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Abstract: Still today women remain in the shadow of men in various aspects including
literature because of historical issues. A survey conducted by the University of Brasilia,
which analyzed national books published by major publishers between 1965 and 2014,
found that less than 30% of published authors are women. Then, there is a need to
discuss women in literature and to study the works of feminist authors such as Maria
Valéria Rezende. The author critically addresses in her literary books issues related to
the social roles assigned to women and struggles alongside other authors for more space
for female writers. This article proposes to analyze the feminist character of the works
of Maria Valéria Rezende in order to contribute to the studies on women in literature.
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Graduanda em Letras pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais
do país, José Olympio, Civilização Brasileira, Companhia das Letras, Rocco, Record e
Objetiva. Foram levantados dados a respeito do sexo e da cor dos autores, do sexo e da
orientação sexual das personagens, entre outros. A pesquisa constatou que mais de 70%
dos livros foram escritos por homens, sendo, aproximadamente, 90% brancos e 50%
deles oriundos do Rio de Janeiro e de São Paulo. De modo semelhante, 60% dos
protagonistas das histórias também eram homens, sendo 80% deles brancos e 90%
heterossexuais, aproximando as personagens retratadas da realidade dos escritores.
Os resultados da pesquisa são preocupantes, visto que as grandes editoras
brasileiras publicam o mesmo perfil de escritores há mais de 49 anos, desfavorecendo a
diversidade do cenário literário. Na literatura brasileira, ainda, sobressaem-se os
escritores que se enquadram no grupo social favorecido pela história. Considerando os
resultados da pesquisa, em que menos de 30% dos livros publicados por essas editoras
foram escritos por mulheres, surge, então, a necessidade de se discutir a mulher na
literatura, sobretudo as obras e os projetos de escritoras feministas, como Maria Valéria
Rezende, que luta pelo espaço e visibilidade da voz feminina.
Antes de tudo, é necessário estabelecer o conceito de um termo ainda muito
estigmatizado e bastante polêmico, o feminismo. Ao contrário do que se pensa, os
termos "feminismo" e "feminista" não foram inventados por ativistas radicais
(PRECIADO, 2014), mas sim pelo médico francês Ferdinand-Valerè Fanneau, em
1871, para denominar uma patologia que afetava aos homens tuberculosos, tendo como
sintoma a "feminização" do corpo masculino. Em 1872, o "feminismo" passou a ser
empregado pelo escritor francês Alexandre Dumas Filho, de forma pejorativa, para
referir-se aos homens que apoiavam o movimento sufragista, de mulheres que lutavam
pelo direito ao voto e à igualdade política no país. Somente no final do século XIX,
graças ao discurso sufragista, o termo passa a ser associado à justiça social e à união das
mulheres em defesa de seus direitos. Utilizaremos, a partir de então, o conceito atual do
termo feminista: "uma pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica
entre os sexos" (ADICHI, 2014, p. 58).
Maria Valéria Rezende, nascida em Santos, em dezembro de 1942, atualmente
com 75 anos de idade, é um grande exemplo de escritora feminista brasileira. Formou-
se em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em
Língua e Literatura Francesa pela Universidade de Nancy, na França, e realizou o
mestrado em Sociologia na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Atualmente, mora
em João Pessoa, na Paraíba.
Em 1965, um ano após o golpe militar, Maria Valéria Rezende ingressou na
Congregação de Nossa Senhora - Cônegas de Santo Agostinho, tornando-se freira aos
24 anos de idade. Em uma entrevista realizada, em 2018, pela revista Marie Claire
(NEVES, 2018), a escritora disse que admirava, desde pequena, as irmãs de seu colégio
que percorriam povoados de pescadores, de índios guaranis e quilombos na Serra do
Mar para ensinar puericultura, primeiros socorros, horticultura e alfabetizar moças que
não tinham acesso à educação, e que acompanhava seu pai, que era médico, em muitas
dessas missões. Portanto, optou por ser freira, que, segundo ela, "é muito mais
interessante do que ficar em casa cuidando de marido e filho". A partir de então, Maria
Valéria Rezende passou a atuar como missionária, alfabetizando mulheres, viajando
pelo mundo, ajudando pessoas que eram perseguidas pelo regime ditatorial no Brasil e
militando. Segundo ela, graças ao trabalho, viajou pela a América Latina, pela África,
pela China e aprendeu línguas como o inglês, o francês, o italiano e o espanhol, mas
também vivenciou situações perigosas de ameaças, chegando a estar na mira de uma
arma por defender os direitos de pequenos agricultores no interior da Paraíba e por
ajudar militantes.
Maria Valéria Rezende iniciou-se na literatura desde pequena. Em um trecho
dessa mesma entrevista, disse que a casa de sua avó, em Santos, era um ponto de
encontro de escritores, onde se discutia de tudo. Além disso, gostava de ler poesias e
escrever cartas narrativas para sua avó e, desde então, não parou mais. Publicou seu
primeiro romance, intitulado Vasto mundo, em 2001. Depois, vieram vários outros
romances, contos, crônicas, livros de literatura infantil e juvenil, alguns traduzidos para
outras línguas e publicados no exterior. Em 2009, ganhou o Prêmio Jabuti na
categoria de literatura infantil com o livro No risco do caracol, em 2013, na categoria
de literatura juvenil com o livro Ouro dentro da cabeça e, em 2015, nas categorias de
romance e de livro do ano de ficção com o livro Quarenta dias, que será novamente
abordado neste artigo mais adiante. E, em 2017, recebeu o Prêmio Casa de las
Américas, o Prêmio São Paulo de Literatura e o terceiro lugar no Prêmio Jabuti pelo
livro Outros Cantos.
Atualmente, está à frente de um projeto chamado Mulherio das Letras, um grupo
que reúne mais de cinco mil romancistas, contistas e poetisas no Brasil e no exterior,
todas mulheres, para se discutir a mulher na literatura. Segundo Maria Valéria Rezende,
o grupo surgiu a partir da união de escritoras que estavam insatisfeitas com o pouco
espaço nas grandes editoras. Inicialmente, o grupo existia apenas no mundo virtual, na
rede social Facebook, agora, tornou-se concreto, em 2017, foi realizado o primeiro
encontro do Mulherio das Letras, em João Pessoa.
Pouco antes do evento em João Pessoa, em uma entrevista concedida por autoras
que participam do Mulherio das Letras ao Suplemento de Pernambuco
(CARPEGGIANI, 2017), Maria Valéria Rezende explica que "Mesmo que ele só seja
realizado uma vez, mesmo que concretamente não aconteça aqui em João Pessoa na
data que imaginamos, o Mulherio já está acontecendo. O importante é promover a
discussão".
completa a escritora e artista visual Laura Erber. Um detalhe importante do evento é que
os homens também são convidados, mas não participam das conversas, apenas escutam
como plateia.
Quando questionada pela revista Marie Claire (NEVES, 2018) se ela
considerava-se feminista, Maria Valéria Resende respondeu "Claro! Mas não sou
histérica. O Mulherio é uma resposta ao machismo no mundo dos livros". E, voltando à
pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos em Literatura Contemporânea da UnB, assim
como o perfil das personagens dos livros aproxima-se do perfil dos escritores
analisados, as protagonistas dos romances de Maria Valéria Resende carregam
características feministas importantes que se aproximam do perfil da escritora, como no
caso do livro Quarenta dias.
O livro Quarenta Dias conta a história de Alice, uma professora da cidade de
João Pessoa, com a idade entre 50 e 60 anos, que, após o desaparecimento de Aldenor,
seu marido, durante o período da ditadura, teve que criar sozinha a filha Aldenora,
apelidada Norinha. Apesar da simplicidade do lugar onde vivia, Alice era realizada com
o seu lar e com o seu trabalho. Quando Norinha casou-se e mudou-se para Porto Alegre
com o marido Umberto, decidiu ter um filho. No entanto, não queria largar o trabalho
para cuidar da criança e, por isso, tentou convencer a mãe a mudar-se também, com a
intenção de que Alice ajudasse a criar o neto. Inicialmente, Alice não havia gostado da
ideia, não queria mudar-se, uma vez que sua vida estava toda estabelecida em João
Pessoa, mas disse à Norinha que poderia tirar uma licença do trabalho para ajudar
quando a criança nascesse, o que não era suficiente para a filha, que fez com que amigos
e familiares insistissem para que Alice mudasse. Contrariada e pressionada pela família,
Alice aposentou-se e mudou-se para Porto Alegre, onde se sentia deslocada e infeliz.
Pouco tempo após a mudança, recebeu a notícia de que Norinha iria adiar os planos de
ser mãe, pois havia ganhado uma bolsa de estudos no exterior. A notícia foi suficiente
para que Alice tivesse uma crise e saísse de casa, com a desculpa de procurar, pela
cidade, Cícero Araújo, o filho desaparecido de uma conhecida, passando 40 dias na rua.
Nesse período em que vagou pela cidade, Alice conheceu de perto a realidade de
inúmeros moradores de rua e, também, a segregação de nordestinos no sul. Quando
volta para casa, Alice escreve sua história em um caderno velho, com a imagem da
boneca Barbie na capa, sua única companhia em Porto Alegre.
De certa forma, Alice se parece com Maria Valéria Rezende. Ambas foram
professoras, moraram e tiveram muita afeição pela cidade de João Pessoa, são senhoras
com idades próximas à terceira idade, estiveram envolvidas e ajudaram pessoas
militantes no período da ditadura e, principalmente, vivenciaram a experiência de
dormir na rua. Em um trecho citado em uma reportagem do Estadão (RODRIGUES,
2014), Maria Valéria Rezende diz:
"Por 15 dias fiz basicamente o que Alice fez. Perguntei para todos onde eu
poderia encontrar Cícero Araújo, que era invenção minha, e ia atrás dele.
Voltava para casa à noite, mas cheguei a dormir em rodoviária, aeroporto e
hospital, onde tinha abrigo, porque uma velhinha de 70 anos não pode abusar,
e eu não estava para fazer sacrifício da minha vida por causa de uma ideia de
romance. [...] Nessas andanças, percebi que metade do mundo é feita de
gente sumida e a outra metade está procurando quem sumiu – não apenas
aqueles que foram para a rua, mas também aqueles que não quiseram mais
dar notícia".
Referências bibliográficas
LANNES, Paulo. Perfil do escritor brasileiro não muda desde 1965, diz pesquisa da
UnB. 2017. Disponível em: <https://www.metropoles.com/entretenimento/literatura/
pesquisa-da-unb-perfil-do-escritor-brasileiro-nao-muda-desde-1965>. Acesso em: 15
jun 2018.
NEVES, Maria Laura. Maria Valéria Rezende: Freira, escritora e feminista. 2018.
Disponível em: <https://revistamarieclaire.globo.com/Mulheres-do-Mundo/noticia/
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PRECIADO, Beatriz. Feminismo amnésico. Traduzido por Silvio Pedrosa. 2014.
Disponível em: <http://uninomade.net/tenda/liberar-o-feminismo-das-politicas-
identitarias/>. Acesso em: 15 jun 2018.
RODRIGUES, Maria Fernanda. Maria Valéria Rezende viveu na rua para escrever
romance. 2014. Disponível em: <https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,maria-
valeria-rezende-viveu-na-rua-para-escrever-romance,1161541>. Acesso em: 15 jun
2018.