
nossa dívida, com juros altos e correção

62
Entrevista realizada em maio de 2002 pelos assessores de imprensa da
Prefeitura Municipal de Lages.
76

monetária. Lembro-me muito bem dele, que


gostava de andar na boléia de um carro de mola,
vitoriano, de propriedade de meu pai. Eram
amicíssimos e no carnaval de 1920 se fantasiaram
de bebês e de camisolão, mamadeira, chupeta e
touca, enfrentaram as alegres comadres do clube
1º de Julho, que segundo a tradição, não acharam
nenhuma graça na idéia dos dois.
Paulo costumava dizer que a maioria dos versos
que escreveu em Lages foram compostos na
boléia daquele carro famoso, justamente pela
extravagância do poeta. Passarei o verão em
Canasvieiras e terei o prazer de procurá-lo no
correr de janeiro. Com um grande abraço e os
votos de um feliz 1979. Extensivos à exma
família.63

Alguns versos do Setúbal ilustram o período de sua passagem


por Lages:

Ah, Foi aí, nesse ermo de tristeza, nessa terreola


fúnebre e burguesa, tão sem encantos, tão
descolorida, que fui viver, com lágrimas e flores,
no mais cruel amor dos meus amores, a página
melhor da minha vida.64

Esses versos fazem parte da obra Alma Cabocla, escrita por Paulo
Setúbal65 em 1920. O poeta circulou intensamente da vida social da
cidade, participando dos clubes, escrevendo nos jornais, atuando como
advogado em causas locais. Conviveu com a gente dessa terra,
compartilhando costumes e hábitos. Nessa “terreola fúnebre e burguesa”
experimentou a companhia de seus seletos varões, senhores, em sua
maioria escolarizados, divulgadores de certas ideias de modernidade e
civilidade, ocupantes de cargos públicos, mentores de projetos políticos.
De sua vivência na cidade, Setúbal registrou muitas impressões, como a

63
Carta do acervo de Licurgo Costa na Academia Catarinense de Letras.
64
SETÚBAL, Paulo. A Vila. In: Alma cabocla. São Paulo: Cia. Editora
Nacional, 1983.
65
Advogado, jornalista e escritor, Paulo Setúbal foi eleito membro da Academia
Brasileira de Letras em 1935. Os motivos que o levaram até Lages não foram
literários, bem diferente disso, foram os vestígios da gripe espanhola.
77

que segue publicada no livro organizado por Nereu Corrêa66 e intitulado


Paulo Setúbal em Santa Catarina:

Desenhava-se na minha imaginação um desses


lugarejos campôneos, todo feito de pobríssimas
casinholas, sem sociedade nem convívio
mundano, onde uns caboclos ásperos, de
bombacha e chiripá, chapéu batido e espada ao
lado, alardeavam grotescas valentias e gauchadas,
atolando nas ilhargas fogosas do matungo, em
frente às janelas da morena, a roseta em sangue
das chinelas sonoras... E acrescenta: Pois nada
disso, minha senhora! Aquela Lages, que eu
imaginava ao sul, tão ao sul, na região serrana,
vim encontrar inteiramente civilizada, em franca
prosperidade, com as suas ruas paralelas e
perpendiculares, o seu casario simples de cidade
do interior, o seu movimento, a sua vida própria, o
seu intenso comércio, e além de tudo, em vez
desses gaúchos carnavalescamente paramentados,
uma rapaziada guapa, bem falante, vestida à
moderna, com roupas talhadas pelos últimos
figurinos, e que já sabe flertar com grandes
desembaraços, e dançar os mesmos tangos e rug
times que a senhora dança no Trianon (CORRÊA,
1978, p. 19).

Mais do que jovenzinhos vestidos à moderna, foram figuras


públicas que protagonizaram movimentações em torno dos projetos
modernizadores dos espaços onde circulavam. Eram os intelectuais do
lugar; suas iniciativas ocuparam uma dimensão muito significativa na
organização dos espaços públicos de Lages e Santa Catarina, e em
algumas biografias, como a de Nereu Ramos, a projeção se deu na
política nacional. Nas últimas páginas de suas memórias, Licurgo
menciona vários desses personagens do período em questão, um
apanhado de senhores:

Outras sombras saudosas ainda perpassam na


lembrança que ficou daquelas ruas tão tranqüilas,
tão amenas da cidadezinha que o tempo
transformou na urbe poderosa da atualidade: o Dr.

66
Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.
78

Sartori, um médico italiano, caridoso, falando um


dialeto pitoresco, de sua própria invenção; o Dr.
Walmor Ribeiro, o primeiro médico lageano, cuja
formatura a cidade festejou durante três dias e três
noites, grande clínico geral, humanitário,
bondoso, inteligente; Cândido Ramos, o primeiro
médico brasileiro a oferecer seus serviços aos
governos aliados, quando da Primeira
Conflagração Mundial, indo servir no front sérvio,
onde a guerra assumiu uma ferocidade extrema.
Orador primoroso, quando retornou à terra natal,
contou em várias conferências os horrores que
presenciou ou de que participou na sangrenta
retirada da Sérvia (COSTA, 2002, p. 181).

Licurgo cita vários outros como, por exemplo, Manoel Thiago de


Castro, jornalista, escritor, advogado comissionado e político
republicano, que escreveu um romance histórico67 chamado Três
irmãos, livro não publicado, cujas páginas rabiscadas se encontram no
museu que carrega seu nome, organizado pelo seu já falecido neto,
Danilo Thiago de Castro68. Licurgo finaliza esse desfile de vultos
apontando a pertinência dos senhores citados:

A lista já está longa mas outros vultos insistem e


com justiça em figurar nela, nem que seja apenas
para anotar seus nomes, para futuros comentários:
Manoel Thiago de Castro, “seu manequinho de
castro”, Dr. Indálecio Arruda, Virgilio Godinho,
João Floriani, Agostinho Malinverni, João Lenzi,
Francisco Mat, Octavinho Silveira, Maneco
Nicoleli, Cícero Neves e tantos, tantos outros

67
Trata-se de uma obra de aproximadamente trinta páginas, escrito a mão, na
qual Manoel Thiago de Castro narra a vida e as escolhas de três irmãos na
virada do Império para a República. O cenário de urbanização da cidade, a
abolição da escravatura, a vida e o cotidiano de ex- escravos, os romances, o
papel da mulher de elite. Todos esses temas são abordados no livro inédito e
não finalizado.
68
Danilo Thiago de Castro, neto de Manoel Thiago de Castro, colecionou
durante praticamente toda a sua existência ‘coisas antigas’, desde objetos até
jornais, cartas, documentos públicos, fotos. O resultado dessa atividade pessoal
como colecionador é o Museu e arquivo Manuel Thiago de Castro, hoje é um
espaço público, o qual foi adquirido pela prefeitura de Lages em 2012. Antes de
ser público era considerado o maior acervo privado de Santa Catarina.
79

entre os quais caberiam, com justo destaque, tipos


populares, figuras do folclore, mendicantes,
alcoviteiros, biscateiros tão dignos de serem
biografados quanto aos demais porque
contribuíram para dar a Lages, o matiz que a
distingue das demais cidades catarinenses, mas
isto seria tarefa para outras oportunidades em que
sobrasse tempo para recordações, assim como
estas, um tanto sem rumo (COSTA, 2002, p.181-
182).

Esses recortes de memória reforçam esse retrato de Lages ao


início do século XX e o anseio de Licurgo de conferir ao grupo em
questão um lugar de memória que perpetue não somente os feitos
políticos, mas as expressões culturais, pouco mencionadas ou
valorizadas por espaços hegemônicos do protagonismo cultural em
Santa Catarina, incluindo a ACL e o IHGSC. Foi em Lages, nesse lugar
“fúnebre e burguês”, de acordo com a sensibilidade poética de Setúbal,
ou então, “agreste”, que Licurgo nasceu e passou os primeiros anos de
sua existência. Em quase todas as suas narrativas, há signos desse lugar
de nascimento, os personagens, os legados. Outros fragmentos,
temporalidades e vivências também fazem do trajeto desse homem
serrano. Assim, parte-se do “continente agreste” à antiga Desterro, atual
Florianópolis, capital de Santa Catarina. Do campo cultural e político
lageano para o litoral, mais especificamente para o Ginásio Catarinense,
reduto de escolarização dos varões bem nascidos.

1.2 DESTERRO E O GINÁSIO CATARINENSE

Na apresentação das reminiscências do avô, Licurgo se preocupa


em descrever o meio em que o avô atuara. Para tanto, elabora algumas
incursões para caracterizar Lages, observações que incluem também a
escolarização:

Mas vale observar que esta minúscula cidade, nas


três últimas décadas de 1800, já mandava seus
jovens filhos fazendeiros, estudar no mais famoso
colégio do sul do Brasil, o Colégio Conceição, de
São Leopoldo (RS) tornando-se, assim, nas duas
ou três primeiras décadas do século passado, o
maior centro cultural de Santa Catarina, logo após
80

Florianópolis. O Colégio Conceição atraía alunos


até de São Paulo e do Rio, destacando-se deste
último, José do Patrocínio Filho, que foi aí colega
de classe dos lageanos Otacílio Costa, Indalécio
Arruda, Walmor Ribeiro, Paulino Athayde e
Bebiano Lima (COSTA, 2003, p. 24).

Dos nomes acima citados, consta o de Otacílio Costa, pai de


Licurgo. O avô, João Costa, não teve acesso a tal formação escolar
institucionalizada, no entanto, a instrução que recebera, tendo sido
escolarizado na fazenda dos próprios pais, foi suficiente para torná-lo
professor particular de muitos outros filhos de fazendeiros. O que
demonstra a preocupação com a escolarização como um capital familiar,
mais do que isso, trata-se de uma questão de distinção. Em suas
pesquisas, Pierre Bourdieu argumenta que as práticas culturais,
juntamente com as preferências em assuntos como educação, arte,
política, entre outros, estão ligadas ao nível de instrução, submetidas ao
volume global de capital acumulado, aferidas pelos diplomas escolares e
à herança familiar. Assim sendo, a família e a escola funcionam como
espaços instituidores de competências necessárias aos agentes para
atuarem nos diferentes campos. Deste modo, é possível observar as
condições da construção do capital cultural e escolar do Licurgo, de
certa forma, uma herança distinta (BOURDIEU, 2007)
Nota-se, aliás, uma forte referência da prática da leitura no espaço
privado da família de Licurgo, conforme verificado em várias passagens
de suas memórias:

Além disto, meu pai era grande comprador de


livros editados pela casa Lello, do Porto
(Portugal), e contava com boa biblioteca. Tinha as
obras completas de Camilo Castelo Branco, Eça
de Queiroz, Alexandre Herculano, Guerra
Junqueira, Júlio Dantas, e ainda livros em
espanhol “Don Quijote”- e em francês.
Eu, pelos 12 ou 13 anos, comecei a mexer na
biblioteca do velho e me entusiasmei com Camilo,
mas quando descobri o Eça não o deixei mais.
Dele, o que mais me seduziu foi “Prosas
bárbaras”, que ainda hoje releio com vivo prazer,
no mês de julho de cada ano, quando me entrego
apenas às releituras dos meus livros preferidos,
entre os quais os do Eça, como os Maias e A
Relíquia (COSTA, 2002, p. 36).
81

Percebe-se, nesse meio social, a prática da leitura e o acesso a


obras literárias clássicas, o que indica um costume familiar reproduzido
na educação dos filhos, na construção dos gostos. É fundamental
considerar a formação intelectual recebida por Licurgo, assim como as
relações que tecera e o ambiente em que fora educado. São aspectos que
denunciam profundamente o que se configura como capital social (isto
é, a rede de relações no local de nascimento), cultural (os sentidos,
valores e referências adquiridos nas relações sociais e ao longo das
experiências vivenciadas) e escolar (também transmitido em âmbito
familiar). A escolarização e a produção das referências estéticas e
culturais resultam da rede social da qual fizera parte. Bourdieu considera
que o gosto e as práticas culturais são resultados de um feixe de
condições específicas de socialização. É nas experiências dos grupos e
dos indivíduos que se pode apreender a composição do gosto, das
escolhas culturais, das referências que compõem a formação do eu
(BOURDIEU, 1998, p. 67).
Depois de circular pelas bucólicas ruas de Lages, de
compartilhar, embora ainda muito jovem, das redes de sociabilidade
lageanas, Licurgo seguiu rumo à Florianópolis em busca de uma
formação escolar mais apropriada ao interesse de seu grupo social:

Dos 13 aos 15 anos frequentei o Ginásio


Catarinense, em Florianópolis, então considerado
um dos melhores do Brasil, o que espero também
aconteça agora. Naquele tempo eram numerosos
os alunos internos vindos do Rio Grande, do
Paraná e de São Paulo. Lageanos éramos uns
quinze, a maior representação regional do Estado
e muito unida. Quase todos filhos ou netos de
fazendeiros da Região Serrana... (COSTA, 2002,
p. 34).

Em 1918, aos treze anos de idade, foi enviado para estudar no


Ginásio Catarinense (atual Colégio Catarinense), espaço destinado à
formação de varões bem-nascidos. Nessa época, Florianópolis (ou a
antiga Nossa Senhora do Desterro, nome da capital catarinense antes da
Revolução Federalista ocorrida na última década do século XIX) era
uma cidade provinciana que vivia uma intensa transformação urbana e
social. A Desterro com a qual o jovem “deslumbrou-se ao ver o mar”
(COSTA, 2002, p. 32), era uma cidade em transformação, assim como
82

seu agreste lageano. Ruas, praças, pessoas e mudanças em sintonia com


os desejos de civilidade de então. Sonhos e expectativas sociais e
culturais já circulavam na ilha anos antes dos primeiros ares
republicanos. Com a República, não somente as ideias e as paixões
políticas, mas também os espaços foram delineados. A população pobre,
que não contava com o refinamento necessário para a realização desse
anseio por estética, limpeza e organização, que fazia parte da
reorganização do espaço proposta pelo poder público, foi retirada das
ruas centrais de Florianópolis. Um ambiente com ideias de urbanização
e desenvolvimento em contraste com uma população muito plural, que
incluía comerciantes, damas da sociedade, lavadeiras, soldados, ex-
escravos, meretrizes e tantos outros a circular nas mesmas poucas ruas,
algumas reformadas, outras não. Nessa composição de cidade, Licurgo
foi interno do Ginásio Catarinense entre 1918 e 1920, escola dos
meninos das elites de Santa Catarina.
Ao contextualizar a criação do Ginásio Catarinense em
Florianópolis em 1905, período em que Vidal Ramos era governador do
Estado, é visível a sua ação em prol da fundação do educandário. Ele, na
condição de egresso do Ginásio Nossa Senhora da Conceição no Rio
Grande do Sul, como muitos outros políticos republicanos, procurou
estreitar as relações com os jesuítas: “Apoiado pela elite política e pelo
clero romanizado, viabilizou a fundação do colégio dos jesuítas em
Florianópolis, subvencionado pelo poder público” (DALLABRIDA,
2001, p. 46). Essa atitude foi reconhecida, inclusive, por Hercílio Luz,
que em discurso oficial, em um ato simbólico da fundação do Ginásio,
em 4 de janeiro de 1906, creditou a Vidal Ramos a iniciativa de fundá-
lo. Vidal Ramos, em seu segundo mandato como governador (1910-
1914), realizou a primeira reforma do ensino em Santa Catarina, ao lado
do educador Orestes Guimarães. Isso possibilitou a abertura de escolas
por todo o Estado na segunda década do século XX, permitindo o
desenvolvimento e o progresso em regiões geralmente esquecidas pelos
demais governantes que representavam, na maioria das vezes, a
burguesia comercial do litoral.
Nesse período, a capital de Florianópolis, era também cenário de
práticas sociais intelectuais. O historiador Felipe Matos (2014), em sua
já citada tese de doutorado, Armazém da Província: Vida Literária e
Sociabilidades Intelectuais em Florianópolis na Primeira República,
desenvolve um pertinente estudo sobre o campo cultural da cidade
durante a Primeira República, com destaque para as relações culturais e
práticas sociais vivenciadas pela elite literária local. Ao analisar os
83

espaços de sociabilidade intelectual dos indivíduos desse meio, Felipe


identificou o Ginásio Catarinense como um desses lugares:

Percebe-se nestes jovens um impulso de


participação política na esfera pública fomentada
pela própria cultura escolar do Ginásio
Catarinense, voltada à distinção social, ao
refinamento estético, à desenvoltura verbal
pública dos alunos (MATOS, 2014, p. 52).

A passagem pelo Ginásio Catarinense tornou-se uma importante


opção dos meninos bem nascidos, pois oferecia uma escolarização que
os preparava para o exercício do poder, para o espaço público, além de
certo refinamento cultural, reproduzido também em outros espaços.
Apesar de Licurgo ter sido interno do Ginásio em um tempo marcado
por significativas movimentações literárias na ilha de Santa Catarina,
não há vestígios de seu envolvimento nesses movimentos intelectuais.
O historiador Norberto Dallabrida (2001), em sua tese de
doutorado, desenvolve um estudo sobre a escolarização das elites
masculinas na Primeira República. Os estudantes da Região Serrana de
Santa Catarina estão presentes em sua abordagem:

Os filhos dos latifundiários pecuaristas do


Planalto Serrano, especialmente de Lages, São
Joaquim e Campos Novos, formaram um grupo
ginasial pequeno e regular. Em verdade, os
serranos foram os primeiros e o maior grupo
social catarinense que recebeu a educação
jesuítica: desde as últimas décadas do século XIX
no ginásio da Conceição e, posteriormente, no
colégio da capital catarinense. Entre as famílias
lageanas, os Ramos e os Costa tiveram freqüência
notável (DALLABRIDA, 2001, p. 235).

Depois da Capital, foi Lages o município que teve


maior número de alunos. Além de ser o maior
município catarinense, Lages vivia a pujança
econômica ligada à pecuária e tinha visibilidade
na política estadual, particularmente com as
famílias Ramos e Costa (DALLABRIDA, 2001,
p. 239).
84

O grupo escolar que tinha mais identidade sócio-


cultural era aquele formado pelos serranos,
geralmente descendentes de luso-brasileiros e
filhos de pecuaristas (DALLABRIDA, 2001, p.
240).

Norberto acentua o destaque da família Costa pelos corredores do


Ginásio Catarinense, com ênfase na família Costa:

A família Costa, que teve atuação política


destacada, mas ocupando cargos-chaves de
assessoria e, por isso, com menos visibilidade no
cenário político, também confiou à educação de
seus filhos aos padres jesuítas. Caetano Costa,
líder político em Lages e secretário geral do
Estado de Santa Catarina nos governos de Vidal
Ramos, e Joaquim Costa, chefe de gabinete destes
governos e fiscal federal do Ginásio Catarinense
por vários anos, estudaram no Ginásio Conceição.
Os filhos do primeiro, Cesár Vieira da Costa e
Caetano Costa Junior, concluíram o curso ginasial
no colégio jesuíta da capital catarinense
(DALLABRIDA, 2001, p. 235).

Os nomes acima são de tios e primos de Licurgo. A escolarização


masculina caracterizava-se como uma forma de sociabilidade e de
provável ascensão profissional e política. O anseio era comum aos
Costa, descendentes do João José Theodoro da Costa. Ainda segundo
Dallabrida, é possível identificar o meio social e cultural onde as
relações se davam nesse espaço escolar do Ginásio Catarinense:

À Luz das informações da profissão e da posição


social dos pais dos formados, pode-se constatar
que a população escolar do Ginásio Catarinense
era formada por filhos das elites e frações das
classes médias. A grande maioria do alunado
pertencia às camadas abastadas da sociedade
catarinense como os comerciantes, pecuaristas,
empresários, funcionários públicos de médio e
alto escalão, profissionais liberais. Mesmo entre
os alunos que não concluíram o curso secundário,
mas freqüentaram o colégio, que abandonaram ou
concluíram o curso ou os exames preparatórios
85

em outro instituto de ensino secundário, pode-se


verificar o pertencimento aos estratos sociais
privilegiados. Entre outros, pode-se citar o caso
do alto funcionário federal Licurgo Ramos da
Costa e do desembargador Belizário Ramos da
Costa - filhos do pecuarista e político Octacílio
Costa -, dos médicos Polydoro Ernani de São
Thiago, Saulo Ramos e Osvaldo Rodrigues
Cabral, dos políticos e escritores Othon Gama
d´Eça e Laércio Caldeira de Andrade, do
jornalista e professor Ruben Lima de Ulysséa, dos
advogados e políticos Carlos Gomes de Oliveira e
Rubens de Arruda Ramos, do geógrafo e escritor
Victor Peluso Júnior (DALLABRIDA, 2001, p.
238).

Pelos corredores do Ginásio Catarinense circulavam os mais


abastados de Santa Catarina e, entre estes, estavam os seletos varões da
Serra Catarinense. Era um espaço escolar apenas destinado aos meninos,
que seriam os homens públicos. Nesse cenário, Licurgo estudou com os
meninos. Os estudantes eram oriundos de diferentes regiões de Santa
Catarina e, alguns, até de outros estados. Os meninos da Serra
Catarinense formavam o seu distinto grupo entre os demais:

Não nos misturávamos muito com os outros


internos, não por qualquer prevenção, ou
antipatia, mas porque cultivávamos os nossos
assuntos, nossos causos de fazenda, lida de gado,
histórias de carreadas (COSTA, 2002, p. 34).

Peculiaridades do cotidiano vivenciado na Serra tornavam-se, de


fato, sinais diacríticos, signos de uma identificação, do estabelecimento
de fronteiras internas e externas ao grupo de origem, da afinidade com
as coisas experimentadas no agreste, tais como:

A nossa lida de todos os dias era duríssima. Para


não entrar em pormenores que alongariam demais
esta conversa, direi que fora dos estudos, a partir
dos 7 anos trabalhávamos na lavoura, indo ao
potreiro grande, hoje bairro Frei Rogério, buscar
as vacas, sair quase de madrugada, inverno e
verão para comprar pão e três vezes por semana
ao açougue buscar um quilo e meio de carne, de
86

preferência bem gorda, cortar lenha para o fogão,


fazer fogo de manhã, buscar água na cacimba. A
mim, o mais velho, cabia o pior de tudo, que era
logo ao levantar-me, ir buscar o pão para o café
com leite da manhã. Lembro-me que no inverno,
de chinelinho sem meia, calça de franela e camisa
de baeta grossa, eu enfrentava a geada espessa, de
mãos nos bolsos e com uma cesta de fibras de
taquara ou gerivá, colorida, enfiada no braço
direito. Não sei como agüentava aquelas
caminhadas no amanhecer, às vezes com a
temperatura de 4 a 5 graus abaixo de zero
(COSTA, 2002, p. 32-33).

Embora fosse filho de um latifundiário, as lidas diárias não eram


aliviadas. Isso não significa salientar que os estudantes litorâneos do
Catarinense não fossem expostos às rotinas de trabalho familiares, não é
possível afirmar nada sobre tal assunto. No entanto, observa-se, nas
palavras de Licurgo, o quanto esse cotidiano de “piá serrano” era
influenciado pela questão climática, as baixas temperaturas, e pelas
atividades econômicas, nesse caso, a criação de gado. É possível
entender, assim, que os meninos da Serra tinham entre si bem mais que
uma região em comum. Há todo um conjunto de costumes e
entendimentos construídos em um mesmo lugar social. Em suas
memórias, Licurgo relata a sua trajetória escolar em Lages:

Aos seis anos, porque estava cada vez mais


traquinas (“Tacílio, é preciso dar um jeito nesse
piá, ninguém mais agüenta suas travessuras e a
vizinhança já anda meio arreliada”), fui posto
semi-interno no colégio das irmãs da divina
providência, só de meninas. Levei um ano naquela
boa vida e, em seguida matriculado no grupo
escolar Vidal Ramos, a matrícula número 1, em
homenagem ao meu avô Belizário,
superintendente municipal. Entrei para o segundo
ano - sob a pachorrenta regência do professor
Pedro Cândido - clarineta da orquestra Harmonia
Lageana. Quando passei para o quarto ano fui
mandado para o colégio dos padres franciscanos,
para não ficar sobre a regência do professor João
Antônio de Oliveira Henriques, que diziam
87

tuberculoso em último grau (COSTA, 2002, p.


33).

Dentro da perspectiva de uma formação adequada aos interesses


do meio familiar ao qual Licurgo pertencia, foi enviado para o Ginásio
Catarinense para realizar seus estudos, lugar onde recebeu dos jesuítas
uma distinta escolarização. Esse espaço foi fundamental na formação de
suas relações sociais e culturais, pois foi nele que a convivência em
piqueniques, grêmios literários, jogos, teatros e muitas outras atividades
para além da sala de aula, proporcionou a construção de um próspero
acúmulo de capital social e cultural, muito significativo nas trajetórias
profissionais dos jovens que passaram por essa instituição
(DALLABRIDA, 2001, p. 42). “Todo o ensino, e mais particularmente
o ensino de cultura (mesmo científica), pressupõe implicitamente um
corpo de saberes, de saber-fazer e sobretudo de saber-dizer que constitui
o patrimônio das classes cultas” (BOURDIEU; PASSERON, 1985, p.
36). Eis um exemplo da escolarização como uma estratégia de
reprodução social. Logo, é notável, na trajetória do Licurgo, a força da
herança cultural experimentada no ambiente familiar e reproduzida no
meio escolar e profissional.
Embora o autor venha de uma família que desfrutou de
representatividade política em Santa Catarina durante o século XX, o
mesmo não ocorreu, com similar intensidade, no campo cultural, como
na ACL e no IHGSC. Licurgo, durante a escolarização em
Florianópolis, era um dos representantes do grupo regional da serra
catarinense e também contemporâneo dos movimentos literários de
Florianópolis. Apesar disso, não menciona em suas memórias as
manifestações literárias e culturais da capital catarinense nesse período.
Ao abordar as sociabilidades intelectuais em Santa Catarina no recorte
temporal das primeiras décadas republicanas, dedica-se a enfatizar
Lages como “a capital cultural do estado”, em virtude de seu grupo
social e dos movimentos empreendidos por tal grupo: escrever nos
jornais, organizar clubes literários, carnavais, manifestações teatrais, etc.
Apesar desse investimento de memória voltado a destacar o meio
cultural lageano, vale ressaltar que, para adquirir os dispositivos
necessários para essa formação intelectual, a maioria dos rapazes
lageanos com condições econômicas, tinham de abandonar o “ninho”
em busca de escolarização e interação com outras redes sociais para
mediar a conexão com outras práticas culturais.
Depois de Florianópolis, a mando do Pai, Licurgo foi para o Rio
de Janeiro, a então capital federal:
88

Nas férias de 1920 para 1921, meu pai me avisou


que eu não voltaria para Florianópolis e aquela
resolução inesperada me causou alguma tristeza.
Nunca soube das suas razões porque, pela nossa
formação lageana, não se discutiam ordens
paternas. Perguntei à minha mãe, que alegou
ignorá-las. E até hoje não sei por que naquele
começo de fevereiro de 1921, desembarquei,
sozinho, na Capital Federal, como também se
chamava o Rio de Janeiro (COSTA, 2002, p. 34).

Licurgo desembarcou na Capital Federal, uma cidade com


espaços de intensas sociabilidades. A interiorização dos bens culturais
promovida no seio familiar e a socialização desses bens reafirmada na
escolarização funcionarão como dispositivos de interação social à sua
ascensão profissional no Rio de Janeiro dos anos 1920. Na fabricação da
memória de si, Licurgo também narrou seu percurso no Rio de Janeiro e
nos corredores do Itamaraty. De certa forma, esse movimento do trajeto
para além de Santa Catarina representa uma ruptura com o cenário
regional. Todavia, as experiências de Licurgo nesse trajeto irão resultar
na produção de um ethos cosmopolita, muito utilizado como recurso
para retornar à terra natal, mais de meio século depois.
89

CAPÍTULO 2
A TRAJETÓRIA ALÉM DE SANTA CATARINA

Ao retornar para Santa Catarina na década de 1970, Licurgo


construiu uma memória familiar, territorial e própria. A cada uma dessas
dimensões de memória, responde por estratégias, de forma que, ao
analisar o papel que a escrita do Continente ocupa em sua trajetória,
observa-se um investimento na produção de uma memória sobre Lages,
com destaque especial para algumas famílias, entre os quais, os Ramos e
os Costa. Trata-se de uma escrita memorialística que se reveste de uma
intenção reparadora e que confere a Lages um lugar no repertório
simbólico catarinense, ao mesmo tempo que deseja a autoridade
historiográfica que deverá projetar o autor como intérprete da história de
Lages. Licurgo investiu também, e constantemente, na construção de
uma memória monumento em torno da própria trajetória, o que pode ser
entendido como um recurso para projetar-se e tentar angariar algum
prestígio em terras catarinenses.
No entanto, investigar essa trajetória permite, além de observar a
construção de uma “memória monumento”, analisar a capitalização de
experiências na constituição de um Licurgo que agrega a Lages um
gradiente de universalidade, devido à sua trajetória internacional e junto
às altas esferas de poder. Averiguar o caminho percorrido pelo autor,
além das terras catarinenses, proporciona um entendimento dos vínculos
entre os clãs familiares Ramos Costa e de Getúlio Vargas, os arranjos
em busca de um posto de trabalho e ascensão, as relações sociais em um
meio cultural e político, algumas glórias e decepções que fogem ao
esplendor de um passado intocável, sobretudo a reclamação por nunca
sido embaixador. Desta forma, o presente capítulo realiza uma
abordagem sobre a vida de Licurgo no Rio de Janeiro na década de 1920
e seu trabalho como jornalista, a Era Vargas e sua relativa ascensão
profissional nos 1930, e as relações construídas nos anos em que atuara
no Itamaraty, a partir da década de 1940.

2.1 O RIO DE JANEIRO NOS ANOS 1920

Em 1921, ao invés de retomar os estudos em Florianópolis, o pai


de Licurgo o enviou para o Rio de Janeiro. Com apenas dezesseis anos
de idade, o jovem lageano desembarcou na Capital Federal, uma cidade
90

efervescente, de muitas sociabilidades. O historiador Nicolau Sevcenko


refere-se ao Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XX como “a
capital irradiante”, visto que se tratava de um grande centro cultural,
sede administrativa da República, uma cidade que atraia pessoas dos
mais diversos lugares (SEVSCENKO, 2001, p. 522). Era um cenário de
transformações urbanas, palco de discussões artísticas e literárias sobre
o Brasil e as questões nacionais.

Figura 8: Avenida Rio Branco, centro do Rio de Janeiro em 1920


Fonte: acervo do Arquivo Nacional

As memórias de Licurgo denotam o êxtase com a cidade:

Cheguei ao Rio de Janeiro numa tarde de terça-


feira de carnaval, em princípios de 1921. Tantos
anos decorridos não posso recordar exatamente as
emoções do primeiro contato com uma cidade
enlouquecida pela música, pelas fantasias
coloridas, pela chuva de confetes e serpentinas e,
sobretudo, pelas fragrâncias indescritíveis dos
lança-perfumes. Era demais para o pobre caipira
que uns dez dias antes ainda saia de pé no chão,
para buscar as vacas no potreiro grande.
Mas apenas deixei a humilde mala na pensão de
Dona Maricas, para onde fora consignado por um
primo prestimoso que estudava medicina no Rio, e
91

me mandei orientado pelo rumo das estrondosas


músicas carnavalescas, para a Avenida Central, de
onde,não sei como, cai num baile da Praça
Tiradentes, no antigo teatro Carlos Gomes. Fiquei
deslumbrado com a alegria, a graça do ambiente
que depois soube ser formado, na maioria, por
gente de teatro. Voltei, com alguma dificuldade
em localizá-la, para a pensão, no clarear do dia de
quarta-feira de cinzas, para o grande espanto de
Dona Maricas que me recebeu sorrindo e dizendo:
“Menino, você promete...” (COSTA, 2002, p. 38).

Os encantos dessa cidade metrópole, capital política, cenário


cultural denso e intenso, ganharam espaço nos registros das memórias
do menino do interior, em uma época marcada por profundas
transformações no cenário nacional. As vivências e as afetividades
experimentadas nesse período dão sentido a certos traços do caminho do
autor, como o gosto pelas artes e o aprimoramento estético. Um lugar de
sociabilidades culturais, intelectuais e artísticas, que em seus registros
de memória era comparado a Paris:

O Rio era, como a Paris de Ernest Hemingway,


uma festa. Oito teatros de revistas e comédias, seis
cinemas também no centro da cidade, temporada
anual de três meses de óperas, meia dúzia de
cabarés, todos com jogos, duas vezes por ano
largas temporadas de companhias francesas de
“vice de Villes” e “Variétes” – três ou quatro
companhias portuguesas de revistas, conjuntos
espanhóis, também de teatro, e até um mexicano,
famosíssimo, a Companhia de Operetas Esperanza
Iris, além de concertos de piano, violino e de
cantores famosos. Tudo isso constituía um
conjunto de atrações quase atordoantes.
O Rio copiava Paris e eu tinha a impressão, no
meu transbordante entusiasmo, de que não haveria
nada no mundo comparável aos encantos das
madrugadas cariocas, amenizadas sempre pela
brisa que vinha do mar ou, segundo a hora,
soprava da terra. A Avenida Central, com as suas
luminárias de cinco focos, refletidos no asfalto
reluzente da umidade dos carros – pipas que a
lavavam diariamente, depois da meia noite,
lembrava gravuras parisienses da Avenida da
92

Ópera ou dos Campos Eliseus, que eu não cansava


de admirar na La illustration que meu pai assinava
(COSTA, 2002, p. 39-40).

É possível entender o Rio de Janeiro dos anos 1920 como uma


arena cultural69, um ambiente propício a interações artísticas e estéticas,
além, é claro, de toda uma dinâmica de relações políticas, afinal, tratava-
se da capital federal, sede administrativa do Brasil, palco de muitos
episódios e decisões. Licurgo foi para o Rio matricular-se no Colégio
Pedro II e fazer os exames preparatórios para ingressar na faculdade de
medicina. Algo que não aconteceu exatamente assim, pois acabou
cursando farmácia e, anos depois, direito. Além disso, ele se considerava
um estudante um tanto relapso a lutar contra “as tentações oferecidas
pela cidade que me deslumbrava desde que desembarquei no cais do
porto” (COSTA, 2002, p. 39).
O jovem Licurgo foi para a capital estudar e deu conta do
empreendimento. Entretanto, os recursos financeiros enviados pela
família não eram abundantes, de tal forma que, em 1922, antes de
ingressar na faculdade, começou a trabalhar em um jornal chamado A
Pátria. O proprietário era o deputado mineiro Francisco Valladares,
mais conhecido como “Chico Labareda” (COSTA, 2002, p. 41). O
responsável por intermediar o emprego foi Edmundo da Luz Pinto70, a
pedido do pai de Licurgo.

69
“Do ponto de vista analítico, a cidade, enquanto ‘arena cultural’, é
compreendida como um espaço dotado de variados e até, contraditórios sentidos
sociais, que convivem lado a lado, tendo sido construídos e consolidados ao
longo do tempo. Esse espaço é, portanto, produto e produtor das ações dos
atores individuais e coletivos que nela vivem. Dito de outra forma, investigar
quaisquer manifestações culturais sob a ótica do urbano é trabalhar com a
cidade enquanto um campo de possibilidades que delimita as escolhas
realizadas por seus atores, dando a elas significados apreensíveis pelas próprias
experiências por eles compartilhadas” (GOMES, 1999, p. 23).
70
Bacharel em direito e diplomata, tornou-se sócio da Academia Catarinense de
Letras em 1963, alguns meses antes de falecer. Apesar de ter nascido no Rio de
Janeiro em 1898, a família era de Santa Catarina. Era primo-segundo de
Hercílio Luz, um dos grandes expoentes do cenário político catarinense durante
a Primeira República. Edmundo da Luz Pinto foi deputado estadual em Santa
Catarina por 3 vezes (1919-1921, 1922-1924 e 1925-1927), e por duas vezes
deputado federal pelo Partido Republicano Catarinense (1927-1929 e 1930-
1932). Sobre ele, Licurgo publicou um livro intitulado O Embaixador de Ariel,
breve notícia sobre a vida de Edmundo da Luz Pinto, o mais fascinante
93

Lembro-me perfeitamente do meu “vestibular”


para ser admitido no grande matutino, fundado
havia poucos anos por João do Rio, falecido em
1921. Era uma tarde de 9 de novembro de 1922,
véspera do quarto aniversário da assinatura do
armistício que pôs fim à primeira conflagração
mundial. José Bezerra de Freitas, secretário da
redação, a quem Valladares me apresentara,
mandou-me escrever uma nota sobre o grande
acontecimento, entregando-me um livrinho em
francês, com o registro do fato. Animado,
entusiasmado com a conquista que havia feito,
numa época em que era muito difícil conseguir
colocação na imprensa do Rio, sempre com uma
imensa e aguerrida fila de nortistas candidatos a
qualquer vaga, não percebi a malícia do
secretário, entregando a uma foca que a apenas
um mês havia completado 18 anos, tinha cara de
15, e que nunca havia trabalhado em jornal, a
responsabilidade de escrever sobre um ato de
evidente importância histórica, assunto para um
dos editorialistas da casa. Li e reli o capítulo,
ainda por cima sem o auxílio de dicionário, e
depois com uma caneta e pena de molhar no
tinteiro, enchi umas dez laudas de papel, de uns
dois palmos cada e entreguei-as a Bezerra de
Freitas, que me dispensou recomendando-me
voltar no dia seguinte, às 4 horas da tarde
(COSTA, 2002, p. 41-42).

Observa-se, nessa memória, o registro sobre a “aguerrida fila de


nortistas”, ou seja, a notável disputa pelos postos passíveis de serem
arranjados para os filhos das oligarquias estaduais. Mais do que isso, é
preciso considerar que os “nortistas” também faziam o mesmo percurso
de reconversão de capital social e escolar que Licurgo, pois chegavam à
capital para trabalhar como chefes de gabinete, editores de jornais, entre

intérprete oral do Brasil no século XX, em 1999, pela Editora Insular, como
uma forma de homenagear o centenário de Edmundo e, de certa forma, projetar-
se ao escrever sobre o referido personagem. Quanto à relação de Edmundo da
Luz Pinto com o deputado mineiro Francisco Valladares, não foi possível
localizar vestígios investigativos, ou seja, fontes que definam com maior
exatidão os contornos objetivos desse contato.
94

outras atividades, as quais, de certa forma, estabeleciam uma conexão


entre a função dos intelectuais e o campo da política. Se a concorrência
entre as oligarquias estaduais era acirrada, então, os trunfos políticos da
família de Licurgo Costa eram eficientes, já que ele adentrou no
jornalismo a partir do contato com o referido Edmundo da Luz Pinto,
que pertencia ao Partido Republicano Catarinense, o mesmo partido dos
Ramos e dos Costa.
Quanto à matéria escrita pelo autor, foi publicada no dia seguinte,
na primeira página. Ele conseguiu o emprego, não exatamente como
jornalista, pois ficou trabalhando mais de seis meses no setor de
telegramas. Algum tempo depois, assumiu, “de repente,
inesperadamente”(COSTA, 2002,p.42), a seção de política como
repórter parlamentar, conforme ele próprio mencionou. Não registrou
com maiores detalhes as circunstâncias dessa transição. Vale ressaltar
que trabalhar como jornalista no Rio de Janeiro da época era um
caminho oportuno para estabelecer contatos e arranjos sociais em busca
de ascensão profissional e até mesmo política. Licurgo trabalhou uns
três anos no jornal do senhor Valladares, muitas vezes, ouvindo as
broncas e os corretivos do político, proprietário do jornal. Assim
começou a vida de jornalista, um jovem de aproximadamente 19 anos, a
fazer a cobertura política do que acontecia na Câmara dos Deputados
Federais, ou seja, atuava quase que no “coração” da vida política
brasileira naquela turbulenta década. É considerável a pertinência da
Assembleia Legislativa na vida de Licurgo, não apenas como um lugar
político, mas uma arena cultural e social, um espaço oportuno para
construir relações. Nesse mesmo espaço e contexto, mencionou o quanto
circulavam por lá bons oradores, dotados de boa cultura, figuras com as
quais muito dialogava, afinal, era repórter parlamentar. Nessa lista
incluem-se Lindolfo Collor71, sobre quem escreveu um ensaio
biográfico publicado em 1990, o já citado Edmundo Pinto da Luz, além
de outros parlamentares72.

71
Licurgo escreveu uma biografia intitulada: Ensaio sobre a vida de Lindolfo
Collor. Florianópolis: Editora Lunardelli, 1990.
72
Ruy Barbosa, Lauro Müller, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, Afrânio de
Mello, João Luís Alves, Afonso Pena Junior, Getúlio Vargas, Gilberto Amado,
Costa Rego, João Neves da Fontoura, Júlio Prestes, Flores da Cunha, Carlos de
Campos, Cincinato Braga, Maurício de Lacerda, Augusto de Lima, Ildefonso
Simões Lopes, Pandiá Calogerás, Francisco Valladares, Otávio Mangabeira,
entre outros (COSTA, 2002, p. 46).
95

É notável, nas memórias de Licurgo, o esforço em somar à sua


passagem pelo Rio de Janeiro uma proximidade com o cenário cultural.
Observa-se um investimento em agregar a essas memórias um
determinado capital simbólico (muito utilizado como recurso no retorno
para Santa Catarina) em torno das possíveis relações travadas com
personalidades. No entanto, para analisar as redes de relações
mencionadas por Licurgo no contexto carioca dos anos 1920, convém
recorrer ao estudo realizado por Angela de Castro Gomes, em seu livro
Essa gente do Rio... Modernismo e Nacionalismo73, no qual ela realiza
uma investigação sobre os intelectuais que viveram no Rio de Janeiro
nas primeiras décadas republicanas. A autora argumenta que a cidade,
nesse período, era um lugar de atração de intelectuais que vinham de
diversas partes do Brasil. Era também um espaço de encontro que
agregava diferentes estilos e valores, que proporcionava a construção de
uma rede de sociabilidade onde articulações aconteciam entre os que
viviam na capital com outras regiões do país. (GOMES, 1999, p. 19). E
é esse cenário, mais que o Rio do carnaval e da capital política
administrativa, uma arena de intelectuais a pensar o Brasil. É nessa
dimensão da cidade que Licurgo busca situar suas memórias sobre a sua
vida no Rio de Janeiro, tanto que as intitula como “A vida cultural pulsa
no Rio” (COSTA, 2002, p. 50). Em um rascunho de um texto localizado
na pasta Licurgo Costa da ACL, consta o seguinte registro.

Eram, para mim, aqueles dourados e inesquecíveis


tempos de fascinação pelo iluminismo da Capital
Federal, em que eu, tanto pela audácia como pelo
prazer de cultivar amizades, circulava em grupos
de gente de variada idade, porém reunida numa
faixa comum de pontos de vista e qualidade
intelectual.74

Licurgo não esclarece exatamente qual seria essa “faixa comum


de ponto de vista e qualidade intelectual”. No entanto, é possível
identificar nele, nesse momento, um jovem com certa ilustração cultural
a viver as influências do meio onde convivia. Certamente, essas
experiências e trocas sociais exerceram seu devido peso na ascensão
profissional do jovem jornalista, na medida em que teceu várias

73
GOMES, Angela de Castro. Essa gente do Rio... Modernismo e
Nacionalismo. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999.
74
Pasta Licurgo Costa, acervo da Academia Catarinense de Letras.
96

relações, que foi contaminado por esse “ethos sociocultural”75. É


importante destacar que nessa mesma época descrita por Angela de
Castro Gomes, Licurgo já trabalhava nos jornais, circulava pelas
editoras, bares, confeitarias e salões, fazia parte desse universo,
contaminado pela “vida cultural que pulsa no Rio”.

Quando cheguei no Rio de Janeiro a vida cultural


da cidade era intensa, como já assinalei no
começo deste livro. Os fantasmas de Bilac, Emílio
de Menezes, Paula Ney, Cruz e Souza, Luis
Delfino, Machado de Assis e tantos outros, ainda
povoavam os tradicionais pontos de convergência
dos jornalistas, escritores, poetas, artistas ou
simples boêmios profissionais. Minha entrada
para uma redação prestigiosa como a de A Pátria,
viveiro de grandes repórteres, redatores, facilitou-
me o contato com aquele ambiente que tanto me
seduzia...
Nesta fase da minha vida, ocupado em estudar,
trabalhando na imprensa e ainda perambulando
com os companheiros de redação pelas
madrugadas adentro, na boemia dos bares e
cabarés ou mesmo caminhando sem rumo pelo
centro da cidade com eles, nem sei como achava
tempo para ir às conferências das grandes
personalidades internacionais que passavam pelo

75
Angela de Castro Gomes, ao investigar a intelectualidade carioca nas
primeiras décadas republicanas, pontua o seguinte: “Portanto, conhecer um
certo meio intelectual em determinado momento e espaço implica,
obrigatoriamente, conhecer essa dimensão organizacional, que não é aleatória
aos significados contidos em um dado projeto cultural. No caso da cidade do
Rio de Janeiro, este texto propõe que algumas variáveis precisam ser
consideradas fundamentais para a análise da dinâmica do campo intelectual,
especialmente sob o enfoque das relações entre tradições e projetos estético –
políticos desenvolvidos ao longo dos anos 20, 30 e 40. A primeira é de a cidade
abrigar, por sua situação de capital da Corte e da República e, como
decorrência, por seu estimulado e crescente aprimoramento urbano, um ethos
sociocultural materializado tanto no esplendor dos ‘salões’ das residências de
políticos e intelectuais, como na luminosidade das ‘ruas’, plenas de vida
boêmia. A ‘casa’, no espaço específico de transição entre o público e o privado
que é o salão, e a ‘rua’, espraiada em lugares como bares, confeitarias, editoras
e jornais, conformavam dinâmicas distintas mas complementares e necessárias à
comunicação intelectual” (GOMES, 1999, p. 27).
97

Rio, e ainda conseguia, duas ou três vezes por


semana, me meter na Biblioteca Nacional para ler
livros que eu não podia comprar. 76

O estudante e jornalista Licurgo foi também um boêmio,


conforme se pode observar em suas memórias, amigo das “gentes de
teatro”, como ele próprio se referiu, fascinado pelos meios literários,
artísticos e intelectuais. Em síntese, os espaços também formadores do
seu ethos cosmopolita. O gosto pelas artes tinha tal intensidade a ponto
dele trabalhar como figurante de alguns espetáculos, que eram muito
caros, de modo que assim ele encontrava uma forma de poder assisti-los.
O Teatro Municipal do Rio de Janeiro recebia óperas europeias com
espetáculos clássicos de música erudita.

Havia nas faculdades cariocas um grande grupo


de estudantes gamados pela música clássica e
interessados em assistir, pelo menos as mais
famosas óperas, ou melhor, os mais famosos
cantores. A solução, naturalmente, seria “as
torrinhas”, as galerias, mas também eram
caríssimas. Pressionamos por todos os meios o
empresário Mocchi, do Municipal, para obtermos
uma redução: ofereceu a uns 50 estudantes a
participação, nas óperas que exigiam elencos
numerosos no palco, na situação de comparsas e
nós aceitamos, além do mais, porque assistíamos
ao espetáculo e ainda recebíamos, por noite, cinco
mil réis. Entre as óperas de que participamos
lembro-me do “Parsifal”, com aquela multidão de
sacerdotes, todos de clâmides ou de batinas de
rústico pano, postada à direita do palco imenso
com o Santo Gral elevado, como o cálice
consagrado na liturgia católica, enquanto tenores e
sopranos se esganiçavam provocando frenéticos
aplausos de uma assistência em trajes de gala. Na
“Aida” fazíamos os soldados, na “La Bohème”, já
em menor número, mas eu estava sempre entre
eles, passeávamos de braços com coristas,
vestidos a caráter, frente às janelas floridas do
cenário representando como era uma rua
(COSTA, 2002, p. 58).

76
Pasta Licurgo Costa, acervo da Academia Catarinense de Letras.
98

Licurgo viveu os intensos anos 1920 como um boêmio varão.


Encantamentos, estudos, noites culturais e leituras. Depois de ficar por
três anos no jornal A Pátria, conseguiu uma oportunidade no jornal A
noite, por intermédio do jornalista gaúcho Leal Souza, na ocasião,
secretário do referido periódico. Na década de 1930, muitas coisas iriam
mudar. O Brasil, principalmente. Licurgo, nas ruas do Rio de Janeiro,
viverá o fim da Primeira República, a transição desse universo político
marcado pelas oligarquias rurais para um ambiente em que Getúlio
Vargas irá empreender um projeto centralizador, de controle dos
partidos regionais, que implicava negociações e acordos com as
oligarquias dos Estados. É nessa década que os caminhos de Licurgo
ganharão uma acentuada direção e dimensão. O menino do mundo
oligárquico rural vai ocupar espaços singulares a partir da ascensão de
Vargas. O autor reconhece em suas memórias o acentuado progresso
profissional a partir dessa época, passando de secretário de redação e
redator-chefe de vários jornais a diretor da Agência Nacional (COSTA,
2002, p. 43).
Cumpre notar que, além das relações sociais oriundas do mundo
oligárquico, a escolarização e certa sofisticação cultural e ilustração
intelectual tornaram-se instrumentos de força no cenário da sociedade
brasileira a partir da década de 1930. Contribui para pensar acerca desse
cenário o sociólogo Sergio Miceli que, ao analisar os intelectuais e sua
atuação entre os anos de 1920-1945, observa o recrutamento por parte
do Estado de intelectuais para trabalharem nas esferas governamentais.
É notável que, além da rede de relações sociais que mobilizavam o
preenchimento desses cargos, tornou-se necessário dispor de trunfos
escolares e culturais para concorrer no interior do campo intelectual
(MICELI, 1979, p. xix). Licurgo soube muito bem se apropriar do
capital das relações familiares e do capital escolar em prol de um lugar
ao sol.

2.2 POLÍTICA, PROPAGANDA E ASCENSÃO PROFISSIONAL

A ascensão de Getúlio Vargas à presidência da República


simboliza, na história do Brasil, uma série de eventos e transformações
que marcaram toda uma época. A trajetória de Licurgo participa desse
contexto político de forma significativa, na medida em que ocorre sua
ascensão profissional como um agente ligado aos meios de comunicação
e ao aparelho estatal de propaganda, um dos mais notáveis
99

investimentos do governo de Getúlio Vargas. É preciso registrar que o


contato com Vargas é anterior a esse período, pois Licurgo o conheceu
na Assembleia Legislativa, quando atuava como repórter político:

Conheci Getúlio Vargas, realmente, na Câmara


dos Deputados, em 1923, mas por circunstâncias
especiais cheguei a ter com ele uma convivência
muito freqüente, fora do Palácio Tiradentes, e até
uma certa intimidade (COSTA, 2002, p. 46).

De acordo com suas memórias, essas “circunstâncias especiais” e


“certa intimidade” (COSTA, 2002, p. 47) decorrem do fato de que eram
vizinhos de pensão, pois Vargas morava com a família na pensão
próxima à de Licurgo: “Aos sábados e domingos, à tardinha ele saia
com a família para caminhar ao longo da praia do Flamengo e sempre
nos encontrávamos e fazíamos juntos o vagaroso footing” (COSTA,
2002, p. 49).
Contudo, o contato com o clã de Getúlio Vargas é anterior a esse
encontro no Rio de Janeiro, já que ocorreu por ocasião da Revolução
Federalista em 1894, conflito de caráter político com repercussão
nacional, sucedido no Rio Grande do Sul, entre os anos de 1893 e 1895,
mas que se estendeu com força em Santa Catarina e também no Paraná.
Tanto as tropas que defendiam o governo republicano, os chamados
“pica-paus”, sob o comando do general Pinheiro Machado, quanto as
tropas contrárias, os federalistas, chamados “Maragatos”, sob o
comando de Gumercindo Saraiva, passaram por Santa Catarina. Em
novembro de 1894, ambas as tropas estiveram em Lages. Pinheiro
Machado hospedou-se na casa do bisavô materno de Licurgo, Vidal
Ramos Sênior, um dos nomes fortes da política imperial na região
serrana de Santa Catarina. Um dos oficiais que acompanhava Pinheiro
Machado era o Coronel Manoel do Nascimento Vargas, pai de Getúlio
Vargas. As relações estreitaram-se com as lideranças locais, tanto que o
coronel Manoel Vargas fez amizade com o avô paterno de Licurgo, João
Costa. Inclusive na condição de tesoureiro do exército republicano,
Manoel, quando chegou a Lages, encontrava-se sem recursos
financeiros, contando, então, com um empréstimo de cinco contos de
réis de João Costa, valor que, segundo Licurgo, foi pago uns dois meses
depois (COSTA, 2002, p. 48).
Esse episódio remete não apenas ao envolvimento das relações de
poder local e da política regional em eventos nacionais, mas, em
especial, à abordagem que Licurgo outorga a esse evento em seu livro
100

de memórias. No livro, apresenta-se uma reciprocidade entre os Vargas


e os Ramos, uma atitude manifesta do autor para angariar alguma
atenção de Vargas, sendo o sobrenome e o passado acionados como
recursos para conquistar essa aproximação, que apelava às disposições
políticas compartilhadas entre as oligarquias familiares:

Como todo gaúcho, o Dr. Getúlio Vargas gostava


dessas conversas sobre revoluções, Maragatos,
Pica-paus, Pinheiro Machado, Gumercindo
Saraiva e, fugindo da chatice do plenário, com
seus grandes discursos, sem maior interesse,
frequentemente me convidava para um cafezinho,
no restaurante da Câmara, onde ficávamos
recordando coisas da história de nossos Estados
(COSTA, 2002, p. 48).

Com a chamada Revolução de Trinta, ou mais apropriadamente,


o golpe de Estado que marcou o fim da República Velha77, houve
transformações profundas e a ascensão de outras forças políticas e
sociais que adentraram o cenário nacional. Em 1929, Licurgo trabalhava
nos Diários Associados, empresa de Assis Chateaubriand, na redação do
matutino O jornal. Havia sido fundado nesse mesmo ano o Diário da
noite, também de propriedade de Chateaubriand. Licurgo foi trabalhar
como repórter policial do recém-fundado jornal, mas, em pouco tempo,
foi deslocado novamente para as páginas sobre política. Os recursos
para a fundação do Diário da noite78 vieram de João Neves da
Fontoura79, com apoio da aliança liberal, que se opunha ao poder
republicano vigente em 1929. Esse jornal apoiou a candidatura de
Getúlio Vargas à presidência da República, contra Júlio Prestes,

77
Período da história política caracterizado, especialmente, pelas articulações
eleitorais em torno dos poderes oligárquicos dos Estados de Minas Gerais e São
Paulo.
78
Informações pesquisadas no seguinte endereço: http://cpdoc.fgv.br/sites/de
fault/files/verbetes/primeirarepublica/DI%C3%81RIO%20DA%20NOITE.pf
79
Nascido no Rio Grande do Sul em 1889, foi advogado, diplomata, jornalista e
político. Foi uma das lideranças da chamada Revolução de 30. Foi ministro das
relações exteriores durante os governos de Getúlio Vargas e Eurico Gaspar
Dutra. Foi também membro da Academia Brasileira de Letras. Seus estudos
iniciais se deram no Ginásio Nossa Senhora da Conceição, em São Leopoldo,
no Rio Grande do Sul, a mesma instituição que muitos lageanos frequentaram,
inclusive Otacílio Costa, pai de Licurgo.
101

candidato apoiado pelo então presidente Washington Luís. Com a


vitória de Júlio Prestes, o assassinato do vice de Getúlio, João Pessoa,
além das acusações de fraude eleitoral, deu-se inicio a um movimento
que saiu do Rio Grande do Sul em 3 de outubro de 1929, em marcha até
a capital federal. Contou com o apoio das forças políticas que faziam
oposição às oligarquias cafeeiras de São Paulo. Em novembro de 1930,
Getúlio Vargas assumiu a presidência da República. O Diário da noite
carioca80 apoiou o levante dos revoltados contra o governo federal,
dando ampla cobertura. Antes de ser deposto, Washington Luís decretou
estado de sítio, de forma que, conforme os registros de Licurgo: “no Rio
de Janeiro a Polícia Civil entrava em ação, com violência, invadindo
redações, prendendo repórteres e redatores. Por três vezes fui recolhido
ao quartel da polícia militar” (COSTA, 2002, p. 64).
Em 1929, Licurgo era redator tanto do Diário da noite quanto de
O jornal, além de concursado como 3º oficial do Ministério do Interior.
Fato é que, em um cenário de tantas turbulências, como jornalista
encarregado de assuntos políticos, empregado dos Diários Associados, a
empresa de comunicação que apoiou o movimento revoltoso, realizou a
cobertura jornalística desses acontecimentos. Embora em suas memórias
apenas tenha registrado que “quando da deposição de Washington Luís,
em 24 de outubro de 1930, fui incumbido de fazer a reportagem do seu
embarque como exilado, para a Europa, ocorrido não estou bem certo,
dois ou três dias depois” (COSTA, 2002, p. 61). A reportagem foi
publicada, entretanto, a atuação de Licurgo como jornalista nesse
momento de transição política foi bem mais acentuada do que os relatos
presentes no livro de memórias. Na biografia que escreveu sobre o pai,
há indícios de uma maior participação de Licurgo, pois, ao comentar
sobre a trajetória política do pai em 1930, em Santa Catarina, que à
época era deputado estadual e não havia apoiado a chamada revolução,
acabou se retirando da política por um tempo, após a vitória dos
revoltosos. Há uma passagem nesse empreendimento biográfico sobre o
pai que ilustra o seguinte:

O que pouca gente sabe é que se retirou


voluntariamente, pois contava, do outro lado, com
velhos e poderosos amigos, alguns deles seus
colegas no Colégio Nossa Senhora da Conceição,
de São Leopoldo. Não era homem para certas

80
Assis Chateaubriand também era proprietário do Diário da noite de São
Paulo.
102

transigências. Combatera a Revolução como


Major do Estado Maior do General João
Nepomuceno Costa, em Florianópolis e não podia,
por elementares princípios de ética, acomodar-se
com os vencedores, apesar da insistência de
velhos companheiros colocados nas culminâncias
do poder, no Rio de Janeiro e até de discreto
convite de Getúlio Vargas, através de um seu
filho, repórter político no diário líder da campanha
aliancista no Brasil, o “O Jornal” de Assis
Chateaubriand, e que acompanhou o chefe do
movimento de 30, como redator pôsto a sua
disposição. E como representante dos Diários
Associados junto a ele, participou do memorável
comício da Esplanada do Castelo, onde Getúlio
leu sua plataforma de governo. Depois
acompanhou-o sempre em toda a sua longa e
arriscada movimentação no Rio de Janeiro. Foi na
verdade o único jornalista que teve tal privilégio.
Getúlio nunca esqueceu disto e dos riscos que o
jovem lageano, filho de Otacílio Costa, passou ao
seu lado. Sabia, também, o grande e inolvidável
estadista, das perseguições de que ele fora vítima,
durante os longos meses em que, como redator
dos diários associados atacava, nas suas
reportagens, Washington Luís, seu candidato Júlio
Prestes e alguns integrantes do ministério. Daí ter
procurado, num gesto generoso de
reconhecimento pelos serviços prestados por
aquele moço, atrair seu pai para o lado da
revolução vencedora (COSTA, 1983, p. 22).

“Aquele moço”, ou seja, o próprio Licurgo, pois Otacílio não


tinha nenhum outro filho jornalista a ocupar o mesmo posto. Licurgo
explorou muito pouco esse assunto nas memórias, e apesar de sua
participação como jornalista na jornada de Vargas ao poder, afastou-se
um pouco do Palácio do Catete nos primeiros tempos, segundo ele,
porque “não precisava de nada e a Presidência naqueles primeiros meses
era uma Babel onde uma gauchada turbulenta, de lenço vermelho no
pescoço, entupia todos os espaços” (COSTA, 2002, p. 65). Nos registros
que Licurgo escreveu acerca de sua trajetória ao retornar para Santa
Catarina, geralmente pontuou a sua presença em eventos históricos de
103

destaque, uma forma de agregar valor à sua trajetória em busca de


prestígio, como já mencionado.
Distante do Catete naqueles primeiros tempos de Getúlio Vargas
no poder, participou de outros movimentos como jornalista. Apesar de
formado em Farmácia e Direito e ser funcionário público do Ministério
do Interior, foi atuando como jornalista que se projetou
profissionalmente nos anos 1930. Após se aposentar e voltar a residir
em Santa Catarina, esporadicamente saíam matérias a seu respeito nos
jornais estaduais, pelo fato de ser um dos fundadores da União dos
Trabalhadores do Livro e do Jornal e o primeiro sindicalizado. Em uma
matéria de 1996, publicada em um jornal de circulação estadual, A
notícia, consta o seguinte título: “Sindicalizado pioneiro vive em
Florianópolis”. Em 1931, o então ministro do trabalho Lindolfo Collor,
criou a União dos Trabalhadores do Livro e do Jornal. Licurgo,
referindo-se a esse assunto, fazia-o de forma a sublinhar a sua
participação:

O Sindicato foi organizado com dificuldade. A


idéia era muito nova no Brasil (...) Ficou decidido
que a diretoria seria composta por representantes
dos principais jornais do Rio de Janeiro.
Respeitado pelos colegas, Mário Hora, assumiu a
presidência da entidade. Licurgo abriu mão de
fazer parte da diretoria, para dar espaço aos
demais órgãos de imprensa da cidade. Para
recompensá-lo Lindolfo Collor determinou que a
primeira matrícula fosse a dele (A notícia, 15 de
abril de 1996).

Apresentar-se como o primeiro sindicalizado do Brasil, era um


título que Licurgo apreciava atribuir a si. Algumas imagens publicadas
nos jornais, como também o retrato no livro de memórias, segurando a
tal carteira sindical, denunciam o valor que o próprio Licurgo agregou a
esse episódio em sua vida profissional como jornalista:
104

Figura 9: Licurgo Costa e a carteira sindical


Fonte: Acervo pessoal de Licurgo Costa

A trajetória profissional percorrida por Licurgo esteve


profundamente vinculada ao uso que o Estado fez da publicidade e
propaganda como estratégia de poder. Principalmente a partir dos anos
30, os meios de comunicação foram utilizados como instrumentos
poderosos de propaganda política por Getúlio Vargas. Foi nesse
contexto que, em 1934, foi criado o Departamento Nacional de
Propaganda e Difusão Cultural - DPDC, responsável por divulgar as
ações do governo em atividades de rádio, cinema e turismo. Faltava a
divisão de imprensa, e de acordo com Licurgo, “alguém advertiu o
Presidente Getúlio Vargas para o estranho lapso e ele mandou chamar-
me ao catete e organizar a divisão faltante” (COSTA, 2002, p. 69). Fato
é que, sob a gerência de Lourival Fontes, o DPDC foi reorganizado e
deu origem ao Departamento Nacional de Propaganda - DNP. Esse
departamento assumiu funções como editar programas de rádios,
personalizar a propaganda e pautar ações segundo um compromisso
cívico-pedagógico. Organizaram também um noticiário que era
distribuído para toda a imprensa brasileira. Realizaram a distribuição de
material para a imprensa estrangeira, via consulados e embaixadas.
Dentro desde departamento foi criada a Agência Nacional de Notícias,
responsável pela distribuição das informações, tanto no Brasil quanto no
exterior, Licurgo era o encarregado desse setor.
A partir de 1937, ano que corresponde aos primórdios da
Ditadura Vargas, o chamado Estado Novo, o setor das comunicações
passou por uma nova reestruturação. Logo, em 1939, conforme o
Decreto Lei 1915 de 27 de dezembro, foi criado o Departamento de
Imprensa e Propaganda - DIP. Dotado de atribuições muito mais amplas
105

que seus antecessores, o DIP exerceu uma força muito significativa


durante a Ditadura Vargas, não somente como um órgão de censura,
mas também como o espaço responsável pela elaboração e difusão do
discurso oficial do regime em vigor. Foi também um lugar de produção
cultural, o qual possibilita analisar as relações entre os intelectuais e o
Estado, sobretudo pelo fato de o órgão ter financiado jornais, revistas e
escritores. E é exatamente no setor responsável pelas subvenções que se
identifica uma das ocupações de Licurgo nesse lugar. Lourival Fontes
permaneceu como diretor-geral. Licurgo argumentou em suas memórias
que fora “convidado insistentemente para o cargo de diretor da divisão
de imprensa” (COSTA, 2002, p. 71), mas que o recusou “porque iria
envolver-se em censura e, como jornalista profissional, repugnava-me a
exercer aquelas funções” (COSTA, 2002, p. 71). Se não aceitou esse
cargo, aceitou o de diretor-administrativo, setor estratégico, entre outras
funções, por administrar as verbas destinadas81 à subvenção.
Em suas memórias, elaborou o seguinte registro:

Por sugestão do Presidente fiquei com a diretoria


administrativa, importante porque dispunha o DIP
de uma considerável verba secreta cujo valor é
muito difícil calcular na moeda atual do Brasil.
Esta considerável importância recebida
mensalmente era distribuída a título de subvenção,
para os jornais do Rio, alguns de São Paulo, Rio
Grande do Sul, Minas e, se não me falha a
memória, da Bahia. No Rio, a exceção era o
Correio da Manhã, que só aceitava receber pelos
anúncios publicados, como os do Banco do Brasil,
Caixa Econômica, Instituto do Açúcar,
Mensagens Oficiais, etc. E O Estado de São Paulo
era ainda mais rigoroso, e não aceitava qualquer
publicidade de órgão governamental. As

81
É difícil precisar o montante de verbas destinadas ao DIP. Contudo, há
indicações de que manejava outras receitas. Assim, a partir de 1940, o
Departamento centralizou verbas de publicidade do Banco do Brasil e de outras
instituições, com liberdade para distribuí-las à imprensa simpática ao regime.
Tampouco se pode esquecer que o órgão subordinava-se diretamente à
Presidência da República, e que a Constituição de 1937 anulava, na prática, o
poder fiscalizador do Tribunal de Contas da União. In: DE LUCA, Tania
Regina. A produção do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) em
acervos norte- americanos: um estudo de caso. Revista Brasileira de História,
São Paulo, v. 31, número 61, p. 271-296, 2011.
106

subvenções aos jornais iam de 20.000 a 100.000


dólares atuais, essa última para os Diários
Associados (COSTA, 2002, p. 71).

Licurgo mencionou ainda que tomava conta das verbas, trabalho


que Lourival Fontes recusava realizar, alegando o bom trânsito de
Licurgo em todas as redações, de tal forma que ele efetuava os referidos
pagamentos e guardava os recibos, os quais manteve por toda a vida.
“Conservo-os porque a verba era secreta e embora nunca neste longo
tempo, ninguém ousasse colocar qualquer dúvida sobre sua aplicação,
eu sempre achei melhor guardar as provas de sua distribuição” (COSTA,
2002, p. 72). Embora se tratassem de verbas utilizadas de forma
“secreta”, essas subvenções eram oriundas de dinheiro público. Logo, os
recibos que comprovam esses repasses são documentos públicos e não
deveriam estar guardados nos pertences pessoais de Licurgo82.
Além dos assuntos relacionados à subvenção de jornais, há
também alguns indícios sobre a atuação de Licurgo na censura. Foi
citado pelo jornalista Joel Silveira83, atuante também no período da
Ditadura Vargas, que acompanhou com proximidade muitas ações
repressivas efetuadas pelo DIP. Em entrevista concedida ao jornal
Gazeta Mercantil, ao ser questionado sobre como Lourival Fontes
controlava as rédeas dos intelectuais comunistas, Joel respondeu o
seguinte:

Ah, ele fez uma triagem e colocou nos cargos de


confiança pessoas que lhe davam segurança, como
o Licurgo Costa, o Lincoln Nery. Tudo passava
por essas pessoas, que prestavam atenção para ver
se havia alguma informação insidiosa, uma frase
que levasse algum tipo de mensagem subversiva. 84

No empreendimento de memória que Licurgo produziu sobre si,


pontuou que não havia aceitado determinados cargos porque, como
jornalista, era contrário à censura, como também às manifestações de

82
Os mencionados recibos ainda não foram localizados na organização que está
sendo realizada no acervo pessoal de Licurgo Costa.
83
Atuante jornalista brasileiro, publicou cerca de 40 livros. Em 1998, ganhou o
prêmio Machado de Assis, o mais importante da Academia Brasileira de Letras,
pelo conjunto da obra.
84
“Os intelectuais e o Estado Novo”. Entrevista de Joel Silveira à Gazeta
Mercantil, 1 a 4 de abril de 1999.
107

que o DIP “sofreu e ainda sofre ataques virulentos e injustos”. Licurgo,


como jornalista, esteve a serviço das estratégias do aparelho do Estado.
Em 1938, foi enviado para a Itália em missão oficial, junto com outros
jornalistas, entre eles, Agripino Grieco85 e Henrique Pongetti86. Foram a
convite do governo italiano para conhecer as realizações do partido
fascista italiano e do próprio líder, Mussolini. Licurgo presenteou o
“Duce” com os cinco volumes dos discursos de Vargas, intitulados
“Uma nova Política para o Brasil”, com uma dedicatória: “Ao senhor
Benito Mussolini, com as cordiais saudações de Getúlio Vargas”
(COSTA, 2002, p. 76). A política adotada no governo Vargas
concentrou muitas das características87 do fascismo italiano e do
nazismo alemão, sobretudo a utilização da propaganda como uma forma
de conquistar e envolver a população.
A viagem foi divulgada em um jornal lageano da época:

Pelo rádio sabemos ter desembarcado em Milão,


aos 14 deste, o notável jornalista brasileiro Dr.
Licurgo Costa, nosso conterrâneo e filho do nosso
distinto amigo e colaborador major Otacílio
Costa. Licurgo havia seguido para Roma a bordo
do transatlântico Neptunia como chefe da Agência
Nacional de Propaganda e a convite do Governo
italiano. Em companhia e compondo uma missão
jornalística seguiram também os representantes
dos grandes diários do Rio e de São Paulo “A
noite”, “O Jornal”, “A Vanguarda” e “Correio
Paulistano” e outros. O Dr. Licurgo Costa levou
também o convite do Sr. Presidente Getúlio

85
Poeta e crítico literário nascido no Rio de Janeiro em 1888 e falecido em
1973. Foi colaborador em alguns jornais, entre os quais O Jornal, na década de
1930. Dono de uma biblioteca de mais de 50 mil livros.
86
Nascido em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 1898, e falecido em 1979. Foi
jornalista e dramaturgo.
87
Maria Helena Capelato, livre docente do Departamento de História da
Universidade do Estado de São Paulo, realizou um estudo comparativo das
imagens produzidas pela propaganda política varguista e peronista, apontando o
seguinte: “Considerando as especificidades históricas da Argentina e Brasil, não
se pode definir o varguismo e o peronismo como regimes fascistas ou
totalitários, mas é inegável a inspiração do nazismo na propaganda política
varguista e peronista”. CAPELATO, Maria Helena. Propaganda Política e
Construção da Identidade Nacional Coletiva. Revista Brasileira de História,
São Paulo, v. 16, n. 31 e 32, p. 328-352, 1996.
108

Vargas que lhe deu essa honrosa incumbência, o


livro “Nova Política do Brasil” de autoria do
Presidente com uma dedicatória autographafo do
Chefe da Nação que ofereceu ao Duce. Além da
audiência aos jornalistas o nosso conterrâneo terá
sido recebido em audiência especial para a entrega
a Mussolini daquela obra. Consta-nos que o nosso
conterrâneo a convite do governo nacionalista da
Espanha visitará Burgos, seguindo depois para
Paris e Londre (Guia Serrano, novembro de
1938).

Esse recorte de jornal estava anexado à pasta Licurgo Costa da


ACL. O autor registrou essa visita em suas memórias com relatos e
imagens:

Figura 10: Benito Mussolini e um grupo de jornalistas brasileiros,


entre os quais, Licurgo Costa
Fonte: Acervo pessoal de Licurgo Costa

Em 1939, Licurgo proferiu algumas palestras sobre a técnica da


propaganda política. Conforme a matéria publicada em um jornal
carioca em 1939, consta a notícia de que “o Sr. Licurgo Costa fez na
Rádio Cruzeiro do Sul uma interessante palestra sobre esse tema - O
Presidente Getúlio Vargas e a Propaganda”. O evento teria sido
promovido pela Associação Brasileira de Propaganda, instituição da
qual Licurgo fizera parte, sendo presidente por duas vezes. Na referida
palestra, discursou sobre os métodos de propaganda pelo mundo, fez
109

referência às técnicas utilizada na Itália, as quais ele observou na viagem


realizada em 1938. Citou a importância do cinema, rádio e jornal como
“modernos meios publicitários” e destacou Vargas como o estadista que
“colocou a propaganda como órgão auxiliar do governo” (A Batalha, 10
de maio de 1939).
Além das palestras, publicou dois livros sobre essas experiências
em 1939, Itália, numa visão panorâmica e Técnica de Propaganda
Política88. Seguindo essa linha temática da publicidade e propaganda,
lançou, em 1940, em coautoria com o jornalista Barros Vidal, o livro
História e Evolução da Imprensa Brasileira89. Em 1943, quando já era
Adido Comercial da Embaixada do Brasil no México, publicou o livro
Cidadão do Mundo, pela José Olympio, cuja editora era bastante
próxima dos autores financiados pelas políticas intelectuais do Estado
Novo. Nessa obra, reuniu vários recortes de jornais sobre o que se
publicava no exterior a respeito de Getúlio Vargas. A obra foi publicada
no México, em 1945, edição da Livraria Cosmos. Ao prefaciar a obra,
Licurgo elaborou os seguintes apontamentos:

Tive, ao resolver a publicação do presente


trabalho, apenas a idéia de mostrar aos brasileiros,
numa obra de conjunto, a projeção mundial do
Presidente Getúlio Vargas.
Logo após a vitória do movimento de outubro,
comecei a colecionar na redação do jornal que
secretariava, tudo o que se dizia no estrangeiro
sobre o chefe da revolução brasileira...
Com o decorrer do tempo foram avultando nas
Américas, e depois no mundo, as referências e as
opiniões sobre Getúlio Vargas. Juntei centenas de
recortes e livros que as contêm. E estou certo de
que muita coisa do que se escreveu não chegou às
minhas mãos (COSTA, 1943, prefácio).

A historiadora Tânia Regina de Luca realizou uma pesquisa


importante sobre a produção intelectual vinculada ao DIP em acervos
norte-americanos, considerando que praticamente todo acervo do

88
A informação sobre a publicação dessas referidas obras consta no currículo
anexado à pasta Licurgo Ramos da Costa, do Instituto Histórico e Geográfico de
Santa Catarina. Foram edições organizadas pelo “Anuário Brasileiro de
Literatura”, financiadas com recursos públicos.
89
Edição organizada pela comissão dos Centenários de Portugal.
110

departamento, que funcionava no Palácio Tiradentes, se perdeu em um


incêndio, além da dificuldade de se localizar acervos referentes ao DIP.
Porém, por conta da política de propaganda do regime político do
Estado Novo, as obras que davam publicidade ao governo de Vargas,
eram também divulgadas no exterior, função desempenhada pela
Agência Nacional. Assim, de Luca, ao consultar dois acervos norte-
americanos, observou um rol significativo de obras publicadas que
indicam uma relação entre autor, editor e gráfica. Em especial, as
relações90 entre a editora José Olympio e o Palácio do Catete. A editora
publicou várias obras sobre Getúlio Vargas, inclusive, foi responsável
pela publicação de vários volumes de seus discursos. Entre as obras
citadas na pesquisa, não foi possível localizar Cidadão do Mundo.
Embora fosse uma obra de propaganda de Vargas, e também editada
pela José Olympio, sua publicação ocorreu em 1943, quando Licurgo já
não residia no Brasil. Vale ressaltar que, em 1943, as atenções da
propaganda política brasileira estavam voltadas aos episódios da
Segunda Guerra Mundial.
Em sua atuação como jornalista executor das políticas de
propaganda do governo Vargas, Licurgo conviveu com figuras de
projeção nacional, tais como Lourival Fontes, diretor geral do DIP,
Alzira Vargas, filha de Getúlio Vargas, entre outros.

Figura 11: Licurgo em companhia de Lourival Fontes


e Alzira Vargas, em 1939
Fonte: Acervo pessoal de Licurgo Costa

90
SORÁ, Gustavo. Brasilianas: a casa de José Olympio e a instituição do livro
nacional. Tese de Doutorado em Antropologia Social, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998.
111

Em um rascunho de texto sem data, escrito por Licurgo,


localizado no acervo da Academia Catarinense de Letras, intitulado
“Algumas Impressões sobre as atividades literárias na Era Vargas, traços
biográficos de Lourival Fontes”91, Licurgo teceu os seguintes
apontamentos:

Conheci Lourival Fontes por volta de 1925,


quando aos 37 anos de idade, senhor de um dos
melhores empregos da prefeitura do Rio de
Janeiro, era do seu quadro de advogados, tinha
portanto, uma confortável situação para viver o
resto de sua vida. Apesar disto aceitou a direção
de um órgão da administração federal que, por se
envolver com setores sumamente delicados da
sociedade e criado, era a impressão geral, para
controlá-los, foi recebido com hostilidade ou
desconfiança por todos os órgãos da imprensa
contra o Departamento Nacional de Propaganda,
depois departamento de Imprensa e Propaganda, o
famoso DIP, que vinha para fazer, além da
censura, a promoção, a propaganda do Presidente
Getúlio Vargas.

Vale ressaltar que o sergipano Lourival Fontes também chegou


ao Rio de Janeiro na efervescência da década de 1920. Como já
mencionado, o Rio era um polo de atração para jovens letrados. Ir para a
capital trabalhar em jornal era um passo importante para construir uma
rede de sociabilidade, e assim, se inserir nas esferas da política nacional.
Tanto Licurgo quanto Lourival Fontes utilizaram o trabalho em jornais
como uma forma de agregar capital social, ou seja, uma estratégia em
busca de ascensão profissional. Em 1931, Fontes foi apresentado ao
presidente Getúlio Vargas, ocasião que deu início a toda a trajetória de
Fontes junto aos órgãos de política, propaganda e censura alimentados
pelo governo Vargas (LOPES, 1999). Licurgo desenvolveu com
Lourival Fontes uma proximidade bem mais estreita que as palavras
publicadas nas memórias. As cartas e bilhetes encontrados no acervo
pessoal de Licurgo, assim como as anotações em agendas, demonstram
uma relação de trabalho, amizade e intimidade bem singulares. Relação
que se estendida também à esposa do referenciado diretor geral do DIP,
a poetisa Adalgisa Nery, segundo Licurgo, “uma mulher

91
Pasta Licurgo Costa, acervo da Academia Catarinense de Letras.
112

inteligentíssima e de trato social sumamente agradável”92. Fato é que


essas relações serão estratégicas às aspirações de Licurgo Costa ao
Itamaraty. É preciso considerar que ele, ao administrar o dinheiro das
subvenções, situava-se em um contexto de favores e compromissos,
implicados em uma relação de reciprocidade.
Após se aposentar, Licurgo publicou tanto nos jornais de Santa
Catarina quanto em seu livro de memórias os registros fotográficos dos
encontros de Getúlio Vargas com a equipe do Departamento de
Imprensa e Propaganda. Percebe-se, nessa ação, o esforço do autor em
construir uma memória e imagem de si, próximas a personagens de
renome nacional.

Figura 12: Getúlio Vargas e a equipe do DIP, entre os quais, Licurgo Costa
e Lourival Fontes
Fonte: Acervo pessoal de Licurgo Costa

92
Pasta Licurgo Costa, acervo da Academia Catarinense de Letras.
113

Figura 13: Licurgo Costa em reunião no gabinete do Presidente Getúlio Vargas


Fonte: Acervo pessoal de Licurgo Costa

Figura 14: Licurgo e Darcy Vargas


Fonte: Acervo pessoal de Licurgo Costa

Ao conviver e trabalhar com Lourival Fontes, Licurgo mediou


episódios. Um exemplo foi o desentendimento de Lourival com o chefe
da polícia, Felinto Müller, que resolveu fazer um cadastro de
informações sobre várias personalidades influentes, industriais,
comerciantes, médicos, advogados, entre outros. Essa ação se deu de
modo um tanto exagerado e rendeu desconforto, pois várias pessoas
foram intimadas a comparecer na chefia de polícia para receber o retrato
de Getúlio Vargas para emoldurá-lo e colocá-lo em seus locais de
trabalho:
114

Eu era, então, diretor do serviço de imprensa do


Departamento Nacional de Propaganda e logo
relatei a Lourival fontes o que estava ocorrendo.
A resposta foi a seguinte: - Olha eu não me meto
neste caso. O Felinto já anda bicudo comigo, sem
qualquer motivo e imagine se eu me envolver com
tal assunto -. Argumentei longamente contra seu
ponto de vista e terminei dizendo que seria
preferível até cortar relações com Felinto, a deixar
que ele invadisse, com tamanha desenvoltura, a
área da ação do nosso departamento.93

Coube a Licurgo resolver tudo direto com Getúlio Vargas, já que


Lourival, de acordo com o próprio Licurgo, era especialista em
“terceirizar problemas”94. Apesar dos episódios do DIP, Licurgo
compartilhava de certa proximidade95 com Felinto Müller, o que se
observará nos corredores do Itamaraty em anos vindouros, como
também da companhia de Lourival em outro ambiente, bem mais
agradável, as rodas literárias, já que este era casado com a poetisa
Adalgisa Nery.

É verdade que gostava de freqüentar as rodas


literárias e aquela dos fundos da livraria José
Olympio, quando na Rua do Ouvidor, formada
pelo José Lins do Rego, Graciliano Ramos,
Genolino Amado e Adalgisa Nery e outros
escritores e poetas, era a de sua preferência. Aliás
ali conheceu Adalgisa, com quem se casou em
1940.96

Algum tempo depois, Lourival e Licurgo se encontraram no


México, onde este já atuava há algum tempo, enquanto aquele havia
sido recém-nomeado embaixador no mesmo país. Esse era o país que
Licurgo pontuou em suas memórias, nomeando Frida Khalo, Diego
Rivera, entre outras figuras. Anos mais tarde, quando Getúlio Vargas foi

93
Acervo da Academia Catarinense de Letras.
94
Acervo da Academia Catarinense de Letras.
95
No acervo pessoal de Licurgo existem algumas cartas trocadas entre ele e
Felinto Müller na época em que já servia ao Itamaraty no exterior. Em umas das
cartas, inclusive, ele organizou um roteiro para Müller desfrutar de um passeio
pelo continente europeu.
96
Acervo da Academia Catarinense de Letras.
115

eleito presidente no começo da década de 1950, escolheu Lourival


Fontes para chefe da casa civil. Este, por sua vez, convidou Licurgo para
secretário, que recusou. Nessa época, ele vivia em Roma, e não quis
abandonar sua dolce vita romana. De certa forma, as agendas
comprovam que o contato entre Licurgo e Lourival era constante. As
relações construídas na década de 1930 acompanharão Licurgo na vida
diplomática.

2.3 O ITAMARATY

No começo da década de 1940, Licurgo começou a jornada que


faz jus à expressão “dos campos de Lages para o mundo” (Diário
Catarinense, 15 de julho de 2002), na condição de funcionário do
Ministério das Relações Exteriores. Ele aceitou o convite para assumir o
cargo de Adido Comercial na embaixada brasileira da cidade do
México. Em suas memórias, registrou que recusou o cargo de diretor
geral do DIP, já que Lourival Fontes estava sendo afastado do cargo por
pressão dos militares (COSTA, 2002, p. 81). Licurgo preferiu ser adido
comercial junto à embaixada do México, atitude que muitos amigos não
compreenderam por se tratar de um cargo menor. Ingressou na vida
diplomática como Adido Comercial em 1941, aposentando-se, como
ministro de primeira classe, em primórdios da década de 1970. Viveu
em várias cidades, como Nova York, Roma, Madri e Lisboa. Construiu
amizades e relações que se somaram ao seu acervo de experiências,
conformando um ethos cosmopolita muito utilizado por Licurgo em seu
retorno a Santa Catarina, após a aposentadoria. Guardou documentos
desse período, tanto enviados quanto recebidos: cartas, telegramas,
relatórios, bilhetes, entre outros. Um memorial de autoprojeção que
ressalta as suas articulações nos bastidores do cenário político nacional,
como também algumas intimidades e certos desgostos.
De acordo com (CHEIBUB,1984), que analisou aspectos
institucionais do Ministério das Relações Exteriores, a partir de 1910
ocorreram reformas administrativas que deram início ao processo de
transformação do Itamaraty em uma estrutura racional e burocrática.
Esse processo acompanha as transformações organizacionais do próprio
país, especialmente a partir de 1930. Datam desse período a criação de
concursos públicos para a entrada na burocracia estatal e a padronização
de carreiras. Apesar da burocratização do serviço público, outros fatores
também se sobressaem quando se analisam as trajetórias profissionais
116

individuais, assim como uma influente rede de relações. Licurgo, nas


embaixadas e consulados pelos quais passou, recorreu, em diversas
situações, aos seus contatos pessoais para angariar progresso dentro da
vida diplomática. Além disso, em suas memórias, recorre a um intenso
desfile de celebridades artísticas, literárias e políticas do século XX.
Estratégias para agregar a si notabilidade:

Mantive boa correspondência com muita gente


interessante, sobretudo até os anos quarenta,
quando as facilidades de comunicação
internacional pelo telefone relegaram as cartas
para um segundo plano. Ainda assim, vivendo
longe, no estrangeiro, minhas atividades
epistolares continuaram, embora menos intensas.
Tenho umas duas ou três centenas de cartas de
Menotti Del Picchia, Josué de Castro, Érico
Veríssimo, Adalgisa Nery, Peregrino Junior, Josué
Montello, Aliomar Baleeiro, Diniz Junior,
Juscelino Kubitschek, Augusto Frederico
Schmidt, Alzira Vargas, Ivette Vargas, Orestes
Barbosa, Orígenes Lessa, Luis Edmundo, Giorgio
de Chirico, e muitos outros brasileiros e
estrangeiros ilustres, que dariam matéria para um
livro talvez interessante (COSTA, 2002, p. 111).

Ao se acessar parte do acervo pessoal, que ainda está sendo


organizado, foi possível localizar algumas dessas cartas. Licurgo ao
mencionar tantos nomes ilustres e guardar cópia das cartas que
enviara, junto das que recebera, demonstra o desejo de construir uma
memória de si. Essa memória quase monumento de si, muito
utilizada como recurso para obter poder simbólico no meio cultural
catarinense, permite compreender meandros das relações construídas
na vida diplomática que vão além dos salões, das galerias de arte e
das embaixadas e consulados. Algumas relações construídas ao
longo na década de 1930, especialmente nos corredores do DIP,
permanecerão ladrilhando os circuitos percorridos por Licurgo Costa
no Itamaraty. Ele guardou registros dessas ações, como o bilhete
enviado por Lourival Fontes para Alzira Vargas:

Alzira:
Se eu compusesse um manual dos atributos do
homem perfeito, eu incluiria Licurgo Costa. Nele
117

se reúnem inteligência, capacidade, dedicação,


probidade, trabalho, decência e fidelidade ao
dever. Há ainda uma qualidade aplicada, que é a
devoção inalterável ao Presidente e a sua obra de
governo. Estou informado que ele tem neste
momento uma pretensão dependente dos favores
de tua estima.
Escrevo por isso esta carta, não como um pedido
sem valia, mas como uma imposição de
consciência.
Receba-a assim, com um abraço afetuoso do
Lourival (Acervo pessoal de Licurgo Costa).

Esse bilhete, de 1951, data do período que Licurgo servia na


Itália. Contudo, ele passou quase seis meses no Brasil nesse mesmo ano,
retornando à Itália apenas em julho. Ao se analisar a agenda de 1951,
encontram-se registros de conversas e eventos quase diários com
Lourival Fontes e sua esposa Adalgisa. Licurgo sempre solicitava que
eles intercedessem por uma nomeação junto ao presidente Vargas. Nessa
época, Lourival Fontes era chefe de gabinete da casa civil. O próprio
Licurgo escreveu uma carta para Getúlio solicitando a retomada de uma
colocação:

Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1951


Excelentíssimo Senhor Presidente Getúlio Vargas
Vossa Excelência, em primórdios de outubro de
1945, teve a generosidade de nomear-me de
conselheiro comercial no quadro do Ministério
das Relações Exteriores. Em novembro do mesmo
ano, o governo Linhares anulava o decreto de
criação de três cargos de conselheiro comercial,
para um dos quais fui nomeado e assim perdi uma
situação que tanto desejei (Acervo pessoal de
Licurgo Costa).

Apesar das solicitações, Licurgo permaneceu como Adido


Comercial até 195397. Nos registros da agenda de 1951, ao retornar para
a Itália, além das funções econômicas de seu cargo, assumiu também a
recepção social de muitos brasileiros que chegavam a Roma como, por
exemplo, o então vice-presidente Café Filho, o escritor Rubem Braga e a

97
Apenas ao final de 1953 ocorre a mudança de cargo, quando foi nomeado
ministro de assuntos econômicos junto à Embaixada de Madri.
118

modelo Danusa Leão. Ele registrou em sua agenda atividades culturais,


empréstimo de dinheiro para Rubem Braga, compra de tecidos finos
com Café Filho. Aliás, com este, Licurgo desenvolveu uma amizade
mais próxima, verificada em outras cartas e registros de favores. Dessa
viagem que Café Filho realizou em 1951, Licurgo arquivou a cópia de
uma carta em que Café Filho, na condição de vice-presidente da
República, escreveu para o Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio,
elogiando a atuação de Licurgo Costa na Embaixada do Brasil na Itália:

Tenho tido a oportunidade, em minha recente


viagem à Europa e ao Oriente Próximo, de visitar
os escritórios comerciais do Brasil nos países por
onde passei, julgo meu dever transmitir a Vossa
Excelência a magnífica impressão que me deram
os de Bonn na Alemanha, e Roma, na Itália,
respectivamente a cargo do Srs. Alcides Brandão
de Mendonça Lima e Licurgo Costa, o primeiro
dos quais inaugurado em minha presença.
É de inteira justiça ressaltar o trabalho inteligente
e fecundo que está realizando o de Roma, em cuja
atuação se nota entusiasmo e idealismo
verdadeiramente dignos de louvores.
João Café Filho
Rio 10/10/51 (Acervo pessoal de Licurgo Costa)

Ao mencionar as cartas e agendas98 analisadas, identifica-se não


somente o desejo de Licurgo em transformar a sua trajetória em um
monumento, como também destacar a própria presença nos bastidores
de acontecimentos políticos memoráveis. Em cartas recebidas de Alzira
Vargas, no começo de 1954, há uma solicitação marcadamente privada,
mas profundamente relacionada com o tumultuoso cenário político de
1954:

Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1954


Meu caro Licurgo:
Você que já acompanhou esse caso em outras
épocas e condições poderia ajudar mais uma vez o
Luthero a resolver em definitivo sua situação.
Devido à urgência e falta de tempo, transcrevo,

98
Obteve-se acesso às agendas dos seguintes anos: 1946, 1947, 1948, 1949,
1951, 1952, 1953, 1956, 1962, 1964, 1966, 1967, 1968, 1969, 1982 e 1987.
119

por enquanto, sem maiores explicações as notas


ditadas pelo advogado dele:
“Tenho necessidade de saber, em condições as
mais seguras possíveis, tudo quanto se relacione
com o casamento de Ingeborg Anita Elizabeth
Ten Haeff com Paul Wiener, que em primeiras
núpcias, foi casado com Alice Morgenthau, irmã
do ex-secretário de comércio do Presidente
Roosevelt (...)
Como você já deve ter percebido trata-se de uma
tentativa para anulação do casamento religioso do
Luthero. Peço-lhe, por isso, que se você aceitar a
incumbência, revista as indagações do maior
sigilo, para evitar explorações em caso de fracasso
(Acervo pessoal de Licurgo Costa).

Ingeborg Ten Haeff, artista plástica de origem alemã, foi casada


com Luthero Vargas, médico e filho mais velho de Getúlio Vargas. O
casamento aconteceu em 1940 e durou até 1944. Ingeborg, quando já
radicada nos Estados Unidos, casou-se novamente em 1948 com o
arquiteto Paul Lester Wiener99. No cenário turbulento de 1954, a forte
oposição ao governo democrático de Getúlio Vargas, tendo como figura
ímpar nesses embates o jornalista Carlos Lacerda, que se utilizou de
especulações sobre a sexualidade de Ingeborg para, de alguma forma,
fragilizar publicamente Luthero, embora o casamento já tivesse acabado
há mais de dez anos. Alzira, a irmã de Luthero, procurou em Licurgo
uma possibilidade discreta de documentar a possível anulação do
casamento, solicitando documentos que comprovassem o casamento
religioso da artista plástica com o segundo marido, para assim conseguir
anular o casamento com Luthero. Licurgo, então, respondeu em carta de
3 de fevereiro de 1954:

Minha cara comadre e amiga:


Conforme lhe mandei dizer em meu telegrama de
ontem, sua carta de 18 de janeiro já não me
encontrou em New York. E foi pena porque,
pessoalmente, eu poderia realizar com segurança e
o necessário sigilo, as indagações básicas para
desvendar o assunto. Tenho lá pessoas que
poderiam incumbir-se do assunto, mas, receio que
não saibam guardar a indispensável reserva.

99
Disponível em: http://brasileiros.com.br/2009/01/a-alema-dos-vargas/
120

Contudo, como a Susy ficou em N.Y. esperando


que Lilian termine o ano letivo, vou fazer
imediatamente uma tentativa partindo das
declarações feitas por D. Ingeborg às autoridades
da imigração. Teremos ali assentamentos relativos
à religião, casamento e residência, podendo,
portanto localizar o distrito em que se realizou o
casamento, para, então, requerer certidões
(Acervo pessoal de Licurgo Costa).

Licurgo já estava trabalhando em Madri à época em que essas


íntimas solicitações foram enviadas, mas tanto a esposa Susy quanto a
filha Lilian haviam ficado em Nova York. De acordo com o conteúdo da
carta que Licurgo enviou a Alzira Vargas em 5 de março de 1954, ele
lamentou novamente não poder estar pessoalmente em Nova York para
tratar do assunto. Argumentou que Susy procurou resolver a questão,
sem alcançar o êxito esperado. Porém, descobriu o endereço do
escritório do Paul Lester Wiener. Recomendou ainda alguns nomes de
advogados com os quais Alzira Vargas poderia tratar com sigilo essa
questão. Apesar dos esforços de Alzira, nada amenizou os combates
travados pelo jornalista Carlos Lacerda na imprensa brasileira em 1954.
Um cenário turbulento que culminou com o suicídio de Getúlio Vargas.
As ações do Licurgo em relação ao cenário político brasileiro nos
primeiros anos da década de 1950 não ficaram restritas às solicitações
sigilosas de Alzira. Em 1952, Licurgo foi transferido de Roma para
Nova York, posto que ocupou até final de 1953. Nessa passagem pelos
Estados Unidos, foi incumbido de chefiar a parte comercial da
Embaixada, o Brazilian Government Trade Bureau. Em suas memórias,
mencionou que havia recebido instruções diretas de Vargas para buscar
informações seguras sobre o comércio com os norte-americanos
(COSTA, 2002, p. 96). Ao analisar os relatórios em relação às
importações e exportações, Licurgo descobriu um desfalque de
aproximadamente 600 milhões de dólares anuais. Além disso, mediou
outras negociações comerciais entre os Estados Unidos e o Brasil. Em 6
de outubro de 1953, na condição de diretor comercial do escritório
brasileiro em Nova York, enviou a seguinte carta ao senhor John Lewis,
à época presidente internacional do sindicato dos trabalhadores de minas
dos Estados Unidos. O conteúdo da carta expressa com clareza questões
financeiras em torno das relações comerciais entre os dois países:
121

Fiquei um tanto quanto surpreso de ler na edição


da “Time” desta semana, sua sugestão para o
Comitê Consultivo de Negócios, que “os $70
milhões” ganhos pelo Brasil anualmente da venda
de café para os EUA ser reservado para compras
brasileiras neste país. Embora percebendo que a
sua reputação tenha sido adquirida em campos de
ação para além do comércio internacional, eu
acredito que um melhor conhecimento dos fatos
do caso teria levado você a falar diferente sobre as
relações comerciais entre Brasil ante os Estados
Unidos.
Em primeiro lugar, as vendas de café do Brasil
para os Estados Unidos, ao longo dos últimos
cinco anos, tiveram um valor médio de $550
milhões por ano, e não “$70 milhões”.
Segundo, as compras Brasileiras nos Estados
Unidos, ao longo dos últimos cinco anos, têm um
valor médio $700 milhões.
Além destes $700 milhões anuais, o Brasil ainda
pagou para os Estados Unidos várias centenas de
milhões de dólares, incluindo remessas em dólares
dos lucros obtidos no Brasil por empresas
americanas em cruzeiros, amortização sistemática
de dívidas em dólares, e uma variedade de itens
menores pagos em dólares, tais como serviços,
seguro e frete.
Você vai ver a partir destes números, Sr. Lewis,
que se o Brasil tivesse gasto neste país apenas os
dólares recebidos das vendas do café aqui, o
comércio entre nossas duas nações não estaria no
nível habitual de segundo lugar, inferior apenas ao
comércio entre os Estados Unidos e Canadá em
valor. Em vez disso, os exportadores americanos
teriam encontrado nas suas vendas para o Brasil,
ao longo do período de cinco anos, o valor de
cerca de um bilhão de dólares a menos do que eles
realmente faturaram.
Com base nos números apresentados, tenho
certeza que você vai concordar que a melhor
solução reside em um aumento do mercado dos
EUA para as exportações brasileiras, para que o
Brasil tenha dólares para retornar em compras dos
Estados Unidos. Comércio, como você sabe, não
pode ser uma rua de sentido único.
122

Eu acredito que você vai ficar feliz em ter o dado


acima, que permitirá para você formar um novo
conceito do comércio entre os Estados Unidos e o
Brasil - um dos elementos que tem contribuído
decisivamente para mais de um século de
fortalecimento da amizade entre os nossos dois
países, uma amizade que, por sua vez, é um
exemplo para o resto do mundo (Acervo pessoal
de Licurgo Costa).

Conforme a organização de seu acervo pessoal, observa-se que


Licurgo arquivou em uma mesma pasta o documento ao Sr. Lewis e a
carta testamento, que Vargas escrevera antes do suicídio. O cenário
brasileiro dos anos 1950 foi marcado por tumultuadas questões políticas
e econômicas, cujo desfecho mais trágico foi a atitude do presidente
Vargas de dar fim à própria vida e “entrar para a história”. As ações de
Licurgo, na condição de diretor comercial do Brasil nos Estados Unidos,
alcançaram certa repercussão em terras brasileiras. O jornal O Diário
Carioca noticiou a carta ao Sr. Lewis, intitulando o acontecimento como
“Licurgo Costa defende o Brasil, a grande resposta” (O Diário Carioca,
10 de outubro de 1953). Esse episódio também é comentado por Auro
de Moura Andrade100, em uma carta de 10 de outubro de 1953:

Prezado Licurgo
Acabo de ler, no Diário Carioca de Hoje, em
grande título e subtítulo, o seguinte: “Licurgo
Costa defende o Brasil - a Grande Resposta”. A
notícia é relativa à sua carta dirigida a John Lewis
e vem perfeitamente explicada, no que se refere a
compras e vendas recíprocas entre Brasil e
Estados Unidos. Enviar-lhe-ei amanhã o recorte.
Não o faço com esta carta porque vou precisar
dele para a sessão da Câmara, onde pretendo
pronunciar um discurso sobre a sua patriótica
atitude, lendo “A Grande Resposta” e mostrando
como Licurgo Costa está vigilante e sabe defender
a sua Pátria.

100
Amigo pessoal de Licurgo, com quem trocou e arquivou muitas e
significativas cartas, como também figura emblemática na história política do
Brasil, pois, quando ocorreu o golpe militar de 1964, Moura Andrade era o
presidente do senado e fazia oposição ao então presidente João Goulart, sendo
que, na ocasião do golpe, declarou vaga a presidência da República.
123

O Itamaraty ficará com dor de cotovelo; e, mais


uma vez ficará demonstrado que o Brasil
necessita, no Exterior, de homens como você,
integrados em nossos problemas econômicos,
conhecedores profundos de nossas relações
internacionais no campo comercial e possuidores
de um espírito atento às nossas condições de país
exportador de matérias primas e produtos
primários, tão indispensável às nações preparadas
a transformá-los industrialmente (Acervo pessoal
de Licurgo Costa).

A amizade com Moura Andrade estendeu-se aos bastidores, tanto


do cenário político brasileiro quanto dos arranjos pessoais de Licurgo
em relação à sua vida profissional no Itamaraty. Mais adiante se
abordarão as entrelinhas dessa amizade na trajetória do autor. Em
função das atividades desenvolvidas como diretor comercial nos Estados
Unidos, Licurgo conseguiu uma projeção em sua carreira no Itamaraty,
sendo promovido a ministro de assuntos econômicos junto à Embaixada
do Brasil em Madri. Em carta enviada a um amigo, datada de janeiro de
1954, um pouco antes de seguir para Madri, contou sobre a sua
nomeação, ressaltando o papel do “chefe”, Getúlio Vargas:

Muito obrigado pelas felicitações que me envia


por motivo da minha nomeação. Realmente foi
uma vitória, que me deu a maior alegria. Mas eu
sabia, de antemão, que era certa porque nosso
caríssimo chefe não falha nunca para com os seus
velhos e leais servidores e amigos (Acervo
pessoal de Licurgo Costa).

Observa-se o quanto o acesso a determinados cargos no governo


eram baseados em relações de reciprocidade interpessoal, em muitas
situações traduzidas em manifestações de fidelidade ao líder, ao “chefe”,
ou à causa: defender o governo. Na trajetória percorrida nos corredores
internacionais do Itamaraty, a proximidade com Vargas será um recurso
nas articulações de Licurgo por ascensão, ao menos até agosto de 1954.
Com a morte de Vargas, ele continuará recorrendo aos amigos e
próximos de ambos, uma rede de sociabilidade formada por nomes já
citados, tais como Lourival Fontes, Café Filho, Alzira Vargas e,
principalmente, Auro de Moura Andrade e Ivette Vargas, sobrinha de
Getúlio Vargas e deputada federal eleita algumas vezes. Um pouco antes
124

do suicídio de Vargas, em uma das cartas que Licurgo enviara a Ivette,


além de compartilhar com ela suas pesquisas sobre as origens da família
Vargas na Espanha, Licurgo fez o seguinte pedido:

E o nosso caro Xavier da Rocha, como vai e por


onde anda? Nem escrevi a ele, felicitando pela
justíssima promoção, porque não sei onde está: se
em Roma, Oslo, Rio ou Santa Maria da Boca do
Mato. Entretanto, como sei que se trata de mais
uma grande vitória sua, quero também lhe
felicitar. Agora o caminho está aberto para você,
com aquela sua técnica e precisão que nunca falha
dar um impulso final na vida deste seu cupim.
Mesmo porque se você não fizer isto agora, nunca
mais, depois da saída do nosso chefe, ninguém me
promoverá. De todos os brasileiros que vivem no
exterior, ninguém é mais marcado por seu
queremismo do que eu. Com muita honra e
satisfação para mim, que, de resto, não perco a
oportunidade de demonstrar a minha alegria por
esse privilégio. Mas os inimigos depois que o Dr.
Getúlio sair não me darão nem água. Assim
precisamos agir a letra “o” desde já (Acervo
pessoal de Licurgo Costa).

A letra “o”, um código utilizado entre Licurgo e Ivette, fazia


referência ao cargo definitivo como “ministro de assuntos econômicos”.
A relação com Ivette rendeu muitas correspondências com assuntos
pessoais e também pertinentes comentários e opiniões sobre questões
políticas e econômicas. Eram bastante íntimos, Ivette e os pais se
hospedavam com frequência na casa de Licurgo nas cidades onde havia
morado. Auro de Moura Andrade e a família também desfrutavam de
uma convivência mais próxima com Licurgo e os seus. Os arranjos
acerca de Vargas terão continuidade nos contatos com Ivette e Auro,
sendo que as primeiras cartas que Licurgo compartilhara as dolorosas
impressões sobre a trágica morte do presidente foram escritas para eles.
Para Ivete:

Somente agora, decorridos 13 dias da tremenda


tragédia que acabamos de assistir, é que começo a
emergir da mais dolorosa das emoções que já
sofri. E esta é a primeira carta que escrevo depois
do drama que de tão inconcebível parece irreal. E
125

não poderia escrever está carta senão a você, que


sabe o que ele representava para mim. E o mais
angustioso é que para essa perda não há consolo
possível. Nem mesmo o da certeza que todos
temos, de que, passada a onda das paixões e
estigmatizados pelo desprezo geral os miseráveis
que o levaram à morte, o seu nome há de viver no
coração dos brasileiros, como o maior e o melhor
de todos os que já nasceram em nossa terra.
Porque o que nós queríamos é que depois de
terminado o seu governo ele retornasse às
Coxilhas que tanto amou e que de lá, como
compensação por todo bem que semeou, pudesse
assistir a sua definitiva glorificação e já bem
velhinho, quando partisse para sempre, levasse a
doce impressão de que a sua bondade infinita fora
um pouco repartida pelo coração de todos os
brasileiros, tornando-os melhores. O Destino,
porém, marcou outro final para a sua epopéia e
agora o que nos resta é honrar o nome de Getúlio
Vargas e nunca trair as suas ideias e o seu ideal
(Acervo pessoal de Licurgo Costa).

Para Auro:

Ainda estou sob a impressão dolorosa e


surpreendente do suicídio do nosso presidente. Foi
para mim um golpe tremendo. Sabia da crise que
se avolumava no Brasil mas nunca poderia esperar
um desfecho tão dramático. Tenho, sinceramente,
a impressão de que a morte do presidente foi uma
desgraça imensa para o nosso país. Eu tinha por
ele, como você sabe, a mais profunda devoção e
gratidão, mas ao procurar avaliar o que sua perda
representa para o Brasil, evito, tanto quanto
possível, que esses dois sentimentos me induzam
a juízos menos rigorosos. E quanto mais repasso a
sua obra de governo, iniciada e terminada com
uma força revolucionária quase telúrica, mais me
convenço de que ele foi, realmente, um estadista
excepcional na história latino americana.
Humberto de Campos ou Leopoldo Lugones, não
me lembro bem, tem uma imagem que se aplica
muito bem ao caso e que é esta: a verdadeira
126

altura das grandes arvores só se conhece quando


elas tombam. Parece-me, dos poucos jornais
brasileiros que me chegaram às mãos, depois da
tragédia, que mesmo os seus inimigos mais
ferrenhos, sentiram imediatamente, a grandeza da
árvore que ajudaram a decepar. Agora, com algum
tempo mais, estou certo que irão apavorar-se com
a extensão e profundidade de suas raízes. E o
Brasil que o perdeu é que sofrerá as
consequências (Acervo pessoal de Licurgo Costa).

As palavras sobre a morte de Vargas encerram expressões acerca


dos impactos pessoais desse episódio. De modo particular, nas cartas
enviadas para Ivette, Licurgo se declarava um getulista. Além das cartas
com manifestações mais íntimas, enviou, por ocasião do trágico
ocorrido, telegramas para cada membro da família Vargas, como
também para Lourival Fontes e o vice-presidente Café Filho. Em cada
telegrama, uma mensagem diferente. Em um deles, enviado para Alzira
Vargas, expressou que “Ele foi para mim mais que um pai” (Acervo
pessoal de Licurgo Costa).
Depois da morte de Getúlio, Licurgo ainda permaneceu mais uns
anos em Madri. No entanto, sempre atento às questões políticas do
Brasil. Entre os anos de 1954 e 1955, a instabilidade e as disputas
permearam o cenário brasileiro. Ivette Vargas, na condição de deputada
e amiga do Licurgo, enviou-lhe cartas sobre os entraves políticos que
caracterizavam o momento:

Meu caro Licurgo


Embora não lhe deva cartas, porque minha última
ainda está sem resposta, envio-lhe as notícias
sobre os recentes acontecimentos da nossa terra.
Desde há muito a reação interna se uniu ao capital
internacional, tentando impedir a marcha
ascensional dos trabalhadores na conquista
integral da justiça e a liberação do Brasil pelo seu
desenvolvimento econômico. Você sabe que um
homem encarnou os princípios do nacionalismo e
do trabalhismo e, amparado na fé e na coragem,
enfrentou grupos poderosos, consubstanciando, na
sua atitude e na sua obra, o sonho que ele viveu
intensamente de emancipação do povo e do Brasil.
Tentaram destruí-lo pela infâmia e pela calúnia,
mas a resposta foi três de outubro de mil
127

novecentos e cinqüenta. Pretenderam impedir sua


posse, nada conseguiram porém. Iniciaram
imediatamente a planificação sistemática e
persistente de sua destruição. Veio 24 de agosto e
ele que em vida fora adversário destemido e
temível, morto tornou-se invencível. Procuraram
vincular ao seu nome um dos candidatos e foi
precisamente isto que deu a vitória a Juscelino.
Repetem-se agora as investidas que o Brasil
assistiu há cinco anos atrás. O país, há muitos e
muitos meses, vive um clima de tensão e
intranquilidade, acarretando esse estado de coisas
os mais sérios prejuízos para todos os setores da
vida nacional (Acervo pessoal de Licurgo Costa).

Após o suicídio de Vargas, assumiu o seu vice, Café Filho, que


organizou uma equipe que se afastava da política varguista. Em 1955,
aconteceram as previstas eleições presidenciais, Juscelino Kubistchek do
PSD (Partido Social Democrático) fez uma coligação com o PTB
(Partido Trabalhista Brasileiro), enquanto a oposição ferrenha era
representada pela UDN (União Democrática Nacional). Juscelino foi
eleito presidente e João Goulart, que fora ministro do trabalho no
governo Vargas, foi eleito vice-presidente pelo PTB. À época, os cargos
de presidente e vice-presidente eram votados separados. A UDN,
inconformada, fez vários conchavos para impedir a posse, afinal, as
figuras de Juscelino e Goulart remetiam diretamente à de Vargas.
Na referida carta de Ivette sobre essa sequência de
acontecimentos, ela explicou todos os detalhes das articulações para
garantir a posse de Kubistchek. A partir desses novos contornos
políticos, identificam-se, nas cartas de Licurgo, ações e opiniões sobre
JK, como também uma proximidade. A aliança com JK fazia parte das
articulações que os Vargas haviam estabelecido com ele no contexto de
uma luta pelo legado de Getúlio. Do lado do PTB, a luta era travada
entre os sindicalistas e a família de Vargas, que também tinham no
Distrito Federal, em Amaral Peixoto, o braço do PSD varguista. Sendo
Licurgo próximo de Alzira, e tendo em Vargas “um pai”, sugeriu que a
família seguisse na campanha presidencial, até mesmo, por uma questão
de sobrevivência nos meandros governamentais. Já no começo de 1956,
antes ainda da posse, JK realizou uma viagem101 aos Estados Unidos e

“No início do seu mandato como presidente do Brasil, Juscelino procurou


101

manter as alianças com os E.U.A., com o objetivo de colocar em prática seu


128

também a alguns países da Europa, entre os quais, a Espanha. Licurgo


enviou uma carta a Auro, contando as impressões do contato com o
então presidente:

Tive alguns contactos com o Presidente, na sua


rápida passagem por aqui. É, sem dúvida, um
homem de grande valor. O seu diálogo como o
Brasil, na campanha eleitoral, deu-lhe um
conhecimento seguro da nossa situação e fez dele,
como era inevitável, um político que pensa em
função da economia do país. Tive a impressão de
que elegemos um economista para a presidência.
E nesta fase que estamos atravessando a escolha
foi feliz. Não sei se essa obsessão pelo lado
econômico será favorável a ele. Para o Brasil, sem
dúvida que o será, se tivermos uns dois anos de
calma, pelo menos. Por outro lado, observei-lhe
uma característica bem curiosa: o quase completo
desinteresse pelo tema político. Só o fato
econômico o preocupa. Sua memória para
estatísticas e o gosto pelo confronto de dados
brasileiros com o de outros países, são
extraordinários. Como vivemos no Brasil um
período eminentemente político, talvez ele seja
obrigado a rever o esquema de ação com que
subiu à Presidência. E, na minha modesta opinião,
será uma pena porque essa mentalidade que agora
o caracteriza é a que mais convém ao Brasil Atual
(Acervo pessoal de Licurgo Costa).

De certa forma, conforme e as cartas e os registros que constam


nas agendas evidenciando jantares e outros compromissos sociais
envolvendo Juscelino e a família, há evidências documentais que
retraçam a rede de reciprocidades envolvendo Licurgo e o presidente

projeto desenvolvimentista. Com a intenção de buscar parcerias econômicas,


antes mesmo de sua posse, Kubitschek empreendeu, em janeiro de 1956, uma
viagem aos Estados Unidos e alguns países da Europa. A inclusão da Espanha
na agenda de visitas e as preparações para a recepção do novo presidente pelo
governo de Franco foram um dos pontos altos das relações bilaterais entre
Brasil e Espanha nos anos 50”. In: SOUZA, Izepe Ismara. Caminhos que se
Cruzam: relações históricas entre Brasil e Espanha (1936-1960). Tese de
Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História da USP, São Paulo, 2009,
p. 204.
129

Juscelino. Como exemplo, uma carta do amigo Josué Montello, membro


da Academia Brasileira de Letras, em que ele comunica o seguinte:

Rio, 16 de abril de 1960


Esta carta é mais um bilhete, rascunhado às
pressas, em véspera de irmos assistir à
inauguração de Brasília. O que quero lhe dizer é
que está na hora do pagamento para o retrato do
Presidente. A quota é de CR#25.000,00. Você
deve mandar um cheque nominal para Candido
Portinari, por meu intermédio. Estou recolhendo
todos os cheques assim. Hoje o Presidente fará a
primeira pose. Em setembro o retrato será
entregue a ele em Brasília, lembrança de vinte de
seus amigos, entre os quais está você (Acervo
pessoal de Licurgo Costa).

Carta que Licurgo respondeu em 30 de abril de 1960, na qual


reclamou da demora do serviço de correio entre o Rio de Janeiro e
Montevidéu. “Deve ter vindo em lombo de mula, como no tempo da
conquista”. Registrou também que “sentiu imensa pena de não poder ir à
inauguração de Brasília” (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Agradeceu
imensamente a Montello poder fazer parte dessa homenagem ao
presidente, como também pagou a quantia solicitada para custear o
presente, um retrato de JK realizado por Portinari. Josué Montello
ocupava, nessa época, a posição de diretor do Museu Histórico
Nacional, nomeado pelo próprio Juscelino, de acordo com uma carta
enviada a Licurgo em 12 de dezembro de 1959 (Acervo pessoal de
Licurgo Costa).
Entre as décadas de 1950 e 1960, após as articulações investindo
em uma tentativa de transferência para Paris, Licurgo manifestou, em
carta a Auro, outras articulações:

Quando vi que, apesar de contar com decisiva


atuação sua junto ao Presidente, a promoção ainda
iria ser muito retardada e tive aviso de que o
Franchine tratava de conseguir outro posto escrevi
ao SETTE, pedindo Montevidéu. A solução
também veio prontamente. Também escrevi ao
ministro Lafer. Não sei se com isso prejudiquei
um pouco a outra meta, mas, por outro lado, com
a minha passagem pelo Rio, espero conseguir
amolecer o Jango... Vou exibir ao Presidente um
130

livro de quase 600 páginas e espero que ele se


comova e atenda o seu pedido. Além disto eu
precisava, por vários motivos, sair daqui. E
precisava também ficar mais perto da terra. Já
ando cansado de quase 20 anos no exílio (Acervo
pessoal de Licurgo Costa).

Há indícios de uma tentativa, ou de uma demonstração de querer


um posto como embaixador, utilizando, entre outros recursos, o livro
Uma política para as Américas. Em carta enviada ao amigo Franchini,
datada de 2 de janeiro de 1960, Licurgo, ainda em Madri, narrou os
preparativos da mudança para Montevidéu e as perspectivas em relação
à eleição de Jânio Quadros para a Presidência da República, assim como
registrou alguns apontamentos sobre o livro que estava escrevendo: “É
bem capaz de, após a publicação do livro, o nosso grande JK pensar em
me nomear embaixador numa ‘somalandia’ qualquer... Mas eu não
trocarei por Montevidéu...” (Acervo pessoal de Licurgo Costa).
Em 1968, Juscelino enviou uma carta para Licurgo:

Meu caro amigo Licurgo,


Agradeço-lhe muito a atenção que teve para
comigo, remetendo-me por intermédio do Paulo
Tarso Flexa de Lima, o seu magnífico livro - Uma
Nova Política para as Américas. Já estou quase no
fim e lhe confesso que o reli agora como se o
fizesse pela primeira vez, tal a soma de
conhecimento que ele proporciona e a orientação
que dá ao espírito da gente, no tocante à política
internacional. Estou agora ativando a conclusão
do meu livro e me encontro exatamente no
capítulo referente ao meu governo. A memória
não está tão boa que me permita lembrar todos os
passos da Operação Pan Americana e seu livro
está sendo muitíssimo útil para mim...
Não sei quando pretende vir ao Brasil, mas espero
que nessa ocasião me dê o prazer de jantar em
nossa casa (Acervo pessoal de Licurgo Costa).

Há registros da relação com Juscelino em anotações nas agendas


sobre jantares em família e passeios em Nova York, e também registros
da amizade pessoal com Alzira Vargas, filha de Getúlio, e Ivette Vargas,
131

sobrinha dele102. Contudo, ao se analisar os registros, tanto nas


memórias quanto nas trocas epistolares, destaca-se, nessa rede de
sociabilidades mobilizada em favor do próprio sucesso pessoal, a
amizade com Auro Moura de Andrade, na década de 1960, presidente
do senado. Em carta enviada a Licurgo, datada de 28 de março de 1960,
consta o seguinte:

Prezado Licurgo
Recebi seu telegrama de congratulações pela
minha investidura na liderança, onde poderei
servi-lo melhor mas ainda assim, não tanto quanto
desejo e você merece.
De qualquer maneira conte sempre com a boa
vontade, o trabalho e a imensa sinceridade deste
seu amigo que lhe envia um abraço (Acervo
pessoal de Licurgo Costa).

De certo modo, as negociações com vistas a conseguir algum


crédito profissional nos últimos anos de percurso no Itamaraty, foram
depositadas, sobretudo, na amizade com Auro. Ainda na década de
1960, Licurgo registrou com relevo, em seu livro de memórias, o
episódio que envolveu a renúncia do então presidente, Jânio Quadros.
Nessa ocasião, o vice-presidente, João Goulart, viajou para o Uruguai
para negociar a posse, já que o cenário político brasileiro não lhe era
favorável. À época, Licurgo era, desde o final de 1959, ministro de
primeira classe em Montevidéu. Segundo ele, cidade agradável, mas
cargo difícil, considerando que, quando a situação se complicou no
Brasil, muitos se refugiaram para o país vizinho:

Foi assim quando da renúncia de Jânio Quadros e


João Goulart – o Jango, vice-presidente vindo da
China, passou alguns dias em Montevidéu,
negociando a posse como seu substituto. Coube-
me receber no aeroporto a Tancredo Neves,
enviado das forças políticas brasileiras em avião
da FAB, para negociar a volta do vice-presidente
a Brasília. Antes de nos dirigirmos à Embaixada,
onde Jango estava hospedado, Tancredo pediu-me
para dar umas voltas pela cidade, a fim de
falarmos sobre o estado de espírito de Jango, suas

102
As cartas programando viagens e as compras de presunto espanhol.
132

conversas na intimidade. Expliquei-lhe claramente


a situação, que poderia ser resumida, afinal, em
poucas palavras: Jango mostrava evidente receio
de ser feito prisioneiro pelo Exército, que segundo
informações recebidas de Leonel de Moura
Brizola – Governador do Rio Grande do Sul – não
o aceitava na presidência da república. Depois de
bem informado Tancredo pediu para irmos para a
Embaixada, onde trancou-se com Jango no
dormitório do Embaixador, o único lugar não
ocupado por jornalistas, políticos e amigos. Por
volta das 16 horas levei Tancredo e seu
companheiro de viagem, ao aeroporto, de regresso
a Brasília, disse-me que estava tudo acordado, que
Jango concordara com a adoção do
parlamentarismo no Brasil e que voltaria,
provavelmente no dia seguinte, para Brasília
(COSTA, 2002, p.102-103).

Figura 15: Ocasião em que Licurgo Costa recebeu Tancredo Neves


no Uruguai para negociar a posse de João Goulart
Fonte: Acervo pessoal de Licurgo Costa

Conforme as palavras de Licurgo, Jango retornou ao Brasil no dia


seguinte, mas com medo, inclusive, de o avião ser derrubado pelo
exército brasileiro. Licurgo registrou esse episódio de forma a elaborar
uma memória da própria importância nos bastidores do ocorrido. Não
muito tempo depois, em dezembro de 1963, ele foi convidado para
133

assumir o posto de embaixador do Brasil no Uruguai, cargo que


recusou:

Consegui falar com o senador Auro Moura


Andrade, em Brasília, Presidente do Senado e
meu fraternal amigo, contando-lhe o que estava
acontecendo e rogando-lhe encarecidamente que
procurasse o Presidente para dizer que eu não
podia ser nomeado, até porque não andava bem de
saúde e o posto era extremamente trabalhoso.
Auro me respondeu: “Mas isso é incrível! Todo
mundo pede para ser embaixador e você pede para
não ser?”. Então expliquei-lhe: “Auro, acabo de
voltar de Porto alegre e isto aí está podre, vai
desmoronar a qualquer momento e se eu estiver
como embaixador vou de roldão na enxurrada. E
não quero, por questão de família, que você
conhece, sair daqui”. Eu tinha razão. Uns quatro
meses depois Jango foi deposto, mas eu,
esquecido em Montevidéu fiquei em paz. Veio
então um período agitado nas relações entre o
Brasil e o Uruguai, no qual as minhas ligações de
amizade com muitos dos governantes do país
foram de grande utilidade. Mas desta fase da
minha vida prefiro falar em outra oportunidade
(COSTA, 2002, p.104-105).

As turbulências do cenário político mundial na década de 1960


conduziram muitos países a um regime ditatorial. Em 31 de março de
1964 foi selado o golpe militar no Brasil. João Goulart foi deposto. O
senador, Auro de Moura Andrade, amigo pessoal de Licurgo, declarou
vaga a presidência da República, concretizando a via parlamentar do
golpe. Nesse dia, Licurgo estava em Lages, conforme o registro da
agenda abaixo, e rabiscou o seguinte: “rebentou a revolução em Minas,
São Paulo e Guanabara, para depor João Goulart, pensei viajar
imediatamente de regresso, depois resolvi esperar para amanhã”.
Conforme suas anotações, regressou já no dia 1º de abril para o Uruguai.
Dia 4 de abril viajou com a esposa Suzy para a fazenda de João Goulart
no Uruguai a fim de lhe prestar solidariedade.
134

Figura 16: Página da agenda de Licurgo Costa, em 31 de março de 1964


Fonte: Acervo Pessoal de Licurgo Costa

Estabelecida a ditadura militar no Brasil, Licurgo continuou em


Montevidéu até aposentar-se ao início da década de 1970, apesar do
registro pessoal de solidariedade a João Goulart, a amizade dedicada a
Auro Andrade ocupava na vida de Licurgo uma ênfase maior. Tanto,
que em uma carta que enviara a Auro, em 23 de dezembro de 1965,
recomendou que ele não fosse ao Uruguai devido à necessidade de se
resguardar dos melindres do cenário político brasileiro para com
“Jangos e Brizolas”: “Se você vier incógnito, saberão, mais dia, menos
dia, e então a exploração será maior e você aparecerá conferenciando, às
escondidas, com Jangos e Brizolas” (Acervo pessoal de Licurgo Costa).
Um ato que foge das intenções evocadoras elaboradas por
Licurgo é a passagem escrita sobre ele no livro de memórias de Laurita
Mourão103, filha do general Olimpio Mourão Filho104. Laurita expôs

103
MOURÃO, Laurita de Irazabal. À mesa do jantar. Rio de Janeiro: Editorial
Nórdica, 1979.
104
Militar, foi um dos principais líderes da ação integralista brasileira, redator
do plano Cohen, documento falsamente atribuído ao intento comunista,
135

algumas passagens vivenciadas com Licurgo e algumas observações


sobre o mesmo. É oportuno destacar que o referido livro, À mesa do
jantar, escandalizou o Itamaraty, pois Laurita, que havia sido
funcionária do ministério das relações exteriores em algumas
embaixadas do Brasil pelo mundo, tornou públicos episódios bem
íntimos, como certos romances e intimidades sexuais envolvendo nomes
conhecidos. Licurgo escapa dessas revelações, pois os comentários
sobre ele dizem respeito às suas qualidades humanas, às suas ações
como chefe105. Dele, no entanto, Laurita ressalta as festas que
organizava, as quais sempre agregavam pessoas muito diferentes entre
si:

Homem inteligente e culto, de forte personalidade,


foi um professor de vida para mim. Conhecia bem
o coração humano e me pedia para contar-lhe tudo
que me acontecia. Sempre me elogiava e trazia à
conversa uma explicação para o problema, muitas
vezes até um pito. Licurgo está casado com uma
mulher maravilhosa, que se vestia muito bem,
cheia de virtudes e com uma grande força
espiritual. Nunca teria podido enganá-la. Não teria
lhe causado um desgosto por nada deste mundo.
Minha amizade com Licurgo nunca a preocupou
demasiado, penso hoje, pois ela sabia que entre
nós não acontecia nada de cama. Não sei se teria
sido sua amante, tivesse eu continuado a morar
em Montevidéu. Mas confesso que a predileção
dele por mim me enchia de um tremendo orgulho,
me enchia de gozo. Não porque ele tivesse carros
último modelo, casa-palácio, filha simpática e
bonita, esposa completa, um círculo aristocrático
de amizades. Não. Meu orgulho é porque ele era
cultíssimo, inteligente, justo e bondoso com todo
ser humano. Era sua bondade que me fazia bem ao
coração. Licurgo conhecia minhas deficiências no
trabalho; como pessoa sabia dos meus atropelos,
conhecia meu caso pretérito com Daniel, sabia
que eu tinha sido adúltera e havia parido uma filha

utilizado como motivo da implantação do Estado Novo, ditadura Vargas, em


1937.
105
Licurgo chefiou o departamento em que Laurita trabalhou em Montevidéu.
136

que não era do meu marido, mas ele me tratava


com carinho e amor. Como chefe, era calmo e
sereno para enfrentar os problemas: magnânimo
com os relapsos, exigente com as tarefas
distribuídas, generoso com seu bolso, tratava de
mitigar as dificuldades de todos. Era muito
querido por todos nós. Fiquei devendo a ele
muitas atenções e, sobretudo, a idéia de ter
deixado o Uruguai e começado uma vida nova na
Europa. Ele dizia que fica espantado com a minha
sinceridade para tudo, a minha maneira aberta de
ser. Ele sempre foi um produto típico do ambiente
onde fez sua carreira: hipocrisia como “modus
vivendi”. Nunca fazia nada abertamente. Suas
festas eram magníficas de organização, bem
servidas, abundantes, embora sem unidade. Poder-
se-iam encontrar, por exemplo, o ministro de tal
ou qual pasta, de passagem pela cidade, o
importador brasileiro, o rico industrial em viagem
de negócios, a viúva do embaixador tal, o ex-
presidente de uma republiqueta sul americana, o
pintor não sei quanto, dois amigos jovens da filha
solteira, e...eu! (MOURÃO, 1979, p. 95-96).

Na menção sobre as recepções em que Licurgo era o anfitrião,


nota-se o ecletismo do capital social de que dispunha. Como também é
perceptível, na relação com Laurita, a figura de um chefe/pai, tal como
Getúlio havia sido, ou seja, a questão família como um elemento
estruturante dessas relações tecidas no interior da alta burocracia do
Estado. Antes de lançar o livro, Laurita enviou uma carta para Licurgo,
datada de 26 de junho de 1979, esclarecendo algumas escolhas e
expressando sua gratidão pelo ex-chefe, a quem considerava o grande
incentivador de sua carreira diplomática:

Querido Licurgo
O motivo desta carta é para comunicar-lhe que
escrevi um livro e que ele sai à luz na primeira
semana de setembro. O nome é “A MESA DO
JANTAR” - onde eu creio que cada família tem
seu próprio altar e onde se educam os filhos e se
passam a eles os ensinamentos que vêm dos
nossos antepassados (...). Você aparece no livro e
muitas são as páginas que lhe dedico, com muito
amor e muito agradecimento. Falo rapidamente na
137

Susie. Desejo comunicar-lhe hoje, tudo isso, antes


que o livro saia. Minha intenção é mostrar como
você foi importante na minha vida, na minha
realização e do quanto lhe sou grata (...). Espero,
entretanto, que você compreenda as minhas
intenções e aceite meus julgamentos, todos
levados só pela grande amizade que lhe dedico e à
Susie (Acervo pessoal de Licurgo Costa).

Em 1979, ano em que Laurita publicou suas memórias, Licurgo já


estava aposentado e residia em Lages. Em outras correspondências, de
10 anos antes, quando ainda morava no Uruguai, enviou uma carta a ela
cobrando uma quantia de 500 dólares, alegando que estava para se
aposentar e precisava reunir recursos para voltar a Lages (Acervo
pessoal de Licurgo Costa). Fato é que, ao ler as memórias de Laurita e
as cartas trocadas entre eles, nota-se que a carreira dela, como
funcionária do Itamaraty, recebeu grande incentivo e empenho por parte
de Licurgo, inclusive financeiro. No mais, é possível observar que,
embora estivesse nos bastidores das embaixadas, cuidando de assuntos
econômicos, transitava em outros departamentos, promovia contatos
sociais frutuosos, respaldados por um ethos de discrição, refinamento e
cosmopolitismo, tão utilizado em seu retorno a Santa Catarina.
Apesar das articulações ao redor de figuras que representavam
prestígio e poder, Licurgo nunca foi embaixador. De certa forma, isso
significava uma frustração de suas aspirações pessoais, bem disfarçada
nas memórias que produzira sobre sua trajetória. No entanto, em uma
carta enviada a Auro, em 11 de novembro de 1967, essa frustração foi
expressa:

Vou tentar, no Rio, obter remoção para Paris.


Lilian está bem integrada na vida Uruguaia e já
não nos dá preocupações. De sorte que estamos
desejando voltar para Europa e como Paris está
vago desde que o Soiolete foi aposentado,
procurarei agora satisfazer uma velha aspiração.
Lá, além de outras vantagens teremos, sobretudo,
a de contar anualmente com uma visita de vocês.
Só isto, já me animaria a tentar, junto ao Ministro
Magalhães Pinto, uma remoção que, afinal,
representará senão uma reparação pelo menos
uma compensação por nunca ter tido uma
embaixada, por modesta que fosse. Vamos ver se
138

consigo sensibilizar o chanceler (Acervo pessoal


de Licurgo Costa).

Paris não foi possível, tampouco uma embaixada. Destino, ou


escolha, foi retornar ao torrão natal e acertar as contas com o passado,
justamente no lugar que poderia lhe conferir um prestígio social e
cultural. Nas últimas três décadas do século XX, a ação protagonizada
por Licurgo foi a de construir um lugar de memória de si e de seus
familiares através de sua “obra”, fixada em “continentes” da história.
139

CAPÍTULO 3
DO RESTO DO MUNDO PARA OS CAMPOS DAS LAGENS

Se, nos primórdios da década de 1920, Licurgo havia saído de


Santa Catarina para o Rio de Janeiro, e na de 1940, “disparado” para o
“o resto do mundo”, via Itamaraty, na década de 1970, voltou do resto
do mundo para os campos das Lagens. Esse capítulo versa sobre as
ações empreendidas por ele nesse retorno e seu investimento em
produzir uma memória autobiográfica, familiar e territorial. A cada uma
dessas dimensões, executa estratégias de viabilização. Na biográfica:
reenquadrar o passado, adequando a trajetória e a experiência às
necessidades do presente – é o que ele fez, por exemplo, com a
conversão da imagem de inventor da propaganda oficial de um governo
autoritário em pioneiro do jornalismo e defensor da liberdade de
imprensa. Ao rever e reenquadrar sua trajetória, atualiza-a, além de
afirmar sua autoridade intelectual dentro da família, em Lages e no meio
erudito da capital como intelectual. Ao assumir o triplo (e inconciliável)
papel de historiador, personagem e testemunha da história de Lages e do
Brasil, ele se consagra como autor de um texto de corte autobiográfico.
Em sua produção, recorre à experiência pessoal e familiar para legitimar
a autoridade do texto em que reivindica para Lages o lugar que lhe
corresponderia, e que até então, lhe teria sido negado, na história
regional. Ao evocar sua trajetória como figura destacada na história
nacional, cumpre a missão reparadora de projetar sua família no espaço
público, de dar-lhe o merecido assento na história política do estado,
consagrando a si e à sua linhagem como os legítimos representantes e
guardiões da memória de Lages.
As experiências sociais e culturais nesse percurso de Licurgo para
além de Santa Catarina foram utilizadas como um recurso para angariar
prestígio e poder simbólico por ocasião de seu retorno. Além da
produção em torno dessa memória sobre o caminho trilhado, investiu na
escrita da história de seu lugar de origem, Lages, ação que confere ao
seu torrão natal um lugar no mapa político da história catarinense. O
Continente pode ser compreendido como um monumento sobre a cidade
de Lages, que remete, principalmente, à memória do clã de Licurgo
Costa, conferindo a ele o lugar de conservador da memória local e
familiar. Neste capítulo, a abordagem é sobre o retorno de Licurgo à sua
terra natal, a inserção em espaços culturais de Santa Catarina, como a
ACL e o IHGSC, e também sobre os motivos que o levaram a escrever
140

O Continente das Lagens. Assim como observar nas representações


sobre o passado de Lages, construídas no Continente, a exaltação do
legado familiar em espaços da cultura.

3.1 AS AÇÕES DO FIDALGO DA SERRA

Em uma matéria publicada na página de cultura do jornal O


Estado, alguns meses após o falecimento de Licurgo, intitulada “Quadro
de De Chirico em Florianópolis”, há um breve apontamento antes do
título da matéria: “Licurgo Costa, pouco reconhecido em seu Estado, foi
retratado por um dos mais respeitados pintores do mundo”. Trata-se de
uma publicação que menciona um quadro com a imagem de Licurgo,
pintado por Giorgio de Chirico, pintor greco-italiano106:

106
Giorgio de Chirico (1888-1978) foi um pintor grego, representante da pintura
metafísica. Nasceu em Vólos, na região grega da Tessália. Estudou artes em
Munique e Paris, onde estabeleceu amizade com importantes artistas como
Apollinaire e Picasso. Na Itália, criou o grupo Pittura Metafísica. Em 1919,
liderou outro grupo de artistas, o Valori Plastici. Sua pintura apresenta
características diversas, do surrealismo (identificado em sua obra durante bom
tempo) ao dadaísmo. Nela, são constantes os elementos que usavam grandes
espaços, como praças e ambientes oníricos e características misteriosas. De
Chirico era considerado um pintor metafísico, influência que obteve através do
pintor italiano Carlo Carrà, que fazia parte dessa corrente. Sua obra foi bastante
inspirada pelas leituras dos filósofos Nietzsche e Schopenhauer, o que deu certo
teor pessimista e melancólico às suas pinturas. No Brasil, vários pintores
levaram a sua influência: Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Ismael Nery. Suas
obras proeminentes são “O Enigma da Hora” (1912), “Melancolia de uma Bela
Tarde” (1913), O Sonho Transformado (1913), “Heitor e Andrómaca” (1917) e
as “Musas Inquietantes” (1916). Faleceu em Roma.
141

Figura 17: Imagem de Giorgio de Chirico e Licurgo Costa


Fonte: Academia Catarinense de Letras

Como funcionário do Itamaraty, Licurgo esteve a serviço na


Itália, durante o pós-guerra, lugar em que o referido artista realizou a
pintura. Na imagem acima, é possível observar o próprio pintor ao lado
da obra. A matéria versa sobre a importância dessa obra de arte,
mencionando Licurgo como um “diplomata catarinense que fez amigos
em todos os países por onde representou o Brasil, principalmente
intelectuais”. O jornalista responsável pelo artigo, Norberto de Carvalho
e Silva, teceu afirmações como:

Nenhum outro brasileiro teve esse privilégio de


ser retratado por um artista com obras em todos os
grandes museus do mundo. Por isso, o quadro,
pode-se afirmar que é hoje o maior patrimônio
artístico cultural no Estado de Santa Catarina (O
Estado, 9 de dezembro, 2002).

É notável o significado do quadro, embora afirmar como maior


patrimônio artístico cultural de Santa Catarina seja um exagero, até
porque Licurgo não foi o único brasileiro a ser retratado por De Chirico,
e mesmo que fosse, questões patrimoniais demandam uma reflexão mais
aprofundada acerca do assunto. Entretanto, essa matéria de jornal,
publicada alguns meses após a morte de Licurgo, traz dois apontamentos
pertinentes para analisar o seu movimento de construção de uma
trajetória no exterior e a volta para casa, pois, ao mesmo tempo que o
jornalista pontuou sobre as amizades com pessoas ilustres e as
singularidades da vida profissional no exterior, citando o quadro
realizado por De Chirico como um testemunho material disso, também
142

argumentou que “se trata de um ilustre pouco lembrado por seu povo”.
O jornalista compreende também que Licurgo foi pouco reconhecido em
seu Estado. Publicações acerca do falecimento em 2002 prestaram
homenagens, enalteceram a trajetória e O Continente das Lagens, em
especial, os depoimentos prestados por sócios ou pessoas próximas ao
IHGSC e à ACL. No jornal estadual Diário Catarinense, publicado um
dia após o falecimento de Licurgo, constam depoimentos e homenagens,
sobretudo na matéria intitulada “Um Catarinense de todo mundo”:

Santa Catarina perde um dos seus representantes


mais ilustres. O Embaixador, jornalista e
historiador Licurgo Costa morreu ontem de
insuficiência respiratória (...). Dr. Licurgo Costa,
como era conhecido, foi um cidadão do mundo,
mas nunca esqueceu ou abandonou sua terra natal.
Prova disso, a publicação do“Continente das
Lagens” (Diário Catarinense, 13 de julho de
2002)

“Licurgo era o nosso escritor mais velho, com 97


anos e que publicou quase 30 livros. Por si só, sua
morte é algo que nos toca muito. Ele teve uma
trajetória muito importante. O Dr. Licurgo
conviveu com grandes nomes, como Rui Barbosa,
Washington Luís, conheceu pessoas como
Trotski, Mussolini, Salazar e Drummond, além de
ter convivido com Getúlio Vargas. Ele era um
homem de vivência extraordinária. Não creio que
a gente tenha tido uma pessoa com vivência tão
grande (Nelson Rolim de Moura, Diário
Catarinense, 13 de julho de 2002).

Nessas homenagens póstumas, as palavras utilizadas para


rememorar o morto, em geral, vinculavam-no à trajetória e à ilustre rede
de relações sociais, ou então, à cidade de Lages e à escrita do
Continente. De certa forma, Licurgo investiu na construção de uma
memória de si vinculada tanto à sua frutuosa trajetória, quanto ao fato de
escrever sobre a história de Lages.
Ao voltar para Santa Catarina, tratou de tornar-se sócio de
instituições culturais como a ACL e o IHGSC, espaços que
comportavam o perfil de alguém com sua trajetória, um diplomata
aposentado, jornalista e escritor. Embora essas instituições já não
desfrutassem mais de grande prestígio acadêmico, Licurgo não dispunha
143

do capital escolar necessário ao ingresso ou ao exercício de alguma


influência no meio universitário em ascensão. De modo que, um
comportamento adotado de forma recorrente pelo autor é a alusão à sua
trajetória, que o constitui em testemunha da história desenrolada nos
lugares em que vivera e pelas pessoas que conhecera. É possível
identificar, nessa ação, um recurso de distinção para agregar certo
capital simbólico em torno de si e autoridade à sua narrativa. No
prefácio de seu livro de memórias, ele escreve:

Vivi quase trinta anos na Europa e Américas, em


capitais por onde transitavam, praticamente, todos
os viajantes brasileiros de projeção política e
social. Como deixei no Rio e em São Paulo um
vasto e alto círculo de amizades, consolidado
durante os muitos anos em que fui redator dos
mais importantes jornais cariocas e ainda
funcionário de certa graduação da Presidência da
República, sempre fui muito procurado por
senadores, deputados, governadores, escritores,
artistas, industriais e comerciantes que passaram
pelas capitais em que servi. O que, se por um lado
me era sumamente agradável, por outro me trazia
desvantagens pela ciumeira dos Embaixadores,
que se sentiam lesados nas suas sagradas
prerrogativas de chefes de missão e, portanto, nas
suas singulares interpretações, concessionários de
tudo o que acontecia nas Embaixadas e
adjacências relativo ao Brasil (COSTA, 2002, p.
17-18).

No mesmo prefácio, Licurgo pontuou que nunca havia pensado


em escrever memórias, “embora durante mais de meio século venha
mantendo o hábito de registrar, em volumosas agendas” (COSTA, 2002,
p. 17), o cotidiano. Argumentou ainda que biografias e memórias eram
destinadas a personalidades que marcaram época e que ele,
definitivamente, não correspondia a isso, porém, justificava a escritura
das suas na abertura do prefácio: “Mesmo que sejamos humildes e
obscuros, a vida de todos nós é balizada pelos grandes vultos que
encontramos no caminho”, expressão essa escrita pelo membro da
Academia Brasileira de Letras e amigo pessoal de Licurgo, Josué
144

Montello107. Fato é que, ao retornar para Santa Catarina, independente


da publicação das memórias, entrevistas e matérias publicadas nos
jornais estaduais, com ou sobre Licurgo, todas remetem aos ilustres que
conheceu em sua trajetória. Um exercício constante de agregar a si as
qualidades de outrem, o prestígio, a autoridade e a legitimidade
necessários ao exercício do poder simbólico, poder que somente os
demais podem conferir, já que ninguém pode se autoatribuir esse valor,
apenas conquistar.
Em artigo publicado no Diário Catarinense, o jornalista Moacir
Pereira se refere a Licurgo como o “Fidalgo da Serra”, denunciando-lhe
as vestes de herói civilizador. Na ocasião, o jornalista fez inúmeras
reverências a Licurgo, porém, uma delas enalteceu a trajetória e as
relações sociais travadas por ele, bem como sua contribuição ao cenário
catarinense:

Cidadão do mundo, trouxe para a província o que


a civilização tinha de mais requintado na relação
humana, no conhecimento literário, na valorização
da cultura e no gosto pelas artes. Dotado de fina
educação, era um gentleman até nos debates
sempre ricos sobre questões polêmicas. Detentor
de privilegiada memória, resgatava fatos
históricos de décadas passadas com precisão
fotográfica. A lucidez, mantida até os últimos dias
de sua vida, o transformou em sábio e generoso
conselheiro. A inteligência projetou suas
pesquisas em obras clássicas, como "O Continente
das Lajens", uma enciclopédia sobre a serra
catarinense. Era "o fidalgo da serra": o
embaixador Licurgo Costa (Diário Catarinense,
31 de agosto de 2002).

Licurgo não foi embaixador, mas em Santa Catarina, em algumas


circunstâncias, foi referenciado como tal, principalmente nos jornais.
Embora a ação mais reconhecida pelos agentes do meio cultural do
Estado tenha sido a publicação de O continente das Lagens, Licurgo
protagonizou outros movimentos e interações, propostas muito
sintonizadas com as suas vivências como cidadão do mundo, apesar do
tom exagerado presente no comentário, quando afirma que o autor

107
Trata-se de uma citação extraída do Diário de uma noite iluminada, livro de
memórias em cinco volumes de Josué Montello.
145

“trouxe para a província o que a civilização tinha de mais requintado na


relação humana”. É preciso considerar que alguém com a trajetória de
Licurgo partilharia signos de seu repertório de experiências sociais e
culturais. Em suas passagens pelos vários lugares em que morou,
sempre registrou o gosto pelas artes em geral. Uma de suas primeiras
intervenções foi a criação de um Museu de Artes em Lages, conforme os
apontamentos de uma carta de Licurgo enviada à Câmara de Vereadores
de Lages, em 1973:

a opinião pública lageana e, provavelmente os


responsáveis pela administração municipal, sabem
da importância e da urgência com que precisamos
dotar a nossa cidade de atrativos, a fim de
implantar definitivamente aqui a indústria do
turismo. Até este momento, além da paisagem,
sem dúvida belíssima, nada temos a oferecer
como distração típica da região, aos nossos
visitantes. Há cinco anos mais ou menos, um
lageano sempre desejoso de prestar serviços à sua
terra, sugeriu ao então prefeito municipal a
criação de um museu de cópias de obras primas da
pintura universal. A idéia constituía-se uma
primazia mundial, isto é, ninguém ainda a tivera
no mundo. E para completá-la seu autor doou à
prefeitura 40 ou 50 quadros célebres, no valor de
alguns milhares de Cruzeiros atuais (Acervo
pessoal de Licurgo Costa).

Esse empreendimento não recebeu exatamente a atenção que


Licurgo desejava, pois, “faltou como dizia um velho político mineiro,
finiciativa”. Na mesma carta, expressou que, alguns anos depois, o
sucessor do antigo prefeito, “em sua malfadada desadministração, fez
um simulacro de inauguração, mas desvirtuou a idéia, tirando-lhe
qualquer interesse” (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Na sequência,
desabafou que o Museu, após a sua inauguração, viveu na
clandestinidade, “já que não gera votos”. Vale ressaltar que retornou
para Lages em um momento de enfraquecimento da hegemonia política
das elites locais:

Durante grande parte deste século, até a década de


60, a estrutura política local girava em torno de
duas oligarquias, ambas com grande expressão
regional. Entre alianças públicas e privadas e
146

disputas de hegemonia, as oligarquias dos Ramos


e Costa governaram Lages até 1973 (PEIXER,
2002, p. 53).

Diante de tal cenário político108, Licurgo, como detentor do


legado dessas famílias, não tinha, nesse momento, a força necessária
para colocar em ação suas propostas de transmissão cultural. Apesar do
não êxito da ideia sugerida, na mesma carta aos vereadores de Lages,
apresentou outra sugestão:

Ora bem, apesar de tais antecedentes animo-me a


apresentar outra idéia que não é minha, mas cujo
autor pede para ficar no anonimato, idéia que me
parece sumamente interessante para Lages. Peço a
esta Câmara que a estude e a aprove,
encaminhando ao senhor prefeito para ser
concretizada. Trata-se também de uma idéia que,
se realizada dotará Lages de uma instituição única
no Brasil, conforme se verá a seguir. Existe no
Brasil numerosos parques nacionais, criados para
a preservação da flora e da fauna, assim como
também para lugar de recreio e visitação pública.
E, entre eles, para citar apenas dois exemplos,
temos o parque nacional de Itatiaia, no Estado do
Rio e o Parque do Xingú, reserva destinada aos
índios, creio que Xavantes. Pois bem, sendo Lages
cabeça de uma micro-região caracterizada pela
criação de gado bovino e pela exploração
florestal, seria realmente apropriado que fosse
criado aqui uma espécie de museu vivo do gado
(Acervo pessoal de Licurgo Costa).

A sugestão dirigida à câmara dos vereadores não causou o eco


esperado no momento em que foi apresentada em 1973. Contudo, a
iniciativa da criação de um parque ecológico, mas com expectativas

108
Fabiano Garcia, na monografia intitulada Rupturas, permanências e
transição: a força do povo em Lages-SC (1977-1982), analisa a gestão
municipal na cidade de Lages, formada por uma equipe de jovens, os quais,
através do partido de oposição da época, o MDB - Movimento Democrático
Brasileiro, tentaram implementar uma gestão de democracia participativa. Essa
ruptura com a política local já começou em 1973, quando foi eleito Juarez da
Silva Furtado, candidato do MDB.
147

mais amplas que um museu bovino109, foi realizada em 1997, sendo que
o parque foi batizado com o nome do avô de Licurgo, João José
Theodoro da Costa. É notável, no retorno de Licurgo, a série de ações
voltadas a intervir no cenário cultural de Lages para imprimir nela a
marca civilizadora de suas iniciativas. Em carta enviada para Madri,
direcionada ao Ministro Manuel Fraga Iribarne, do ministério de
turismo, datada de 1968, quando Licurgo ainda residia em Montevidéu,
consta uma solicitação relacionada ao projeto do referido de museu de
arte, localizado em Lages:

Caro ministro e amigo:


Aqui estou, novamente de mão estendida para lhe
fazer um pedido. E o que mais me anima em fazê-
lo é a certeza de encontrar em sua parte – com a
velha e inesgotável generosidade hispânica – uma
acolhida favorável. Trata-se do seguinte: por
sugestão minha foi criado, numa pequena, porém
próspera cidade do sul do Brasil, chamada Lages,
o Museu de reproduções e obras primas da pintura
universal. No mapa do Brasil que junto a esta está
assinalada a cidade de Lages. Ela é ponto
obrigatório de pernoite de uma considerável
corrente de viajantes procedente da Argentina,
Uruguai, Chile e há ali um imenso desejo de
torná-la também um ponto de atração turística.
Daí a idéia do museu. Naquelas longínquas
paragens nunca será possível organizar um museu
de originais de grandes pintores. Porém de
reproduções é mais fácil e, além de atrair
visitantes, vai educando-lhes o gosto e
estimulando-lhes o desejo de irem conhecer os
originais. Dentro desta ordem de idéias uma tal
coleção de reproduções, no fundo constituirá
também um elemento de promoção ou propaganda
dos grandes museus do mundo e dentre eles, com
o primeiro e mais importante no consenso geral,
está o do Prado. Aqui chegamos ‘al grano’:
poderia o meu eminente amigo gestionar junto ao
Prado o envio de uma coleção de cópias
heliográficas, litográficas, fotocópias ou

109
De acordo com a proposta apresentada por Licurgo, seria um parque
ecológico voltado à exposição de diferentes raças bovinas.
148

colotípicas para organizarmos dentro do novel


museu uma ou duas salas somente sobre a pintura
espanhola? (Acervo pessoal de Licurgo Costa).

Conforme já mencionado na carta de 1973, dirigida à Câmara de


Vereadores de Lages, tal iniciativa não vingou, apesar de todo o esforço
de Licurgo. Como visto, fez uso de sua rede de relações construídas no
Ministério das Relações Exteriores, na tentativa de marcar suas ações no
espaço público de sua cidade natal. Embora pertença a uma família que
carrega no sobrenome Ramos e Costa um forte capital político, Licurgo
nunca se candidatou ou se expôs abertamente em alguma disputa
eleitoral. Ao retornar para Santa Catarina, com o peso de seu
pertencimento social e as experiências adquiridas em sua trajetória, se
mostrará muito mais propenso a ações com vistas à perpetuação de
memórias em espaços culturais. Analisar as ações realizadas por Licurgo
nesse domínio da gestão cultural remete a uma reflexão sobre as
relações existentes entre as esferas cultural e política, na medida em que,
embora sejam espaços distintos, a trajetória de Licurgo, os lugares por
ele frequentados e muitas de suas ações situam-se nessa conexão. Além
disso, em muitas circunstâncias, foram os governadores que, sob
diferentes conjunturas políticas, articularam publicações e eventos
organizados no interior de espaços culturais como a ACL e o IHGSC.
Nesse regresso ao estado de nascimento, Licurgo não se limitou a
articular apenas movimentações individuais e locais. Enviou carta ao
então presidente da Academia Catarinense de Letras, apresentando-se
como candidato a uma vaga na instituição e solicitando inscrição.

Lages, 26 de dezembro de 1974


Excelentíssimo senhor, Doutor Holdemar Oliveira
de Menezes
Senhor Presidente
Venho pela presente, solicitar de Vossa
Excelência a fineza de mandar inscrever-me como
candidato à vaga deixada, nessa ilustre instituição,
pelo meu saudoso amigo e mestre, senador Ivo
d’Aquino. Fui, durante muitos anos, jornalista
profissional, no Rio de Janeiro, e, em seguida,
como funcionário do serviço diplomático, vivi
longo tempo no exterior, porém nunca estive
desvinculado do nosso Estado, para onde retornei
ao aposentar-me. Como Vossa Excelência terá a
bondade de verificar no curriculum em apenso, a
149

atividade predominante em minha obscura vida


foi sempre a de jornalista e escritor. Daí parecer-
me não ser fora de propósito aspirar ao convívio
dos dignos membros da Academia Catarinense de
Letras. Entretanto, além da razão acima, existem
outras duas que também me animam a candidatar-
me: o desejo de que minha cidade natal, Lages,
esteja representada nessa instituição, embora
modestamente, e a circunstância de poder ocupar,
se for eleito, a cadeira 37 que o meu velho
professor de português no Ginásio Catarinense e
caríssimo amigo, senador Ivo d’Aquino, honrou e
a qual deu tanto realce, durante muitos anos. Peço
vênia a Vossa Excelência para enviar cópia desta
carta e do curriculum aos demais senhores da
Academia.
Pelo mesmo correio que levará esta carta a Vossa
Excelência, tenho o prazer de enviar-lhe um
exemplar do meu livro; “Uma nova política para
as Américas”.
Com os mais vivos agradecimentos que Vossa
Excelência dispensar a estas linhas, apresento-lhe
as expressões da minha mais alta consideração e
apreço.110

É possível observar, nessa solicitação, a utilização da trajetória


profissional como uma credencial capaz de chancelar seu ingresso, isto
é, como um recurso a ser convertido em uma posição na ACL. E
também um anseio por ser o representante de Lages nesse espaço
cultural. Licurgo foi aceito pelos “imortais” catarinenses em 1976. Por
mais de vinte anos atuou intensivamente na Academia Catarinense de
Letras, como também em outras instituições culturais, como o Instituto
Histórico e Geográfico de Santa Catarina, no qual ingressou em 1975.
Ocupou a vice-presidência do Instituto e foi eleito presidente da
Academia Catarinense de Letras em 1987, honraria que rendeu
homenagens dos patrícios da terra natal:

Lageano na academia
Quando se sabe que um lageano está ocupando
uma cadeira na Academia Catarinense de Letras, a
nossa satisfação é muito grande. Mas, quando esse

110
Carta localizada no acervo da Academia Catarinense de Letras.
150

mesmo lageano é guinado à presidência do citado


órgão, a nossa satisfação é redobrada. Estamos
registrando mais uma vez, por este editorial que o
ilustre escritor, historiador e ministro Licurgo
Costa, por relevantes serviços prestados à
literatura estadual, vem de ser eleito por seus
nobres pares para a presidência da Academia
Catarinense de Letras, que é ocupada
presentemente por grandes expressões da cultura
barriga verde. Licurgo Costa vem de há muito,
pontificando na literatura catarinense, como uma
das suas figuras maiores e, em consideração
àquilo que ele já prestou à cultura do nosso
Estado, em épocas várias, é ainda vice-presidente
do Instituto Histórico e Geográfico de Santa
Catarina, um organismo que tem, também, a sua
projeção dentro da comunidade catarinense (O
correio lageano, 10 dezembro de 1987).

A participação em instituições como a Academia Catarinense de


Letras, é uma ação que rende a Licurgo certa posição em âmbito local. É
preciso considerar o papel de prestígio ocupado por essa instituição,
principalmente durante a Primeira República. Entretanto, na década de
1970, esta já não desfrutava mais do mesmo valor sociocultural dos
primeiros anos republicanos. A ACL surgiu na década de 1920, “criada
à sombra do poder público ou de agrupamentos políticos partidários”
(CORREIA, 1996, p. 13). Foi um espaço que agregou uma rede de
sociabilidades intensas.

A crítica literária habitualmente estabeleceu a


criação da Academia Catarinense de Letras, na
década de 1920, como o centro de sociabilidades
da elite cultural florianopolitana do início do
século passado, ao ponto de lhe tomar emprestado
a alcunha “Geração da Academia” (MATOS,
2014, p. 47).

Entretanto, é cabível pontuar que Licurgo, embora


contemporâneo dos fundadores dessa instituição, não participava da
mesma rede de relações à época de sua fundação, na década de 1920,
pois já estava no Rio de Janeiro. Quando retornou a Santa Catarina,
muitas décadas depois, o cenário que encontrou era bastante diferente da
antiga composição, apesar das relações sempre muito próximas com o
151

poder público. Ao final dos anos 1970, o prestígio da instituição, no


entanto, já não proporcionava créditos de eloquente distinção. Porém,
segundo algumas significações atribuídas por Ligurgo sobre a ACL: “a
nossa não é melhor, nem pior que as demais. Em sua longa existência
ela tem abrigado os nomes mais representativos das letras catarinenses”
(COSTA, 2002, p. 115).
O pertencimento a uma instituição cultural, como a Academia
Catarinense de Letras, por exemplo, leva a pensar o significado
simbólico de um espaço como este, pois, ao se observar a fundação da
Academia Brasileira de Letras, ao final do século XIX, percebe-se o
quanto os homens de letras da época construíram e usufruíram dos
símbolos da imortalidade para exercer certo prestígio social. Mais do
que isso, ao analisar o livro de Alessandra El Far, A encenação da
imortalidade: uma análise da Academia Brasileira de Letras nos
primeiros anos da República (1897-1924)111, constata-se que os homens
de letras de então não buscavam apenas a glória acadêmica, mas,
principalmente, a forma pela qual esse prestígio poderia se converter em
benefícios. Ao direcionar essa compreensão para pontuar a inserção do
Licurgo no cenário literário catarinense, averigua-se uma relação
inversa, pois são as credenciais de seu sobrenome e pertencimento
familiar, como também a trajetória profissional, que lhe conferem a
estatura necessária para adentrar o campo cultural de Santa Catarina.
Entretanto, cabe ressaltar que, embora Licurgo tivesse assegurado pelas
origens e pela trajetória certa notabilidade, esses recursos acionados não
conferiam credenciais para adentrar o ascendente espaço universitário
catarinense. É preciso considerar que a autoridade antes atribuída a
instituições como a ACL e o IHGSC fora transferidas ao meio
acadêmico.
Licurgo desembarcou no Rio de Janeiro em 1921, ainda muito
jovem, porém, registrou em suas memórias a curiosidade em conhecer a
Academia Brasileira de Letras, pois era leitor de muitos autores que
faziam parte do templo dos imortais:

Ora, quando cheguei ao Rio de Janeiro, no


começo de 1921, com meus “eruditos”
conhecimentos sobre academias, arcádias a
adjacência, ainda encontrei, vivíssimos e atuantes,

111
Livro oriundo de sua dissertação de mestrado, defendida no Programa de
Pós-Graduação em Antropologia Social da USP, que se situa na fronteira entre a
antropologia e a história, orientada por Lilia Moritz Schwarcz.
152

quinze dos fundadores do sodalício ilustre...


Frequentei com ingênua emoção de adolescente,
os lugares, os mesmos consagrados pela presença
de tantos nomes famosos. E muitos anos depois
fui redator da Gazeta de notícias, trabalhando na
mesma casa em que Machado de Assis entrava
para entregar suas crônicas. Depois desta minha
primeira fase no Rio, entrando para a redação de A
Pátria, em 1922, e continuando a comparecer as
reuniões públicas das academias, fui fazendo
relações, ou pelo menos conhecendo de vista os
seus integrantes. De muitos, com o decorrer do
tempo, me tornei amigo. Aliás, alguns, quando
entraram para a Academia já eram meus vários
companheiros de várias redações (COSTA, 2002,
p. 141-142).

Ainda em algumas páginas de suas memórias, Licurgo escreveu


sobre alguns “imortais” que havia conhecido como, por exemplo, Ruy
Barbosa e Graça Aranha (COSTA, 2002, p. 143 e 157). Sobre este,
Licurgo diz ter presenciado a polêmica palestra proferida em 1924,
intitulada “O espírito moderno”, em cujo episódio a Academia
Brasileira de Letras sofreu um forte ataque de Graça Aranha, sócio da
referida instituição, o qual discursou que a Academia era uma imitação e
deveria se adaptar ao ideário modernista, adotando referências mais
voltadas à língua nacional (EL FAR, 2000, p. 126). De acordo com as
memórias de Licurgo:

Assisti à memorável conferência revolucionária


de Graça Aranha, com o recinto da Academia
tomado completamente pelos jovens modernistas
cariocas, mobilizados secretamente, como foram
também muitos de São Paulo (COSTA, 2002, p.
157).

Embora as memórias do autor denotem o seu entusiasmo por esse


ambiente literário e seus acontecimentos de projeção nacional, em parte,
resulta de um processo de rememorar que procura projetar a si mesmo,
um recurso para gerar certo reconhecimento em Santa Catarina. Seu
envolvimento mais direto com o mundo das Academias de Letras será
uma ação experimentada após a sua aposentadoria, em seu retorno à
terra natal. Entretanto, vale ressaltar que Licurgo construiu algumas
amizades nos espaços boêmios e literários do Rio de Janeiro, incluindo
153

o “imortal” Josué Montello, por quem se empenhou a lançar ao prêmio


Nobel de Literatura. Licurgo elaborou um documento dessa proposição
em 1986, fazendo um histórico do prêmio e elencando motivos que
qualificavam o amigo Montello ao título (Acervo da Academia
Catarinense de Letras). Essa tentativa foi efetuada por alguns anos, mas
sem êxito.
Licurgo foi eleito presidente da ACL em outubro de 1986, e uma
vez nessa posição, protagonizou iniciativas na busca por melhorar as
condições das instalações da referida instituição. Em um ofício datado
de março de 1987, direcionado à secretaria de cultura, reivindicou
providências para a ACL:

Em primeiro lugar devo referir-me à sede da


instituição, para informar a Vossa Excelência que,
até esta data, apesar de sempre demonstrarem
simpatia e consideração pela Academia, nenhum
dos numerosos e eminentes governadores que
exerceram a chefia da administração do Estado
desde 1920 - ano de sua fundação - conseguiu
proporcionar-lhe uma instalação adequada e
definitiva. Neste ponto o contraste com o que
ocorre na maioria dos Estados brasileiros é,
lamentavelmente, desfavorável para Santa
Catarina. Neles as Academias têm excelentes
sedes e, em alguns, estão instaladas em
verdadeiros palácios (Acervo da Academia
Catarinense de Letras).

No mesmo documento, faz uma crítica ao local onde, no ano de


1987, se localizava a Academia, um lugar periférico em acordo com
Licurgo, longe do centro da cidade, o que dificultava a possibilidade dos
visitantes e dos próprios sócios de frequentar a instituição. Reclamou
também das raras contribuições financeiras do governo. Nesse mesmo
ofício, e de forma bastante direta, Licurgo, como presidente da ACL, fez
as seguintes reivindicações ao governo do Estado:

Em resumo, Excelência, a Academia Catarinense


de Letras, por este ofício, deseja deixar
consignado, em documento escrito, os pedidos
que já teve a honra de lhe fazer pessoalmente e
que são os seguintes:
1º - Uma sede definitiva e digna, no centro de
Florianópolis;
154

2º - Uma verba anual de cento e vinte mil


cruzados, para a manutenção e sobretudo para a
edição da revista, pelo menos semestralmente;
3º - Um funcionário - além da que já dispõe - para
ativar sua correspondência, organizar arquivos,
biblioteca, etc. (Acervo da Academia Catarinense
de Letras).

E as ações em busca por melhores condições para a ACL também


se estenderam ao âmbito federal. Em carta datada de julho de 1987,
enviada ao ministério da educação, endereçada para o então ministro do
setor, o catarinense Jorge Bornhausen112, um dos líderes da política
estadual e do clã familiar Konder Bornhausen, observam-se as seguintes
reivindicações:

Em outubro do ano passado, por um generoso


equívoco dos integrantes da Academia
Catarinense de Letras, fui eleito seu presidente.
Presumia, na oportunidade, conhecer as precárias
condições de sobrevivência da instituição, mas
estava completamente enganado: elas eram muito
piores do que eu imaginava. Deveria ser a
Academia um local de convivência dos
intelectuais conterrâneos e para os de passagem
por Florianópolis, mas instalada no longínquo
centro integrado de cultura é, praticamente,
inacessível para seus próprios integrantes. No
momento aguardo solução favorável a pedido
feito a eminente secretária da cultura, professora
doutora Zuleika Mussi Lenzi, no sentido de
ocuparmos uma área do Palácio Cruz e Souza, na
qual há a tentativa, realmente extravagante, de ser
instalado um auditório. Conta a Academia com a
notória simpatia da secretária de Estado, mas não
tenho segurança de que ela possa vencer estranhas
forças que se congregam para colocar um
auditório na Praça 15, em torno da qual já existe
uma dezena de áreas perdidas para tal fim.
Ademais auditório em museu, a mim parece-me
caso único no Brasil. E, em conclusão, se não
conseguir sua mudança para um local no centro
urbano a Academia continuará na periferia em que

112
Foi ministro da educação entre 1986-1987.
155

se encontra (Acervo da Academia Catarinense de


Letras).

Na mesma carta, Licurgo manifestou suas preocupações com a


realidade financeira da Academia, ressaltando que a instituição passava
por constrangimentos financeiros, sem receber auxílio do poder público
e que a receita das despesas vinha da contribuição dos membros de sua
diretoria. A intenção da carta foi solicitar ao ministério da educação uma
“ajuda”, além de argumentar que, na época em que Jorge Bornhausen
foi governador113 de Santa Catarina, a Academia sempre obteve amparo
financeiro. Essas solicitações foram pauta de muitas atividades da ACL.
Embora as condições financeiras ainda se apresentem de forma precária,
em 2011, a instituição finalmente recebeu a atenção reivindicada em
relação ao espaço, pois o governo do Estado possibilitou a organização
de um prédio no centro de Florianópolis, uma construção imponente
realizada em 1920, localizada na Rua Hercílio Luz, chamada de Casa
José Boiteux, um dos fundadores da Academia Catarinense de Letras. O
mesmo espaço abriga atualmente a sede do Instituto Histórico e
Geográfico de Santa Catarina, instituição da qual Licurgo também fez
parte, sendo vice-presidente.
As ações do “fidalgo da serra” em terras catarinenses fizeram
com que ele fosse uma figura, de certa forma, atuante e presente no
meio cultural do Estado. Na segunda edição da Feira do Livro realizada
em 1987, seu nome foi escolhido pela Associação de Editores e
Livreiros de Santa Catarina para ser o patrono do evento. As palavras
pronunciadas na solenidade de abertura evocam memórias da vida
diplomática, mas, em especial, registram o entusiasmo do homenageado
com o que, para ele, tinha um sentido de consagração no cenário cultural
local:

Sejam minhas primeiras palavras nesta


solenidade, para dizer da emoção com que recebi,
da Associação de Editores e Livreiros de Santa
Catarina, interpretando o sentir de várias
entidades culturais do Estado, a escolha do meu
nome para patrono desta segunda feira do livro.
Em numerosas oportunidades, no estrangeiro, me
emocionei profundamente em acontecimentos dos
quais participava como representante do Brasil.

113
Foi governador de Santa Catarina entre 1979 e 1982. Foi um governador
biônico, indicado pelo então Presidente da República, Ernesto Geisel.
156

Na verdade falando em nome da pátria distante ou


alçando seu pavilhão ao som do hino sagrado que
a traria para junto de mim, nem sei quantas vezes
fui tomado por intensa e quase invencível emoção.
Afastado das funções diplomáticas por
aposentadoria, julguei encerrado o período
daqueles tão marcantes alvoroços espirituais. Mas,
estava enganado, eis que hoje, ao ler esta
mensagem em meio a tantas e tão belas estantes
de livros, cercado por altas autoridades e por um
público interessado nas atividades culturais,
retornam ao meu espírito emoções semelhantes às
passadas. É que me vejo diretamente ligado, como
se fora um símbolo, ao evento mais importante do
calendário cultural de Santa Catarina: esta
segunda edição de uma feira que congrega,
através de seus livros, os nomes mais
representativos da inteligência e da cultura
universais (Acervo da Academia Catarinense de
Letras).

No mesmo discurso, referenciou vários autores consagrados,


como também discorreu sobre a importância do livro e da leitura para a
formação da sociedade. Realizou os devidos agradecimentos às
instituições que integrava em Santa Catarina. Entretanto, é notável,
nesse pronunciamento, o exercício de ressaltar a trajetória como
diplomata, uma ação de afirmação no cenário catarinense. Observa-se,
ao mesmo tempo que tece relações na rede intelectual e cultural
catarinense, na busca por realizar suas ações como escritor, almejando,
de certa forma, consagração, que se utiliza também de sua trajetória para
legitimar sua presença nesse espaço. O “fidalgo da serra” que deixou os
campos das Lagens para andar pelo resto do mundo, ao retornar à terra
natal, vale-se de sua trajetória como um símbolo para se autoconsagrar
nesse meio.
157

3.2 O MEMORIAL DA SERRA

Em uma das homenagens póstumas dedicadas a Licurgo, escrita


pelo jornalista Sergio da Costa Ramos114, primo do homenageado, este
atribui ao Continente o sentido de “memorial da serra”:

Licurgo, o jovem
Fez frio neste fim de semana em Lages – menos
nas ondulações que cercam a campa de Licurgo
Costa, no Cruz das Almas, em cujo chão já brota a
calorosa araucária de seu espírito gentil e
universal. Homme à lettres, sem jamais haver
perdido o bom humor e as maneiras de
gentil`homme, Licurgo era a antítese da sisudez
sugerida por esse nome de patriarca maragato –
embora não destoasse da figura telúrica do
lageano da Fazenda São Roque, de chimarrão e
bombacha, cultivando a “convivência filial com
os nobres pinheiros que nos rodeiam”. Não era
homem de um lugar só o primo Licurgo, que foi
ser embaixador no mundo. Levava na carcaça
altiva e esguia de D. Quixote “a sina invencível do
ciganear”, depois de haver lavrado em denso
cimento cultural os quatro volumes de seu O
Continente das Lagens, saga do planalto, em que
juntou o continente ao conteúdo. Hasteando o
memorial da serra, compunha agora as lembranças
da vida fértil – que a lúcida longevidade
transformava num arquivo humano e semovente
(Diário Catarinense, 15 de julho de 2002).

O Continente pode ser entendido como um


monumento/documento da história de Lages, considerando que, de
acordo com Le Goff, “todo documento é monumento, pois é resultado
de escolhas e intenções de quem o elabora” (LE GOFF, 1996, p. 545). O
Continente agrega um corpo de referências documentais que possibilita
outras pesquisas. No entanto, é sempre cabível ponderar que se trata de
uma obra que também resulta das intenções e escolhas de seu autor, o
qual construiu representações sobre o passado de Lages, em geral,

114
Nasceu em Florianópolis em 1947, filho de Rubens de Arruda Ramos, do clã
da oligarquia lageana. Sérgio é advogado, crítico literário e escritor. Membro da
cadeira 19 da Academia Catarinense de Letras.
158

canonizadas e utilizadas como referência por quem se dedica a conhecer


a história do lugar. A leitura geralmente procurada ou indicada tanto
para quem quer se aventurar brevemente a estudar a história de Lages,
quanto quem busca iniciar uma pesquisa mais profunda, é o Continente.
A historiadora Eveline de Andrade trabalhou no arquivo do Museu
Thiago de Castro em Lages, atendendo muitos pesquisadores durante os
quase dez anos em que foi funcionária do arquivo, entre 2001 até 2010.
Em depoimento datado de abril de 2016, ela expressou o seguinte:
“Depois de um longo tempo auxiliando pesquisadores, percebi que o
‘Continente das Lagens’ era o ponto de partida ou chegada, quando o
interesse de estudo era Lages ou Região Serrana”.
O continente das Lagens é uma narrativa sobre a história de
Lages, enunciada por um agente que elaborou essa representação de um
passado que rememora, principalmente, o grupo social ao qual
pertencera. A escrita da obra participa, se não for ela própria o móvel
desse retorno, de um contexto de regresso à terra natal. Nas memórias,
Licurgo registrou o seguinte subtítulo “A Volta do exilado”:

Mas um dia, o tempo, o inimigo, disse que era


hora de voltar. Esgotara-se o período de validade
para desfrutar daquelas benevolências do destino.
E então começou meu drama. Para onde ir? Ao
país da minha mocidade, à urbe incomparável ou
à paz da cidade natal, já envolta nas brumas da
distância? Optei pela segunda alternativa. Queria
ter, para decoração da velhice, que começara a
vislumbrar no horizonte, as mesmas paisagens da
infância. E voltei (COSTA, 2002, p. 179).

Depois de ser um cidadão do mundo, retornou ao “agreste”. No


entanto, a cidade à qual ele voltou, não era a mesma Lages que habitava
seu íntimo:

mas logo senti que não passava, ali, de um


“revenant”, de um fantasma perdido numa
paisagem que não era o que deixei lá havia tantos
anos, como também aquelas pessoas que
circulavam pelas ruas eram outras, vultos que
sequer conservavam traços que as ligassem ao
passado (COSTA, 2002, p. 179).
159

Licurgo retornou para Lages nos anos 1970, após se aposentar


pelo Itamaraty. Foi morar na fazenda São Roque, local onde escreveu o
Continente. As ruas percorridas em Lages, dessa vez, não eram as
mesmas por onde seus pensamentos circulavam:

Uma vez por semana ia à cidade e, perambulando


por aquelas ruas e praças que foram a paisagem de
minha infância e adolescência, divisava na
imaginação, vultos que povoavam minhas
saudades. E, em meio à névoa das recordações
alguns perfis surgiram nítidos, falantes,
gesticulantes, e quanto outros, a maioria, apenas
perpassavam ligeiros, quase irreconhecíveis
(COSTA, 2002, p. 179).

Ao se considerar que a memória faz parte da construção do


sentimento de identidade, tanto individual quanto coletiva, é importante
entender que ela é também um fator que alimenta o sentimento de
continuidade e pertencimento de uma pessoa a um grupo (POLLAK,
1992, p. 204). É nesse sentido de pertencimento a um lugar, neste caso,
Lages, que se observam, a partir de alguns vestígios, mesmo antes de
seu retorno à cidade, determinadas ações preocupadas com a construção
das representações sobre o passado de Lages. Em carta, datada de 6 de
dezembro de 1965, enviada ao irmão, o médico João Costa, percebe-se
que, entre os assuntos tratados, havia o planejamento de se publicar um
livro:

Conforme combinamos, na minha passagem por


Porto Alegre tratei de informar-me do custo de um
livro, mais ou menos do tamanho que presumo
será o “Lages de Outrora”. Fui à gráfica do
“Jornal do Dia”, à rua Duque de Caxias, número
920 e ali falei com um senhor Edgar Mengden,
que me pareceu ser o chefe das oficinas. A
conclusão que tirei da conversa foi a seguinte: um
livro de 150 páginas, como cálculo seja a do
papai, com tiragem de 2000 exemplares, em bom
papel, custará, aproximadamente, setecentos
cruzeiros por exemplar (Acervo pessoal de
Licurgo Costa).

Lages de Outrora fora o título utilizado por Otacílio Costa, pai de


Licurgo, para nominar os artigos publicados nos jornais de Lages, sobre
160

a história do município. O projeto mencionado na carta citada não se


concretizou. Licurgo havia apontado que o “prazo de feitura, disse-me o
homem, poderá ser de uns 3 meses. Vou tratar de arranjar a revisão do
livro e fico aguardando notícias sobre a resolução dos vereadores”
(Acervo pessoal de Licurgo Costa). Tratava-se de um empreendimento
não apenas de caráter familiar privado, mas sim, de um interesse cuja
realização, supunha Licurgo, deveria interessar ao poder público, daí ter
ele realizado investidas pelo apoio da Câmara de Vereadores. O recurso
não foi liberado e a publicação nunca veio à luz. No entanto, observa-se
que, mesmo quando morava fora do país, em muitas ocasiões,
direcionou o olhar para o seu lugar de nascimento, preocupou-se com
assuntos relacionados à história, ao tratamento da memória como algo a
preservar e à transmissão cultural como um dever de família.
As memórias do avó, João José Theodoro da Costa, e os artigos
escritos por Otacílio foram utilizados como fontes de pesquisa na
elaboração do Continente. Licurgo estava atento às questões de Lages,
preso a ela pela herança familiar, pelo sentimento de pertencimento ao
lugar e pela própria experiência acumulada no ministério das relações
exteriores, já que o exercício nas embaixadas conduz à construção de
representações sobre a cultura do país de origem, tanto pela necessidade
de se relacionar com outros países, quanto pela ausência e distância da
terra natal (SILVA, 2002, p. 32). A questão é que, ao retornar para o seu
“agreste”, a configuração social que ele encontrou não era a mesma das
primeiras décadas do século XX, já não era aquela à qual sua memória
individual pertencia. Além disso, Licurgo dependia dos contatos que
mantinha dentro do aparato do governo para viabilizar as suas
publicações e ações, pois não tinha inserção nos espaços culturais que
vinham se profissionalizando como, por exemplo: no meio universitário
ou no aparelho gestor da cultura e do patrimônio, que também passava
por um processo de transição rumo a uma maior profissionalização de
seus quadros. A própria gestão do Estado mudou, e logo, a concessão de
certos financiamentos se tornou juridicamente mais limitada do que em
épocas anteriores.
Muitos dos nomes que compunham o cenário social da infância e
adolescência de Licurgo já não mais transitavam pelas ruas de Lages,
eram, então, estátuas, nomes de ruas e instituições públicas. O
historiador Fabiano Garcia (2013) investiga algumas permanências e
rupturas nas forças políticas atuantes na configuração do município,
fazendo uma incursão nas ruas de Lages e observando construções e
monumentos atrelados a determinados grupos sociais:
161

Quem caminha atualmente pelo centro da cidade


de Lages, no interior de Santa Catarina, talvez não
perceba que é possível enxergar alguns recortes da
memória local, sobretudo, política, na constituição
do seu espaço urbano. As referências do centro do
município estão ligadas às igrejas no que constitui
hoje seu patrimônio arquitetônico, cultural e
simbólico (Catedral diocesana, por exemplo), aos
prédios públicos como o da Prefeitura, o hospital,
colégios públicos e particulares... Mas é em
algumas praças, bustos e memoriais que as
peculiaridades do processo político pelo qual
passou a cidade se materializam de forma bem
particular: ressaltam as consequências entre o que
se quis constituir politicamente (intenção) e o que
realmente se efetivou (processo). Evidencia que
os que estiveram à frente do poder público, na
“confusão” entre público e privado (o chamado
patrimonialismo), garantiram seu “domínio” e
associaram seus nomes ao processo de
constituição da cidade, cimentando-os de diversas
maneiras (GARCIA, 2013, p. 11).

Esses monumentos históricos reivindicam, em geral, as


lembranças das famílias oligárquicas, que estiveram à frente de várias
instituições e decisões políticas, como os Ramos e os Costa. Ao circular
pelo coração da cidade de Lages, no calçadão, por exemplo, se percebe
um título de lembrança, pois o mesmo recebe o nome de João Costa, avô
de Licurgo. Nele, existe também uma estátua em homenagem a Nereu
Ramos e uma escola chamada Aristiliano Ramos, familiares de Licurgo.
E os quadros sociais que rememoram esses nomes, vinculados, de certa
forma, ao poder local, estadual e nacional, preenchem vários espaços
urbanos da cidade na forma de estátuas, bustos e nomes de ruas. Quando
Licurgo voltou ao seu “agreste”, foi nessas circunstâncias que encontrou
muitos de seus contemporâneos: imóveis e eternizados em estátuas. É
possível perceber esses “lugares de memória” como vestígios das ações
que os originaram; ações que exercem sua força simbólica ao longo do
tempo, registro genealógico de parentesco, uma ação de permanência de
poder simbolizado em monumentos, elaborações que sobrevivem ao
tempo na condição de resto de outro tempo (NORA, 1993). A marca do
exercício político e público dos Ramos e dos Costa é notável nas ruas,
nos prédios públicos, entre outros espaços da cidade. São referências
162

que comprovam a presença desses grupos nos quadros de poder e a


reprodução dessas posições de poder. Ao retornar para esse cenário após
anos percorrendo outros continentes, Licurgo construiu também um
memorial, o Continente, o qual não deixa de ser também um produto e
um meio de reprodução de relações de poder.
A volta do “exilado” para o “agreste” é permeada por esse
“desencontro” com o passado e os sujeitos que povoavam a sua
memória. Nesse retorno, suas ações se voltaram a atividades culturais,
em especial, a escrever história:

E, se nas ruas só transitavam forasteiros e de vez


em quando um nativo, mais avisado seria buscar
outra decoração para ir envelhecendo, e se
possível, suavemente. Afinal, depois das minhas
peregrinações por tantos outros países, onde fosse
viver, seria sempre um exilado. Mas alguns anos
passei por ali, meio escondido numa velha
fazenda, onde encontrei ainda um açude
construído, havia mais de cem anos, pelo avô
materno e decidi encher o tempo escrevendo a
história da minha terra, assim pintando em
capítulos as imagens guardadas na memória e
nunca esquecidas nos longos e trepidantes anos
vividos à margem do mar de Guanabara e no
estrangeiro (COSTA, 2002, p. 180).

A produção de O continente das Lagens emerge como um


memorial, suscitado a partir dos compromissos e inquietações de seu
autor. Em tempos de fragilidade da memória viva, da memória oral e das
experiências coletivas, é preciso buscar suportes exteriores de
preservação e mediadores da memória. Os museus, centros de
memórias, livros, entre outros “lugares” potenciais de memória,
funcionam como dispositivos mnemônicos. A memória é a manifestação
de um esforço individual e também coletivo de rememoração, na medida
em que são consideradas as interações sociais que produzem
experiências e que sustentam memórias. Na década de 1920, Maurice
Halbwachs argumentou que as memórias são construídas por grupos
sociais, que “são os indivíduos que lembram, no sentido literal, físico,
mas são os grupos sociais que determinam o que é ‘memorável’, e
também como será lembrado”. Logo, entender a escrita do Continente
como uma prática de representação do passado sobre Lages, implica
pensar não só no vazio encontrado por seu autor ao retornar à sua terra
163

de origem, mas também no sentido estratégico e politicamente


interessado de uma ação que destaca a importância social e política do
grupo que representa. A partir dessa manifestação de memória e
pertencimento, Licurgo voltará seus esforços a todo um
empreendimento de produção do passado que ressalta, entre outras
coisas, a história dos nomes dos homens das praças, ruas e estátuas,
muitos deles, seus parentes.

3.3 AS REPRESENTAÇÕES DO PASSADO SOBRE UM


“CONTINENTE”: O “DAS LAGENS”

Localizou-se, em uma pasta do acervo de Licurgo Costa,


pertencente ao arquivo da ACL, uma folha com o seguinte registro:
“história de Lages; capítulo I; primitivos habitantes dos campos de
Lages”. Trata-se do primeiro capítulo do Continente. Em uma anotação
“de canto de folha” dessa mesma página, Licurgo marcou o tempo e o
espaço de sua ação: “comecei a escrever no São Roque, às 16 horas de
21 de setembro de 1975”115. São Roque, conforme já mencionado, é o
nome da fazenda que pertenceu ao avô materno de Licurgo, Belizário
Ramos, lugar onde ele passou a residir quando retornou a Lages, depois
da aposentadoria na década de 1970. Esse recorte temporal marca o
começo da escrita do que viria a ser O continente das Lagens. Ao
arquivar um rascunho com esse conteúdo e doar para o acervo de uma
instituição, neste caso, a ACL, Licurgo deixou indícios de uma vontade
de ser lembrado por essa ação: dar à cidade de Lages uma história.
A primeira edição do Continente foi organizada pela Fundação
Catarinense de Cultura em 1982, porém, o lançamento foi em janeiro de
1983. Um jornal de Lages publicou uma matéria sobre o assunto, com o
título “Licurgo Costa lança seu livro – O Continente das Lagens”:

Na noite da última quinta-feira por ocasião do


programa “Espaço Aberto” da TV Planalto, o
escritor e ministro Licurgo Costa, lançou
oficialmente o seu livro “O Continente das
Lagens”. Em quatro volumes a referida obra
retrata com fidelidade toda a história de Lages e

115
No prefácio, Licurgo registrou o lugar e a data quando havia iniciado a
escrever o livro: “fazenda São Roque, 26 de maio de 1975”.
164

suas origens. Trata-se de uma obra riquíssima em


assuntos da nossa terra e que obrigatoriamente
deve fazer parte de toda biblioteca particular
(Correio Lageano, 23 de janeiro de 1983).

Obra em quatro volumes, constituída por 1739 páginas, traz, além


do prefácio, os seguintes capítulos:

Volume I: Primitivos Habitantes; Abertura dos


Primeiros Caminhos; A Fundação; Administração
Pública nos Primeiros Tempos; Antônio Correa
Pinto de Macedo; Os Tropeiros; Escravos; A
Primeira Estrada Vila de Lages - Desterro; Anita
Garibaldi; Da Independência à Revolução de 93;
A Igreja Católica em Lages. Volume II: Outras
Religiões, cultos e crenças; Aspectos da vida
cotidiana em Lages; A medicina em geral; As
“justiças”; Século XX; Geografia política e
econômica do município; Administração Pública
da Independência à atual. Volume III: Indústria e
Comércio; Instrução pública e particular;
Evolução Cultural; Vida Política. Volume IV:
Associações Beneficentes; A Maçonaria;
Esportes; A Pecuária nos Campos das Lagens; A
Presença do Exército Nacional em Lages;
Folclore; Velhas e Novas Ruas (COSTA, 1982).

Licurgo realizou sua operação historiográfica caracterizada por


um amplo recorte temático e temporal, já que sua escrita abarca aspectos
da história de Lages desde o século XVI até a década de 1980. Apesar
da diversidade dos temas, o que perpassa todos os capítulos é a
construção de uma representação sobre o passado da cidade pautada nos
interesses do grupo social de seu agente. De acordo com Chartier, as
representações do mundo social são sempre determinadas pelos
interesses dos grupos que as forjam (CHARTIER, 1988, p. 17). No caso
de Licurgo, as representações por ele elaboradas estão profundamente
vinculadas à sua posição social em Santa Catarina, sendo filho de
políticos latifundiários que desfrutaram de projeção política no Estado.
Não somente a apreensão do real realizada pelo autor está em sintonia
com o seu lugar social, mas também os vestígios investigativos, as
165

fontes116 que ele utilizou para a construção de seu texto, produzidas, em


sua maioria, pelo próprio meio ao qual pertencia, além de ser o objeto de
sua escrita. Licurgo nominou117 os “cronistas” no prefácio, destacando o
pai Otacílio Costa, o professor Walter Dachs, o tabelião Fernando
Affonso de Athayde e o governador Vidal Ramos Junior. Todos esses
nomes produziram apontamentos sobre a história de Lages.
Licurgo informou no prefácio que havia pesquisado em arquivos
do Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, entre outros.
No entanto, as notas de rodapé que apresentam as fontes dos 29
capítulos da obra, em sua maioria, fazem referências aos “autores”
locais mencionados no prefácio. Em geral, estes eram protagonistas do
cenário político e social lageano. Nas representações elaboradas sobre o
passado de Lages no Continente, eles perpassam praticamente todos os
capítulos, ou na condição de nota de rodapé, por terem publicado algum
artigo sobre determinado fato histórico, ou então, como os personagens
do texto. Observa-se o destaque para o livro de memórias do avô, João
José Theodoro da Costa, ao qual Licurgo intercedeu para que fosse
publicado, conforme apresentado no 1º capítulo. Na escrita do

116 Ressalta-se que entre as fontes utilizadas por Licurgo, destacam-se os jornais
da imprensa de Lages a partir de 1883, os livros ata da Câmara Municipal de
Lages (nos quais há registros de muitos de seus familiares quando ocuparam
cargos públicos) e os livros ata dos Grupos de Teatro (muitas dessas atas foram
elaboradas pelo avô paterno, um dos principais mediadores culturais
responsáveis pela organização do movimento teatral em Lages). Entre as fontes
constam também os livros dos Registros Eclesiásticos da Paróquia de Lages
(batismo, casamento e óbito). Observa-se que Licurgo também, não raras vezes,
fez citações e apontamentos a partir da memória da “conversa que teve com
alguém”, ou mesmo da memória daquilo que presenciou e vivenciou. De modo
geral, a maioria das fontes utilizadas e citadas se encontra disponível em
acervos de Lages, embora a maior concentração desses documentos esteja no
Arquivo do Museu Histórico Thiago de Castro. No entanto, alguns específicos,
como os livros de registros eclesiásticos, estão sob a guarda da Igreja Católica e
arquivados na Casa Paroquial da Diocese de Lages e na Cúria Diocesana.
117
São eles, em ordem cronológica: João José Theodoro da Costa, Fernando
Affonso de Athayde, Caetano Vieira da Costa, Vidal José de Oliveira Ramos
Junior, Manoel Thiago de Castro, Otacílio Vieira da Costa, Indalécio Arruda,
Padre José da Silva Neiva, Walter Dachs, Thiago Vieira de Castro, Almiro
Lustosa Teixeira de Freitas, Danilo T. de Castro, Wilson Vidal Antunes Senior,
Edézio Nery Caon, Saulo Carvalho Ramos e Asdrubal Guedes (COSTA, 1982,
p. X).
166

Continente, além de utilizar as memórias do avô como uma das


principais fontes de referência na elaboração do capítulo 22, intitulado
“Vida Política”, Licurgo afirmou, em uma página dedicada ao retrato do
avô, o seguinte: “João Costa foi o primeiro escritor e historiador
lageano. Diz um jornal do fim do século passado que seu nome, quando
se fizesse a história cultural de Lages deveria ser escrito em letras de
ouro” (COSTA, 1982, p. 1267). Ainda no mesmo capítulo sobre a
história política do município, dedicou também uma página ao retrato do
pai, apresentando uma síntese de sua carreira política e finalizando com
a descrição: “Jornalista e Historiador de alto conceito” (COSTA, 1982,
p. 1282). É saliente, na construção dessa representação sobre o passado
de Lages, exaltar a inserção da família não somente no cenário político,
mas a participação dela no cenário cultural como guardiã da memória de
Lages.
No capítulo 21 do livro, “Evolução Cultural”, Licurgo escreveu
sobre a construção das primeiras escolas, a organização do movimento
teatral desde o final do século XIX, a história da imprensa lageana, a
música, o cinema, entre outros aspectos. Elaborou também
apontamentos biográficos sobre os lageanos que receberam
escolarização durante a Primeira República e manifestou suas
afirmações a respeito do peso de Lages no cenário cultural catarinense:

De 1890 a 1950, mais ou menos, Lages manteve


em Santa Catarina, um primado de inteligência e
cultura que não poucas vezes lhe rendeu o título
de “capital cultural” do Estado. Poderiam os
outros centros catarinenses considerar a
classificação exagerada, mas no fundo ela era,
pelo menos indicativa da alta posição que a velha
cidade serrana desfrutava. Sobretudo, no triênio
compreendido entre 1890 e 1920, ocorreu em
Lages, núcleo populacional modestíssimo, que
andaria ao redor de uns três mil habitantes, uma
concentração de valores realmente excepcional
(COSTA, 1982, p. 1145).

A alegação de “Lages como um centro cultural” está presente não


só no Continente, mas também em outras produções do autor. Ao
retornar para Santa Catarina, após um longo caminho em terras
distantes, Licurgo dedicou suas ações por inserir Lages no cenário
cultural catarinense. No mesmo capítulo sobre a “evolução cultural”,
levantou algumas observações sobre a criação da Academia Catarinense
167

de Letras nos anos 1920 (COSTA, 1982, p. 1207) e ressaltou a


importância de Vidal Ramos como o governador que realizou a
modernização do ensino e “por haver levado para Florianópolis, no seu
primeiro governo, os mestres jesuítas do ‘Ginásio Catarinense’”
(COSTA, 1982, p. 1207). Narrou que desse espaço saíram nomes que
constituíram a vanguarda das letras catarinenses: Altino Flores, Othon
Gama d`Eça, Ivo D´Aquino, entre outros. Creditou a Vidal Ramos as
realizações na educação que geraram as condições para a criação da
Sociedade Catarinense de Letras, como também afirmou ter sido ele,
“entre os governantes catarinenses, (...) o que até então mais se
preocupara com o desenvolvimento cultural do Estado (COSTA, 1982,
p. 1208). E sequer mencionou a Hercílio Luz, que, nas ocasiões em que
fora governador de Santa Catarina, atuou de forma a apoiar os
movimentos culturais, conforme já visto no 1º capítulo. Além disso,
Licurgo deixou transparecer certo descontentamento pela ausência de
lageanos nas bases da fundação da ACL:

Pois bem, fundada em 1920, a “Sociedade


Catarinense de Letras”, ninguém ousou lembrar o
nome de Vidal Ramos para ocupar uma de suas
cadeiras. Também não lembraram os fundadores
de vários outros poetas, jornalistas, escritores,
historiadores lageanos como: Caetano Costa,
Fernando Athayde, Otacílio Costa, Manoel
Thiago de Castro, Antônio Joaquim Henrique,
Mário Costa, etc. Destes sete nomes nenhum
ocorreu a qualquer um dos fundadores para incluí-
lo na academia. E todos eram sobejamente
conhecidos na capital, com exceção, talvez, de
Antônio Joaquim Henriques - o famoso poeta e
professor Tota (COSTA, 1982, p. 1208).

Licurgo não economizou ao expressar sua decepção diante da


ausência de lageanos na ACL, a ponto de declarar, no mesmo capítulo
sobre o processo cultural de Lages, que “a rigor, a Academia era de
Letras Florianopolitanas e não Catarinenses” (COSTA, 1982, p. 1208).
Expôs ainda que:

Boiteux visitou Lages e foi recebido, algum tempo


antes da fundação da sociedade, com excepcionais
homenagens; Othon Gama d´Eça, lá residiu
durante um dois anos, como Promotor Público,
168

cercado de atenção e simpatia; Altino Flores foi


até diretor do grupo escolar Vidal Ramos, e assim,
estes três ilustres escritores, responsáveis pela
criação da entidade, conheciam bem o nosso
elenco de intelectuais, que não fariam má figura
entre seus colegas da capital. Por que, então os
excluíram completamente? Dirão os defensores
dos que fundaram a Academia que eles deram a
uma das suas cadeiras o patrocínio de um nome
lageano, o de Jonas Ramos. Pior a emenda que o
soneto, pois Jonas, que aliás morreu muito moço,
nos poucos meses em que tentou clinicar em
Lages, escreveu num semanário, sem nunca
assinar, algumas palavras contra os seus
adversário políticos. E sua colaboração causava
sempre, pela violência, um certo mal-estar na
cidade. Colocá-lo, pois, na Academia, deixando
de lado Sebastião Furtado, já falecido, que fora
um poeta e orador notável, constituiu, realmente,
uma injustificável desatenção cometida pelos seus
fundadores (COSTA, 1982, p. 1208).

No retorno de Licurgo a Santa Catarina, é notável o seu


protagonismo em uma movimentação que confira aos lageanos de sua
“constelação” esse lugar em ambientes culturais, negado no passado.
Tanto que o autor ingressou em instituições como a ACL e o IHGSC
buscando, além de projetar a si mesmo, ser o representante de Lages
nesses espaços. Ademais, registrou também nesse capítulo a criação de
três instituições ocorridas na década de 1970 em Lages (COSTA, 1982,
p. 1201), por intermediação do próprio: o Instituto Histórico e
Geográfico de Lages, fundado em 26 de janeiro de 1977, cujo presidente
era ele próprio118; a Academia Lageana de Letras, fundada em 2 de
outubro de 1975, da qual era membro fundador e que ainda faz parte do

118
Apesar desse registro sobre a fundação o Instituto Histórico e Geográfico de
Lages em 1977, é importante ressaltar que o mesmo não vingou. A ação de
constituição desse espaço foi retomada em 2006, pelo escritor e historiador
Cláudio Rodrigues da Silveira, criador, proprietário e editor da Revista História
Catarina, em circulação desde 2006. Apesar de ter sido fundado novamente em
2006, somente em 2013 o Instituto viabilizou uma diretoria. O presidente é o
próprio Cláudio Rodrigues da Silveira. Em 2014 foram empossados novos
sócios, entre os quais, o professor Paulo Pinheiro Machado. Dados disponíveis
em: www.historiacatarina.com.br
169

cenário cultural lageano; a Casa da Cultura, fundada em 4 de junho de


1978, de cuja instituição foi presidente. Licurgo registrou no Continente
que, para instalar a referida Casa da Cultura, a Fundação Catarinense de
Cultura fez uma doação de cem mil cruzeiros, por intermédio de seu
“Conselheiro Executivo, o Sr. Licurgo Costa” (COSTA, 1982, p. 1202).
Em todas as atitudes de Licurgo no cenário cultural, algumas
registradas no Continente, observa-se essa intervenção direcionada à
terra natal. A constituição de sua principal obra é o expoente máximo da
representação desse desejo de conferir aos seus um reconhecimento na
história, sendo os homens da família Costa os responsáveis por escrevê-
la.
170
171

CAPÍTULO 4
A EMERGÊNCIA DO CONTINENTE EM CENÁRIOS DA
HISTÓRIA

A inserção de Licurgo no cenário catarinense, ao retornar para


Santa Catarina em meados da década de 1970, requer um entendimento
desse campo119 cultural. Os campos se caracterizam por espaços sociais,
mais ou menos restritos, onde as ações individuais e coletivas ocorrem
dentro de uma normatização, criada e transformada constantemente por
essas próprias ações. De tal forma que, considerar o “acolhimento” de
Licurgo nesse cenário, exige uma compreensão da dinâmica interna
desse campo, das inter-relações de seus agentes, da história dos espaços
em que exercitam suas ações. É importante pensar as conexões entre os
intelectuais e o poder, refletir sobre as relações existentes entre a esfera
cultural e política120, além de considerar o espaço em questão como um
campo cultural periférico, interdependente de outras esferas, em
especial, a política. Ao pontuar os lugares em que se produz
conhecimento histórico nos limites do estado de Santa Catarina,
identificam-se, principalmente, dois espaços institucionais121: o Instituto
Histórico e Geográfico de Santa Catarina (IHGSC) e a Universidade

119
“O campo, no seu conjunto, define-se como um sistema de desvio de níveis
diferentes e nada, nem nas instituições ou nos agentes, nem nos actos ou nos
discursos que eles produzem, têm sentido senão relacionalmente, por meio do
jogo das oposições e das distinções” (BOURDIEU, 2003, p. 179).
120
Uma oportuna contribuição para refletir sobre as imbricações entre as esferas
políticas e culturais é fornecida pela socióloga argentina Silvia Sigal. Ao estudar
o meio intelectual argentino, a autora destaca: “Em havendo escolhido como via
de entrada o exame dos debates empreendidos por grupos de intelectuais em
torno de seu papel na sociedade e na política, pareceu-nos, se não sempre mais
confortável, certamente mais frutífero, partir de uma dupla mirada. Atenta, por
um lado, à relação entre campo político e cultural e, por outro lado, à figura
específica dos intelectuais como atores. Um olhar supõe a diferenciação entre
política e cultura, o outro a existência de uma combinação entre ambas”. In:
SIGAL, Silvia. Intelectuais, Cultura e Política na Argentina. Revista Pós
Ciências Sociais, v. 9, n. 17, p. 58-59, 2012.
121
A escolha desses espaços se deve ao fato de serem as instituições que se
dedicam há mais tempo a produzir conhecimento sobre a história de Santa
Catarina: o IHGSC desde 1896, e o Programa de Pós-Graduação de História da
UFSC, desde 1975.
172

Federal de Santa Catarina (UFSC)122. O Continente das Lagens emerge


em meio a esse cenário, embora seja necessário também analisar o
sentido atribuído à obra no espaço que ela representa: Lages. Ou seja,
para além das paredes do IHGSC e da UFSC, identificar os mecanismos
sociais e políticos de celebração do passado que conferem à obra de
Licurgo esse lugar de memorial de Lages.

4.1 ENTRE LUGARES DE PRODUÇÃO

Alguns historiadores já se debruçaram sobre a produção de


história em Santa Catarina, no intuito de entender suas perspectivas,
seus enunciadores, lugares de enunciação e suas circunstâncias. Esse
assunto foi debatido, em um primeiro momento, por autores como
Walter Piazza123, que, em um artigo124 publicado em 1970, elaborou um
quadro geral de obras que considerou como marcos da historiografia
catarinense. A discussão foi abordada novamente na década de 1980,
por Valter Manuel Gomes125, que em sua dissertação de mestrado126
abordou os delineamentos da historiografia catarinense a partir de uma
periodização que tomava como base a literatura. Na década de 1990, em
um contexto de novos questionamentos, alguns professores do meio
universitário lançaram-se ao desafio de propor análises sobre a

122
Vale mencionar que a UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina -
criou o Programa de Pós-Graduação em História em 2007, ofertando o curso de
mestrado. Até o momento foram defendidas 104 dissertações, das quais se
destacam duas: a dissertação defendida por Vanessa Aparecida Muniz, em
2012, Sociabilidades e namoros na década de 1970 (Lages, Santa Catarina), e
também a dissertação defendida em 2013, de Sheyla Tizatto dos Santos, Nas
manhãs do sul do mundo: música e cidade na produção do grupo Expresso
Rural em Santa Catarina (1980-2012). A banda expressa rural surgiu em Lages,
fez grande sucesso estadual nos anos 1980-90. Em 2013, foi criado o curso de
doutorado, sendo que até o momento nenhuma tese foi defendida.
123
Egresso do curso de história da faculdade catarinense de filosofia,
incorporada à UFSC. Na década de 1970, tornou-se professor da mesma
universidade. Era membro do IHGSC.
124
PIAZZA, Walter Fernando. Elementos básicos da história catarinense. In:
Fundamentos da Cultura Catarinense. Rio de Janeiro: Laudes, 1970.
125
Orientando do professor Walter Piazza no curso de mestrado da UFSC, que
também se tornou membro do IHGSC.
126
GOMES, Valter Manoel. Formas do pensamento histórico catarinense.
Dissertação de Mestrado em História, UFSC, Florianópolis, 1985.
173

historiografia catarinense. Essas incursões sobre a produção de história


em Santa Catarina foram publicadas na Revista Catarinense de História,
em 1994, pela historiadora Cristina Sheibe Wolff127, professora do
Departamento de História da UFSC, e em 1996, pelo historiador
Norberto Dallabrida128, professor do Centro de Ciências da Educação da
UDESC.
Desta forma, o final dos anos 1980, assinala uma nova conjuntura
na produção da história sobre Santa Catarina. Vários fatores contribuem
para essa mudança de perspectiva, tais como a crescente
profissionalização dos historiadores em virtude da criação do programa
de pós-graduação em história da UFSC, em 1975; o fim da ditadura
militar no Brasil em meados da década de 1980, o que permitiu um
maior diálogo e trânsito com correntes historiográficas estrangeiras; a
emergência da força de atores sociais antes silenciados ou esquecidos
pelos jogos de poder e memória. Essa avalanche de transformações na
forma de significar o mundo e, por conseguinte, a produção de
conhecimento sobre todo esse cenário, repercutiu na forma como a
história é escrita, levando a indagar os mecanismos da própria produção
de conhecimento em história e quais as circunstâncias da escrita. É nesse
sentido que se inserem os artigos dos historiadores Cristina Wolff e
Norberto Dallabrida, pois ambos procuraram situar a historiografia
catarinense a partir dessas perspectivas, ou seja, polarizaram, de certa
forma, de um lado, uma “história tradicional129”, acrítica, linear, factual,
centrada nos acontecimentos políticos e personagens ilustres; de outro,
uma “nova história”, questionadora, inclusiva de grupos sociais até
então silenciados, entre outras definições. Conforme a classificação
elaborada por Cristina, os expoentes da “nova história” estavam
atrelados ao meio universitário e os expoentes de uma “história
tradicional” ao IHGSC.
Cumpre notar que, para além dessa convergência entre as
abordagens, existem diferenças, pois, enquanto Cristina realiza uma
classificação em três grupos, de acordo com a característica das

127
WOLFF, Cristina Scheibe. Historiografia Catarinense: uma introdução ao
debate. Revista Catarinense de História, Florianópolis, n. 2, p. 5-15, 1994.
128
DALLABRIDA, Norberto. A historiografia catarinense e a obra de Américo
da Costa Souto. Revista Catarinense de História, Florianópolis, n. 4, p. 9-19,
1996.
129
Cristina Wolff utilizou como referência para este artigo as contribuições de
Peter Burke. Ver: BURKE, Peter. A escrita da história. Trad. de Magda Lopes.
São Paulo: UNESP, 1992, p. 7-37.
174

produções, Norberto classifica algumas obras e autores na categoria


“tradicional130”. Entretanto, o que ressalta, em sua abordagem, é o
destaque que confere a dois autores, os quais ele considera, de certa
forma, expoentes de uma visão inovadora sobre a história de Santa
Catarina à época em que esses estudos foram realizados, o antropólogo
Sílvio Coelho dos Santos131, que entende Santa Catarina como um
“mosaico étnico cultural”, e o historiador Américo da Costa Souto,
responsável por uma interpretação132 braudeliana da história econômica
de Santa Catarina.
Além dos artigos citados, é primordial, ao mapear os estudos
sobre a produção historiográfica em Santa Catarina, a contribuição do
também historiador Élio Serpa133. Em artigo publicado em 1996, na
Revista de Ciências Humanas, comenta o papel do IHGSC na
construção do discurso da identidade catarinense e as conexões dessas
iniciativas com o poder político estadual. Para isso, utiliza como fontes
as revistas do IHGSC. E a partir delas, conforme três períodos diferentes
(1902-1920), (1943-1944) e (1979 até a data da publicação do artigo em
pauta, 1996), Élio observou as conexões entre as tentativas de forjar um
discurso sobre a identidade catarinense e as estratégias de uma política
de Estado. Em especial, no que identificou como a terceira fase dessas
publicações, a partir do final da década de 1970. Nota-se, a partir de
então, um interesse do poder estadual em aproximar da capital política
as regiões mais distantes, como o extremo oeste e a região serrana. É
nesse contexto que se localiza a publicação do Continente e a própria
atuação de Licurgo como um agente próximo da Fundação Catarinense
de Cultura, órgão diretamente financiado pelo Estado. Ressalta-se que
tanto a contribuição de Serpa quanto a de Cristina Wolff auxiliam para
identificar a inserção e emergência de Licurgo nesse cenário, assunto
será explorado com maior atenção.

130
Entre os quais Lucas Alexandre Boiteux, Oswaldo Rodrigues Cabral e
Walter Fernando Piazza.
131
SANTOS, Sílvio Coelho dos. Nova História de Santa Catarina.
Florianópolis: edição do autor, 1974.
132
SOUTO, Américo Augusto da Costa. Evolução histórico-econômica de
Santa Catarina: estudo das alterações estruturais (século XVII-1960).
Publicado em 1980 pelo Centro de Assistência Gerencial de Santa Catarina-
CEAG.
133
SERPA, Élio Cantalício. A identidade catarinense nos discursos do Instituto
Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Revista de Ciências Humanas,
Florianópolis, v. 14, n. 20, p. 63-79, 1996.
175

É fundamental também para compreender o campo


historiográfico catarinense entre os anos de 1970 e 1990, a tese
intitulada Sombrios Umbrais a Transpor: arquivos e historiografia em
Santa Catarina no século XX, defendida por Janice Gonçalves134, no
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de
São Paulo em 2006. Na tese, a historiadora busca compreender os
processos de definição e constituição dos arquivos e da historiografia
catarinense no século XX. Utiliza, como fontes de pesquisa, teses e
dissertações da Pós-Graduação em História da UFSC, como também as
publicações do IHGSC. Ela realiza uma perspicaz e consistente
abordagem sobre a história de como e onde se escreve a história de
Santa Catarina e quais as forças e concepções que movimentam esse
campo de saber. Para tanto, observou a classificação adotada em relação
aos lugares de produção da escrita da história em Santa Catarina e seus
mediadores. De um lado, o IHGSC e a “velha geração”, responsáveis
por uma escrita “tradicional”, do outro, os professores vinculados ao
meio universitário, a “nova geração135”, portadores de um discurso sobre
uma escrita da história que não quer ser tradicional (GONÇALVES,
2006, p. 19). Janice questionou a fragilidade desses rótulos, adentrando
e problematizando a complexidade das relações sociais e históricas que
envolvem a escrita da História de Santa Catarina e seus mediadores. Ao
problematizar a produção historiográfica do Estado, utilizando como
fontes de pesquisa os autores, suas produções e os lugares de produção
em que foram ou estão vinculados, contribuiu sobremaneira ao apontar
as diferenças entre os agentes produtores de história próximos ao
IHGSC e os agentes vinculados à universidade. Mais que diferenças, a
investigação realizada por Janice apresenta contribuições e a
heterogeneidade da produção historiográfica catarinense.
Arnaldo Haas Júnior136 publicou na revista catarinense de
história, Fronteiras, alguns apontamentos137 sobre a produção de

134
Professora do Departamento de História da Universidade do Estado de Santa
Catarina – UDESC.
135
“Desde meados dos anos 1990, é possível detectar o esforço em caracterizar
um determinado modelo de produção historiográfica, genericamente entendida
como tradicional, que teria prevalecido até recentemente em Santa Catarina. A
nova geração realizaria quase uma inversão - não linear, crítica, não factual,
problematizadora, valor aos grupos e sujeitos geralmente excluídos”
(GONÇALVES, 2006, p. 24).
136
Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da
UDESC, defendeu a dissertação Horizontes da escrita: historiografia, uma
176

história local em Santa Catarina e seus mediadores. Para compreender a


inserção dos produtores locais no contexto catarinense, Arnaldo também
fez um balanço sobre as contribuições dos historiadores que se
debruçaram a pensar a historiografia, de modo a apresentar a seguinte
síntese:

Do ponto de vista dos estudos acadêmicos, Walter


Piazza foi o primeiro pesquisador a propor uma
análise sobre a produção historiográfica
catarinense. Sua proposta foi um dos motes pelos
quais Valter Gomes conduziu suas próprias
considerações. Entre estes dois pesquisadores e a
sugestão seguinte, suscitada por Cristina Wolff
em 1994, há um hiato, pois Wolff não faz menção
nem ao trabalho de Gomes, nem à proposta de
Piazza. Dois anos depois, Norberto Dallabrida
efetua suas próprias considerações, utilizando
parte das indicações da antecessora. Na sequência
dessas produções surge aquele que pode ser
considerado, ao menos provisoriamente, o mais
completo trabalho relativo à historiografia sobre
Santa Catarina: a tese de doutorado de Janice
Gonçalves. Esta historiadora estabelece um
diálogo com todos os estudos, comentários e
expectativas de classificação comuns aos
pesquisadores que até então citei. Contudo,
possivelmente por não se tratar de uma
preocupação da autora, em sua escrita não há uma
análise mais aprofundada sobre o tipo de
produção historiográfica que, excetuando-se os
livros didáticos, arrisco afirmar ser a que mais
facilmente pode ser encontrada em residências de
leitores leigos: as obras de história local (HASS,
2009, p. 67).

É pertinente realçar que não faz parte da análise de Janice


Gonçalves pontuar aspectos de uma produção compreendida como “de

idéia de região e a monumentalização do passado - Alto Vale do Itajaí, SC


(1985-2007).
137
JUNIOR, Arnaldo Hass. Histórias locais, produtores de história e os usos do
passado: reflexões sobre o contexto catarinense. Fronteiras: Revista
Catarinense de História, Florianópolis, n. 17, 2009, p. 57-76.
177

história local”. No entanto, sua tese apresenta uma fortuna crítica que
contribui sobremaneira para pensar a escrita da história em Santa
Catarina. Conduz a uma percepção além das classificações: geração do
IHGSC, ou os “Velhos”, em geral, diletantes, jornalistas, políticos e
advogados, sem formação profissional em história; geração acadêmica,
professores universitários da UFSC e UDESC, os “Novos”. A autora
possibilita a observação das conexões138 entre os lugares ao historicizar
os mesmos, colocando em cena seus interlocutores e a produção. E é
notável a mudança de forças nesse cenário: a ascensão de uma produção
de história escrita por historiadores profissionais, vinculados,
geralmente, às universidades, e o declínio de uma história escrita dentro
de uma instituição centenária como o IHGSC, embora esse espaço
também tivesse em seu quadro historiadores com formação acadêmica.
Fato é: Licurgo adentrou o cenário catarinense nessa época, tornou-se
sócio do IHGSC em um momento da decadência de forças dessa
instituição. Quando se trata da inserção de Licurgo em uma instituição
como o IHGSC, é sempre importante pontuar seu sobrenome e sua
trajetória como jornalista e funcionário do Itamaraty, além do currículo
de publicações, realizadas muito antes de voltar para o estado natal,
fatores que correspondem aos valores da citada instituição.

4.2 AS RELAÇÕES POLÍTICAS E O INSTITUTO HISTÓRICO E


GEOGRÁFICO DE SANTA CATARINA

Ao lançar vistas sobre a historiografia catarinense, observam-se


as primeiras produções datadas do final do século XVIII139, realizadas
por autores, em geral, representantes da política governamental, cujo
objetivo era reunir documentos para legitimar práticas administrativas

138
“Contudo, convém chamar a atenção dos limites entre esses distintos fazeres
historiográficos, os quais não foram tão fixos quanto um sistema binário de
classificação entre ‘tradicionais e novos’ pode supor. Os historiadores
tradicionais diferenciaram-se entre si, muitos deles diferenciando sua produção
e sendo sensíveis a novas correntes teóricas e metodológicas, em seus
respectivos momentos de atuação” (GONÇALVES, MATOS, 2011, p.24)
139
“Desde a Fundação da Capitania de Santa Catarina, em meados do século
XVIII, até a virada do século XX, a história foi escrita pela elite administrativa,
militar e eclesiástica e pelos viajantes estrangeiros que aportaram no litoral
catarinense, particularmente em Desterro” (DALLABRIDA, 1996, p. 10).
178

do governo. Em 1896 foi criado140, em Florianópolis, o Instituto


Histórico e Geográfico de Santa Catarina, sob a liderança de José Artur
Boiteux. Tratava-se de um contexto histórico e político em que a recente
Proclamação da República, ocorrida em 1889, ansiava por legitimação.
Neste sentido, os institutos históricos conformaram um instrumento de
consolidação simbólica da jovem república. Os anseios do IHGSC
estavam muito próximos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro:

O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro


surgiu no interior da corte, cuja composição
denunciava a origem social de seus membros e
embora não se constituíssem numa elite com forte
poder econômico, status e poder, alguns membros
faziam um discurso compatível com os interesses
do governo imperial. O Instituto Histórico e
Geográfico de Santa Catarina tem sua diretoria e
demais membros composta por agentes ligados ao
poder ou muito próximos. A intenção do Instituto
Histórico e Geográfico de Santa Catarina expressa
nos seus objetivos é de “coligir, organizar, redigir
e publicar todos os dados existentes e necessários
para a elaboração da história e da geografia do
estado. Alinha-se, então, às intenções do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, criado em 1838
que, na época imbuía-se no propósito de escrever
a História Nacional, tendo as províncias a função
de contribuir para isto, coletando documentos que
comporiam a História da Nação Brasileira
(SERPA, 1996, p. 64).

Os primeiros sócios do IHGSC tinham, em geral, um vínculo


político-partidário, neste caso, com o Partido Republicano Catarinense.
Essa conexão do meio cultural com a política partidária acompanhou,
em grande medida, a história do IHGSC até, praticamente, os dias

140
A criação do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina deu-se nos
últimos anos do século XIX, num contexto marcado pela permanência de
resquícios da Revolução Federalista de 1893 e pelo discurso da organização
administrativa e modernização da capital do Estado, empreendida pelo governo
de Hercílio Pedro da Luz. In: SERPA, Élio Cantalício. A identidade
Catarinense nos discursos do Instituto Histórico e Geográfico de Santa
Catarina. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 14, n. 20, 1996, p.
63-79.
179

atuais141. E essa característica permeia, de certa maneira, a produção


realizada nesse espaço. Antes do desenvolvimento do ensino superior
em Santa Catarina e da criação de um curso de graduação em história, o
instituto era o principal lócus da produção de história, com a
peculiaridade de seus primeiros sócios efetivos exercerem funções
político-partidárias relacionadas ao governo estadual.
Apesar do destaque político estadual, desfrutado por membros
das oligarquias lageanas durante a Primeira República, a presença de
representantes desse grupo social dentro do IHGSC não era expressiva,
embora tivesse em seu quadro de sócios nomes como Vidal Ramos, que
foi presidente do IHGSC de 1902 a 1905, e seu filho, Nereu Ramos. As
querelas142 dentro do PRC, entre os seguidores de Hercílio Luz, grande
incentivador dos espaços culturais, e os defensores de Lauro Müller,
repercutiam dentro de instituições culturais, como o IHGSC e a ACL, de
modo que Vidal e Nereu, embora desfrutassem de força política, a
mesma não se reproduzia com a necessária representatividade dentro
desses lugares, próprios da cultura catarinense.
Com a Revolução de 30143, parte dos acadêmicos deixou o Estado
por conta dos envolvimentos políticos. Poucos, como Nereu Ramos,
aderiram desde cedo ao movimento. (CORRÊIA, 1996, p. 60). Nesse
quadro, as disputas entre Aristiliano Ramos (filho de Belizário Ramos) e
seu primo-irmão, Nereu Ramos (filho de Vidal Ramos), acirraram-se.
Após a revolução, com o apoio da família Ramos, foi criado o Partido

141
Embora seja preciso reconhecer, na atualidade, o declínio das forças políticas
dentro do IHGSC.
142
Assunto explorado no 1º capítulo desta tese.
143
“Nos últimos meses de 1929, durante a administração estadual de Adolpho
Konder, este cedeu aos apelos liderados por José Boiteux no que dizia respeito à
sede definitiva das instituições culturais, principalmente a Academia
Catarinense de Letras e o Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. O
governo autorizou a entrega de um terreno situado no centro de Florianópolis, à
avenida Hercílio Luz esquina com General Bittencourt, para ali se construir a
Casa de Santa Catarina, destinada a abrigar as instituições. Boiteux, através da
coleta de contribuições, conseguiu a planta do edifício, uma quantia suficiente
em dinheiro e material para erguer as paredes, tendo inclusive, colocado a pedra
fundamental no local. Deflagrada a Revolução de 30, o governo militar dos
interventores retomou o terreno, não devolveu a quantia levantada” (CORRÊIA,
1996, p. 61). No mesmo lugar foi construído o Instituto Polytechnico.
Restaurado em 2010, nele funciona atualmente a Casa José Boiteux, cujo
espaço, depois de muitas delongas, tornou-se sede da Academia Catarinense de
Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.
180

Liberal Catarinense, ao qual pertenciam Nereu e Aristiliano. Em 1933,


Aristiliano foi nomeado interventor de Santa Catarina por indicação de
Getúlio Vargas. Em 1935, ocorreu uma eleição indireta para o governo
do Estado, quando os primos concorreram. Nereu foi eleito (LENZI,
1983,111). A ruptura entre os primos foi selada. Em 1937, devido ao
golpe ditatorial de Vargas, Nereu foi nomeado interventor,
permanecendo até 1945. Os impactos dos movimentos políticos nesse
período repercutiram no campo cultural, de modo que Nereu Ramos
procurou cercar-se de produtores culturais, apoiando instituições que,
desde a morte de Hercílio Luz em 1926, estavam enfraquecidas, como a
ACL e o IHGSC.
De certa forma, quando esse membro do clã Ramos assumiu o
governo estadual, houve um “tremor” nas relações com os herdeiros da
força política de Hercílio Luz, representantes do vale do Itajaí, região
voltada à economia familiar e à industrialização. Nereu investiu em uma
política de nacionalização, vinculada às questões do governo
nacionalista de Vargas, além de incentivar a produção de estudos que
valorizassem a colonização portuguesa e as heranças culturais e
linguísticas desses colonizadores. Por outro lado, realizou uma política
de exclusão e violência voltada aos imigrantes e descendentes,
principalmente de origem alemã e italiana. Sobre as conexões entre as
relações familiares, poder político e produção cultural no período que
corresponde à intervenção estadual de Nereu Ramos (1937-1945), vale
ressaltar que:

O contexto histórico de Santa Catarina durante o


período de 1930 a 1945 é marcado pela ascensão
de representantes da família Ramos ao poder e
destes, Nereu Ramos irá empreender uma política
de nacionalização pela qual, etnias como alemães
e italianos sofreram um violento processo de
incorporação àquilo que chamavam de cultura
brasileira. Os açorianos, então, que na primeira
República eram vistos como indolentes,
preguiçosos, sem espírito de iniciativa passam a
ser objeto principal de estudo e, posteriormente,
de comemorações (SERPA, 1996).

As produções realizadas pelo IHGSC dedicavam-se ao recorte


geográfico litorâneo, abordando os aspectos do povoamento do litoral
em detrimento de outras regiões. Destacavam, em suas publicações, a
colonização açoriana e os valores da cultura portuguesa. Em 1944, Vidal
181

Ramos publicou um artigo na revista da referida instituição, intitulado:


“Notas para a História da Fundação de Lages (1766-1783)”. Para a sua
composição, utiliza como fonte as atas de fundação da vila de “Nossa
Senhora dos Prazeres das Lagens” e as atas da Câmara dos Vereadores.
Já outras produções a respeito de Lages dentro do IHGSC só ocorreram
após a inserção de Licurgo nesse quadro, através de textos publicados na
revista da instituição.
Dentro dessa perspectiva nacionalista e de valorização da cultura
açoriana, ocorreu em Florianópolis, no ano de 1948, o I Congresso de
História Catarinense, cujo evento contou com ampla participação e
financiamento do poder estadual. O tema proposto foi “a comemoração
do segundo centenário da colonização açoriana”, e conforme já
mencionado, Otacílio Costa, pai de Licurgo, apresentou alguns escritos
na ocasião, enquanto Vidal Ramos foi homenageado pelos
organizadores do evento. A notícia da homenagem está registrada em
um informativo sobre o congresso, guardado em uma pasta do acervo
pessoal de Licurgo sobre o referido evento:

O Primeiro Congresso de História de Santa


Catarina prestou uma homenagem ao coronel
Vidal Ramos.
O Primeiro Congresso de História de Santa
Catarina, recentemente reunido nesta capital,
votou moção de reconhecimento ao venerado co-
estaduano Sr. Cel. Vidal Ramos, formulada nos
seguintes termos: “considerando que o Coronel
Vidal Ramos tem traçado a sua vida pública por
um devotado amor à sua terra natal; Considerando
que, como governador do Estado, Senador da
República, entre outras elevadas funções que
desempenhou, demonstrou sempre o maior apego
às suas tradições. Considerando que, como
historiador e estudioso no nosso passado, o
Coronel Vidal Ramos em contribuindo para um
melhor conhecimento dos nossos homens e das
nossas cousas; Considerando que, devido ao seu
precário estado de saúde, S. Excia. não pode
emprestar a este congresso, as luzes de sua
colaboração e o estímulo de sua presença.
Propomos que o 1º Congresso de História
Catarinense preste ao grande barriga-verde uma
homenagem especial, endereçando-lhe um
telegrama em que se expresse o reconhecimento
182

do Congresso, ora reunido, pelo seu trabalho e seu


amor à Santa Catarina (Acervo pessoal de Licurgo
Costa).

Vidal morava no Rio de Janeiro e já estava muito idoso quando


esse evento foi realizado. Percebe-se, por meio dessa homenagem, que
embora o foco fosse celebrar a colonização açoriana, Vidal Ramos, além
da força política, representava, em parte, a colonização portuguesa da
região serrana. Nas décadas seguintes, o cenário de produção
historiográfica em Santa Catarina passará por mudanças, com a criação
da Pós-Graduação em História, no ano de 1975, e o declínio da força
institucional do IHGSC. Nesse momento, o IHGSC se abriu a novos
diálogos, demonstrando também preocupação com uma maior
pluralidade de temas e problemáticas a serem abordados, apesar de
ainda manterem em suas atividades e publicações a preocupação cívico-
pedagógica.
Em 1998, o instituto organizou o “Simpósio Comemorativo ao
Cinquentenário do I Congresso de História Catarinense e os 250 anos da
presença açoriana”. Licurgo participou desse evento com um texto
intitulado: “A genealogia catarinense e os estudos pioneiros sobre a
família Costa”144. Nele, argumentava sobre a importância e a
necessidade de se realizar estudos genealógicos, como também afirmou
a presença familiar dos Costa na colonização de Santa Catarina. Nos
mesmos anais do evento, consta um artigo da historiadora Juçara de
Souza Castello Branco, “Alemães em Lages: uma página da história que
não foi contada”145. De certa forma, a publicação de um artigo que
coloca em cena a presença de um grupo um tanto distante das
homenagens açorianas, é um indicativo das mudanças dentro do próprio
IHGSC.
Licurgo retornou para Santa Catarina na década de 1970, e de
acordo com informações prestadas pelo IHGSC, tornou-se sócio em
1975. Só publicou O continente das Lagens em 1982, porém, o currículo
da trajetória percorrida apresentava as credenciais para tornar-se sócio
do IHGSC. Segundo Serpa (1996), ao analisar a produção escrita do
IHGSC, com destaque para a publicação das revistas, ele pontuou,
seguindo a própria cronologia dos períodos em que a revista foi
publicada, três fases: a primeira, de 1902 a 1920, marcada pela

144
In: Anais do Simpósio comemorativo ao cinqüentenário do 1º Congresso de
História Catarinense e os 250 anos da presença açoriana, 1998, p. 217-230.
145
Ibidem, p. 237-250.
183

afirmação da colonização portuguesa e a organização dos limites


territoriais de Santa Catarina; a segunda, de 1943 a 1944, quando as
publicações remetem à valorização do açoriano e à política nacionalista
empreendida por Nereu Ramos; a terceira, desde 1979, momento em que
se observa uma preocupação em agregar outras regiões, temas e grupos
sociais (SERPA, 1996, p. 66).
A presença de Licurgo Costa nesse cenário catarinense se dá a
partir dessa terceira fase, na qual, de acordo com Serpa, ocorre um
aumento de artigos sobre outras cidades e etnias (SERPA, 1996, p. 67).
Foi possível localizar alguns artigos e discursos realizados por Licurgo
nesse período146, publicados entre 1985 e 2000. Nessas publicações,
dissertou sobre os ilustres com os quais convivera em determinado
momento de sua trajetória, nomes como Lindolfo Collor de Mello
(COSTA, 1990), Edmundo da Luz Pinto (COSTA, 1998) e Gilberto
Freyre (COSTA, 2000). Sobre este, inclusive, anexou ao texto alguns
bilhetes, como também narrou uma viagem que fizeram de navio até
Portugal, época em que Licurgo servia em Madri. Trocaram muitas
informações sobre os arquivos europeus. No mais, todos os outros
artigos publicados por Licurgo, na referida revista do IHGSC, trazem
como mote temas relacionados ao seu torrão natal, Lages. Inclusive, em
um discurso proferido em função da comemoração aos 101 anos do
IHGSC, ele contou sobre uma conversa com o geógrafo e sócio do
IHGSC, professor Victor Antônio Peluso Junior, quando este teria
relatado sua preocupação com a falta de representação de geógrafos na

146
COSTA, Licurgo Ramos. Há 102 anos a Assembléia provincial aprovou a
mudança da capital para Lages. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de
Santa Catarina. Florianópolis: IHGSC, 3º fase, n. 6, p. 105-126, 1985;
Identificando a autoria da história de Lages pelo método confuso. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Florianópolis: IHGSC, 3º
fase, n. 7, p. 167-173, 1986/1987; Centenário de Lindolfo Collor. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Florianópolis: IHGSC, 3º
fase, n. 9, p. 9-26, 1990; Sessão comemorativa dos 101 anos do IHGSC e posse
dos novos sócios eméritos. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Santa
Catarina, Florianópolis: IHGSC, 3º fase, n. 16, p. 125-134, 1997. Centenário do
nascimento de Edmundo da Luz Pinto. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de Santa Catarina, Florianópolis: IHGSC, 3º fase, n.17, p. 241-262,
1998; Gilberto de Mello Freyre no centenário de seu nascimento. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Florianópolis: IHGSC, 3º
fase, n.19, p. 225-236, 2000; Homenagem a Otacílio Costa. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Florianópolis: IHGSC, 3º fase, n.19,
p. 291-294, 2000.
184

instituição, como também a necessidade de se realizar mais estudos que


correspondessem às regiões catarinenses. Diante dos argumentos de
Peluso, que também foi presidente do IHGSC, Licurgo teceu alguns
apontamentos que realçavam seus interesses regionais:

Acrescentei ainda que talvez o mais indicado para


começar a fortalecer o setor seria aumentar, na
medida do possível o que poderíamos chamar de
suas bases geográficas, atraindo para o elenco de
sócios, representantes credenciados das várias
regiões do Estado. Depois, num segundo tempo,
poderia a presidência mobilizá-los para dar vida
ao setor esquecido. Foi isso, se bem me lembro,
em finais de 1985 ou princípios de 1986. E,
partimos então para o que poderíamos chamar de
melhor geografização do Instituto. Da minha
parte, propus vários nomes ilustres da antiga
Região Serrana: Carlos Alberto Silveira Lenzi,
Paulo Ramos Derengoski, ambos de Lages e
Enedino Ribeiro de São Joaquim (COSTA, 1997,
p. 128).

Dos nomes citados por Licurgo, todos se tornaram sócios do


IHGSC. Nenhum era geógrafo, mas todos eram representantes de certa
intelectualidade da região serrana: Silveira Lenzi, advogado,
desembargador, jornalista e professor universitário147; Paulo Ramos
Derengoski, jornalista de carreira internacional; Enedino Ribeiro148,
nascido em São Joaquim, formado em farmácia, latifundiário com certa
ilustração intelectual. Essa questão de uma identidade que abrangesse
todo o território de Santa Catarina era uma preocupação manifestada
pelo professor Peluso Júnior. Aparece, inclusive, em um de seus
artigos149, publicado na revista do IHGSC, no qual comenta sobre o
anseio de construir um entendimento em torno do que chamou de
“Identidade Catarinense”, a partir do estudo das diferentes regiões de

147
Autor de Partidos e políticos de Santa Catarina, publicado em Florianópolis
pelas editoras da UFSC e Lunardelli.
148
As memórias de Enedino foram publicadas pelo IHGSC em 1999. In:
RIBEIRO, Enedino Batista. Gavião de Penacho. Memórias de um serrano.
Florianópolis, 1999. Licurgo Costa prefaciou esta publicação.
149
PELUSO JUNIOR, Victor Antonio. A Identidade Catarinense. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Florianópolis, 3º fase, n. 5,
1984.
185

Santa Catarina. Na percepção de Peluso Júnior, o Estado era responsável


pelas mazelas sociais das regiões distantes da capital e deveria se
comprometer em buscar referências comuns para construir uma
identidade catarinense.
Além disso, na década de 1980, durante a gestão do governador
Esperidião Amim (1982-1986), houve toda uma preocupação em
integrar culturalmente o Estado de Santa Catarina. Nesse período, o
poder político e os espaços destinados a produzir ações culturais, como
a Fundação Catarinense de Cultura, lançaram a proposta de governo
intitulada “Carta aos Catarinenses” e “Cadernos de Cultura
Catarinense”. Incentivos e subsídios foram empreendidos pelo governo
estadual na busca por promover essa integração e construção da
identidade catarinense. Entre as propostas apresentadas no plano de
ação, publicadas no Caderno de Cultura de 1984, consta, entre tantas
outras medidas, o seguinte: “estimular a edição de livros de autores
catarinenses, do presente e do passado, bem como de autores não
catarinenses sobre temas de Santa Catarina”150.
A publicação do Continente data de 1982, portanto, é anterior à
proposta apresentada pelo governo de Esperidião Amim. Todavia,
desponta nesse cenário de valorização e integração da capital com as
regiões do interior de Santa Catarina. É preciso considerar também o
fato de que Licurgo fazia parte do Conselho Deliberativo da Fundação
Catarinense de Cultura em 1979151, haja vista que a Fundação
Catarinense de Cultura foi criada em 1979, pelo Decreto número 7.439,
de 24 de abril de 1979, assinado pelo governador de Santa Catarina à
época, Jorge Konder Bornhausen. Vale lembrar que esse período
corresponde aos anos finais da ditadura militar.
De acordo com os Art 5º, Art 6º, Art 7º e Art 8º do decreto:

Art. 5º - A Fundação Catarinense de Cultura


constituir-se-á dos seguintes órgão:
I - Conselho Curador;
II - Conselho Deliberativo.

150
Cf. Aspectos do Contestado. Cadernos de Cultura Catarinense,
Florianópolis, ano I, jul/set, 1984.
151
Essa informação está registrada em uma carta que Licurgo enviou à amiga
Laurita Mourão, em agosto de 1979, explicando-lhe que a demora em enviar
uma carta se dava em decorrência dos compromissos com o conselho
deliberativo da Fundação Catarinense de Cultura (Acervo pessoal de Licurgo
Costa).
186

Art. 6º - O Conselho Curador será constituído por


um representante da Secretaria de Cultura,
Esporte e Turismo, seu Presidente; um do
Conselho Estadual de Cultura; um da
Universidade do Estado de Santa Catarina; um da
Universidade Federal de Santa Catarina; um da
Academia Catarinense de Letras; um da
Associação Catarinense das Fundações
Educacionais; um da Secretaria da Educação; e
um do Instituto Histórico e Geográfico de Santa
Catarina, todos nomeados pelo Governador do
Estado.
Parágrafo único - Os órgãos e entidades
mencionados neste artigo indicarão seus
respectivos representantes.
Art. 7º - O Conselho Deliberativo, órgão de
administração da Fundação Catarinense de
Cultura, será constituído pelo Secretário de
Cultura, Esporte e Turismo, seu Presidente, pelo
Superintendente da Fundação, que é o Secretário
Executivo do Conselho, e por outros três
Conselheiros, nomeados pelo Governador do
Estado.
Art. 8º - A Superintendência da Fundação,
subordinada diretamente ao Conselho
Deliberativo, compõe-se de um Superintendente,
de um Superintendente Adjunto de Administração
e Finanças e de um Superintendente Adjunto para
Assuntos Técnico-Culturais, nomeados pelo
Conselho Deliberativo, dentre os empregados da
Fundação, servidores da Administração Direta e
Indireta colocados a sua disposição e/ou por
pessoas de comprovada experiência profissional.

Segundo o decreto, nota-se o poder de ação dado ao Conselho


Deliberativo, a quem a superintendência da fundação estava diretamente
subordinada. Ao analisar esse documento que instituiu a criação da
Fundação Catarinense de Cultura, é possível identificar que, perante o
Estado de Santa Catarina, não existia uma diferença de valor entre a
produção cultural do IHGSC e da UFSC. Ao lançar vistas para as regras
de composição tanto do conselho deliberativo quando do conselho
curador, observa-se que Licurgo, na data de 1979, já era membro da
ACL e do IHGSC, o que lhe dava credenciais para pertencer ao
conselho curador. No entanto, ele estava vinculado ao Conselho
187

Deliberativo, que tinha poder de ação. É importante pontuar também


que, na formação do mencionado conselho, além dos cargos de
secretário da cultura, presidente e superintendente, os demais
conselheiros eram indicados pelo governador. Licurgo152, pelo visto, foi
uma das indicações, porém, não explora detalhes sobre esse assunto em
seus registros pessoais. É notável que a inserção de Licurgo no cenário
cultural catarinense ocorreu por via da política e do Estado. Fato é que,
em 1982, O continente das Lagens foi publicado, sendo que a instituição
que responde pela edição é a Fundação Catarinense de Cultura153, tanto
que consta na contracapa do livro a seguinte informação: “a edição desta
obra foi aprovada pelo Conselho Estadual de Cultura, em sessão
plenária de 14 de abril de 1982”. Além disso, Licurgo cita nos
agradecimentos do Continente uma relação de nomes vinculados à
Fundação, como também ao governo do Estado:

Queremos inicialmente agradecer o constante


interesse manifestado pelos governadores Jorge
Konder Bornhausen e Henrique Córdova; pelo
deputado Júlio César, secretário de cultura,
esporte e turismo e pelo seu sucessor João Nicolau
Carvalho e ainda pelo professor Victor Márcio
Konder, diretor superintendente da Fundação
Catarinense de Cultura, em relação a vários
aspectos do nosso trabalho (COSTA, 1982, p.
XVIII).

Em 1998, Licurgo foi homenageado pelo IHGSC com a comenda


“Manoel Joaquim de Almeida Coelho154”. Essa celebração é a maior
homenagem que o instituto presta a quem deseja imputar algum
reconhecimento. No acervo de Licurgo Costa pertencente ao IHGSC,

152
O único vestígio encontrado foi a carta enviada a Laurita Mourão.
153
Contatou-se a Fundação Catarinense de Cultura para pesquisar dados sobre a
participação de Licurgo Costa na referida instituição, como também
informações sobre os demais conselheiros, atas de reuniões e demais
documentos deliberativos. No então, a atual equipe não soube localizar a
documentação necessária.
154
A comenda foi criada em 1984 e leva o nome daquele que é considerado o
primeiro historiador de Santa Catarina, sobretudo pelo mérito de organizar
vários registros documentais sobre o estado.
188

consta o registro155 da proposta dessa homenagem, organizado pelos


sócios eméritos do instituto. De acordo com esse documento, como
motivos para conferir a comenda, apontaram-se o expressivo currículo e,
curiosamente, a doação de uma linha telefônica, que possibilitou ao
IHGSC o acesso à internet. Um jornal de Lages publicou uma
reportagem sobre essa homenagem prestada pelo IHGSC, na qual se
ressaltaram vários momentos da trajetória profissional de Licurgo, sua
atuação como jornalista, a carreira diplomática e o fato de “ser filho de
tradicional família de políticos que governaram o território catarinense”
(Correio Lageano, 11 de janeiro de 1999). Na matéria, enfatizou-se
também que:

Licurgo Costa é hoje um dos historiadores mais


respeitados do Estado pelas suas inúmeras obras e
pesquisas na área, sendo responsável inclusive
pela obra mais completa da história de Lages, “O
Continente das Lagens”, editado em 1982, cuja
edição está esgotada (Correio Lageano, 11 de
janeiro de 1999).

Esse ritual de consagração prestado pelo IHGSC, mais pelo


conjunto da trajetória que pela obra de Licurgo, alimenta os rituais de
produção da memória local. O Continente emerge como um produto
simbólico, que representa, de certa forma, uma interface entre a política
e a cultura156. Ao se delinear o contexto, ou seja, as condições históricas

155
No documento consta que: “os abaixo-assinados, Sócios Eméritos deste
Instituto, de acordo com o Art 3º, do regulamento que instituiu a comenda
“Manoel Joaquim de Almeida Coelho”, vem propor a essa diretoria, a
concessão deste laurel, no ano de 1998, ao Sócio Emérito Licurgo Ramos da
Costa. O currículo vitae do proposto, em anexo, justifica com fundamentos
expressivos os seus méritos. Acrescente-se, que no ano de 1996, o embaixador
Licurgo Ramos da Costa, fez doação ao Instituto Histórico e Geográfico de
Santa Catarina, de uma linha telefônica, o que permitiu que a instituição tivesse
acesso à internet, facilitando a comunicação e o intercâmbio com outras
entidades culturais, associados e prestadores de serviços (Acervo do Instituto
Histórico e Geográfico de Santa Catarina).
156
Pontuo como uma das referências para elaborar uma reflexão sobre a escrita
do “Continente das Lagens” e o lugar social de seu autor, os estudos realizados
por Eliana Tavares dos Reis e Igor Gastall Grill, desenvolvidos no Laboratório
de Estudos sobre Elites Políticas e Culturais (LEEPOC), apoiado pelo Programa
de pós- graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão.
Em acordo com as análises do grupo: Tendo em vista os dois projetos em
189

e sociais do cenário, assim como o percurso trilhado por Licurgo a partir


do final da década de 1970, foi possível identificar as forças que
legitimaram sua produção escrita. No caso do Continente e seu autor,
observa-se Licurgo como um representante de um grupo social com
força política no Estado, mas sem tanta expressão em espaços culturais
como o IHGSC. De certa forma, a escrita desse livro em sua trajetória
significa um investimento intelectual que lhe possibilitou incluir a si e à
sua linhagem nesse cenário, isto é, conferir ao seu grupo social um lugar
de memória. Licurgo adentrou no cenário historiográfico catarinense,
particularmente nos corredores e assentos do IHGSC, em um momento
em que a produção de história realizada na instituição decaía em
prestígio. No entanto, a escrita do Continente, como uma ação que
converte o poder político dos clãs Ramos e Costa em poder simbólico,
se tornou a representação do passado mais conhecida sobre a região de
Lages, inclusive no meio universitário, espaço tão marcado por disputas
de legitimidade.

4.3 A CIRCULAÇÃO DO CONTINENTE NO MEIO


UNIVERSITÁRIO

Ao se analisar a escrita da História no meio acadêmico em Santa


Catarina, realça-se a atuação do Programa de Pós-Graduação em
História da UFSC, criado em 1975. A criação dos cursos de pós-
graduação no Brasil, para além do eixo Rio-São Paulo, que já contava
com um quadro universitário mais consolidado, ocorreu a partir da
década de 1970. A implantação da pós-graduação em História da UFSC
contribuiu no processo de profissionalização dos historiadores, uma vez
que, antes deles, os protagonistas dessa produção eram os membros do
IHGSC, muitos dos quais eram jornalistas ou advogados, vinculados a
algum segmento político estadual. Contudo, nos anos iniciais da pós-

andamento no Leepoc, realça-se que a análise da produção escrita oferecida


pelos agentes é imprescindível para a compreensão das dinâmicas de
reconfiguração das lutas e das hierarquias que, relativamente ao que está em
pauta em domínios políticos e culturais, definem, corroboram e redefinem
incessantemente as representações sobre o espaço público e a identidade
nacional ou regional. GRILL, Igor Gastal & REIS, Eliana Tavares. Para um
estudo de imbricações entre domínios políticos e culturais. In: REIS, Eliana
Tavares dos; GRILL, Igor Gastal (Org.). Estudos sobre elites políticas e
culturais. São Luís: EDUFMA, 2014, p. 25.
190

graduação na UFSC, nomes como Walter Piazza e Oswaldo Rodrigues


Cabral se destacavam, compondo, de certa forma, um enredo de
conexão entre a produção acadêmica universitária e o IHGSC. É preciso
registrar que a atuação do IHGSC foi importante na constituição da
profissionalização da produção de história em Santa Catarina, sendo que
alguns de seus sócios foram fundamentais nesse processo157.
Entre 2010 e 2011, as professoras Ana Lice Brancher e Maria
Bernadete Ramos Flores, do PPGH da UFSC, organizaram o livro
Historiografia 35 anos, um balanço da produção acadêmica em história
da UFSC. Trata-se de uma coletânea de artigos escritos por estudantes
de doutorado, que empreenderam um estudo das dissertações e teses do
programa, com foco nas tendências historiográficas, referências
teórico/metodológicas158 e na utilização das fontes e escolha das regiões
analisadas. Entre os artigos consta uma reflexão sobre a contribuição do
próprio programa da UFSC no cenário historiográfico catarinense,
elaborado pelos historiadores Janice Gonçalves e Felipe Matos. No
artigo, pontuaram o seguinte:

Permanências e rupturas, intenções de


continuidade e renovação permearam a trajetória
do PPGH/UFSC e do próprio campo
historiográfico catarinense... O foco, a intensidade
e os limites de tais intenções, bem como sua
interação com as práticas e fazeres
historiográficos vigentes, mudaram de acordo com

157
Ao menos até a década de 1960, os historiadores do IHGSC dedicavam-se à
História depois de terem optado por determinadas carreiras ou ocupações, sendo
que alguns buscavam em outros Estados a formação de nível superior que não
conseguiram em Santa Catarina, a exemplo de José Boiteux, Henrique Fontes,
Oswaldo Cabral. Sensíveis à necessidade de instituições de ensino superior em
território catarinense, membros do IHGSC tiveram participação decisivas na
criação do Instituto Politécnico nos anos de 1910, da Faculdade de Direito na
década de 1930, da Faculdade de Filosofia da década de 1950, além da primeira
universidade do Estado instalada na década de 1960. Alguns historiadores,
como o médico, Oswaldo Rodrigues Cabral, tornou-se professor da faculdade
de direito e também da faculdade de filosofia. Walter Piazza, por exemplo,
egresso da faculdade de filosofia, tornou-se professor do curso de história da
UFSC e foi o primeiro coordenador do programa de pós-graduação iniciado em
1975. In: (GONÇALVES & MATOS, 2011, p.17)
158
Os recortes temáticos analisados são: história política, escravidão, história
indígena, imigração e cultura étnica, história ambiental, gênero, religião e
religiosidade, história das imagens.
191

seu próprio tempo e circunstância. A criação do


PPGH somou-se às iniciativas que buscaram
realizar uma produção historiográfica com base
científica e profissional, superando o modelo do
historiador diletante, erudito, autodidata
(GONÇALVES; MATOS, 2011, p. 25).

Ao analisar a produção historiográfica catarinense vinculada ao


PPGH em sua tese de doutorado, Janice observou, nos primeiros anos do
programa, a partir de 1975, ao menos cinco eixos temáticos:

Cinco áreas temáticas podem ser claramente


definidas desde os inícios do programa: história
das instituições, história econômica, história
demográfica, história política e, de forma mais
específica, história da educação” (GONÇALVES,
2006, p. 40).

Janice aponta também que “a partir de 1990, surgiram com força


as preocupações com identidades (de gênero, étnicas, locais), formas de
sociabilidade, memória e cotidiano” (GONÇALVES, 2006, p. 43).
Desta forma, apesar das transformações e inovações teóricas e
metodológicas, é notável que as dissertações defendidas nos primeiros
anos do programa assemelham-se às dissertações e teses atuais em
relação ao recorte espacial, “pois assinalam o predomínio de pesquisa
envolvendo a capital, o norte-nordeste e o sul do Estado”
(GONÇALVES, 2006, p. 47). Ao considerar o Estado em sua dimensão
político-administrativa, é possível reconhecer outros espaços dentro
desse limite territorial como, por exemplo: a região oeste e a região
serrana. Desta forma, observa-se, por meio da predominância da escolha
de determinados recortes espaciais, a discreta159 representação dos
agentes produtores de história para que elaborem estudos sobre a
história da região serrana de Santa Catarina.
A própria localização do PPGH da UFSC, na capital do Estado,
Florianópolis, é um fator pertinente a ser considerado. Os agentes não
narram coisas alheias ao seu meio social, seja nas quadras e esquinas do
cotidiano, seja nos quadros e departamentos acadêmicos. Determinadas
escolhas, não apenas temáticas, mas relativas a recortes espaciais, são

159
Elaborou-se um levantamento das pesquisas realizadas dentro do Programa
de Pós-Graduação em História da UFSC sobre Lages, cujos dados constam
neste capítulo, a partir da página 140.
192

perpassadas por critérios econômicos de financiamento que viabilizam


as pesquisas. É fundamental considerar que, em mais de cinquenta anos
de existência, a UFSC, apenas na última década, passou a receber
incentivos político-administrativos para ampliar sua estrutura em outras
regiões de Santa Catarina, questão relevante a ser considerada nos
trâmites que geram a produção acadêmica do conhecimento.
Ao lançar vistas para a historiografia catarinense, em especial, a
produzida dentro do PPGH/UFSC, é possível também observar um
cenário em transitoriedade, marcado por rupturas e continuidades. Na
década de 1970, houve uma intensa presença de professores
brasilianistas no Brasil, inclusive na UFSC, vindos, em sua maioria, dos
Estados Unidos. Essa presença influenciou sobremaneira a produção
dentro do programa, de modo que as pesquisas realizadas seguiram
linhas da história econômica, demográfica e política. Destacou-se
também a criação do Laboratório de História Oral, com destaque para a
primeira dissertação defendida no PPGH/UFSC em 1977, intitulada
História Oral como fonte histórica: uma experiência brasileira, do
autor Carlos Humberto Corrêa, que veio a se tornar professor da UFSC e
membro do IHGSC. De certa forma, até 1990, as dissertações
apresentadas foram elaboradas em confluência com as demarcações
teóricas e metodológicas dos anos iniciais do programa.
Transformações significativas ocorreram a partir da década de
1990, mas que foram articuladas na década anterior. Já em 1985, foi
aberto o núcleo catarinense da Associação Nacional de Professores
Universitários de História, a ANPUH, acomodada dentro da UFSC,
cujos membros eram professores da instituição. Em 1986, a ANPUH
estadual realizou o I Encontro Estadual de História, que pretendia
integrar os profissionais e que privilegiou “a universidade como espaço
de produção historiográfica, buscando estreitar laços com outras
instituições de nível superior brasileiras” (GONÇALVES; MATOS,
2011, p. 22). Contudo, os Anais do evento registraram a participação do
“historiador diletante”160, Licurgo Costa, que apresentou uma
abordagem sobre os trabalhos realizados pelo IHGSC161, mencionando
as grandes personalidades que ocuparam as cadeiras da instituição,

160
Termo utilizado por Janice Gonçalves e Felipe Matos como referência à
participação de Licurgo Ramos da Costa no I Encontro Estadual de História
(GONÇALVES; MATOS, 2011, p. 22).
161
COSTA, Licurgo. O Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. In:
Anais do I Encontro Estadual de História. Florianópolis: Imprensa Universitária,
1987, p. 56-61.
193

como os irmãos Boiteux e o lageano Vidal Ramos. Fato é que, nesse


momento de transição das forças gabaritadas para produzir história, o
texto apresentado por Licurgo buscava, de alguma forma, demarcar o
lugar do IHGSC nesse cenário.
No final da década de 1980, o PPGH/UFSC reorganizou suas
linhas de pesquisa, denotando as transformações em curso mais
próximas de uma perspectiva cultural. Configuram-se, como expoentes
desse meio em transição, as teses e dissertações defendidas em
instituições paulistas por professores vinculados à Universidade Federal
de Santa Catarina. As pesquisas de Hermetes Reis Araújo162, Henrique
Luiz Pereira Oliveira163, Maria Bernadete Ramos Flores164, Cristina
Scheibe Wolff165, Cyntia Machado Campos166 e Joana Maria Pedro167
são emblemáticas nesse sentido. Representam, de fato, uma ruptura com
as abordagens anteriores. Esses pesquisadores influenciaram as
pesquisas e as escolhas adotadas no programa de pós-graduação a partir
dos anos 1990. Em 1998, foi criado o curso de doutorado em História
Cultural.
Naquele momento, Cristina Wolff organizou uma reflexão sobre
a historiografia catarinense, antes mencionada. Propôs a classificação
dessa historiografia em três grupos principais, tendo como base a
escolha dos objetos de estudo e as referências teórico-metodológicas.
Esse artigo surgiu a partir das experiências vivenciadas pela autora na
condição de professora de história de Santa Catarina, na UFSC, quando
observou a pequena quantidade de estudos sobre a produção

162
ARAÚJO, Hermetes Reis. A invenção do litoral: reformas urbanas e
reajustamento social em Florianópolis na Primeira República. Dissertação de
Mestrado, PUC-SP, São Paulo, 1989.
163
OLIVEIRA, Henrique Luiz Pereira. Os filhos da falha: assistência aos
expostos e remodelações das condutas em Desterro (1828-1887). Dissertação de
Mestrado, PUC-SP, São Paulo, 1990.
164
FLORES, Maria Bernadete Ramos. Teatros da vida, cenários da história: a
Farra do Boi e outras festas na ilha de Santa Catarina- leitura e interpretação.
Tese de Doutoramento, PUC-SP, São Paulo, 1991.
165
WOLFF, Cristina Scheibe. As mulheres da colônia Blumenau: cotidiano e
trabalho, 1850-1900. Dissertação de Mestrado, PUC-SP, São Paulo, 1991.
166
CAMPOS, Cynthia Machado. Controle e normatização das condutas em
Santa Catarina (1930-1945). Dissertação de Mestrado, PUC-SP, São Paulo,
1992.
167
PEDRO, Joana Maria. Mulheres honestas, mulheres faladas: uma questão de
classe – papéis sociais femininos na sociedade de Desterro/Florianópolis (1880-
1920). Tese de Doutoramento, USP, São Paulo, 1992.
194

historiográfica no Estado. Pontuou a quase ausência de conhecimento


sobre a história e historiografia catarinense manifestada pelos
professores dos ensinos fundamental e médio, percepção esta construída
em alguns cursos de formação voltados a esse público. A partir desse
cenário, propôs uma reflexão sobre a produção de conhecimento de
história em Santa Catarina, elaborando uma classificação caracterizada
como provisória, “sem a intenção de ser absoluta” (WOLFF, 1994, p. 6).
O objetivo foi, de fato, provocar um debate sobre o tema.
Em suas análises, compreende a existência de três grupos
principais na historiografia catarinense (de acordo com o recorte
temporal a partir da década de 1940): o primeiro, formado por obras que
abordam objetos respectivos a Santa Catarina, temáticas voltadas para
eventos políticos; o segundo, voltado à história municipal, local,
também preocupado com questões políticas e administrativas; o terceiro,
voltado para temas e questões problemas. A classificação apresentada
pela autora adotou, como referência, as contribuições do historiador
inglês Peter Burke, que empreendeu um estudo e nomeou diferenças
entre a “nova história” e a “história tradicional”. Partindo dos
apontamentos de Burke, Wolff elencou diferenças, tais como: enquanto
a história tradicional dedica-se à política, a nova história abrange toda a
atividade humana; enquanto a história tradicional é meramente uma
narrativa dos acontecimentos, a nova história compromete-se com a
análise; enquanto a história tradicional seria a dos grandes homens,
estadistas, uma história vista de cima, a nova história estaria preocupada
com a experiência das pessoas comuns, a história vista de baixo. Outra
distinção seria sobre a utilização das fontes documentais, pois, enquanto
a história tradicional valoriza apenas os documentos oficiais, ou seja,
organizados pelo Estado e guardados em arquivos, a nova história
também considera registros da oralidade, acervos particulares, entre
outros. Ressalta-se que Wolff pontuou a fragilidade dessa
classificação168, embora tenha feito uso desses parâmetros para realizar a
sua própria classificação sobre a produção historiográfica catarinense:

168
“A proposta de classificação de Cristina Scheibe Wolff, vista até mesmo pela
autora como provisória, sem pretensões de ser absoluta, experimental, é cabível
e mesmo assim com restrições, para variados trabalhos de caráter histórico. Mas
certamente não pode ser estendida in totum aos seus autores. Se historiadores
como Cabral e Piazza dedicaram-se a escrever histórias gerais de Santa
Catarina, não o fizeram de forma exclusiva, produzindo também histórias de
dimensão local, ou temas específicos. Além disso, a autora, ao remeter-se ao
debate sobre a chamada Nova História (a partir do texto de Burke) articulou-se
195

Este contraste feito entre uma história tradicional


e uma nova história, no entanto, diz muito pouco.
Neste rótulo nova são agrupadas normalmente
visões muito díspares da história, tais como
história quantitativa, história das mentalidades,
história cultural, história social, entre outras. Já a
chamada história tradicional fica melhor
caracterizada, apesar da imprecisão do termo.
Devemos ainda ressaltar que todas as críticas
feitas a esta maneira de se escrever a história não
a tornam menos importante, mesmo no momento
atual. Em Santa Catarina, por exemplo, boa parte
do conhecimento histórico sobre as diversas
regiões só pode ser obtido em obras com este tipo
de orientação metodológica (WOLFF, 1994, p. 7).

Nessa iniciativa de propor um debate sobre a historiografia


catarinense, a autora alerta sobre o “caráter provisório e experimental”
(WOLFF, 1994, p. 7) dessa classificação, como também deixou aberta a
possibilidade de os leitores realizarem uma leitura crítica acerca dela.
Partindo dessa premissa, reconhece-se a contribuição desse estudo
publicado em 1994, principalmente por lançar, no campo em questão, a
necessidade de olhar a própria dinâmica de produção do conhecimento
histórico, embora se reconheça a fragilidade dessa classificação, que é
provisória. No entanto, reitera-se que esse artigo, antes que incitar um
debate sobre a historiografia catarinense, é um registro de como a obra
produzida por Licurgo foi e ainda é compreendida dentro de alguns
espaços de produção do conhecimento histórico em Santa Catarina,
especialmente no meio acadêmico, como uma obra “tradicional local”:

Assim, num interessantíssimo conjunto de livros


sobre a região de Lages, Licurgo Costa reúne
fatos os mais diversos, desde a criação do
primeiro time de futebol aos acontecimentos da
política local, biografia dos grandes homens-
políticos, fazendeiros, padres, fundações de

a uma rede de armadilhas simplificadoras. De um lado, são detectáveis as


interpretações reducionistas que autores da nova história montaram e
disseminaram intensamente desde a década de 1960, nas quais a história a
combater aparece como a história tradicional e positivista” (GONÇALVES,
2006, p. 27).
196

associações beneficentes e clubes sociais. A única


coisa capaz de dar alguma unidade a tudo isto é a
localidade onde todos os eventos se passam. Tudo
perpassado por um grande elogio das elites locais,
colocadas como sujeito da história. Esta
abordagem historiográfica remete-nos mais uma
vez às características da chamada história
tradicional, e muitas vezes tem sido uma história
vista de cima, embora circunscrita a um âmbito
local. É nestas histórias que aparece a figura do
fundador da cidade, ou das principais famílias,
muitas vezes presentes ainda na economia e na
política. Há geralmente certa preocupação com a
toponímia- origem dos nomes e lugares a que se
refere, e com a genealogia das principais famílias
(WOLFF, 1994, p. 10).

Ao classificar a produção de Licurgo Costa como uma


abordagem “local tradicional”, Wolff referia-se, sobretudo, à
delimitação do objeto de estudo, o local. A autora reforçou seu
argumento ao citar Raphael Samuel169, o qual aponta que o local
representa uma “entidade distinta e separada que pode ser estudada
como um conjunto cultural” (SAMUEL, 1990, p. 221). Apesar de Wolff
classificar a produção realizada por Licurgo como “local tradicional”,
compreende-se que O continente das Lagens não corresponde apenas às
características do que se entende por uma história tradicional local. A
escolha de alguns assuntos, apresentados na obra, possibilita uma
incursão a acontecimentos históricos nacionais e internacionais, na
medida em que Licurgo aborda a fundação de Lages como uma
estratégia militar da Coroa Portuguesa, entre outros assuntos, os quais
ele carrega de uma forma mais ampla que “local”. O próprio Licurgo
esboça em seu prefácio: “Na medida do possível, fizemos com que este
trabalho evitasse os males de uma história local” (COSTA, 1982, p.
XII). Não se trata de distinguir e escrever apenas sobre uma história
local, mas, em muitos recortes da escrita tecida pelo autor, os temas e
objetos representam um passado muito além do âmbito geográfico local.
Contudo, é de se considerar que a escrita elaborada por Licurgo enaltece
heróis, realizações políticas, vínculos familiares envolvidos na
apresentação das temáticas. Nessas circunstâncias, a característica da

169
SAMUEL, Rhafael. História oral e história local. Revista Brasileira de
História, São Paulo, v. 9, n.19, p. 219-243, 1990.
197

narrativa até pode ser caracterizada como “tradicional” se a classificação


realizada por Wolff for levada em consideração.
Apesar de alguns expoentes dessa “nova geração” terem se
voltado a analisar a produção de história em Santa Catarina, essas
reflexões não repercutiram em inquéritos que deflagrassem mudanças
significativas nas escolhas do recorte espacial. Nesses mais de 40 anos
de existência do PPGH, foram defendidas, até o momento, 436
dissertações e 122 teses170. Em meio a esses dados quantitativos,
encontram-se recortes temporais e temáticos plurais, e apesar dessa
significativa produção, apenas 13 dissertações apresentam temáticas
relacionadas à cidade de Lages e à Região Serrana. Já entre as teses,
nenhuma aborda algum tema cujo recorte diga respeito à região. Diante
desse cenário, localizaram-se as dissertações171. Em sua maioria,

170
O programa ampliou para o curso de doutorado em 1998. Logo, as primeiras
teses foram defendidas a partir de 2002. Dados observados em outubro de 2016.
171
COELHO, Pedro Paulo Waltrick. O desenvolvimento da pecuária bovina em
Lages. Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-Graduação em
História, UFSC, Florianópolis, 1982. Mediante uma perspectiva histórico-
quantitativa, nesta dissertação aborda-se o processo de modernização da
pecuária no município de Lages. O autor identifica na pecuária o principal fator
que determinou a fundação da vila de “Nossa Senhora dos Prazeres das
Lagens”, em 1771, como também averigua a condição jurídica das propriedades
e dos trabalhadores nas fazendas e analisa os rebanhos bovinos e as técnicas de
modernização nesse setor. As fontes utilizadas foram os censos econômicos,
informações estatísticas fornecidas pelos órgãos oficiais, dados do sindicato
rural de Lages, depoimentos de fazendeiros, entre outros documentos. Como o
Continente foi publicado ao final de 1982, não representa uma referência a esse
estudo. SERPA, Élio Cantalício. Igreja e Catolicismo Popular no Planalto
Serrano Catarinense (1891-1930). Dissertação (Mestrado em História).
Programa de Pós-Graduação em História, UFSC, Florianópolis, 1989;
MIRANDA, Silmara Luciana. Lages, 1940: discursos e reformulações urbanas.
Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-Graduação em História,
UFSC, Florianópolis, 2001; JESUS, Samir Ribeiro de. Formação do
trabalhador catarinense: o caso do caboclo do Planalto Serrano. Dissertação
(Mestrado em História). Programa de Pós-Graduação em História, UFSC,
Florianópolis, 1991. Esse estudo se propôs a investigar a história e a formação
do caboclo do planalto serrano. O recorte temporal compreende o século XVIII
até a segunda metade do século XX. O objetivo central era analisar o processo
histórico da transformação do caboclo serrano do mundo rural em trabalhador
assalariado, uma escolha temática que se distancia da investigação de Licurgo,
na medida em que apresenta os outros personagens do latifúndio serrano, ou
seja, os trabalhadores desprovidos. BRANCO, Juçara Castello Branco. Alemães
198

em Lages: uma trajetória de conflitos e alianças guardadas pela memória.


Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-Graduação em História,
UFSC, Florianópolis, 2001; BRANCO, Miriam Adriana. Corpos Nefastos –
Cidadania Incerta. Em Lages, Centro Cívico Cruz e Souza e a invenção da
nação. Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-Graduação em
História, UFSC, Florianópolis, 2002. Ao analisar a fundação do Centro Cívico
Cruz e Souza, fato que ocorreu em 1918, Miriam trouxe para a análise uma
investigação que remete a pensar a presença da população negra em Lages. O
clube Cruz e Souza, como ainda hoje é conhecido, foi criado para ser um espaço
de sociabilidade e civilização para a população negra. Nas primeiras décadas
republicanas, foram pensadas e praticadas propostas de civilização,
urbanização, higienização das cidades e dos corpos. BORGES, Nilsen de
Oliveira. Terra, gado e trabalho: sociedade e economia escravista em Lages,
SC (1840-1865). Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-
Graduação em História, UFSC, Florianópolis, 2005. As questões levantadas por
Nilsen sobre as redes de relações, conflitos e solidariedades que nortearam as
experiências dos trabalhadores negros nos “Campos de Lages” (escravos, livres
e libertos) permitem compreender como era organizado o sistema escravista na
cidade, as bases sociais e econômicas. NUNES, Sara. Caso Canozzi: um crime e
vários sentidos. Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-
Graduação em História, UFSC, Florianópolis, 2007; PERES, Jackson
Alexsandro. Entre as matas de araucárias: cultura e história Xokleng em Santa
Catarina (1850-1914). Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-
Graduação em História, UFSC, Florianópolis, 2009; MORETTO, Samira
Peruchi. Remontando a floresta: a implementação do Pinus e as práticas de
reflorestamento na região de Lages (1960-1990). Dissertação (Mestrado em
História). Programa de Pós-Graduação em História, UFSC, Florianópolis, 2010;
ANDRADE, Eveline. A cidade nos campos de cima da Serra. Experiências de
Urbanização e saúde em Lages-SC (1870-1910). Dissertação (Mestrado em
História). Programa de Pós-Graduação em História, UFSC, Florianópolis, 2011.
Eveline fez uso de uma documentação pouco explorada como, por exemplo, as
atas da Câmara de Vereadores de Lages das últimas décadas do século XIX.
NEVES, Janaína Maciel. Terra, direito e poder: Leis, Trabalho e outras
relações de sociabilidades do meio rural de Lages-SC no início da Primeira
República. Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-Graduação
em História, UFSC, Florianópolis, 2015. A autora realizou um estudo sobre a
regularização de terras em Lages no alvorecer republicano, uma investigação
que possibilita compreender as redes de sociabilidade no cenário rural do
município. Ela utilizou como fontes a legislação sobre terras vigente em Santa
Catarina no período e processos que tinham o propósito de validar terras já
habitadas. É uma história que desnuda alguns poderes oligárquicos na medida
em que mostra as lutas em torno da posse da terra. GARCIA, Fabiano. Para
além dos seletos e sinuosos consensos: processo histórico, transformação social
199

citavam Licurgo Costa como fonte secundária de pesquisa, enquanto em


alguns recortes, contrapunham-se às contribuições de Licurgo a partir de
outras perspectivas.
Entre as pesquisas, destaca-se a dissertação Igreja e Catolicismo
Popular no Planalto Serrano Catarinense (1891-1930), defendida em
1989 pelo historiador Élio Serpa172, que se tornou professor do
Departamento de História da UFSC173. Ele investigou os discursos da
Igreja Católica romanizada, os conflitos vivenciados entre os populares,
praticantes de uma religiosidade sem intervenções institucionais, e os
padres franciscanos que se estabeleceram em Lages ao final do século
XIX. Serpa escreveu também a tese de doutorado174 defendida na
Universidade de São Paulo, sobre as relações entre a Igreja e as elites
dirigentes durante a Primeira República em Santa Catarina. Nesse
trabalho, realizou uma pertinente narrativa sobre os conflitos e
conchavos articulados entre os franciscanos e a elite serrana. A tese foi
publicada em 1997175. As fontes utilizadas foram jornais e documentos
eclesiásticos, e também utilizou como referência O continente das
Lagens, uma amostra do catolicismo oficial apresentado por Licurgo.
Serpa orientou também, em 2001, a dissertação Lages 1940: discursos e
reformulações urbanas, defendida por Silmara Luciane Miranda. Nela, a
autora realiza uma investigação sobre o crescimento urbano e
populacional de Lages na década de 1940. Aponta a participação de
diferentes grupos na composição desse cenário, e não apenas os
portugueses das famílias latifundiárias, tão presentes na obra de Licurgo.

e construção da memória coletiva, Lages/SC (1944-1990). Dissertação


(Mestrado em História). Programa de Pós-Graduação em História, UFSC,
Florianópolis, 2016.
172
As contribuições do historiador Élio Serpa para a produção sobre a história
de Lages vão além de sua tese e dissertação. Antes de ser professor da UFSC,
lecionou em Lages, na Universidade do Planalto Catarinense. A presença em
uma instituição de ensino e o exercício de compartilhar experiências produziu
também resultados. Em 1996, a Fundação Cultural de Lages publicou a revista
intitulada Revista da Memória, editada pelo município de Lages em 1996. Nela,
há vários artigos sobre a história da região serrana, sendo que um dos principais
se refere às práticas sociais durante a Primeira República, escrito por Serpa.
173
Atualmente professor da Universidade Federal de Goiás.
174
SERPA, Élio C. Igreja, elites dirigentes e catolicismo popular em
Desterro/Florianópolis, Laguna e Lages-1889-1920. Universidade do Estado de
São Paulo, 1993.
175
SERPA, Élio C. Igreja e Poder Em Santa Catarina. Florianópolis: Ed.
UFSC, 1997.
200

Em 2001, Juçara de Souza Castello Branco defendeu a


dissertação Alemães em Lages: uma trajetória de conflitos e alianças
guardadas pela memória, orientada pelo professor Valberto Dirksen. A
autora analisa a presença alemã em Lages, desde o final do século XIX
até meados do século XX. As fontes utilizadas foram processos civis
localizados no museu do judiciário catarinense, documentos de terra e
colonização e registros de vigários depositados no arquivo público de
Santa Catarina. Ela trabalhou também com a história oral, sendo que as
entrevistas foram doadas ao laboratório de história oral da UFSC. Sua
pesquisa ressalta a presença alemã em uma região não colonizada
diretamente por alemães. Para tanto, mapeou algumas relações
vivenciadas por esse grupo, demonstrando memórias e sentimentos,
vozes e silêncios, lutas e alegrias experimentadas pelos alemães em
Lages. Demarcar a presença alemã nesse lugar significa, de certa forma,
desconstruir a percepção de que a população lageana é formada apenas
por descendentes de portugueses, africanos e indígenas. Em um artigo176
que produziu a partir da dissertação, a autora menciona a influência do
IHGSC na abordagem realizada por Licurgo. De certa forma, pontua o
quanto a obra escrita por Licurgo, embora “riquíssima no levantamento
de fontes”, é uma ação vinculada ao seu grupo social.

Nesta abordagem, entende-se que o Instituto


Histórico e Geográfico de Santa Catarina
representa um grupo político que, em sua
produção historiográfica, acionou dispositivos da
memória que se opõem à lembrança das camadas
populares, onde se encontravam alguns dos
imigrantes alemães que viviam em Lages.
Em meio a tal produção, encontram-se os escritos
de Licurgo Ramos da Costa, que escreveu sobre a
sociedade lageana seguindo a corrente ideológica
do Instituto Histórico e Geográfico de Santa
Catarina. Em sua obra “O Continente das Lagens -
sua história e influência no sertão da terra firme”
(1982), riquíssima no levantamento de fontes e
informações, o autor se debruça sobre a memória
dos bandeirantes que participaram da fundação da
Vila de Nossa Senhora dos Prazeres dos Sertões
das Lagens, ou que se fixaram na região durante

176
BRANCO, Juçara de Souza Castello. Memórias: espaço político de conflitos
sociais. Esboços, Florianópolis, v. 8, n. 8, 2000, p. 100-112.
201

os seus primeiros anos, onde encontram-se os seus


próprios antepassados. Esse texto possui muito de
suas relações e experiências com a sociedade
lageana (BRANCO, 2000, p. 104).

Em suas reflexões, além de relacionar a escrita de Licurgo com os


vínculos familiares e às diretrizes do IHGSC, compreende também a
produção do autor ligada à sua trajetória como homem público, visto
que atuou no governo Vargas:

A ligação entre o discurso historiográfico e o


personagem público de Licurgo Costa está
associada ao projeto político ideológico da
política de nacionalização de Getúlio Vargas, que
pretendia forjar uma identidade que equacionasse
os elementos étnico-culturais dos municípios e
Estados a fim de constituírem uma nação
amalgamada pelas origens portuguesas. Os traços
sócio-culturais que entravam em dissonância com
este projeto foram negados de tal modo que sua
produção historiográfica entra em choque com as
lembranças dos imigrantes alemães (BRANCO,
2000, p. 154).

Em 2007, a partir da dissertação da autora desta tese, Caso


Canozzi: um crime e vários sentidos177 (NUNES, 2007), outras
inquietações e questionamentos foram despertados sobre Lages. Ao se
vasculhar os jornais do começo do século XX e o processo crime
número 04/02, percebeu-se uma notável ilustração intelectual nas

177
Orientada pelo professor Rogério Luís de Souza, a pesquisa abordou um
crime que aconteceu em Lages, no ano de 1902. Trata-se do assassinato do
caixeiro viajante Ernesto Canozzi e seu empregado Olintho Pinto Centeno.
Como culpados pelo crime, foram apontados os irmãos Thomaz e Domingos
Brocato, dois jovens italianos que fugiram da Sicília, e que haviam morado em
Buenos Aires e no Rio Grande do Sul, antes de se estabelecerem em Lages. O
crime aconteceu em um cenário marcado pelos desejos de modernização e
civilidade. Ao escolher, como objeto de pesquisa, um acontecimento criminoso,
a autora buscou identificar as relações sociais em meio às quais o crime
aconteceu. Em 2011, a dissertação foi publicada em primeira edição, com
financiamento próprio. Em 2012, a segunda edição foi publicada, dessa vez,
financiada pela Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte de Santa Catarina e
pelo programa FUNCULTURAL (NUNES, 2012).
202

entrelinhas articuladas pelos personagens em questão. Nas fontes


pesquisadas para escrever sobre o “Caso Canozzi”, encontraram-se
jovens escolarizados, com distinta formação intelectual, responsáveis
por manifestações culturais e sociedades teatrais. Resolveu-se, então,
estudar sobre esses rapazes escolarizados da serra catarinense durante a
Primeira República, de onde surgiu o projeto de doutorado intitulado
Intelectuais de uma terra fúnebre e burguesa, aprovado pelo PPGH em
2010. Durante sua execução, ao observar os intelectuais lageanos das
primeiras décadas republicanas, a autora deparou-se com um Licurgo
Costa que não era exatamente um contemporâneo desse grupo, mas um
herdeiro das aspirações em busca por legitimidade em espaços da
cultura catarinense. Logo, em vista disso e da discreta disponibilidade
de fontes178, em vez de realizar uma tese sobre “os intelectuais da terra
fúnebre e burguesa”, a autora optou por investigar Licurgo Ramos da
Costa, um continuador do legado desse grupo.
Recentemente, Fabiano Garcia defendeu a dissertação Para além
dos seletos e sinuosos consensos: processo histórico, transformação
social e construção da memória coletiva, Lages/SC (1944-1990),
orientada pelo professor Adriano Luís Duarte. Em sua pesquisa, ao
analisar os consensos presentes na historiografia lageana, principalmente
os que vinculam a história do município aos ciclos econômicos da
pecuária e da exploração da madeira, apontou uma perspectiva na qual
observa que a operação da escrita da história não repercute apenas no
plano narrativo, mas interfere também nas práticas e relações sociais.
Para tanto, identificou, nas referidas interpretações sobre o passado de
Lages relacionadas a esses ciclos econômicos, impactos na memória
coletiva do município. Menciona também as reflexões de Halbwachs179
sobre a memória coletiva, ao argumentar que “para retornar ao seu
passado as pessoas precisam recorrer a pontos de referências externos e
que nem sempre foram construídos por elas mesmas, mas determinados
pelo conjunto da sociedade em que vivem” (GARCIA, 2016, p. 34).
Na busca por compreender e desconstruir certas representações
acerca da história de Lages, Garcia empenhou-se em investigar
determinadas obras sobre a história do município. E, entre os autores

178
As fontes de pesquisa sobre esse grupo de jovens escolarizados da serra
catarinense constituem-se nos jornais por eles fundados e nos quais publicavam
seus textos. A maior parte desses jornais está disponível no arquivo do Museu
Manoel Thiago de Castro.
179
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Trad. Beatriz Sidou. São
Paulo: Centauro, 2003.
203

que identifica como mediadores do passado, responsáveis por elaborar


os consensos presentes na memória coletiva, está Licurgo Costa, sobre o
qual expõe o seguinte:

Já o caso de Licurgo Costa, filho de Otacílio


Vieira da Costa, na historiografia de Lages, é
certamente o mais paradigmático. Sua obra, de
1982, O continente das Lagens, formada por
quatro volumes (com insuperáveis 1739 páginas),
é nas palavras do próprio autor: – a maior história
até hoje publicada sobre um município brasileiro.
Com um volume descomunal de dados, datas,
nomes, eventos e fontes reproduzidas do original
(jornais e fotos, em sua maioria), a obra, além de
muitas outras coisas, revela uma concepção
particular de escrita da história, valorizando,
sobretudo, nomes, datas dos principais eventos da
cidade, alongando-se em elogios às conquistas dos
mais diversos membros – ilustres da sociedade
lageana (GARCIA, 2016, p. 47).

Além dos apontamentos sobre a dimensão documental da obra,


Garcia identifica o Continente como uma referência recorrente para
qualquer pesquisador que se dedique a estudar Lages. Contudo, isso não
significa exatamente um elogio à obra. Diferente disso, o autor percebe,
nessa obra, um dos “consensos” sobre a história de Lages que interferem
diretamente na construção da memória coletiva não só da cidade, mas
também de estudos elaborados sobre Lages, que a elegem como ponto
de referência:

O fato é que com apenas uma edição de centenas


de exemplares, parte da obra de Licurgo Costa foi
distribuída para instituições e bibliotecas públicas.
Com isso se estabeleceu como uma referência
imprescindível para qualquer pesquisador que se
debruçasse sobre a história do município, o que
acabou se tornando uma espécie de obrigação e
chantagem: para conhecer a história de Lages, era
necessário conhecer os dados reunidos na obra de
Licurgo (...). Cumpre dizer que o Continente, ao
discorrer sobre um extenso período que vai da
fundação da cidade até os dias atuais (1982),
materializou os principais parâmetros e citações
204

para discutir o processo histórico de Lages,


tornando-se referência fundamental, cujo teor foi
posteriormente reproduzido, incalculáveis vezes,
indiferentemente dos excertos serem de natureza
opinativa ou retórica, de análise ou de reprodução
direta de suas fontes, sendo que esse conteúdo
raramente (e incluindo aqui algumas pesquisas do
meio acadêmico) foi contrastado ou verificado
com devido trabalho empírico (GARCIA, 2016, p.
48-49).

Ao se investigar a escrita da história realizada dentro dos espaços


nomeados, isto é, da UFSC e IHGSC, identifica-se uma escassa
produção da história sobre Lages. Apesar das críticas tecidas pelos
historiadores com formação universitária sobre a forma de escrever dos
sócios do IHGSC, a obra referencial sobre Lages continua sendo o
Continente, inclusive no meio universitário. De certa forma, nessa
representação180 sobre o passado de Lages, é notável a força do grupo
social ao qual pertence o seu agente, Licurgo Costa. Apesar da
profissionalização dos agentes mediadores do passado e do significativo
peso social da atual produção de história realizada nas universidades, os
impactos dessa produção nos mecanismos que atuam compondo a
memória coletiva configuram-se em uma quase ausência nas ruas de
Lages, e quiça, de Santa Catarina. Isso se confirmou quando, ao se
comemorar os 250 anos da fundação de Lages, em novembro de 2016, a
Fundação Cultural do município e o Governo do Estado de Santa

180
“As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à
universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas
pelos interesses dos grupos que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário
relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza (...).
As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem
estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma
autoridade à custa dos outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto
reformador ou a justificar para os próprios indivíduos, as suas escolhas e
condutas. Por isso essa investigação sobre as representações supõe-nas como
estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competições cujos
desafios se enunciam em termos de poder e dominação. As lutas de
representação têm tanta importância como as lutas econômicas para
compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua
concepção do mundo social, os valores que são seus e o seu domínio”
(CHARTIER, 1988, p. 17).
205

Catarina, escolheram, como principal evento de celebração, o


lançamento da segunda edição do Continente.

4.4 O MONUMENTO DE UM LEGADO

Uma folha pela metade permanece na antiga


máquina de escrever. Antes de se despedir deste
mundo, Licurgo Costa estava escrevendo, uma das
coisas que mais gostava de fazer. Era um homem
das letras, jornalista, diplomata que viajou o
mundo, esteve com diversos presidentes do Brasil
e se empenhou em escrever a história de Lages. A
sua obra o “Continente das Lagens”, um clássico
da historiografia catarinense, será reeditada neste
ano como parte das comemorações dos 250 anos
do município (Correio Lageano, 18 e 19 de junho
de 2016).

O recorte do artigo acima anuncia a publicação da 2ª edição181 da


obra de Licurgo. Faz uma referência a ela como um “Clássico da
historiografia Catarinense”. O projeto é organizado e financiado pela
Fundação Cultural de Lages e o governo do Estado de Santa Catarina182,

181
Fui convidada pela Fundação Cultural de Lages para coordenar esse projeto
da 2ª edição em conjunto com a historiadora Elisiana Trilha Castro, doutora em
História pela UFSC. O livro está em processo de diagramação, previsto para ser
lançado em 2017.
182
O atual governador de Santa Catarina, reeleito em 2014, João Raimundo
Colombo, é nascido em Lages. Embora não pertença às oligarquias
latifundiárias, é um admirador da trajetória dos Ramos e dos Costa. Tanto que,
em sua gestão como prefeito em meados dos anos 1990, construiu um memorial
para Nereu Ramos, o filho da terra que chegou à Presidência da República. Na
condição de governador do Estado de Santa Catarina, apoiou a restauração do
Grupo Escolar Vidal Ramos, inaugurado em Lages no ano de 1912, quando
Vidal Ramos foi governador do Estado e promoveu a grande reforma
educacional em Santa Catarina durante a Primeira República. A restauração da
escola foi celebrada em agosto de 2016, sendo que hoje comporta um centro
cultural administrado pelo Sesc. O apoio financeiro do governo do Estado de
Santa Catarina, na elaboração da 2ª edição do Continente das Lagens, foi uma
ação direta do próprio governador. De certa forma, é possível identificar em
suas ações um exercício de conversão do capital político em bens que
representam um poder simbólico.
206

com a proposta de ser uma das realizações para comemorar os 250 anos
do empreendimento político-administrativo da Coroa Portuguesa no
século XVIII, a fundação da Vila de Nossa Senhora dos Prazeres das
Lagens. Um dos motivos apresentados pela Fundação é a constante
procura pela obra, esgotada há muito tempo. Ainda de acordo com o
jornal: “Atualmente os exemplares estão restritos a particulares,
bibliotecas e museus, sendo bastante difícil o acesso ao material que é o
principal registro histórico de Lages anterior à fundação da cidade”
(Correio Lageano, junho de 2016). Organizou-se uma equipe de
historiadores183 que realizou uma análise da obra, apontando
contribuições, além de fronteiras e limites. As coordenadoras do projeto,
em conjunto com a Fundação Cultural de Lages, organizaram, então, um
documento para propor os parâmetros à concepção dessa segunda
edição:

A obra “O Continente das Lagens: sua história e


influência no sertão da terra firme”, de autoria de
Licurgo Ramos da Costa, editada em 1982 pela
Fundação Catarinense de Cultura, é uma
referência sobre a história da Região Serrana de
Santa Catarina, especialmente sobre a cidade de
Lages. Trata-se de uma abordagem ampla,
tradicional, linear, construída com interesses
cívicos pedagógicos. Os significados atribuídos a
esse livro ocupam uma configuração patrimonial,
ou seja, trata-se de um patrimônio cultural e
histórico do lugar em questão.
Em virtude disso, a segunda edição será lançada
como uma das comemorações do aniversário de
250 anos da cidade de Lages. Desta forma, existe
uma responsabilidade intensa neste projeto da

183
Adelson André Bruggüemann, mestre em História Cultural pela UFSC;
Fabiano Garcia, doutorando em História Cultural pela UFSC; Janaína Neves
Maciel, mestre em História Cultural pela UFSC; Eveline Andrade, mestre em
História Cultural pela UFSC; Rafael Araldi Vaz, doutorando em História
Cultural pela UFSC; Lourival Andrade Junior, doutor em História Cultural pela
UFPR e professor da UFRN; Paulo Pinheiro Machado, doutor em História
Social pela Unicamp e professor do departamento de História da UFSC;
Norberto Dallabrida, doutor em História Social pela USP e professor do Centro
de Ciências humanas da UDESC; Susane Faita, graduada em História pela
Uniplac - Universidade do Planalto Serrano.
207

segunda edição, pois faremos uma (re) visita aos


sentidos narrados neste livro, organizado em
quatro volumes. Essa ação de (re) ler e escrever
sobre a obra é delicada, pois nosso compromisso
não é elaborar um outro “continente”, assim seria
um outro livro, que não o escrito por Licurgo
Ramos da Costa.
Nossa empreitada envolve sim, um olhar
apontando possíveis contribuições para pesquisas
contemporâneas, a partir da abordagem realizada
por Licurgo. Não nos cabe nesta circunstância
desconstruir de forma incisiva o que foi escrito,
como também não se trata de realizar apologias. O
nosso compromisso está pautado em verificar as
possíveis perspectivas históricas e historiográficas
da obra, compreendendo as fronteiras e anseios do
lugar social em que Licurgo escreveu seu
“Continente” (Documento organizado pela
Fundação Cultural de Lages).

Por um viés, trata-se de um ato comemorativo, por outro, nota-se


um olhar menos ufanista, na medida em que procura compreender as
fronteiras do lugar social onde Licurgo estava imerso e que, a partir do
qual, realiza a sua operação historiográfica. Contudo, ainda se trata de
uma comemoração que elege o Continente como um símbolo desses 250
anos de história. Vale ressaltar que a palavra comemoração, oriunda,
etimologicamente, do latim commemoratio, significa um processo ativo
e dirigido de memória. O prefixo “co” indica lembrar em conjunto, ou
seja, uma ação que envolve o coletivo. Comemorar não é apenas uma
rememoração de um evento do passado, mas sim, um processo ativo de
representação do passado no presente. Trata-se de um ato
profundamente vinculado com o uso político da memória. É um ato que
não apenas transmite uma representação sobre determinado passado,
mas também que, ao evocar o que deve ser lembrado, produz outras
memórias. Identifica-se, nas celebrações que envolvem Licurgo e sua
obra, um exercício político da memória, principalmente desde o seu
falecimento em 2002, quando o Continente se tornou um legado. As
homenagens publicadas nos jornais estaduais operam uma quase
canonização à obra e ao seu autor. Atitudes presentes em discursos do
IHGSC e em manifestações públicas do município de Lages conferem a
Licurgo o papel de guardião da memória:
208

Licurgo Costa, teus atos quando terminaram, na


realidade não finalizaram, porque a boa obra é
uma semente para a eternidade. Homenagem
àquele que nos ensinou a preservar a memória do
nosso povo, e que muito nos orgulha de ser
lageano (Diário Catarinense, 13 de julho de
2002).

Alguns dias após a morte do autor, em um espaço do mesmo


jornal destinado aos comentários dos leitores, um leitor publicou o
seguinte comentário:

Ao tomar conhecimento da morte do diplomata


aposentado e escritor Licurgo Costa, que muito
lamentei, comecei a reler sua obra O Continente
das Lagens, na qual resgata a história do Planalto
Serrano desde o século 18 quando a pequena vila
começou a tomar forma à margem do “caminho
das tropas”. Pude avaliar a grande perda que o
desaparecimento deste ilustre lageano representa
para a cultura de Santa Catarina, pois, além desta
obra monumental, deixou como legado muitos
outros livros de grande valor histórico (Diário
Catarinense, 5 de agosto de 2002).

Ao analisar essas homenagens sobre Licurgo e seu Continente,


observa-se a construção de um lugar de memória, levando em conta o
entendimento proposto por Pierre Nora de que, nesses mesmos lugares,
é possível encontrar uma dimensão material, funcional e simbólica dos
grupos que representam. Entretanto, a quem esse memorial faz lembrar?
De certa forma, os homenageados já foram aqui nomeados, uma vez que
a obra escrita por Licurgo se constitui em uma representação do passado
patenteada pelo Estado e que contribui sobremaneira na formalização de
modelos consensuais e canonizados em torno do passado de Lages. Nos
meandros dessa operação historiográfica, destaca-se a força do legado
familiar nessa escrita. Assim, o Continente configura-se em uma
“memória dita oficial” da cidade de Lages. Além disso, cabe pontuar o
quanto o exercício historiográfico desenvolvido por Licurgo remete a
pensar em uma concepção cívica patriótica imbuída em sua forma de
escrever história, como também em uma percepção de memória,
pertencimento e continuidade, uma busca de coerência entre o passado e
209

o presente184. O discurso proferido na sessão solene da Câmara


Municipal de Lages, ocasião em que Licurgo recebeu a medalha
“Bandeirante Corrêa Pinto”, apresenta muitos indícios dessa percepção
de pertencimento ao lugar, uma autorreferência como continuidade da
história do espaço em pauta, Lages:

Na hora solar de minha vida, ao subir à tribuna


maior do povo lageano, consagrada por mais de
dois séculos na defesa dos legítimos interesses da
Região Serrana, “ressoam em meu coração os
sinos remotos” da infância e da adolescência,
compondo uma sinfonia de saudades em que se
misturam fragmentos de canções de ninar;
imagens veneradas de minha mãe trabalhando da
manhã à noite, de meu pai, honrado e austero,
exemplo de dedicação à nossa terra; de figuras
humanas inesquecíveis transitando pelas ruas da
cidade; perfis dos primeiros e pacientes
professores; travessuras de guris turbulentos
transformando em piscina de nudistas inocentes o
poço do Neco, recortes de paisagens; cenas
campestres; trechos de conversas ou vidas;
confetes e serpentinas bailando no ar aromatizado
pelos lança-perfumes nos bailes de carnaval; ruas
de pisos dourados pelas folhas outonais dos
plátanos; brancuras de geadas invernais; pinheiros
hirtos e solenes; verdes campinas alcantiladas,
fragrâncias primaveris, chiados tão tristes de
carros de boi no calorão dos verões e suaves
batidas de cincerros nos potreiros vizinhos. Estas
e outras lembranças formam a paisagem
sentimental da terra amada do meu nascimento,
paisagem que tem sido companheira inseparável,
cotidiana de uma longa e inquieta existência,
marcada desde a juventude por incessantes
mudanças que, afinal, abrangem quatro dos cinco
continentes formadores do belo planeta que nos
abriga. E, de certo, foi a presença constante de
tantas recordações que me fizeram andar

184
“A memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto
individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator
extremamente importante do sentimento de continuidade e coerência de uma
pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si” (POLLAK, 1992, p. 204).
210

peregrinando por arquivos europeus e brasileiros,


à procura de referências à povoa de Nossa
Senhora dos Prazeres do Sertão das Lagens, para
registrar nos meus escritos a gesta do bandeirante
Antonio Correa Pinto de Macedo, em cuja
companhia vieram para estas Coxilhas, então
ermas e devolutas, dois dos meus ascendentes
diretos: Caetano Saldanha e Matheus José de
Souza.185

São notáveis, nesse fragmento de discurso, os estilhaços de


memória, individual e coletiva, ligada ao grupo social de Licurgo, pois,
na medida em que essa memória – o tanto de passado que permanece no
presente – é apreendida e socializada, carrega consigo, nesse processo
de rememorização, prática inventiva e seletiva, a interação e intenção
dos grupos citados. Em outras palavras, uma continuidade com esses
grupos, um pertencimento a essa história. Afinal, conforme visto,
Licurgo justifica seu interesse em pesquisar nos arquivos estrangeiros e
brasileiros as recordações de seu berço de nascimento, e mais, identifica,
nesse processo, seus “ascendentes diretos”:

Caetano foi bisavó de Ismênia Muniz de


Saldanha, casada com Antônio Caetano Machado,
avós de João José Theodoro da Costa, meu avô,
nascido na Fazenda da Divisa, propriedade deles.
Matheus José de Souza, meu pentavô pelo lado
materno, foi figura de relevo nas quatro primeiras
décadas da vida lageana. Um seu descendente, do
mesmo nome, foi proprietário da fazenda socorro,
hoje ainda existente no município de Bom Jardim
da Serra, mas naqueles tempos em território
lageano e onde, conforme demonstrei em meu
livro “O Continente das Lagens”, nasceu a
extraordinária figura humana, de projeção
mundial, que foi Anita Garibaldi. Sua mãe era
Antunes e nascida como ela no termo das Lagens.
Descendia em linha direta de outro companheiro
de Correa Pinto, que trouxe o sobrenome para
estas paragens, onde ele permanece até os dias

185
Discurso proferido por Licurgo Costa em 30 de março de 1992. Acervo da
Academia Catarinense de Letras.
211

atuais e é motivo de justo orgulho para seus


portadores.

Licurgo, como é sabido, era membro de uma oligarquia política


catarinense. Cabe, então, reconhecer em sua produção de conhecimento
histórico, os traços de seu lugar social e sua trajetória. No mesmo
discurso proferido na Câmara de Vereadores, há muitos outros indícios
dessa noção de pertencimento, dessa narrativa histórica vinculada a
legitimar o passado dos seus, a se vincular a esse passado, a celebrar
essa memória. Após mencionar todos os nomes da genealogia Ramos e
Costa, em especial, os que tiveram uma representação política ou
destaque administrativo na história de Lages, Licurgo finalizou o
discurso enaltecendo os seus:

Senhores e Senhoras
Procurei, como disse inicialmente, encontrar em
meus ascendentes a razão da outorga da honrosa
distinção recebida. Porém, não tentei inserir-me –
e nunca poderia fazê-lo – na luminosa constelação
dos citados vultos da história lageana, mas apenas
aproximei-me dela para, minúsculo satélite que
não tem luz própria, receber daqueles astros a
claridade que me destacou para alcançar o
julgamento generoso dos vereadores da minha
terra.
Não fiz, portanto um exercício de vaidade, mas,
consciente das minhas limitações, fiquei onde
sempre estive, no lugar marcado pelo meu destino
– a planície – de onde posso, olhando para cima,
ver também estrelas brilhantíssimas de outros
sobrenomes lageanos que merecem, perenemente,
o respeito, a gratidão e a admiração de todos os
seus conterrâneos.
Desejo, ainda acrescentar que foi para mim de
significação inestimável a circunstância de haver a
proposição que me distinguiu, apresentada por
este ilustre e valoroso moço que hoje ocupa o alto
cargo de prefeito municipal, Dr. Paulo césar da
Costa, ser aprovada pela unanimidade dos nobres
vereadores lageanos.

Paulo César da Costa, prefeito na ocasião, é sobrinho de Licurgo


Costa. Nessa circunstância, observa-se uma ação de rememorar,
212

promovida por um poder político vinculado à relação familiar. É notável


o investimento em produzir um legado. Segundo a pesquisadora Luciana
Heymann, em um de seus estudos sobre a produção de legados, “alguns
elementos determinantes para os processos de produção e
institucionalização de legados são o lugar ocupado por esses sujeitos, os
recursos e as adesões que consigam mobilizar a partir de suas estratégias
discursivas e políticas” (HEYMANN, 2005, p. 3). De certa forma, tanto
a homenagem articulada pelo sobrinho prefeito, quanto o próprio
discurso proferido por Licurgo, são estratégias que sustentam o legado
político da família. No mesmo pronunciamento, Licurgo manifestou
que, embora tenha recebido altas condecorações em outros países:

A medalha de Côrrea Pinto tem conotações tão


altas e generosas que, envolvido pela mais viva
das emoções não encontro palavras para
manifestar meu profundo reconhecimento, senão
dizendo que ela representa para mim a benção do
povo do meu torrão natal ao velho filho que nunca
o esqueceu e que sempre agradeceu, do fundo do
coração, ao seu destino, o privilégio de haver
nascido nesta terra bendita e gloriosa de Nossa
Senhora dos Prazeres das Lagens.

Ao se analisar a produção de conhecimento histórico em pauta,


compreende-se esse produto relacionado a vários fatores já apontados,
como: a origem social favorecida, a educação de qualidade, a íntima
relação com livros e grande acúmulo de capital social e cultural. Trata-
se de uma trajetória social de um autor que, de acordo com
contribuições teóricas bourdieusianas para se pensar o mundo social,
aprimorou a herança dos capitais recebidos em seu berço familiar,
reconvertendo o capital econômico em cultural e o capital cultural em
social. É possível identificar no Continente mais que a produção de um
legado, pois o fato de escrever a história de Lages é uma expressão do
caminho percorrido por Licurgo, algo que pode ser entendido como uma
ação que emerge de um Habitus186, ou ainda, como disposições

186
Entende-se o conceito de Habitus conforme Bourdieu, isto é, como um
“sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a
funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio estruturador e
gerador das práticas e representações que por serem objetivamente reguladas e
regulares sem ser produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu
fim sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das
213

agregadas ao longo de uma vida ou a incorporação da estrutura social no


interior do próprio indivíduo187. Ou seja, as representações históricas
construídas por Licurgo acerca de Lages têm uma relação profunda com
a construção de seu habitus, a internalização de algumas práticas
herdadas de seu meio familiar, além do compromisso de transmitir esse
legado. Haja vista que tanto o pai quanto o avô escreveram sobre o
município serrano, conforme já exposto no 1º capítulo, no qual se
buscou identificar aspectos constituintes do que pode ser compreendido
como capital cultural, ou então, como um habitus herdado e construído
em um meio social.
No prefácio do Continente, espaço onde Licurgo explica suas
motivações, seu método e suas dificuldades acerca da busca das fontes,
ele cita vários autores que já escreveram sobre Lages, os quais utiliza
como referência, fazendo a seguinte menção:

Além do material que nos foi proporcionado por


estes valorosos desbravadores, encontramos nos
jornais que se publicaram ou se publicam em
Lages, ininterruptamente desde 1883 – quando
apareceu em 14 de abril, o primeiro número de “O
Lageano” – até os dias atuais, um valiosíssimo
acervo de dados, quiçá suficientes para preencher
a maioria das lacunas encontradas na sequência
dos acontecimentos deste longo período de quase
um século. Mas, no período que vai da morte de
Correia Pinto, em 1783, até o aparecimento de “O
Lageano” e que também corresponde
precisamente a um século, há longos hiatos, há
vazios que nos pareceram, após as pesquisas
realizadas no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília,
Florianópolis, Curitiba, Porto Alegre e Lages,
dificilmente preenchíveis. Entretanto,
encontramos, nos guardados da família Costa, um

operações necessárias para atingi-las e coletivamente orquestradas, sem ser o


produto da ação organizada de um reagente” (BOURDIEU, 1994).
187
Bourdieu insiste que o habitus seria fruto da incorporação da estrutura social
e da posição social de origem no interior do próprio sujeito. Essa estrutura
incorporada seria colocada em ação, ou seja, passaria a estruturar as ações e
representações dos sujeitos, em situações que diferem em alguma medida, das
situações nas quais o habitus foi formado. In: NOGUEIRA, Maria Alice;
NOGUEIRA, Claudio M. Martins. Bourdieu & a Educação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2004, p. 28.
214

caderno de cento e noventa e oito páginas,


contendo, sob o título de “reminiscências”,
escrito em letras muito miúda, porém
perfeitamente legível, o relato da vida política
lageana, de 1880 até 1902. Este trabalho
realmente admirável, de João José Theodoro da
Costa deverá ser editado proximamente pela
família do ilustre e saudoso líder serrano. Será, na
ordem cronológica, o primeiro livro de autoria de
um lageano. E provavelmente também pelo
conteúdo, merecerá especial classificação
(COSTA, 1982, p. XI).

A obra de Licurgo é um “lugar de memória”, pois exerce um


poder patrimonial, ou melhor, é um patrimônio histórico do espaço que
representa. Todavia, muitas vozes, sentidos e memórias não estão
presentes nessa “sepultura”, tratada, por muitos, como uma contribuição
ao entendimento do que é a identidade serrana e catarinense. Afirmação
muito arriscada, já que a identidade é algo muito plural e dinâmico,
menos essencial do que relacional, daí a dificuldade de apreendê-la em
termos estáticos. Além do mais, na escrita de Licurgo, ele considera,
principalmente, as vozes dos fundadores lusitanos no povoamento de
Santa Catarina, enquanto os demais, isto é, os africanos, índios, alemães
e italianos, não são referenciados de forma tão majestosa quanto os
portugueses. Esses “outros” também são presenças fortes na composição
social de Santa Catarina, incluindo a Região Serrana.
Licurgo enuncia seus sentidos em um lugar social com aspirações
voltadas à valorização das realizações políticas e nacionais, da grande
narrativa, das suntuosas celebrações, e também, à invenção de um
passado quase mítico. Enquanto ele escreveu desde um lugar que
celebra as origens e as grandes realizações, observa-se a pungente
necessidade de uma escrita em ângulo menos solene. Jeanne Marie
Gagnebin188, ao analisar a obra de Walter Benjamim, contribui
sobremaneira para lançar vistas aos não celebrados pelas estratégias de
rememorar presentes no Continente:

O ensaio do Benjamim, intitulado “o narrador”,


este ensaio constata o fim da narração tradicional,
mas também esboça como que a idéia de uma

188
Filósofa, professora titular da PUC-SP, responsável por pesquisas sobre a
obra de Walter Benjamim.
215

outra narração, uma narração nas ruínas da


narrativa, uma transmissão entre os cacos de uma
tradição em migalhas. Deve-se ressaltar que tal
proposição nasce de uma injunção ética e política,
já assinalada pela citação de Heródoto: não deixar
o passado cair no esquecimento. O que não
significa reconstruir uma grande narrativa épica,
heróica da continuidade histórica. Muito pelo
contrário, o último texto de Benjamim, as famosas
Teses Sobre o Conceito de História, é bastante
claro a esse respeito. Podemos reter da figura do
narrador um aspecto muito mais humilde, bem
menos triunfante. Ele é, diz Benjamim, a figura
secularizada do justo, essa figura da mística
judaica, cuja a característica mais marcante é o
anonimato. O historiador também poderia ser o
catador de sucata e lixo das grandes cidades que
recolhe os cacos, os restos. Esse narrador
sucateiro não tem por alvo recolher os grandes
feitos. Deve muito mais apanhar tudo aquilo que é
deixado de lado como algo que não tem
significação, recolher as coisas que não tem
sentido para as grandes narrativas. Ou ainda: o
narrador e o historiador deveriam transmitir o que
a tradição, oficial ou dominante, justamente não
recorda. Essa tarefa paradoxal consiste, então, na
transmissão do inenarrável, numa fidelidade ao
passado e aos mortos, mesmo principalmente,
quando não conhecemos nem seu nome e nem seu
sentido (GAGNEBIN, 2006, p. 53).

Ao se investigar a emergência do Continente no cenário


catarinense, identifica-se, por um lado, um campo historiográfico
marcado pela ascensão da produção profissional de história e o
enfraquecimento da produção vinculada ao IHGSC, e por outro, embora
a publicação da referida obra seja subvencionada pelo Estado e próxima
das perspectivas do IHGSC, mesmo em um momento de franco declínio
da força política dessa instituição, o Continente emerge ocupando um
espaço de representação regional, na medida em que se torna uma
referência sobre o passado de Lages, tanto no meio universitário, apesar
das críticas sobre os limites da obra, quanto nos meios “diletantes”.
Além disso, por ser uma representação do passado construída por
um mediador pertencente a um grupo social de expressão política, sua
216

escrita se configura em um investimento social que produz uma


memória sobre os seus, a construção de um legado que transforma ações
políticas em bem simbólico. O Continente tornou-se um memorial para
celebrar a lembrança de alguns, não de todos. Lembrar é sempre
escolher, voluntária ou involuntariamente. Entretanto, quando se torna
uma estratégia de poder privado, vinculada e viabilizada pelo poder
público, ganha contornos que demonstram uma perspectiva ideológica
do que deve ser lembrado e também esquecido. Desta forma, entende-se
a necessidade de se realizar uma operação historiográfica que, inspirada
em Benjamim, seja mais humilde e menos triunfante, própria de um
historiador sucateiro, preocupado com o que é deixado de lado.
217

CONSIDERAÇÕES FINAIS
BREVES NOTAS DE UM FINDAR SEM A FINITUDE

Era julho de 2002 quando Licurgo faleceu. Enquanto amigos,


parentes, autoridades e desconhecidos velavam seu corpo, não muito
distante dali, uma jovem aspirante à historiadora, ainda estudante de
graduação, tecia um diálogo com seu futuro orientador nas escadarias do
Centro de Ciências e Educação da UDESC, atual Museu da Escola,
localizado na Rua Saldanha Marinho, centro de Desterro, capital de
Santa Catarina. Nessa conversa informal, o futuro orientador dizia à
jovem:

– Já que tens interesse em pesquisar sobre temas


que envolvem Lages, município da Região
Serrana de Santa Catarina, seria muito oportuno
conversar com um lageano chamado Licurgo
Costa, ele é membro do Instituto Histórico e
Geográfico de Santa Catarina, escreveu sobre
Lages e tem uma memória singular sobre vários
episódios. Este senhor mora há uma distância de
duas quadras daqui. É muito simpático e adora
uma boa conversa.

A moçoila desceu as escadas a pensar sobre o assunto:

– Esse tal Licurgo escreveu uma obra que parece


“nunca terminar” com um título garboso, O
Continente das Lagens, além disso, ganha
algumas medalhas de vez em quando,
homenagens por suas obras. Acho que vi uma foto
deste senhor no jornal, tem olhos azuis e uma
imagem muito elegante-.

A jovem saiu da Rua Saldanha Marinho e foi em direção à Praça


XV, passou pela monumental e patrimonial Figueira, árvore centenária,
de onde avistou um movimento diferente no palácio Cruz e Souza,
localizado em frente à praça, onde os guardas vestiam roupas oficiais
muito distintas e um ato fúnebre percebia-se em uma das portas laterais
do palácio. A curiosidade fez com que a inquieta garota se aproximasse
de um dos guardas e lançasse um breve inquérito:
218

– O que aconteceu? Quem morreu? Algum


político?
– Morreu um senhor do Instituto Histórico, um tal
de Licurgo Costa, por isso, do velório ser
realizado aqui. Irão transportar o corpo dele para
Lages, terra natal do falecido – o guarda
respondeu.

A jovem agradeceu a informação e se retirou em silêncio, sentou


em um dos bancos da Praça XV e ficou a observar as exéquias. A
moçoila é a narradora que agora vos escreve. Naquele dia de julho de
2002, jamais imaginou que estaria a narrar sobre a trajetória do
Continente escrito por Licurgo na tese que se encerra, especialmente
após tão peculiar desencontro. Afinal, houve certo descompasso entre a
vida e a morte, tempo implacável. Por sorte, o ato de escrever é uma
busca desesperada para não findar por completa a experiência de existir.
Escrever é sempre uma impertinente insistência em não morrer. Assim
Licurgo, “arqui-vivo189” de tantas vivências, jamais será breve, afinal,
deixou registros escritos, uma forma de não cair no esquecimento, de
lutar contra a fragilidade fatal da vida: desaparecer.
Fiz, do nosso desencontro em julho de 2002, o começo de nosso
encontro em tempo plural, expresso assim porque o jovem Licurgo
viveu o século XX em muitos tempos e compassos. E como nossa
colisão acontece por meio da escrita, há momentos em que me deparo
com um Licurgo “piá lageano”, vivendo nas ruas de Lages, lá pelos idos
de 1910, e outros, com o jovem boêmio do Rio de Janeiro dos anos
1920, que estas palavras se detêm. São muitos Licurgos em tempos
diferentes. E todos eles que compõem o próprio Licurgo, escolheram, de
alguma forma, erguer como um “monumento” de afirmação dos seus na
história, O continente das Lagens, evitando, assim, o derradeiro
desaparecimento da vida.
Esta tese apontou que o autor, ao retornar para Santa Catarina em
meados da década de 1970, investiu na construção de uma memória
própria (a trajetória além de Santa Catarina), familiar (ênfase para a
família Ramos Costa) e territorial (Lages e Região Serrana). O que ele
fez por meio de um autoarquivamento e da prática historiográfica, está
última tendo como ação de destaque a publicação do Continente. A
escrita memorialística de Licurgo, ao mesmo tempo que aspira uma
autoridade historiográfica, reveste-se de uma intenção reparadora,

189 RAMOS, Sérgio da Costa. Diário Catarinense, 15 de julho de 2002.


219

destinada a reverter a inserção periférica de Lages no repertório


simbólico catarinense, de sua família, na história estadual, e dele
próprio, como representante legítimo da intelectualidade catarinense.
Vale ressaltar que, embora o campo historiográfico catarinense
contemporâneo se caracterize por um quadro de profissionalização dos
historiadores, e do significativo peso social da atual produção de história
realizada nas universidades, os impactos dessa produção nos
mecanismos que atuam compondo a memória coletiva configuram-se
em uma quase ausência nas ruas de Lages. Tanto que, para comemorar
os 250 anos da fundação de Lages, em novembro de 2016, a Fundação
Cultural do Município e o Governo do Estado de Santa Catarina
escolheram, como principal evento de celebração, o lançamento da 2ª
edição de O continente das Lagens, sua história e influência no sertão
da terra firme.
Para findar “sem finitude” ou sem um final para a atitude de
escrever, afirmo que, não obstante o nosso encontro, meu e de Licurgo,
se dê no tempo de tecer a escrita, é o lugar sobre o qual narramos que
nos aproxima e nos distancia: Lages. A distância se deve ao fato de que,
enquanto ele escreveu sobre Lages para celebrar o legado dos seus e
quem sabe, assim, também algo legar, alcançando êxito em seu
empreendimento, já que a memória coletiva sobre o passado de Lages é
marcada pelas representações elaboradas no Continente, eu procuro no
mesmo lugar, os não celebrados no memorial escrito por Licurgo.
Contudo, é o desejo de dar a esse mesmo lugar uma história, na ilusão
de resistir à morte e ao extremo esquecimento nosso e dos que nos
cercam, quem sabe, o ponto mais frágil e forte de nosso encontro, meu e
de Licurgo.

Em um lugar que não é Lages


Fevereiro de 2017
220
221

DOCUMENTOS CONSULTADOS

 Bibliografia de Licurgo Costa

Livros

COSTA, Licurgo Ramos. O continente das Lagens: sua história e


influência no sertão da terra firme. Florianópolis: Edição da Fundação
Catarinense de Cultura, 1982.

______.Otacílio Costa, uma vida a serviço da comunidade. Lages:


edição do autor, 1983.

______. Licurgo Costa, um homem de três séculos. Florianópolis:


Insular, 2002.

COSTA, João José Theodoro. Reminiscências Políticas. Florianópolis:


edição do IHGSC, 2003.

Entrevistas
Entrevista realizada com Licurgo Costa pelo setor de comunicação da
prefeitura de Lages, em maio de 2002.
Entrevista realizada com Joel Silveira, intitulada “Intelectuais e o Estado
Novo”, em abril de 1999. Realizada pela Gazeta Mercantil de São Paulo.
In:www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/mt200499.htm

Artigos publicados na Revista do IHGSC

COSTA, Licurgo Ramos. Há 102 anos a Assembléia provincial aprovou


a mudança da capital para Lages. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de Santa Catarina, Florianópolis, 3º fase, n. 6, p. 105-126,
1985.
______. Identificando a autoria da história de Lages pelo método
confuso. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina,
Florianópolis, 3º fase, n. 7, p. 167-173, 1986/1987.
222

______. Centenário de Lindolfo Collor. Revista do Instituto Histórico e


Geográfico de Santa Catarina, Florianópolis, 3º fase, n. 9, p. 9-26,
1990.
______. Sessão comemorativa dos 101 anos do IHGSC e posse dos
novos sócios eméritos. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de
Santa Catarina, Florianópolis, 3º fase, n.16, p.125-134,1997.
______. Centenário do nascimento de Edmundo da Luz Pinto. Revista
do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Florianópolis, 3º
fase, n.17, p. 241-262, 1998.
______. Gilberto de Mello Freyre no centenário de seu nascimento.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina,
Florianópolis, 3º fase, n. 19, p. 225-236, 2000.
______. Homenagem a Otacílio Costa. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de Santa Catarina, Florianópolis, 3º fase, n. 19, p. 291-294,
2000.

 Acervo da Academia Catarinense de Letras

Documentos em geral

*Requerimento número 294/83 aprovado em 10 de outubro de 1983.


Trata-se do Voto de Louvor oferecido pela câmara municipal de
Florianópolis ao escritor Licurgo Ramos da Costa pelo lançamento de O
continente das Lagens.
*Ofício número 06/1987 – enviado para a Secretária de Cultura do
Estado de Santa Catarina em 1987, senhora Zuleika Lenzi.
*Relatório das atividades da Academia Catarinense de Letras de 1986.
*Convite do Presidente da República, Juscelino Kubitschek de Oliveira,
para um jantar- sem data.
*Diploma da Academia Catarinense de Letras, conferindo a Licurgo o
título de membro efetivo e perpétuo da Cadeira 37 da ACL.
*A proposição para apresentar o membro da Academia Brasileira de
Letras, Josué Montello, como um indicado a concorrer ao prêmio Nobel
de Literatura. Data: 13 de junho de 1985.
*Texto escrito pelo pai de Licurgo, Otacílio Vieira da Costa, intitulado
“A Proclamação da República em Lages e os constituintes estaduais de
1991”, publicado pela Imprensa Oficial de Florianópolis em 1950.
223

Correspondências enviadas por Licurgo Costa


*Ao presidente da ACL, Holdemar Oliveira Menezes em 26 de
dezembro de 1974.
* Ao presidente da ACL, Holdemar Oliveira Menezes em 6 de fevereiro
de 1975.
*Ao presidente da ACL, Holdemar Oliveira Menezes em 15 de agosto
de 1975.
*Ao sócio da ACL, Theobaldo Costa Jamundá em 7 de maio de 1976.
*À escritora Maura de Senna Pereira em 18 de setembro de 1976.
*Ao sócio da ACL, Nereu Corrêa em 10 de dezembro de 1978.
*Ao sócio da ACL, Nereu Corrêa em 5 de agosto de 1979.
*Ao ministro da educação, Jorge Konder Bornhausen em julho de 1987.
*Ao vereador Alcino Vieira, presidente da Câmara Municipal de
Florianópolis em 20 de outubro de 1983.
*Á escritora Nélida Piñon em 18 de março de 1997.

Discursos

*Discurso proferido em 10 de novembro de 1994, pelo acadêmico


Hoyêdo de Lins da ACL, em homenagem ao aniversário de 90 anos de
Licurgo Ramos da Costa.
*Discurso proferido em 10 de novembro de 1994, por Licurgo Ramos
da Costa, em agradecimento à homenagem recebida pelos 90 anos.
*Discurso proferido por Licurgo Ramos da Costa, na abertura da 2ª
Feira do Livro de Florianópolis, no dia 30 de outubro de 1987.
* Discurso proferido por Licurgo Costa em nome da ACL, ao
Embaixador da Grécia, Stratos Doukas. Data: 26 de abril de 2000.
*Discurso proferido na missa de sétimo dia de Licurgo Ramos da Costa
em julho de 2000.
*Discurso proferido por Licurgo Costa na sessão solene da ACL, em
comemoração ao centenário de Cruz e Sousa, em 19 de março de 1998.
*Discurso proferido por Licurgo no primeiro chá das quintas-feiras,
realizado na Academia Catarinense de Letras, em 4 de dezembro de
1997.
* Discurso proferido por Licurgo na sessão solene da Câmara Municipal
de Lages, em 30 de março de 1992, por ocasião do recebimento da
Medalha “Bandeirante Corrêa Pinto”.
224

Esboços

*Esboço de um verbete intitulado Licurgo Costa, com anotações de


várias passagens da trajetória de Licurgo Costa.
*Esboço de um texto sobre a trajetória de José Boiteux.
*Esboço da poesia “Dois Oceanos”, variação em tom menor de uma
canção de saudades.
*Esboço do prefácio do livro sobre Edmundo da Luz Pinto
*Esboço do artigo “Algumas impressões sobre as atividades literárias na
Era Vargas – traços biográficos de Lourival Fontes”.
*Esboço de um texto intitulado “Breve notícia biográfica de Licurgo
Costa”.
*Esboço de um texto sobre Assis Chateaubriand.
*Esboço de um texto sobre o Rio de Janeiro na década de 1920.
*Esboço do 1º capítulo de O continente das Lagens, datado de 21 de
setembro de 1975.
*Esboço de um texto sobre a vida literária e as letras catarinenses.

Jornais

*Homenagem recebida por Licurgo Costa na Fiesc, sem data.


*Carta aberta a Silveira Júnior (A Ponte, abril de 1987, p. 13).
*Convite para uma solenidade em homenagem a Licurgo Ramos da
Costa, publicado pela Associação Catarinense de Imprensa, no Diário
Catarinense, em 20 de abril de 1996.

*Correio Lageano, matéria intitulada “Lageano na Academia”,


publicada em janeiro de 1987.
* Guia Serrano, em novembro de 1939.
* Diário Catarinense, em 5 de agosto de 2002.
* Diário Catarinense, em 18 de julho de 2002.
* Diário Catarinense, em 13 de julho de 2002.
* A Notícia, em 13 de julho de 2002.
* Diário Catarinense, em 15 de julho de 2002.
* A Notícia, em 15 de abril de 1996.
* O Estado, em 21e 22 de outubro de 1995.
* O Estado, em 28 e 29 de outubro de 1995.
* A Notícia, em 24 de Agosto de 1998
* O Estado, em 10 de agosto de 1948
225

* O Estado, em 9 de dezembro de 2002.


* Guia Serrano, em março de 1948.

 Acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina

Documentos em Geral

* Boletim número 53 do IHGSC.


*Documento que manifesta oposição contrária à formação do Estado do
Iguaçu. Data: 30 de julho de 1992.
*Proposta de homenagear o Licurgo com a Comenda “Manoel Joaquim
de Almeida Coelho”. Data: 3 de agosto de 1998.
* Currículo apresentado ao IHGSC.
* Proposição para homenagear o centenário do nascimento de Nereu de
Oliveira Ramos. Data da proposta: 3 de setembro de 1988.
Ofício número 210 de 1992 − enviado por Walter Fernando Piazza,
presidente do IHGSC ao vice-presidente, Licurgo Ramos da Costa.
*Proposição para homenagear o centenário de nascimento de Lindolfo
Collor. Data da proposta: 9 de março de 1990.

Discursos

*Discurso intitulado “Desagravando o historiador Licurgo Costa”,


proferido na sessão realizada pelo IHGSC pelo orador da instituição, em
13 de novembro de 1987.
*Discurso realizado por Licurgo Ramos da Costa sobre Edmundo da
Luz Pinto, no IHGSC, em 26 de agosto de 1998.
*Discurso sobre o centenário de nascimento de Aristiliano Laureano
Ramos.
*Discurso apresentado no Primeiro Encontro Estadual de História –
ANPUH, em 25 de agosto de 1986.
*Discurso apresentado por ocasião da comenda Manoel Joaquim de
Almeida Coelho, em 1998.

Rascunhos de textos

*Esboço de um texto sobre o que é e o que representa o Instituto


Histórico e Geográfico de Santa Catarina?
226

*Esboço do prefácio do livro de memórias de Enedino Batista Ribeiro,


publicado pelo IHGSC.
*Esboço de um texto para a comemoração do sesquicentenário do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
*Esboço de um texto sobre o centenário da Proclamação da República.
Data: 15 de setembro de 1989.
*Esboço de um texto sobre a Revolução Francesa.
*Esboço de um texto intitulado “O balanço dos acontecimentos segundo
a moderna historiografia”.
* Esboço do artigo sobre o centenário de Lindolfo Collor.
*Esboço do artigo sobre o segundo centenário da execução de
Tiradentes.
*Esboço de um texto sobre Don Cipriano de Melo e suas convicções
sobre a história de Santa Catarina.

Jornais

* Diário Catarinense, em 20 de outubro de 1986.


* O Estado, em 10 de dezembro de 1986.
* Jornal de Santa Catarina, em 20 de novembro de 1986.
* O Estado, em 7 de dezembro de 1986.
* Correio Lageano, em 23 de novembro de 1986.
* A Notícia, em 27 de novembro de 2001 – Medalha Cruz e Souza.
* O Estado, em 1 de setembro de 2002.
* Diário Catarinense, em 19 de setembro de 2002.
* Correio Lageano, em 11 de janeiro de 1999.
* O Estado, em 28 e 29 de outubro de 1995.
* O Estado, em 9 de dezembro de 2002.
* Diário Catarinense, em 13 de julho de 2002.
* A Notícia, em 13 de julho de 2002.
* Diário Catarinense, em 15 de julho de 2002.
* Guia Serrano, em 10 de novembro de 1938.
* A Batalha, 10 de maio de 1939.
* Diário Carioca, em 10 de outubro de 1953.
227

 Acervo pessoal de Licurgo Ramos da Costa

Agendas pessoais dos seguintes anos:

* 1946, 1947, 1948, 1949, 1951, 1952, 1953, 1956, 1962, 1964, 1966,
1967, 1968, 1969, 1982 e 1987.

Pasta com registros e documentos sobre o I Congresso Catarinense


de História

Bilhete de Lourival Fontes para Alzira Vargas em 1951- sobre


Licurgo Costa

Correspondências Enviadas (localizadas em uma mesma pasta


arquivada por Licurgo Costa

A Alzira Vargas
* Madri, em 3 de fevereiro de 1954.
* Madri, em 5 de março de 1954.

A Auro de Moura Andrade


* Madri, em 11 de novembro de 1954 (telegrama).
* Madri, em 11 de novembro de 1954.
* Madri, em 11 de novembro de 1954 (telegrama). Assunto: o
falecimento de um dos filhos de Auro.
* Rio de Janeiro, em 14 de fevereiro de 1960.
* Montevidéu, em 11 de novembro de 1967.

A Belizário Ramos da Costa


* Nova York, em 9 de agosto de 1953.

A Josué de Castro
* Madri, em 15 de fevereiro de 1954.

A Ivete Vargas
* Madri, em 31 de julho de 1958.
228

A John L. Lewis
*Carta a Mr. John L. Lewis, presidente do sindicato dos mineiros dos
EUA. Nova York, em 6 de outubro de 1953. Ao lado dessa carta,
Licurgo guardou uma cópia da carta de suicídio, escrita pela presidente
Getúlio Vargas.

A João Carlos Muniz


*Carta ao embaixador João Carlos Muniz. Nova York, em 4 de
dezembro de 1953.

A Janio Quadros
* Madri, em 12 de novembro de 1954.

A João Batista Pinheiro


* Madri, em 13 de dezembro de 1954.

A Jesus Arena
* Madri, em 20 de dezembro de 1956.

A Hugo Gouhtier
*Carta embaixador do Brasil na Bélgica, Hugo Gouhtier. Madri, em 4
de agosto de 1958.
* Madri, em 4 de setembro de 1958.

A Coelho Lisboa
* Carta ao embaixador Coelho Lisboa. Montevidéu, em 18 de julho de
1960.

A Fernando Calderon
* Montevidéu, em 26 de agosto de 1960.

A Don Manuel Fraga Iribarne


*Carta a Don Manuel Fraga Iribarne, diretor do Instituto de Estudos
Políticos da Espanha. Montevidéu, em 22 de março de 1961.

A Osvaldo Orico
* Montevidéu, em 24 de março de 1963.
229

A João Batista Pinheiro


* Carta ao embaixador João Batista Pinheiro. Montevidéu, em 26 de
dezembro de 1971.

À Câmara de Vereadores de Lages


* Lages, outubro de 1973.

Ao amigo Theophilo
* Florianópolis, em 10 de setembro de 1983.

Ao jornal O Globo
* Florianópolis, em 28 de agosto de 1995.

A Mendes Cadaxa
* Carta ao embaixador Mendes Cadaxa. Florianópolis, em 6 de janeiro
de 2001.

Correspondências Recebidas (Arquivadas em uma mesma pasta por


Licurgo Costa)

De Alzira Vargas
* Niterói, em 12 de outubro de 1953.
* Rio de Janeiro, em 18 de janeiro de 1954.
* Washington, em 18 de agosto de 1958.
* Rio de Janeiro, em 2 de janeiro de 1960.

De Auro de Moura Andrade


* Brasília, em 27 de outubro de 1967.

De Lourival Fontes
*Carta de Lourival Fontes à Alzira Vargas, em 2 de janeiro de 1943.
Assunto: Licurgo Costa.

De Josué de Castro

* Rio de Janeiro, em agosto de 1942.


* Rio de Janeiro, em 2 de agosto de 1942.
* Genebra, em 21 de janeiro de 1964.
230

* Genebra, em 21 de janeiro de 1964.

De João Café Filho


*Carta do vice-presidente da República, João Café Filho, ao ministério
do trabalho, tecendo elogios a Licurgo Costa. Rio de Janeiro, em 10 de
outubro de 1951.

De Belizário Ramos
* Lages, em 22 de julho de 1953.

De Mozart Lago
*Telegrama enviado por Mozart Lago ao então presidente Getúlio
Vargas, parabenizando a nomeação de Licurgo como ministro de
assuntos econômicos. Nova York, em 11 de dezembro de 1953.

De Nelson Carneiro
* Rio de Janeiro, em 18 de dezembro de 1953.

De Aliomar Baleeiro
* Rio de Janeiro, em 31 de dezembro de 1953.
* Rio de Janeiro, em 3 de fevereiro de 1958.

De João Batista Pinheiro


* Carta do diplomata João Batista Pinheiro a Licurgo Costa. Rio de
Janeiro, em 1 de dezembro de 1954.
* Carta do embaixador João Batista Pinheiro a Licurgo Costa. Bonn, em
20 de janeiro de 1972.

De Mario Donato
* São Paulo, em 27 de julho de 1955.

De Jesus de Arena
* Cidade do México, em 30 de maio de 1956.

De Alfredo Sanchez Bella


*Carta de Alfredo Sanchez Bella, diretor do Instituto de Cultura
Hispânica. Madri em 5 de novembro de 1956.

De Osvaldo Orico
* Paris, 30 de dezembro de 1956.
231

* Rio de Janeiro, em 22 de fevereiro de 1962.


* São Paulo, em 2 de março de 1963.
* São Paulo, em 24 de março de 1963.
* Rio de Janeiro, em julho de 1974.
* Rio de Janeiro, em 20 de julho de 1974.

De Horácio Lafer
* São Paulo, em 17 de dezembro de 1957.

De João Goulart
* Porto Alegre, em 29 de março de 1961.

De Leonel de Moura Brizola


*Carta de Leonel de Moura Brizola, então governador do Rio Grande do
Sul a Licurgo Costa. Porto Alegre, em 30 de março de 1961.

De Al Neto
* Carta do primo Al Neto. Lages, em 13 de setembro de 1963.

De Cesar Avila
* Porto Alegre, em 6 de julho de 1964.

De Vitorino de Teixeira
* Lisboa, em 21 de dezembro de 1964.

Outras correspondências- organizadas de forma aleatória em várias


pastas do acervo pessoal de Licurgo Costa.

Correspondências Enviadas

Enviado para João Costa. Montevidéu, 06/12/65.


Enviado para João Costa. Montevidéu, 20/12/65.
Enviado para Federico Reilly. Lages 24/07/82.
Enviado para Dida. Lages 26/03/81.
Enviado para Jackie Rosa. Florianópolis 14/05/87.
Enviado para Nereu. [S.l.], 27/11/53.
Enviado para Auro. Nova York ,16/12/53.
Enviado para Laurita Montevidéu, 08/12/69.
Enviado para Gilda Maria Ramos Guimarães. Florianópolis, 26/09/92.
232

Enviado para Ruy. Madrid, 05/01/55.


Enviado para Ruy. Madrid, 08/11/55.
Enviado para John L. Lewis. Nova York, 06/10/53.
Enviado para Juscelino Kubitschek de Oliveira. Rio de Janeiro,
26/04/56.
Enviado para Franchini. Madri, 26/11/59.
Enviado para Auro. Madri, 22/02/56.
Enviado para Alzira. Madri, 22/02/56.
Enviado para Getulio Vargas. Rio de Janeiro, 19/02/51.
Enviado para Oswaldo Ourico. Madri, 05/06/55.
Enviado para Osvaldo Orico. Madri, 29/04/55.
Enviado para Osvaldo Orico. Madri, 24/06/55.
Enviado para Darcy Vargas. Madri, 24/08/54.
Enviado para Coronel Benjamin Vargas. Madri, 26/08/54.
Enviado para Lourival Fontes. Madri, 24/08/54.
Enviado para Café Filho. Madri, Não tem.
Enviado para Alzira. Madri, 24/08/54.
Enviado para Barros Vidal. Madri, 16/11/57.
Enviado para Felinto Müller. Madri, 26/11/57.
Enviado para Luiz Alencastro Guimarães. Madri, 10/12/54.
Enviado para Luiz Alencastro Guimarães. Madri, 07/12/54.
Enviado para Auro. Madri, 28/11/55.
Enviado para Manuel Ferreira Guimarães. Madri, 01/03/58.
Enviado para Ivete Vargas. Madri, 18/12/56.
Enviado para Auro. Madri, 18/12/56.
Enviado para Auro. Madri, 15/09/56.
Enviado para Ivete Vargas. Madri, 07/05/56.
Enviado para Auro. Madri, 08/04/56.
Enviado para Café Filho. Madri, 12/05/55.
Enviado para Ivete Vargas. Madri, 06/06/54.
Enviado para Café Filho. Madri, 21/02/54.
Enviado para Ivete Vargas. Madri, 17/04/54.
Enviado para Ivete Vargas. Madri, 10/07/55.
Enviado para Ivete Vargas. Madri, 14/07/55.
Enviado para Getulio Vargas. Nova York, 26/06/52.
Enviado para Ivete Vargas. Madri, 28/01/55.
Enviado para Auro. Madri, 06/09/54.
Enviado para Ivete Vargas. Madri, 06/09/54.
Enviado para Victor Nunes Leal. Madri, 26/04/58.
Enviado para Auro. Madri, 26/06/55.
233

Enviado para Barros Vidal. Roma, 31/08/51.


Enviado para Deoclecio Melin. Florianópolis, 15/07/84.
Enviado para Nereu. Madri, 05/11/54.
Enviado para João Coelho Lisboa. Rio de Janeiro, 05/03/60.
Enviado para Franchini. Madri, 02/01/60.
Enviado para Franchini. Montevidéu, 19/10/66.
Enviado para Franchini. Madri, 25/01/67.
Enviado para Auro. Montevidéu, 23/12/65.

Correspondências Recebidas

Recebido de Café Filho. Rio de Janeiro 28/02/52.


Recebido de Nereu. Rio de Janeiro, 16/11/53.
Recebido de Filinto Müller. Rio de Janeiro, 02/08/58.
Recebido de Auro. Rio de Janeiro, 22/11/53.
Recebido de Auro. Rio de Janeiro, 16/09/53.
Recebido de Auro. Rio de Janeiro, 11/10/53.
Recebido de Auro. Rio de Janeiro, 05/12/53.
Recebido de Laurita. Nova York, 18/09/79.
Recebido de Laurita. Rio de Janeiro 19/05/93.
Recebido de Laurita. Paris, 12/12/69.
Recebido de Ruy. Istanbul, 13/11/54.
Recebido de Ruy. Istanbul, 14/01/55.
Recebido de Ruy. Rio de Janeiro, 28/12/55.
Recebido de Auro. Rio de Janeiro, 27/04/56.
Recebido de Lourival Fontes. Rio de Janeiro, 03/06/52.
Recebido de Lourival Fontes. Rio de Janeiro, 26/11/51.
Recebido de Valentin Rebouças. [S.l.], 10/10/52.
Recebido de Sarah Kubitschek. [S.l.], sem data.
Recebido de Osvaldo Orico. Paris, 22/08/58.
Recebido de Valentin Rebouças. Rio de Janeiro, 05/09/51.
Recebido de Osvaldo Orico. Rio de Janeiro, 08/05/55.
Recebido de Osvaldo Orico. Rio de Janeiro, 08/04/55.
Recebido de Ivete Vargas. Paris, 10/04/55.
Recebido de Lourival Fontes. Madri, 09/06/55.
Recebido de Café Filho. Madri, 01/06/55.
Recebido de Osvaldo Orico. Rio de Janeiro, 20/11/55.
Recebido de Barros Vidal. Rio de Janeiro, 26/11/57.
Recebido de Almirante A. Peixoto. Madri, 16/11/57.
Recebido de Felinto Müller. Rio de Janeiro, 22/03/58.
234

Recebido de Felinto Müller. Madri, 02/04/58.


Recebido de Ivete Vargas. Distrito Federal, 01/12/53.
Recebido de Ivete Vargas. Distrito Federal, 01/12/53.
Recebido de Miranda Neto. Roma, 07/11/51.
Recebido de Vidal. Madri, 15/11/54.
Recebido de Barros Vidal. Rio de Janeiro, 26/10/54.
Recebido de Osvaldo Orico. Rio de Janeiro, 07/12/53.
Recebido de Ivete Vargas. Rio de Janeiro, 07/11/56.
Recebido de Osvaldo Orico. Rio de Janeiro, 05/10/54.
Recebido de Osvaldo Orico. Nova York, 16/04/54.
Recebido de Ivete Vargas. Rio de Janeiro, 31/03/56.
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Recebido de Ivete Vargas. Distrito Federal, 21/04/54.
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Recebido de Ivete Vargas. Distrito Federal, 22/06/55.
Recebido de Ivete Vargas. Distrito Federal, 03/06/55.
Recebido de Barros Vidal. Rio de Janeiro, 08/10/57.
Recebido de Ouro. São Paulo, 28/06/54.
Recebido de Ivete Vargas. Distrito Federal, 03/01/55.
Recebido de Ivete Vargas. Distrito Federal, 10/11/54
Recebido de Ivete Vargas. Rio de Janeiro, sem data.
Recebido de Barros Vidal. Rio de Janeiro, 02/08/51.
Recebido de Deoclecio Melin. Rio de Janeiro, 27/05/81.
Recebido de Filinto Müller. Rio de Janeiro, 10/02/60.

Rascunhos de textos do acervo pessoal do Licurgo Costa

 Notas ao correr da pena


 Apontamentos sobre a vida de Nereu Ramos
 Sobre Candido de Oliveira Ramos
 Identidade Catarinense Serra do Rio do Rastro
 Centenário da imprensa lageana
 Sobre a comarca de Otacílio Costa
 Anita Garibaldi nasceu em Bom Jardim da Serra
 282 pro correio lageano
 A afirmação que Anita Garibaldi é lageana
 Histórico da Vila da Nossa Senhora dos Prazeres das Lagens
 A história de Lages contada pelo "Crioulo Doido"
235

 Salva a BR282
 Presença de Lages na poesia catarinense
 A participação de Lages na Guerra dos Farrapos
 Lages e as grandes personalidades
 Sobre Gilberto Freyre
 Carta para a TELESC − Críticas sobre um catálogo de história
 As mordomias da pobreza
 Parecer sobre a monografia de Wilson Balardini
 Textos do Dr. Rubens Cleary
 Visita a Agrippino Grieco
 Roteiro do que parece ser o "Continente das Lagens"
 Frente: Estatuto no núcleo agrícola de Bocaína do Sul / Verso:
rascunho de um texto
 Minuta para memórias
 Março de 1982: Impressões de Adolfo Konder
 Uma reclamação sobre as críticas que a Folha de São Paulo fazia
sobre o governo Sarney
 História da 282
 Prefácio do livro de poesias de Silda Thereza
 Rascunhos de discursos
 Minuta para as minhas memórias: Sobre o nascimento e a 1ª infância
 Prefácio do livro sobre Enedino Batista
 Texto sobre Assis Chateaubriand
 Carta para Apolinário Ternes
 Texto sobre política
 Lages e sua influência cultural na região serrana, 1991 − para o
IHGSC
 Lages viveiro de grandes personalidades
 A participação de Lages na Guerra dos Farrapos
 Mais um lageano na ACL
 Rascunho: André o Imaginoso
 Rascunho: Presença de Lages na Poesia Catarinense
 Rascunho de um texto apresentado na IHGSC sobre: Formação social
da região serrana − 1991
 Textos memória: João José Theodoro da Costa
236
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