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Psicopedagogia Institucional
Autora
Dayse Carla Gênero Serra
2009
© 2006-2009 – IESDE BRASIL S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do
detentor dos direitos autorais.
ISBN: 85-7638-240-7
CDD 370.15
C
ertamente, no decorrer deste curso, você já teve contato com o conceito
de Psicopedagogia e conheceu as suas principais formas de atuação. Mas,
para começar a nossa disciplina, é necessário rever alguns desses conceitos
e contextualizar de que forma as teorias e práticas da Psicopedagogia Institucional
podem colaborar com as práticas pedagógicas no cotidiano escolar.
Comecemos, então, pela Psicopedagogia, no seu sentido amplo. A Psicope-
dagogia é uma área de estudo bastante recente, existindo há aproximadamente 30
anos no Brasil, e tem por objetivo estudar, compreender e intervir na aprendiza-
gem humana. Ao contrário do que o senso comum imagina, a Psicopedagogia não
se restringe ao estudo das dificuldades e dos distúrbios de aprendizagem, mas à
aprendizagem de um modo geral, seja no seu estado normal ou patológico. Além
disso, todos os seres humanos, em qualquer faixa etária, podem fazer uso da Psi-
copedagogia para aprender de forma mais eficaz ou compreender o seu próprio
processo de aprendizagem. Afinal, se estamos suscetíveis ao ato de aprender desde
que nascemos até o fim de nossas vidas, por que, então, a Psicopedagogia teria um
limite de atuação? Ela está presente onde a aprendizagem acontece, ou seja, em
todos os momentos e faixas etárias de nossas vidas.
Assim como a aprendizagem pode estar presente em todos os momentos de
nossa vida, as dificuldades que ela representa também podem surgir em qualquer
nível de ensino. Desta forma, uma pessoa pode ter sido um ótimo aluno, com ex-
celente rendimento escolar até o final do Ensino Fundamental e apresentar grandes
dificuldades para aprender no Ensino Médio, ou até mesmo na universidade. Isso
porque, mesmo com as estruturas cognitivas amadurecidas, um determinado assunto
ou área de estudo pode se tornar árduo para a nossa aprendizagem, do ponto de
vista afetivo, e reagimos negando-a.
É provável que o fato de as pessoas restringirem a Psicopedagogia ao trabalho
com alunos portadores de dificuldades de aprendizagem também esteja relacionado
à sua origem, pois ela surge como uma alternativa de intervenção nas dificuldades
de aprendizagem. Sua origem também é atribuída aos argentinos. No entanto, Bossa
(2000, p. 36) nos alerta sobre a origem do pensamento argentino acerca da Psico-
pedagogia, que está centrado na literatura francesa e se baseia em autores como
Lacan, Mannoni, Françoise Dolto, Ajuriaguerra, Pichon-Rivière, dentre outros. A
Psicopedagogia tem o seu início, portanto, na Europa, ainda no século XIX, quando
surgiram as preocupações com os problemas de aprendizagem. Contudo, podemos
afirmar que a Argentina tem uma importância considerável na difusão do pensamen-
to psicopedagógico, especialmente na epistemologia convergente. Seus principais
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
representantes são Jorge Visca, Alicia Fernandez e Sara Paín. Ainda na Argentina,
a Psicopedagogia tem o seu eixo teórico em três áreas da Psicologia. São elas: a
Psicologia Genética de Jean Piaget, A Psicanálise de Freud e a Psicologia Social de
Pichon-Rivière. Posteriormente, muitas outras teorias contribuíram e enriqueceram
a teoria psicopedagógica, tais como a teoria de Vygotsky, a psicogênese da língua,
tão bem defendida por Ana Teberosky e Emília Ferreiro. No entanto, ressaltamos
que o berço, a gênese, o nascimento da Psicopedagogia acontece, de fato, com essas
três teorias: Psicanálise (Freud), Psicologia Genética (Piaget), Psicologia Social
(Pichon-Rivière) e, é claro, com a herança francesa.
Não podemos deixar também de citar os nossos representantes brasileiros, que
tanto têm contribuído para o desenvolvimento da Psicopedagogia e produzido trabalhos
de qualidade na área, tais como Maria Lúcia Weiss, Aglael Borges, Nadia Bossa, Bea-
triz Scoz e Heloísa Padilha, dentre outros. É importante também dizer que, no Brasil,
a formação do psicopedagogo se dá por meio de cursos de pós-graduação lato sensu,
enquanto na Argentina o curso é de graduação e teve o seu início na Universidade de
Buenos Aires, há mais de três décadas. No entanto, podemos atuar em diversos espaços
educacionais, não necessariamente com a função de “psicopedagogo”, mas com um
olhar e uma postura psicopedagógica diante da aprendizagem. Por exemplo, quando
compreendemos o ato de aprender como um processo contínuo e singular, quando en-
tendemos de que maneira os processos afetivos de um aluno estão interferindo na sua
aprendizagem e, ainda, quando preparamos nossas aulas pensando no desenvolvimento
cognitivo de nosso público, como alguém que prepara uma roupa sob medida.
Áreas da Psicopedagogia
A Psicopedagogia vem evoluindo e crescendo bastante ao longo dos anos.
Hoje, temos a Psicopedagogia Clínica, de caráter predominantemente curativo.
Seu espaço de trabalho é o consultório e o atendimento individualizado é a forma
mais comum. A Psicopedagogia Institucional possui caráter predominantemente
preventivo, e normalmente a atuação ocorre com pequenos grupos de alunos, tra-
balhadores, pessoas em geral. A área institucional se divide hoje em três formas
de atuação: a escolar, a empresarial e a hospitalar. Ao longo das aulas, vamos nos
aprofundar no estudo da Psicopedagogia Institucional Escolar, mas por hora pode-
mos adiantar que ela surge na escola a partir das novas demandas da humanidade
e das transformações históricas e sociais dos alunos, que a evolução da sociedade
tem trazido até nós. Olhamos em volta e nos perguntamos qual o profissional da
escola que poderá nos ajudar a solucionar os problemas de aprendizagem, o fra-
casso escolar, a formação continuada dos professores etc., já que a maioria dos
profissionais da escola, quando busca em sua formação de base um referencial
que ajude a solucionar especialmente os dilemas éticos, nem sempre encontra.
A Psicopedagogia não é um elemento milagroso, mas, sem dúvida, é uma forma
diferenciada de compreender a aprendizagem humana e atuar sobre ela, já que
sempre analisará as situações procurando perceber o sentido cognitivo, afetivo e
social de cada questão, bem como a interseção entre esses elementos.
O atendimento psicopedagógico institucional escolar ocorre normalmente na
escola, em grupos, não necessariamente grupos compostos por alunos da mesma série
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Conhecendo a psicopedagogia
Um professor pode não ser psicopedagogo por formação, mas adotar uma postura psicopedagó-
gica diante da aprendizagem de seus alunos. Você concorda?
No cotidiano escolar, em que momentos você consegue perceber a integração dos aspectos
cognitivos, afetivos e sociais de seus alunos?
Na sua opinião, porque sofremos a influência do pensamento argentino na construção do trabalho
e da teoria psicopedagógica?
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Conhecendo a psicopedagogia
Caso você tenha interesse em aprofundar seus conhecimentos acerca do processo histórico da
Psicopedagogia no Brasil e também sobre as suas áreas de atuação, leia A Psicopedagogia no Brasil,
de Nádia Bossa, Editora Artmed.
1. Na sua opinião, o olhar psicopedagógico traz avanços para a atuação de educadores? Por quê?
2. Durante muito tempo, adotamos uma postura medicalizante do fracasso escolar quando, na ver-
dade, a aprendizagem não se processa somente no plano biológico. Quais são os outros aspectos
e como eles interferem no ato de aprender?
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Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
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Psicopedagogia institucional
na escola: desafios e processos
A
gora que já sabemos como funciona a atuação da Psicopedagogia Institucional,
vamos nos deter na atuação psicopedagógica institucional escolar e verificar
de que maneira a Psicopedagogia, como teoria e prática, pode colaborar para
o aperfeiçoamento de todos os profissionais da educação no cotidiano da escola.
Se eu pedisse para vocês enumerarem agora todos os assuntos do cotidiano
da escola que se configuram em desafios para os educadores de um modo geral,
quais seriam esses assuntos? Vamos ficar longas horas conversando sobre eles, não
é mesmo? Os desafios são proporcionais à complexidade do espaço escolar, pois
a nossa maneira de dar aulas, a forma como elaboramos o nosso planejamento, a
nossa avaliação, a forma como conversamos com um aluno que cometeu um ato
de indisciplina, dentre outras atividades, traduzem a nossa forma de ver o mundo
e, o mais importante, a nossa concepção de Educação.
Todos nós, professores, já estudamos as tendências pedagógicas da educação
brasileira e sabemos que, em cada período da história, o professor, o aluno e a direção
da escola se comportam de uma maneira diferente. Da mesma forma, os métodos
de ensino, os conteúdos que ensinamos não são os mesmos. Isso acontece porque a
Educação está inserida num contexto muito mais amplo que é a sociedade e, é claro,
ao mesmo tempo em que sofre influências desta, também ratifica ou colabora para a
transformação de algumas práticas sociais. Em suma, para cada tempo, novos desafios.
Podemos concluir, então, que a prática psicopedagógica deve, obviamente, apoiar-se
em bases teóricas sólidas, mas deve também adotar um pensamento dialético e contex-
tualizado, sob pena de se transformar em algo obsoleto para a Educação.
Voltemos aos desafios presentes no ambiente escolar. São inúmeros, como
já dissemos, mas, como o nosso curso não pretende esgotar nenhum assunto, ao
contrário, pretende colaborar para o exercício da reflexão de questões aqui propostas
e das que possam surgir, elegemos alguns desafios contemporâneos para iniciar a
nossa conversa. São eles:
o fracasso escolar;
o currículo;
o planejamento com enfoque psicopedagógico;
a avaliação da aprendizagem;
conselho de classe;
trabalho com projetos;
afetividade e aprendizagem;
reuniões de pais;
formação continuada de profissionais da educação;
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
indisciplina na escola;
inclusão.
Alguns dos temas escolhidos serão aprofundados nas próximas aulas, pois,
além de serem objetos, são também sintomas de problemas individuais ou insti-
tucionais e, ainda, instrumentos de intervenção psicopedagógica. Por exemplo,
fracasso escolar será revisto e aprofundado na aula 5, afetividade e aprendizagem
na aula 7, indisciplina na escola na aula 9, currículo na aula 11, planejamento es-
colar na aula 12, avaliação na aula 13, inclusão na aula 14 e, finalmente, família e
aprendizagem na aula 15. Então, vamos aos desafios e mãos à obra.
Fracasso escolar
Eis um problema nacional. Por que tantas crianças e jovens não conseguem
aprender? Especialmente no período da alfabetização, o problema do fracasso escolar
tem tirado o sono dos professores. Ao analisar a questão, procuramos as causas no
próprio aluno, muitas vezes atribuindo os seus resultados à falta de interesse, à ausência
de investimentos na aprendizagem e até mesmo à existência de alguma deficiência que
impede a aprendizagem de transcorrer normalmente. É comum também que o problema
seja atribuído ao contexto familiar, às condições sociais do aluno e, ainda, à privação
cultural. Todos esses fatores podem representar, certamente, causas para o não-aprender.
Ou, ainda, o fracasso escolar pode ter origem num conjunto de causas anteriormente
apresentadas que se entrelaçam. No entanto, é preciso ter cuidado para não “responsa-
bilizar” o aluno pelo seu fracasso escolar, pois nem sempre o problema está localizado
no próprio sujeito. Recomenda-se que o professor também reflita sobre a sua prática
pedagógica, especialmente sobre as atividades repetitivas e sobre as experiências de
aprendizagem que são oferecidas, que nem sempre respeitam a individualidade dos
alunos. Todos nós, crianças ou adultos, temos os nossos modelos próprios de aprendi-
zagem e, dessa maneira, a aprendizagem torna-se um processo muito singular.
Não se trata de buscar culpados para o fracasso escolar, nem de responsa-
bilizar os professores, mas buscar alternativas que estão ao nosso alcance para
solucionar o problema. Afinal, podemos trabalhar em conjunto com as famílias
de nossos alunos, mas não podemos promover grandes alterações dentro desse
contexto, podemos oferecer oportunidades de enriquecimento cultural na escola,
mas não solucionar os problemas sociais e de privação cultural de nossos alunos.
Então, a questão é: como podemos fazer com que o nosso aluno aprenda, apesar
das adversidades? É nosso papel de educador buscar alternativas, e muitas delas
são possíveis de serem realizadas dentro da escola.
Aprender algo requer interesse pelo objeto; numa linguagem psicopedagó-
gica, requer desejo. É preciso que a escola faça sentido na vida do aluno e que ele
não pense que alguns nasceram para estudar e outros não, caindo nas armadilhas
do sistema capitalista e neoliberal. Mas nós só conseguimos desejar aquilo que
possui algum significado para nós. Aí entra o papel do professor na hora de eleger
as oportunidades de aprendizagens significativas. Procurar mostrar para os alunos
o sentido da educação e seus benefícios, bem como a necessidade de investimen-
tos a longo prazo, também produz efeitos interessantes e, é claro, é bom evitar os
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Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos
discursos preconceituosos como “estudar para vencer na vida”, “estudar para ser
alguém”. O mestre Paulo Freire pode nos ajudar a organizar um discurso de con-
vencimento respeitoso e dialético sobre a importância do ato de estudar.
Para a Psicopedagogia, cada um de nós aprende de uma forma diferente e
o professor, na maioria das vezes, trabalha com números médios ou grandes de
alunos. Assim, é impossível promover atividades individualizadas o tempo intei-
ro. Então, uma das soluções seria oferecer o maior número possível de atividades
diferenciadas para um mesmo conteúdo, dando oportunidade para as diferenças
dos modelos de aprendizagem operarem. Também não podemos nos satisfazer se
parte da turma aprende e parte não. Se alguns alunos não acompanham a turma, não
devemos esperar pelos períodos oficiais de recuperação para fazer algo. É necessá-
rio pensar de que maneira podemos utilizar a epistemologia convergente, ou seja,
a integração de áreas do conhecimento para oferecer oportunidades diferenciadas
de aprendizagem para os alunos com dificuldades. O trabalho diversificado ainda
é uma boa alternativa para que o professor tenha condições de dar maior atenção
aos grupos de alunos com dificuldades.
O currículo
Seja qual for a escola, seja qual for a sociedade, uma coisa é certa: há um currí-
culo definido para ser ensinado e que serve à sociedade no qual ele está inserido. Ou
seja, a escola “presta serviços” à sociedade educando os seus cidadãos e entregando-
os à sociedade para servi-la. Em contrapartida, a sociedade “diz” para a escola o
que ela precisa ensinar aos seus cidadãos. Portanto, no momento da organização do
currículo escolar, devemos nos perguntar o que precisamos ensinar aos nossos alunos
de acordo com a nossa cultura. Isso nos faz concluir que nenhum currículo é neutro,
ao contrário, está permeado de fatores sociais, políticos e econômicos.
Organizar um currículo é tarefa de toda a escola e não só do professor, e
não é apenas o componente sociopolítico que deve interferir na organização do
currículo. Os componentes afetivos, cognitivos e biológicos também devem ser
levados em conta na sua construção. É necessário que a escola fundamente o seu
trabalho teoricamente e que construa um currículo adequado às condições afetivas,
cognitivas e biológicas de cada grupo de alunos, pois, se ele for complexo demais
para determinado nível de desenvolvimento, certamente estaremos “fabricando
dificuldades de aprendizagem no ambiente escolar, mas se for aquém das possibi-
lidades do aluno, estamos impedindo que ele se desenvolva”.
fixado etc. Além disso, sonda a aprendizagem do aluno, mas também o que o
professor ensina.
É importante que fique claro que, ao avaliar, o professor não deve prestar
atenção somente no aluno e sim na aprendizagem. Para isso, ele não precisa neces-
sariamente fazer uso de testes e provas. Atividades de sala de aula, como trabalhos
em grupo, exercícios, projetos e a observação do professor, podem dizer muito
sobre a aprendizagem dos alunos.
Avaliação de aprendizagem
Vamos tratar, agora, de um dos assuntos mais polêmicos da educação: a
avaliação. Historicamente, a avaliação tem sido usada por muitos educadores
como instrumento de poder sobre o aluno, incentivando uma relação mercan-
tilista com o saber. Ou seja, o aluno aprende a estudar para tirar o número de
pontos que precisa para ser aprovado. O sentido da aprendizagem é o de troca
pelos pontos, ou melhor, a nota é o salário pago pelo tempo dedicado ao estudo.
Alguns alunos chegam a estudar para tirar somente os pontos necessários para a
aprovação, deixando a idéia do estudo para o desenvolvimento intelectual e pessoal
completamente de lado.
Entendemos que a forma de avaliação que o professor escolhe é uma conse-
qüência de toda a sua prática pedagógica; portanto, se nas aulas há um incentivo
à “decoreba” e à apreensão de idéias soltas, descontextualizadas, a avaliação não
pode ser diferente.
Pensemos, também, no absurdo que representa a utilização de médias para
calcular a nota do aluno. Quando um aluno tira uma nota baixa e depois melhora
o seu rendimento, a sua nota anterior é somada à nota mais alta e é feita a média
aritmética entre elas. Ou seja, mesmo melhorando, o aluno sempre será punido pelo
seu rendimento anterior. Ou, ainda, somamos e tiramos médias de resultados de
áreas do conhecimento completamente diferentes. Isso seria justo? Por outro lado,
se a escola esconde dos alunos a realidade das provas, o mundo mostrará, pois o
estudante encontrará provas para ingressar na universidade (afinal, o vestibular ainda
é uma realidade na nossa sociedade) e encontrará também os processos seletivos
para ingressar no mercado de trabalho, ou para continuar sua carreira acadêmica,
dentre outros momentos. Logo, se a escola também tem como função preparar o
aluno para a vida, não tem o direito de negar-lhe a realidade. No entanto, podemos
trabalhar com a avaliação humanizada, que é a proposta da Psicopedagogia.
Vamos tratar de alguns princípios da avaliação humanizada. Se exercemos o
magistério em uma sociedade que quantifica o conhecimento e o traduz em notas, não
podemos nos contentar em aprovar um aluno que tirou média 5. Pense no absurdo
que representa aprovar um aluno que aprendeu 50% do que ensinamos em sala. Ao
compararmos o trabalho do professor com o de um médico, verificamos que nenhum
médico se dá por satisfeito se o seu paciente estiver 50% curado, não é mesmo?
Resta-nos lutar para “aumentar” esse percentual de aprendizagem dos alunos. Como?
Oferecendo-lhes oportunidades de refazer a avaliação até que eles demonstrem que
alcançaram um rendimento melhor porque suas dúvidas foram sanadas.
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Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
Conselho de classe
O conselho de classe é um momento de muita importância para a comunida-
de escolar e, infelizmente, é desperdiçado por muitos educadores. Há desperdício
quando se transforma num momento de lamentações e de críticas improdutivas
aos alunos. O conselho de classe deve ser visto como uma oportunidade (rara
muitas vezes) de reunir professores de diferentes áreas para conhecer melhor os
alunos, promover a integração do trabalho pedagógico e, acima de tudo, plane-
jar alternativas de intervenções psicopedagógicas para os alunos que estão com
dificuldades para aprender. Como vimos nos itens anteriores, planejamento e
avaliação são elementos indissociáveis e o conselho de classe é um momento
de avaliação. É uma oportunidade de ação coletiva dos profissionais da escola
não só para os problemas de aprendizagem como também para os problemas de
indisciplina, administrativos e operacionais da escola. Contudo, não devemos
permitir que o burocrático sufoque o pedagógico.
Afetividade e aprendizagem
Pichon-Rivière, na Teoria do Vínculo, ressalta a importância deste para a
aprendizagem. Todos temos exemplos, em nossa história de aprendizagem, de pro-
fessores que, com sua afetividade, fizeram com que gostássemos de suas disciplinas
e até tivéssemos facilidade de aprender por causa deles. Mas também tivemos a
experiência contrária: professores que desprezavam a afetividade e dificultavam
bastante o nosso aprender. Não é à toa que temos preferências por algumas dis-
ciplinas e temos aversão a outras. Como também não é à toa que escolhemos a
profissão de educador. Diga-se de passagem, se fizemos esta escolha profissional,
segundo a Psicopedagogia, é porque o nosso vínculo com a aprendizagem foi muito
mais positivo do que negativo.
Quando um aluno apresenta dificuldades para aprender, segundo a Psico-
pedagogia, uma das primeiras tarefas do educador é o resgate da auto-estima do
educando, pois ninguém consegue aprender se não conseguir investir no ato de
aprender, e ninguém consegue investir na própria aprendizagem se não tiver o desejo
de aprender e acreditar nas suas possibilidades. Então, cabe ao professor oferecer
aos seus alunos oportunidades de acerto, experiências positivas que os conduzam
ao desejo de continuar aprendendo para continuar acertando. São raríssimos os
casos de alunos que recebem o fracasso escolar como um desafio a ser superado,
afinal, isso exige uma maturidade que a criança não possui. Será necessário que o
professor presenteie o aluno com um recurso valioso e que nada custa: o elogio.
Elogiar é altamente reforçador do sucesso.
Reuniões de pais
A sociedade mudou, assim como os nossos pais e alunos também mudaram.
O número de mulheres no mercado de trabalho, em algumas regiões do Brasil,
muitas vezes, é superior ao número de homens, sendo que muitas delas mantêm suas
famílias sozinhas. Em suma, a família mudou bastante ao longo dos anos e isso nos
faz pensar que as relações entre a escola e a família não podem ser as mesmas.
É comum ouvirmos queixas, por parte das escolas, sobre a pouca participação
dos pais na vida escolar dos filhos, inclusive que nas reuniões de pais a freqüência é
baixíssima, e também é freqüente ouvir dos pais que a escola possui alguma falha e
que gostariam de ser mais ouvidos pelos professores e equipe técnica. Refletir sobre
esses desencontros é necessário para o bem da aprendizagem de nossos alunos.
Alguns procedimentos muito simples podem ajudar no progresso dessas relações.
Por exemplo, as reuniões podem variar de dia e horário, a fim de concentrar o
maior número possível de pais. Ou, ainda, mantermos um horário fixo, depois de
ter levantado a disponibilidade dos pais. As reuniões devem ser breves e respeitar
o horário marcado. Além disso, é bom que tratemos dos assuntos coletivos, e os
individuais devem ser agendados para uma conversa em particular.
Quando se tem uma visão psicopedagógica, enxergamos os pais de nossos
alunos como seres também em processo de aprendizagem e, por isso, em alguns
momentos da reunião, cabem “prescrições”, sugestões de como os pais podem agir
em casa para conduzir os estudos de seus filhos, sem, com isso, tornarem-se pro-
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Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
Formação continuada
de profissionais da educação
Phillipe Perrenoud nos orienta que uma das competências do professor deve
ser gerir a própria formação. Como profissionais da educação e da aprendizagem,
sabemos que a nossa formação é um processo contínuo, sem fim. Participar das opor-
tunidades de formação continuada oferecidas pelo nosso local de trabalho, bem como
participar autonomamente de outros, é uma forma de aprimorar o nosso trabalho.
As leituras de livros e periódicos diversos também são ótimos recursos, pois
colaboram para que o professor passe de leitor para autor de conhecimentos e, por
que não, um professor-pesquisador. Pedro Demo afirma que o professor que nunca
foi pesquisador também nunca foi professor, pois ele torna-se um mero repetidor
de informações, no lugar de produzir conhecimento.
Indisciplina na escola
Talvez um dos grandes desafios de nossos tempos: a construção dos limites
e da ética dentro da escola. Um tema tão polêmico quanto importante, tanto que
mereceu, em nosso estudo, uma aula específica.
Temos notícias de que muitos professores, competentes em sua área, pos-
suem dificuldades para desenvolver o seu trabalho em função do comportamento
de seus alunos. A Psicopedagogia entende que esse comportamento pode ser um
problema relativo de aprendizagem, com bases na afetividade do sujeito e na sua
relação com o ato de aprender, e que, portanto, essa relação pode ser construída
(ou reconstruída) por meio do vínculo afetivo entre professor e aluno. No entanto,
a construção da ética na escola não pode ser uma atitude isolada do professor e sim
projeto de toda a escola. É bom que o professor também reveja o seu procedimento,
pois, se analisarmos o cotidiano de nossa escola, alguns alunos com problemas de
indisciplina não agem de forma inadequada com todos os professores, mas com
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Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos
alguns. Isso nos faz pensar que o problema também pode não estar no aluno nem
no professor, mas na relação que os une, que é o conhecimento.
Inclusão
Inclusão é um tema bastante amplo, pois ela não se restringe aos portadores
de necessidades especiais. Os excluídos nesse grande Brasil são muitos e as ex-
clusões vão desde questões raciais e étnicas até os problemas de desemprego. O
fracasso escolar também merece uma análise sobre inclusão, pois, na verdade, esses
alunos “não estão na escola”. No entanto, como teremos uma aula específica sobre
fracasso escolar, trataremos aqui brevemente do desafio da inclusão do portador
de necessidades especiais na escola.
Durante muito tempo, esses alunos estiveram fora da escola, recebendo uma
educação segregada. Os professores, por sua vez, não recebiam, em seus cursos
de formação, uma qualificação adequada para trabalhar com os portadores de
necessidades especiais. No entanto, a inclusão se faz hoje uma realidade presente
na maioria das escolas e, preparados ou não, esses professores estão recebendo os
alunos especiais.
É preciso sair do modelo de integração em direção ao modelo da inclusão,
pois, enquanto a integração significa a abertura da vaga para o portador de neces-
sidades especiais, mas não a adaptação da organização da escola para recebê-lo,
a inclusão só é inclusão porque faz uma série de adaptações, de grande e pequeno
porte, para melhor receber o aluno e promover a aprendizagem.
Só podemos considerar um aluno de fato incluído quando ele está experi-
mentando situações de aprendizagem, além da socialização. A socialização sim-
plesmente não garante a inclusão de fato.
Para promover a inclusão, é necessário, ainda, trabalhar junto à escola, à fa-
mília e ao próprio sujeito. A família funciona como uma co-autora da inclusão, pois
poderá ser como um elemento reforçador das aprendizagens realizadas na escola,
além de prestar informações importantíssimas para os profissionais que cuidam e
atendem seu filho. A formação continuada do professor para melhor prepará-lo para
o atendimento aos alunos especiais também é muito necessária, pois o educador
precisa compreender os caminhos da aprendizagem de seu aluno especial. Em outras
palavras, o percurso psicopedagógico que ele faz, para melhor intervir.
Você conhece o livro Uma professora muito maluquinha, de Ziraldo? É um bom exemplo da
afetividade e aprendizagem. Vale a pena ler!
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Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
1. Após ler o texto, como você desenvolveria um planejamento com embasamento psicopedagógico?
2. Organize uma reunião de pais de acordo com os princípios apresentados neste material.
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Aprendizagem: o que é
e como se processa
na visão psicopedagógica
N
esse capítulo, enfocaremos o objeto de estudo da Psicopedagogia e,
certamente, o principal objetivo dos educadores: a aprendizagem. Como
estudamos anteriormente, a Psicopedagogia busca o aperfeiçoamento das
relações com a aprendizagem, bem como a melhor qualidade possível na constru-
ção da aprendizagem de alunos e educadores (Weiss, 2000). Mas, afinal, o que é
aprendizagem? Como se processa?
Muitos autores se preocuparam com o tema. Para Alicia Fernandez, por
exemplo, todo sujeito tem a sua modalidade de aprendizagem e os seus meios
para construir o próprio conhecimento, e isso significa uma maneira muito
pessoal para se dirigir e construir o saber. Para a autora, esse processo inicia-se
desde o nascimento e constitui-se em molde ou esquema, sendo fruto do nosso
inconsciente simbólico. O desejo de aprender reside no inconsciente (Bossa,
2000) e, é claro, é fruto da história de cada sujeito e das relações que ele consegue
estabelecer com o conhecimento ao longo da vida.
Para Sara Paín, a aprendizagem é resultado da articulação de fatores internos e
externos do próprio sujeito, do organismo (substrato biológico), do desejo de aprender,
das estruturas cognitivas e do comportamento em geral. Todos esses aspectos conver-
gem para um mesmo objetivo que é o ato de aprender. Para esta autora, a aprendizagem
possui algumas funções contraditórias. São elas: a função socializadora, a função
repressora e a função transformadora. Vejamos como essas funções se definem:
a) Função socializadora: a educação leva o sujeito a experimentar a vida em
comunidade e faz ensaios de participação social no ambiente escolar. A escola
trabalha dentro de um projeto social de homem e atua para que este seja o mais
integrado possível no seu ambiente. Para viver em sociedade, é necessário que
o homem faça uso do conhecimento produzido pela sua cultura.
b) Função repressiva: na visão da autora, a aprendizagem possui essa função,
já que o professor trabalha com limites claros e a escola é um espaço per-
meado de limites (o uso de uniformes, horários, programação de tarefas
pedagógicas etc.). Além disso, não há espaço para a expressão plena do
desejo de aprender porque, na maioria das vezes, as atividades são coletivas
e um sujeito representa o limite do outro.
c) Função transformadora: eis aqui o elemento de dicotomia das funções da
aprendizagem, pois, ao mesmo tempo em que ela possui a função da ma-
nutenção da cultura (função socializadora) e de delimitar o sujeito (função
repressora), a aprendizagem tem a função de libertar o homem a partir do
conhecimento e, por conseqüência, transformar a sociedade.
Para Sara Paín, o não-aprender pode representar um sintoma e não um
problema, pois, por meio dele, o professor pode ter contato com a modalidade de
aprendizagem do aluno.
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
“No ser humano, a aprendizagem é planificada, motivada, elaborada e avaliada, quase sempre
dependente dos aspectos sócio-históricos”.
Vítor da Fonseca
Nossas reflexões sobre aprendizagem conduzem-nos sobre o saber e o não-saber; por isso, é
importante ter claro que o que ensinamos e como ensinamos é uma decisão de cada sociedade. Cada
cultura elege o que é importante e o que não é para os seus futuros cidadãos. Nessa medida, o conceito
de fracasso escolar também pode variar de uma sociedade para outra. Não precisamos ir tão longe.
O conceito do repertório do que deve ser ensinado e de seu formato também pode variar dentro de
uma mesma cultura, de acordo com a proposta pedagógica de cada escola.
A aprendizagem visa utilizar o potencial humano adaptativo, utilizando, para isso, todos os
recursos, sejam internos ou externos. Isso acontece quando variáveis neurobiológicas, socioculturais
e psicoemocionais estão em equilíbrio, pois a aprendizagem normal e satisfatória exige condições
de integridade desses aspectos.
Vejamos o que Vítor da Fonseca (1995) pensa sobre os “caminhos” da aprendizagem humana.
Para ele, uma aprendizagem em situação ideal envolve um conjunto de sistemas psiconeurológicos
que se dividem em três componentes de processamento: processamento sensorial, processamento
cognitivo e processamento de conteúdo.
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Aprendizagem: o que é e como se processa na visão psicopedagógica
Os sistemas de processamento sensorial são responsáveis pelo contato com a informação, seja
pela visão, pela audição, pelo tato ou, ainda, por outras vias sensoriais. Já o cognitivo estabelece
quatro níveis de experiências, que acontecem nessa ordem: percepção, imagem, simbolização e
conceitualização. Significa que primeiro o ser humano seleciona e interpreta os dados por meio
da percepção; depois, ele elabora uma imagem mental do objeto ou da sensação, mesmo quan-
do já não existe a presença do objeto; posteriormente, é feita uma equivalência significativa e a
representação interior da experiência; e por último, o processo de classificação e categorização
da informação, por meio de sistemas de agrupamentos que permitem a formação de conceitos e
construção do pensamento formal. O processamento de conteúdo exige a utilização dos hemisférios
cerebrais, cada qual com a sua função. Enquanto o hemisfério realiza funções intra-hemisféricas e
inter-hemisféricas, os resultados são os produtos do comportamento humano, tais como a fala, os
movimentos e, posteriormente, a leitura e a escrita.
A compreensão do processo de aprendizagem representa para o professor uma importante
instrumentalização para a realização do seu trabalho, haja vista que ele poderá compreender não só
como ela ocorre em condições normais, como também no seu estado patológico. Com isso, o pro-
fessor será capaz de promover experiências diferenciadas de aprendizagem e também reconhecer
quando algum aluno necessita de encaminhamentos ou acompanhamentos especializados dentro ou
fora da escola.
Para a Psicopedagogia, a nossa forma de ensinar possui uma relação direta com a nossa forma
de aprender. São os modelos de aprendizagem que criamos ao longo da vida. Como é a sua forma
de aprender? De que maneira você costuma aprender melhor?
Para Ballús (2000), o professor deve procurar promover o respeito à diversidade e preocupar-
se em propor aprendizagens significativas para todos os alunos, a fim de que adquiram o gosto pela
aprendizagem e aprendam a aprender. Além disso, é importante que a escola seja uma instituição
dinâmica voltada para a aprendizagem funcional, quer dizer, que tenha utilização prática no cotidia-
no, voltada para as tarefas que lhe foram atribuídas pela sociedade. Acrescentemos ao pensamento
desta autora que uma das funções da educação é a função transformadora e que podemos também
adotar uma posição dialética das funções que nos são atribuídas pela sociedade.
Cada autor aqui exposto possui uma concepção de aprendizagem que certamente pode con-
tribuir para a concepção de cada um de nós e fundamentar as nossas práticas pedagógicas. Pode-
mos encontrar um ponto comum entre todos: é importante desenvolver no aluno um autoconceito
positivo e a percepção da capacidade de aprender.
1. Procure observar durante a próxima semana o autoconceito que os seus alunos possuem em
relação à própria aprendizagem e crie algumas alternativas para aperfeiçoá-lo ou desenvolvê-
lo, se for o caso.
2. Leia o livro Educação Especial – Programa de Estimulação Precoce – Uma Introdução às
Idéias de Feurestein, de Vítor da Fonseca, Editora Artmed. Muito embora seja um livro da área
25
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
de Educação Especial, o autor faz um estudo bastante importante sobre as condições ideais
de aprendizagem e alternativas para o trabalho com os alunos que possuem dificuldades para
aprender. Vale a pena!
1. Construa uma linha de tempo com os fatos mais marcantes da sua história de aprendizagem e
relacione essa história com a sua escolha profissional. Registre.
26
Aprendizagem: o que é e como se processa na visão psicopedagógica
3. Das concepções de aprendizagem apresentadas, qual a que você considera mais próxima de sua
prática pedagógica? Por quê?
27
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
28
A intervenção psicopedagógica
institucional nas dificuldades
de aprendizagem
N
a aula passada, estudamos como ocorre a aprendizagem em condições
normais, na visão de diversos autores. Pretendemos agora abordar as
dificuldades de aprendizagem, a fim de melhor compreendê-las e poder
intervir adequadamente na sala de aula.
Alunos que não aprendem são sempre um desafio para nós, professores, não
é mesmo? Para aquele que possui estas dificuldades, a situação não é menos difí-
cil. Não conseguir acompanhar o seu grupo destrói a auto-estima e deixa o aluno
à margem de um processo que deveria ser plenamente integrador. As causas do
não-aprender podem ser diversas.
Para Maria Lúcia Weiss, a prática psicopedagógica deve considerar o sujeito
como um ser global, composto pelos aspectos orgânico, cognitivo, afetivo, social e
pedagógico. Vamos entender a participação de cada aspecto na compreensão da difi-
culdade de aprendizagem. O aspecto orgânico diz respeito à construção biológica do
sujeito; portanto, a dificuldade de aprender de causa orgânica estaria relacionada
ao corpo. O aspecto cognitivo está relacionado ao funcionamento das estruturas
cognitivas. Nesse caso, o problema de aprendizagem residiria nas estruturas do
pensamento do sujeito. Por exemplo, uma criança pode estar no estágio pré-
operatório e as atividades escolares exigirem que ela esteja no estágio operatório-
concreto. O aspecto afetivo diz respeito à afetividade do sujeito e de sua relação
com o aprender, com o desejo de aprender, pois o indivíduo pode não conseguir
estabelecer um vínculo positivo com a aprendizagem. O aspecto social refere-se à
relação do sujeito com a família, com a sociedade, seu contexto social e cultural.
E, portanto, um aluno pode não aprender porque apresenta privação cultural em
relação ao contexto escolar. Por último, o aspecto pedagógico, que está relacionado
à forma como a escola organiza o seu trabalho, ou seja, o método, a avaliação, os
conteúdos, a forma de ministrar a aula etc. Para esta autora, a aprendizagem é a
constante interação do sujeito com o meio. Podemos dizer também que é a cons-
tante interação de todos os aspectos apresentados. Em contrapartida, a dificuldade
de aprendizagem é o não-funcionamento ou o funcionamento insatisfatório de um
dos aspectos apresentados ou, ainda, de uma relação inadequada entre eles. Uma
rede de aspectos não-satisfatória para a aprendizagem.
Da mesma forma que os aspectos relacionados podem justificar a dificuldade
de aprendizagem, eles podem também servir de parâmetro para a organização de uma
prática pedagógica eficaz e preventiva.
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
30
A intervenção psicopedagógica institucional nas dificuldades de aprendizagem
desta: se um aluno nosso apresenta dificuldades, então é importante valorizar as suas potencialidades.
Podemos começar nossos investimentos por onde ele costuma acertar mais. Assim, experimentando
alguns sucessos, podemos abrir uma porta para a construção de um vínculo positivo com as demais
áreas da aprendizagem que nosso aluno necessita aprimorar. Vamos descobrir os talentos de nossos
alunos e nos concentrar neles!
Podemos comentar outras sugestões para o trabalho com os alunos portadores de dificuldades de
aprendizagem. Falamos em diversificar as práticas pedagógicas, mas será que isso também não inclui
diversificar as práticas avaliativas? Existem muitas formas de avaliar nossos alunos, não necessariamente
testes e provas.
As teorias que embasam o construtivismo também podem ajudar o professor a compreender
o conhecimento e a aprendizagem humana como um processo singular. A sala de aula é um espaço
dialético, pois, ao mesmo tempo em que aprender é um processo individual, na escola, ele ocorre na
coletividade. Cabe ao professor oferecer momentos de individualidade e momentos de coletividade
na construção da aprendizagem.
Organizar as turmas para o trabalho em grupo, juntando alunos que aprendem com facilidade e
alunos que apresentam dificuldades, também pode ser uma boa alternativa, pois as crianças e os ado-
lescentes “falam a mesma língua” e podem funcionar como professores particulares uns dos outros.
A Psicopedagogia utiliza os termos “ensinante e aprendente” para denominar o par educativo
que comumente conhecemos por professor e aluno. Mas quem é o ensinante e quem é o aprenden-
te? A nossa primeira tendência é imaginar que o ensinante é o professor e o aprendente é o aluno,
não é mesmo? Mas, para a Psicopedagogia, esses papéis se alternam o tempo inteiro, afinal, quem
nunca aprendeu com um aluno? Qual o aluno que nunca ensinou nada ao professor? No processo
de ensino–aprendizagem, também aprendemos sobre nós, sobre a nossa forma de ensinar. O outro
nos serve de espelho.
Como todo professor, queremos que os nossos alunos acertem sempre, mas é bom adquirir
um novo olhar sobre o erro na aprendizagem. O erro é um indicador de como o aluno está pensan-
do e como ele compreendeu o que foi ensinado. Analisando com mais cuidado o erro dos alunos,
podemos elaborar a reformulação das práticas docentes de modo que elas fiquem mais perto da
necessidade dos alunos.
É importante que o professor reflita sobre as causas do fracasso escolar não para se culpar, mas
para se responsabilizar. Responsabilizar-se significa abraçar a causa e procurar alternativas para so-
lucionar o problema. Não podemos nos satisfazer com aprendizagens parciais. Procurar compreender
como ocorre o conhecimento, os fatores que interferem na aprendizagem, seus diferentes estágios, e
as diferentes teorias que podem transformar o trabalho do professor em processo científico, e assim
ele percorrerá o caminho prática–teoria–prática.
Recomenda-se, também, que o professor, em conjunto com a equipe da escola, reflita sobre a
estrutura curricular que está sendo oferecida e a compatibilidade com a estrutura cognitiva, afetiva e
social do aluno.
O professor deve, ainda, cuidar da linguagem que é utilizada em sala, para garantir uma comu-
nicação eficaz com seus alunos. Muitas vezes, o aluno é originário de um ambiente onde há privação
cultural em relação à escola, ou há diferença acentuada de cultura, causando conflito e dificuldade
de comunicação. É comum ouvirmos de alguns familiares que o filho não nasceu para estudar. Será
31
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
mesmo? Para Vygotsky, todos os seres humanos são capazes de aprender, mas é necessário que adap-
temos a nossa forma de ensinar.
O enfoque psicopedagógico da dificuldade de aprendizagem compreende os processos de
desenvolvimento e os caminhos da aprendizagem. Compreende o aluno de maneira interdisciplinar,
buscando apoio em várias áreas do conhecimento e analisa a aprendizagem no contexto escolar e
familiar, e no aspecto afetivo, cognitivo e biológico.
32
A intervenção psicopedagógica institucional nas dificuldades de aprendizagem
1. Observe os desenhos abaixo, discuta com o grupo e aponte em quais imagens o vínculo afetivo
entre professor e aluno é favorável à aprendizagem. Justifique a resposta.
Desenho 1
33
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
Desenho 2
Desenho 3
34
A intervenção psicopedagógica institucional nas dificuldades de aprendizagem
Desenho 4
2. Crie junto com o seu grupo algumas alternativas para trabalhar com crianças portadoras de di-
ficuldades de aprendizagem, sustentadas pelas práticas docentes.
35
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
36
Dificuldades de aprendizagem,
fracasso escolar
e práticas pedagógicas
N esta aula, vamos iniciar com uma importante reflexão para dar continuidade
à compreensão das dificuldades de aprendizagem.
A rede que integra os domínios do saber e do agir invadiu também a escola. Num ritmo, que ainda não é o desejado,
algumas mudanças já têm ocorrido para que essa instituição enfrente a “crise do conhecimento”, nas suas unidades,
nas suas salas de aula.
Tudo é, de fato, muito novo. E a escola é velha na sua maneira de ensinar, de planejar, de executar e de avaliar o
seu projeto educativo. O tradicionalismo, o ritualismo de suas práticas cegam a grande maioria de seus professores
e dos pais, diante das transformações, dos caminhos diferentes e não-obrigatórios do aprender. Persistem, ainda, os
regimes seriados de ensino, os conteúdos programáticos hierarquizados, homogeneizadores, que buscam generalizar,
unificar, despersonalizar quem ensina e quem aprende.
Maria Teresa Eglér Mantoan
Se compararmos a Medicina com a Educação, vamos perceber que um médico, atualmente, não
se utiliza dos mesmos meios que usava há 20 anos para realizar um diagnóstico, mas o ambiente da sala
de aula mudou pouco. Será que estamos acompanhando o ritmo dos nossos alunos e principalmente
o ritmo do conhecimento produzido pelo mundo? Creio que todos nós sabemos qual é a resposta para
esta pergunta.
Almeida (2002) afirma que, na década de 90, vivemos uma profunda transformação no cenário
educacional, sendo que essas reformas possuem bases neoliberais. Tais concepções se mostram espe-
cialmente nos planos político-pedagógico, organizacional e de financiamento.
Afirma que o discurso subjacente às ações reformistas é o de enfrentar os trágicos problemas
educacionais, tais como as dificuldades de aprendizagem, a repetência e a evasão escolar.
Para a abordagem tradicional da educação, a aprendizagem é um produto mecânico que ocorre por
meio da transmissão de idéias selecionadas e a escola é o lugar onde se realiza a educação. O indivíduo
é passivo e apenas recebe o conhecimento. Já para a abordagem sociocultural, a mais recomendada pe-
las autoridades em educação da contemporaneidade, o indivíduo se constitui sujeito à medida que toma
consciência de sua história e se apropria da realidade, sendo um agente transformador da sua realidade, da
sociedade e dele mesmo. A educação assume um caráter amplo e não se restringe às situações formais de
aprendizagem, pois a educação é um ato político.
Consideramos importante uma leitura social das dificuldades de aprendizagem para que não se
cristalize a idéia de que o problema do não-aprender está localizado somente no aluno, ou no profes-
sor, ou no método. É claro que todas essas possibilidades existem, assim como o conjunto delas, mas
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
uma leitura crítica dos modelos educacionais propostos que ratificam uma política de acumulação de
riquezas para poucos, bem como uma política de desigualdade, pode ajudar a solucionar e desvelar
as causas do não-aprender.
O percentual significativo das dificuldades de aprendizagem está centralizado na alfabetização de
nossos alunos, ou quando já superaram esta fase, no uso corrente da língua materna. Vejamos, então, algu-
mas considerações sobre os problemas que podem surgir nessa esfera, bem como algumas alternativas para
o trabalho do professor.
Primeiramente, vamos entender o termo dificuldades de aprendizagem como uma desvantagem
para aprender, seja uma desvantagem cognitiva ou social. Um problema bastante conhecido no universo
da leitura é a dislexia, que se caracteriza pela dificuldade que a criança possui na área da leitura e da
escrita. Muitas vezes, o aluno apresenta outras habilidades eficazes, bom rendimento em outras áreas
do conhecimento, mas não consegue alfabetizar-se ou não apresenta um “bom uso” da língua mater-
na. Pode haver um componente hereditário na dislexia e o tratamento deve ser feito por especialistas
da área da saúde, pois, dependendo da gravidade, a dislexia caracteriza-se também como uma lesão
neurológica e muitos alunos precisam fazer uso de medicamentos compensatórios. Uma outra caracte-
rística da dislexia é a ausência da retenção da informação. A criança disléxica é capaz de aprender um
assunto hoje e amanhã se comportar diante dele como se fosse o primeiro contato. Muitas vezes, são
confundidos com alunos que não têm interesse ou atenção, mas, na verdade, a falta de concentração
é apenas uma conseqüência e não o problema central.
É muito importante que o professor, ao analisar as dificuldades de seus alunos, faça isso de ma-
neira consciente, pois, no senso comum, encontramos profissionais da área de educação classificando
crianças como disléxicas, quando, na verdade, há um forte hiato social e econômico entre o mundo do
professor e o universo do aluno. As experiências de aprendizagem que são propostas pela escola não
fazem sentido para o aluno e, portanto, não pode haver aprendizagem significativa.
Figueiredo (2002) nos lembra que o fato de pertencer a um grupo social permite ao sujeito viver suas
semelhanças, seus processos de identificação. Os grupos sociais compõem-se basicamente de diferenças e
semelhanças, e isso é inegável, da mesma forma que é inegável que as diferenças trazem crescimento para
o sujeito e para o grupo. A diversidade se faz presente tanto no plano social como no plano individual.
A escola que possui uma proposta socializadora e integradora não pode, de maneira alguma,
servir de reprodutora de desigualdades, especialmente utilizando-se do instrumentochave que é a nossa
prática pedagógica.
A dificuldade de aprendizagem pode ter a sua origem na abordagem social que damos ao currículo.
38
Dificuldades de aprendizagem, fracasso escolar e práticas pedagógicas
1. De que maneira podemos respeitar as diferenças sociais, a fim de facilitar a aprendizagem dos
alunos de classes sociais menos favorecidas sem prejudicar a qualidade do ensino? Discuta com
seus colegas e depois registre os resultados.
2. Corrija o texto abaixo produzido por uma criança de nove anos. Você deve estabelecer critérios
claros de correção e atribuir uma nota de zero a dez. Depois, compare os seus critérios de avalia
ção com os de seus colegas de sala e formule uma conclusão sobre o assunto.
39
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
40
Dificuldades de aprendizagem, fracasso escolar e práticas pedagógicas
41
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
42
Contribuições e
operacionalização
das teorias de Piaget e
Vygotsky no cotidiano escolar
Piaget e o desenvolvimento humano
J
ean Piaget destaca-se ainda atualmente devido à grande contribuição de seus estu-
dos para o entendimento do desenvolvimento humano. Entenderemos aqui como
desenvolvimento humano o desenvolvimento mental e o crescimento orgânico.
Piaget demonstrou que a criança tem uma forma própria de ver o mundo e
entender o que a cerca, e que, em cada faixa etária ou etapa de desenvolvimento,
a concepção de mundo sofre alterações.
Existem alguns fatores que interferem diretamente no desenvolvimento
humano, como, por exemplo: a hereditariedade – o potencial humano também é
estabelecido pela sua carga genética. Hoje sabemos que a hereditariedade influen-
cia, mas não limita esse potencial. O crescimento orgânico também é um outro
fator e diz respeito ao desenvolvimento físico da criança e o domínio do ambiente
que ela passa a ter a partir do crescimento. A maturação neurofisiológica garante
o desenvolvimento neurológico, e a sofisticação dos comportamentos e o meio
influenciam na estimulação ambiental. É importante que, ao estudar a inteligência
humana e a construção do pensamento, não esqueçamos que o homem é formado
por diversos aspectos, como o físico-motor, o intelectual, o afetivo e o social.
Piaget divide o desenvolvimento humano em períodos e estabelece uma faixa
etária para cada um deles. É fato que as faixas etárias aqui apresentadas não são
rígidas, mas servem de referência para os educadores.
46
Contribuições e operacionalização das teorias de Piaget e Vygotsky no cotidiano escolar
1. A zona proximal de desenvolvimento é única em cada sujeito e, nesse caso, avaliar a aprendi-
zagem dos alunos representa um desafio para o professor.
2. É possível ter uma avaliação precisa da aprendizagem de nossos alunos?
47
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
2. Leia o texto abaixo e posicione-se criticamente sobre a comparação feita pelos autores entre as
teorias de Piaget e Vygotsky.
A teoria de Piaget apresenta também uma dimensão interacionista, mas sua ênfase é colocada na interação do
sujeito com o objeto físico; além disso, não está clara em sua teoria a função da interação social no processo
de conhecimento.
A teoria de Vygotsky, por outro lado, também apresenta um aspecto construtivista, na medida em que busca
explicar o aparecimento de inovações e mudanças no desenvolvimento a partir do mecanismo de internaliza-
ção. No entanto, temos na teoria sócio-interacionista apenas um quadro esboçado, que apresenta sugestões e
caminhos, mas necessita de estudos e pesquisas que explicitem os mecanismos característicos dos processos
de desenvolvimento.
Vygotsky e Piaget in: BOCK, A. M. B. e outros. Psicologias–uma introdução
ao estudo de Psicologia. São Paulo: Saraiva, 2002, p.110.
48
Afetividade e aprendizagem:
contribuições da teoria do vínculo de Pichon-Rivière
para as práticas pedagógicas
O
modelo de aprendizagem concebido por Pichon-Rivière é composto por três
configurações: a pré-tarefa, a tarefa e o projeto. A pré-tarefa é caracterizada
pelo medo do novo. Esse medo pode ser da indiscriminação, o medo do
não-saber, que Pichon-Rivière denomina de ansiedade confusional, ou, ainda, a
ansiedade esquizoparanóide, que é o medo do ataque, e a ansiedade depressiva,
que representa o medo de perder o que já se sabe e trocar pelo que não se sabe. A
segunda configuração é a tarefa, mas, ao contrário do que possa sugerir, tarefa para
Pichon-Rivière não significa trabalho, a tarefa é um processo interno, que vai do
manifesto ao latente. O projeto é a mudança de atitude para a aprendizagem.
Pichon-Rivière também elaborou a “teoria dos três D”. O que seria? Deposi-
tante, depositado e depositário. Esta teoria acredita na interação depositante/depo-
sitário por meio do depositado. O depositante é o cliente, no nosso caso, o aluno;
o depositado é o capital que, para nós, representa o conteúdo, o conhecimento; e o
depositário é o professor. A teoria de Pichon-Rivière nos faz concluir que a apren-
dizagem acontece por meio de um processo de interação entre aluno, professor e
o conteúdo, e que esta relação é permeada de afetividade e conflitos.
Para Pichon-Rivière, a cultura do aluno influencia bastante, na medida em
que pode funcionar como elemento de resistência para o aprender. É como se o
aluno entrasse em conflito e pensasse que, aprendendo, deixará de pertencer a uma
determinada cultura e comunidade, pois estará se distanciando dos seus iguais.
Muito embora os termos citados sejam novos para muitos professores, na
prática, a maioria de nós já experimentou essas situações, sem saber como elas
se denominavam, seja na experiência de professor ou de aluno. Quem nunca teve
medo de aprender? Ou, ainda, quem nunca sentiu ansiedade diante de um novo
conteúdo, ou diante de uma avaliação?
Pichon-Rivière, durante o tratamento de pacientes psicóticos, por meio da técnica
analítica, percebeu que há objetos internos que se articulam em um mundo já construído,
por meio de um processo de internalização. A partir da indagação analítica, Pichon-
Rivière ampliou o conceito de relação de objeto, que mais tarde veio a denominar de
vínculo. É quando das relações intra-subjetivas, ou estruturas vinculares internalizadas,
articuladas em um mundo interno, que a aprendizagem acontece para o autor.
Para a Psicologia Social, nenhuma obra pode ser compreendida fora da com-
plexidade das relações sociais, e toda obra cultural é a expressão do social em forma
de sensibilidade e interpretação. Portanto, para este autor, nenhum conhecimento
se constrói de forma singular, pois é resultado de uma produção social. Os estudos
de Pichon-Rivière iniciam-se na Psicanálise e culminam na Psicologia Social.
A aprendizagem para, Pichon-Rivière, é uma rede de contradições, por tudo
que é heterogêneo. No grupo operativo, técnica criada pelo autor, o sujeito deve
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
51
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
52
Grupos operativos
e psicodrama educacional
O
grupo operativo e o psicodrama são recursos pouco usados na educação,
mas a aplicação dessas técnicas pode trazer muitos benefícios para a
aprendizagem, principalmente se estivermos atentos à base teórica da
Psicopedagogia, que é a convergência dos aspectos sociais, cognitivos e afeti-
vos. Vejamos, primeiramente, a proposta do grupo operativo, bem como a sua
aplicabilidade na educação. De acordo com Saidon (1982), o conceito de grupo
operativo apresentado por Pichon-Rivière é: “O grupo operativo se caracteriza por
estar centrado, de forma explícita, em uma tarefa que pode ser o aprendizado, a
cura (no caso da psicoterapia), o diagnóstico de dificuldades etc. Sob essa tarefa,
existe outra subjacente à primeira, que aponta para a ruptura das estereotipias que
dificultam o aprendizado e a comunicação.”
O grupo operativo é uma técnica formulada com base na Teoria do Vínculo,
também de Pichon-Rivière. Hoje, é bastante utilizada em empresas por psicope-
dagogos e psicólogos, para acompanhar o desenvolvimento dos profissionais na
execução de uma tarefa e na compreensão das relações interpessoais. A utilização
da técnica em empresas e a pouca utilização na educação não significa que a técnica
seja imprópria para o segundo caso, mas existe sim, na verdade, a falta da cultura
da proposta entre os educadores.
Para Bock (2002), o grupo operativo possui grupos abstratos enquanto se
desenvolve, e assim se classificam:
1. Categoria de produção – há uma harmonia entre a satisfação das neces-
sidades do grupo e as produções grupais. Ou seja, o grupo produz aquilo
que realmente precisa produzir e o trabalho se concretiza.
2. Categoria de dominação – os grupos reproduzem as desigualdades sociais
e as relações de domínio uns sobre os outros. Não há uma boa distribuição
de liderança.
3. Categoria grupo-sujeito – os grupos com menor resistência à autocrítica
e com capacidade de mudança.
4. Categoria grupo-sujeitados – grupos que se submetem às normas institu-
cionais e apresentam grande resistência às mudanças.
Para o grupo operativo, os aspectos divergentes, como homogeneidade
e heterogeneidade, o múltiplo e o singular, podem integrar-se formando uma
unidade, pois o grupo operativo opera com a lógica dialética e não com a lógica
formal. Há uma música do cantor Lulu Santos que serve para ilustrar como
a lógica dialética, apesar da presença dos opostos, conduz à idéia de unidade
integradora: “Não existiria som, se não fosse o silêncio. Não haveria luz, se
não fosse a escuridão. A vida é mesmo assim...”.
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
Pichon-Rivière acredita que a doença mental consiste num transtorno de aprendizagem da rea-
lidade. Pelo enfoque dado à aprendizagem é que a Psicopedagogia se apropria dessa teoria e a aplica
como técnica. Para esse autor, no grupo operativo, a pessoa aprende a manejar suas ansiedades e a
relação com o mundo, além de estabelecer um vínculo com a realidade.
A saúde mental e a aprendizagem buscam uma relação entre o sujeito e o mundo e é por meio
dessa relação que o indivíduo se apropria da cultura.
O psicodrama na escola
A prática do psicodrama é alicerçada na concepção de homem, caracteriza-
da no respeito à liberdade e ao potencial de criatividade que os vínculos afetivos
tendem a catalisar (Kaufman e Gonçalves, 1988). Consiste na encenação
54
Grupos operativos e psicodrama educacional
dramática feita pelas próprias crianças, na qual os temas também são escolhidos por
elas, assim como os papéis que representarão e a distribuição dos mesmos. Dessa
forma, acredita-se que a criança se apropria com mais facilidade da realidade e do
conteúdo dos temas, além de expressar os seus sentimentos em relação aos fatos.
Ao desempenhar um papel aparentemente estranho, a criança pode compreender
as características e a relatividade de cada papel na sociedade.
Ainda para os autores Kaufman e Gonçalves (1988), para a teoria psicodramá-
tica, o conceito de saúde mental baseia-se na capacidade de jogar e inverter papéis.
O recurso do psicodrama pode ser utilizado para compreender a razão do
não-aprender, como também para compreender o que ensinante e aprendente
sentem na relação de aprendizagem. Quer dizer que, durante uma cena dramática,
o professor pode sugerir a um aluno ou a um grupo que dramatizem uma situação
de sala de aula, invertendo os papéis, ou seja, ele deve ocupar o lugar de um
aluno e vice-versa, para que ambos possam ver, por meio da representação do
outro, como costumam agir frente ao problema, o que têm feito para resolvê-lo
e o que têm deixado de fazer.
As técnicas sugeridas por esses autores são:
a) Entrevista: há uma colocação direta para a criança de perguntas sobre uma
situação específica.
b) Diálogo: é caracterizado pela fala e pela réplica, entre terapeuta1 e criança.
c) Intervenção coloquial: chama-se a atenção sobre qualquer coisa importante
que a criança fala no momento do diálogo.
d) Duplo: ocorre por intermédio do corpo e das palavras. O ensinante/tera-
peuta expressa os sentimentos que o protagonista não está conseguindo
expressar. O ensinante funciona como uma consciência auxiliar.
e) Inversão de papéis: é utilizada quando há o desejo de que o protagonista
sinta a repercussão de sua conduta sobre uma outra pessoa. A vivência
desses papéis é anunciada pelo condutor do trabalho.
f) Interpolação de resistência: surge uma personagem inesperada na relação
e o protagonista se vê diante de uma nova situação.
g) Solilóquio: há uma exposição de experiências reais e os sentimentos e
pensamentos saem do oculto para a cena.
h) Utilização de fantoches: a criança utiliza bonecos e fantoches para drama-
tizar e escolhe o que quer que o terapeuta utilize.
A técnica do fantoche é a mais próxima da realidade escolar e seus efeitos
são mais benéficos do que se possa imaginar. Devido ao imaginário infantil e à
semelhança desse recurso com os desenhos animados a que normalmente a criança
assiste, o protagonista tem a possibilidade de viver papéis e de resolver muitas
questões internas. Muitas vezes, as crianças vivenciam o psicodrama por meio 1 Va l e l e m b r a r q u e o
de fantoches espontaneamente, em casa, utilizando também bonecos no lugar dos Psicodrama é uma
prática clínica e que aqui
fantoches. Quando elas decidem “brincar” de escolinha, nós sabemos muito bem estamos adaptando a sua
aplicação para o uso na
o que acontece... As crianças representam seus professores, o vínculo que eles es- escola.
55
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
tabelecem com os alunos, como tratam os alunos que se destacam e como tratam
aqueles que possuem dificuldades. Ou seja, por meio do simbólico, as crianças
nos dizem o que precisam e nos apontam caminhos muito interessantes para a
nossa intervenção.
Para Gonçalves (1988), o relacionamento com crianças exige disposição
para brincar e para compreender o sentido da brincadeira. O psicodrama é, como
outras, uma técnica na qual a criança tem a oportunidade de se expressar e de se
relacionar por meio da brincadeira e do jogo. Para esta autora, Moreno, o criador
do psicodrama, gostava de se referir aos primórdios de sua inspiração, lembrando
sua convivência com grupos de crianças nos jardins de Viena (1912), quando lhes
contava histórias criadas de improviso e observava sua participação. Sempre va-
lorizou o papel do faz-de-conta para a construção da personalidade.
56
Grupos operativos e psicodrama educacional
2. Em grupo, crie uma situação que possa ser vivida por alguns componentes de sua sala. Um outro
grupo deverá observar e anotar as reações e falas significativas que aparecerem. Vocês estarão
vivenciando o psicodrama.
57
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
3. O grupo deverá posicionar-se em círculo para discutir e formular conceitos sobre “Aprendizagem
segundo a Psicopedagogia”. Vocês estarão experimentando a técnica do grupo operativo.
58
A indisciplina na escola
e os distúrbios de conduta
como problemas reativos
de aprendizagem
Toda moral consiste num sistema de regras, e a
essência de toda moralidade deve ser procurada no
respeito que o indivíduo adquire por essas regras.
Jean Piaget
A
escola contemporânea tem se defrontado com diversos dilemas éticos, tais
como o roubo, o uso de drogas, a vida sexual precoce, a gravidez na adoles-
cência, a permissão ou não do namoro na escola etc. Nós, profissionais de
educação, olhamos para trás, buscando em nossa formação teorias que nos ajudem
a compreender e intervir nas situações éticas, porém nem sempre encontramos. A
sociedade mudou bastante no que diz respeito aos valores morais e os problemas
na escola são cada vez mais inéditos.
O fato é que cada escola acaba resolvendo os seus conflitos éticos, um a um,
adotando o critério “cada caso é um caso”, muitas vezes contrariando ou em con-
sonância com a própria concepção de homem e de educação. Os conflitos e dilemas
éticos são muitos, mas, nesta aula, vamos nos deter na indisciplina na escola.
A indisciplina na escola tem tirado o sono de muitos dirigentes de instituições
educadoras e também de pais. Mas, para intervir, é preciso compreendê-la e, antes de
tudo, defini-la. Para a Psicopedagogia, a indisciplina é a contradição entre a atividade
proposta e o comportamento do aluno. Isso quer dizer que o silêncio absoluto na sala
de aula também pode representar um ato de indisciplina. Depende da atividade que foi
proposta. Para ficar mais claro, vejamos este exemplo: um professor solicita à turma
que faça a leitura de um texto em silêncio; depois, que participe ativamente de um
debate e, posteriormente, cante em conjunto com o professor uma música relacionada
ao tema da aula. Suponhamos que dois alunos resolvem ficar no cantinho da sala, ainda
na primeira etapa da atividade proposta, lendo um livro em silêncio e se neguem a
participar das demais atividades. Muito embora não estejam incomodando seus cole-
gas, pois estão em silêncio, esses alunos estão em situação de indisciplina, visto que o
comportamento deles não condiz com a atividade proposta. Por esse exemplo, você já
deve ter percebido que a Psicopedagogia encara o problema da indisciplina como um
problema de relação com a matéria ou com o espaço escolar. Não só de problemas de
aprendizagem vive a Psicopedagogia, mas de tudo que se relaciona à aprendizagem.
A partir do conceito de indisciplina que foi aqui exposto, vamos agora tratar
de como a criança recebe as regras e a autoridade do adulto e do ambiente social
durante o seu desenvolvimento.
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
Até por volta dos dois anos de idade, a criança está na fase da anomia, que
significa ausência total de regras. Significa que nessa fase ela não é capaz de dis-
cernir o certo do errado e a aquisição das regras virá pela formação dos hábitos. A
rotina de horários e atividades será um ótimo recurso para a apreensão da disciplina
e das regras sociais. No entanto, a criança não é capaz, ainda, de compreender o
sentido semântico das expressões verbais e o que demarca se ela está errando ou
acertando é a expressão facial do adulto e o tom de voz utilizado. Isso ocorre porque
as crianças, no período da anomia, não são capazes de compreender as regras e,
por isso, sorriem quando um adulto pede para não mexer na tomada elétrica, por
exemplo, e continuam colocando o dedinho. Também é comum encontrar crianças
de turmas de maternal resolvendo seus problemas com outras crianças na “base
da mordida”. É o sensório falando mais alto e o corpo precisa “participar” das
decisões, já que a cognição não está preparada para isso.
Depois de dois anos de idade começa o período da heteronomia moral,
quando o ser humano passa a compreender a presença das regras, mas não é capaz
de utilizá-las com autonomia e, portanto, necessita do adulto para conduzi-lo. A
heteronomia aparece, inclusive, nas atividades do dia-a-dia, como, por exemplo,
quando a criança espera que alguém mande lavar-se ou que entregue a refeição ou,
ainda, que avise que está no horário de fazer o dever de casa etc. A heteronomia
também vai se caracterizar pelo cumprimento das regras a partir da presença da
autoridade. A autoridade é quem controla o respeito pela lei, pois as regras ainda
não foram absorvidas pelo indivíduo. É o exemplo de um motorista que só respeita
as leis de trânsito se houver a presença de um guarda nas avenidas, caso contrário,
ele desrespeita, muito embora seja consciente de todas elas.
Depois de 11 anos de idade, a criança pode ou não adquirir a autonomia mo-
ral, já que, segundo Piaget, uma parcela muito pequena da sociedade atinge essa
fase de desenvolvimento. A autonomia moral se caracteriza pela compreensão e
cumprimento das regras, pela consciência da necessidade e da importância delas
e não pela punição que pode ocorrer, como no caso da heteronomia. A presença
ou ausência de um guarda de trânsito é indiferente para o cumprimento das regras,
porque já foram interiorizadas pelo sujeito.
Os alunos que apresentam dificuldades na área disciplinar encontram-se na
heteronomia moral e, às vezes, nem mesmo a presença de uma autoridade leva-os
ao cumprimento das regras, mas os problemas de disciplina não precisam ficar
sem solução. A exclusão do aluno da instituição pode ser o último recurso se nós,
educadores, fizermos da disciplina uma proposta pedagógica. A construção de
limites éticos deve fazer parte dos nossos projetos.
Para Piaget (1977), o desenvolvimento moral ocorre em consonância com
o desenvolvimento intelectual; portanto, considerando os estágios cognitivos des-
critos por este autor, temos uma boa noção do que as crianças e adolescentes são
capazes de compreender e do que não são. Também nos alerta sobre a importância
da intervenção do adulto, já que a infração tem que ser por ele pontuada. A criança
que comete infrações e não tem nenhum retorno por parte do adulto interpreta que
não existe alguém que a proteja, que zele pelo seu bem-estar, o que, do ponto de
vista psicanalítico, significa amor.
60
A indisciplina na escola e os distúrbios de conduta como problemas reativos de aprendizagem
Ainda para Piaget (1977), a forma como o adulto vai demarcar os limites
e corrigir as infrações cometidas pelas crianças pode levar o sujeito à autonomia
moral ou à heteronomia moral. Vejamos como isso ocorre.
Existem duas formas de sanções disciplinares: a sanção expiatória e a
sanção por reciprocidade. Na sanção expiatória, não há nenhuma relação entre o
comportamento do adulto e a atitude da criança. É o famoso castigo e uma puni-
ção aleatória; por exemplo, quem briga com o irmão não merece doce-de-leite de
sobremesa. Não há relação entre a atitude de brigar e o objeto doce-de-leite. Na
sanção por reciprocidade, busca-se uma coerência entre a infração e a atitude do
adulto e, principalmente, deve haver a possibilidade de a criança reparar o erro
que cometeu. Em suma, a sanção expiatória leva à heteronomia moral, enquanto
a sanção por reciprocidade conduz à autonomia moral.
O fato é que, muitas vezes, a heteronomia moral já existe e os problemas
disciplinares batem à nossa porta. Então, pensemos um pouco no que a Psicopeda-
gogia nos recomenda. Precisamos continuar compreendendo a indisciplina como
um problema de relação com a escola, que é um espaço de aprendizagem, e com a
própria aprendizagem do sujeito. É necessário que o professor verifique o sentido
que esses objetos têm para o aluno para que possa intervir.
A maioria dos alunos com problemas de indisciplina fica com a imagem muito
desgastada na escola e a relação com a equipe pedagógica nem sempre é positiva.
Recomenda-se investir na auto-estima desses alunos para que construam vínculos
afetivos adequados e passem a acreditar na própria mudança.
A reconstrução da disciplina exige da escola um projeto pedagógico. Não é
um trabalho somente do professor. Além disso, é preciso verificar de que maneira
a família pode participar desse processo, sendo necessário envolvê-la na busca
pelo bom comportamento do filho.
Faz-se necessário, também, que a escola tenha seus limites e códigos de
conduta bastante claros, deixando evidentes, também, as suas formas de sanção, ou
seja, como trata cada situação de indisciplina. É relevante, por exemplo, diferenciar
as sanções por gravidade e por situação.
Vamos refletir, ainda, sobre a possibilidade de a criança apresentar situações
de indisciplina como um problema reativo de aprendizagem ou ao ambiente escolar.
Isso significa que ela pode não estar conseguindo resolver algum problema, não
sabendo como expressar-se e a forma escolhida pelo seu inconsciente é a indisci-
plina. Nesse caso, essa reação surge como um sintoma e não como um problema
em si. Cabe aos educadores criar mecanismos para fazer o aluno expressar a razão
de seu comportamento.
A razão do problema pode estar ainda no contexto familiar. Nesse caso, havendo
uma mudança brusca de comportamento, é necessário que a família seja convidada
para oferecer dados e receber ajuda dentro dos limites e possibilidades da escola.
Não podemos esquecer das causas orgânicas. Na adolescência, por exemplo,
as mudanças no corpo provocam grandes alterações de humor, tom de voz, desejo
de onipotência etc. que alteram bastante o comportamento de nossos alunos. Além
disso, um aluno pode parecer indisciplinado, mal-educado, mas na verdade ser por-
61
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
Conflito entre a
justiça retributiva Prevalece a retributiva. Prevalece a distributiva. Prevalece a distributiva.
e distributiva
Conflito entre
A autoridade prima sobre
autoridade e Igualdade prevalece Eqüidade prevalece.
a justiça.
igualdade
Mais de 3/4 destas
Praticamente desaparece
crianças acreditam
em culturas que não
Justiça imanente numa justiça automática, Diminui muito.
exercem pressão relativa
emanando das coisas e
a certas crenças.
situações.
A igualdade predomina,
desde que não esteja em
Justiça entre
conflito com a autoridade A igualdade prevalece. A eqüidade prevalece.
crianças
adulta ou de uma criança
mais velha.
A lei é inteiramente
A lei é inteiramente A lei começa a ganhar autônoma e decidida por
heterônima e imposta cores de autonomia e todos que vão cumpri-la,
Conclusão
pelo adulto. É moral da a depender menos do resguardadas as exceções.
autoridade adulto. É a moral do respeito
mútuo.
Quadro resumo retirado do livro Moral – conversas com a escola, de Heloísa Padilha,
Editora Linha Mestra.
62
A indisciplina na escola e os distúrbios de conduta como problemas reativos de aprendizagem
1. Dentre os dilemas éticos que surgem na escola, na sua avaliação, quais são os que merecem mais
atenção dos educadores?
63
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
64
Construção da ética
e da moralidade no cotidiano
escolar: uma leitura piagetiana
A
escola é, sem dúvida, um espaço de múltiplas aprendizagens. Com uma pro-
posta inicial de promover aprendizagens sistemáticas e transmissão de cultura,
transmite também valores e forma o indivíduo do ponto de vista afetivo e
social. No aspecto social, encontramos um “conteúdo” de muita importância, que é a
construção da moralidade do sujeito. É certo que não só a escola possui essa tarefa, pois
a criança receberá muitas influências da família, da comunidade em que vive, enfim, o
contexto social possui um peso significativo na apreensão de valores e regras.
Para Bock (2000), a escola cumpre o papel de preparar as crianças para vive-
rem no mundo do adulto, trabalhando e assimilando a cultura, as regras sociais, os
conhecimentos básicos, os valores morais coletivos, os comportamentos considerados
adequados pela sociedade, estabelecendo uma mediação entre a criança e a sociedade.
É bom lembrar que esta é uma tarefa muito complexa, pois a escola não trabalha com
um valor padrão, mas com um conjunto deles, já que cada criança e adolescente traz
de casa um conjunto de valores construídos dentro do grupo familiar.
Da mesma forma que nenhum currículo é neutro e recebe todas as influências sociais, a escola
também não é neutra quando os valores morais entram em cena. Eles aparecem no discurso do professor,
nos livros didáticos, no uniforme, na proposta pedagógica e, especialmente, nas relações interpessoais
que são construídas no espaço escolar.
Os valores morais são importantes e foram criados socialmente para facilitar a convivência entre
as pessoas, embora, muitas vezes, eles sejam utilizados como forma de dominação. Mas como são cons-
truídos dentro do sujeito? Como as crianças se apropriam desses conhecimentos, já que não podem ser
simplesmente depositados, mas interiorizados a partir da interação social? Vamos apresentar algumas
respostas para essas questões, com base na teoria de Piaget sobre a construção moral da criança.
Para Piaget, existe uma homogeneidade entre os aspectos cognitivo, afetivo, social e ético. Para
ele, a moral é a tendência de aceitar e seguir um sistema de regras que regulam o comportamento
interpessoal. Essas regras são absorvidas de forma gradativa. A prática das regras passa por diferentes
estágios, até que se possa, ao nível da ação, realizar o que se está pensando.
O comportamento moral
No período entre 4 e 7 anos, a criança passa pelo estágio egocêntrico e não
importa se ela conhece ou não as regras sociais. Ela não leva em consideração o
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
Concepção de regras
Estágio da moralidade heterogênea ou da restrição
Entre 4 e 10 anos de idade, aproximadamente, a moralidade da restrição
apresenta duas fases. Na primeira, a criança acredita que alguma autoridade tenha
criado as regras e só a partir daí é que se pode utilizá-las para brincar. É a fase
absolutista. As regras servem para controlar o comportamento do parceiro e foram
criadas por alguém de prestígio, mas elas não servem para “proteger os direitos”
de cada parceiro, pois ela ainda se encontra no estágio do egocentrismo.
Na segunda parte desse estágio, há a moralidade de restrição. A criança já
conhece as regras e recusa-se a mudá-las. O prestígio de quem ensina transfere-se
para as regras e as torna sagradas e imutáveis.
66
Construção da ética e da moralidade no cotidiano escolar: uma leitura piagetiana
67
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
Escola para quê? É importante trabalhar esta pergunta. Não é preciso encontrar uma respos-
ta, mas ensaiar encontrá-la. O mesmo procedimento pode ser adotado para o conhecimento
ensinado. Qual a finalidade desse conhecimento?
A realidade que nos cerca, esta sim, é a finalidade da escola. Todo o trabalho desta instituição
social está e deve estar voltado para a realidade da qual buscamos melhorar nossa compreensão
para transformá-la permanentemente. A escola foi criada com essa finalidade, aperfeiçoaram-na
para isso e sucatearam-na para impedir a compreensão e a transformação da realidade. Cabe
questionar a finalidade da escola.
BOCK, A. Psicologias. São Paulo: Saraiva, 2001.
1. Na sua opinião, quais são os principais dilemas éticos que os professores encontram nas escolas?
68
Construção da ética e da moralidade no cotidiano escolar: uma leitura piagetiana
2. De que maneira podemos ensinar valores na escola sem que eles se tornem conteúdos progra-
máticos?
69
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
70
A construção do
currículo na escola
segundo a psicopedagogia
E
xistem muitas definições para o termo currículo e, em conseqüência do que
se entende por currículo, há também uma grande diversidade de práticas
pedagógicas e de propostas educacionais. A noção de currículo, muitas
vezes, é reduzida à noção de conteúdos ou de planejamento. No entanto, muitos
consideram que ele não é somente a instrução, os conteúdos que o compõem, mas
as experiências de aprendizagem oferecidas pelo ambiente escolar.
Outros estudiosos caracterizam o meio escolar como um âmbito de comuni-
cação e a educação como um processo de comunicação e, nesse caso, o conheci-
mento é transmitido pela escola não como um dado, mas como um produto de uma
construção dinâmica, no plano das relações entre ensinantes e aprendentes.
Nenhuma concepção curricular está isenta de propostas pedagógicas refletindo
uma concepção de educação, de sociedade, de política e de cultura. Cada escola
possui professores que realizam experiências curriculares enriquecedoras e desco-
brir os talentos de seus docentes, bem como incentivá-los, demonstra que o com-
promisso com o currículo é uma questão da instituição escolar e não de iniciativas
isoladas. Ou seja, todos estão comprometidos com o mesmo fim, que é a excelência
do ensino ao atingir os objetivos pretendidos com a prática pedagógica.
Encontramos, na literatura, diversas perspectivas educativas de integração
curricular. Para Hernandez (1988), a interdisciplinaridade na escola tem como
objetivo oferecer uma resposta à necessidade de ensinar aos alunos a unidade do
saber. Para isso, é necessário que o professor organize o seu trabalho de modo a
colocar em comum a visão de diferentes disciplinas, sobre um determinado tema.
Uma crítica que o autor tece a esse respeito é que nem sempre há intercâmbios
relacionais reais entre os setores. O fato de os professores relacionarem as áreas
de conhecimento não significa que os alunos tenham uma visão global delas. É
necessário repensar o trabalho educativo em termos da complexidade do conheci-
mento e de sua produção. Nesse sentido, aprender significa interpretar a realidade,
compreendendo seus fenômenos, explicitando essa compreensão. Repensar a orga-
nização do currículo significa refletir sobre o porquê de algumas disciplinas serem
contempladas e outras não, o número de horas-aula destinadas a algumas disciplinas
e a distribuição desigual da carga horária de cada área do conhecimento. Vocês já
pararam para pensar por que as nossas escolas dedicam um total de horas muito
superior à Língua Portuguesa e à Matemática, em comparação com disciplinas
como Educação Artística e Música? Quando essas disciplinas existem, possuem
uma carga horária infinitamente pequena. Isso se reflete no que a sociedade valoriza.
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
Se fizermos uma ponte com as profissões que também são valorizadas pela mesma
sociedade, vamos verificar que elas se concentram na área biomédica, tecnológica
e algumas da área humana. Ou seja, se um filho adolescente comunica à família o
seu desejo de ser médico, advogado ou engenheiro, o fato é comemorado, mas se
este mesmo jovem expõe o desejo de ser músico, a família certamente demonstrará
preocupações com o seu futuro. Logo, não é à toa que as disciplinas recebem a carga
horária na estrutura do currículo, não é mesmo? De certa forma, a sociedade “diz”
para a escola o tipo de cidadão que ela deve formar. Isso explica também o papel
de reprodução das desigualdades sociais que algumas escolas desempenham.
Zabala (1999) faz uma diferenciação entre os métodos globalizadores e os
enfoques que trabalham diferentes relações entre os conteúdos. Nos primeiros, os
conteúdos de ensino não se apresentam nem se organizam a partir de uma estrutura
disciplinar, mas a partir de um tema ou problema, por meio do qual os conteú-
dos são estudados. O referencial organizador do trabalho pedagógico é o aluno
e suas necessidades educativas. Os conteúdos estão condicionados aos objetivos
de formação do aluno. Os segundos se caracterizam pelo tipo de relação que se
estabelece entre as disciplinas; não se referem a uma metodologia concreta, mas
a uma determinada maneira de organizar e representar os conteúdos, a partir das
disciplinas. A prioridade básica são as matérias e sua aprendizagem. Zabala ob-
serva que as relações entre as disciplinas constituem um problema essencialmente
epistemológico, quer dizer, uma concentração de preocupações com a construção
do conhecimento, e, como conseqüência, uma questão escolar.
Este autor apresenta quatro tipos diferentes de relações entre as disciplinas
que têm aplicação no campo do ensino. São elas:
Multidisciplinaridade – os conteúdos escolares se apresentam como matérias
independentes, como um somatório de disciplinas, sem relações entre si.
Pluridisciplinaridade – a organização dos conteúdos expressa a existência
de relações entre disciplinas com alguma afinidade, como, por exemplo,
Ciências Biológicas, Química e Física.
Interdisciplinaridade – é a interação de duas ou mais disciplinas de áreas
diferentes, implicando uma troca de conhecimentos de uma disciplina à
outra, gerando um corpo disciplinar.
Transdisciplinaridade – é o grau máximo de relações entre as disciplinas,
a busca de uma integração global dentro de um sistema, objetivando a
unidade do conhecimento.
É fato que não podemos continuar trabalhando com alunos utilizando a porta da
escola como limite isolante do mundo. A realidade vivida e sentida garante aprendiza-
gens significativas. Muitos conteúdos se tornam amorfos porque estão desconectados
da realidade, e as aulas tornam-se enfadonhas, intermináveis, gerando o baixo rendi-
mento. Há necessidade de refletir sobre o conhecimento, questionando o acúmulo de
conteúdo que de pouco valerá na vida dos nossos alunos. Principalmente porque o de-
senvolvimento tecnológico atual é de ordem tão variada que fica impossível atuar com
a velocidade necessária para produzir e acumular tanto conhecimento. Isso também não
é necessário. O conhecimento deve ser construído para a produção de competências e
para a construção da autonomia intelectual, objetivo maior da Psicopedagogia.
72
A construção do currículo na escola segundo a psicopedagogia
73
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
74
A construção do currículo na escola segundo a psicopedagogia
75
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
76
O planejamento escolar como
instrumento de prevenção das
dificuldades de aprendizagem
V
amos começar fazendo uma importante diferenciação entre plano e plane-
jamento. Planejamento é atitude, é a reflexão em si, enquanto plano é do-
cumento, o resultado da atitude de planejar. Existem vários tipos de planos,
por exemplo, o plano de matéria, resumindo o conteúdo de uma disciplina específica
que será ensinada durante um ano letivo. O plano de curso ou plano anual, composto
pelo conteúdo de todas as disciplinas no período de um ano letivo, destinado a uma
série específica. O plano bimestral, que apresenta o conteúdo de um bimestre, o plano
mensal que organiza o que o professor trabalhará com seus alunos durante o período
de um mês e, ainda, o plano semanal e o plano de aula, que é a menor unidade e
talvez a mais importante. É aula a aula que vamos construindo o conhecimento junto
aos nossos alunos e cada passo deve ser planejado com um olhar para o passado e
outro para o futuro. Isso quer dizer que uma aula deve ser planejada com base na aula
anterior e com vistas à aula seguinte, de modo que todas formem um grande elo.
Mas o eixo de nossa discussão não é o plano em si, ou seja, os documentos.
Isso você já aprendeu a fazer durante a sua formação docente. O que nos interessa
agora é a atitude, ou seja, o planejamento. Planejar é uma das atividade docentes
mais importantes, porque faz com que o professor reflita sobre a sua prática diária,
sobre os objetivos que deseja alcançar e sobre a forma como pretende alcançá-
los. É a forma mais eficiente, junto à avaliação, é claro, que o professor possui de
controlar a aprendizagem de seus alunos e garantir a forma de intervenção mais
adequada para cada momento. Portanto, se o planejamento é uma forma de controlar
a aprendizagem, bem como promovê-la, o professor pode trabalhar na esfera da
prevenção das dificuldades de aprendizagem, planejando de maneira a respeitar as
características do seu público e também as necessidades que este apresenta.
Planejar um conteúdo além das possibilidades do aluno pode impedir que
ele aprenda, já que o que estamos oferecendo está além de suas possibilidades
cognitivas. Trabalhar aquém dessas possibilidades não proporciona aprendizagem
e desenvolvimento, haja vista que as experiências de aprendizagem não incitam
nenhum movimento intelectual. Atualmente, trabalhamos com o conceito de plas-
ticidade cerebral da teoria de Vygotsky. Para este autor, o cérebro é “plástico”, pois
tem a capacidade de se desenvolver, mas, para que isso ocorra, é necessário que
haja intervenção pedagógica, quer dizer, o espontaneísmo não existe para Vygotsky
e a intervenção do professor tem um importante papel para a aprendizagem.
É comum justificarmos as deficiências de aprendizagem por meio da imaturi-
dade das crianças, da falta de acompanhamento dos pais. Neste caso, mais uma vez,
é necessário repetir que a causa do não-aprender pode estar localizada em alguns
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
desses fatores, sem dúvida, mas é muito importante uma revisão das práticas pedagó-
gicas. Para Libâneo (1994), há fatores hereditários que determinam diferentes tipos
de inteligência, mas a maioria das crianças é intelectualmente capaz. Além disso, a
influência do meio pode facilitar ou dificultar o desenvolvimento da inteligência. A
maturidade, segundo este autor, não depende só do aluno, pois o professor tem um
papel importante, na medida em que o desenvolvimento das capacidades mentais
pode ser estimulado justamente pelos conhecimentos e experiências sociais, pelas
condições ambientais e pelo processo educativo organizado.
Libâneo nos orienta também para as deficiências na organização do ensino
que decorrem dos objetivos e programas muito extensos ou simplificados demais,
inadequação à idade, ao nível de assimilação e à falta de relação. Ou, ainda, há
professores que priorizam uma área de conhecimento em detrimento de outra. Há
quem considere o pensamento lógico-matemático a base essencial para qualquer
aprendizagem, há outros que privilegiam a construção da lecto-escrita como su-
peração do fracasso escolar e outros, ainda, que acreditam que o mais importante
é contemplar a identidade, a autonomia e a criatividade.
Seja qual for o enfoque do professor, este deve estar em consonância com a
proposta da escola e com o processo didático. Ao planejar, é preciso que o profes-
sor acompanhe e avalie os seus alunos de modo a resgatar aqueles que possuem
dificuldades e que considere o vínculo desses alunos com o ato de aprender.
Considerando que uma das bases teóricas da Psicopedagogia é a Psicologia
Genética de Piaget, é necessário que o ensinante também considere em seus alunos
a relação entre a construção de esquemas de conservação e a elaboração de algumas
estruturas lógico-matemáticas. Assim, deve-se priorizar uma metodologia específica
para a aprendizagem, especialmente dos conteúdos da área de Matemática, bem como
compreender em qual estágio de desenvolvimento cognitivo a criança se encontra:
sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto ou operações formais.
O planejamento fundamentado na Psicopedagogia deverá considerar a apren-
dizagem que se faz necessária num momento específico, a reparação daquela que
ainda não aconteceu e deve alcançar ainda a dimensão preventiva, não só na sala
de aula como em nível institucional.
Mamede (1983), citando Luria, considera que competências como a escrita,
leitura e cálculo intencionais são patrimônios exclusivos da espécie humana, provida
de um nível superior de funcionamento mental dedicado ao processamento de tais
informações complexas, quer dizer, o funcionamento cortical. O homem destaca-
se dentre os animais, na medida em que avança para além dos automatismos, pela
capacidade de elaboração, transformação e simbolização dos dados recebidos e
programação de respostas diferenciadas, observadas em atividades motoras e men-
tais revestidas de intencionalidade. Isso significa que a intervenção do professor,
devidamente planejada, tem muito poder na ação pedagógica e na construção da
aprendizagem, haja vista que a interação social é a grande provocadora da elabo-
ração de estruturas mentais superiores.
O componente afetivo também não pode ser esquecido. Para Mamede
(1993), o momento em que a criança entra em contato com o mundo é conside-
rado um marco inicial na construção do conhecimento e inseparável da afetivi-
78
O planejamento escolar como instrumento de prevenção das dificuldades de aprendizagem
Sugestões de formulários
Abaixo, você encontrará sugestões de formulários para a coleta de dados
que ajudarão na organização de um planejamento mais adequado e mais funcional
para a aprendizagem.
Lecto-escrita
79
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
Conteúdo/assunto
Estratégias/procedimentos:
Na dimensão cognitiva
Na dimensão afetiva
Na dimensão social
Recursos didáticos
Avaliação
80
O planejamento escolar como instrumento de prevenção das dificuldades de aprendizagem
Com base nas fichas apresentadas e no conteúdo estudado, organize um planejamento com en-
foque psicopedagógico hipotético ou com base em sua prática docente.
81
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
82
A avaliação escolar
como instrumento de diagnóstico
de rendimento do aluno
e como parâmetro
do replanejamento
das práticas pedagógicas
E
studamos anteriormente que planejamento e avaliação são atividades indisso-
ciáveis, pois, ao contrário do que muitas pessoas imaginam, a avaliação não
é o final do processo do ciclo docente, mas pode representar o recomeço, já
que devemos partir dela para planejar as nossas aulas. As avaliações dizem o que
devemos fixar, revisar e a matéria nova que deve ser lançada. Queremos, nesta aula,
conduzir os participantes desse curso a novas reflexões sobre a avaliação.
Você já parou para refletir o quanto os processos de avaliação da aprendizagem
são excludentes? Sim, excludentes. A avaliação separa o saber do não-saber, o aprovado
do não-aprovado, o aluno “fraco” do aluno “forte”. Vamos iniciar nossas reflexões
analisando as diferentes formas de avaliação que encontramos na sociedade. Atual-
mente, temos o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o vestibular, o Exame
Nacional de Cursos (ENC – Provão, exame utilizado para avaliar as universidades
brasileiras a partir do rendimento dos alunos) e o Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica (SAEB) que avalia amostras de alunos da 4.ª e da 8.ª séries do Ensino
Fundamental e da 3.ª série do Ensino Médio, de todos os Estados brasileiros.
Há muita polêmica sobre todos os sistemas de avaliação, especialmente no que
diz respeito à padronização de modelos, já que o país possui uma diversidade muito
grande de propostas pedagógicas e de objetivos de ensino. Além disso, sabemos que
muitas escolas enfrentam inúmeras dificuldades para desenvolver o seu trabalho, como,
por exemplo, as escolas rurais, que nem sempre gozam da possibilidade de contar
com professores profissionalizados, além da dificuldade de acesso ao espaço físico.
A maioria dos profissionais que atuam nessa realidade são professores leigos, que
exercem com grande empenho o seu trabalho. Então, cabem aqui algumas perguntas:
qual é a melhor escola? O que é uma boa escola? O que os instrumentos de avaliação
externa entendem por qualidade de ensino? Qual é o padrão desejado por eles?
Há autores, por exemplo, que consideram esses instrumentos como prática de
dominação do Estado sobre a educação, já que estabelecem a competitividade e a
concorrência, e incentivam que as práticas pedagógicas se alimentem de eficiência
e produtividade, tal qual uma empresa, na qual existem metas preestabelecidas a
serem atingidas.
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
84
A avaliação escolar como instrumento de diagnóstico de rendimento do aluno
e como parâmetro do replanejamento das práticas pedagógicas
Cabe aqui ressaltar que, ao elaborar instrumentos de avaliação, o professor
deve rever os objetivos de ensino que foram descritos no planejamento e a correção
desses instrumentos deve contemplar os objetivos para que o processo seja justo.
Por exemplo, quando um professor aplica um teste de ortografia, o seu objetivo é
verificar o domínio da escrita que seus alunos possuem; logo, os erros na grafia das
palavras devem ser assinalados e mensurados. Mas, se os erros de grafia aparecem
em uma prova de História e tal objetivo não foi descrito anteriormente, cabe ao
professor assinalar esses erros, mas não diminuir os pontos do aluno por essa razão.
Os objetivos nos dizem o que devemos considerar na avaliação.
A partir dessa visão de avaliação, é hora de pensarmos na estrutura de nossas
aulas e na nossa forma de planejar. O planejamento não é uma mera burocracia ou
um documento que deve ser engavetado. Alguns profissionais justificam a falta
do planejamento em sua prática pela larga experiência profissional que possuem,
mas eles correm o risco de estar cometendo os mesmos erros por longos anos. O
planejamento é um instrumento de reflexão do professor e uma forma de acompa-
nhar o processo de aprendizagem de seus alunos de maneira científica.
Se o professor acredita na importância de sua intervenção para a promoção da
aprendizagem e nega o espontaneísmo do conhecimento no aluno, ele tem no pla-
nejamento um documento do processo dessa construção. Planejar é uma atitude que
se materializa em instrumentos escritos. Ao definir objetivos, o professor determina
onde ele deseja que seus alunos cheguem e em que prazo objetiva que seus alunos
alcancem as metas. Além disso, estrutura os conteúdos de maneira lógica, para que
cada assunto ensinado tenha uma ligação com o anterior e com o posterior, formando
uma corrente que leve a aprendizagens significativas, isto é, que façam sentido e
sejam funcionais. Ao definir os procedimentos, o professor estabelece os caminhos
que ele utilizará para alcançar os objetivos traçados e eis a chave da questão do ciclo
docente, pois a forma como os conteúdos são apresentados para que o conhecimento
seja construído faz muita diferença na qualidade da aprendizagem.
É importante diversificar os procedimentos de aula e refletir sobre o que
cabe para cada assunto em termos de procedimentos de ensino. É impossível, por
exemplo, que o aluno tenha o domínio da resolução de expressões numéricas sem
praticar e que o faça somente com a leitura de exemplos do livro-texto. Da mesma
forma, não faz sentido que algumas aprendizagens se dêem por conta da imaginação
de nossos alunos. Imaginar como é a Floresta Amazônica, imaginar as mudanças
de estado da água. Há sempre um vídeo, um cartaz que pode ser mostrado e uma
experiência que pode ser realizada em sala, mesmo quando a escola não possui
laboratório, desde que preservemos as condições de segurança, é claro. O que o
aluno experimenta ou visualiza é muito mais fácil para memorizar, para despertar
o desejo de aprender e, portanto, estimular a aprendizagem.
Pensemos, também, no ensino por habilidades e nas atividades escolares como
pequenos blocos que formarão, juntas, uma grande estrutura de conhecimento no
futuro. As experiências de aprendizagem não devem ter um fim em si mesmas, mas
devem abrir portas para a construção de habilidades e competências que serão úteis
no futuro para os alunos. É certo que nenhum de nós domina que futuro será esse, e,
quando um currículo termina de ser elaborado ou reestruturado, ele já está defasado.
85
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
Relacione o conteúdo do texto complementar com o ato de planejar, a ação docente, a avaliação
e a aprendizagem.
Observe a figura abaixo e comente suas reflexões com seus companheiros e com o tutor.
Existem muitas pessoas que atuam como guias do caminho, acolhendo, orientando, provo-
cando os caminhantes desanimados a prosseguir. Há muitas e muitas histórias sobre essas pessoas.
Cuidam das pousadas, atendem pequenos bares nos vilarejos, sentam à beira das trilhas saudando
os peregrinos que passam, abrem as suas casas para o café da manhã e contam histórias.
Suas histórias ensinam muito a todos. Falam de trechos difíceis, de cuidados com o frio,
de subidas escorregadias, de tempos necessários a cada trecho. Convivendo com peregrinos,
conhecem todos os trechos do caminho e antecipam dificuldades, minimizando o desconforto
de quem irá passar por ali. Ouvem bastante, também porque todo peregrino tem necessidade de
contar a sua história, seus sentimentos, a razão de estar ali. São pessoas que têm tempo e enorme
satisfação em acolher, ouvir, orientar. Lêem os pensamentos, os sentimentos e vivem o caminho
com os peregrinos.
Mas os melhores guias são os próprios peregrinos, que percorrem o caminho conosco,
enfrentando as mesmas dificuldades e provocando a andar mais depressa. Há os que decidem
fazê-lo, planejando roteiros e entusiasmando-nos a ir com eles. Há os que encontramos pelo
trajeto e caminham depressa, testando o nosso orgulho de não querer ficar para trás. Há os que
conversam muito, distraindo-nos do esforço com suas histórias.
O que é mais forte em nossos encontros, é que nunca estamos sozinhos. Mesmo escolhen-
do nossos próprios tempos e rumos, convivemos e aprendemos com muitas pessoas, com suas
histórias, seus ensinamentos, seus desafios.
Texto extraído e adaptado para fins didáticos de: HOFFMANN, J. Avaliar para promover:
as setas do caminho. Porto Alegre: Mediação, 2001.
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Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
2. Cite duas competências necessárias para a vida em sociedade nos dias de hoje e relacione essas
competências com conteúdos escolares que podem servir de instrumentos para alcançá-las.
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A avaliação escolar como instrumento de diagnóstico de rendimento do aluno
e como parâmetro do replanejamento das práticas pedagógicas
3. Como você considera que deve ser a estrutura da avaliação da aprendizagem de uma escola, de
maneira que ela seja o mais justa possível?
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Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
90
A psicopedagogia institucional
na escola inclusiva
N
esta aula, vamos abordar um dos temas mais polêmicos da contempora-
neidade: a inclusão. Durante muito tempo, só se dirigiam para a Educa-
ção Especial, área responsável pela educação de pessoas portadoras de
necessidades educacionais especiais, aqueles profissionais ou estudantes que se
interessavam pelo tema, pois os alunos especiais não freqüentariam as classes
regulares, logo, não havia porque estudar sobre o assunto. O tempo passou, e as
coisas mudaram muito. Alguns documentos surgiram para modificar a realidade
educacional. O primeiro documento importante na mudança do cenário da exclusão
foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, datada de 1948. Embora não
seja um documento específico da Educação Especial, colaborou bastante para a
formulação de novas reflexões sobre a inclusão, como veremos a seguir.
O objetivo da Educação Especial é o de reduzir os obstáculos que impedem o
indivíduo de desempenhar atividades e participar plenamente da sociedade (Nils-
son, 2003). Os estudos mais contemporâneos em Educação Especial apontam para a
educação inclusiva e, sem dúvida, tanto do ponto de vista legal quanto dos princípios
educacionais, temos muitas razões para pensar desta forma. As práticas inclusivas
representam uma evolução de nossas idéias acerca da Educação Especial.
Muito se tem falado sobre o processo de inclusão, e quase sempre com a
conotação de que inclusão e integração escolar seriam sinônimos. Na verdade, a
integração insere o sujeito na escola, esperando uma adaptação deste ao ambiente
escolar já estruturado, enquanto que a inclusão escolar implica redimensionamento
de estruturas físicas da escola, de atitudes e percepções dos educadores, adaptações
curriculares, dentre outros. A inclusão, num sentido mais amplo, significa o direito
ao exercício da cidadania, sendo a inclusão escolar apenas uma pequena parcela
do processo que precisamos percorrer. A cidadania do portador de necessidades
especiais é um caminho recente e que evolui timidamente, pois toma corpo somente
na década de 90, com o movimento de “Educação para todos”, apesar de ter início
em forma de diretrizes políticas, pelo menos desde 1948, quando da aprovação da
Declaração Universal dos Direitos Humanos (Santos, 2001). A Declaração Univer-
sal dos Direitos Humanos representa, sem dúvida, um grande marco no processo de
inclusão social da pessoa portadora de necessidades especiais. Ainda que não seja um
documento especificamente destinado à Educação Especial, favorece indiretamente o
movimento de inclusão social do portador de necessidades educativas especiais, pois
propõe a igualdade entre os homens e o direito à educação a todos os indivíduos.
A inclusão educacional trata do direito à educação comum a todas as pes-
soas, sendo que esse direito deve ser exercido, sempre que possível, junto às
demais pessoas nas escolas regulares. As tendências mais recentes dos sistemas
de ensino são:
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
“Se por um lado, a educação inclusiva exige que o professor do ensino regular
adquira formação para fazer frente a uma população que possui características pecu-
liares, por outro, exige que o professor de educação especial amplie suas perspectivas,
tradicionalmente centradas nessas características” (Bueno, 1999, p. 162).
A prática pedagógica é um elemento-chave na transformação da escola,
estendendo essa possibilidade de transformação à sociedade. Em função do tema
da diversidade, as práticas pedagógicas têm caminhado no sentido da pedagogia
das diferenças (Mendes, 2002).
Ilustraremos aqui a concepção de inclusão no seu sentido amplo, por meio
da Declaração de Salamanca:
Inclusão e participação são essenciais à dignidade humana e ao gozo e exercício dos direitos
humanos. No campo da educação, tal se reflete no desenvolvimento de estratégias que pro-
curam proporcionar uma equalização genuína de oportunidades. A experiência em muitos
países demonstra que a integração de crianças e jovens com necessidades educacionais
especiais é mais eficazmente alcançada em escolas inclusivas que servem a todas as crianças
de uma comunidade (Declaração de Salamanca, 1994, p. 61).
especialmente nas mudanças de fases da criança. Por exemplo, quando o filho entra
na adolescência, é comum os pais o compararem com os demais jovens e, na maioria
das vezes, o resultado dessa comparação é negativo, considerando sempre o que
ele não é capaz de fazer e, muitas vezes, desconsiderando o quanto já evoluiu.
A família pode colaborar de maneira muito especial para o desenvolvimento
da criança portadora de autismo na escola, principalmente fornecendo aos profissio-
nais informações sobre as formas de comunicação da criança. Havendo pelo menos
uma forma de comunicação utilizada pela criança, outras podem ser desenvolvidas
(Peteers, 1998). “A família se constitui, portanto, no fator determinante para
a detonação e manutenção ou, ao contrário, para o impedimento do processo de
integração” (Glat, 2003, p. 46).
A escola também pode colaborar dando sugestões aos familiares de como eles
podem agir em casa, de maneira que se tornem co-autores do processo de inclusão
de seus filhos. Muitas vezes, as estratégias educacionais que são desenvolvidas em
sala de aula não têm uma continuidade dentro de casa. É comum, por exemplo, a
escola não permitir o uso de fraldas e incentivar que a criança utilize o banheiro
quando necessário, mas, em casa, o uso das fraldas continuar existindo.
Muitos são os desafios da inclusão escolar, mas este é um movimento irre-
versível, e cabe aos profissionais de educação a busca de instrumentalização para
atuar em escolas inclusivas. Existe uma área da Psicopedagogia especializada na
atuação com crianças portadoras de necessidades especiais. Chama-se Psicopeda-
gogia Diferencial, quer dizer, o estudo da aprendizagem em suas diferentes formas
de ocorrer. Vale a pena conhecer!
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A psicopedagogia institucional na escola inclusiva
2. Imagine que você recebeu um aluno portador de necessidades especiais na escola em que traba-
lha. Como você procederia para promover a aprendizagem de seu novo aluno?
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Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
98
Família e aprendizagem
O
mundo mudou bastante neste século e, com ele, a família. Qual o conceito
de família no mundo contemporâneo? Você saberia explicar, por exemplo,
qual o grau de parentesco da nova mulher do pai de seu aluno com a crian-
ça? Se você pensou em madrasta, errou! É correto usar a palavra madrasta quando
a mãe da criança é falecida. Já consegue se lembrar de algum termo para denominar
esse grau de parentesco? Não tente... Ele não existe! A família mudou tanto, tanto,
que a Língua Portuguesa não acompanhou essas mudanças. Na Língua Inglesa,
encontramos os termos step- mother, stepfather, mas, na Língua Portuguesa, eles
não existem. Diante de tantas alterações, a educação não poderia deixar de receber
as influências dessa importante instituição social que é a família.
Revisitando a nossa sociedade, vamos encontrar diferentes modelos de família:
avós que exercem sozinhas a função de mãe, pais desempregados desempenhando papéis
maternos enquanto suas esposas trabalham e sustentam a família e, ainda, mulheres que
desempenham sozinhas a tarefa de manter uma casa e educar os filhos. Curiosamente,
essas modificações na família estão presentes em todas as classes sociais, e, de uma
forma ou de outra, tais interferências vão surgir no contexto da escola.
É na família que a criança tem contato com as primeiras aprendizagens, as
denominadas proto-aprendizagens. Para Jorge Visca, é nesse berço que ela também
construirá seus valores.
Desde o ingresso da criança na escola, é necessário que a família “autorize” a
ida de seu filho para esse novo espaço, caso contrário, a criança terá dificuldades de
adaptação desde a sua entrada. É comum assistirmos a cenas no portão de escolas
de Educação Infantil de choros e birras por parte de crianças muito pequenas, e,
quando as crianças entram na escola, sem ao menos olhar para trás, são os pais
que choram no portão. Sentem-se abandonados pelos filhos e enciumados quando
estes começam a demonstrar carinho por seus professores. Muitas vezes, esses
sentimentos não estão no plano de nossa consciência, mas eles surgem nas relações
e são demonstrados em algumas atitudes.
A participação dos pais na vida escolar dos filhos é fundamental para a apren-
dizagem, e participar não significa estar todos os dias na escola ou ensinar o dever
de casa. Pais analfabetos podem participar da vida escolar dos filhos organizando
formas para que eles tenham momentos de estudos diários em casa e conversando
sobre a sua dificuldade com os professores.
A importância que cada família dá à escola e ao ato de estudar também influen-
ciará bastante no comportamento das crianças frente ao estudo. Uma família pode
desejar que seu filho se recupere de uma nota baixa, mas decide viajar nas vésperas
das provas da criança, alegando que ela pode levar os livros para estudar durante a
viagem. Sem querer, esta família está dizendo ao seu filho que existem coisas muito
mais importantes que a escola, e pior, que estudar pode ser feito de qualquer forma,
em qualquer lugar. Sabemos que não deve ser assim, pois o ato de estudar, por ser
uma atividade artificial, inventada pelo homem, exige esforço pessoal e disciplina para
Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
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Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional
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Família e aprendizagem
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Anotações