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Coerção

e s u a s im p lic a ç õ e s

M u r r a y S id m a n
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COERÇÃO
E SUAS IMPLICAÇÕES
Murray Sidman

COERÇÃO
E SUAS IMPLICAÇÕES

Tradução
Maria Amália Andery
Tereza Maria Sério

Associação Umf&táa Psufeta de j


Ensfno Renovate Obfeiivo • Assuperaf
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D ata 1 N’’ d e C h a m a d a
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Tom bo ! Registrado por
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Editora Livro Pleno
2009
Título original
Coercion and its fallout
Copyright Q 1989 by Murray Sidman

Conseli .o editorial
Glauci Estela Sanchez

Tradução
Maria Amalia Andery
Tereza Maria Sério

Coordenação editorial
Glauce Estela Sanchez

ISBN: 87-87622-22-6

Direitos reservados para a língua portuguesa:

Editora Livro Pleno


email: edlivropleno@uol.com.br

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■nuiifofioóâivvlmewte, a fieM oa

wv&n&í coer-ci-ti/u-a do- m tvndo-.


Prefacio

E u escrevi este livro p a ra dizer algum as coisas que de h á


m uito pensava que precisavam ser ditas, não ap en as p ara colegas
profissionais m as p ara todas as p esso as que estão p reo cu p ad as com
nosso futuro como espécie. Mesmo quando adolescente, de algum
modo tornei-m e consciente de que o m undo estava se com plicando.
O m undo tin h a problem as reais e não os estava enfrentando. M inha
visão era m atizad a não ap en as pela experiência pessoal, que era
b a sta n te lim itada. M inha família era relativam ente seg u ra e não-
punitiva e a m aioria de m eus estresses m ais severos vieram das
gangs erran tes que de tem pos em tem pos assolavam n o ssa vizinhan­
ça em b u sca de garotos p ara bater. Mas eu era tam bém um leitor
assíduo e o que lia sobre a crueldade sem sentido d as p esso as e su a
hipocrisia era quase inacreditável. Como podiam os seres hum anos
fazer a s coisas que estavam sem pre fazendo u n s aos ou tro s? Os
tem as predom inantes n a s notícias ou rom ances eram g uerras, a s s a s ­
sinatos e outros tipos de violência pessoal, opressão política e religio
sa, negócios políticos e em presariais inescrupulosos, traições de am i­
gos e am antes, doença m ental e egocentrism o m esquinho. E, como se
para confirm ar m eu desencanto, a II G uerra M undial com eçou ex ata­
m ente quando tin h a idade suficiente p ara participai' dela.
Logo após a II G uerra M undial, a m aioria de nós ain d a não
com preendia a enorm idade da força d estru tiv a que havia sido libera­
da. Nós não havíam os nos resignado à possibilidade de que nossa
geração poderia ser a últim a. O ceticism o geral sobre se as coisas

vii
poderiam algum dia m elhorar ain d a não havia se estabelecido. Ain­
da era fácil en co n trar com panheiros, ou m esm o p esso as m ais ve­
lhas, que acreditavam que a s coisas não precisavam se r do modo
como eram . E o final d a II G uerra M undial parecia, de algum modo,
m arcar u m possível recomeço. As forças realm ente g ran d es do mal
pareciam te r sido varridas do m apa: talvez pudéssem os agora conti­
n u ar, livrando-nos do resto da violência sem sentido a que c a ra c te ­
risticam ente subm etíam os u n s aos outros. Mas não aconteceu deste
modo. Por que não?
A grande questão era: "Como fazer isto ?” Como fazer as m u ­
danças que n o ssa sociedade, ex au sta pela destru ição e pelo sofri­
m ento, parecia p ro n ta p a ra fazer? A m aioria d as soluções propostas
envolvia m u d an ças em n o ssas instituições. P ara alguns, u m a nova
forma de governo era a resposta. O utros viam o progresso ap en as no
contexto de m u d an ças no sistem a econômico. O utros ain d a acredi­
tavam que a educação era a chave. Mas havia u m a arm ad ilh a em
todas as propostas de reform a econôm ica, política ou educacional.
A quelas instituições, aqueles sistem as, não nos eram dados de fora,
prontos. Nós m esm os os fizemos. Q u aisq u er virtudes e fraquezas
que n o ssas instituições tivessem eram n o ssa s próprias v irtudes e
fraquezas.
Tornou-se claro que os problem as prim ários não estão em
nossas instituições, m as em nós. De algum modo tem os que nos
tran sfo rm ar se pretendem os co n stru ir sistem as que su sten te m coo­
peração, solidariedade, ju s tiç a e, de form a m ais geral, abordagens
racionais aos problem as que inevitavelm ente surgem quan d o grande
núm ero de pesso as tem de com partilhar recu rso s lim itados.
Como vam os m u d a r a n ó s m esm os? M uitos tipos de propos­
ta s tèm sido feitas. Há m uito tem po, antropólogos reconheceram que
como espécie ain d a não com pletam os n o ssa ad ap tação física à n o s­
sa p o stu ra ereta, à alim entação m acia, ao prolongam ento da vida
por meio de m edidas san itárias e de m edicina preventiva. Sofremos
m u itas doenças e desconfortos porque n o ssa p o stu ra ereta não pro­
vê su sten ta ção ad eq u ad a nem p a ra nossos órgãos internos, nem
p ara os arcos de nossos pés; n o ssa s dietas estão to rn an d o nossos
dentes b a sta n te desnecessários; m uitos processos im unológicos não
são m ais necessários p a ra nos proteger de m u d an ças am bientais e,
em vez disso, m anifestam -se como alergias e, com a própria saú d e
física desem penhando um papel cad a vez m enor n a determ inação da
duração de n o ssa s vidas, o envelhecim ento traz com ele ain d a novas
doenças. Alguns afirm am que restos de n o ssa h eran ç a física geram
sofrim ento e m iséria, m antendo-nos em lu ta u n s co n tra os outros.

viii
E les su g erem que o m u n d o se ria u m lu g a r m e lh o r se n o s liv rá s s e ­
m o s de to d o s aq u e le s com os q u a is é im possível conviver p o r c a u s a
do so frim en to físico. S u a s so lu çõ es in c lu e m m e lh o ria d a espécie p o r
m eio d a e u ta n á s ia ra d ic al, liv ran d o -se, em vez de p ro lo n g a r a vida,
d aq u e le s q u e n a s c e ra m com defeitos ou q u e os a d q u irira m p o rq u e
vivem d em ais.
E u ta n á s ia e x tre m a , elim in a n d o q u a lq u e r u m q u e so fra de
d eficiên cias p re s u m id a s , foi te n ta d a em la rg a e sc a la pelo m en o s
u m a vez. As te n ta tiv a s d o s n a z is ta s to m a r a m óbvios os h o rro re s
in e re n te s em d efin ir a rb itra ria m e n te o q u e é c o n sid e ra d o “d efic iên ­
c ia ”, em esp e cificar o q u e é “u m p ro b le m a ” e em d e te rm in a r o q u e é
“d esejáv el”. A p rá tic a re q u e r a s s a s s in a to s legalizados em la rg a e s c a ­
la e sem u m fin al à v ista. E lim in a r a p e n a s os id o so s e en ferm o s —
a q u e le s q u e n ão m a is geram e cria m c ria n ç a s — n ã o te ria efeito
so b re a evolução d a espécie. E se n ó s te n tá s s e m o s atin g ir a “p u re z a
g en é tic a” pelo o u tro lad o — elim in a n d o c ria n ç a s físic a e m e n ta lm e n ­
te d eficien tes — o p ro c e sso ev olucionário lev aria a in d a c e n te n a s de
g eraçõ es. E ste tem p o n ã o e s tá à n o s s a d isp o sição .
P ro p o sta s p a r a p ro d u z ir u m a esp écie m a is sa u d á v e l e talvez
m a is am igável p o r m eio de c ru z a m e n to s c o n tro la d o s têm o m esm o
p ro b lem a — n ã o tem o s tem p o su ficien te. A vanços m o d e rn o s n a g e ­
n é tic a in d ic a m q u e m u d a n ç a s rá p id a s to rn a r-s e -ã o p o ssív eis em u m
fu tu ro n ã o tã o d is ta n te . Q uão próxim o é e ste fu tu ro n ã o podem os
a in d a s a b e r com certeza. E sa b e m o s a in d a m en o s so b re com o g en es
e c o n d u ta se re la cio n am . Q ue tip o s de h e r a n ç a fa rão com q u e a p li­
q u e m o s to d a n o s s a in telig ê n cia em n o s so s p ro b lem a s m ais crítico s?
Q u e tipo de m u d a n ç a s g en é tic as h ã o de n o s fazer re s p o n d e r à f r u s ­
tra ç ã o com a ra z ã o e n ã o com a a g re ssã o ? P odem os fazer clanes de
p ro fe sso re s q u e u s a r ã o m éto d o s positivos em vez de coercitivos p a r a
e n s in a r os jo v e n s? E a ss im p o r d ian te. M esm o q u e se prove se r
p o ssív el u s a r n o s s a c re sc e n te c o m p re e n sã o d a g en é tic a p a r a a c e le ­
r a r o p ro c esso evolucionário n o rm a lm e n te lento, n ã o e s tá claro, em
a b s o lu to , q u e d e sc o b rirem o s com o fazer isto v a n ta jo sa m e n te , a n te s
q u e n o s envolvam os n isto .
O que p o u co s têm co n sid erad o é a p o ssib ilid a d e de q u e p o d e ­
m o s fa zer m u d a n ç a s c o m p o rta m e n ta is se m a lte ra r n o s so s p ro c e sso s
biológicos o u n o s s a c a rg a g en ética. Nos ú ltim o s c in q ü e n ta a n o s a
a n á lis e c o m p o rta m e n ta l tem n o s e n s in a d o m u ito so b re com o o a m ­
b ien te in flu e n c ia o co m p o rta m e n to . D e n tro dos lim ites de n o s s a
h e r a n ç a biológica a tu a l, n o s s a c o n d u ta é fo rte m e n te c o n tro la d a pelo
s e u setting a m b ie n ta l e s u a s c o n s e q ü ê n c ia s a m b ie n ta is . E a an á lise
c o m p o rta m e n ta l ta m b é m tem n o s m o stra d o q u e au to c o n tro le é re a l-

ix
m ente controle am biental; é possível c o n stru ir m u d a n ças em nosso
proprio am biente de form a a produzir m u d an ças em nosso próprio
com portam ento. C ontrolar a n ó s m esm os é m u d a r o am biente de
m aneira tal que se m ude n o ssa própria co n d u ta e fazê-lo porque
isso m u d a n o ssa própria conduta. Há ta n ta s possibilidades de m u ­
dança, m esm o sem m anipulação genética, que alterar algum as das
relações críticas entre am biente e com portam ento é o único cam inho
prático a percorrer se realm ente quiserm os m u d a r n o ssa co n d u ta
an tes que seja tard e dem ais.
Um ponto de vista b a sta n te difundido m as erróneo afirm a
que ap en as alterações superficiais podem se r realizadas d esta m a­
neira. M uitos ain d a acreditam que u m a análise d a s relações entre
n o ssa co n d u ta e nosso am biente não atinge n o ssa n a tu re z a real.
Nós gostam os de ver a nós m esm os como agentes independentes,
não como u m locus de variáveis controladoras. P ara m uitos o “eu
real” consiste daqueles sentim entos, p en sam en to s e anseios, os
m ais profundos, que ninguém m ais poderá seq u er conhecer. E isto é
verdade, ninguém m ais pode m esm o conhecer n o ssa “p esso a in te r­
n a ” por meio de experiência direta. Tom ando isto como certo, deve­
m os tam bém reconhecer que n a m edida em que se considera o resto
do m undo, o que eles podem ver é o “você real”. Isto é tu d o com que
os outros podem lidar. E o que eles podem ver, aquilo com o que
podem lidar, são n o ssa s ações. Podemos co n sid erar n o ssa pessoa
in tern a como nosso verdadeiro self, m as p a ra o restan te do m undo,
nós som os o que nós fazemos. Se pretendem os m u d a r n o ssas in te ra ­
ções u n s com os outros, terem os de m u d a r o que nós fazemos.
M udando n o ssa co n d u ta m udam os a nós m esm os.
E u tentei, neste livro, indicar um tipo crítico de m u d an ça
que te rá que ocorrer em n o ssa s interações sociais se quiserm os
m esm o fazer algo construtivo a respeito d a s m isérias que a tu alm e n ­
te infligimos u n s aos outros, se pretenderm os pelo m enos pospor a
atu al investida em direção ã extinção da espécie. Coerção não é a
raiz de todo mal, m as até que adotem os outros m odos, que não o
coercitivo, p a ra controlar a co n d u ta u n s dos outros, n en h u m m éto­
do p a ra m elhorar fisicam ente n o ssa espécie im pedirá que o timer de
no ssa sobrevivência continue andando. U m a ciência do com porta­
m ento desenvolvida pode m ais u m a vez d a r às p esso as de boa v o n ta­
de razão p a ra otim ism o sobre n o ssas ch an ces de sobrevivência.
Agradecimentos

E ste é um livro m elhor do que ele teria sido se eu não tivesse


conhecido, aprendido com e sido encorajado por m u itas pessoas
especiais: am igos, p aren tes, colegas, professores e alunos nu m ero ­
sos dem ais p ara nom ear. Alguns eu preciso m encionar, a p e sa r de
se r impossível agradecê-los n a m edida certa: Jo se p h DeRocco fez
u m a revisão crítica e co n stru tiv a d a versão inicial do m anuscrito;
s u a com pletude e profundidade dificilmente seriam esperadas m es­
mo do amigo próximo que ele tem sido desde que m oram os ju n to s
n a graduação. E u espero que ele goste d as m u itas m u d an ças que
se u s com entários e questões sobre estilo e conteúdo produziram .
Rita Sidm an pacientem ente leu o m an u scrito várias vezes, ch am an ­
do atenção p a ra am bigüidades e ten tan d o — nem sem pre com su ­
cesso — tem p erar m inhas críticas, algum as vezes agudas, que se
confrontavam com su a n a tu re z a gentil. E quando, em alguns mo­
m entos, o livro parecia te r pouca chance de ser realm ente publicado,
seu encorajam ento me m anteve trab alh an d o . G arth Fletcher, que
com eçou como m eu aluno e se to rn o u m eu professor, guiou-m e
através dos in trincados cam inhos do co m p u tad o r que, hoje, facili­
tam a publicação. Assim, ele adicionou m ais um ato de am izade aos
m uitos que já havia praticado.
I
Sumário

Agradecimento...................................................................................... xi
Prefácio..................................................................................................vii
Introdução................................................................................................... 17
Nós fazemos isso o tempo todo....................................... .......................... 17
Análise do comportamento........................................................................ 20
Análise do comportamento, punição, terapia e le i............................21
A complexidade da conduta desafia a análise............................................. 25
O laboratório pode nos dizer alguma coisa?.............................................. 27
Os não-humanos têm algo a nos dizer?............................................. 28
Nós já sabemos tudo?................................. ...................................... 30

CAPITULO 1: ESTE MUNDO COERCITIVO..................................33


O ambiente hostil.........................................................................................35
A comunidade hostil................................... ................................................ 39

CAPITULO 2: NEM TODO CONTROLE É COERÇÃO...................44


Controle comportamental...............................................................................44
Comportamento................................................................................. 44
Comportamento e suas consequências.............................................. 48
0 que é coerção? ........................................................................................51
Reforçadores e Reforçamento............................................................ 51
Reforçamento positivo e negativo.................. .......... ....................... 55
Punição..... ........................................................................................ 59

xiii
CApÍTulo 5: l_AboRATÓRÍo de iyiarFíiyi ou estu Fa dE vidRO?........................ 65
A c o n d u ta pode s e r a n a lis a d a ? ..................................................................... 65
O q u e significa “fazer u m ex p erim en to ”? ................................................... 69
Do ra to à h u m a n id a d e ...................................................................................... 74

CApÍTulo 4 ; A puNiçÃo Funcíoina?.................................................................... 80


O q u e h á n ela p a ra n ó s ? .................................................................................. 80
Como se e s tu d a a p u n iç ã o ? ............................................................................ 83
O q ue re a lm e n te a c o n te c e ? ............................................................................. 85

CApÍTulo 5: ToRNANdo^SE UM CHOQUE............................................................. 92


P unição tem efeitos c o la te ra is........................................................................ 92
De m al a pior: com o novos p u n id o re s são c o n s tr u íd o s ......................... 94
A im p o rtâ n c ia d a p u n ição c o n d ic io n a d a ................................................... 101

CApÍTulo 6: FuqA.................................................................................................. 104


A prendendo p o r m eio d a fu g a ........................................................................ 107
R eforçam ento negativo e p u n iç ã o ................................................................ 111

CApÍTulo 7: Rotas òe fuqA....................................... ......................................... 113


D e slig a n d o -s e ...................................................................................................... 113
Crise de gerenciamento .............................................................................. 114
Deixe o Zé Jazer isso .................................................................................... 115
Fazer nada ................................................................ .................................... 116
D e s is tin d o ............................................................................................................. 117
Desistindo da escola ................................................................................... 118
Desistindo da família ................................................................................... 124
Desistindo da religião.................................................................................. 125
Desistindo da sociedade ............................................................................. 129
Suicídio ............................................................................................................. 132

CApÍTulo 3: Esquíva............................................................................................ 135

U m a p ita d a de p re v e n ç ã o ............................................................................... 135


As c a u s a s d a e sq u iv a ........................................................................................ 136
Choque futuro? .............................................................................................. 137
Mito #1: “expectativas”como c a u sa s .................................................... 139
Mito #2: “medo”e “ansiedade " como causas ...................................... 140
Esquiva sem sinais de aviso ..................................................................... 144

xiv
CApÍTulo 9: ApRENCÍEI\do POR meío cIa esquíva............................................. 146
O que m ais vem com a esq u iv a ? .................................................................... 149
Mantenha seu nariz longe de problem as .............................................. 149
Não balance a canoa ..................................................................................... 150
Mate-os to d o s .................................................................................................. 151
A prendizagem le n ta ............................................................................................. 152
Espere até que d o a ........................................................................................ 153
Destruição nuclear: ela é evitável? .......................................................... 154
Não pode acontecer comigo ........................................................................ 155
S u p e rstiç õ e s........................................................................................................... 156
E vitando o in e v itá v e l.......................................................................................... 157
F uga d a e s q u iv a ................................................................................................... 162

C apítuIo 10: C omo nos esquívamos? .............................................................. 165


E squiva a d a p ta tiv a .............................................................................................. 165
P erm an ecen d o fora do m u n d o ........................................................................ 167
Não é p ro b lem a m e u .......................................................................................... 168
Q uem p o rá a bo ca n o tr o m b o n e ? .................................................................. 173
Se vende, deve se r b o m ..................................................................................... 176

C apítuLo 1 1: N eurose e doENÇA mentaI ......................................................... 179


M ecanism os de d efesa c o n tra a c o e rç ã o ..................................................... 179
F o b ia s ............................................................................................................... 180
Formação de reação ...................................................................................... 182
Sub limação ....................................................................................................... 183
Projeção............................................................................................................. 184
Deslocamento .................................................................................................. 185
Regressão ......................................................................................................... 186
Obsessões e compulsões ............................................................................. 187
Desordens de conversão ............................................................................. 189
Amnésia, fuga e personalidade múltipla ................................................ 190
O q u e é “a n o rm a l”? ............................................................................................. 193

CApíruio 1 2: C oerção e a conscíêncía.......................................................... 197


O rigens d a c o n s c iê n c ia ..................................................................................... 198
C o n sciên cia e c o n tr o le ...................................................................................... 202
Podemos confiar na consciência?-............................................................ 203

CApÍTulo 1 5: Entre a cruz e a caIcIeírínÍha.................................................... 207


S u p re s s ã o co n d icio n a d a.................................................................................... 208
Fora do laboratório......................................................................................... 211
Á economia da ansiedade ........................................................................... 216

XV
CApÍTulo 1 4 : C oerção qera coerção............................................................. 220
A g re ssã o ................................................................................................................. 2 20
C o n tra c o n tro le ..................................................................................................... 2 24
Quem controla quem? .................................................................................. 228

C.ApÍTulo 1 5: P or que Fazemos isso ?............................................................... 23 1


C ria tu ra s do m o m e n to ...................................................................................... 231
“C oerção é fácil"................................................................................................... 232
A lgum a coerção é in e v itá v e l............................................................................ 233
A tos de D e u s ................................................................................................... 233
Competição ..................................................................................................... 234
Caridade ........................................................................................................... 238
Autodefesa e vingança ................................................................................ 241

CApÍTulo 1 6: ExÍSTE AlquM OUTRO CAMilNlho?.................................................. 246


U m p rin cíp io n o r t e a d o r ................................................................................... 2 47
Use o reforçamento positivo ....................................................................... 248
O refo rçam en to positivo em c a s a ................................................................ 250
O refo rçam en to positivo em in s titu iç õ e s .................................................. 255
O uso incorreto da privação ...................................................................... 256
Time-out e seus a b u so s .............................................................................. 259
A s prisões como ambientes de aprendizagem ....................... ............. 261
O re fo rçam en to positivo e a le i..................................................................... 265
A policia: de que lado está ? ...................................................................... 2 66

C apítuIo 1 7: Exíste AlquM outro camínNo ? ( contíinuação) ...................... 276


R eforçam ento positivo em d ip lo m a c ia ........................................................ 2 76
Pombas e águias ........................................................................................... 2 76
Generais fam intos ......................................................................................... 2 78
Bons vizinhos? ............................................................................................... 279
T rctgédia africana .......................................................................................... 281
Cidadãos do m undo ..................................................................................... 283
Terrorismo ....................................................................................................... 286
R eforçam ento positivo n a e d u c a ç ã o ............................................................ 2 88
Aprendizagem por tentativa e erro. Tentativa de quem?
Erro de quem ? ............................................................................................ 2 90
O que é um programa de ensino? ............................................................ 291

índice re m issiv o ................................................................................................... 293

xvi
Introdução

A p en a de m orte detém a ssassin o s em potencial? A retaliação


d u ra é a resp o sta a problem as de disciplina em n o ssa s escolas? A
punição é um meio aceitável de im pedir crianças a u tista s e re ta rd a ­
d as de d estru ir a si m esm as e a seu am biente? É sequer um modo
efetivo de tra ta r estes problem as? E stas e questões correlatas vêm
gerando atu alm en te apaix o n ad a controvérsia pública, em geral in ­
ten sam en te polarizada m as raram en te b asead a em evidências. E
ainda assim , sérios como são, estes problem as rep resen tam apenas
a p onta do iceberg. Eles são in stân cias isoladas de u m fenômeno
m uito m ais amplo: o uso q u ase exclusivo de coerção em to d as as
esferas de interação h u m an a.
Por coerção eu me refiro a nosso uso d a punição e da am ea­
ça de punição para conseguir que os outros ajam como nós g o staría­
mos e à n o ssa prática de recom pensar p esso as deixando-as escap ar
de n o ssas punições e am eaças. Precisam os sab er m ais sobre coerção
porque é como a m aioria d as pessoas te n tam controlar u n s aos
outros: ‘T orça-o até que ele faça certo”, ou "Dê-lhe u m doce, m as se
ele não fizer o que você quer, tire-o”.

Nós fazemos isso o tempo todo


Algumas pessoas acham difícil im aginar qualquer outro cam i­
nho; elas nem sem pre estão conscientes do que estão fazendo. Todo
m undo, u m a vez ou outra, t.-nta influenciar por meio de encoraja­
18 M urray S id m a n

m ento, lisonja, elogio ou recom pensa, m as ao m esm o tem po deixan­


do implícito que o não-atendim ento às exigências e às expectativas
fará com que m esm o recom pensas que já ten h am sido g an h as sejam
retiradas. Freqüentem ente dam os dinheiro, s tatus, reconhecim ento e
am or apenas p ara m an ter u m a vantagem em n o ssas interações com
os outros; concedem os ou arranjam os estes resu ltad o s desejáveis
principalm ente de modo que possam os, então, tom á-los de volta se
nosso filho, esposo, sócio ou aluno param de satisfazer n o ssas p ró ­
prias necessidades, ou não atingem as exigências que estabelecem os.
N aturalm ente, pesso as u sam técnicas não-coercitivas, m as quase
sem pre inabilm ente em com binação com coerção. A aplicação de
form as não-coercitivas de controle tem sido insignificante em com pa­
ração com o recurso h ab itu al da h u m an id ad e à coerção.
A inda assim , a evidência derivada d a análise do com porta­
m ento nos diz que m esm o quando a coerção atinge seu objetivo
im ediato ela está, a longo prazo, fadada ao fracasso. Sim, podem os
levar pessoas a fazer o que querem os por meio d a punição ou da
am eaça de puni-las por fazer q u alquer o u tra coisa, m as q u an d o o
fazemos, plantam o s as sem entes do desengajam ento pessoal, do iso­
lam ento d a sociedade, d a neurose, da rigidez intelectual, d a h o stili­
dade e da rebelião.
R ealm ente podem os levar crian ças a ap ren d er p u n in d o -as
por não aprender. E sta é a p rática padrão. Mas m u itas crian ças a
quem ensinam os deste modo crescem m enosprezando professores,
odiando a escola e evitando o trab alh o de aprender. Mais tarde,
como adultos, podem falar com adm iração dos professores que “não
toleravam tolices”, m as ao m esm o tem po negligenciam ou evitam
ativam ente oportun id ad es de educação ou treinam ento contínuos. E
crianças que te n h am sido expostas som ente ao ensino coercitivo
provavelm ente deverão seguir o mesm o modelo qu an d o elas m esm as
to m arem -se professores ou pais. P ráticas coercitivas n a educação
formal e no lar co n tin u am de geração em geração, to rn an d o -se e n ­
raizadas no treino de professores e aceitas pela com unidade.
Em casa, ab u so físico e verbal pode, realm ente, m a n ter filhos
e esposos subservientes às n o ssa s próprias necessidades e aos n o s­
sos desejos. Você pode reger s u a família “fazendo cu m p rir a lei”,
punindo todas a s infrações. Pais podem expressar desprazer com
crianças e esposos u n s com os outros, batendo neles ou isolando-os,
retirándo posses e privilégios, ou deixando de se com unicar — im pe­
dindo que o ofensor receba seu afeto. Q uaisquer d estas punições
to m a rã o a ofensa m enos provável de ocorrer novam ente. As form as
Coerção e s u a s im plicações 19

m ais su tis de desdém intelectual e sexual tam bém podem efetiva­


m ente m a n ter o domínio geral de u m parceiro sobre o outro.
Mas to d as e sta s form as de coerção fam iliar to rn am o lar um
lugar do qual fugir. A ntes que a fuga real seja possível m uitos que
são m antidos sob tiran ia aprendem eles m esm os as m an eiras de
coerção e term in am como crianças-problem a, ap ro p rian d o -se de
m ais do que é a s u a p arte do tem po, dos recu rso s financeiros e
em ocionais da fam ília. Mais tard e, como pais, n ão conhecendo
qualquer o u tra m aneira, to rn am -se eles m esm os os tira n o s d a fam í­
lia. A coerção tran sfo rm a o casam en to em escravidão e atos de
am or em m eros ritu ais, form alidades a serem o bservadas com o
objetivo de m a n ter a paz ou evitar o terror. M uito freqüentem ente, o
casam ento é u m a relação de coerção, n ão de am izade. D entre as
conseqüências deste tipo de relação serão en co n trad o s divórcio,
abandono, doença m en tal e suicídio.
Em pregadores podem, realm ente, m an ter seu s em pregados
em seu s lugares am eaçando-os de despedi-los se eles saírem e tr a ­
balhadores podem asseg u rar salários m aiores am eaçando o patrão
de fazer greve. O su cesso do m ovimento tra b a lh ista tem, seg u ram en ­
te, reduzido exploração e elevado os padrões de vida, e parece claro
agora que estes objetivos n u n c a teriam sido atingidos a não ser por
técnicas coercitivas. E ain d a assim , a m oderna negociação in stitu ­
cionalizada, que ritualizou a d an ça de g u erra da am eaça, d a contra-
am eaça e da negociação (su sten tad a pelas am eaças reais de greve e
lockout], to m o u a produtividade do trab alh ad o r u m a m oeda de b a r­
g an h a cujo valor não pode exceder o limite especificado no contrato.
Por c a u sa disso, m uitos trab alh ad o res que excedem a cota de pro­
dução são colocados no ostracism o e atacad o s por seu s com panhei­
ros de trabalho.
Da p arte dos proprietários e d a gerência, a negociação in sti­
tucionalizada torn o u com pensação, benefícios indiretos, divisão de
lucros, sim ples respeito pessoal e preocupação h u m a n a geral pelo
bem -estar dos trab alh ad o res em contram oedas a serem valorizadas
não m ais do que o necessário p ara por fim a u m a am eaça de greve
ou en cerrar u m a paralisação do trabalho. Em u m a h istó ria que
ainda continua, um em pregador a quem se pediu algum sin al de que
ele apreciava o bom trab alh o que seu s em pregados estavam fazendo,
replicou: “O que você quer dizer com apreciar? Eu não estou pagan
do-os por um bom trab alh o ?”
Um resultad o freqüente d esta coerção m ú tu a é u m desloca­
m ento de energia e atenção dos objetivos originais de u m a organiza­
ção p a ra a m anu ten ção de posições de b arg an h a. A produtividade,
20 M urray S id m a n

tan to do trab alh o qu an to da gerência, declina à m edida que o em ­


pregador e o em pregado finalm ente p assam a fazer pouco m ais do
que é necessário p a ra co n trab alan çar a s am eaças um do outro.
Q ualquer in stâ n cia de u m a cooperação n ão -au to rizad a pode desfa­
zer o delicado equilíbrio d a coerção e contracoerção.
Um sistem a de ju stiç a que é baseado ap en as n a punição por
tran sg red ir a lei realm ente m antém m u itas p esso as no cam inho
certo e provê satisfação p a ra aqueles que b u scam revanche sobre os
tran sg resso res. Um código legal coercitivo tam bém gera, p ara m uitos
que estão sujeitos ao sistem a, subterfúgio e desobediência e, p a ra
m uitos que adm in istram e fazem cu m p rir o sistem a, brutalidade.
A m aioria das nações, incluindo as superpotências, afirm a
e sta r b u scan d o a paz e arm ando-se som ente p ara a defesa. Uma
política nacional de m an ter u m “pulso forte” — a ser u sad a, n a tu ra l­
m ente, só em retaliação co n tra agressão — pode, realm ente, m an ter
alinhados econom icam ente e m ilitarm ente outros países. Tal coerção
tam bém cria ciúm es, anim osidades e eventual contracontrole; o m o­
derno terrorism o é um exemplo extremo.
Mesmo a política, o u tro ra recom endada, de que o “dono do
poder" fale suavem ente, ficou pelo cam inho; hoje as su p erp o tên cias
anunciam ostensivam ente a q u an tid ad e de ogivas nucleares, s u b ­
m arinos n u cleares e lançadores de m ísseis que possuem , ten tan d o
asseg u rar que a am eaça de co n tra-ataq u e d eterá qualq u er tentativa
de um prim eiro ataq u e. E sta form a de “diplom acia” produziu a m o­
d ern a corrida por arm as nucleares, com coerção sim plesm ente p ro ­
duzindo m ais coerção. Q uando a sobrevivência p a ssa a depender de
contrapor am eaças, não de produzir e d esfru tar d as boas coisas que
a vida tem a oferecer, o risco que correm os de iniciar u m a agressão
aberta declina, tem os m enos a perder. Q uando um cálculo errado,
um blefe ou um ato de desespero colocará u m fim em tudo isto?

Análise do comportamento
Em b ases h u m a n itárias, m uitos têm questionado a desejabi-
lidade e a utilidade a longo prazo destes m étodos m uito utilizados de
controle com portam ental; ninguém gosta de ser punido e alg u n s não
gostam de p u n ir os outros. Mas, podem os fazer m elhor do que sim ­
plesm ente ap elar p ara nossos preconceitos sobre o que é bom ou
m au, A ciência d a análise do com portam ento contém u m corpo de
princípios e dados que podem prover algum a objetividade p a ra deci­
dir sobre p u n ir ou não. A coerção tem sido intensivam ente investiga­
d a no laboratório com portam ental, com fundos públicos — im postos
Coerção e s u a s im plicações 21

— financiando a m aioria d as pesquisas, m as pouco tem sido co n ta­


do ao público sobre o que tem os descoberto e q u ais são as im plica­
ções p ara a co n d u ta dos problem as do cotidiano.
A com unicação pobre tem levado às conseqüências u su ais:
prim eiro, concepções in corretas sobre a s questões, m étodos, desco­
b erta s e im portância da pesq u isa com portam ental; segundo, u m a
falta de consciência da inform ação e técnicas que poderiam im pedir
a coerção de c o n tin u ar a envenenar n o ssa s interações u n s com os
outros. A judar a estabelecer a com unicação é a principal razão pela
qual eu escrevi este livro.
Um segundo propósito é fam iliarizar pessoas p reocupadas
com a existência de u m a ciência que provê m étodos p a ra form ular e
responder im p o rtan tes questões sobre a co n d u ta h u m an a. A ciência
da análise do com portam ento tem su a s raízes n a filosofia, então
distinguiu-se como um ram o da em ergente disciplina d a psicologia e
está agora no processo de desengajar-se d essa psicologia. O progeni­
tor ain d a não a deixou ir (nem, neste caso, o avô) e lu ta p a ra m an ter
seu dom ínio adm inistrativo dentro d a Academ ia, m as as lin h as de
fra tu ra intelectual estão claras. Psicologia, como o nom e sugere, é a
ciência d a m ente. Análise do com portam ento é a ciência do com por­
tam ento. Muito do que sabem os sobre coerção, o controle do com­
portam ento por meio de punição e de am eaça de punição, veio das
ciências experim ental e aplicada d a análise do com portam ento.

A nálise do comportamento, punição, terapia e a lei. Em bora


te n h am m uito m ais a oferecer, an a lista s do com portam ento são ta l­
vez m ais freqüentem ente cham ados p a ra lidar com problem as de
com portam ento — au todestruição em retard ad o s ou a u tista s, d es­
truição do am biente (exceto, n atu ralm en te, quando os exploradores
fazem isto por lucro), violações de norm as sociais e co n d u tas que
afligem a família e a com unidade. Na m aioria dos casos, eles reali­
zam bem a tarefa, m esm o quando o u tras abordagens fracassaram .
Aqui, en tretan to , é onde o uso de punição tem recebido m aior a te n ­
ção do público. Em bora problem as severos de com portam ento fre­
q üentem ente requeiram m edidas de em ergência, não podem os lidar
com eles de qualq u er form a perm an en te sem prim eiro co n sid erar o
que sabem os sobre o uso de coerção em geral.
Q uando olham os p ara o quadro geral, retratad o no capítulos
su b seq ü en tes, p u n ir ou não p u n ir deixa de ser um problem a gen u í­
no. A resp o sta clara é “n ão ”.
N aturalm ente, casos excepcionais surgem . A lgum as vezes
p unim os porque som os seres h u m an o s falíveis e com etem os erros.
22 M urray S id m a n

Algumas vezes nos falta conhecim ento relevante em situações esp e­


cíficas e nosso uso sem sucesso de outros tratam e n to s nos leva a
aplicar punição p ara salvar alguém de autodestruição. Mesmo q u a n ­
do m étodos que não envolvem punição tiveram quase que completo
sucesso em elim inar a agressão de u m adolescente de q u ase 85
quilos, um reaparecim ento ocasional de um ataq u e que coloca em
risco a vida req u ererá que ele seja “subjugado” e imobilizado até que
o episódio passe. E, como poderem os ver, o efeito supressivo im edia­
to de u m a ú n ica punição pode, realm ente, nos d a r u m a o p o rtu n id a­
de p a ra aplicarm os técnicas não-punitivas efetivam ente.
E stes tipos de casos m arginais não rep resen tam problem as.
Desde que eles se m an ten h am m arginais, o senso com um nos diz
que tem os que u s a r qu aisq u er meios efetivos à mão. E rros, u m a
falta tem porária de inform ação relevante, ou u m a em ergência o ca­
sional podem ju stificar a punição como u m tratam en to de últim o
recurso, m as n u n c a como o tratam en to de escolha. U sar ocasional­
m ente punição como u m ato de desespero não é o m esm o que
advogar o uso da punição como u m princípio de m anejo do com por­
tam ento.
C ontrariam ente ao quadro difundido por críticos desinform a-
dos, coerção não é a b ase d a análise do com portam ento. Além de
nos m o strar que qualquer u so de punição deve ser deplorado, a
análise do com portam ento produziu m u itas altern ativ as efetivas.
Uma contribuição ú n ica têm sido a s incontáveis dem onstrações,
dentro e fora do laboratório, de como u s a r efetivam ente o reforça-
m ento positivo. Por reforçam ento positivo, eu m e refiro à p rática de
recom pensar pessoas não por deixá-las fugir da punição, m as por
deixá-las produzir algo bom. D estacarei m ais tard e as co n seq ü ên ­
cias fu ndam entais e a longo prazo d esses dois m étodos de influen­
ciar a conduta.
Alguns an alistas do com portam ento, como alguns psicólogos,
alguns p siq u iatras e alguns educadores defendem e u sam coerção
como técnica te rap êu tica e educacional. Eles resistem à reg u lam en ­
tação pública, com o argum ento razoável de que o tratam e n to do
doente, do não-educado e do desenvolvim entalm ente incapaz não
poderia ser deixado aos políticos ou ao público bem -intencionado
m as desinform ado, e sim aos qualificados profissionalm ente. Mas,
não é còrreto p ara o an alista do com portam ento reivindicar exceção
da regulam entação pública com b ase no argum ento de que o seu
treino qualifica-o p ara u s a r punição e o u tras form as de coerção.
U ma tal reivindicação é incorreta porque com petência n a aplicação
de punição não é a m arca de u m a n alista de com portam ento qualifi-
Coerção e s u a s im plicações 23

cado. E u não conheço program a de trein am en to ou form ação, seja


em psicologia, psiquiatria, educação ou análise do com portam ento,
que qualifique, quem o cursou, a u s a r punição.
Aqueles que recom endam e u sam choque ou outros in s tru ­
m entos de coerção como u m a técnica terap êu tica estão agora desco­
brindo que têm de se defrontar com as conseqüências de seu próprio
com portam ento. A preocupação pública ju stificad a a respeito dos
padrões de com petência e de ética dentro d estas profissões está
produzindo tentativ as em vários estados p ara restringir, pela lei, o
uso de técnicas terap êu ticas coercitivas. Infelizmente, alg u m as d e s­
ta s leis proibiriam até m esm o a própria p rática de análise do com ­
portam ento. E ste su b p ro d u to do uso da coerção deveria te r sido
previsto. Q ualquer um familiarizado com a literatu ra experim ental e
qualquer observador experiente da co n d u ta fora do laboratório sabe
que a coerção, se não p u d er ser en fren tad a de qualq u er o u tra m a­
neira, finalm ente gera contracontrole. Os que u sam coerção podem
esp erar retaliação. (Eu espero te r consideravelm ente m ais a dizer
sobre o contracontrole como u m a conseqüência d a coerção.)
As boas intenções dos an alistas do com portam ento não os
eximirão deste princípio empírico. Ainda pior, é provável que a co­
m unidade coloque ju n to s todos os an alistas de com portam ento sob
o estereótipo de p ratican tes da coerção. Os perdedores, em ú ltim a
instância, serão, n atu ralm en te, os clientes. A eles serão negados os
benefícios das m u itas técnicas não-coercitivas de análise do com por­
tam ento que provaram ser efetivas, freqüentem ente as ú n ic as for­
m as efetivas de tratam en to .
As s u a s boas intenções tam bém não eximirão os an a lista s do
com portam ento de o u tras leis do com portam ento. D esde que u m a
única in stâ n cia de punição pareça funcionar, interrom pendo o com ­
portam ento perigoso, ofensivo ou inconveniente de um único cliente,
o uso de punição pelo an alista será reforçado. O que quer dizer, ele
ou ela fará isto de novo... e de novo, e de novo, e de novo. O público
está certo em ficar alarm ado. O uso bem -sucedido de u m aguilhão
de gado produzirá m ais uso e ninguém , nem m esm o o te ra p eu ta,
sab erá se ele ou ela está u san d o choque porque n a d a m ais funcio­
n a rá ou porque isto funcionou an tes em circu n stân cias que podem
bem te r sido diferentes. T erapia coercitiva produz te ra p e u ta s coerci­
tivos.
M uitos terap eu tas estão desejosos de aceitar restrições ao
u so de terapia coercitiva, concordando, por exemplo, que não u sarão
coerção exceto quando n en h u m procedim ento positivo solucionar o
problem a. Em princípio, não posso discordar d esta condição razoá-
24 M urray S id m a n

vel e bem -intencionada. De fato, creio que o pré-requisito — n ad a


m ais funciona — raram en te é atendido. Eu iria tâo longe a ponto de
dizer a qualquer um que afirm asse ter tentado tudo o mais: “Diga­
me tudo que você fez. Eu, então, sugerirei um procedim ento que
você não te n to u .” Indubitavelm ente, eu seria, algum as vezes, in c a ­
paz de fazer isto, m as, creio, não m uito freqüentem ente.
Considero com cuidado até m esm o a afirm ação do te ra p eu ta
de que ele ou ela u s a a su p ressão tem porária pós-punição de com ­
portam ento indesejável como u m a o portunidade p ara en sin a r com ­
portam ento desejável. Em um videoteipe feito especificam ente p ara
d a r suporte ao uso de choque em casos de au to d estru ição de a u tis ­
tas. vi a criança “tratad a" term in ar ch u p an d o seu dedão em frente
de um a televisão. G ostaria de ter visto m ais dem onstração de ensino
efetivo no filme, com m enos ênfase sobre a sofisticação técnica do
sistem a liberador de choque, Com isto eu teria m ais confiança que
procedim entos construtivos de follow up estivessem realm ente em
ação.
Em geral, eu me sen tiria m ais confortável com o arrazoado
de que nada m ais funciona, se aqueles que u sam este arrazoado
p ara ju stificar o que é cham ado ‘‘terapia aversiva” considerassem ,
em vez disso, cad a caso ap aren tem en te intratável como um desafio.
Se eles enfrentassem todo desafio ten tan d o novas abordagens, seria
m enos provável que eu su sp e ita sse de que eles estão desistindo
m uito facilm ente. Q uando eles autom aticam ente recorrem à coerção,
não consigo me im pedir de in d ag ar se eles estão sim plesm ente co n ­
form ando-se ao p adrão de p ráticas sociais, em vez de fazer a co n tri­
buição ú n ica p ara a qual s u a profissão su p o stam en te os treinou.
Coerção b ru ta não é análise, de com portam ento.
Mas sim , eu poderia ser um pouco m ais tolerante com rela­
ção à reivindicação de que eles estão u san d o intervenções coerciti­
vas porque n ad a m ais funciona. Se eu visse, então, não ap en as o
com portam ento p aran d o , m as com portam ento sendo construído,
m enos provavelm ente eu haveria de considerá-los como u san d o em
vão o nom e de su a ciência, seja ela a psicologia ou a análise do
com portam ento.
Vale a pena repetir que punição u sad a em em ergências, ou
por cau sa de ignorância total ou m om entânea de métodos altern ati­
vos, não dã à punição o sta tu s de um princípio terapêutico. Coerção
não é um princípio da análise do com portam ento aplicada. Em bora
alternativas ã coerção tenham sido freqüentem ente planejadas não
para propósitos práticos, m as p ara o estudo de processos com porta-
m entais fundam entais, os m étodos estão disponíveis p ara aplicação
Coerção e s u a s im plicações 25

fora do laboratório. O fato de que m u itas das pesquisas são feitas


com com putadores e m esm o com n ão -h u m an o s não deveria a p re ­
se n ta r dificuldades p a ra um bem -treinado observador do com porta­
mento.
As incontáveis dem onstrações, d entro e fora do laboratório,
de como u s a r efetivam ente m étodos positivos tèm sido u m a co n tri­
buição ú n ic a d a an álise do com portam ento. Princípios gerais e tec­
nologias educacio n ais e te ra p êu ticas específicas têm evoluído, p ro ­
vavelm ente com docum entação m ais sólida n a lite ra tu ra experim en­
tal e clínica do que q u alq u er o u tra metodologia ja m a is obteve. Re-
forçam ento positivo, não coerção, é a m arca d a an álise do com por­
tam ento.
A nalistas do com portam ento e te ra p eu tas de todo tipo pode­
riam aju d ar-se m ais e ao m esm o tem po co n trib u ir de form a ú n ica
para a sociedade, estim ulando restrições sobre o uso de punição
dentro da profissão. Em vez de exigir que um público justificada-
m ente cético nos perm ita fazer o que desejam os, faríam os m elhor
tan to p a ra nós m esm os como p ara o público em geral defendendo,
tornando públicos e en sin an d o m étodos alternativos de educação e
tratam en to que n o ssa ciência to m o u disponíveis.
A análise do com portam ento é aplicável em contextos m uito
m ais am plos do que ap en as no do com portam ento de incapacitados
congênita ou desenvolvim entalm ente. Aplicações de punição a aq u e­
les tipos de problem as de com portam ento são exem plos isolados de
um fenóm eno m uito m ais difundido: o u so q uase exclusivo de coer­
ção em qu ase todos os tipos de interação h u m an a. Uma vez que
olhem os p ara os u so s e efeitos de punição em todos os aspectos de
nossas vidas poderem os ver que n o ssa ciência tem contribuições
positivas a fazer em m u itas esferas da atividade h u m a n a — ed u ca­
ção, diplom acia, o arranjo da lei, a un id ad e da família. Em vez de
aceitar au to m aticam en te as p ráticas tradicionais n e ssa s áreas, e s tu ­
diosos do com portam ento poderiam e s ta r alertando o público que
existe evidência considerável a favor de m udança. Em s u a prática
profissional, em vez de sim plesm ente refinar m étodos trad icio n ais de
aplicação de coerção, poderiam estar en sin an d o altern ativ as m enos
conhecidas e, a longo prazo, m ais efetivas.

A complexidade da conduta desafia a análise?


Os fatores que governam n o ssa co n d u ta cotidiana realm ente
interagem de m an eiras que são com plexas, m utáveis e freq ü en te­
m ente não diretam ente analisáveis. Em bora este livro descreva al-
26 M urray S id m a n

g u n s m étodos e resu ltad o s de p esquisa básica, agi, tam bém , com


b a sta n te liberdade ao mover-me do laboratório p a ra o m undo, ex tra­
polando das condições cuidadosam ente controladas que g aran tem a
confiabilidade dos resu ltad o s experim entais. Acredito que as ex tra­
polações são ju stificad as; o laboratório tem nos ensinado sobre os
a ssu n to s h u m a n o s m uitíssim o m ais do que até m esm o m uitos in ­
vestigadores gostariam de reconhecer.
Bolas de aço descendo planos inclinados em laboratórios de
física n a gradu ação parecem não ter relação com folhas caindo de
árvores n as florestas, ain d a assim todos os corpos em q u ed a obede­
cem à s m esm as leis físicas. Podemos dizer, de modo sem elhante,
que em bora a punição de sujeitos por a p ertar u m botão no laborató­
rio com portam ental ten h a,"à prim eira vista, p o u ca sem elh an ça com
o espancam ento de u m a criança por dizer um “palavrão”, ain d a
assim , todas as ações p u n id a s obedecem às m esm as leis com porta-
m entais? N aturalm ente, u m a tal asserção não pode ser provada
experim entalm ente; o resto do m undo não é sujeito aos controles do
laboratório. Mas isto tam bém é verdadeiro a respeito de folhas em
queda e era verdadeiro a respeito d aquelas extrapolações de re s u lta ­
dos de laboratório que colocaram, pela prim eira vez. o hom em n a
Lua. A prova de tal aplicabilidade não vem de experim entos, m as da
experiência prática.
Teoricam ente é possível que algum as dim ensões da realidade
(física, quím ica, biológica) sejam suscetíveis de estudo e verificação
científica enquan to o com portam ento não. E ntretan to , e sta teoria,
até onde fomos capazes de testá-la, no laboratório e fora dele, não
funcionou.
Por m uito tem po se afirm ou que o com portam ento era não-
analisável m as, então, alguns pesquisadores pioneiros en co n traram
ordem no com portam ento de organism os "inferiores” — insetos, c a ­
m undongos, ratos, gatos e cachorros. O grito im ediatam ente foi la n ­
çado. “Sim, m as não p esso as.” E ntão a m esm a ordem que foi vista
em não -h u m an o s com eçou a ap arecer em estu d o s com p esso as e o
grito m udou; “E stá certo, p esso as deficientes, talvez — os não-inteli-
gentes e com lesões cerebrais — e m esm o assim , certam ente, ap en as
em laboratórios artificialm ente controlados, escolas prim árias, in s ti­
tuições p a ra doentes m entais ou prisões.”
Logo os resultados de laboratório com eçaram a ser aplicados
com sucesso em am bientes clínicos, universidades e em presas. Mais
ú m a vez ò grito m udou; “Sim, sim, m as com tipos de com portam ento
hu m an o tão simples! E a respeito de linguagem , criatividade, d esen ­
volvimento m ental, o gosto artístico e as coisas intangíveis d a vida?”
Coerção e s u a s im plicações 27

E agora que a an álise do com portam ento com eça a se am p liar erri
algum as d essas áreas (não todas — as fro n teiras ja m a is d esap arece­
rão). os gritos ad q u iriram um tom de alarm e: “A plicando princípios
gerais ao com portam ento h u m a n o vocês nos desu m an izam !”
A astrono m ia tam bém já foi a c u sa d a de tira r a T erra do
centro de Universo e a biologia evolucionária de d e stru ir nosso s ta ­
tus como criação especial de Deus. E porque an a lista s do com porta
m ento bem -sucedidos estão identificando variáveis que controlam
algum as de n o ssa s co n d u tas m ais com plexas e apreciad as, o p úbli­
co com eça a vê-los — como a outros cien tistas — como querendo,
eles m esm os, exercer controle. Eles to rn aram -se su bm etidos ao este­
reótipo p o p u lar do cientista louco inclinado a controlar o m undo.

O laboratório pode nos dizer alguma coisa?


A suposição de que resu ltad o s do laboratório com portam en-
tal, m esm o de su jeito s n ão -h u m an o s, podem ser estendidos p ara o
m u n d o dos h u m a n o s até aq u i se confirm ou. G eneralizações de ob­
servações de laboratório estão se d em o n stran d o bem -sucedidas em
m ais e m ais áreas da co n d u ta h u m a n a e m ais u m a vez a análise do
com portam ento parece e s ta r d em o n stran d o o poder e a utilidade de
um a abordagem científica a u m objeto de estu d o até então recalci­
tran te.
H istoricam ente, o salto da torre de m arfim tem se justificado
am plam ente. O avanço do conhecim ento, desde seu s inícios com a
curiosidade h u m a n a, seguiu u m cam inho m uito trilh ad o e d em o n s­
trado. C om eçando com teoria a b s tra ta e os am bientes artificialm en­
te controlados da aren a intelectual, cam inham os p a ra os testes
práticos no m ercado com ercial e daí p a ra o gerenciam ento m ais
eficiente de nosso am biente físico. Agora, finalm ente, cam inham os
para a excitante possibilidade de esten d e r e alarg ar as capacidades
h u m a n a s.
N aturalm ente, afirm ar u m a com preensão que não tem os é
injustificado e pode ser perigoso. A inda assim , não com partilhar o
que sabem os pode ser ain d a m ais perigoso, p articu larm en te quando
esse conhecim ento dita a ação. Como enfatizarei seguidas vezes, o
predom ínio d a coerção é responsável por m uitos dos m ais sérios
problem as da sociedade; n o ssa dependência co n tín u a da coerção em
relações internacio n ais am eaça agora nos levar ao exterm ínio m ú ­
tuo. N estes tem pos de crise, cuidado em dem asia, não inform ar
aqueles que financiaram a p esq u isa com portam ental de que eles
28 M urray S id m a n

precisam a te n ta r p a ra os resu ltad o s é m ais perigoso do que ex trap o ­


lar m uito am plam ente.
Além disso, o que vemos nos experim entos dirige n o ssa ob­
servação fora do laboratório e nos auxilia a en co n trar consistência
n a ap aren tem en te d eso rd en ad a vida cotidiana. Isso não é supersim -
plificação: é um modo especial de olhar p ara o m undo que pode nos
aju d ar a com preendê-lo e, freqüentem ente, a fazer algo a respeito de
seu s problem as. O an alista experim ental do com portam ento, que
ten h a visto o quão poderosam ente conseqüências influenciam a co n ­
du ta, pode freqüentem ente cortar cam inho elim inando m u itas irrele­
vâncias e determ in ar exatam ente porque u m a crian ça faz b irras,
porque um jovem ab an d o n a a escola ou porque um terro rista conti­
n u a a ra p ta r e a m atar. O an alista experim ental, que te n h a visto
pequenas alterações do am biente interrom per u m a ação em a n d a ­
m ento e im ediatam ente iniciar novo com portam ento freqüentem ente
será capaz de p a ra r a au todestruição de um cliente m ud an d o o
am biente em vez de aplicar coerção. Penso que é im portante p ara
an alistas do com portam ento, como p ara cien tistas de laboratório de
todos os tipos, p artilh ar s u a s m aneiras especiais de o bservar e in te r­
p retar eventos cotidianos.
P ara prom over u m a m aior com preensão da análise do com ­
portam ento e de como ela contribuiu p ara n o ssa com preensão da
coerção, descreverei alguns arranjos básicos de laboratório. O bser­
var estes experim entos to rn a familiares, com u m a nitidez inesquecí­
vel, os produtos com portam entais de am b as a s p ráticas, coercitivas
e não-coercitivas. N ada é tão instrutivo como as profundas m u d a n ­
ças que ocorrem no com portam ento de um sujeito experim ental
quando, por exemplo, alteram os levemente a relação entre o que ele
faz e o que acontece su b seq ü en tem en te no am biente. Ler não s u b sti­
tui o ver, m as as descrições ain d a podem nos aju d a r a nos to rn a r­
mos cientes de que é possível descobrir como a coerção funciona e
que altern ativ as estão disponíveis.

Os não hum anos têm algo a nos dizer? Fora do laboratório


aprovam os a pu n ição e freqüentem ente a prescrevem os como o
m é to d o . indicado p a ra controlar os outros. Na m aioria d as vezes
infligimos privação, desconforto e dor em ocional e física severas
u n s aos outros, m u itas vezes sem q u alq u er hesitação, m as re c u a ­
mos q u ando se tra ta de p u n ir p esso as em situ açõ es co n tro lad as de
laboratório. Como um modo de vida, coagir os o u tro s p a ra o e n ­
grandecim ento pessoal ou social é a norm a. Coagi-los tem p o raria
m ente em um experim ento, em nom e de se obter inform ação e de
Coerção e s u a s im plicações 29

talvez to rn ar-se capaz de in terag ir m ais efetivam ente u n s com os


outros, é proibido. A pró p ria n a tu re z a do problem a im pede o u so de
sujeitos h u m a n o s nos estu d o s de laboratório de p u n ição . P ortanto,
sujeitos n ão -h u m a n o s predom inaram .
Faríam os u m a boa ação p ara a h u m an id ad e se nos proibís­
sem os de obter o conhecim ento que continuam os a derivar do e s tu ­
do científico de nossos p aren tes não -h u m an o s? Nós, que somos
afortunados o suficiente p ara nos m anterm os livres de desordens
desconfortáveis, incapacitadoras, ou que am eaçam a vida, podería­
mos te r o poder de negar a possibilidade de saú d e e até m esm o da
própria vida p a ra aqueles que n asceram com ou ad q u iriram doen­
ças?
A m aioria dos p esq u isad o res que infligem dor em se u s sujei­
tos com o propósito específico de e s tu d a r a coerção n ão e stá sendo
im p en sad am en te cruel. Eles são indivíduos com prom etidos, preo­
cupados com n o ssa aceitação im p en sad a e m esm o com n o ssa p rá ti­
ca casu al de infligir dor e o u tras form as de coerção u n s aos outros.
Eles b aseiam su a experim entação, prim eiram ente, no que eles p e r­
cebem como u m a necessidade urgente de inform ação sobre um
grave problem a h u m an o e, em segundo lugar, n a convicção de que
os n ão -h u m an o s fornecerão inform ações que podem a ju d a r a preve­
n ir sofrim ento h u m a n o adicional. Obviam ente, crueldade fria deve
ser condenada e odiada. A p esq u isa co m portam ental sobre coerção
deve colocar n a b alan ça, de um lado, os choques e o u tro s descon-
fortos sofridos p o r um nú m ero relativam ente reduzido de sujeitos
n ão -h u m a n o s e, de outro, a prevenção potencial de dor in te n sa que
infligimos u n s aos o u tro s e a redução no nú m ero de vidas h u m a n as
d estro çad as que são u m resu ltad o característico do controle coerci­
tivo.
N aturalm ente, este mesm o raciocínio é freqüentem ente utili­
zado p a ra ju stificar algum as form as de coerção h u m a n a. Por exem ­
plo, punim os crim inosos p ara o benefício da sociedade ou jogam os a
bom ba atôm ica sobre o Ja p ã o p ara term in ar a g u erra m ais cedo e
salvar vidas. Terei m uito m ais a dizer sobre tais práticas. Tornar-se-
á evidente que, além de se u s propósitos claram ente afirm ados, elas
têm resu ltad o s indesejáveis que nem sem pre são evidentes, m as que
a p esq u isa tornou claram ente visíveis. Tam bém estes resu ltad o s têm
de ser postos n a b alan ça quando pesam os os prós e os co n tras do
controle coercitivo. O mesm o é tam bém verdade p ara a ex perim enta­
ção e até mesm o p a ra a p rática terapêutica. Devemos considerar
todos os resu ltad o s potenciais. P esquisa com n ão -h u m an o s to m o u
30 M urray S id m a n

possível avaliar os resu ltad o s de p ráticas coercitivas aplicadas por e


contra hum anos.
M uitos m antêm a opinião de que anim ais n ão -h u m an o s
n ad a podem nos dizer sobra a co n d u ta h u m a n a. O que podem os
aprender sobre nós m esm os observando m acacos, cam undongos,
ratos, p ássaro s, cães ou gatos? Mais tard e descreverei em m aiores
detalhes como descobrim os se n o ssas observações realm ente se apli­
cam m ais generalizadam ente. Neste ponto, deixe-me ap en as dizer
que, diversam ente do que p o ssa parecer p a ra alguns, aprendem os
m uito sobre nós m esm os observando outros anim ais em seu h áb itat
e em laboratórios. Não podem os ap ren d er tu d o desse modo, m as
n ão -hum anos nos en sin aram m uito sobre nós m esm os. Este não é
um tem a p ara debate; é u m fato. M uitos processos de aprendizagem
são com uns a todos os mamíferos; as regiões m ais antigas de n osso
cérebro, do ponto de vista da evolução, estão intim am ente envolvi­
das com com portam ento emocional; a linguagem com plexa, em bora
exclusiva dos hum an o s, tem m uitos aspectos não-verbais que o b ser­
vam os em não-hum anos. Mesmo que se prove haver d escontinuida-
des n a evolução dos processos com portam entais, seria triste que
preconceitos sobre a superioridade e singularidade dos h u m an o s
nos im pedissem de reconhecer as continuidades que realm ente exis­
tem de u m a espécie p ara a outra.

Nós j á sabem os tudo? Freqüentem ente ouvim os a opinião de


que estudos experim entais sobre coerção n ad a nos dizem que já não
saibam os; portanto, não podem os ju stificar p esquisa de laboratório
sobre punição seq u er como um meio de obter conhecim ento e com ­
preensão. ‘Todo m undo sabe que ser punido provoca fuga e esquiva.
Você tem de m ach u car m acacos p ara sab er que dor provoca ag res­
são? Nós não precisam os de pesq u isa de laboratório p a ra nos dizer o
que já sabem os.” Eu desejaria que tudo isto fosse verdade. Se já
com preendêssem os a s conseqüências do controle coercitivo, real­
m ente seria desnecessário realizar os experim entos. Se realm ente
entendêssem os que n o ssa aceitação geral da coerção como o meio de
controlar outros produz e p erp etu a a desconfiança, o medo, a ag res­
são e a infelicidade geral que caracterizam ta n ta s relações indivi­
d u ais e sociais, então, em bora pudéssem os não ab an d o n a r a p u n i­
ção, nós a usaríam os u n s com os outros parcam ente. Mais p recisa­
m ente, seríam os capazes de to rn ar o m undo m uito m ais seguro,
m enos am eaçador, m enos gerador de estresse e um lugar m ais p ra ­
zeroso p a ra viver do que ele é hoje p ara milhões de pessoas.
Coerção e s u a s im plicações 31

Com a vantagem d as condições controladas do laboratório,


fomos capazes de ver claram ente como coerção e co n d u ta estão
relacionadas, de modos não im ediatam ente ap aren tes, fora do labo­
ratório. É im possível fugir da conclusão de que se os efeitos da
coerção fossem com certeza am plam ente com preendidos ela não
m ais seria o m étodo preferido p a ra influenciar os outros, não im por­
ta que cham em os essa influência de educação, disciplina, aplicação
da lei, governo, diplom acia, relações h u m a n a s ou terapia. Em cad a
um a d essas áreas, e em o u tra s tam bém , vem os a n o ssa volta evidên­
cia esm agadora de que as conseqüências da coerção não são de
modo algum com preendidas.
1

'Este mundo coercitivo

Nós vivemos em u m m undo coercitivo, b om bardeados por


sinais de perigo e am eaças. O governo avisa: “O bedecer ã lei ou ir
para a prisão .” As agências m an ten ed o ras da lei p restam atenção em
nós som ente quando fazemos algo passível de punição. Em n o ssas
igrejas ouvim os: “Que o pecado não te m oleste p a ra que tu a alm a
não sofra no fogo do infem o.” O proprietário n u n c a n o s agradece
pelo aluguel m as, se deixam os de pagar, nos diz: “Pague ou vá
em bora.” Q uando os pagam entos de hipotecas são negligenciados, o
banco, u su alm en te tão com preensivo, am eaça ch am ar a polícia.
Educadores nos dizem: “Econom ia de p alm atória estrag a a criança",
e lam entam a sociedade perm issiva que lhes proíbe o uso d a p alm a­
tória e d a vara. O patrão ordena: “E steja aqui n a h o ra ou será
despedido.” Opções como “com a a s v erd u ras ou n a d a de so b rem esa”
ou “diga isto o u tra vez e eu lavarei s u a boca com sab ão ” en sin am às
crianças o que é bom p a ra elas. Instituições legais, em presariais e
sociais com unicam -se conosco m ais freqüentem ente advertindo-nos
sobre o que deveríam os fazer... ou então... O significado com um de
“com porte-se” é “faça o que eu quero que você faça'. Coação, puni-
çao am eaça de punição ou de p erd a ou verbalizações sobre o que
34 M urray S id m a n

tem os de fazer p a ra fugir de, ou evitar punição ou p erd a — é a


técnica predom in an te p a ra nos levar a “co m portarm o-nos”.
Algumas vezes a s pessoas nos dizem o que elas farão co n o s­
co se não agirm os como elas querem . Q uando aquele que am eaça é
tam bém aquele que deverá aplicar a punição, a coercitividade é
b a sta n te clara. Em o u tras ocasiões, a s p esso as nos avisam das
horríveis conseqüências que virão de alguém m ais, talvez m esm o de
u m a n atu re za im pessoal; esses avisos, em bora tecnicam ente coerci­
tivos, são ap en as bo n s conselhos. Q uando lem bram os a alguém
para levar o g u ard a-ch u v a p ara que evite m olhar-se, não tem os que
ficar preocupados se estam os coagindo tal pessoa. Mas, m esm o esse
aviso benevolente ilu stra de u m a m an eira sim ples n o s sa aceitação
da coerção. Em bora possam os não nos preo cu p ar com esse exemplo
leve e sem im portância, vale a p en a n o tar que poderíam os chegar ao
m esm o resultado — fazer alguém levar o g u ard a-ch u v a — lem b ran ­
do-lhe não que ele evitaria m olhar-se, m as que ele poderia ficar
seco.
Em outro extrem o, u m amigo nos em p u rra violentam ente
para im pedir que um objeto que está caindo b a ta em n o ssa cabeça.
O em purrão, em bora tecnicam ente u m a form a de coerção, é n a
verdade um tipo de “bom conselho" físico, algo com o que ap ren d e­
m os a lidar sem sofrer com os efeitos colaterais indesejáveis com os
q uais estarei preocupado d u ra n te todo este livro.
E ntre esses extrem os, tem os exem plos como o do médico que
avisa “pare de fu m ar ou m o rrerá de câncer” e o dos am igos e p a re n ­
tes cuidadosos ecoando a am eaça. É razoável a c u sa r u m médico de
coerção quando ele nos diz dos perigos de co n tin u a r fum ando? E s­
tou preocupado, n este caso, porque a am eaça poderia te r tom ado
u m a form a positiva em vez de negativa. Ao contrário de sim plesm en­
te nos a lertar com relação às lam entáveis conseqüências de fum ar, o
médico poderia te r ten tad o levar n o ssa família e am igos a serem
especialm ente agradáveis conosco quando fizéssem os algo in com pa­
tível cóm fum ar.
É m ais provável atingir o objetivo desejado en sin an d o a um
paciente o que fazer do que alertando-o sobre o que não fazer.
Médicos que sim plesm ente alertam u m p aciente sobre a m orte im i­
n en te a m enos que ele pare de fum ar, m ais provavelm ente descobri­
rão que o paciente co n tin u a fum ando, m as deixa de vir até o co n su l­
tório p a ra se r aconselhado. Como m ostrarei m ais tard e, se p u d e r­
mos, reagim os à coerção evitando ou fugindo daqueles que nos coa­
gem. A esquiva do paciente em relação ao médico m o stra que o
conselho, ap esar de su a s boas intenções, funcionou como am eaça.
Coerção e s u a s im plicações 35

Este livro fala tam bém sobre o predom ínio d a coerção em


n ossas vidas, descreve os efeitos colaterais d esastro so s d a coerção e,
até mesm o, alerta sobre a catástrofe, se fracassarm o s n a elim inação
ou redução de n o ssa s p ráticas coercitivas; o livro em si m esm o
poderia ser considerado, tecnicam ente, u m exemplo de coerção. E n ­
tretanto, ele não é ap en as am eaça. Ele tam bém fornece princípios
norteadores — em alguns casos, cu rso s específicos de ação — que
nos perm itiriam aplicar técnicas não-coercitivas em vez de recorrer
às “soluções” de coerção quando quiséssem os ou tivéssem os de in ­
fluenciar os outros. Porque m uito freqüentem ente coagim os u n s aos
outros, m uitos de nós consideram os a punição como ponto pacífico;
não reconhecem os o im enso papel que ela d esem p en h a em n o ssas
interações. Realm ente, a coerção tem seu s inícios em n o ssa s in te ra ­
ções com o am biente físico.

0 ambiente hosti!
A própria n atu re za d á o exemplo. O am biente físico c o n sta n ­
tem ente am eaça nos esm agar com frio, calor, chuva, neve, enchente,
terrem oto e fogo. Ele nos diz; “se você não quer congelar, co n stru a
um abrigo”: “c o n stru a rep resas, ou en ch en tes levarão de roldão su as
c a sa s”; “escassez está chegando, arm azene alim entos.” O bservar os
céus e e sc u ta r as previsões de tem po to rn aram -se q u ase u m a se­
g u n d a natureza. E stam os sem pre lu tan d o com o am biente.
A natu reza, é claro, n u n c a nos diz o que tem os de fazer se
quiserm os evitar desconforto e catástrofe. Logicamente, não pode­
mos atrib u ir intenções à natureza; sendo im pessoal, ela não pode
realm ente nos levar a c o n stru ir rep resas e a arm azen ar colheitas. E,
ainda assim , a experiência nos diz que as forças d a n atu re za d esa­
barão sobre nós se não tom arm os precauções. N ossa co n d u ta segue
}eis gerais que são independentes do c ará ter pessoal ou im pessoal
daquele e d a intenção ou falta de intenção daquele que coage. Reagi­
m os a sinais de alerta do am biente inanim ado ex atam en te como
fazemos com relação à coerção im posta por nossos com panheiros;
tendem os tam bém a personificar a n atu reza, ain d a que ap en as em
n o ssa linguagem .
D iante do poder esm agador d a n atu reza, aprendem os a ap re­
ciar s u a s dádivas — os recu rso s que ela to rn a disponíveis ao enge­
nho e ao dinam ism o e s u a beleza esto n tean te. Mas, ela cobra seu
preço por todas a s coisas, am eaçando tom ar com u m a m ão o que
deu com a outra. E scassez sem pre segue a fartu ra.
36 M urray S id m a n

Tam bém parecem os incapazes de lidar com m u itas d a s m a ­


ravilhas n a tu ra is que n o ssa inteligência descobriu. A energia n u ­
clear prom ete com pensar o im inente esgotam ento d a s reservas de
carvão, óleo e gasolina, m as seu s resíduos m ortais j á estão envene­
nando o solo, a ág u a e a atm osfera de nosso planeta. O estoque de
arm as nucleares, proposto p ara prevenir a guerra, req u er som ente a
ordem de um louco p a ra g aran tir a fusão final. A hibridização de
p la n tas to rn o u possível produzir suficiente trigo, m ilho e arroz p ara
alim en tar o m undo, m as a redução d a diversidade genética deixa
essas fontes críticas de alim entos vulneráveis à com pleta destru ição
em u m a única catástrofe rápida.
Tam bém nosso am biente interno nos am eaça com desconfor-
tos físicos que podem term in ar em doença e morte. Os prazeres que
obtem os do álcool e de o u tra s drogas nos to m am d ep en d en tes biolo­
gicam ente, reduzindo n o ssa habilidade p ara nos ad ap tarm o s às re a ­
lidades da natu reza. E ste im perativo biológico, a reprodução sexual,
am eaça produzir superpopulação n a Terra, criando pobreza, priva­
ções e tensões sociais que se expressam n a guerra.
A m edida que envelhecem os, am eaças vindas de nosso in te­
rior se intensificam . Nós nos defendem os co n tra a coerção de nosso
próprio corpo, su ste n ta n d o u m a im ensa e dispendiosa in stitu ição
médica, ao m esm o tem po que nos tornam os vulneráveis à fria m ise­
ricórdia de u m a in d ú stria de seguros avarenta. A legislação de im ­
postos d á abonos de depreciação p a ra a m aquinaria, m as não p ara
corpos hum anos.
Porque u m g rande segm ento d a sociedade tem sido b e m -su ­
cedido em su p e ra r os estresses externos e in tern o s que o am biente
n a tu ra l impõe, m uitos de nós perdem os de vista a extensão n a qual
a n atu re za m odela coercitivam ente n o ssa conduta. Pagam os esp e­
cialistas p a ra agirem como pára-choques en tre nós e a n atu reza;
q u an to esforço foi necessário p ara obter o dinheiro que pagam os a
eles? Q uanto de nosso rendim ento é gasto p ara alu g ar ou com prar o
telhado sobre n o ssas cabeças que nos perm ite ignorar tem pestades
e te m p eratu ras desconfortáveis? Quão grande é a p arte de nosso
tem po e trab alh o que é g asta em rep arar goteiras neste telhado, ou
em conservar, em belezar e a u m en tar a eficiência da e s tru tu ra ? O
custo crescente do com bustível que nos perm ite evitar tem p eratu ras
que am eaçam a vida é u m lem brete de n o ssa vulnerabilidade à
coèrção am biental e origina medo, mesm o entre os que estão bem de
vida, de que os nossos rendim entos e econom ias não serão suficien­
tes p a ra g ara n tir proteção fu tu ra. O custo da m oderna tecnologia
Coerção e s u a s im plicações 37

m édica estã forçando difíceis decisões sobre quem deve sobreviver e


quem se deve deixar m orrer.
Q uanto de nosso tem po e trabalho é gasto com vestuário que
nos m a n ten h a confortáveis e secos, não im porta quão inclem ente
seja o tem po? A m a n u fa tu ra e m an u ten ção de vestuário, que já foi a
principal ocupação da população fem inina do m undo, p ersiste como
um im portante segm ento da in d ú stria e conserva alto sta tu s como
atividade de lazer m esm o entre os afluentes.
N este país, u n s poucos agricultores produzem alim entos
p ara todos. O utros especialistas dedicam -se à preparação de alim en­
tos e m u itas pesso as dependem hoje, p ara seu su sten to , de re s ta u ­
rantes, de alim entos pré-cozidos e de refeições p ro n tas. A um entos
inacreditáveis n a produtividade agrícola e eficiência de distribuição,
acom panhados de níveis de rendim ento pessoal an terio rm en te não
sonhados têm to m ad o possível p ara a m aioria daqueles que vivem
em p aíses econom icam ente desenvolvidos esquecer a am eaça de pri­
vação excessiva. E ntretan to , aum entos de custo, em an o s recentes,
têm levado m uitos a reto m arem ao lazer d a jardinagem e da cozi­
nha. O esgotam ento do solo e d as reservas de ág u a n a tu ra l a serviço
do aum ento d a produção de alim entos e a poluição d essas fontes a
serviço d a produção de energia aguçaram n o ssa consciência sobre
a s possibilidades de fome extrem a em m assa.
C om panhias farm acêuticas afirm am e s ta r p rep arad as p ara
conter esta am eaça, m as seu s alim entos artificiais, p íp u las de vita­
m ina e cáp su la s de energia originam novos tem ores sobre adaptação
biológica e sobre a própria qualidade de vida. A econom ia de nosso
corpo req u er m ais do que sim ples calorias e quím icas e, além disso,
quem an seia por refeições que vêm em tu b o s, com prim idos, em pó e 1
em cáp su las? E assim , algum as d as resp o stas p a ra a coerção da
n a tu re z a parecem por s u a vez ter gerado novos tipos de am eaças.
Mesmo se considerarm os ap en as abrigo, vestim enta e ali­
m entação, a n atu re za tem cobrado altos trib u to s como preço pela
seg u ran ça e esquecim ento. Em bora cad a indivíduo p o ssa desem pe­
n h a r som ente um pequeno papel em n eu tralizar diretam ente a coer­
ção da natureza, como ficaria n o ssa sociedade se a s in d ú stria s de
construção, de vestuário e de alim entos fechassem ? M oradia, ves­
tuário, ag ricu ltu ra e agropecuária — o b ru sco desaparecim ento d es­
ta s in d ú stria s e de in d ú stria s associadas e in terdependentes, de
redes de distribuição e de em presas com erciais im ediatam ente expo­
ria n o ssa vulnerabilidade individual. Como aqueles que vivem em
p arte s do m undo onde extrem os de frio ou calor força-os a u m a lu ta
p recária pela existência, todos nós g astaríam os aproxim adam ente
38 M urray S id m a n

todo nosso tem po neutralizando pressões am bientais. A qualidade


ilusória de n o ssa atu al liberdade em relação à coerção d a n atu re za
torn ar-se-ia im ediatam ente evidente. M uitos de nós não sobrevive­
riam .
Porque tem os sido suficientem ente capazes de relaxar n o ssa
vigilância, passam os a considerar como gastos bem -justificados o
enorm e com prom etim ento de tempo, esforço e recu rso s que a socie
dade devota à superação de form as sem pre p resen tes e norm ais de
coerção am biental. Não tem os lidado de m an eira tão bem -sucedida
com catástrofes n atu ra is, seja porque s u a m agnitude é av assaladora
ou porque su a interm itência e im previsibilidade im pedem qualq u er
sistem a prático de controle. D esastres im ensos como terrem otos,
furacões, incêndios florestais, to m ad o s, en ch en tes ou erupções v u l­
cânicas ocasionalm ente relem bram -nos n o ssa vulnerabilidade, m as
tendem os a considerar estas coisas como exceções a n o ssa p rep o n ­
deran te liberdade em relação à s pressões am bientais. De fato, eles
são som ente casos extrem os de am eaças que estão sem pre p re se n ­
tes, contra a s quais estam os sem pre pagando resgate com n o ssas
reservas de recurso s físicos, sociais e biológicos.
M as aqui, em vez de lu ta r co n tra a hostilidade d a natu reza,
aceitam os isto com u m a racionalização filosófica: “Assim é a vida.”
Nem m esm o esperam os que com panhias de seguro providenciem
reem bolso financeiro quando tem pestades, enchentes, furacões ou
terrem otos deixam -nos desabrigados; d esastres n a tu ra is são “atos
de D eus”. Sim plesm ente aceitando a inevitabilidade da catástrofe,
nós nos cegamos p ara seu cará ter coercitivo.
Mesmo o sim bolism o religioso reflete coerção am biental. Aos
deuses dos elem entos e dos fenôm enos n a tu ra is — fogo, oceanos,
trovão, fertilidade, estações do ano, ventos — era atrib u íd o ta n to
sta tu s quanto às divindades que se p resu m ia dirigir e ju lg ar os
valores e p ráticas sociais h u m a n as — os deuses do am or, d a ju stiça,
da m úsica, do dram a e do conhecim ento. De acordo com a s m ais
m odernas interpretações da vontade de Deus, S u a ira atinge a h u ­
m anidade n a form a de raios, pen ú rias, enchentes, erupções v u lcân i­
cas, pragas, epidem ias e, m ais recentem ente, Aids.
A coerção am biental se alojou em n o ssa linguagem por meio
dos m odos com os quais descrevem os e explicam os n o ssa própria
conduta: alguns de nós estão m uito fa m in to s por afeição, sedentos
de conhecim entos, ardentes de paixão ou são fria m en te lógicos; nós
tem os personalidades arejadas, calorosas, tem pestuosas ou m esm o
vulcânicas; os jovens que estão a ponto de su b ir n a carreira são
aconselhados a não fazer onda-, corredores correm como o vento;
Coerçãoesuasimplicações 39

pais irados ãilminam seus filhos; idéias iluminam nossas cabeças; a má sorte desaba
sobre nós; asnuvens da guerra se formam; oradores empolgados dizem palavras
incendiárias, finanças estão estourando, nossas forças armadas atacam como raios,
multidões explodemem violência.
Alertas de desprazer iminente, ou tempo catastrófico e outros desastres
naturais permitem-nos preparar defesas e desviar ou reduzir sua severidade; honramos
e recompensamos regiamente os profetas. A indústria da televisão, que cobra milhares
de dólares por segundo e considera o tamanho da audiência como árbitro supremo
de sucesso ou fracasso, dedica milhares de segundos por ano para previsões de
tempo. Ela nos fascina com mecanismos meteorológicos e técnicas de vídeo
maravilhosas e fabulosamente caras. A decisão de despender tal esforço, custo e
engenhosidade para relatar o tempo e, ao mesmo tempo, negligenciar a qualidade
e quantidade de programação em educação, ciências, política, dramaturgia e música
reflete prioridades da comunidade. A despeito de nossa esperança de supremacia,
permanecemos subservientes à natureza mesmo durante nosso lazer.

A comunidade hostil
Talvez a coerção física presente seja responsável também pela
aceitação geral da coerção social como um fato da vida. Tenho visto a
punição defendida como uma técnica de ensino para os incapazes
desenvolvimentalmente com o argumento de que qualquer método que não
envolva punição vai contra o princípio de normalização. “Normalização”
refere-se à noção, comumente bastante razoável, de que deveríamos trazer
de volta os deficientes para o convívio normal em vez de segregá-los. O
proponente da punição, neste caso, argumenta que a sala de aula sem punição
é um ambiente anormal, ao qual ninguém deveria ser exposto. Esta distorção
de uma noção basicamente decente vem, creio, de uma adaptação não-
percebida ao modelo coercitivo que a própria natureza nos fornece.
Na verdade, coerção social é aceita como natural. Habitantes das
grandes cidades do mundo tomam como certo que devem trancar suas portas,
colocar seus pertences no seguro, carregar uma carteira extra com algumas
poucas notas à mão, para quando se defrontarem com uma faca ou um
revólver, e trancar as portas de seus carros mesmo quando dirigindo, para
que um intruso não pule dentro do carro quando pararem em um sinal.
Nenhuma mulher e somente alguns homens incautos caminham depois que escurece no
40 M urray S id m a n

famoso berço da liberdade, o ‘Common B oston’; assalto , estu p ro e


roubo são inevitáveis ali e a polícia reage ap en as com desprezo pelo
descuido ignorante d as vítim as. Em escala cad a vez m aior, o te rro ­
rism o tem se to m ad o u m a expressão-padrão do d esco n ten tam en to
econômico, religioso ou político em m u itas p artes do m undo.
Mas não ap en as o infrator p ratica coerção social. Punim os
crianças e crim inosos n a esp eran ça de im pedir repetições de co n d u ­
ta s inaceitáveis. Nosso código legal é n a s u a m aior p arte um catálo ­
go de penalidades p a ra todo tipo de infração civil e crim inal; ele
define co n d u ta desejável principalm ente de form a que possam os
reconhecer e p u n ir desvios. A m eaçam os com a g u erra p a ra im pedir
que o u tra s nações se apropriem de n o ssas posses e corrom pam
nossos valores; a força superior é a b ase d a m o d ern a “diplomacia".
B urlando nós m esm os a lei, negam os emprego, escola e m esm o
hospitalização p a ra p esso as que sofrem de doenças que poderiam
ter ocorrido por meio de com portam ento sexual fora de padrão.
T rabalhadores en tram em greve p a ra forçar concessões de se u s em ­
pregadores e com p an h ias am eaçam de falência de form a a a n u la r
acordos previam ente negociados. C o n stru to res não h esitam em for­
çar se u s inquilinos a saírem de ap artam en to s que deverão se r tr a n s ­
form ados em condom ínios; a relação proprietário-inquilino tra n sfo r­
m ou-se em antagonism o.
Nosso sistem a de “livre em presa”, su p o stam en te baseado em
princípios de oferta e procura, é m ais livre p a ra os fornecedores do
que p a ra os consum idores. Em seu próprio interesse, os fornecedo­
res, cu jas recom pensas são lim itadas ap en as por s u a inteligência,
energia, recu rso s e d esum anidade, sujeitam o resto da sociedade à
coerção. Por s u a vez, os consum idores, lim itados pela severidade de
su a s necessidades, te n tam coagir os fornecedores, por meio da reg u ­
lam entação governam ental, a restrin g ir su a b u sc a de riqueza. Nos
anos recentes, este contracontrole tem se tornado cad a vez m enos
efetivo. N ossa ten d ên cia cada vez m ais predom inante p ara deixar
que o irrestrito au to -in teresse do m ercado determ ine preços, s a lá ­
rios, lucros, tax as de ju ro s, o tam anho e o escopo d as corporações e
a conservação de recu rso s é algum as vezes ch am ad a de darw inism o
social — u m reconhecim ento direto de coerção econôm ica, análoga à
coerção am biental que dá origem à “sobrevivência biológica do m ais
ap to ”.
Em bora pesso as influenciem u m a s à s o u tras de m u itas m a­
neiras, elas recorrem m ais rapidam ente a meios coercitivos p ara
produzir resu ltad o s do que a outros meios. A im p ren sa e stá repleta
de relatos de assassin ato e destruição. Dificilmente p assa-se u m dia
Coerçãoesuasimplicações 41

sem um registro de violência contra a criança por parte dos pais ou violência
contra os pais por parte de filhos. Temos a expectativa de ser alertados,
intimidados, ameaçados, empurrados e talvez espancados até mesmo por
aqueles que nos empregam, ensinam, protegem, governam ou amam. Ameaças
de punição, privação ou perda são práticas-padrão nos locais de trabalho e
salas de aula, estabelecem uma relação de dominação unidirecional entre
polícia e cidadão, fornecem as bases para atingir objetivos políticos e até mesmo
dão colorido para as interações mais íntimas dentro das famílias.
Em nosso trabalho, estamos acostumados a ser repreendidos por
trabalho malfeito e ignorados por trabalho bem-feito. Nós nos resignamos a
contribuições forçadas para instituições de caridade e mesmo para indivíduos
dos quais não cuidamos. A despeito das leis sobre campanhas eleitorais,
servidores municipais e estatuais estão bastante conscientes das conseqüências
emjogo por não contribuir para campanhas políticas. E segurança no trabalho
é sempre um problema na disputa trabalho-gerência.
Para muitos estudantes notas altas funcionam como recompensas
principalmente porque elas significam a esquiva de notas baixas. Milhões de
alunos fugiriam da escola imediatamente se a lei permitisse; mesmo na
faculdade, com estudantes pagando altas anuidades, professores que não exigem
presença esperam somente que uma fração dos estudantes matriculados
realmente compareça às aulas. Desde a escola primária e durante todo o
caminho, passando pelo colegial, professores preocupam-se mais com técnicas
coercitivas para manter a disciplina do que com métodos efetivos de instrução.
Punimos crimes mas apenas toleramos a legalidade. Supõe-se que a
virtude é sua própria recompensa, mas dentro do código legal, a virtude ser
sua própria recompensa significa simplesmente que ela nos mantém fora da
prisão. E nossa polícia, para a qual deixamos nossa segurança e proteção, é
ensinada a realizar sua tarefa por meio de intimidação, força e punição; ela
passou a representar um poder a ser temido, uma instituição anteriormente
benevolente que agora demanda subserviência.
Com cínico divertimento, observamos nossos legisladores enquanto se
atacam uns aos outros, em revanche por rebelião contra a liderança ou votos
discordantes. Nos escalões mais altos do governo, indivíduos procuram con­
solidar seu poder ou prestígio desacreditando rivais, mesmo ao custo de com­
prometer questões de princípio e segurança nacional.
42 M urray S id m a n

N as fam ílias, a q u estão de “quem é o chefe” fre q ü e n te m e n ­


te tem que se r decid id a a n te s que ato s de doação p o ssa m to rn a r-
se possíveis; intim id ação e su b m issã o são freq ü en tem en te os pré-
requisitos p a ra a interação sexual. Coerção fam iliar com eça cedo.
A ssim que os bebês com eçam a mover-se por conta própria, a “m e­
xer” n as coisas, adultos recorrem à restrição e punição p a ra estab e­
lecer limites. Não ê difícil en co n trar pais que raram en te falam com
su a s crian ças exceto p a ra adm oestar, corrigir ou criticar. Mesmo
quando bebês, som os expostos ao modelo coercitivo; aprendem os
rapidam ente que a coerção é o m odo-padrão p a ra fazer com que os
ou tro s façam o que querem os. Isso não acontece porque som os
cruéis ou m au s por n atu re za ou porque querem os in cu lcar essas
qualidades em nossos filhos, m as porque não conhecem os alte rn a ti­
vas efetivas. A n atu re za raram en te fornece outro modelo p a ra que
im itemos.
A vida social de adolescentes en tre seu s am igos co n tin u a e
intensifica o modelo coercitivo. O prim eiro cigarro produz to n tu ra; a
prim eira bebida alcoólica tem u m gosto horrível; o prim eiro cigarro
de m aconha é d esap o n tad o ram en te insípido; o prim eiro ato sexual é
com freqüência desajeitado e algum as vezes h u m ilh an te. No e n ta n ­
to, a am eaça de expulsão daqueles que não seguem o grupo é su fi­
ciente p a ra em p u rra r o iniciante a su p erar e ssa s b arreiras iniciais.
Como a coerção am biental, a coerção social é tão predom i­
n a n te que consideram os difícil im aginar a vida sem ela. Liberdade,
um de nossos valores m ais prezados, não tem qualidades próprias;
assim como não deveríam os te r necessidade do conceito de p len itu ­
de n ão fosse por n o ssa experiência de privação, é a au sên cia de
coerção que d á significado à liberdade. Se todos fôssem os supridos
com as necessidades b ásicas da vida, o conceito de liberdade da
necessidade ja m ais teria surgido; liberdade de expressão e liberdade
de im prensa n u n c a teriam aberto cam inho em nosso vocabulário
n ão fosse pela existência ou am eaça de censura; o princípio de
liberdade dos m ares jam ais teria sido enunciado não fosse a p ira ta ­
ria e a guerra; a noção de livre em presa é u m a reação ao controle
governam ental; quando F ranklin D. Roosevelt an u n cio u como u m a
m eta nacional a obtenção da liberdade do medo, ele tocou em um
desejo u niversal que se origina de n o ssa co n stan te exposição a
am eaças sociais e am bientais de todos os tipos.
B. F. S kinn er ad ian to u a tese de que o conceito de liberdade
seria desnecessário, e até m esm o sem significado, se n o ssa socieda­
de p u d esse elim inar as condições pelas quais estávam os sem pre
b u scan d o pela liberdade. Se n u n c a tivéssem os escravizado u n s aos
Coerção e s u a s im plicações 43

outros, o ideal de liberdade da servidão não teria sido necessário.


Mais genericam ente, se não ten tássem o s controlar u n s aos outros
por am eaças de punição, privação, restrição e perda, todos teríam os
sido livres sem que jam ais o conceito de liberdade tivesse surgido.
Liberdade seria então u m fato da vida, m as o term o, n a s su as
conotações atu ais, jam ais teria sequer ad en trad o n o ssa linguagem .
A noção de que poderíam os, possivelm ente, existir sem coa
gir u n s aos outro s foi tão incom preensível que m uitos leitores, de
outros pontos de vista sensíveis, den u n ciaram S k in n er p orque acre­
ditaram que ele estava atacan d o o próprio ideal de liberdade. Na
realidade, ele estava defendendo a elim inação daqueles “fatos da
vida” dos quais todos nós desejam os nos libertar — em p articu lar,
das técnicas coercitivas que u sam o s p a ra controlar a co n d u ta u n s
dos outros.
Controle coercitivo perm eia n o ssa s vidas. Porque m uitos de
nós subestim am o s seu predom ínio, é im portante destacar que aq u e­
les que advogam e u sam coerção com propósitos terapêuticos —
algum as vezes ch am ad a de “terap ia aversiva" — estão agindo de
acordo com norm as sociais e costum es bem -estabelecidos e aceitos.
Creio que eles estão errados, m as eles n ão são as cria tu ras dem onía­
cas e sem sentim entos, que alguns de seu s críticos m ais virtuosos
pintam .
E n tretan to , colocar os p ratican tes de te ra p ia aversiva no
contexto de u m a sociedade n a qual controle coercitivo é u m a política
estabelecida é d estac ar que, como cientistas, eles não estão fazendo
descobertas, como terap eu tas, eles não estão fazendo n a d a que re ­
queira treino ou com petência especiais. Chefes de estado, líderes
m ilitares, m em bros do poder judiciário e proem inentes m em bros da
instituição educacional, por exemplo, desde h á m uito, nos en sin a­
ram tu d o o que jam ais precisaríam os sab er sobre como controlar os
outros coercitivam ente. Os te ra p eu tas aversivos de hoje, dizendo e
fazendo aquilo que sem pre foi dito e feito n ão estão contribuindo
com n ad a de novo. Mas, n esse caso, não co n trib u ir é errado; é
errado porque s u a ciência tornou possível fazer melhor.
2

5A(em todo controCe é coerção

Interações coercitivas am eaçam nosso b em -estar e mesm o


n o ssa sobrevivência como espécie. P ara olharm os objetivam ente p a ra
o controle coercitivo, com o objetivo de fazer algo a seu respeito,
terem os que desem baraçã-lo do tem a controle com portam ental, m ais
geral e freqüentem ente emocional. A noção de controle com portam en­
tal faz com que m uitos trem am e, p ara alguns, é im pensável. Ainda
assim , tem os u m a ciência que reivindica que seu objeto de estudo é a
análise do controle com portam ental. Aqui é im portante olhar p ara as
árvores e não ap en as p ara a floresta como u m todo. A floresta é
controle com portam ental e um tipo de árvore, dentro dessa floresta, é
controle coercitivo. A árvore da coerção, gerando u m fruto am argo e
u m a profusão de sem entes, am eaça d estru ir a floresta, deixando
aqueles de nós que nela vivem sem recursos não-coercitivos.

Controle comportamental
Aqueles m esm os críticos que condenaram B. F. S kinner por
querer aca b ar com o controle coercitivo — que ao produzir fuga
origina o conceito de liberdade — tam bém condenaram a ciência do
com portamento, que havia revelado claram ente que a coerção é indese-
Coerção e s u a s im plicações 45

jável e desnecessária e que havia dem onstrado o poder de técnicas


alternativas. Hoje se sabe o suficiente sobre os u so s e conseqüências
da coerção — um saber que pode servir como um guia p ara a
conduta pessoal e políticas públicas. E, ainda assim , o controle
com portam ental e a análise do com portamento receberam u m a p u ­
blicidade ruim , n a mídia popular e no m undo m ais restrito da Aca
demia. Por quê?
A publicidade ru im é u m produto direto da predom inância
do controle coercitivo em n o ssa sociedade. Porque a coerção é tão
generalizada, a m aioria d as pessoas considera “controle” e “coerção”
como tendo o m esm o significado. Por essa razão, o conceito de
controle com portam ental am ed ro n ta as pessoas. Ignorando-o, ou se
opondo a ele, alguns esperam fazê-lo desaparecer. .
E porque q u alquer ciência do com portam ento deve conside­
ra r controle com portam ental como u m dado, m uitos vêem a análise
do com portam ento como a ciência d a coerção. Q uando, como n as
controvérsias atu a is sobre “terap ia aversiva”, alguns poucos profis­
sionais defendem a posição de que a punição é u m a técnica terap êu ­
tica padrão e, portanto, não deveria se r regulam entada, a percepção
do público é validada. A própria in ten sid ad e do debate convence o
público em geral de que punição é tu d o que h ã em análise do
com portam ento. M uitos psicólogos, porque seu trein am en to profis­
sional não os inform ou como deveria, ju n ta m -s e ao público em su a
condenação da análise do com portam ento.
Mas, pode-se aca b ar com controle co m p o rtam en tal? E con­
trole com portam ental é o m esm o que coerção? As p esso as que não
estão fam iliarizadas com a ciência vêem a existência do controle
com portam ental não como u m problem a de fato, m as de opinião,
algo com o que pode-se concordar ou discordar, defender ou opor-
se. A nalistas do com portam ento vêem controle como u m fato da
n atu re za, a ser investigado e descrito, m as o público vê os a n alistas
do com portam en to como defensores do controle e, p o rtan to , da
coerção.
Seguindo este raciocínio, eles perguntam : “E por que alguém
defenderia o controle da co n d u ta a m enos que quisesse ele m esm o
exercer o controle?” Ou, de modo um pouco m ais generoso: “Se os
próprios a n alistas do com portam ento não querem controlar o resto
de nós, eles fornecerão justificativa p ara que outros o façam .” E
assim eles igualam os behavioristas aos controladores de Adm irável
m undo novo, Laranja mecânica e 1984.
E ntretanto, os fatos sobre o controle não vieram de algum
rom ance ou filme. Admirável m undo novo não inventou o controle,
46 M urray S id m a n

nem o fizeram Laranja mecânica, 1984 ou a análise do com porta­


m ento. O controle da conduta pelo am biente físico e social é u m a
característica do m undo, exatam ente como o controle de objetos físi­
cos, reações quím icas ou processos fisiológicos. Somos feitos assim .
M ovimentos de objetos no espaço sâo controlados e a a stro ­
nom ia e a física se devotam a estu d a r as leis que descrevem tal
controle; onde estará qualquer p la n eta em q u alq u er m om ento dado
é predizível. A com binação e separação de su b stân cias físicas são
controladas e as leis de tais reações perm item aos quím icos saber
exatam ente o que esp erar quando m istu ram su b stân cias. Leis bioló­
gicas e fisiológicas descrevem como nossos processos corporais são
controlados: exercício, por exemplo, tem efeitos predizíveis sobre b a ti­
m entos cardíacos. A co n d u ta dos seres vivos tam bém é controlada, e
a análise do com portam ento considera como s u a tarefa a descoberta
e o esclarecim ento da legalidade que é subjacente a tal controle.
P ortanto, controle com portam ental não é u m a q u estão de
filosofia ou de sistem as pessoais de valor a serem aceitos ou rejeita­
dos de acordo com n o ssa preferência. É u m a questão de fato. Não
faz sentido, portanto, rejeitar ou defender o controle co m portam en­
tal. Pelo contrário, as leis do controle exigem investigação. A noção
pode nos d esag rad ar e m esm o am edrontar, m as as leis do com porta­
m ento são u m a característica do m undo em que vivemos; não pode­
mos repeli-las.
Por que ta n to s parecem tão ansiosos p ara fazer exatam ente
isto — repelir as leis do com portam ento? É aí que a coerção volta em
cena. Aqueles que acham que o argum ento filosófico pode fazer o
controle desaparecer ju n ta m forças com m uitos que reconhecem a
realidade do controle com portam ental; considerando todo controle
como coerção, eles se u n em pelo medo. E stam os aco stu m ad o s a ser
coagidos, forçados a fazer coisas que não estam os desejosos de fa­
zer. obrigados a fazê-las em m om entos m ais convenientes p a ra o
esquem a de algum a o u tra pessoa e com pelidos a agir co n tra n o ssas
próprias inclinações, de m aneiras que consideram os n ão -n atu rais,
difíceis ou m esm o desagradáveis. A n atu re za nos coage, o governo
nos coage, professores nos coagem, amigos e família s nos coagem.
E stam os sem pre à esp reita em b u sca de m an eiras de alcan çar a
liberdade d a coerção e estam os perp etu am en te em g u ard a p a ra pro­
teger aquelas g aran tias que n o ssas leis, costum es sociais e estilos de
vida pessoais já conquistaram .
Portanto, tem em os o controle. D ada a n atu re za coercitiva do
controle a que m uitos de nós nos acostum am os, este medo deve ser
respeitado. E quan d o a n alistas do com portam ento, cien tistas que
Coerção e s u a s im plicações 47

investigam o controle da conduta, anunciam : “Controle com porta-


m ental é um fato da vida”, não deveriam ficar su rp reso s quan d o as
pessoas reagem a eles como se fossem os ara u to s dos tem pos ruins;
mesmo tap an d o n o sso s ouvidos às m ás notícias, tratam o s seus
arautos como se eles as tivessem causado.
C ontrole existiria m esm o que não houvesse a n a lista s do
com portam ento p a ra nos co n tar a seu respeito. Faz sentido d esco­
brir ta n to quanto possam os, em vez de ignorá-lo. Ju stific ad am e n te
tememos o controle com portam ental. A validade d a q u estão “Q uem
exerce ou deve exercer o controle?” é independente de n o ssa o rien ta­
ção filosófica ou científica. Devemos respondê-la de novo e de novo.
A única certeza é que a resposta não pode ser “Ninguém”. O controle
está sem pre aí, não reconhecê-lo é esconder-se da realidade.
E ain d a assim , o controle não p recisa ser coercitivo. Se co n ­
trole e coerção fossem a m esm a coisa teríam os que classificar como
coercitivos todos os professores, vendedores, sedutores, secretários,
atores, com ediantes e oradores. Todos eles ten tam controlar o que
os outros fazem.
E m bora não possam os evitar o controle, ele pode assu m ir
m uitas form as, algum as coercitivas, o u tras não. Coerção é um a
subcategoria do controle. Como verem os, podem os definir objetiva­
m ente coerção, identificá-la em situ açõ es p ráticas e fazer algo a
este respeito.
Se ignorarm os a realidade, o controle com portam ental sim ­
plesm ente acontecerá; os controladores exercerão o controle à s u a
m aneira. Nâo poderem os opinar sobre se este controle deve ser coer­
citivo. O medo do controle é realista; m as m anterm o-nos n a ig n o rân ­
cia ap en as g aran tirá que o que tem em os p assará. Se reconhecerm os
a existência do controle com portam ental e o estu d arm o s, podem os
fazê-lo tra b a lh a r em nosso beneficio. Q uando m étodos de controle
existentes forem coercitivos, descobrirem os que freqüentem ente po­
dem os su b stitu í-lo s por m étodos não-coercitivos. N atu ralm en te, é aí,
na realidade, que a ciência da análise do com portam ento e n tra em
cena.
Os m istérios da n atu re za são profundos, ju stifican d o ap en as
hum ildes reivindicações de progresso, m esm o d as ciências m ais
avançadas. Com portam ento, tam bém , tem m uitos m istérios; reivin­
dicar dem asiado conhecim ento é ap en as convidar p a ra u m ceticism o
justificado. No entanto, m uito é sabido e, n este m om ento, é m ais
im portante dizer o que se sab e do que sim plesm ente m aravilhar-se
diante dos m istérios ain d a por resolver. O que. exatam ente, os a n a ­
listas do com portam ento vêem?
48 M urray S id m a n

Comportamento. O que estam os ch am an d o de “com porta­


m ento”? Q uando falam os sobre com portam ento nos referim os a coi­
sas que fazemos: an d ar, correr, ag arrar, cavalgar, dirigir u m carro,
relaxar, falar, can tar, escrever, ler, som ar, sen tar, cozinhar, comer,
ensinar, estu d ar, en trev istar u m candidato a emprego, pro g ram ar
um com putador, vender carros, tra ta r u m doente, com prar alim en­
tos, lavar roupa, lu tar, fazer am or, tocar piano, en tre ter u m a a u ­
diência, esculpir, com por u m poem a ou u m a canção, ouvir m úsica,
ver televisão, ir dorm ir, levantar, fazer u m a lista de p resen tes de
Natal, pagar o aluguel, to m ar remédio, escovar os dentes, rela tar
u m a dor de dente, fazer u m regime, exercitar-se. Todas e sta s ações
são públicas: o u tras p esso as podem vê-las, m edi-las e descrevê-las.
Uma p arte do com portam ento é privado, não d iretam en te acessível a
outros: p ensar, falar p a ra si mesm o, p re sta r atenção, sen tir-se triste
ou alegre, preocupar-se, divertir-se, im aginar. C om portam entos p ri­
vados colocam problem as especiais de m edida e descrição, m as a in ­
da perm anecem dentro do cam po d a análise do com portam ento.
Nosso nível de in teresse em q u alq u er com portam ento p a rti­
cu lar u su alm en te depende de su a im portância corrente em n o ssas
vidas. Pais p restarão atenção ao e se p reocuparão com o com porta­
m ento em desenvolvim ento de se u s filhos; p esso as obesas, inform a­
das de que tam bém são diabéticas, quererão sab er m ais sobre o que
a s faz comer; com positores e críticos de m úsica freqüentem ente es­
peculam de onde vem a criatividade. O utros tipos de com portam ento
podem p arecer triviais, tão autom áticos que raram en te ad en tram
n o ssa consciência: respirar, an d ar, pegar algo, até m esm o falar ou
escrever. M as, quan d o ocorre um acidente ou u m a doença, como
quando um derram e nos im pede ou a u m a p esso a querida de movi­
m entar-se ou falar, percebem os a extensão n a qual som os o que
fazemos. P essoas que perdem su a habilidade de a n d a r percebem
repentinam ente que não m ais se esp era que co n trib u am p a ra a
sociedade; pessoas cuja m u sc u la tu ra vocal to rn o u -se p aralisad a
descobrem -se sendo tra ta d a s como se não tivessem inteligência. O
m undo não reage a nossos p en sam en to s e sentim entos, m as àquilo
que nos vê e ouve fazendo.
Muitos cientistas limitam su a atenção a atividades de im por­
tância social, política, médica ou econômica. Em adição a categorias
acadêm icas tradicionais como desenvolvimento infantil, aprendizagem,
personalidade ou linguagem, você pode encontrar livros sobre a “psico­
logia” do esporte, da m úsica, da arte, do m ercado de ações, gerencia­
mento pessoal, regime e program ação de com putador. E ntretanto, a
ciência da análise do com portam ento é n eu tra em relação à im portân­
cia de qualquer com portam ento particular. Idealmente, ela b u sca leis
Coerção e s u a s im plicações 49

que se apliquem a toda a conduta, em bora n a prática ela u su alm en ­


te tenha de especificar limites. No entanto, em m uitos casos a ciên­
cia atingiu generalidade significativa. Os princípios m ais fundam en­
tais se aplicam a formas m uito distintas de conduta e, em grande
medida, a todas as espécies de mamíferos. Eles são independentes
de personalidade, grupo social, background educacional, status eco­
nômico. ocupação, localização geográfica e. dentro de am plos limites,
até mesmo de capacidade intelectual e idade cronológica.
Se a im portância cotidiana do com portam ento não é seu
aspecto científico m ais relevante e se os an alistas de com portam ento
consideram as distinções acadêm icas u su a is artificiais, o que eles
estudam ? Todas as ciências se defrontaram com o problem a de
definir seu objeto de estudo. Na quím ica, que aspecto de u m a su b s­
tância é m ais fundam ental, cor ou peso? A física sê prfeocupa m ais
com o ta m an h o absoluto dos objetos ou com su a m assa? A análise
do com portam ento poderia ter dirigido s u a atenção p ara a im portân­
cia pessoal ou social do com portam ento, poderia ter-se ocupado em
medir a força, du ração ou in tensidade de atos, poderia ter conside­
rado como seu dado crítico as afirm ações que as pessoas fazem
sobre si m esm as, como em entrevistas e questionários. Em vez de
qualquer d essas alternativas, a análise do com portam ento considera
como fu ndam ental a probabilidade de que u m a ação ocorrerá. Mede
quão freqüentem ente u m indivíduo faz algum a coisa •— a freqüência
de seu com portam ento. A análise do com portam ento te n ta descobrir
o que to rn a os nossos com portam entos tão freqüentes ou tão raros.
M uito d a linguagem com um sobre a co n d u ta se refere a
freqüências. C ham am os alguns alu n o s de “falan tes”, o que observa­
mos é que eles falam b astan te. A lguns alu n o s são “diligentes", ve­
mos que eles estu d am m uito. O utros alu n o s são "céticos”, eles fre­
qüentem ente questionam o professor. C ham am os a s pesso as de “fe­
lizes" se elas sorriem e riem freqüentem ente, m as se elas carregam
um sem blante co n stan tem en te som brio, as classificam os como “n e­
gativas” ou “p essim istas”. Todos conhecem os p esso as que “não têm
o sentido do tem po”, elas sem pre chegam tard e a se u s com prom is­
sos. U m a criança “m im ada” é aquela que controla seu m undo por
meio de b irras freqüentes. C aracterizações como “falan te”, “diligen­
te”, “cético” ou “feliz” não explicam o com portam ento. Elas sim ples­
m ente refletem a alta freqüência de certas ações.
A ciência da análise do com portam ento p ergunta: “O que
to rn a m ais ou m enos provável que u m indivíduo aja de m odos p arti­
culares? Por que u m a p esso a faz certas coisas m ais ou m enos fre­
q üentem ente que o u tra? O que faz alguém agir de um modo particu-
50 M urray S id m a n

lar m ais freqüentem ente sob certas condiçoes e m enos freq ü en te­
m ente em o u tra s ? ”

Comportamento e su a s conseqüências. O com portam ento não


ocorre em um vácuo. Eventos precedem e seguem cad a u m a de
n o ssas ações. O que fazemos é fortem ente controlado pelo que aco n ­
tece a seguir — pelas conseqüências da ação. Provavelm ente, a m ais
fu n d am en tal lei d a co n d u ta é: conseqüências controlam com porta­
m ento. Fazem os algo — nos com portam os — e então algo acontece.
As conseqüências do que fizemos determ in arão quão provável é que
façam os a m esm a coisa novam ente.
Q uando acionam os u m in terru p to r (comportamento) luzes se
acendem (conseqüência); quan to s de nós estaríam os acionando in ­
terru p to res se n a d a ja m ais acontecesse quan d o o fizéssem os? C onti­
n u aríam o s a escrever (comportamento) com u m a can e ta que não
m ais produzisse m arcas no papel (conseqüência)? Q uão freq ü en te­
m ente falaríam os (comportamento) com alguém que n u n c a resp o n ­
desse com palavras, gestos ou expresses faciais (conseqüências)?
Tudo que fazemos tem conseqüências. Algum as fazem com que nos
com portem os m ais freqüentem ente, o u tra s m enos freqüentem ente e
algum as são n eu tra s.
As conseqüências de n o ssa s próprias ações agora influencia­
rão o que fazemos m ais tarde. As conseqüências que aplicam os às
ações de o u tra s p esso as determ in arão quão provavelm ente elas fa­
rão a m esm a coisa novam ente. As m u d a n ças em su a s ações, por seu
tu rn o , determ inarão quão provavelm ente aplicarem os a s m esm as
conseqüências novam ente, a elas e a o u tras pessoas. Filósofos, ro ­
m an cistas e escritores te atrais n a m aioria d as vezes consideram
como seu tem a o fato de que nossos atos têm conseqüências, alg u ­
m as trágicas, e que a ignorância d as conseqüências não é desculpa.
A consciência d as conseqüências é a essên cia d a responsabilidade.
Som os afortunados por nosso com portam ento ser sensível a
s u a s conseqüências. P ara onde a evolução teria nos levado se a
probabilidade de agir de qualquer modo p articu lar não fosse afetada
pelo que acontece a seguir? A m ariposa freqüentem ente se b ate con­
tra u m a luz acesa e formigas continuam em seu cam inho fixo m esm o
sobre os corpos esm agados daquelas que foram p isadas. Padrões de
ação in ato s podem ser peculiarm ente complexos, m as poderia u m a
espécie que não responde às conseqüências de s u a própria co n d u ta
té r se adaptado tão efetivam ente como os h u m an o s às dem an d as de
um am biente con stantem ente em m u d an ça? (Refiro-me ap en as à
adaptação com portam ental. Algumas espécies de insetos, m ais ad ap -
Coerção e s u a s im plicações 51

táveis fisiologicam ente a m u d an ças am bientais extrem as, podem


muito bem sobreviver a nós em um m undo devastado por explosões
nucleares.)
C onseqüências com portam entais, em bora m uito freqüente­
m ente coercitivas, n ão precisariam ser assim . Um bebê, aprendendo
a se a rra sta r, en g atin h ar e a n d a r e stá sendo controlado p o r podero­
sos processos desenvolvim entais e por experiências que seguem
seus novos desem penhos; não classificam os esse controle como
coercitivo. Lemos porque livros e outros m ateriais n o s fornecem in­
formação útil. ou por cau sa desse fenômeno pobrem ente com preen­
dido, o “prazer d a lite ra tu ra ”; am bos, a inform ação e o p razer con­
trolam n o ssa leitura, m as não coercitivam ente. É possível aprender,
apreciar e am ar sem coerção, m as todas a s ações que incluím os
n essas categorias são controladas por p esso as e lugares.

0 que é coerção?
Na linguagem cotidiana, ser coagido é ser compelido sob jugo
ou am eaça a fazer algo “co n tra n o ssa vo n tad e”. M as an alistas do
com portam ento afirm am que todo nosso com portam ento é controla­
do e, n este sentido, tu d o que fazemos é “co n tra n o ssa vontade”.
“Ju g o ” e “am eaça”, en tretan to , se aproxim am de u m a definição com-
portam ental de coerção; esses term os se referem a classes de conse­
qüências, reais ou potenciais, que controlam nosso com portam ento.
G enericam ente falando, h á três tipos de relações controladoras entre
conduta e conseqüências; reforçam ento positivo, reforçam ento neg a­
tivo e punição. Controle por reforçam ento positivo é não-coercitivo;
coerção en tra em cena quan d o n o ssas ações são controladas por
reforçam ento negativo ou punição.

Reforçadores e reforçamento. Os reforçadores têm d u a s ca­


racterísticas definidoras, am b as diretam ente observáveis. E m pri­
meiro lugar, um reforçador deve seguir u m a ação; em segundo, um
reforçador deve fazer com que essa ação seja rep etid a ou ocorra
m ais freqüentem ente. Um reforçador deve d em o n strar te r am b as as
características.
Assim, um elem ento n a definição tem a ver com o tempo; em
u m a relação de reforçam ento, o ato vem prim eiro e o reforçador a
seguir. Elogio que fazemos a J a n e depois que ela te n h a term inado
seu problem a de aritm ética pode bem fu ncionar como u m reforçador
— se ele tam bém preencher a segunda p arte da definição — m as
elogio dado antes que ela te n h a resolvido o problem a não reforça
52 M urray S id m a n

aquele desem penho p articu lar. O elogio pode d a r prazer a J a n e e


pode reforçar o sorrir ou o sen tar-se quietam ente, ou o que q u er que
seja que ela estivesse fazendo exatam ente an tes que disséssem os
coisas agradáveis p a ra ela. m as o efeito do elogio, então, ap arecerá
em q u alq u er outro com portam ento que não o seu com portam ento de
solução de problem as.
O segundo elem ento n a definição é funcional. Se o evento
que segue um ato for u m reforçador, ele to m a rá m ais provável que a
pessoa faça aquela m esm a coisa novam ente, em circu n stân cias se­
m elhantes. B ater n as co stas de Zé depois de um desem penho excep­
cional e dizer: “Bom trab alh o ”, não é u m reforçador a m enos que
faça Zé fazer m ais do m esm o tipo de coisa. P ara ser classificado
como um reforçador, a conseqüência de u m a ação deve levar à
repetição da ação.
Reforçam ento, então, segue u m a ação e, p o r seu tu m o , to rn a
aquele ato m ais provável no futuro. Insistência em am b as a s p artes
d esta definição não é ap en as u m a bobagem acadêm ica. Pais e p ro ­
fessores que dão aten ção a seu s filhos ap en as quando eles estão
cau san d o problem as descobrem -se com críanças-problem a em su a s
mãos; porque não estão cientes do m om ento crítico, s u a atenção
reforça o com portam ento errado. Reforçando o com portam ento e rra ­
do, eles próprios criam as crianças-problem a.
O utros te n tam fazer com que u m a crian ça se “com porte”
dando-lhe o que incorretam ente assu m em ser reforçadores, talvez
u san d o expressões como "boa m en in a” e “bom trab a lh o ” e coisas
sem elhantes depois que u m a criança te n h a feito o que eles querem .
Mas, a m enos que reforçadores verbais, elogios e gestos simbólicos
sejam apoiados por algo m ais su b stan cial, não h á razão no m undo
para esp erar que estas conseqüências façam a crian ça se “com por­
ta r”. Elogios, sorrisos e outros sinais de aprovação to rn am -se refor­
çadores ap en as depois que ten h am o s experienciado as coisas e re­
su ltad o s m ais sólidos a que eles levam: guloseim as especiais, op o r­
tu n id ad es de brinquedo, realização ou aprendizagem , auxílio p ara
sair de dificuldades, os gestos de am or e o u tras conseqüências que
valem a p en a por to rn a r nossos amigos, família e com panheiros
felizes. Não com preendendo a necessidade de verificar se qualq u er
conseqüência p articu la r realm ente funciona como um reforçador, os
professores dizem: “E u ten tei o reforçam ento e ele não fun cio n o u .”
Em bora eles ten h am tido boa intenção, eles n u n c a te n taram reforça­
m ento realm ente.
Como u m a q u estão prática, conseqüências com portam entais
que cham am os de recom pensas u su alm en te tam bém são reforçado-
Coerção e s u a s impficações 53

res, m as nem sem pre. Oferecer dinheiro a um bom amigo em troca


de um favor, provavelm ente, d estru irá, em vez de fortalecer, a am i­
zade. A relaçáo inversa tam bém não é consistente; nós nos descobri­
mos relu tan tes em atrib u ir valor de recom pensa à dor, m esm o q u a n ­
do a dor prova ser, como às vezes o faz, um reforçador. Veremos que
isto acontece m ais freqüentem ente do que poderíam os esperar.
Nem prazer e reforçam ento sem pre se correspondem . Fre­
qüentem ente descrevem os como prazero sa u m a situ ação n a qual
algo que fazemos ê reforçado, como quando obtem os u m prêm io por
fazer um excelente trabalho. E ntretan to , alg u n s vêem tal reforça­
m ento como u m a arm adilha, m antendo-os envolvidos em u m a ‘ cor­
rida de ra to s ” que eles consideram longe de agradável. No en tanto, o
prêmio efetivam ente os m antêm n a arm adilha; a despeito d a desa-
gradabilidade d a situação, o prêmio ê u m reforçador, definido objeti­
vam ente por seu efeito — m an ter o com portam ento.
As percepções e interpretações d as p esso as sobre o que é
recom pensador ou prazeroso variam de fato consideravelm ente. E s­
ta s variações significam que n o ssa s interpretações e percepções d e­
term inam se algo é u m reforçador? Freqüentem ente, n o ssas crenças,
percepções e interpretações se igualam ao que é objetivam ente refor­
çador. E ntretanto , m esm o n esses casos, é provável que d escu b ra­
mos que a s crenças, em vez de explicar o que é reforçador, são elas
m esm as produtos d a m esm a h istó ria de reforçam ento que a dos
eventos que elas su p o stam en te explicam. Não precisam os dizer que
u m a a lu n a vai p ara a universidade porque acred ita que a rra n ja rá
um em prego melhor; am b as, a crença e s u a p erm anência n a univer­
sidade foram eng en d rad as pelos m esm os reforçadores. Não precisa­
mos dizer que a crença do fanático religioso de que o m artírio irá
conduzi-lo ao paraíso to m a a crucificação u m reforçador, am bos, a
crença e os atos que levam à s u a m orte vieram d a m esm a história.
Percepções e crenças são im p o rtan tes e podem d esem p en h ar
um papel n a determ inação d a conduta, m as são elas p ró p rias com­
portam ento. U sá-las p ara explicar por que algo é u m reforçador
som ente em p u rra a necessidade de explicação um passo a trá s — o
que produziu aqu elas percepções e crenças particulares.
Todas estas considerações falam d a desejabílidade de su b sti­
tu ir alg u n s iten s da fala com um — recom pensas, prazeres e crenças
— por term os técnicos, reforçador e reforçam ento. Em bora a m edida
do com prim ento de um quarto contando o núm ero de vezes em que
colocam os um pé n a frente do outro p o ssa fornecer u m a estim ativa
com a qual se pode trab a lh ar, não quereríam os u s a r essa definição
de pés p a ra d eterm in ar os limites de te rra que vam os com prar; não
54 M urray S id m a n

acham os difícil incorporar o significado técnico de "pé” em n o ssa


linguagem cotidiana. Sim ilarm ente, se não quiserm os sofrer com
explicações im precisas de n o ssa própria co n d u ta e da co n d u ta de
outros, farem os bem em incorporar o term o preciso, “reforçador", em
n o ssa linguagem cotidiana.
Reforçadores específicos não são assim predefinidos; n ó s os
descobrim os. Nossa definição com d u a s p arte s perm ite-nos identifi­
car reforçadores independentem ente de q u aisq u er o u tras considera­
ções. Sim plesm ente observam os se conseqüências p articu lares a u ­
m entam a probabilidade fu tu ra de ações que a s precedem . A desco­
b e rta de reforçadores pode aju d ar a resp o n d er questões que fre­
qüentem ente fazemos sobre a co n d u ta dos outros e a n o ssa própria.
Q uando quer que queiram os conhecer porque alguém age de um a
m aneira particu lar, a prim eira coisa a p erg u n ta r é: “Q uais são as
conseqüências d esta ação?" Se puderm os observar conseqüências
co n sisten tes quererem os, então, sab er se elas são ou n ão reforçado­
res — elas são responsáveis pelo com portam ento com o q u al nos
preocupam os? Como veremos, tendo identificado u m reforçador, po­
dem os então u sá-lo p ara s u b stitu ir co n d u ta indesejável por co n d u ta
desejável. O que explicaria as b irras freqüentes de u m a criança?
Primeiro deveríam os perg u n tar: “O que acontece im ediatam ente de­
pois da b irra ? ” Se observarm os cuidadosam ente, podem os descobrir
que b irra s freqüentem ente term in am quan d o é dado à crian ça um
brinquedo anterio rm en te retirado, ou quando ela recebe perm issão
p a ra fazer algo que tin h a sido proibido, ou sim plesm ente q u an d o ela
obtém a atenção de um pai ou outro m em bro d a família. Tendo
identificado u m a conseqüência, a atenção, devemos então p erg u n ­
tar: “E sta atenção é um reforçador? Ela é responsável pela co n tin u i­
dade das b irras d a crian ça?”
Uma m an eira de descobrir seria d ar e sta m esm a atenção
depois que a criança fizesse o u tra coisa q u alq u er que não u m a b irra
e observar se esta o u tra atividade to rn a-se m ais freqüente. S u p o n h a
que déssem os o brinquedo, ou a perm issão, ou sim plesm ente algu­
m a atenção calorosa e am orosa toda vez que a crian ça b rin casse
calm am ente por u n s poucos m in u to s ou b rin casse gentilm ente com
um irm ão. C om portam ento aceitável, então, su b stitu iria as b irras?
Se sim, teríam os identificado u m reforçador im portante; podem os
usá-lo em vez de drogas, psicoterapia ou restrição física p a ra elimi­
n a r a s birras.
Reforçam ento pode se r expresso como u m a relação “se... e n ­
tã o ”, u m a contingência: se nós agirm os de u m a m an eira p articu lar,
então um reforçador virá; se agirm os de algum a o u tra m aneira,
Coerção e s u a s im plicações 55

então este reforçador não virá. “Se com portam ento 1, então conse­
qüência, m as se com portam ento 2, então não-co n seq ü ên cia.” O re­
forçador segue um ato m as não um outro e assim é contingente ao
ato crítico.
Professores dão n o tas altas (presum ivelm ente estas são re-
forçadores) contingente a resultados altos — e não baixos — em
exames; som ente oferecemos boas referências a sócios ou em prega­
dos se eles agiram de m aneiras que julgam os am igáveis, cooperati­
vas e produtivas: respondem os com afeto ao afeto, m as não (u su al­
mente) à hostilidade; dam os vários sinais de aprovação à s crianças
cujas ações são co n sisten tes com — e não conflitantes com — p rá ti­
cas da com unidade e nossos próprios padrões de co n d u ta. C ontin­
gências de reforçam ento são u m a fonte fu n d am en tal de controle
com portam ental. Em bora contingências de reforçam ento controlem
com portam ento, elas não precisam ser sinônim o de coerção. De fato,
algum as pessoas consideram q u alquer tipo de controle como coerci­
tivo. Porque coerção perm eia n o ssa cultu ra, elas têm sido incapazes
de conceituar controle em q u aisq u er outros term os. Coerção envolve
a aplicação de conseqüências, m as conseqüências que cham am os de
coercitivas diferem de form a im portante daquelas que até aqui tem os
cham ado de reforçadoras.
Se quiserm os en ten d er ou influenciar processos complexos
como motivação, m em ória, aprendizagem , percepção, interação so­
cial, desenvolvim ento da personalidade, cognição e linguagem , um
prim eiro passo é identificar contingências de reforçam ento que são
fu ndam entais p ara cada u m deles. Ao fazer isso, descobrirem os vá­
rios tipos de contingências de reforçam ento e eles fornecerão a base
para um a definição formal de coerção. C onseqüências não são os
únicos tipos de eventos que influenciam a conduta, m as s u a classifi­
cação nos perm ite se p a ra r influências coercitivas de não-coercitivas.

Reforçamento positivo e negativo. No reforçam ento positivo, a


ação de u m a pessoa é seguida pela adição, produção ou ap areci­
m ento de algo novo, algo que não estava lá an tes do ato. No reforça­
m ento negativo u m a ação su b trai, remove ou elim ina algo, fazendo
com que algum a condição ou coisa que estava lá an tes do ato d esa­
parecesse. Colocar m oedas em u m a m áq u in a (comportamento) pode
produzir u m a b a rra de chocolate (reforçamento positivo) ou pode
rem over a b arreira de u m a catraca {reforçamento negativo); estu d a r
pode produzir um A’ (positiuo) ou elim inar u m ‘incom pleto’ (negati­
vo); p isar no acelerador de um autom óvel pode produzir u m a alta
velocidade positivam ente reforçadora ou a esquiva de u m a colisão
56 M urray S id m a n

negativam ente reforçadora; ao atra v essa r u m a porta, podem os e n ­


co n tra r m úsica b o n ita ou podem os escap ar de cacofonia. Q uando
nosso com portam ento é reforçado positivam ente obtem os algo;
quando reforçado negativam ente removemos, fugimos ou esquiva­
m os de algo. Ambos os tipos de conseqüências to rn am m ais provável
que façam os a m esm a coisa o u tra vez. Ambos são, p o rtanto, reforça-
dores.
Podemos u s a r contingências positivas ou negativas p a ra e n ­
sin ar com portam ento novo e p a ra m an ter com portam ento que está
ocorrendo. Um rato de laboratório, por exemplo, ap ren d e rá a a p e rta r
um botão com seu focinho se derm os a ele u m pequeno pedaço de
alim ento (reforçador positivo) cad a vez que ele fizer isso. E m p u rra n ­
do o botão o anim al produz o alim ento. E n q u an to a contingência
positiva prevalecer, o rato co n tin u ará ap ertan d o o botão.
O rato tam bém ap ren d erá a ap ertar o botão se esta for a
m aneira pela qual ele pode desligar u m a luz b rilh an te por poucos
segundos [reforçador negativo). E m p u rran d o o botão o anim al rem o­
ve a luz brilhante. E n q u an to a contingência negativa prevalecer o
anim al a p e rta rá o botão sem pre que a luz acender.
O com portam ento (em purrar o botão) e a s conseqüências
(alimento, ou fuga d a luz brilhante) em tais arran jo s de laboratório
são m ais sim ples do que as interações h u m a n a s n as quais estam os
m ais in teressad o s, m as, como dem onstrações de laboratório em
qualquer ciência, tais arran jo s perm item que processos básicos a p a ­
reçam m ais claram ente. Q uando nosso rato co n tin u a a a p e rta r o
botão, desligando a luz b rilh an te, tem os u m a clara dem onstração de
reforçam ento negativo.
Reforçam ento negativo é a prim eira de d u a s categorias m aio­
res de controle que eu defino como coercitivo. (A seg u n d a categoria,
a ser d iscu tid a m ais tard e, é a punição). Ambos, reforçadores positi­
vos e negativos, controlam nosso com portam ento, m as eu não c h a ­
mo reforçam ento positivo de coerção. Q uando produzim os coisas ou
eventos que u su alm en te consideram os úteis, inform ativos, ou ag ra­
dáveis em si m esm os, estam os sob o controle de contingências posi­
tivas. Mas q u and o nos livramos, dim inuím os, fugim os, ou esquiva­
mos de eventos p ertu rb ad o res, perigosos ou am eaçadores, reforça­
dores negativos estão no controle; com este tipo de controle eu falo
de coerção. A distinção n ão é arb itrária. Como verem os seguidas
vezes, controle coercitivo — reforçam ento negativo é u m a categoria
— engendra efeitos colaterais, freqüentem ente não-esperados, que
envenenam n o ssa s relações in stitu cio n ais e sociais cotidianas.
Coerção e s u a s im plicações 57

Freqüentem ente é im portante sab er se reforçadores positivos


ou negativos são responsáveis por u m a co n d u ta p articu lar. É refor
çador p ara um m enino que lava o carro da família o carro brilhando
e, talvez, a valorização de seu s pais. ou é reforçador a esquiva de
adm oestações, ou su rra s que ele receberia se ele não tivesse feito o
trabalho? A diferença, se ela se estende tam bém a outros aspectos
da vida fam iliar do m enino, refletir-se-ã em s u a personalidade e em
sua adaptação às d em andas d a sociedade. Se su a s interações fam i­
liares são m antidas principalm ente por reforçam ento negativo — por
seu sucesso em desviar-se de cen su ra, desaprovação, ridículo ou
abuso físico — tal controle coercitivo tam bém in fluenciará s u a s in te­
rações com o u tra s p esso as e poderá alterar su a visão geral da vida.
Uma pesso a que é am plam ente m an tid a por reforçam ento
positivo, freqüentem ente produzindo “coisas b o as”, sen tirá a vida de
m aneira m uito d istin ta da de u m a pessoa que está em contato m ais
freqüentem ente com reforçam ento negativo, tendo con stan tem en te
de fugir de ou evitar “coisas ru in s ”. Como verem os, os efeitos de
coerção, p articu larm en te se reforçam ento negativo é forte ou co n s­
tante, podem esp alh ar-se p ara esferas d a co n d u ta ap aren tem en te
não-relacionadas.
Algum as vezes é difícil dizer qual é o controle, reforçam ento
positivo ou negativo ou am bos. S u p o n h a que deixem os nosso rato de
laboratório produzir alim ento e ap ag ar u m a luz b rilh an te qu an d o ele
ap ertar o botão. Se quiserm os então descobrir o que é responsável
por su a atividade de ap ertar o botão, a produção de alim ento ou a
fuga da luz brilhan te, sim plesm ente poderem os rem over e ssa s co n ­
seqüências, um a de cada vez, e ver se o anim al co n tin u a a ap ertar o
botão. As condições restritas de laboratório perm item u m a resp o sta
direta p a ra n o ssa questão. D escobrir se reforçam ento positivo ou
negativo exerce controle fora do laboratório provavelm ente não se
m o strará tão sim ples assim , mesm o que decisões im p o rtan tes pos­
sam depender da resposta.
Podemos, por exemplo, ter que en trev istar recém -form ados
p ara u m em prego em n o ssa com panhia. Em bora a jovem agradável
d ian te de nós não te n h a todas as habilidades que o trab alh o exige,
s u a s boas n o tas escolares provam s u a habilidade p a ra aprender.
Mas ela ap ren d erá? Boas n o tas nem sem pre predizem desem penho
futuro. U m a razão é que as habilidades n ecessárias p a ra se sa ir bem
em cu rso s podem ter sido m an tid as por coerção. A can d id ata obteve
su a s n o tas altas por meio de reforçam ento positivo — talvez o novo
conhecim ento que levou à obtenção de h o n ras acadêm icas e elogios
fam iliares e abriu opções de emprego? Ou su a s n o tas altas foram o
58 M urray S id m a n

produto de reforçam ento negativo — esquiva de desaprovação fam i­


liar, hu m ilh ação pessoal ou conseqüências econôm icas fu tu ra s de
um histórico escolar pobre?
Se contingências positivas tiverem prevalecido, então p odere­
m os esp erar que a jovem continue ap rendendo porque o em prego
to m a ria os m esm os reforçadores — novos conhecim entos e h ab ilid a­
des — disponíveis p a ra ela. Por outro lado, se ela foi coagida n a
escola, poderem os esp erar que ela ap ren d a som ente n a m edida em
que necessite evitar perd er o emprego. C laram ente, é necessário
m ais inform ação sobre a can d id ata, m as não podem os fazer u m
experim ento. O rato de laboratório docum entou a realidade dos dois
tipos de reforçam ento, m as ao fazer tais distinções fora do la b o rató ­
rio, freqüentem ente tem os de u s a r to d a e qualq u er inform ação que
esteja disponível, ap o stan d o n a sorte e então esperando p a ra ver o
que acontece.
P oucas de n o ssa s ações produzem sem pre seu s reforçadores
u su ais. Só algum as vezes u m e stu d an te obtém u m “A” depois de
e s tu d a r b astan te; nem sem pre u m a crian ça consegue fugir d a b r u ta ­
lidade correndo. E stas inconsistências to m a m difícil identificar as
conseqüências que m an têm a co n d u ta de u m a pessoa. Além disso,
estu d o s de laboratório têm revelado u m fato que co n traria a in tuição
sobre o com portam ento; reforçam ento inconsistente, longe de en fra­
quecer u m a ato, to m a-o m ais p ersisten te e resisten te à modificação.
Se déssem os ao n osso rato alim ento ap en as ocasionalm ente
depois que ele em purrou o botão, e ap en as algum as vezes a p ag á sse­
mos a luz b rilh an te, ele então p ersistiria em p u rran d o o botão m es­
mo se nós interrom pêssem os am bos os tipos de reforçam ento — não
m ais dando-lhe alim ento e deixando a luz acesa não im portando o
que ele faça. A m enos que um observador conhecesse a h istó ria do
anim al, s u a atividade co n tin u ad a pareceria b a sta n te m isteriosa. Po­
deríam os te r u m problem a sim ilar p ara en ten d er a b irra a p a re n te ­
m ente inefetiva de u m a crian ça se não soubéssem os que os pais
reagiram inconsisten tem en te no passado, algum as vezes cedendo,
algum as vezes não; poderíam os n ão identificar a s origens da lin g u a­
gem ch u la de um executivo, se não soubéssem os que tal linguagem
fez com que os oponentes de s u a política ocasionalm ente encolhes­
sem os om bros e cedessem ; sem ter observado que o lavar a mão
com pulsivo de um p aciente psiquiátrico algum as vezes produziu su a
liberdade em relação a s u a fam ília e a o u tra s resp o n sab ilid ad es
sociais, um p siq u iatra poderia atrib u ir esta atividade n eu ró tica a um
trau m a de treino de toilette n a infância. Ao p ro cu rar en ten d er p o r­
que as pessoas agem d a m an eira como o fazem, raram en te podem os
Coerção e s u a s im plicações 59

fazer um experim ento no m om ento. E n tretan to , o laboratório tem


nos dado indícios, dizendo-nos que tipos de co n seq ü ên cias procurar.

Punição. R eforçadores positivos tornam m ais prováveis as


ações que os produzem ; reforçadores negativos to m a m m ais prová­
veis as ações que os term inam . C ada tipo de reforçam ento tem
tam bém u m a co n trap arte sim étrica: algum as vezes fazem os coisas
que term inam reforçadores positivos, algum as vezes produzim os re ­
forçadores negativos. E stas co n trap artes sim étricas de reforçam ento
positivo e negativo constituem a punição.
Punição pode, p ortanto, assu m ir u m a de d u a s form as. Um
tipo de punição confronta-nos com o térm ino ou retirad a de algum a
coisa que com um ente seria u m reforçador positivo, o outro tipo
confronta-nos com a produção de algo que norm alm ente seria um
reforçador negativo. Eu defino estas d u as contingências de punição
— a perda de reforçadores positivos e a produção de reforçadores
negativos — como coercitivas; punição é a seg u n d a m aior categoria
de controle coercitivo.
Como o reforçam ento, a punição ê u m a contingência entre
conduta e conseqüências. Da m esm a forma que cham am os de “re­
forçadores” conseqüências que reforçam , cham am os conseqüências
que p u n em de “p u n id o ra s”. Como reforçadores, p u n id o res vêm de­
pois do com portam ento. C om um ente, alim ento é u m reforçador posi­
tivo, de modo que su a perda é u m punidor; a dor é com um ente um
reforçador negativo, assim como é um pu n id o r quan d o produzida.
R eforçam ento difere de u m modo im p o rtan te d a punição.
Definim os reforçadores — positivo ou negativo — p o r seu efeito
especial sobre a conduta; eles au m en tam a probabilidade fu tu ra de
ações às quais seguiram . Mas definim os punição sem ap elar p ara
qüalquer efeito com portam ental; punição ocorre quan d o q u er que
u m a ação seja seguida ou pela perda de reforçadores positivos ou
ganho de reforçadores negativos. E sta definição n a d a diz sobre o
efeito de um pu n id o r sobre a ação que o produz. Ela não diz que
punição é o oposto de reforçam ento. Ela não diz que pu n ição reduz
a probabilidade fu tu ra de ações punidas.
Porque a definição n a d a p ressupõe sobre os efeitos de p u n i­
dores sobre a conduta, ela difere de am bos: da definição técn ica de
reforçam ento e de n o ssas preconcepções m ais u su ais. Sem pre que
vemos u m a ação produzindo a perd a de um reforçador positivo, ou a
produção de um reforçador negativo, dizemos que a ação está sendo
punida. Então, podem os perguntar: “Q uais efeitos a punição tem ?”
ou, no caso geral: “O que a punição faz ao com portam ento?” Os
60 M urray S id m a n

efeitos da punição nao sao a ssu n to de definição; tem os que desco­


b rir o que eles são.
S u p o n h a que tentem os en sin ar um cachorro a sen tar-se
diante de u m com ando. Dizemos “sente-se!”, e se o cachorro se
senta, nós o deixam os com er de u m p rato de com ida próximo. Uma
vez que o alim ento é u su alm en te um reforçador positivo p ara um
cachorro fam into, será m ais provável que o cachorro se sen te q u a n ­
do novam ente ordenado.
S u p o n h a que quando dizemos “sente-se!”, o cachorro pule
sobre nós. Nós então, jogam os a com ida no lixo. U m a vez que ali­
m ento é coraum ente um reforçador positivo, s u a rem oção é u m a
punição; se punição tem o efeito que as p esso as u su alm en te esp e­
ram . será m enos provável que, no futuro, o cachorro pule quando se
ordena que se sente.
Neste exemplo, o cachorro ap ren d e a se se n ta r por c a u sa da
contingência de reforçam ento positivo; ele obtém alim ento por se n ­
tar-se. M as m esm o se n ó s coagíssem os o anim al por meio de p u n i­
ção a não pular, nós não o ensinam os, por decorrência, a se sen tar.
No m elhor dos casos, punição en sin a o anim al que ele perderá
alim ento por p u la r qu an d o lhe é ordenado que se sente. A punição
não o en sin a como obter alim ento.
E n tretan to , poderíam os u s a r reforçam ento negativo p ara
coagir o cachorro a se sen tar. S u p o n h a que to d a vez que o rd en ásse­
m os, “sente-se!”, tam b ém b atêssem o s no anim al, co n tin u an d o a
fazê-lo até que acontecesse de o cachorro se se n ta r (um a técnica
com um no "treinam ento de obediência”). Q uando o cachorro se le­
vanta, novam ente dam os a ordem e batem os, paran d o som ente
quando o anim al se se n ta r o u tra vez. A s u rra é com um ente um
reforçador negativo, d esta form a é provável que o cachorro faça o
que quer que encerre a su rra; ele ap ren d e a se se n ta r quan d o orde­
nado a fazê- lo. “Sente-se!” to m a-se u m a am eaça que o cachorro
pode en cerrar sentando-se.
Neste exemplo, o cachorro aprende a se se n ta r por c a u sa d a
contingência de reforçam ento negativo; sen tar-se previne ou term ina
a su rra, A s u rra tam bém p u n e tudo o que o cachorro faz, exceto
sentar-se; to d as a s o u tras ações produzem u m a su rra. Mas ap en as
p u n ir o anim al por fazer algo m ais não o en sin a a sen tar-se. Q uando
m uito, punição som ente o en sin a o que não fazer.
Como os reforçadores, punidores são contingentes às ações.
Isso faz com que p u n id o res freqüentem ente tornem as ações p arti­
culares às quais se seguiram m enos prováveis, m as, como vimos,
isso não é p arte de s u a definição. N unca sabem os com certeza o que
Coerção e s u a s im plicações 61

a punição fará, tem os que ver por nós m esm os. O que vemos no
laboratório e a to d a n o ssa volta no m undo cotidiano não é conforta­
dor.
Controle por meio de reforçam ento positivo, então, não é
coercitivo; controle por meio de reforçam ento negativo e punição é. A
m aioria das pesso as entende reforçam ento negativo e punição sem
dificuldades. “É assim que o m undo é.” Reforçam ento positivo fre­
qüentem ente parece m ais difícil de com preender. M uitas pessoas
vêem reforçadores positivos ap en as como algo valioso que pode ser
retirado e, d esta forma, úteis p ara coagir o u tro s a se com portarem
como elas gostariam . P ara elas. reforçadores positivos são apenas
algo a se r tom ado de volta diante de u m com portam ento in ad eq u a­
do; u m a criança que age m al à m esa é obrigada a não com er sobre­
mesa; um aluno desaforado deve fazer sacrifício d u ra n te o recreio;
um legislador que vota co n tra seu partido perde a liderança. P u n i­
ção por meio da rem oção de reforçadores positivos é bem -com preen-
dida.
O utro m au u so de reforçam ento positivo é deliberadam ente
criar os tipos de privações que to rn am os reforçadores efetivos: pri­
sioneiros prim eiro são colocados em solitária e, então, se perm ite a
eles ter contatos sociais como reforçam ento por docilidade; prim eiro
subm etidos à privação extrem a de alim ento, eles podem, então, ob­
te r alim ento em retribuição por subserviência. Liberdade e alim ento
parecem reforçadores positivos, m as quando eles são contingentes à
cessação de privações artificialm ente im postas, s u a efetividade é um
produto de reforçam ento negativo; eles se to m am in stru m en to s de
coerção.
E p a ra o u tro s, refo rçam en to positivo é a p e n a s um sonho
“... irreal; o m undo não funciona d esta m an eira”. Alguns professores
Consideram -no até m esm o ruim , “n a d a além de su b o rn o ”, e em vez
de proverem conseqüências positivas qu an d o seu s alu n o s ap ren ­
dem. eles ap en as os p unem quando eles falham . A prender, em vez
de to m a r-se um reforçador por si m esm o, funciona p a ra m uitos
alunos e e stu d an tes como u m a ro ta de fuga. Não seria su rp reen d en ­
te que m uitos deles considerem “ap ren d er por ap ren d e r” u m concei­
to não-fam iliar.
Dedicam os m uito de n o ssas vidas a elim inar ou prevenir
estresses atu ais e fu tu ro s que a n atu re za e a sociedade nos impõem.
Lutam os p a ra selecionar cursos de ação que aju d arão a nos libertar
dos m uitos tipos de restrições físicas, governam entais e sociais a
que estam os con stantem ente subm etidos. Realidades físicas deter­
m inam como podem os nos m an ter protegidos dos elem entos da na-
62 M urray S id m a n

tureza, n o ssa s leis dizem -nos como nos m a n ter fora d a prisão e
costum es sociais codificam as fronteiras com portam entais que nos
perm item desviar da c en su ra de nossos vizinhos. Freqüentem ente,
tem os poucas opções disponíveis p a ra prevenir ou evitar desprazer
ou situações perigosas. F reqüentem ente, som os forçados a ações
que consideram os n ão -n atu rais, desagradáveis, ou fora de hora, de
form a a fugir ou esquivar de p ressões físicas e in terp esso ais com uns
e extraordinárias.
Tam bém aceitam os algum a coerção reconhecendo que neces­
sitam os de lei e de seu cum prim ento p ara m an ter interações civiliza­
d as entre pessoas com in teresses conflitantes e que reg u lam en ta­
ções de saú d e e segurança, em bora caras e freqüentem ente inconve­
nientes, são proteções necessárias co n tra os poucos que d escu id a­
dam ente colocariam em risco os dem ais. E ntretanto, au to -in teresse
algum as vezes p roduz algum as contradições e stra n h a s. Votamos
contra leis que regulam entam o cinto de seg u ran ça em autom óveis
considerando-as coercitivas, m esm o que aceitem os leis que nos fa­
zem p a ra r d ian te de u m sinal vermelho; com panhias de cigarro
com batem leis an titab ag istas ro tu lan d o -as como coercitivas, em bora
aceitem sem q u estio n ar as proibições co n tra vender arsênico e o u ­
tros venenos sem receita; com unidades lutam co n tra o serviço de
ônibus escolar considerando-o coercitivo, em bora ab a n d o n a r o servi­
ço de ônibus signifique coagir crian ças que pertencem a m inorias a
freqüentar escolas abaixo do p adrão e coagir todas a s crian ças a um
am biente social restrito.
F reqüentem ente coagidos à ação (ou inação), m u itas vezes
nos descobrim os tam bém u san d o coerção pfira com pelir outros a
agir como querem os que façam. Ao controlar o u tra s pessoas coerciti^
vãm ente, privam os e m agoam os ou am eaçam os privá-las e m agoá
las quando fazem coisas que consideram os indesejáveis; param os de
privar, m a ch u car e am eaçar som ente quando elas agem diferente­
m ente, fazendo o que consideram os aceitável. N aturalm ente, é u m a
experiência com um que algum as coisas feitas pela prim eira vez sob
com pulsão se dem onstram tão prazerosas ou valiosas que, su b se ­
qüentem ente, as perseguim os por elas m esm as. A prender pelo
aprender pode em ergir m esm o a p artir de u m começo coercitivo, se
. descobrirm os que as coisas que aprendem os capacitam -nos a fazer
m ais do que ap en as esquivar de punição na escola. Novas h ab ilid a­
des, desde a leitu ra até o raciocínio, abrem m uitos novos cam inhos
p ara reforçam ento positivo. Ê u m a infelicidade que esta descoberta
seja tão freqüentem ente deixada ao acaso. P ara m uitos, a tra n sfo r­
m ação d a aprendizagem de u m m ecanism o de fuga p ara u m a fonte
de reforçam ento positivo jam ais ocorre.
Coerção e s u a s im plicações 63

Alguns lideres religiosos argum entam : “É diabólico pagar


crianças p ara se com portarem , elas deveriam ser bem -com portadas
porque esta é a coisa certa a fazer e não porque recebem algo em
troca.” Então, n atu ralm en te, em vez de d ar à crian ça algo bom
quando elas se com portam adequadam ente, aqueles que concordam
com esta versão da m oralidade ap en as a s p u n em quan d o elas se
comportam inadequadam ente.
Como verem os, em u m capítulo posterior, tal trein am en to dá
origem a aquilo que gostam os de ch am ar n o ssa consciência. S u p o s­
tam ente nosso sentido de certo e errado, isto é, n o ssa consciência é,
realmente, som ente u m sentido de errado; ela se desenvolve, inicial­
mente, diretam ente do controle coercitivo.
Como as várias liberdades, que significam a au sên cia de
formas relacionadas de coerção, “certo” pode ser definido som ente
em contraste com “errad o ”. Primeiro, aprendem os que podem os fazer
o errado quando, n a infância, experienciam os punição por algum as
de nossas ações. Se n u n c a fôssem os punidos, toda a n o ssa co n d u ta
seria certa m as, porque errado seria então u m conceito d esn ecessá­
rio, a noção co n tra stan te de certo tam bém jam ais surgiria. Nem
surgiria a noção de consciência.
Para m uitos — alguns diriam , p a ra a m aioria — coerção gera
e perpetua o sentido de errado. F reqüentem ente ouvim os dizer, b a s ­
tante abertam ente, que algum a co n d u ta p articu la r é m á som ente se
for pega no ato. C ontudo, aqueles afortunados dentre nós que não
foram sujeitos a m u ita punição d u ran te seu crescim ento, ainda a s ­
sim têm consciências fortes. Não precisam os ter sido coagidos a
pensar ser errado roubar, m en tir ou m atar. Alguém educado de
modo am oroso a ser sensível e solidário com ou tro s e a adm irar
modelos de virtude, provavelm ente, viverá segundo um código moral
forte. Mas, em bora a coerção não precise ser diretam ente resp o n sá­
vel por nosso sentido de que u m a co n d u ta p articu lar é errada, a
própria noção de errado, em si m esm a, se en raíza quando a conduta
é punida. Dado o estabelecim ento d a noção geral por meio de coer­
ção. o rótulo “errado” pode então ser aplicado a casos p articulares
sem coerção posterior.
Em bora possam os descobrir m u itas exceções individuais, a
sociedade, como u m a regra geral, te n ta m an ter n o ssas consciências
utilizando m eios coercitivos. Reforçamento positivo como u m a ferra­
m enta de política pública é raro. Aqueles a quem nós confiam os as
tarefas de m onitorar e dirigir nosso com portam ento — n o sso s pro­
fessores, polícia, líderes religiosos, agências sociais e governantes —
levam-nos a nos com portar h o n esta e eticam ente, em conform idade
64 M urray S id m a n

com princípios legais e m orais que aju d am a a sseg u rar a sobrevivên­


cia d a sociedade. Mas, som ente o ingênuo esp era que nós realm ente
nos ajustem os a esses princípios a m enos que sejam os obrigados a
fazê-lo. N ossas consciências in tern as devem ser s u ste n ta d a s por
coerção externa, por punição e am eaça de punição vindas do exte­
rior. Q uão freqüentem ente cada u m de nós teve a experiência de ter
recebido algo ou a p ro m essa de algum a coisa p ara, então, descobrir
que tem os de en fren tar o u tras obrigações p a ra que o presen te não
seja tom ado de volta ou a prom essa voltada a trá s? E assim nos
to m am o s cínicos. Ficam os abism ados se nos oferecem u m a cen o u ra
que não tem a trá s u m a vara.
Laboratório de marfim ou estufa de vidro?

A conduta pode ser analisada?


Infligimos dor u n s aos outros d iariam ente com n o ssa s p ráti­
cas coercitivas e estam os p restes a infligir a dor final a nós mesm os
no fu tu ro próximo. Este estado em ergencial de fato em p resta um a
certa urgência à necessidade de to m ar conhecim ento da ciência da
análise do com portam ento. M uitos de nossos m ais sérios problem as
originam -se de n o ssa inabilidade p a ra predizer e lidar com o com ­
portam ento. O que as o u tras p esso as estão fazendo no m om ento e o
que estão pretendendo fazer no fu tu ro ? Como poderíam os m elhor
influenciá-las considerando nosso próprio interesse, seu próprio in ­
teresse ou o interesse d a m aioria? T rabalhadores podem ob ter salá­
rios m ais altos d a direção? O dirigente pode a u m e n ta r a produtivi­
dade do trab a lh ad o r? As m u ltas e a prisão são n ece ssárias p ara
impedir os capitães da in d ú stria de poluir n o ssa atm osfera e rios?
Como podem os levar os m ilitares a p a ra r de envenenar n o ssa te rra e
. oceanos com lixo atôm ico? Tem sentido m a n ter um ap arato m ilitar
tão enorm e que su a s dem an d as insaciáveis por recu rso s am eaçam
destruir a própria form a de vida que su p o stam en te ele defende? O
que farem os p ara convencer as auto rid ad es de que esta é u m a q u es­
66 M urray S id m a n

tão razoável? E existe alguma m aneira de impedir que algum gover­


nante paranóico ou louco pelo poder aperte o botão que destruirá a
todos nós?
Cada um de nós também está preocupado com su as próprias
ações. Todos temos de controlar a nós mesmos. Problemas sérios de
saúde podem estar envolvidos: nós podemos levar nós mesmos a
p arar de fumar, a perder peso, a selecionar alimentos mais sab ia­
mente, a fazer exercícios? Muitas pessoas precisam aprender habili -
dades sociais básicas: como superar a solidão? Como fechar aquele
acordo de negócios? O tem a “como ganhar amigos e influenciar
pessoas” tem sido a fonte de sobrevivência para m uitos escritores.
A análise do comportamento lida com o manejo de nosso
próprio comportamento e do comportamento dos outros. Estamos
sempre ajustando nossas ações às dem andas do m undo ao nosso
redor. Analisar comportamento é simplesmente estu d ar esses a ju s ­
tam entos. Assumindo que pessoas, lugares e coisas estão sem pre
controlando as ações de qualquer indivíduo, analistas do com porta­
mento tentam descobrir como estabelecer, facilitar, impedir ou evitar
esse controle. A descoberta de princípios gerais tom a possível p red i­
zer nossas próprias ações e as de outros e modular o controle que já
existe. Análise do comportamento não defende, m as simplesmente
investiga controle com portamental. É tarefa da sociedade determ inar
quando o controle deliberado da conduta é desejável e quando ele
não é, e se ela quer ou não tipos particulares de controle. Práticas
pessoais e culturais confirmam nosso reconhecimento geral de que
comportamento pode ser analisado e modelado. Usamos m uitos m é ­
todos diferentes p ara m udar nossa própria conduta e a de outras
pessoas.
Ser a favor da educação é reconhecer que o comportamento é
analisável e controlável. O trabalho de um professor é controlar o
comportamento de seus alunos. Eu não estou falando aqui sobre a
disciplina em sala de aula, m as sobre a tarefa fundam ental do p ro ­
fessor de levar os estudantes a dizer e a fazer coisas que eram
incapazes de dizer e fazer antes. Eu chamo isso “d ar a eles novo
conhecimento”, ou “levá-los a apreciar” o que o m undo tem a ofere­
cer-lhes, m as novo conhecimento e apreciação só podem ser d e­
m onstrados por novas ações. Um professor bem-sucedido é aquele
que m uda o comportamento de seus alunos de m aneira que de­
m onstrem suas novas capacidades.
A maioria dos pais estabelece m ais ou menos claramente
padrões definidos para seus filhos, alguns sabendo exatamente o
que querem que seus filhos se tom em e outros contentes apenas em
Coerção e s u a s im plicações 67

criar seres hu m an o s decentes, felizes. No final d as contas, todos nós


querem os que nossos filhos desenvolvam as habilidades que neces
sitarão p ara a sobrevivência. P ara atingir este fim u sam o s toda a
influência à n o ssa disposição p a ra en sin ar n o sso s filhos a com porta­
rem -se adaptativam ente.
Tam bém fu ndam entam os a “au to rid ad e d a lei” n a controlabi-
lidade da conduta. Leis são afirm ações de contingências. Se pessoas
agem de certa m aneira, seguir-se-ão certas conseqüências. Nosso
' sistem a legal claram ente reconhece que m anejam os p esso as ligando
conseqüências à s su as ações.
A certando u m d esp ertad o r arranjam o s o nosso am biente
para controlar o nosso próprio com portam ento. Tam bém co ntrola­
mos a nós m esm os quan d o escrevem os lem bretes, removemos certos
alim entos de nosso refrigerador, com pram os um equipam ento de
ginástica, entram o s p a ra u m clube de encontros, fazemos u m curso
de propaganda, nos desfazem os de nosso revólver, desligam os as
luzes n a h o ra de dorm ir, trocam os u m a lâm pada queim ada em u m a
lum inária, ligamos ou desligam os u m aparelho de ouvido, percorre­
m os o alfabeto p a ra lem b rar o nom e de alguém .
P ortanto, em m uitos aspectos de n o ssa s vidas im plicitam en­
te reconhecem os que o com portam ento é controlado. O controle tem
que ser coercitivo? Infelizmente, m uitos responderão: “O que m ais
existe?” Seu conseqüente dissabor com a noção de controle tem
evitado que eles entrem em contato com a análise do com portam en­
to, a ciência que pode ajudá-los a en ten d er a n atu re za do controle
com portam ental. Ignorar as realidades do controle tem im pedido que
eles aproveitem os m étodos não-coercitivos p ara produzir m u d an ça
com portam ental desejada.
Uma sim ples afirm ação de que fam iliarizar-se com a análise
do com portam ento seria vantajoso su b estim a perigosam ente este
caso. D ados os d esastres que nosso m undo e s tá sofrendo por cau sa
de nosso fracasso em conduzir a nós m esm os e os ou tro s efetiva­
m ente, é m ais do que razoável afirm ar que não podem os sobreviver
sem u m a tal ciência. E ssa afirm ação m ais forte deve se r tom ada
literalm ente: sem u m a ciência do com portam ento não p erm an ecere­
m os vivos. N aturalm ente, não h á g arantia. Podem os não sobreviver
m esm o com u m a ciência do com portam ento. M as, sem u m a ciência
p a ra nos m o strar como m u d a r a m an eira de conduzir nossos proble­
m as, o m undo cam in h ará p a ra a m orte por negligência ou suicídio.
E stam os poluindo nosso am biente em larga escala, q ueim an­
do com bustível fóssil, au m en tan d o o dióxido de carbono n a atm osfe­
ra e elevando a te m p eratu ra do m undo até o m om ento em que o
68 M urray Sidm art

derretim ento d as cam adas de gelo fará d esap arecer n o ssa s civiliza
ções costeiras. A educação tem talvez aguçado n o ssa consciência do
perigo, m as não tem fornecido soluções. Evitarem os esse desastre
global som ente aprendendo a m anejar nosso próprio com portam ento
e o com portam ento dos outros — tam bém em escala global.
A tecnologia m oderna tem originado novos problem as. E sta ­
m os arm azenando lixo radioativo em containers que garan tid am en te
vazarão daqui a algum as gerações. A publicidade tem ajudado a
expor o problem a, m as a indignação pública d as pessoas h o n rad as
não ê suficiente p a ra resolvê-lo. Uma ciência de análise do com por­
tam ento, consideravelm ente m ais avançada do que ela é atu alm en te,
terá que descobrir como podem os fazer com que tais conseqüências
rem otas influenciem o com portam ento atu a l de solução de proble­
m as.
Um conflito cad a vez m aior en tre as restrições biológicas e
econôm icas tem intensificado a influência coercitiva do am biente
sobre a condição h u m an a. A população do m undo está se ex p an d in ­
do em u m a tax a que excede de m uito a su a produtividade. Provo­
cando um rápido aum ento no núm ero daqueles que n a d a têm. Nem
um alto interesse ilum inado, nem u m sentido de fraternidade têm
sido capazes de m elhorar a resu ltan te m iséria da h u m an id ad e. Será
necessário u m a ciência d a análise do com portam ento altam ente de­
senvolvida p ara n o s m o strar como aju d ar outros a aplicar as infor­
m ações tecnológicas que já possuím os, p ara criar condições de vida
que suportem o crescim ento da população.
As superp o tên cias duelam no O riente Médio realizando m a­
n obras p a ra o acesso continuado ao petróleo necessário p ara a so ­
brevivência de su a s m áq u in as m ilitares. O esgotam ento d as reservas
de energia d a T erra am eaça fazer explodir um conflito internacional
que provavelm ente term in ará em u m holocausto n uclear. Podemos
depender de nosso in stin to de sobrevivência ou colocar n o ssa fé no
espírito e intelecto h u m an o s p ara co rtar este im pulso suicida? Con­
siderações econôm icas têm nos im pedido de d a r alta prioridade p ara
o desenvolvim ento de novas fontes de energia. O dinheiro a p a re n te ­
m ente vence o medo.
O d esastre n u clear com que nos defrontam os é de u m tipo
que ja m a is experienciam os e é provável que serem os capazes de
experienciã-lo ap en as u m a vez. A despeito de s u a m agnitude, o fato
de ser rem oto lhe d á som ente u m fraco controle sobre n o ssas ações.
A im ediaticidade dos gastos econômicos e dos tran sto rn o s dá a estas
conseqüências consideravelm ente m ais poder sobre n o ssas co n d u ­
tas do que o m ais destrutivo m as tam bém m ais d ista n te conflito
Coerção e s u a s im plicações 69

para o qual nos dirigimos. Será necessário ta n to u m a ciência de


análise do com portam ento básica, como u m a ap licada p a ra desco­
brir como colocar aq u elas conseqüências que são não-fam iliares e
a tra sa d as em contato com as form as de política a tu a is.
Talvez estes problem as não sejam solucionáveis. A ciência da
análise do com portam ento tem m ostrado que conseqüências a tra s a ­
das afetam fracam ente a conduta. Uma análise rigorosa pode levar à
conclusão de que as leis do com portam ento ap o n tam p a ra o nosso
desaparecim ento como u m a espécie inevitável. Ter a ciência não
fornece g aran tia de sobrevivência. Ainda assim , o fracasso em fo rta­
lecer nosso entendim ento de n o ssa própria co n d u ta seguram ente
nos privaria de u m recu rso efetivo n a b u sc a de m aneiras que e sta n ­
quem a n o ssa corrida em direção à extinção.

0 que significa “fazer um experimento”?


A análise do com portam ento é am bos: u m a ciência experi­
m ental e aplicada, m as, m esm o n a aplicação, an alistas m ais efetivos
assum em u m a abordagem experim ental. Experim entos podem ocor­
rer em laboratórios, em clínicas, em salas de au la s e em qualquer
outro lugar. O que faz exatam ente o an a lista do com portam ento
quando ele experim enta?
Primeiro de tudo, u m experim ento não é sim plesm ente um a
tentativa, um teste ap en as p ara ver o que acontecerá, ou u m a b u sca
para descobrir se algo atingirá ou não seu objetivo. Tocar m úsica
p a ra ver o que acontece com a produtividade de trab alh ad o res não é
em si m esm o um experim ento, nem o é m arcar um período tentativo
para novas m edidas disciplinares n a escola, nem o é o estabeleci­
m ento de u m currículo novo p a ra faculdade n a esperança de a u ­
m en tar o valor da educação liberal. M era incerteza sobre resultados
não faz um experim ento.
F altam em tais testes os controles necessários p a ra a in ter­
pretação clara dos resultados. U m a característica fu n d am en tal de
experim entos é que eles produzem dados e técnicas de coleta de
dados acessíveis à avaliação pública. Um experim entador deve dizer
exatam ente o que fez e sob quais condições, de modo que seja
possível a crítica inform ada e a repetição do estudo por outros.
Na análise do com portam ento, devemos identificar o com por­
tam ento no qual estam os interessados e especificar q u aisq u er ele­
m entos da situação que acreditam os poder influenciar o com porta­
m ento. Primeiro, quais ações m edirem os? Se n ó s estiverm os in teres­
sados n a produtividade do trabalhador, registrarem os o nú m ero de
70 M urray S id m a n

faltas ao trab alh o ? H oras g astas por dia em u m a escrivaninha ou


m áq u in a? A quantidade de energia corporal g asta em cada item
produzido? O núm ero de iten s produzidos por ho ra? O núm ero de
itens defeituosos? Talvez algum a m edida que com bine todas e stas?
Ou sim plesm ente perguntarem os aos trab alh ad o res quão produtivos
eles têm sido, ou quão felizes eles são no trab alh o ? U saríam os a
m édia dos dados de m uitos trab alh ad o res ou exam inaríam os am o s­
tra s d etalh ad as de u n s poucos indivíduos?
É necessário, então, especificar as m edidas com portam en-
tais. Mas é necessário mais. Devemos tam bém descrever os p asso s
p ara te r certeza de que as m edidas foram co n sisten tes e acu ra d as.
Quem fez a s m edidas? As pessoas que reg istraram os dados têm
qualquer interesse nos resu ltad o s? As observações foram reg istrad as
autom aticam ente ou m an u alm en te? Se m anualm ente, alguém m ais
tam bém registrou as m esm as ações de form a que dois conjuntos de
observações pu d essem ser com parados p a ra avaliar consistência?
E stas especificações to rn arão os dados e as técnicas de m edidas
disponíveis p ara avaliação por outros.
Se um teste não deve estar sujeito a interpretações conflitan­
tes, devemos tam bém descrever as condições de teste com pleta e
acu rad am en te. O que estam os ten tan d o avaliar? N ossa questão
principal pode ser, “a m úsica afeta a produtividade do trab a lh ad o r?”
Mas o que querem os dizer por “m ú sica”? Clássica? O rquestra? Jazz?
Rock? C ountry? Q uais com positores e m úsicos serão ap resen tad o s?
Todos os trab alh ad o res ouvirão a m esm a m úsica? Q uando, quão
freqüente e por qu an to tem po a m úsica tocará? Q uão alta ela será?
Devemos tam bém descrever como to d as e sta s características serão
m edidas e a fidedignidade d as m edidas. A não se r que descrevam os
este e outros aspectos da m úsica que podem in fluenciar a resp o sta
à n o ssa p erg u n ta básica, seria m elhor que não fizéssem os o estudo;
s u a s conclusões perm anecerão ob scu ras, sem pre su jeitas à d isc u s­
são.
Além de especificar as condições experim entais relevantes,
devemos tam bém descrever outros aspectos do estudo que poderiam
ter influenciado os resultados. Q uais eram as condições de ilu m in a­
ção, a estação do ano e o nível de desem prego predom inante naquele
setor p articu lar? A direção fez m u d an ças, modificações no produto,
m elhorias m ecânicas ou negociações salariais ocorreram en q u an to o
teste estava acontecendo? Os trab alh ad o res estavam conscientes do
estudo? Um experim ento bem-feito te n taria asseg u rar que n en h u m
fatpr im portante exceto a m úsica poderia ter influenciado os re s u lta ­
dos. E ntretanto, é crítico que outros sejam capazes de d eterm in ar
Coerção e s u a s im plicações 71

por si m esm os se as conclusões do experim ento são válidas. Se nós


não fornecerm os u m a descrição com pleta de todas a s condições
experim entais, outros sem pre serão capazes de a p o n ta r possíveis
contam inações relativas à validade do estudo.
Uma função principal do laboratório é aco m p an h ar to d as as
m udanças n as condições experim entais relevantes p a ra a p erg u n ta
que fazemos. Tal restrição perm ite definição e m edida p recisas, obje­
tivas, ta n to da co n d u ta que nos preocupa como d as condições de
observação.
Com o sujeito de laboratório podem os criar u m a a m o stra de
com portam ento a ser analisada. Podemos então conduzir estu d o s
experim entais sem precisar nos preocupar com eventos desconheci­
dos que poderiam influenciar a atividade que escolhem os exam inar
ou que poderiam te r feito isto no passado. Se estiverm os p reo cu p a­
dos com os efeitos d a punição, por exemplo, poderíam os prim eiro
ensinar um sujeito experim ental a obter su a com ida apertando um
botão. Poderíam os então p u n ir o sujeito por pressio n ar o botão,
certos de que n a d a m ais que poderia afetar a atividade do sujeito
está acontecendo ao m esm o tempo.
O laboratório nos perm ite alterar o am biente de u m sujeito e
então retom á-lo a seu estado original. Tal controle sobre as condi­
ções experim entais to rn a possível descobrir se um evento particular
realm ente faz um indivíduo agir diferentem ente. Por exemplo, nós
poderíamos co n tin u ar p u nindo o sujeito até que ele p are de ap ertar
o botão; então nós podem os interrom per a punição e ver se o sujeito
volta a a p e rta r o botão. Seguidas vezes podem os reaplicar e remover
a punição. Se as ações do sujeito m u d am a cad a m om ento, podem os
estar b a sta n te certos de que a punição e não algum a o u tra coisa
causou as m udanças.
A possibilidade de estabelecer relações cau sais é u m a v an ta
gèm fundam ental de experim entos controlados; estu d o s que não são
de laboratório deixam am bos, am biente e com portam ento, livres
para m u d a r incontrolavelm ente. Ao e stu d a r como políticas públicas,
condições econôm icas ou d esastres n a tu ra is se relacionam com a
conduta das pessoas, eventos incontrolados que não aqueles com os
quais estam os prim ariam ente in teressad o s sem pre obscurecerão o
problema. Mas no laboratório, podem os fazer ap arecer e desap arecer
as ações p articu lares de u m sujeito aplicando e rem ovendo su cessi­
vam ente u m a condição relevante. Esse tipo de repetição controlada
nos dá confiança de que a condição que especificam os realm ente
causou a m udança. E ver isso acontecer com o com portam ento
individual como objeto de estudo é u m a d as características m ais
72 M urray S id m a n

excitantes da análise do com portam ento; pode-se ver im ediatam ente


m u d a n ças com portam entais im portantes, cau sad a s até m esm o por
p eq u en as m anipulações am bientais, sem ter que esp erar até que
dados de grupos de sujeitos ten h am sido tratad o s estatisticam ente.
M as podem os e s tu d a r algo como p ro d u tiv id ad e in d u s tria l
no lab o rató rio ? A experim en tação com n ã o -h u m a n o s pode nos
dizer se a d u ra rep rim en d a é a re sp o sta aos p ro b lem as de d iscip li­
n a n a s n o ssa s esco las? Podem os — ou m esm o, devem os — tra z e r
c ria n ç a s p a ra o labo rató rio p a ra estu d o s co n tro lad o s sobre a efeti­
vidade d a p u n iç ão ? “O laboratório”, freqüentem ente ouvim os, “isola­
se do m undo real; m antém problem as im p o rtan tes ao seu alcance
supersim plificando-os não podem os obter dele o tipo de inform ação
que necessitam os como guia p rático.”
É verdade que u m laboratório não duplica todas a s condições
da vida cotidiana. Mas e sta é s u a virtude prim ária. As situações
problem áticas cotidianas estão repletas de complicações que freqüen­
tem ente não têm relevância seja como cau sas ou como soluções, m as
que, entretanto, im pedem resp o stas inequívocas a n o ssa s p erg u n ­
tas. No pior dos casos, a investigação de laboratório e s tu d a rá irrele­
vâncias. No m elhor dos casos, a pesq u isa de laboratório selecionará
das condições da vida cotidiana exatam ente aq u elas características
que são p ertin en tes p a ra as p erg u n tas em discussão.
Como podem os sa b e r antecip ad am en te que condições da
vida cotidiana são p ertin en tes às p erg u n tas que tem os? C laram ente,
quando u m a investigação com eça não podem os sab er com certeza o
que é crítico. Mas não tem os que jogar u m a m oeda p ara decidir p ara
o que olhar. Se estiverm os constru in d o u m corpo de conhecim ento
estabelecido, podem os fazer algum as inferências fu n d am en tad as.
Então, à m edida que a investigação procede, testam o s o conheci­
m ento obtido em laboratório aplicando-o fora do laboratório. Nesse
ponto, som os capazes de validar n o ssas suposições iniciais sobre o
que é relevante.
O controle experim ental to rn a possível investigar u m con­
ju n to restrito de condições, individualm ente e em com binação, e a
descobrir quais dizem respeito a nosso problem a. Q uando n o ssa s
extrapolações p a ra a vida cotidiana fracassam , com eçam os de n o ­
vo; à m edida que n o ssa s extrapolações com eçam a se m o stra r bem -
su ced id a s, ganham os m ais confiança de que estam os no cam inho
certo. Em um certo sentido, o laboratório pode ser m ais real que a
vida cotidiana; quan d o bem -sucedido, ele revela o que é básico,
rem ovendo irrelevâncias e descobrindo as condições fu n d am en tais
Coerção e s u a s im plicações 73

que fazem o m undo operar do modo como ele opera e que nos fazem
agir do modo como o fazemos.
Pilotos de teste voam em novos tipos de aviões com sucesso,
em sua prim eira tentativa, ainda que ap en as m odelos te n h am sido
testados previam ente n a s condições artificialm ente con tro lad as de
um túnel de vento. Uma lei básica que govem a o m ovim ento dos
corpos em queda poderia ser verificada apenas em u m vácuo, u m a
condição artificial que não existe em lugar algum da T erra com
exceção dos laboratórios. Ainda assim , a descoberta d essa lei tornou
finalmente possível enviar pessoas à n o ssa Lua e explorar as frontei­
ras externas de nosso universo. A ciência da genética, que se origi­
nou com o estudo de p la n tas e flores, chegou a u m a nova tecnologia,
mais rápida e até m esm o m ais confiável que o acasalam en to seleti­
vo, para “m a n u fa tu ra r” novas variedades de anim ais; é possível, por
exemplo, fazer clones de vacas que são m áq u in as incrivelm ente efi­
cientes de produção de leite. N ossa com preensão dos m ecanism os de
hereditariedade e stá a ponto de produzir u m a ciência aplicada da
genética h u m a n a que já e stá originando tem ores sobre novos tipos
de controle com portam ental. Os produtos da p esquisa de laboratório
alteraram profundam ente a existência h u m an a. Em bora possam os
deplorar m u itas das m u d an ças, não podem os ter dúvidas de que os
resultados de procedim entos refinados de laboratório são aplicáveis
em outros lugares; a torre de m arfim não é tão isolada do resto do
mundo como m uitos gostariam que acreditássem os.
Pode-se legitim am ente p erg u n ta r se estam os corretos em ex­
trapolar de p esq u isas de laboratório bem -sucedidas em física, q u í­
mica e biologia p ara a p esq u isa com portam ental; tem os o direito de
assum ir que a pesquisa com portam ental é capaz de aplicações bem-
sucedidas porque a s o u tras o foram? Claram ente, esta suposição
não tem necessidade lógica. E, ain d a assim , cad a u m a d a s o u tras
ciências já esteve n a m esm a posição. Em todos os casos, a su p o si­
ção de que os dados de laboratório eram extrações da experiência
cotidiana, a despeito de seu sta tu s lógico incipiente, recebeu ju stifi­
cação em pírica.
Felizmente, os pioneiros do laboratório de com portam ento,
criticam ente cônscios do precedente histórico, aceitaram a su p o si­
ção de que s u a ciência, tam bém , provaria ser aplicável à vida coti­
diana. Tivemos confirm ação suficiente d esta suposição p a ra conti­
n u ar a cam in h ar em frente. F racassos em áreas específicas ainda
podem estar por vir, m as negar arb itrariam en te am bos, o progresso
já feito e a possibilidade de m ais progresso, é colocar-se voluntaria-
74 M urray S íd m a n

m ente em u m estado de ignorância que é provavelm ente incorreto e,


m esm o, perigoso.

Do rato à humanidade
Em um laboratório de com portam ento isolam os no sso sujeito
— digam os, u m rato — em u m espaço relativam ente confinado,
isolado de sons estran h o s, com luz, te m p eratu ra e um idade co n s­
ta n te s e mobiliado ap en as com os iten s relevantes ao procedim ento
experim ental. O que pode esta c ria tu ra in telectu alm en te lim itada,
vivendo em um espaço ecológica e socialm ente estéril possivelm ente
pode nos dizer sobre a co n d u ta h u m a n a? E sboçar algum as das
considerações que su ste n ta m tais arran jo s experim entais h á de nos
auxiliar a ilu stra r s u a utilidade.
A ntes de iniciar um estudo, todo pesq u isad o r tem de decidir:
“O que vou olhar?” Nosso prim eiro im pulso pode ser observar so­
m ente ações que têm “validade de face”: se quiséssem os m elhorar o
desem penho de cavalos de corrida poderíam os confinar nosso e s tu ­
dos à pista; um a preocupação com criatividade poderia nos levar a
a n alisar com positores de m úsica; u m in teresse em coerção poderia
nos induzir a investigar prisões. M uitos p esquisadores observam
ap en as essas form as exatas de com portam ento que os interessam .
Tais estu d o s podem levar a inform ações in teressa n tes e
úteis. Por outro lado, e s ta abordagem ap aren tem en te d ireta a longo
prazo lim itará severam ente nosso entendim ento, até m esm o de p ro ­
blem as práticos altam en te específicos. U sar validade de face como
critério p a ra decidir o que observar e m edir inibe o desenvolvim ento
de u m a ciência do com portam ento por criar m iniciências in d e­
pendentes. E ncontram os especialistas em psicologia de todas as coi
sas, de xadrez a sexo, de program ação de com putadores a doença,
m ental, e não podem os fazer generalizações além d as fronteiras de
cada área. C ursos universitários proliferam , m atrícu las e direitos
au to ra is rolam . Os alunos, infelizm ente, não obtêm u m a descrição
sistem ática da co n d u ta h u m a n a que p u d essem aplicar a m u itas de
su a s preocupações, seja diante do problem a do m anejo de um cava­
lo, seja diante do problem a de m an ejar a si próprios.
U m a altern ativ a p a ra e stu d a r ações que parecem im p o rtan ­
tes por si m esm as é fazer exatam ente o oposto. Selecionar u m a
am o stra arbitrária, algum a ação que, porque é delim itada e artificial,
não sofre de q u aisq u er d as lim itações e restrições im postas por
nosso julgam ento pessoal sobre validade de face. O ganho potencial
é que a au sên cia de ta is restrições pode to m a r a am o stra arb itrária
Coerção e s u a s im plicações 75

representativa de todo com portam ento. Nossos resu ltad o s seriam


estendidos, então, p a ra m uito além d as ações específicas que sele­
cionam os p ara observação e medida.
C onfinar a p esq u isa a problem as da su p o sta ap are n te valida­
de restringe a generalidade de seu s resultados. A descoberta de
princípios gerais, sujeitos a lim itações identificáveis, coloca u m a
ciência em u m a m elhor posição p ara esten d er s u a relevância. N atu ­
ralm ente, generalidade com pleta é um ideal, abordável m as in atin g í­
vel; qualquer ciência experim ental deve conter m ecanism os de auto-
correção p ara especificar lim ites à generabilidade de se u s m étodos e
resultados. Nos exem plos seguintes, a análise experim ental do com ­
portam ento não deixa a fidedignidade, validade ou generalidade de
métodos, dados e princípios serem julgados p ela opinião ou esp ecu ­
lação. E stes são a ssu n to s de teste experim ental.
Exam inem os o am biente e a co n d u ta do rato de laboratório
para descobrir o que podem os ap ren d er sobre nós m esm os. O h o rá­
rio do ja n ta r está se aproxim ando p ara nosso sujeito, que e stá acos­
tum ado a com er u m a refeição por dia. U m a p eq u en a b an d eja se
estende de u m a parede da caixa, u m d isp en sad o r autom ático do
lado de fora pode d isp en sar com ida n a b an d eja p a ra o rato. Mais ou
m enos d u a s polegadas acim a da b an d eja há' um botão ilum inado, de
m ais ou m enos m eia polegada de diâm etro. Decidimos observar o
ato de a p e rta r o botão de nosso sujeito — esse ato é n o ssa am o stra
arb itrária de com portam ento. U m a vez que nosso in teresse geral é
quão freqüentem ente as p esso as agem de modos p articu lares, vam os
registrar quão freqüentem ente o anim al ap erta o botão. A lguns m e­
canism os eletrônicos sim ples dão conta disso e tam bém perm item
que u m a pelota de com ida im ediatam ente caia n a b an d eja quando
quer que o anim al aperte o botão.
Isso estabelece nosso experim ento. Agora nos sen tam o s e
esperam os. A ntes que p asse m uito tem po, o registro m o stra o a n i­
mal pressionando o botão com ra 2 oãvel rapidez, por volta de 30
vezes por m inuto. A pertar botões não é u m com portam ento típico de
ratos, assim nos perguntam os sobre s u a causa; a com ida poderia
ser responsável? P ara descobrir desligam os o d ispensador; nosso
sujeito n ão m ais obtém com ida apertan d o o botão. O anim al, então,
dim inui o ritmo, o registro m ostrando intervalos m ais e m ais longos
an tes que ele aperte novam ente o botão.
Ficam os instigados. Poderíam os ter descoberto u m princípio
geral do com portam ento? Vimos o rato ap ertando o botão quando ele
obteve com ida deste modo e parando quando a com ida não m ais
76 M urray S id m a n

aparecia. Podemos concluir, do que vimos, que o com portam ento é


determ inado por su a s conseqüências?
A ntes que possam os tira r tal conclusão, precisam os prim eiro
ter certeza de que a s pelotas de comida, não algum a o u tra coisa na
situação, estava m antendo o anim al ap ertan d o o botão. E assim ,
ligam os e desligam os o disp en sad o r m u itas o u tra s vezes. Tam bém
pedim os a algum a o u tra pessoa, que não esteja ciente do que o
anim al e stá fazendo, p a ra conectar e d esco n ectar o dispensador.
D escobrim os que a sim ples operação de ligar e desligar a conexão
elétrica entre o disp en sad o r de com ida e o botão operado pelo rato é
suficiente p a ra iniciar e p a ra r a atividade de a p e rta r o botão do
anim al. E stam os razoavelm ente certos, agora, de que n o sso s experi­
m entos identificaram u m a relação causal.
D essas observações, inferim os um princípio geral: “co n se­
qüências determ inam com portam ento”. Afirmado sem lim itações,
este é realm ente u m princípio m uito geral. Uma vez que ele não
especifica restrições, deve se aplicar a to d as as con d u tas, a to d as as
espécies e a todos os tipos de conseqüência. E stas generalizações
são corretas? E stabelecem os, além d a dúvida razoável, que nosso
rato ap e rta rá um botão se ele obtiver alim ento desse modo e p a ra rá
se não obtiver o alim ento. Podemos concluir daí que qualquer um ,
h u m an o ou não-h u m an o , te rá m aior ou m enor probabilidade de
d esem p en h ar um ato de que é capaz, dependendo do que acontece
como conseqüência?
C laram ente, u m tal princípio geral precisa de m ais s u s te n ta ­
ção. S abem os sequer se outros rato s irão se com portar como nosso
prim eiro sujeito? Assim, fazemos nosso experim ento novam ente com
outros ratos; obtem os os m esm os resultados. D escobrim os então
que peixes tam bém ap ertarão botões que produzem com ida, assim
como galinhas, pom bos, gatos, cachorros, m acacos, chim panzés e
gorilas. E stes experim entos dão grande generalidade en tre espécies
p a ra nosso princípio.
O que dizer de diferentes tipos de com portam ento? P ara d e s­
cobrir, rem ovem os o botão da parede da caixa e, em vez disso,
p en d u ram o s u m a corrente no teto. O rato puxa a corrente freq ü en ­
tem ente quando obtém alim ento deste modo. Então, dando com ida a
um pom bo to d a vez que ele gira em torno de si m esm o 360 graus,
rapidam ente tem os u m p ássaro que g asta seu tem po girando em
círculos. A lim entando u m m acaco toda vez que ele se lim pa, p ro d u ­
zimos um anim al extrem am ente m eticuloso. C him panzés parecem
adqu irir grande sabedoria quando obtêm alim ento por m an ip u lar
sím bolos de m an eiras que são significativas p a ra h u m an o s. Tais
Coerção e s u a s im plicações 77

experim entos nos dizem que nosso princípio se aplica a m uitas


espécies e a m u itas atividades diferentes.
E ste princípio é válido ap en as p ara atividades que produzem
alim ento? Novamente, a experim entação fornece a resposta. Desco­
brim os que rato s ap ertarão botões, puxarão correntes e farão m u itas
outras coisas se fazendo-as podem desligar u m a luz b rilh an te ou
podem aquecer u m a caixa fria. G atos sedentos ap ertarão rep etid a­
mente um pedal que faça com que obtenham u m a s p oucas gotas de
água cada vez que o fazem. Macacos m achos ap renderão a operar
um tipo especial de fechadura se este for o modo p a ra ab rir u m a
porta e obter acesso a u m a fêmea receptiva. E stes e m uitos outros
eventos provaram ser conseqüências efetivas p a ra m uitos dos com­
portam entos de vários anim ais.
Tendo feito estes experim entos, tornam o-nos destem idos o
suficiente p a ra te s ta r a aplicabilidade de nosso princípio a seres
hum anos. As conseqüências controlarão tam bém seu com portam en­
to? Fazem os nossos prim eiros experim entos com crianças que são
institucionalizadas porque elas não parecem se r capazes de ap ren ­
der m uito. Elas fazem poucas coisas que são construtivas, nem
mesmo alim entam -se sozinhas. No almoço, dam os a elas u m a colhe­
rada de com ida to d a vez que fazem algum a coisa que observam os
apenas raram ente, como dizer claram ente u m a palavra. Em breve
essas crianças retard ad as estão falando.
Reforçam ento tem provado ser u m a m an eira poderosa p ara
gerar novos com portam entos em pessoas que têm sido consideradas
incapazes de aprender. Novas técnicas instru cio n ais, b asead as no
uso efetivo de contingências de reforçam ento, têm revolucionado a
educação e treinam en to de pessoas retard ad as.
. C rianças norm ais, seja no laboratório, n a escola ou em casa,
tam bém são sensíveis às conseqüências de seu s com portam entos.
Contingências de reforçam ento que professores, pais ou outros e s ta ­
belecem, algum as vezes deliberadam ente e algum as vezes sem s a ­
ber. podem en sin ar a u m a criança com portam ento desejável ou pro­
blemático. Por exemplo, sem perceber o que estão fazendo, pais
podem a u m en tar gradualm ente as exigências que eles fazem a u m a
criança que b u sca su a atenção. Eles não sabem , m as acabarão
tendo um a difícil criança-problem a. Eles com eçam inicialm ente não
prestando atenção, exigindo m ais e m ais pedidos da criança ("Posso
comer um biscoito... por favor, posso com er um biscoito”), e então,
m ais e m ais dem andas (“Eu quero u m biscoito... dê-m e um biscoito")
antes que eles atendam . Eles, então, esperam até que a criança
choram ingue: “Pelo am or de D eus, pare de choram ingar!” Endure-
78 M urray S id m a n

cendo s u a resolução, eles então fazem a crian ça chorar, b e rra r e


g ritar a n te s de atendê-la. Depois disso, eles sem sab er refinam a
contingência de reforçam ento ain d a m ais, não p restan d o aten ção até
que a criança bata, arran h e, ch u te e m orda. Finalm ente, eles co n ­
sentem ap en as quando a crian ça b ate s u a cabeça no chão, m orde-se
ou se agride de o u tras m aneiras.
Pais que fazem isto descobrirão que eles obtêm o que in c o n s­
cientem ente têm pedido p ara a criança. Estabelecer u m a co n tin g ên ­
cia de reforçam ento é u m a m aneira de dizer não verbalm ente ã
criança como obter certos fins. Tendo grad u alm en te escalonado a
violência que eles exigiram an tes que a crian ça p u d esse obter su a
atenção, eles então d esp ertam p a ra a existência de u m problem a —
um a criança que caracteristicam en te obtém atenção fazendo b irras.
Se entenderm os o background com portam ental, provavelm ente não
instituirem os um program a de terap ia infantil sem tam bém te n ta r
reeducar os pais.
Experim entos, aplicações clínicas e program as educacionais
têm dem onstrado repetidam ente que o princípio de reforçam ento
aplica-se ao com portam ento de crianças. A dem onstração de que
conseqüências determ in am com portam ento adulto norm al e com
distúrbios esten d eu o princípio ain d a m ais am plam ente. Se p erg u n ­
tarm os a um paciente que tem gasto s u a vida d entro e fora de
hosp itais psiquiátricos, “o que você fez p a ra ser in tern ad o d esta
vez?”, freqüentem ente obterem os u m a resp o sta direta: “Bem ”, o p a ­
ciente pode replicar, “ano p assad o tu d o que eu tive que fazer foi
d e rru b a r algum as la tas de lixo n a ru a, m as isto não funcionou mais;
então eles ap en as m e fizeram levantá-las. Então, eu atirei u m a p e­
dra n a vitrine de u m a loja, m as m eu velho amigo, o g u ard a da
vizinhança, ap en as me disse p a ra não fazer m ais isto; eu poderia
m ach u car alguém, e então eles teriam que me levar p a ra a cadeia.
E ntão eu fui p a ra casa, peguei o m artelo de carn e e fui a trá s da
m inha m ulher. Isto funcionou e aqui estou eu .” As contingências
não poderiam se r d escritas m ais vividam ente; a hospitalização é
claram ente um reforçador p ara algum as p esso as e elas fazem tu d o
que for necessário p ara chegar lá.
D inheiro é u m reforçador poderoso p a ra q u ase todo m undo.
Q uantos de nós co n tin u ariam em seu trab alh o a tu a l se n ão h o u v es­
sem m áis contrach eq u es? Os poucos que são suficientem ente afor­
tu n a d o s por serem capazes de fazer o trab alh o “por si m esm o”, sem
levar em conta considerações m onetárias, sim plesm ente estão sob o
controle de ou tro s tipos de conseqüências: prestígio, influência, po­
der, "trabalhos b o n s”, a descoberta de novos conhecim entos, a cria-
Coerção e s u a s im plicações 79

ção de um a grande obra de arte ou contribuições à sociedade. "Fazer


o que querem os fazer” indica a operação de reforçam ento positivo;
“fazer o que tem os de fazer” especifica contingências de reforçam en­
to negativo.
E assim , “conseqüências determ inam com portam ento”; um
princípio básico, que descobrim os observando u m rato de lab o rató ­
rio apertando um botão e obtendo alim ento, acab a sendo am p lam en ­
te aplicável, m esm o a seres hu m an o s. Os detalhes diferem de situ a ­
ção para situação. As espécies podem variar, como podem v ariar o
ambiente, o com portam ento p articu la r e a conseqüência que é con­
tingente ao com portam ento, m as o princípio de controle com porta-
mental por contingência de reforçam ento é am plam ente generalizá­
vel. Experim entação controlada com não -h u m an o s, em am bientes
artificiais, tornou possível explicar m uito do com portam ento h u m a ­
no identificando as conseqüências de su a s ações.
N aturalm ente, conseqüências não explicam tu d o sobre no ssa
conduta; outros fatores tam bém devem ser levados em consideração
e sua generalidade tam bém deve ser te stad a. E nós, seguram ente,
não sabem os como explicar todo com portam ento. Porque m istérios
sempre perm anecerão, nós poderem os ja m a is ser capazes de dizer
com certeza que qualquer princípio de com portam ento é univ ersal­
mente aplicável. Tanto do com portam ento h u m a n o é n ão u su a l e
raro — como com por H am let ou o Lago dos cisnes, ou chegar por
indução ao princípio de que a energia é igual a m a ssa vezes o
quadrado da velocidade d a luz, ou circu lar a te rra n a Discovery —
que provavelm ente n u n c a serem os capazes de provar como todo ele
apareceu. Podemos indicar d eterm inantes plausíveis que são co n sis­
tentes com leis com portam entais; este tipo de verificabilidade é fácil,
mas, n a au sên cia de m anipulação experim ental, não é possível pro­
var que o que é plausível é o que realm ente acontece.
E m bora não possam os explicar com certeza in stân cias espe­
cíficas que já ocorreram , pode ser possível descobrir como produzir
tipos sim ilares de com portam ento. Se a sociedade q u isesse exercer
sobre a h istó ria genética e a histó ria de vida de u m a p esso a o tipo de
controle que seria necessário p a ra produzir u m g ran d e com positor
de m úsica, ou um físico teórico criativo, ou u m explorador do e sp a ­
ço, então, poderia ser possível confirm ar a ação de princípios conhe­
cidos, m esm o naqueles casos aparen tem en te intratáveis. Dado o que
conhecemos agora, seria b a sta n te su rp reen d en te se n ão desco b rís­
semos contingências de reforçam ento en tre os d eterm in an tes mais
poderosos de tais com portam entos.
A punição funciona ?

0 que há nela para nós?


Por que pu n im o s? O que querem os obter? A principal razão é
controlar o u tra s pessoas. Aqueles que relu tam em adm itir a p ossibi­
lidade de controle com portam ental deveriam se p erg u n ta r porque
desejam ver m u ltas, ordens de prisão e talvez m orte d istrib u íd as
p a ra aqueles que praticam crim es contra a sociedade. Se o propósito
d a punição não é controlar com portam ento — d esen co rajar infrato­
res e ou tro s crim inosos potenciais de fazer a m esm a coisa o u tra vez
— então a motivação p a ra a punição só pode ser revanche. Mas
seguram ente não procuram os revanche ao p u n ir a crian ça que se
com porta mal, ou aquela crian ça que coloca em perigo a si m esm a
ou aos ou tro s ao b rin ca r com o fogo, ou aquela que im pulsivam ente
atrav essa correndo u m a ru a que tem tráfego intenso. Se não e sp e ­
rássem os im pedi-las de se com portar mal, ou de a rrisc a r tolam ente
s u a s vidas, deveríam os en ca rar a punição de crian ças como n a d a a
não ser crueldade.
Punim os p esso as b asead o s n a crença de que as levarem os a
agir diferentem ente. U sualm ente querem os p a ra r ou evitar ações
p articulares. P unim os alguém cuja co n d u ta consideram os m á p a ra a
Coerção e s u a s im plicações 81

com unidade, m á p ara algum outro indivíduo, ou m esm o m á p a ra a


própria pessoa. Q uerem os colocar um fim à co n d u ta indesejável.
A lgumas vezes punim os u san d o a rem oção de reforçadores
positivos: retiram os brinquedos de crian ças depois que elas se com ­
portaram mal: m an d am o s infratores p a ra a prisão, isolando-os d a ­
queles que os am am , de fam iliares e amigos; respondem os ã ag res­
são social, económ ica e física de um outro país apro p rian d o -n o s de
parte de seu território. Algumas vezes, em vez de re tira r reforçadores
positivos, tentam o s p a ra r u m a atividade aplicando reforçadores n e ­
gativos: espancam os, repreendem os ou ridicularizam os u m a criança
que se com porta mal, batem os em prisioneiros que d esresp eitam as
regras, atiram os bom bas em cidades de u m outro pais em retaliação
por seus ataques. A dm inistram os todos os tipos de punição de for­
ma a controlar o u tras pessoas a fim de p a ra r ou im pedir q u aisq u er
de su as ações que nos m achucam , privam , in su ltam ou d esag ra­
dam. Por su a vez. outros u sam punição p ara nos controlar, a fim de
parar ou im pedir q u aisq u er de n o ssas ações que os m achucam ,
privam, in su ltam ou desagradam .
Ninguém gosta de ser punido. Ainda assim , prontam ente,
usamos ou toleram os punição. R aram ente perguntam os se punição
é a única ou m esm o a m elhor m aneira de fazer as pessoas agirem
como querem os. Por meio de leis e costum es sociais cada um de nós
tem até m esm o, concordado que punição é u m a m an eira aceitável
para a com unidade controlar n o ssas próprias ações. E speram os que
outros façam ju s tiç a e concordam os em fazê-la nós m esm os.
R aram ente invocam os ju s tiç a como u m a razão p a ra d a r al­
guma coisa boa p a ra alguém que te n h a se com portado bem . Alguém
que obtém “ap en as so b rem esa” não recebeu algo doce como um
retom o razoável por bom com portam ento. Ao contrário, recebeu
uma punição por agir mal. J u s tiç a p asso u a significar punição. O
princípio, “a ju stiç a prevalecerá”, nos faz sen tir seguros já que sab e­
mos que a punição será aplicada a outros que se com portam mal.
Na m edida em que o princípio se aplica tam bém a nós, ele é u m a
ameaça. O alerta de que serem os am eaçados com ju s tiç a serve como
uma m uleta p a ra o autocontrole, aju d a-n o s a nos m a n ter n a linha
quando som os ten tad o s a nos desviar.
Punição é trivial em nosso m undo. Ela funciona? Ela atinge
seus propósitos? Ela é realm ente u m a m an eira efetiva p a ra im pedir
ou nos livrar de com portam ento?
Seria conveniente se essas p erguntas tivessem sim plesm ente
“sim” ou "não” como respostas. Elas não têm. O tópico é excessiva­
mente complexo. S u a resolução requer algo m ais do que m era espe-
82 M urray S id m a n

culação, viés filosófico ou emocional, preceitos religiosos, ou p o s tu ­


ra s m orais.
Ninguém gosta de ser punido e alguns descobrem desp razer
em aplicar punição. O argum ento de que punição não deveria ser
u sa d a é freqüentem ente su ste n ta d o por apelos a religião, m oralidade
e decência comum. Por outro lado, aqueles que acred itam que a
punição é necessária e desejável tam bém s u ste n ta m s u a posição por
apelos a religião, m oralidade e, se não decência com um , senso co­
m um . Só ocasionalm ente ouvimos solicitações de dados. O que real­
m ente acontece à co n d u ta que é pu n id a?
C ertam ente, a punição capital elim ina com portam entos —
faz isto b a sta n te diretam ente, exterm inando aquele que se com por­
ta. O assassin ato pela sociedade realm ente reduz o a s s a s sin a to por
indivíduos? Colocar p esso as n a prisão tam bém pode elim inar com ­
portam entos — é m ais difícil, em bora certam ente não im possível
com eter assassin ato , roubo, fraude ou estu p ro a trá s das grades. O
encarceram ento im pede p esso as de com eter esses crim es depois que
elas saem ? P enalidades financeiras podem aca b ar com o lucro dos
sonegadores. Confiscos ocasionais os m antêm ho n esto s en tre a u d i­
torias ou elim ina a evasão de im postos por outros que têm m ais a
g an h ar?
E statísticas sociais podem aju d ar a resp o n d er tais questões,
m as estão notoriam ente ab ertas à m anipulação e viés interpretativo.
Se m ais assa ssin a to s ocorressem em estados que proibiram a p en a
capital, isto significaria que a p en a capital é necessária? Não n eces­
sariam ente. A ssassin ato s freqüentes poderiam refletir u m a econo­
m ia em depressão, escolas inefetivas ou sim plesm ente u m a p o p u la­
ção m ais densa. Por outro lado, a baixa incidência de crim es violen­
tos em estados que proibiram a p en a capital ju stificaria e sta políti­
ca? M ais u m a vez, não necessariam ente. Talvez a conform idade a p a ­
rentem ente não-coagida dos cidadãos reflita o u tro s tipos de coerção
— o estado pode ter leis estritas de controle de arm as ou a polícia
pode realizar um program a de prevenção de crim es m ais efetivo.
Inúm eros fatores devem se r considerados. D ados coletados em si­
tu açõ es não-contro lad as podem fornecer indicações valiosas e h ip ó ­
teses in teressa n tes sobre questões sociais im portantes, m as pode­
m os sem pre disco rd ar d as interpretações e conclusões. Q uando opi­
nião pessoal e política pública são s u ste n ta d a s por estatísticas cor­
relacionais o ceticism o é justificado.
É aqui que a análise do com portam ento pode contribuir. No
laboratório é possível dividir o m undo, descobrir como cad a elem en­
to tra b a lh a independentem ente dos outros e, então, colocar as p ar-
Coerção e s u a s im plicações 83

tes ju n ta s novam ente, u m a de cada vez, p a ra ver como elas in te ra ­


gem u m a s com a s o u tras. Em vez de b a se a r n o ssa opinião sobre a
desejabilidade da punição em nossos sentim entos, convicções reli­
giosas ou m orais, ou dados incorretos, podem os chegar a conclusões
racionais b asead a s em evidência válida. Os dados de laboratório
s u sten ta m fortem ente a posição de que punição, em bora claram ente
efetiva no controle do com portam ento, tem sérias d esvantagens, e
que nós precisam os desesperadam ente de alternativas.

Como se estuda a punição?


Que tipos de experim entos to rn am possível an alisar os efei­
tos da punição? Uma exigência é u m sujeito que esteja fazendo algo
regularm ente e previsivelm ente; u m a linha de b ase de atividade e s­
tável em an dam en to nos dá u m in stru m en to de m edida confiável. Na
m edida em que a lin h a de b ase é estável, sabem os que n en h u m fator
desconhecido está fazendo o sujeito m u d ar seu com portam ento.
Reforçam ento é u m in stru m en to poderoso p ara produzir li­
n h as de b ase com portam entais que facilitarão a análise e perm itirão
generalizações a p a rtir de sujeitos individuais. Um arranjo, por
exemplo, u s a pelotas de alim ento como reforçadores p ara en sin ar
um rato de laboratório a p ressio n ar u m botão — u m a b a rra de metal
m ontada n a parede acim a do d isp en sad o r de alim entos. Os reforça­
dores alim entares, então, m antêm o anim al pressionando a b arra
em u m a ta x a estável. Com este com portam ento confiável como um a
linha de base, podem os então p u n ir o anim al em vez de (ou em
adição a) dar-lhe alim ento quan d o ele p ressio n a a b arra. A punição
faz com que ele p are de p ressio n ar a b arra? C om um ente, quando
um a lin h a de b ase com portam ental perm anece co n stan te, podem os
confiavelm ente atrib u ir q u aisq u er variações a q u alq u er novo ele­
m ento que o experim entador introduza — n este caso, a punição.
Alimento é freqüentem ente o reforçador positivo que gera e
m antém a atividade de lin h a de base de u m sujeito. C hoque elétrico
é um punidor com um ente usado. Choques q u ase sem pre funcionam
como reforçadores negativos p ara atos que os term inam . E como
punidores p a ra atos que os produzem . (Mais tard e terem os o p o rtu n i­
dade de considerar as circu n stân cias n a s quais choques funcionam
realm ente como reforçadores positivos, to m an d o m ais provável o
com portam ento que os produz.)
Os choques u sad o s como p u nidores no laboratório não são
como os choques eletroconvulsivos u sad o s algum as vezes n as te n ta ­
tivas p a ra aliviar depressão severa e debilitante de p essoas. Na ter a-
84 M urray S id m a n

pia eletroconvulsiva, m édicos podem repetidam ente p a s s a r u m a cor­


ren te elétrica in ten sa através da cabeça de um paciente, que é forte
o suficiente p a ra c a u s a r convulsões e perd a de consciência. Na
m aioria dos estud o s de punição em laboratórios, o choque atrav essa
dois pontos da superfície da pele do sujeito e é suficientem ente forte
p a ra se r doloroso, m as não cau san d o q u alq u er reação física exceto o
retraim ento reflexo, como quando retiram os a m ão de u m fogão
quente. Choque eletroconvulsivo, u m a terap ia controvertida, não é
um a técnica de análise de com portam ento aplicada. Se formos p u n ir
u n s poucos sujeitos p a ra obter conhecim ento que aju d a rá m u itas
pessoas, som os obrigados a u s a r técnicas de com provada generali­
dade. Luzes b rilh an tes, sons altos, lufadas de ar, p erd a de s u s te n ta ­
ção e outros eventos desagradáveis têm sido tam bém u sad o s experi­
m entalm ente como punidores, m as se u s efeitos são facilm ente su p e ­
rados por aspectos não-controlados da histó ria com portam ental de
um sujeito ou por aspectos irrelevantes de um am biente experim en­
tal. Uma razão im p o rtan te p a ra u s a r choque é que seu efeito p u n iti­
vo m ostra ser am plam ente generalizável en tre espécies, tipos de
com portam ento e situações.
Além disso, m ecanism os autom áticos podem liberar choques
exatam ente quand o o experim ento exige. Isto não é ap en as u m a s ­
su n to de conveniência de laboratório. O tem po en tre o ato e a co n se­
qüência determ in a criticam ente os efeitos da punição. Uma inabili­
dade p a ra controlar p recisam ente e sta relação tem poral levará o
pesquisador a conclusões que podem ser não ap en as não-inform ati-
vas, m as realm ente enganosas.
E xperim entos que provocam dor nos sujeitos devem sem pre
p a ssa r por escrutínio crítico. Q ual é o ganho esperado? O alívio de
sofrim ento antecipado se sobrepõe ao sofrim ento que será infligido?
Temos justificativa p a ra pedir heroísm o?
A prim eira consideração ao fazer tais ju lg am en to s não é o
dano potencial p a ra os sujeitos. Em vez disso, devemos prim eiro
avaliar a adequação técnica dos experim entos. Se o controle de um
experim entador sobre fatores críticos é frágil a ponto de im pedir
interpretação clara dos resu ltad o s ou, talvez, a ponto de até m esm o
produzir conclusões enganosas, então, n ad a pode ju stificar o experi­
m ento. A ntes que padrões éticos to m em -se relevantes, u m experi­
m ento deve aten d er a padrões científicos. Se, porque sentim os que o
uso de choque elétrico é m oralm ente repugnante, u sarm o s form as
de punição que não podem os controlar adequadam ente, produzindo
assim dados que não são claros, nosso trab alh o é m aldirigido cientí­
fica e m oralm ente.
Coerção e s u a s im plicações 85

Portanto, adequação técnica ê u m pré-requisito p a ra avalia­


ção ética. Um experim ento que não satisfaz padrões técnicos já não
é ético. É n este contexto que a relativa facilidade de m edir choques
elétricos aju d a a ju stificar seu uso no estu d o d a punição. Novamen­
te, precisão não é ap en as um ritu al científico. A q u an tid ad e total de
punição que um sujeito obtém influenciará crucialm ente o que a
punição produz. P ara verificar q u a n ta punição u m sujeito recebe,
devemos considerar o núm ero total de punições, ju n to com a in ten ­
sidade e d u ração de cad a punição individual. Choque elétrico provê
a precisão de m edida que é necessária an tes que possam os delinear
conclusões a cu ra d as e generalizáveis sobre o papel que a punição
desem penha no controle d a conduta.

0 que realmente acontece?


Com ecem os com u m rato de laboratório que a p ren d e u a
pressionar u m a b a rra e obter pelotas de alim ento que caem em
um a b an d eja abaixo d a b arra. O anim al tra b a lh a estavelm ente,
ganhando s u a vida de acordo com as contingências que seu m undo
estabeleceu.
E sse m undo agora m u d a su a s regras. P ressio n ar a barra,
antes um a ocupação respeitável, não é m ais co n sid erad a desejável;
assim, ju n to com a pelota de alim ento o anim al recebe u m choque
em seu s pés quan d o qu er que pressione a b arra. O choque é relati­
vam ente suave e d u ra ap en as u m a fração de segundo. E sta punição
atenderá seu propósito, fazendo com que o anim al pare s u a ativida­
de “indesejável"?
O anim al realm ente p á ra de p ressio n ar a b arra. Poucos se
surpreenderão pelo ap aren te sucesso d a punição. A m aioria de nós
recebeu um choque acidental de u m a fiação elétrica, ou viu alguém
receber um choque e podem os facilm ente em patizar com qualquer
um, h u m a n o ou não, que sofra u m a experiência sem elhante. Nós
nos surpreenderíam o s ao observar qualquer u m m an ten d o u m ato
que produz choques.
Mas a histó ria não term in a aqui. O anim al finalm ente com e­
ça de novo. Após um período de su p ressão , a atividade g rad u alm en ­
te se recupera; o anim al acab a pressionando a b a rra tão rap id am en ­
te como sem pre, m esm o que receba u m choque cada vez que o faz.
A punição funciona? Este tipo de coerção elim ina atividades
indesejáveis? Neste prim eiro experim ento, os choques im pediram o
anim al de pressio n ar a b a rra ap en as tem porariam ente; eles não
elim inaram o com portam ento p erm anentem ente. Se não tivéssem os
86 M urray S id m a n

continuado a observar o anim al, entretan to , poderíam os te r concluí­


do que a punição foi um com pleto sucesso.
Nosso experimento, em vez de resolver o problem a original,
ap en as colocou um a nova questão que precisam os responder an tes
que cheguem os a u m a decisão m ais fu n d am en tad a sobre a efetivida­
de da punição. Vimos que o choque que de inicio efetivam ente parou
o com portam ento do anim al, então, perdeu esta função. Devemos
agora perguntar: “Como pode um punidor, que originalm ente s u p ri­
m iu a atividade, to rn ar-se incapaz de servir ao propósito pretendido?”
U m a resp o sta possível to rn a-se clara quan d o perguntam os:
“Por que, em prim eiro lugar, o anim al estava tão assid u am en te p re s­
sionando a b a rra ? ” O alim ento, n atu ralm en te, era responsável. O
anim al estava gan h an d o todo seu su ste n to pressio n an d o a barra.
Q ualquer coisa que afastasse o anim al de seu trab alh o a p e n a s o
deixaria m ais fam into. As d u a s conseqüências de p ressio n ar a b a rra
— alim ento e choque — estavam , p o rtanto, em com petição direta,
u m a tendendo a fazer o anim al p ressio n ar m ais freqüentem ente, a
o utra m enos freqüentem ente. Q uanto m ais tem po o anim al parou,
m ais fam into se tornou; finalm ente o reforçam ento positivo por p re s­
sionar a b a rra to rn o u -se m ais poderoso que a punição. O anim al
retornou a s u a atividade “ilegal” porque aquela era a s u a ú n ica
m aneira de obter alim ento.
Mesmo n este estágio inicial de n o ssa avaliação d a punição, o
am biente experim ental relativam ente descom plicado nos perm ite ob­
servar um m ecanism o sim ples que indiscutivelm ente produz m u ita
crim inalidade reincidente. Jovens são libertados de reform atórios e
adultos de prisões com repertórios de com portam entos não m ais
aceitáveis p a ra a sociedade do que os atos d elinqüentes que os
levaram ao encarceram ento. De que outro modo eles irão ob ter seu s
reforçadores? Eles não têm o u tras b a rra s p a ra pressionar.
Não deveria ser su rp reen d en te que os “choques” que a socie­
dade dá em seus delinqüentes não p u n am eficientem ente. Em bora
fatores com plicadores m odifiquem este quadro sim ples, n o ssa p ri­
m eira observação de laboratório fornece u m ponto de p artid a tão
direto que só podem os nos su rp reen d er com o fato de a sociedade
ter ignorado s u a relevância.
. Poderíam os checar experim entalm ente e sta conclusão alte­
rando á efetividade relativa de alim ento e choque. S uponham os, por
exemplo, que nosso sujeito recebesse choques m ais fortes. Com p u ­
nição m ais e m ais forte descobriríam os que o anim al p á ra de p re s­
sionar a b a rra por períodos cad a vez m ais longos. A in ten sid ad e do
choque dem onstra ter u m efeito poderoso. Com choques m uitíssim o
Coerção e s u a s im plicações 87

intensos, a atividade não m ais se recupera; o anim al ja m a is volta à


sua ocupação anterior. Se ele não p u d esse en co n trar algum a o u tra
m aneira de obter comida, ele presum ivelm ente m orreria de fome,
embora n en h u m experim ento te n h a ido tão longe.
Então, em com petição com reforçam ento positivo, finalm ente
o choque perde s u a efetividade como u m agente coercitivo, a não ser
que seja extrem am ente intenso. Mas, se a punição for suficiente­
mente forte, pode até mesm o por um fim à produção de reforçadores
positivos que su sten ta m a vida. E assim , vemos u m a b ase p ara a
aparentem ente interm inável lu ta entre aqueles que b an iriam p u n i­
ções cruéis e n ão -u su ais e aqueles que in sistem que ap en as m edi­
das severas podem conter a ilegalidade.
O que freqüentem ente não é avaliado é que a elim inação
completa da com petição entre reforçam ento positivo e punição pode
fazer com que m esm o a punição suave pareça funcionar. Nosso
sujeito de laboratório, por exemplo, voltou a p ressio n ar a b a rra a
despeito dos choques porque esta era a ú n ica m an eira que tin h a
para obter comida. E se tivéssem os aproveitado a su p ressã o tem po­
rária da atividade do anim al c a u sa d a pela punição e ensinado-lhe
um novo modo de g a n h a r s u a vida? Q uando o anim al p á ra tem pora­
riamente de p ressio n ar a b arra, poderíam os p en d u rar u m a corrente
no teto da caixa; to d a vez que ele p u x a a corrente obtém alim ento,
mas não recebe o choque. T rab a lh ar p ara viver p u x ando a corrente é
uma ocupação “aprovada” e o anim al m u d a de emprego. Ele jam ais
volta à su a vida de crim es.
Com portam ento inadequado p ersiste a despeito da punição
porque é tam bém reforçado. A m aioria de nós, indiscutivelm ente,
preferiria reforçar ações alternativas em vez de utilizar punição p ara
fazer com que nossos filhos e outros m udassem . Algum as vezes,
entretanto, o com portam ento indesejado é tão forte que ele im pede o
indivíduo que se com porta in ad eq u ad am en te de te n ta r qualquer o u ­
tra coisa. O diálogo freqüentem ente não os p ersu ad e a ab an d o n ar
um curso de ação que j á funciona. Podemos, então, se n tir que a
punição é o único recurso. Se u m a ocasião assim surge podem os
usar punição suave. A su p ressão tem porária do ato p u nido nos dá
uma oportunidade p a ra en sin ar ao indivíduo algo novo, algum a ou­
tra m aneira de obter os m esm os reforçadores. Tendo p arad o m o­
m entaneam ente um ato indesejável punindo-o suavem ente, pode­
mos então substituí-lo por meio do reforçam ento positivo de u m a
atividade m ais desejável.
Devemos reconhecer que se algum modo novo, m as ainda
indesejável, de obter o reforçam ento for possível, o indivíduo punido
88 M urray S id m a n

pode descobrir esta opção an te s que tenham os a chance de e n sin a r


n o ssa alternativa preferida. A nova co n d u ta pode não se r m ais do
nosso gosto que a antiga. Podemos p u n ir u m a criança p o r b a te r em
seu novo irm ão, m as se então ela agredisse todas as s u a s bonecas,
nós ain d a teríam os u m problem a em n o ssas mãos. E u direi m ais
sobre isto m ais tard e, m as vale a p en a lem brar que a m enos que
tenham os deliberada e habilidosam ente usad o o efeito su p ressiv o
inicial d a punição suave p ara in sta la r a nova co n d u ta que q u ere­
mos, n a d a g aran te que a su b stitu ição será desejável.
Como vimos, eventos desagradáveis e dolorosos podem p e r­
der su a efetividade como p u nidores quan d o colocados em com peti­
ção com reforçadores positivos poderosos — u m a ju stap o sição su fi­
cientem ente com um n a vida cotidiana. Q uando isto ocorre, u m a
pessoa que te n h a ad m in istrad o punição, talvez com tristeza e pesar,
te rá infligido dor d esn ecessariam en te. A efetividade e mesm o a ética
do uso da punição p a ra controlar a co n d u ta de outros podem se r
tem as de debate, m as pode alguém ju stificar o u so incom petente d a
punição?
Podemos ir u m p asso além. A creditando incorretam ente que
certos eventos são inerente e im utavelm ente punidores, podem os
tran sfo rm a r a dor e o sofrim ento em reforçadores positivos. Eventos
considerados como p u nidores então su sten ta rã o , em vez de elim i­
nar, atos que os produzem . O resu ltad o de tal transform ação se rá
u m a pessoa que b u sc a a punição. Isto é facilm ente dem onstrado no
laboratório. Tudo que tem os de fazer é to rn a r o choque u m a pré-
condição necessária p a ra comer.
Por exemplo, por q u erer que nosso sujeito p are de p ressio n ar
a barra, podem os d ar-lh e u m choque suave e breve quando ele a
pressiona. O anim al recebe o choque, o alim ento vem a ele, então,
ele o come. No início, o choque pode im pedir o anim al de p ressio n ar
a b arra, m as ele se to m a m ais fam into e recom eça, voltando p a ra o
trab alh o a despeito do choque. Se, então, au m en tarm o s g rad u al­
m ente a intensidad e do choque, em pequenos p asso s, o sujeito con­
tin u a rá a p ressio n ar a b arra, ain d a que o choque finalm ente se
to m e tão forte a ponto de derrubá-lo. O anim al te rm in a p ressio n an ­
do a b a rra e sem pre recebendo u m choque in tenso im ediatam ente
a n te s de comer. '
O próprio choque te rá se tornado, agora, um reforçador posi-
tivó. Como podem os m o strar isto? Primeiro in terro m p a am bos: o
alim ento e o choque. Agora n a d a acontece quando o anim al pressio ­
n a a b a rra e depois de um pouco ele a pressio n a ap en as raram en te.
Agora, reintroduza ap en as o choque; a próxim a vez que o anim al
Coerção e s u a s im plicações 89

pressionar receberá o choque, m as não o alim ento. Ele im ediata­


mente com eça a p ressio n ar a b a rra rapidam ente, m esm o que agora
ela produza n a d a além de choques intensos. A ú n ic a razão do a n i­
mai para p ressio n ar a b a rra é o choque conseqüente, que se to m o u
um reforçador positivo.
E sta m u d an ça no valor do choque pode ser m o strad a ain d a
mais conclusivam ente se, então, tirarm os a b a rra e p en d u rarm o s
uma corrente no teto. A prim eira vez que o sujeito p u x a a corrente
novamente recebe o choque, sem alim ento. Ele co n tin u a a p u x a r a
corrente, produzindo u m choque cada vez que o faz. O choque to r­
nou-se um reforçador positivo tão efetivo que pudem os u sã-lo p ara
ensinar ao anim al algo novo — p u x ar a corrente — sem prover
qualquer o u tra conseqüência.
As pesso as freqüentem ente trab a lh am por choques? Todos
conhecemos indivíduos que parecem d esab ro ch ar em seu próprio
sofrimento, que parecem sem pre trazer sobre si m esm os a ira de
seus colegas de trab alh o , famílias, professores ou “autoridades".
Usando punição de modo tal a convertê-la em reforçam ento positivo,
uma com unidade coercitiva subverte s u a pró p ria racionalidade por
recorrer ã punição em prim eiro lugar. Um resu ltad o pode ser a
conduta patológica. P siq u iatras h á m uito estão conscientes d as te n ­
dências au to d estru tiv as que caracterizam m uitos de se u s pacientes
(e mesmo de pesso as que não são pacientes). Sem investigação é
impossível sab er se o tipo de h istó ria coercitiva que podem os criar
no laboratório tam bém é responsável por estes casos, m as a p lau si­
bilidade parece clara.
Evidência m ais d ireta pode ser en co n trad a no com portam en­
to de au to -in jú ria de algum as p esso as institucionalizadas. M uitas
crianças reta rd ad as e a u tis ta s são com um ente ignoradas porque são
consideradas como vegetais em ocional e intelectualm ente, incapazes
de apreciar ou ad ap tar-se a seu am biente. Mas elas à s vezes desco­
brem que se cau sarem danos a si m esm as, batendo, coçando, m or­
dendo, lacerando-se e retirando sangue de si m esm as trazem to d a a
com unidade p a ra si, elas se to m am o centro d a atenção. E sta s
crianças foram en sin ad as por seu s professores, em bora sem o co­
nhecimento deles, a ad m in istrar dor a si m esm as como o único meio
de obter atenção. A prova aparece quando então provem os a m esm a
atenção por atos construtivos; o au to -ab u so cessa. Mas, em alg u n s
casos o au to -ab u so pode continuar. Porque trouxe atenção, a p ró ­
pria dor to rn a-se um reforçador positivo, m antendo o au to -ab u so .
Nos lares, algum as vezes encontram os pais, sem querer, e s­
tabelecendo u m a situação sem elhante. Eles p u n em severam ente
90 M urray S id m a n

u m a criança que fez algo inaceitável. Então, sentindo-se culpados,


cobrem a crian ça com afeto p ara com pensar a punição. Q uando isto
acontece freqüentem ente a crian ça aprende: “J á sei, a m an eira de
realm ente conseguir o afeto de p apai é fazer algo ruim , fazer com
que ele me p u n a e então ele vai me a m a r.”
Podemos ir tão longe a ponto de dizer que m asoquism o, o
prazer da dor — particu larm en te em conjunção com a atividade
sexual — surge de u m a fonte sem elhante? E xperim entos que res­
ponderiam a esta p erg u n ta jam ais foram feitos. Uma m aneira de
ab o rd ar o problem a seria um experim ento como aquele que acabei
de descrever, m as. no qual. em vez de prover alim ento como um
reforçador positivo por p ressio n ar a b arra, déssem os ao sujeito ace s­
so a um parceiro sexual. Então, após en sin a r o sujeito a aceitar
choques como um p recu rso r inevitável do sexo, provavelm ente d e s­
cobriríam os que o próprio choque teria se to m ad o u m reforçador
positivo, assim como quando precede alim ento.
Mas su p o n h a agora que déssem os ao sujeito u m a escolha.
Uma b a rra funcionaria como an tes, produzindo prim eiro um choque
e depois um parceiro sexual; u m a o u tra b a rra p roduziria ap en as o
parceiro, sem choque. O anim al m u d aria p a ra sexo sem choque, ou
co n tin u aria tam bém a infligir choques a si m esm o? Um modelo
experim ental válido n ão -h u m an o p a ra m asoquism o patológico seria
extrem am ente útil p a ra descobrir como aliviar p arte do sofrim ento
que pessoas infligem a si m esm as.
O objetivo m ais razoável do uso da punição é p a ra r com por­
tam ento indesejável, im pedir pessoas de fazer coisas que são perigo­
sas, a s su sta d o ra s ou que consideram os in ad eq u ad as, d esv an tajo ­
sas, im orais ou anorm ais. Vimos dois m odos de u s a r a pu n ição que
parecem aten d er a este objetivo. Um é ad m in istrar punições m uito
fortes: “b a te r até fazer o gato m orto miar". O outro é a d m in istrar
punições suaves p a ra fazer a pessoa p a ra r de se com portar in ad e­
q u ad am en te pelo m enos tem porariam ente e, então, sem in terferên ­
cia do com portam ento inadequado, en sin ar-lh e o modo correto de
agir.
M as estas d u a s m an eiras de u s a r punição não são recom en­
dações. Q ue n en h u m leitor acredite, n este ponto, que foi aco n selh a­
do ou que lhe foi dito como u s a r punição efetivam ente. Os experi­
m entos que vimos até aqui não contam to d a a história. Além de
su p rim ir co n d u ta indesejada, a punição faz m u itas o u tra s coisas.
Q uando levamos em consideração todos os seu s efeitos, o su cesso
da punição em livrar-se de com portam ento parece inconseqüente. As
o u tras m u d an ças que ocorrem n as p esso as que são p u n id a s e, o que
Coerção e s u a s im plicações 91

é às vezes ain d a m ais im portante, a s m u d an ças que ocorrem n aq u e­


les que executam a punição, levam inevitavelm ente à conclusão de
que a punição é o método m ais sem sentido, indesejável e m ais
fundam entalm ente destrutivo de controle da conduta.
N aturalm ente, p ara m uitos de nós a punição j á é indesejável
sim plesm ente porque acham os pessoalm ente aversivo coagir os ou­
tros. Mas podem os fazer m ais que isto. Além de q u alq u er falta de
inclinação pessoal com a qual podem os com eçar, olhar além dos
efeitos im ediatos d a punição fornecerá b ases racionais p a ra te n tar
alterar a orientação q uase universal d a sociedade em direçáo ao
controle coercitivo.
‘Tomando-se um choque

Punição tem efeitos colaterais


Retaliação por meio de b rutalidade, terrorism o, destruição de
propriedade e assassin ato , ain d a que ética e legalm ente condenada,
m anteve-se com um por to d a a histó ria d a h u m an id ad e até o seu
presente. O conselho freqüentem ente ouvido, “Não leve desfeita p ara
c a sa ”, é apenas parcialm ente u m a brincadeira. A punição em rep re­
sália a algum malfeito tem raízes em ocionais, assim seu s p ratican tes
não são receptivos à crítica ou a argum entos com b ase racional ou
factual. C apítulos posteriores considerarão as c a u sa s d a ju s tiç a re-
tributiva e as razões p ara s u a p ersistên cia e predom inância.
Independentem ente de n o ssas motivações reais p a ra aplicar
punição, m ais freqüentem ente argum entam os que seu propósito é o
controle de com portam ento indesejável — a lim itação da destruição,
agressão, im oralidade e loucura. Como vimos, podem os obter este
resultado com punição intensa, ou com binando habilidosam ente p u ­
nição suave com reforçam ento p a ra ações alternativas.
Tam bém se supõe que p u n ir m au com portam ento en sin a
bom com portam ento. Assim, “disciplinam os” crianças espancando-
as ou penalizando-as; nossos governos apontam m ísseis p ara o u tras
Coerção e s u a s im plicações 93

nações a fim de “ensinar-lhes respeito” e de “m ostrar-lhes como


negociar com boa-fé”; u m a filosofia educacional predom inante afir­
ma que a am eaça do fracasso motiva os alu n o s a aprender, assim
professores universitários que não reprovam u m núm ero "razoável”
de alunos são considerados por seu s colegas como tendo dado um
"curso qualquer" que n a d a ensina. Se a punição pode ou não infun­
dir novo com portam ento é um problem a sobre o qual falarei m ais
adiante.
Se os efeitos da punição fossem confinados ao s objetivos
construtivos que se reinvindica p a ra seu uso, então, p a ra se opor a
seu uso seria n ece ssária u m a dem onstração de altern ativ as não-
coercitivas que atingem os m esm os objetivos. A lternativas estão
disponíveis, e eu m ostrarei algum as no percurso, m as elas são
não-tradicionais, não-fam iliares, mesm o p ara a m aioria dos psicólo­
gos. Tam bém , alguns m étodos não-coercitivos não são tão fáceis de
aplicar ou tão rápidos em su a ação, como u m a precisa e in ten sa
punição ou reforçador negativo. O que os to rn a necessários, ainda
que eles sejam não-fam iliares e algum as vezes difíceis de aplicar, é o
vasto catálogo de efeitos colaterais da punição — conseqüências da
punição que cancelam seu s benefícios e são responsáveis por m uito
do que está errado em nossos sistem as sociais.
Não se pode esp erar que q u alq u er pessoa não-ciente destes
efeitos colaterais considere razoável ou m esm o desejável su b stitu ir
controle coercitivo por controle não-coercitivo. P ortanto, vou rever
toda a série de efeitos colaterais p ara m o stra r como eles invalidam
qualquer justificativa que a punição po ssa ter.
O antigo código de H am m urabi prescrevia que um médico
cujo tratam en to fracassasse teria o m esm o destino de seu paciente.
Se o paciente perdesse u m olho, um braço ou u m a p ern a, tam bém o
perderia o médico. E sta s regras d u ras, que algum as p esso as defen
dem hoje, podem em algum a m edida ter tido su cesso em asseg u rar
á com petência dos p ratican tes d a m edicina, m as podem os estar
certos de que a penalidade infligida aos m édicos tam bém teve outros
efeitos colaterais. M uitos pacientes, com doenças que não tin h am
um tratam e n to confiável, indubitavelm ente sofreram negligência
porque n en h u m médico desejava arrisca r seu pescoço — ou q u al­
quer o u tra p arte do corpo — ten tando u m a cura. Em casos sem
esperança, m uitos m édicos provavelm ente não desejavam receitar
sequer p a ra alívio da dor e desconforto, u m a vez que poderiam ser
acusados da m orte do paciente. Alguns jovens b rilh an tes provavel­
m ente evitavam a m edicina como u m a carreira por c a u sa do perigo
pessoal. A punição severa pode ter tornado os p ratican tes m ais
94 M urray S id m a n

cuidadosos, m as, certam ente, m uito do que eles ap ren d eram como
u m a conseqüência do código de H am m urabi orientou-se p ara su a
própria sobrevivência, em vez da sobrevivência de seu s pacientes.
Efeito colateral é um term o que freqüentem ente se refere a
conseqüências não-p reten d id as e su p o stam en te pouco im portantes
ou im prováveis de drogas, m as, como todos sabem os, os efeitos
colaterais de u m a droga freqüentem ente são s u a característica m ais
im portante. Morfina, u m a bênção quan d o elim ina u m a dor in su p o r­
tável, tam bém escraviza seu s u su ário s. Talidom ida, que dim inuia a
n á u se a m a tern a d u ran te os prim eiros m eses de gravidez, tin h a um
trágico efeito colateral; no nascim ento, m uito depois de a m ãe ter
p arado de to m ar a droga, a crian ça algum as vezes tin h a u m ou m ais
braços e p ern as parcialm ente desenvolvidos e seriam ente deform a­
dos. T om ou-se um fato com um que efeitos colaterais perigosos p ro ­
voquem a retirad a de circulação de drogas que foram introduzidas
no m ercado sem testes adequados.
Os efeitos colaterais da punição tam bém , longe de serem
secundários, freqüentem ente têm significação com portam ental con­
sideravelm ente m aior que os esperados “efeitos p rincipais”. Punição
e o u tras form as de coerção, como m u itas drogas, tam bém foram
introduzidas em n o ssa c u ltu ra sem testes adequados. Talvez u m a
avaliação m ais com pleta d as p ráticas coercitivas tam bém fará com
que elas sejam retirad as d a lista dos aprovados.
R esultados de testes estão agora disponíveis. A ciência d a
análise do com portam ento provê u m a descrição d as conseqüências
da coçrçào racional, siste-ijiãtica. M uitos dos efeitos colaterais d a
punição foram isolados p lanejadam ente e estu d ad o s no laboratório,
não como fenôm enos secundários, m as como processos im p o rtan tes
por si m esm os.

De mal a pior: como novos punidores são construídos


U sualm ente adm itim os como certo que determ inados eventos
agirão como punidores. Se não, condenam os como anorm al u m a
p essoa que não m o stra as reações esperadas, ou b u scam o s circuns-
tã n cias m itigadoras e a adm iram os e respeitam os por disciplina e
autocontrole incom uns. E speram os ver pessoas p a ra r de fazer q u al­
quer coisa que produza conseqüências que am eaçam a vida, são
dolorosas, provocam extrem o calor ou frio, b aru lh o s extrem am ente
altos ou irritan te s ou luzes ofuscantes. A penas sob condições inco­
m u n s a m aioria de nós ingere alim entos ácidos ou am argos. C rian­
ças rapidam ente aprendem a não tocar em um fogão quente. Pes-
Coerção e s u a s im plicações 95

soas que espetam ag u lh as em si m esm as ou b u scam dor e d escon­


forto fisico o fazem ap en as porque algum reforçam ento com pete com
sucesso com a punição auto-infligida; aqueles que injetam in su lin a
em si m esm os p ara evitar com as diabéticos tam bém recebem com ­
preensão e sim patia. Q uando van tag en s p ara a com unidade su p e ­
ram o valor que atribuím os a u m a vida individual, adm iram os e
recom pensam os atos de auto-sacrificio; soldados que se ferem no
resgate de cam arad as recebem m edalhas. E n tretan to , encaram os
como anorm al e n ecessitando de tratam en to aqueles que b u scam
dor em si m esm os infligida por u m parceiro sexual.
Exceto sob circu n stân cias extraordinárias, confidentem ente
esperamos que q u alq u er estim ulação excessiva, incom um , dolorosa,
ou perigosa sirva como u m punidor. E stes são os punidores n a tu ­
rais. S u a habilidade p ara p a ra r com portam ento em curso u su a lm e n ­
te não depende de q u alq u er o u tra circunstância, eles são assim .
A lguns aspectos do am biente tam bém podem fu ncionar como
punidores, ain d a que não sejam inerentem ente aversivos. Eventos
que são u su alm en te n eu tro s podem to rn ar-se punidores. A palavra
“Não”, tão tem ida por m u itas crian ças e m esm o por adultos, é ape­
nas um conjunto complexo de sons que não tem poder em si de
controlar com portam ento. Como a palavra adquire este poder? De
que fontes o “0", sim plesm ente u m padrão de linhas sobre o papel,
deriva s u a extraordinária habilidade de p u n ir e stu d an tes? Mesmo
reforçadores positivos n a tu ra is podem to m a r-se punidores. O que,
por exemplo, to rn a o in tercu rso sexual rep u g n an te p a ra alguns?
E stes são cham ados “p u nidores condicionados”, porque su a
habilidade p ara nos fazer p a ra r de fazer algo é condicional a o u tras
circunstâncias. Q uais são e sta s circu n stân cias? Como as e s tu d a ­
mos?
No laboratório vim os o alim ento fu ncionar como um reforça-
dor, m antendo nosso sujeito diligentem ente pressio n an d o a b arra
peló seu pão de cad a dia. Tam bém vimos breves choques elétricos
funcionando como punidores, colocando u m fim, pelo m enos tem po­
rariam ente, às preocupações do sujeito com a b arra. Mas, ap en as no
laboratório u m sujeito produz reforçadores ou p u n id o res in d e­
pendentem ente de o u tras características do am biente. Na natu reza,
a b u sca de alim ento por u m anim al nem sem pre é bem -sucedida. “O
pássaro m adru g ad o r pega a m inhoca” descreve u m a condição n a
qual um a contingência de reforçam ento m an tém -se verdadeira. Pou­
cas de n o ssas ações produzem seu s reforçadores característicos em
todas as circun stân cias. O relógio nos diz se é provável que o ja n ta r
estçja pronto se formos p a ra c a sa naquele m om ento; u m sinal n a
96 M urray S id m a n

porta nos inform a se em p u rran d o -a ou pu x an d o -a ela se abrirá;


u su alm en te falam os ap en as n a p resen ça de u m ouvinte.
O m esm o é verdade p ara a punição. “Q uando os gatos saem
os rato s se divertem ” descreve u m a condição n a qual contingências
de punição são su sp en sas. Em algum as circu n stân cias podem os nos
sa ir bem com con d u tas que de outro modo seriam penalizadas. Avós
tradicionalm ente deixam crianças fazer coisas p ara as quais seus
pais franzem as sobrancelhas; crianças rapidam ente aprendem a
aju sta r su a s dem andas de acordo com isso. Um m acaco de baixa
ordem social no bando pode ro u b ar alim ento de u m outro ainda m ais
inferior n a hierarquia, m as, a m enos que ele esteja desafiando as
relações de dom inância estabelecidas, ele jam ais te n ta pegar a com i­
da do “m acaco líder”. Sensibilidade à probabilidade d a punição res­
tringirá ou encorajará agressão pessoal e internacional. Em um nível
m ais corriqueiro, m uitos m otoristas consideram su a velocidade ex­
cessiva ap en as se u m a p atru lh a policial está à vista; crian ças desco­
brem que serão penalizadas por “palavrões” ap en as se forem tolas o
suficiente p a ra os dizer n a p resen ça de adultos, ou de o u tras crian ­
ças linguarudas; prom iscuidade sexual indiscreta pode ser c e n su ra ­
da em Boston, m as au m en ta a rep u tação e o apelo de bilheteria das
estrelas de Hollywood.
Se vam os ou não obter nossos reforçadores e p u nidores de­
pende, então, do am biente físico e social presente. A prendem os
quais situações levam a e quais situações su sp en d em contingências
de reforçam ento e punição; em u m am biente p articu lar, agimos ou
deixam os de agir de acordo com a probabilidade de que g anharem os
ou sofrerem os a s conseqüências. Se u m elem ento situacional sin ali­
za a disponibilidade de u m reforçador, é provável que realizem os o
ato; se ele sinaliza punição, é provável que façam os algum a o u tra
coisa.
A presen ça ou au sên cia de algum a característica do am b ien ­
te nos diz se u m a conseqüência p articu la r ê provável no caso de
agirm os de um dado modo. A dicionar este terceiro elem ento ã con­
tingência básica de reforçam ento ou punição nos perm ite descobrir
que características do am biente g anham controle sobre a conduta.
E, como verem os, além de sinalizar a probabilidade de co n seq ü ên ­
cias, p articulares, estes am bientes controladores tam bém adquirem
as funções reforçadoras ou punitivas dos eventos que eles sinalizam .
Podemos estu d ar o processo em u m nível simples instalando
u m a luz n a caixa experimental. Agora, apenas enquanto a luz está
ligada o sujeito pode obter comida pressionando a barra. Se ele a
pressiona enquanto a luz estiver apagada n a d a acontece. Porque a luz
Coerção e s u a s implicações 97

controla a contingência de reforçamento, ela tam bém p assa a con­


trolar a atividade do animal, e em breve o registro m ostra o anim al
pressionando a barra apenas quando a luz é ligada, parando assim
que é apagada. Acender e apagar a luz inicia e p ára o com portam en­
to do animal.
A luz pode tam bém ad q u irir controle ao sinalizar punição.
Para m ostrar isso, continuam os a d ar ao sujeito alim ento se ele
pressiona a b a rra no escuro, m as dam os a ele alim ento e choque se
ele pressiona en q u an to a luz está acesa. Agora vem os o anim al
passar a tra b a lh a r quan d o a luz se apaga e p a ra r assim que a luz se
acende.
, Pouca coisa su rp reen d erá n estes experim entos exceto, talvez,
ver que um organism o tão inferior qu an to um rato de laboratório é
tão sensível ao controle am biental. O processo é b a s ta n te geral,
como ele deve ser, p a ra que u m a form a de vida tão com plexa q uanto
o homo sapiens te n h a evoluído. C ertam ente, se u m a espécie não
pudesse fazer uso de indicações am bientais p ara reforçam ento e
punição, ela não sobreviveria por m uito tempo. Uma ovelha que se
deite d ian te de um leão certam ente será comida. Aprendem os que
gelo sinaliza u m a queda, a m enos que andem os cuidadosam ente ou
que coloquem os sap ato s com cravos; dizer “azu l” foi reforçado n a
presença de objetos azuis, não de objetos verm elhos; não tocam os
fios descascados com a s m ãos desprotegidas, não nos enrolam os em
cobertores m olhados p ara elim inar o frio, ou vestim os u m maiô em
uma tem p estad e de neve. A n o ssa sensibilidade ao controle am bien­
tal to rn a possível ad aptarm o-nos a contingências de reforçam ento e
punição variadas e em co n stan te m udança.
Uma vez que u m elem ento do am biente adquire controle,
sinalizando um reforçador ou p unidor p articu lar, o sin al em si m es­
mo to rn a-se-á um reforçador ou p u n id o r potencial. S u a função p a r­
ticular dependerá do tipo de contingência por meio d a q u al ele p a s­
sou a controlar. C onseqüências com portam entais significativas, re­
forçadores e punid o res condicionados são criados d e sta m aneira.
Um evento que com eça n eu tro to m a-se um reforçador ou pu n id o r
potencial como resu ltad o de n o ssa experiência com ele. O sinal
torna-se um símbolo, rep resen tan d o u m a conseqüência p articu lar
que ele p asso u a indicar e tendo aproxim adam ente o m esm o efeito.
Por exemplo, nosso sujeito reagiu à luz trab a lh an d o ou p a ­
rando, dependendo d a contingência que a luz controlava. A luz em si
deveria agora ser capaz de reforçar ou p u nir, dependendo de se ela
sinalizasse ap en as alim ento ou alim ento m ais choque. Como re su l­
tado disso, m esm o o rato de laboratório tra b a lh a rá ou p a ra rá de
98 M urray S id m an

tra b a lh a r por c a u sa de conseqüências que com um ente ignoraria,


m as que se to rn aram significativas porque elas sinalizaram reforça-
m ento ou punição.
Para descobrir se podemos transform ar u m evento neutro em
u m reforçador, devemos primeiro p en d u rar um a corrente no teto da
caixa do sujeito. Toda vez que o anim al p uxar a corrente, a luz se
acende por cinco segundos. Neste ponto o registro m ostra o anim al
puxando a corrente apenas raram ente: a luz não é ainda u m a conse­
qüência significativa. Então, ensinam os o animal, como antes, a pres­
sionar u m a b arra dando-lhe alimento por fazer isso, m as som ente
quando a luz está acesa. Assim que observarmos que ele trab alh a na
presença da luz e p ára quando a luz se apaga, estarem os prontos para-
testar a luz novam ente p ara ver se ela servirá, agora, como um reforça­
dor.
D aqui em diante, dam os ao anim al algum controle sobre a
luz. A m enos que ele puxe a corrente, a luz perm anecerá apagada.
N aturalm ente, n en h u m alim ento está disponível no escuro. Toda vez
que ele p u x a a corrente a luz se acende por cinco segundos, e
d u ra n te este tem po ele pode obter alim ento pressionando a b arra.
Logo, vem os o anim al aju stan d o -se sensivelm ente às novas
d em an d as de seu am biente de trabalho. Ele p u x a a corrente, acende
a luz, e então tra b a lh a n a b a rra nos próxim os cinco segundos. Tão
logo a luz se apaga ele p u x a novam ente a corrente e com eça um
novo período de trabalho.
Porque a luz sinaliza cinco segundos de reforçam ento com
alim ento p a ra p ressio n ar a b arra, ela p a s s a a servir como u m refor­
çador p ara p u x ar a corrente. Sim ilarm ente, nosso contracheque, que
sinaliza todos os reforçadores que u m a ida su b se q ü en te às com pras
pode obter, tam bém serve como u m reforçador que m antém nosso
trabalho sem analm ente. D inheiro é tão poderoso — u m reforçador
qu ase universalm ente efetivo — que algum as vezes pensam os ser
n atu ra l, m as essas m oedas, n o tas e cheques não têm valor inerente.
Eles adquirem s u a habilidade p a ra reforçar q u aisq u er ato s que os
produzem porque eles to m am possível com prar e ad q u irir inúm eros
outros reforçadores.
Reforçadores condicionados controlam m uito daquilo que fa­
zemos. Reações dos ouvintes como “S im ”, “É”, “S eg u ram en te”, ou
u m a balanço de cabeça, u m a piscada, u m sorriso, u m toque, to d as
reforçam n o ssa conversação porque elas sinalizam , em últim a in s ­
tância, sim patia e concordância. A plauso en tu siástico reforça u m a
perform ance no palco porque ele sinaliza críticas favoráveis, adm ira-
Coerção e suas im plicações 99

çao pessoal e trab alh o s futuros. Pequenos sinais que indicam em


últim a in stâ n cia p razer reforçam investidas am orosas.
O m esm o processo pode criar p u n id o res condicionados? S u ­
p o n h a que nosso rato de laboratório ap ren d eu que p ressio n ar a
b a rra lhe tra rá alim ento, m as que p ressio n ar q u an d o a luz está
acesa tam bém produzirá u m choque. Alimento e s tá sem pre disponí­
vel se o sujeito tra b a lh a por ele, m as quando acendem os a luz, que
sinaliza punição, o anim al p á ra de trab alh ar. O anim al p a ra rá , ago­
ra, de fazer q ualq u er coisa que produza luz?
P ara descobrir, prim eiro dam os ao anim al u m a boa razão
p ara p u x ar u m a corrente, e então vemos se acender a luz fará com
que ele pare. Podemos, por exemplo, deixar o anim al pospor a luz ao
p u x ar a corrente; p u x á-la en q u an to a luz e stá apagada garan tiria
que ela perm anecesse ap ag ad a nos próxim os cinco segundos. Se o
anim al p u x a a corrente com suficiente freqüência — pelo m enos
u m a vez a cada cinco segundos — ele evitaria que a luz jam ais se
acendesse.
D u ran te esta fase p rep arató ria do experim ento, o sujeito
pode sem pre obter alim ento ao p ressio n ar a b arra, esteja a caixa
ilum inada ou escura. Depois de cada cinco segundos de escuridão,
u m a luz se acende e perm anece acesa p o r outros cinco segundos.
P ressionar a b a rra n a p resen ça de luz ain d a leva o anim al a obter
seu alim ento, m as ju n to com cad a pelota de alim ento vem u m cho­
que breve. P uxar a corrente en q u an to a luz e s tá acesa não tem
conseqüência. E ntretan to , o sujeito pode evitar que a luz jam ais se
acenda, já que p u x ar a corrente no escuro asseg u ra que a luz não
aparecerá o u tra vez pelo m enos por cinco segundos.
Ao fim desta fase p reparatória, observaríam os o efeito de
todas as contingências. O anim al g astaria a m aior p arte de seu
tem po no escuro pressionando a b a rra e obtendo alim ento. Pelo
m enos u m a vez a cad a cinco segundos e, provavelm ente m ais fre­
qüentem ente, ele deixaria a b arra, se dirigiria à corrente e a puxaria
várias vezes an te s de voltar a tra b a lh a r n a b a rra . O casionalm ente,
ele não p u x aria a corrente a tem po e a luz se acenderia, levando o
anim al a p a ra r de tra b a lh a r até que o escuro reto rn asse. De vez em
quando ele tam bém p ressio n aria a b a rra en q u an to a luz estivesse
acesa e levaria um choque, m antendo assim a função sinalizadora
da luz.
Agora estam os prontos p ara descobrir se u m evento que si­
nalizou punição tornou-se ele m esm o um punidor. As observações
prelim inares dão u m forte indício. Como vimos no início, u m refor-
çador negativo, um evento que au m en ta a freqüência de ações que o
100 M urray S id m a n

encerram ou im pedem de acontecer, u su alm en te p u n irá qualquer


ação que é seguida por ele. Porque esquiva d a luz m an tém o anim al
p uxando a corrente freqüentem ente, sabem os que a luz to m o u -se
um reforçador negativo. P ortanto, é provável que ela tam bém p u n a
q u alq u er com portam ento seguido por ela.
Podemos conduzir o teste crítico revertendo a função d a cor­
rente; em vez de pospor a luz, o anim al agora acende a luz por cinco
segundos sem pre que ele puxa a corrente. E sta punição fará com
que o anim al pare de p u x ar a corrente? Não dem ora m uito p a ra que
a atividade do sujeito reflita a nova contingência; ele não m ais puxa
a corrente. Em vez disso, ele tra b a lh a altern ad am en te n a barra, no
escuro, por cinco segundos e então perm anece longe da b a rra e n ­
q u an to a luz está acesa, nos cinco segundos su b seq ü en tes. A luz,
que sinalizava ao anim al que p ressio n ar a b a rra seria punido, agora
ela m esm a p u n e o anim al por p u x ar a corrente. Ela to m o u -se um
sinal p a ra punição e u m pu n id o r em si m esm a.
A m esm a coisa acontece se punirm os por meio da retirad a de
reforçadores positivos, em vez de a p resen tar reforçadores negativos?
Nem sem pre adm in istram o s conseqüências desconfortáveis ou dolo­
ro sas quando querem os colocar u m fim às ações de alguém . Fre­
qüentem ente ten tam o s atingir este objetivo im pedindo a s pessoas de
obter ou m a n ter algo que queiram . Em vez de esp an ca r u m a criança
que se com portou mal, podem os retirar seu s b rinquedos ou fazê-la
“ficar de pé no can to ”, onde n en h u m de seu s b rinquedos e stá d ispo­
nível. Chicotear, como punição por desfalque ou sonegação de im ­
postos foi su b stitu íd o por m u ltas em dinheiro e confisco de proprie­
dade. Escolas, em larga escala, ab an d o n aram punição corporal em
favor de expulsão, com a conseqüente perd a de op o rtu n id ad es p ara
aprender. (N aturalm ente, é falacioso a ssu m ir que estu d a n te s pos­
sam ser efetivam ente punidos privando-os d a o portunidade de ser
coagidos a aprender.) A m aioria d as cu ltu ra s ab an d o n o u práticas
como co rtar a s m ãos de batedores de carteira, c a stra r estu p rad o res,
çegar aqueles que assistem a ritu ais proibidos e esticar heréticos
religiosos com in stru m en to s de to rtu ra. Em vez disso, elas isolam
crim inosos e pecadores de reforçadores positivos físicos, econômicos
e sociais que, de o u tra forma, teriam estado disponíveis p a ra eles.
E ssas form as m enos b ru tais e presum ivelm ente m ais h u m a n a s de
punição têm tam bém o efeito colateral de to rn ar os elem entos am ­
b ien tais n eu tro s em punidores? S inais de perda ou retirad a de refor­
çadores positivos, como sinais de dor, tam bém to m ar-se-iam eles
m esm os punidores potenciais?
Coerção e s u a s im plicações 101

Voltemos ao laboratório p ara u m a resposta. Em vez de dar


choque no sujeito por “m au com portam ento”, querem os agora desco­
brir se podemos fazê-lo parar, tom ando um reforçador positivo não
disponível. Podemos fazer isto retirando a oportunidade de o animal
comer? S uponha que o experimento comece, m ais u m a vez, com um
anim al que aprendeu a g an h ar seu alimento pressionando u m a barra.
Novamente, períodos de cinco segundos de luz e escuro são alternados,
m as em vez de receber choques, o sujeito sim plesm ente não obtém
alimento se ele pressiona a b arra enquanto a luz está acesa. O anim al
rapidam ente aprende o significado da luz, parando de trab a lh ar tão
logo a luz se acenda e voltando a seu trabalho cinco segundos mais
tarde.
E m bora a luz term ine a atividade de p ressio n ar a b a rra do
anim al, ela não está funcionando ain d a como um punidor, já que ela
não é um a conseqüência de q u alq u er ato. Ela serve ap en as como
um sinal de que alim ento não m ais está disponível. Precisam os,
ainda, descobrir se este sin al tam bém im pede o sujeito de fazer
qualquer coisa que o produza.
D aqui em diante, o experim ento procede ex atam ente como
aquele que tornou a luz um sinal de choque, exceto que a luz agora
sinaliza a não-disponibilidade de alim ento.
Primeiro, porque o anim al pode pospor a luz to d a vez que ele
puxa a corrente, ele freqüentem ente interrom pe seu trab alh o n a
b a rra p ara fazê-lo. A luz funciona como u m reforçador negativo; o
anim al ap ren d e a fazer algo que a protele.
J á que a m aioria dos reforçadores negativos funciona ta m ­
bém como punidores, não ficarem os tão su rp reso s com os re s u lta ­
dos n a fase final, quan d o m udam os as regras. Agora, em vez de
pospor a luz puxando a corrente, o sujeito n a verdade a acende. O
anim al logo p á ra de p u x ar a corrente.
Privação da oportunidade p ara tra b a lh a r por alim ento to rn a ­
se, como o choque, u m a punição efetiva. A luz, um sin al am biental
para não-disponibilidade de reforçam ento positivo, to rn a-se ela m es­
m a um reforçador negativo e u m punidor.

A importância da punição condicionada


O prim eiro efeito colateral d a punição, então, é d a r a q u al­
quer sin al de punição a habilidade p a ra p u n ir por si mesm o. Assim
como um elem ento am biental que leva a reforçam ento positivo perde
seu sta tu s n eu tro e to rn a-se ele m esm o um reforçador positivo, um
elem ento que leva à punição, to m a-se ele m esm o u m punidor. O
102 M urray S id m a n

som d a la ta de biscoitos sendo ab erta reforçará um criança por ser


boazinha; u m a vez que ten h am o s batido em u m a criança, a sim ples
visão de n o ssa mão erguida será suficiente p ara p a ra r m au com por­
tam ento.
Novos reforçadores e punidores são criados d esta m an eira —
sinalizando outros reforçadores ou punidores. Por que este efeito
colateral deveria cau sar qualquer preocupação? Afinal de contas, n a
m edida em que nosso am biente g an h a novos reforçadores positivos,
n o ssa s vidas tornam -se potencialm ente m ais gratificantes. Opções
novas e satisfatórias tornam -se disponíveis. Aproximação pode p re­
dom inar em relação a fuga e esquiva e podem os ap ren d er com b ase
em conseqüências produtivas, em vez de destrutivas.
E ntretanto, com a adição de cad a novo elem ento pu n id o r em
nosso am biente, n o ssas vidas to rn am -se m enos satisfatórias, m ais
desesperadas. Se encontram os punição freqüentem ente, ap ren d e­
mos que nosso cam inho m ais seguro é ficar quietos e fazer tão
pouco quanto possível. Nós nos congratulam os por cad a dia que
p a ssa sem catástrofe. As ú n icas coisas que estam os ansiosos por
aprender são novos m odos de evadir ou de d e stru ir objetos e p e s­
soas que estão em nosso cam inho. O processo é potencialm ente
explosivo. Q uando qu er que sejam os punidos, m ais e m ais elem en­
tos de nosso am biente to rn am -se reforçadores negativos e p u n id o ­
res. Ficam os cad a vez m ais sob controle coercitivo e dependem os
cada vez m ais de contracoerção p a ra nos m anterm os à tona.
A m bientes inteiros podem se to rn a r reforçadores ou p u n id o ­
res por si m esm os. E stu d a n tes que são reforçados por n o tas altas,
respeito de seu s professores e adm iração de se u s colegas provavel­
m ente freqüentam regularm ente a escola. E stu d a n tes que são p u n i­
dos por n o tas baixas, desaprovação e hum ilhação por p arte de seu s
professores e falta de reconhecim ento e até mesm o desprezo de seu s
colegas provavelm ente se m antêm fora da escola ta n to q u an to p o ssí­
vel. A confiança n a punição coloca o selo "Coercitivo” em todo o
sistem a e p a ra m uitos jovens u m segm ento im portante de seu am ­
biente é aversivo. P ara alunos que são pu n id o s em classe, a escola
torna-se um punidor. Em vez de fazer com que eles aprendam , a
punição os leva a se evadir do am biente onde a aprendizagem s u ­
postam ente ocorre e talvez, até mesm o, a se esquivar de todo proces­
so de aprendizagem formal.
Aí está porque punição condicionada é um efeito colateral
“tóxico” da punição. A m bientes em que som os punidos tornam -se
eles rnesm os punitivos e reagim os a eles como a punidores n atu ra is.
Não gostam os deles, os odiam os ou tem em os, evitando-os com pleta-
Coerção e s u a s im plicações 103

mente se puderm os, ou escapando deles assim que for possível.


Considerando o choque como o p u n id o r prototípico, podem os dizer
que situações n a s quais recebem os choques to rn am -se choques elas
mesmas, capazes de gerar todas a s reações que o choque gera.
Punição condicionada é u m efeito colateral com o q u al não
precisam os lidar m uito longam ente neste m om ento. Ele co n tin u ará
aparecendo ã m edida que nosso quadro do controle coercitivo se
desenvolver, u m a vez que punidores condicionados gerarão, eles
mesmos, os m esm os efeitos colaterais que os pu n id o res dos quais
derivam. A m eaças de punição, por exemplo, com unicadas em p ala­
vras ou ações, são u m a experiência universal, m uito m ais com uns
que as realidades que prognosticam . É crítico, p ortanto, reconhecer
que um a p arte particu larm en te im portante de nosso am biente é
uma fonte im portante de punição condicionada. É o am biente social.
Tanto de um ponto de vista prático como de um pessoal,
talvez a coisa m ais significativa a lem brar sobre o prim eiro efeito
colateral da coerção é que as p esso as que u sam punição tornam -se
elas m esm as punidores condicionados. O utros a s tem erão, odiarão e
se esquivarão delas. Se punim os o u tras p essoas, nós tam bém nos
tornam os punidores. N ossa própria p resen ça se rá punitiva. Se sim ­
plesm ente nos aproxim am os daqueles a quem co stu m eiram en te p u ­
nimos, colocarem os u m fim ao que qu er que seja que estejam fazen­
do. Se ap en as am eaçam os de nos aproxim ar, eles fugirão. Todos os
efeitos colaterais que os choques geram , nós tam bém gerarem os.
Q ualquer um que u se choque to rn a-se u m choque.
6

Juga

Se quiserm os en ten d er a co n d u ta de q u alq u er pessoa, m es­


mo a n o ssa própria, a prim eira p erg u n ta a fazer é: “O que ela fez?" O
que significa dizer, identificar o com portam ento. A seg u n d a p erg u n ­
ta é: “O que aconteceu então?” O que significa dizer, identificar as
conseqüências do com portam ento. C ertam ente, m ais do que co n se­
qüências determ inam n o ssa conduta, m as estas prim eiras p e rg u n ­
ta s freqüentem ente hão de nos d ar u m a explicação prática. Se q u i­
serm os m u d a r o com portam ento, m u d a r a contingência de reforça­
m ento — a relação en tre ato e conseqüência — pode ser a chave.
F reqüen tem en te gostaríam os de ver algum as p esso as em
p articu lar m u d a r p a ra m elhor, m as nem sem pre tem os controle
sobre as conseqüências que são responsáveis por s u a conduta. Se o
tem os, podem os m u d a r as conseqüências e ver se a co n d u ta ta m ­
bém m uda. Ou podem os prover a s m esm as conseqüências p a ra co n ­
d u ta desejável e ver se a nova su b stitu i a antiga.
E sta é a essência d a análise de contingências: identificar o
com portam ento e as conseqüências; alterar as conseqüências; ver se
o com portam ento m uda. Análise de contingências è u m procedim en­
to ativo, não u m a especulação intelectual. É u m tipo de experim en­
tação que acontece não ap en as no laboratório, m as, tam bém , no
Coerção e s u a s im plicações 105

mundo cotidiano. A nalistas do com portam ento eficientes estão sem ­


pre experim entando, sem pre an alisan d o contingências, tran sfo r­
mando-as e testan d o su a s análises, observando se o com portam ento
crítico m udou.
Pais de u m a crian ça com en u rese n o tu rn a crônica, por
exemplo, se perg u n tam se m olhar s u a cam a e stá trazendo a seu
filho algum reforçador positivo que ele não obtém de o utro modo.
Observando cuidadosam ente, notam que geralm ente lhe dão m uita
atenção quando ele m olha su a cam a. S u sp eitan d o que s u a atenção
pode ter encorajado a enurese, ten tam a tra sa r os resu ltad o s u su ais
— lavar, trocar, falar e tocar — até a m anhã. Em vez disso, gu ard am
suas interações calorosas e afetivas com a crian ça p a ra o u tras oca­
siões, talvez q u an d o ela esteja brincando construtivam ente, ou
aprendendo algum a coisa nova e, certam ente, quando ela u s a a d e ­
quadam ente o banheiro.
E stes pais com eçaram a an alisar as contingências que po­
dem ter m antido a en u rese de seu filho. Se s u a análise for válida,
eles em breve verão seu filho p assan d o m ais tem po em b rincadeiras
construtivas e situações de aprendizagem e não m ais u san d o a e n u ­
rese para obter atenção. Se s u a análise não for válida, a continuação
da enurese tam bém to rn a rá isto evidente. Não é necessário haver
trabalho de adivinhação.
A lgum as vezes, reforçam ento negativo e não positivo é re s­
ponsável pelo que fazemos. Podemos fazer algo não porque nos traz
algo bom, m as porque im pede ou nos livra de algo ruim . Novam en­
te, a análise de contingências pode n o s a ju d a r a com preender con­
duta problem ática e a en co n trar u m a solução. A tenção, por exem ­
plo, u su alm en te u m reforçador positivo p a ra u m a crian ça, pode
colocar problem as delicados depois que a crian ça to rn o u -se um
adolescente. Pais que cuidam dem ais, ou m uito in ten sam en te, po­
dem ser vistos como introm etidos e controladores. A tenção, então,
funcionará como u m reforçador negativo; é provável que os pais
notem que s u a filha de 16 an o s não parece m ais q u erer falar com
eles, fica fora de casa ta n to qu an to possível e, q u an d o em casa,
perm anece calada.
Aqui tam bém , a análise de contingências h á de se dem ons­
trar auto-inform ativa. Se a análise for correta, m u d a n ças n a s con­
tingências m udarão a conduta; se for incorreta, a au sên cia de m u ­
dança com portam ental d em an d ará u m a abordagem diferente. Neste
exemplo, alguns dos reforçadores dos próprios p ais — a responsivi-
dade de su a filha a eles e, talvez, seu b em -estar — estão em jogo.
Quando nossos próprios reforçadores estão em risco, n o ssa visão é
106 M urray S íd m a n

algum as vezes lim itada; tendem os a ver o que querem os ver. P ortan­
to, os pais podem p recisar da aju d a de um observador não-envolvido.
O observador pode recom endar que eles respondam às confidências
de s u a filha com afetuoso interesse, m as sem bisbilhotar; que eles
m ostrem não ap en as seu s tem ores em relação ao seu bem -estar,
m as su a confiança em s u a integridade e capacidade de julgar. Se
m odular s u a atenção a tran sfo rm ar um reforçador negativo em um
reforçador positivo, eles descobrirão que a co n d u ta de s u a filha
m uda. D esligar-se de seu s pais, afastar-se deles e evitar com unica­
ção não m ais será reforçador. Em vez disso, ela in terag irá m ais
freqüentem ente, com partilhando experiências, confidenciando, con­
fiando, m udando de fuga e esquiva p a ra aproxim ação.
Infelizmente, m u itas pessoas en co n tram reforçam ento positi­
vo cada vez m ais raram en te à m edida que saem d a infância. Para
algum as, é raro m esm o d u ran te a infância. A m edida que m in h a
história da coerção se desdobrar, ela m o strará que este triste estad o
de coisas tem au m en tad o enorm em ente a d em an d a por psicólogos
clínicos, psiquiatras, assisten tes sociais, an alistas aplicados do com ­
portam ento e o u tro s profissionais. M antendo o olho aberto p ara
reforçadores negativos, cad a um de nós se to m a rá capaz de com ­
preender m elhor e, talvez, aju d a r u n s aos outros.
Reforçamento negativo gera fuga. Q uando encontram os u m re ­
forçador negativo fazemos tudo que podemos p ara o desligarmos, p ara
escapar dele. Se o encontram os novamente, faremos o que funcionou
antes. Reforçadores negativos tam bém podem ser usados como p u n i­
dores. Uma m aneira de p u n ir pessoas é atingi-las com reforçadores
negativos como u m a conseqüência de algo que ten h am feito. (Como
vimos a outra m aneira de p u n ir é reü rar reforçadores positivos.)
Reforçadores negativos e punidores, portanto, são os m es­
mos eventos funcionando de m an eiras diferentes. Podem os fazer
choques desaparecerem — reforçam ento negativo; ou podem os to ­
m ar choques — punição. Reforçam ento negativo to m a u m a ação
m ais provável, punição u su alm en te to rn a u m a ação m enos provável.
Se u m bebê p á ra de ch o rar quando o pegam os no colo — reforça­
m ento negativo — responderem os aos seu s choros su b seq ü en tes
pégando-o no colo; m as se pegar a crian ça no colo faz com que ela
' grite ainda m ais — punição — tentarem os algum a o u tra coisa.
Punição e reforçam ento negativo, quando trazidos à cena
pelo m esm o evento, to rn am -se ligados em um círculo vicioso. Um
choque do qual fugimos tam bém pune o que quer que ten h am o s
feito antes do choque. Ainda que possam os p a ra r o choro d a cria n ­
ça, tam bém terem os cuidado p ara não fazer b aru lh o s altos que
Coerção e s u a s im plicações 107

produzem choro. Por s u a vez. u m choque que p u n e tam bém estab e­


lece o potencial p a ra reforçam ento negativo; ele reforçará o que quer
que façam os p a ra desligá-lo ou escap ar dele. A inda que o início do
choro p u n a nosso falar alto. o térm ino do choro reforça pegar a
criança no colo. Punidores, sejam coisas, lugares, eventos ou pes­
soas suprim em ações que os produzem , m as tam bém geram fuga
como um de se u s efeitos colaterais. Uma vítim a de pu n ição que pode
desligá-la, ou pode de algum modo sa ir da situação, h á de fazê-lo.
Assim, punição, além de seu efeito pretendido u s u a l — red u ­
zir co n d u ta indesejável — tam bém au m e n ta rá a probabilidade de
outro com portam ento; se possível, aquele que recebe punição irá
desligá-la ou fugir. Do ponto de vista daquele que está punindo,
fazer o punido escap ar pode ser u m resultado não-pretendido e
altam ente indesejável.
O p u n id o r pode nem sab er da conexão en tre a punição e a
fuga. A lgum as em presas, por exemplo, ain d a que paguem salários
de m ercado, experienciam u m a alta ta x a de tum over de seu pessoal.
Elas deveriam investigar a possibilidade de que se u s em pregados
estejam fugindo de p ráticas coercitivas de supervisão. Incontáveis
casam entos term inam por c a u sa d a confiança excessiva em controle
coercitivo por p arte de u m ou de am bos os parceiros. O punidor,
nestes casos, freqüentem ente, fica com pletam ente estupefato diante
do desejo do outro de ir em bora; e o punido, que talvez te n h a
encontrado um outro am or, freqüentem ente, não percebe que o de­
sejo de um novo parceiro é motivado pela fuga. E o que dizer de
vandalism o e de incendiários de escolas? Que m elhor modo h á de
fugir da coerção d a sala de au la do que queim ar a escola?
Punição está tão enraizada em n o ssas interações u n s com os
outros que freqüentem ente sequer sabem os que estam os usando-a.
E então, quand o nossos negócios, casam entos, am izades e outros
em preendim entos e relações pessoais im p o rtan tes repentinam ente
fracassam , ficamos desapontados, m agoados e bravos. Não com­
preendendo nosso próprio papel como coercedores e não reconhe­
cendo que outros estão n a realidade fugindo de nós, os acu sam o s de
infidelidade, estupidez, deslealdade, vacilação e, até m esm o, n eu ro ­
se. P ortanto, é crítico que saibam os m ais sobre este com portam ento
que cham am os de “fuga”.

Aprendendo por meio da fuga


A m aneira m ais direta de estu d a r a fuga é a p resen tar refor
çadores negativos e ao mesm o tem po d a r ao sujeito u m a rota de
108 M urray S id m a n

fuga. Podem os d ar u m choque em u m rato de laboratório u san d o o


chão d a caixa experim ental, deixando que o anim al desligue im edia­
ta m en te o choque ao p ressio n ar u m a b arra. Em pouco tem po, o
anim al te rá aprendido a p ressio n ar a b a rra assim que o choque
com eça. Este procedim ento sim ples m o stra que reforçam ento n eg ati­
vo e positivo com partilham pelo m enos u m a característica: am bos
podem en sin ar novo com portam ento. Todos nós aprendem os a p re s­
sionar m u itas b arras, algum as porque trazem “alim ento” e o u tras
porque desligam “choques”.
E sta dem onstração de laboratório nos diz que reforçam ento
negativo é u m a m aneira efetiva de en sin ar? Mais geralm ente, a coer­
ção por reforçam ento negativo é u m a m aneira efetiva de controlar
co n d u ta? Ela ju stifica a prática predom inante de coerção n a família,
n as escolas, no trab alh o e em q uase todos os lugares?
Aqui chegam os ao ponto crucial da questão. O que é um
en sin ar “efetivo”? O que significa controle “efetivo”? Como podem os
dizer se m udam os efetivam ente o com portam ento de alguém ? Nosso
sujeito experim ental, coagido por reforçam ento negativo a p ressio n ar
a barra, parece ter aprendido m uito bem su a lição: ele n u n c a deixa
que o choque p erm aneça ligado m ais que u m a p equena fração de
segundo. Mas, se olharm os m ais de perto o anim al, podem os nos
p erg u n ta r se realm ente ensinam os efetivam ente.
S u p o n h a que ten h am o s program ado os choques p a ra aco n te­
cer im previsivelm ente. Algum as vezes alguns segundos são o in te r­
valo entre choques, algum as vezes m uitos segundos, algum as vezes
alguns m inutos. O casionalm ente, choques se seguem em rápida s u ­
cessão, nem bem o anim al desligou um choque e ele deve im ed iata­
m ente pressio n ar novam ente a b a rra p a ra desligar um outro. Com
tal im previsibilidade, o anim al não pode se a rrisc a r a ir p a ra longe
da b a rra . Ele realm ente não pode se a rrisc a r a fazer q u alq u er o u tra
coisa qúe n ão seja ficar n a b arra, pronto p ara p ressio n á-la tão
rapidam ente q u an to possível, ao prim eiro sin al de choque. O a n i­
mal to rn a-se u m a m áq u in a de pressão à b arra, fazendo seu tr a b a ­
lho devotadam ente e com precisão, não se arriscan d o a n a d a m ais.
Se ele p u d esse falar, ele possivelm ente diria o ditado: “M elhor p re ­
venir do que rem ed iar.”
A contingência de reforçam ento negativo certam ente ensinou
algo ao anim al, m as aconteceu m ais do que esperávam os — a m e­
nos, n atu ralm en te, que fosse n o ssa intenção to m a r o sujeito u m
autóm ato. Uma contingência de reforçam ento sim ples — o anim al
produz com ida pressio n an d o u m a b a rra — tam bém ensina, e aqui
tam bém o anim al ap ren d e m ais do que sim plesm ente a p ressio n ar a
Coerção e s u a s im plicações 109

barra. Ele perm anece relaxado o suficiente p a ra explorar seu am ­


biente de tem pos em tem pos, p a ra descobrir se algo novo e stá acon­
tecendo, p a ra fazer o u tras coisas que podem te r sido reforçadas no
passado, ou sim plesm ente p ara d escan sar. A contingência positiva
deixa o anim al em posição p ara tira r vantagem de outros reforçado-
res que podem se to rn ar disponíveis e de novas op o rtu n id ad es p ara
aprender que possam surgir.
Por o utro lado, a contingência de reforçam ento negativo, que
coage o anim al a p ressio n ar a b a rra p a ra desligar choques, torna-o
incapaz de relaxar s u a vigilância. Em posição de não fazer e de não
aprender q u alq u er o u tra coisa, ele leva o que podem os ch am ar de
um a “vida de quieto desespero”, seu único critério de su cesso sendo
sua efetividade em red u zir a q u an tid ad e de choques que ele tom a.
Assim, um julgam ento de se reforçam ento negativo en sin a
efetivamente dependerá, an te s de tudo, da com pletude de n o ssa
análise. O que o aluno realm ente aprende? As contingências que
estabelecem os u su alm en te en sin arão m ais do que planejam os. Am­
bos, reforçam ento positivo e negativo, efetivam ente en sin arão o que
as contingências especificam, m as elas tam bém en sin arão o u tras
coisas. É aí que elas diferem. Reforçam ento positivo deixa-nos livres
para satisfazer n o ssa curiosidade, p a ra te n ta r novas opções. Refor­
çam ento negativo in culca u m repertório com portam ental estreito,
deixando-nos tem erosos de novidades, com m edo de explorar.
Se julgam os ou não reforçam ento negativo u m meio efetivo
de controlar a co n d u ta tam bém dependerá de n o ssa s intenções. Se
nosso objetivo for criar u m ser que fará exatam ente aquilo que
querem os, e n ad a m ais, o cam inho é u m forte reforçam ento negati­
vo. Mas déspotas, sejam eles ditadores m ilitares, tiran o s desprezí­
veis ou opressores fam iliares, têm que perm anecer etern am en te vigi­
lantes. Finalm ente, todos eles caem porque o reforçam ento negativo,
como verem os, produz ain d a m ais efeitos colaterais.
Reforçam ento negativo, então, p articu larm en te se intenso e
contínuo, pode restrin g ir estreitam ente nossos interesses, até m es­
mo cau san d o u m a espécie de “visão de túnel" que nos im pede de
a ten tar p ara qualq u er coisa, exceto o estresse a que estam os, no
momento, sendo subm etidos. Nós podem os d ar conta m uito bem de
rotinas estabelecidas, em bora talvez de u m a m an eira estereotipada,
m ecânica ou com pulsiva. Em casos extrem os, estarem os sem pre
olhando por sobre os om bros p ara ver que novo d esastre está a
ponto de d esab ar sobre n o ssas cabeças.
Em um segundo efeito colateral, reforçam ento negativo conti­
nuado transform a m ais e m ais pessoas, objetos e lugares à no ssa
110 M urray S id m a n

volta em reforçadores negativos. O domínio sob o qual estam os s u ­


jeitos a controle coercitivo se alarga. À m edida que desligam os os
vários tipos de choques que nos atingem em certos mom entos, em
lugares específicos e em o u tras circunstâncias distintivas, nosso
am biente p assa a sinalizar a im inência de cada tipo de choque e a
im inência da necessidade de fugir. A fuga ocorre dentro de um
contexto am biental e finalm ente aprendem os os sinais p ara cada
contingência.
Q uando u m a situação que com eçou n eu tra, ou m esm o b en e­
volente, to m a-se um sinal de reforçam ento negativo, torna-se ta m ­
bém um reforçador negativo por si m esm a. A ssim como q u alquer
punição to m a tam bém punidores as circu n stân cias que a acom pa
nham , qualquer reforçam ento negativo tam bém estabelece o a m ­
biente no qual ocorre como u m reforçador negativo. Uma vez c ria ­
dos, estes coercedores condicionados p assam a controlar, s u p la n ­
tando os agentes controladores pretendidos e estendendo a coerção
p ara m uito além de seu escopo original.
Poderíam os facilm ente dem onstrar a transform ação de todo
um am biente em um reforçador negativo fazendo u m experim ento
que ninguém jam ais fez. S erá fácil perceber porque não é feito.
Sim plesm ente remova o teto de um a caixa onde u m rato de lab o rató ­
rio está pressionan d o s u a b a rra p ara desligar choques. Os in s tru ­
m entos de registro em breve ficariam silenciosos: o anim al teria ido
em bora — literalm ente, pelo teto.
Lugares onde experienciam os reforçam ento negativo tornam -
se eles m esm os reforçadores negativos. Assim tam bém se to rn am as
pessoas que nos controlam por reforçam ento negativo. Se puderm os,
fugirem os de am bos, lugares e pessoas. Prisioneiros fogem d a ca­
deia, soldados desertam do exército, trab alh ad o res fazem intervalos
am pliados e estão fora do trab alh o assim que o relógio m o stra o tim
do dia de trabalho. Patrões que dizem aos trab alh ad o res p a ra “p ro ­
duzir o u ...” experienciam um turnover de pessoal m ais alto do que
aqueles que sim plesm ente arran jam promoções, pagam entos m aio­
res e tem po livre como resultado da produtividade. Pacientes prova­
velmente ab an d o n arão os cuidados de u m médico que lhes diz que
não deveriam com er tan to porque estão m uito gordos e p rocurarão
um outro que lhes diz o que deveriam com er p ara to rn ar-se m agros.
Portanto, controle por reforçam ento negativo tam bém to rn a ­
rá o am biente coercitivo. Se conseguim os que outros façam o que
querem os, deixando-os fugir de algo desagradável ou nocivo, eles
tam bém fugirão, se possível, dos lugares onde tal coerção ocorreu —
e de nós. Q uando fazemos outros cum prirem n o ssas ordens “aper-
Coerção e s u a s im plicações UI

tando os parafusos" até que eles as cum pram , podem os descobrir,


se formos os proprietários, que n o ssas vítim as ab an d o n aram seu
apartam ento; se formos os patrões, que elas ab an d o n aram o em pre­
go; se formos um credor, que elas saíram da cidade.
Q ualquer elem ento fisico ou social de u m a situ ação em que
somos reforçados por desligar ou fugir de algo doloroso, am edronta-
dor ou repugnante, to rn a-se ele m esm o um lugar ou u m a pessoa da
qual fugir. Se controlam os outros por reforçam ento negativo, ta m ­
bém nos tornam os objetos de aversão. C onhecidos, p aren tes, colegas
de trabalho, qu alquer um que não te n h a de p erm an ecer em contato
conosco irá em bora. Eles descobrirão b arras que podem pressio n ar
para interrom per ou d esco n tin u ar a relação. Se formos professores
coercitivos, nossos alunos não estarão disponíveis p ara receber n o s­
sa instrução. Se formos pais coercitivos, nossos filhos sairão de casa
assim que puderem . Se formos policiais coercitivos, descobrirem os
que o nosso é um cam inho solitário.

Reforçamento negativo e punição


As d u as form as de coerção — reforçam ento negativo e p u n i­
ção — perm anecem de perto relacionadas. Eventos que são reforça­
dores negativos em um m om ento podem ser punidores em outro,
sendo seu papel p articu lar determ inado por su a relação com no ssa
conduta. É provável que nos m an ten h am o s fazendo qualq u er coisa
que rem ova a cara feia do chefe — reforçam ento negativo; tam bém é
provável que parem os de fazer qualquer coisa que faça a cara feia
reaparecer — punição.
Na prática, reforçam ento negativo e punição estão ainda
m ais im ediatam ente interligados. P ara que o térm ino de um evento
seja reforçador, prim eiro o evento tem de ocorrer; o choque tem de
acontecer an tes que possam os desligá-lo. O que estávam os fazendo
quando o choque apareceu? O que q u er que seja, é m enos provável
que repitam os esse ato no futuro, ain d a que ele não te n h a realm ente
trazido o choque.
Se o sujeito experim ental, desligando choques ao p ressio n ar
u m a b arra, deixasse a b a rra p ara investigar um ruído no fundo da
caixa, ele provavelm ente receberia um choque d u ran te su a explora­
ção. E por cau sa do tem po necessário p ara o sujeito voltar â b arra, o
choque provavelm ente d u raria m ais que o u su al. Q ualquer interesse
futuro em sons m isteriosos seria enorm em ente reduzido. Em bora o
som não te n h a causado o choque e n ad a do que o anim al te n h a feito
realm ente te n h a produzido o choque — ele teria vindo naquele mo­
112 M urray S id m a n

m ento, de q ualquer m aneira — am bos, o som e o com portam ento


exploratório, por acaso precederam o choque. Exploração foi, por­
tanto, p u n id a e o som to m o u -se u m sinal de aviso.
E stes tipos de conseqüências acidentais — ações e seu s
contextos am bientais correlacionados ap en a s por acaso com o a p a ­
recim ento de um reforçador negativo — podem ser responsáveis por
su p erstiçõ es e por co n d u ta que parece anorm al ou m esm o doente;
m ais tarde, eu falarei sobre alguns d esses efeitos colaterais da
punição e do reforçam ento negativo. No m om ento, a punição aci­
d ental que inevitavelm ente aco m p an h a reforçam ento negativo pode
ser vista como ain d a u m a o u tra indicação d a íntim a relação en tre
as d u a s form as de coerção. A ntes que um reforçador negativo po ssa
fortalecer o que q u er que façam os p a ra desligá-lo, ele p u n irá a u to ­
m aticam ente o que qu er estejam os fazendo ex atam en te an tes do
seu início.
O elo entre punidores e reforçadores negativos se estende
tam bém a seu s efeitos colaterais condicionados. Um am biente do
qual fugimos p u n irá qualquer ação que nos coloque de novo em
contato com ele. Se a escola é um reforçador negativo, fortalecendo
nosso com portam ento de deixá-la, ela provavelm ente é tam bém um
punidor, reduzindo n o ssa inclinação p ara nos aproxim arm os e e n ­
trarm os. É provável que u m salvam ento de afogam ento nos reforce
poderosam ente por sair da água; a m enos que m edidas especiais
sejam tom adas p ara n eu tralizar o sta tu s de p u n id o r recém -adquiri-
do pelo oceano, tenderem os a en co n trar outros m odos, que não o
nadar, p a ra nos exercitarm os ou nos m anterm os sem calor. Pode­
m os até m esm o ab an d o n a r barcos como meio de tran sp o rte. Uma
criança não ap ren d e rá ap en as a fugir do fanfarrão d a vizinhança,
talvez correndo m ais que ele, m as tam bém a se m a n ter d istan te de
seu território.
Portanto, aqueles que nos controlam coercitivam ente podem
u s a r os m esm os eventos como punidores p a ra p a ra r o que estam os
fazendo ou como reforçadores negativos p ara nos obrigar a fazer algo
p a ra fugir. Eles podem nos d a r choques por fazerm os o que os
desagrada, ou podem nos d a r choques até que façam os o que os
agrada. Ao c o n tin u ar a an alisar os efeitos colaterais da coerção será
conveniente ju n ta r estas d u as técnicas coercitivas, punição e refor­
çam ento negativo.
7

9{otas defuga

Um arranjo p adrão de laboratório m an tém um sujeito rap i­


dam ente desligando choques ao p ressio n ar u m a b arra. Fora do labo­
ratório, realizam os u m a q uase ilim itada variedade de ro tin as de
fuga. Com o controle pelo reforçam ento negativo e punição predom i­
nantes em praticam ente todas as áreas d as relações h u m a n as, expe-
rienciam os m uitos tipos de choques ju n to com m uitos eventos e
situações que se to rn aram equivalentes a choques. C ada u m de nós
encontrou m uitos tipos de b a rra s com as quais desligá-los.

Desligando-se
F reqüentem ente desligam os o que qu er que nos desagrade. A
rrienos que m ás notícias dem andem ação im ediata, tendem os a fugir
tom ando-nos cegos ou surdos a elas. Algum as vezes tran cam o s o
am biente coercitivo ligando-nos em literatu ra, teatro e filmes de
"escape”. Mesmo reforçadores negativos e p u nidores suaves, m as
persistentes, podem to rn ar h ab itu al a fuga. Tendo u m pai ou esposo
que fala incessantem ente, aprendem os a "fechar nossos ouvidos”,
balançando a cabeça ou assentindo ocasionalm ente, m as escutando
pouco. N algum a m edida, vemos e ouvimos ap en as aquilo que q u ere­
114 M urray S id m a n

m os ver e ouvir, ignorando realidades desagradáveis até que elas se


tornem persisten tes ou fortes o suficiente p a ra p erfu rar nosso e sc u ­
do de insensibilidade.
Podemos salvar u m a relação aprendendo a ignorar pequenas
am olações, m as desligar perigo e sinais de perigo não é adaptativo.
Não faz sentido provocar a m orte dirigindo u m carro em s u a veloci­
d ad e m áxim a porque “isto não pode acontecer comigo”. É bobagem
co n tin u a r fum ando com o argum ento de que “a evidência é ap en as
esta tístic a ”. Ignorar u m a curva de vendas decrescente porque “é
apenas o ciclo n a tu ra l dos negócios” provavelm ente levará o negócio
à falência. Por que tão freqüentem ente nos engajam os em tal fuga
irreal? Por que desligam os a realidade? P ara u m a explicação, olhe
prim eiro p a ra as conseqüências im ediatas em vez das conseqüências
finais. A curto prazo, desligar realm ente funciona. Por não a p re se n ­
ta r o u tras reações em relação a alguém que ofende ou a u m evento
ofensivo ou perigoso, desligar faz com que o evento ou perigo d e sa ­
p areça d a consciência — ele realm ente parece sum ir.
M as finalm ente a realidade não prevalece? Podemos sobrevi­
ver ignorando o desagradável, o feio ou o perigoso?

Crise de gerenciamento. Algumas vezes desligar parece ju s ti­


ficar-se, m esm o a longo prazo. Todo m undo conhece p esso as que
generalizadam ente colocam problem as “no gelo”, m as que, então,
aplicam efetivam ente su a s m ais desenvolvidas habilidades de técn i­
cas, sociais e de gerenciam ento, p a ra lid ar com cad a u m d esses
problem as à m edida que s u a severidade finalm ente força s u a a te n ­
ção. Eles se movem de crise em crise. No processo, alguns proble­
m as, ain d a que não -trab alh ad o s, realm ente desaparecem . E assim ,
seu reforçam ento negativo im ediato por desligar, o reforçam ento
ocasional quando u m problem a negligenciado se resolve sozinho, e
seu sucesso em finalm ente lidar com problem as difíceis, tudo isto
produz um ganho final.
Mas, em bora possam os fugir d as coerções da vida por algum
tem po desligando-as até que dem andem n o ssa atenção, u m a carrei­
ra de gerenciam ento de crises é, paradoxalm ente, u m a existência
com pletam ente coagida. C ada em ergência nos m antém em s u a s g ar­
ras, ocupando toda n o ssa atenção e controlando todas as n o ssa s
ações até que a tenham os resolvido. Então, a próxim a crise nos
agarra. Reforçam ento negativo — fuga — dom ina n o ssas vidas. O
fracasso, o resultad o de u m a crise severa ou com plicada dem ais
p a ra resolver, parece u m a possibilidade rem ota. Ú lceras, ataq u es
cardíacos, estafa e outros problem as nos quais a coerção pode de­
Coerção e s u a s im plicações 115

sem penhar um papel são freqüentes n a população, m as raram en te


atingem qualquer indivíduo p articu lar. Eles, portanto, exercem p o u ­
ca influência até que realm ente aconteçam conosco.

Deixe o Zé fa z e r isso. O utros reforçadores tam bém podem


s u ste n ta r o desligar como u m modo de lid ar com problem as, ain d a
que a lógica nos diga que ignorância d a realidade não pode prom o­
ver a sobrevivência. Podemos ignorar u m a situ ação perigosa porque
não estam os pron to s p a ra enfrentá-la, m as alguém m ais, co n sid e­
rando aquele m esm o perigo m ais am eaçador, pode lidar com ele
diretam ente. E assim tem os a solução “deixe o Zé fazer isso ” p ara
problem as desagradáveis. Q uando ela funciona, to m a -se ain d a m ais
provável que desliguem os as d em andas m enos agradáveis d a vida.
Nossa sorte finalm ente acabará, m as, en q u an to isso, tem os com pa­
nhia; m uitos fogem “vendo tu d o cor-de-rosa” ou “b rincando de Polia-
n a ”, ain d a que estas adaptações devam se d em o n strar finalm ente
autoderrotadas. .
No governo, n a in d ú stria e n a s g ran d es instituições, ‘‘Deixe o
Zé fazer isso” foi form alizado como “Delegação de responsabilidade”.
F reqüentem ente fugim os à responsabilidade, p assan d o -a p a ra algu­
ma o u tra pessoa. Q uando decisões requerem conhecim ento que não
tem os, ou que cau sarão conseqüências desagradáveis, atribuím os
responsabilidade a Zé ou M aria. Na in d ú stria, e sta ro ta de fuga tem
levado à proliferação de diretores, gerentes, líderes de projetos e
consultores técnicos; no governos a u m a em aran h ad a e s tru tu ra a d ­
m inistrativa de d epartam entos, secretarias e m inistérios; n a s u n i­
versidades e hosp itais a u m a “e s tru tu ra de su p o rte” que consom e
ela m esm a consideravelm ente m ais recu rso s que a pró p ria m issão
educacional ou de saú d e que a e s tru tu ra su p o stam en te su sten ta .
C ada novo elo n a “cadeia de com ando” su p o stam en te remove d a
atenção im ediata do chefe algum a área problem ática. É como u m a
partida de futebol sem fim, cad a jogador habilidosam ente p assan d o
a bola p ara um outro, esperando não ser o d esafortunado recebedor
de um p asse p a ra o gol.
O crescim ento da b urocracia in d u strial e governam ental é
usu alm en te justificado como u m a m edida de eficiência. E ntretan to ,
a longo prazo, os benefícios d a influência, ren d a e p oder reforçam
nossos líderes por m an ter e expandir su a s bu ro cracias p articulares.
A cúrto prazo, cada delegação de responsabilidade recebe reforça­
m ento negativo forte e im ediato — fuga dos trab alh o s necessários
para se chegar a ju lg am en to s fu n d am en tad o s e liberdade dos confli-
116 M urray S id m a n

tos que to d a decisão gera. E, natu ralm en te, “deixar Zé fazer isso"
tam bém significa que m ais tard e “Zé pode levar a cu lp a”.
Fazer nada. A fuga da solução de problem as to rn a-se ain d a
m ais reforçadora quando u m a decisão e rrad a poderia produzir c a ­
tástrofe. A possibilidade de holocausto n u clear parece ter paralisado
os líderes das nações. C onfrontados com estoques de arm as n u clea­
res cad a vez m aiores, eles olham em o u tra direção. A rm as n u cleares
estão se tornando crescentem ente m ais acessíveis a indivíduos que
possivelm ente não poderiam com preender seu potencial destrutivo e
que, portanto, não hesitariam em u sá-las. Elas tam bém estão se
to rn an d o disponíveis p ara terro ristas, cu ja existência m arginal lhes
dá p o u ca razão p a ra tem erem su a própria destruição. A inda assim ,
n o sso s líderes fingem que a catástrofe não pode acontecer. Ou, caso
p udesse, eles afirm am que a possibilidade seria rem ota; “não h á
u m a em ergência”. Um movimento errado pode trazer um d esastre
tão enorm e que não realizar qualquer m u d a n ça parece o cam inho
m ais seguro. Portanto, eles co n tin u am a am eaçar u n s aos outros
com destruição; o único elem ento novo é que a am eaçada destru ição
de algum modo to m a-se m ais e m ais total.
A chantagem n u clear que poderia se seguir a q u alq u er d e ­
sarm am ento u n ilateral im pede cada nação de d a r esse passo. O
medo de proliferação n u clear n ão -d etectad a im pede acordos de d e ­
sarm am en to m ultinacionais. De q u alq u er modo, a im possibilidade
de restringir o crescim ento do conhecim ento científico e de en genha
ria rapidam ente to rn aria obsoletas as provisões técnicas de qualq u er
acordo lim itado. Portanto, está fadada ao fracasso q u alq u er coisa
que não seja a total desistência de todas as aplicações d estru tiv as
desse conhecim ento. Mas, u m a desistência total não teria significa­
do sem um m onitoram ento irrestrito de todos os p aíses signatários.
Incapazes de su p e ra r as dificuldades p ráticas que tal com prom isso
total colocaria, líderes nacionais fingem que sabedoria convencional
será suficiente p a ra fazer com que este problem a totalm ente incon-
vencional desapareça.
E assim eles n ad a fazem. F u g a da realid ad e e d a r e s p o n s a ­
bilidade co n tin u am . A diplom acia in tern acio n al to rn a -se u m enig­
m a sem sentido, repleto de p ro n u n cia m en to s e p o s tu ra s de au to -
superioridade, com dem onstrações cuidadosas de pêlos eriçados,
grunhidos, ranger de dentes e b atid as de pés. O perigo de lim itar a
proliferação de arm as n u cleares faz com que nossos líderes ignorem
o perigo m aior de deixar que ela continue. R ecusando-se a agir
agora, iludindo-se, acreditando que eles ain d a não têm que fazer su a
escolha, eles n a realidade escolheram . S u a decisão foi a de autodes-
Coerção e s u a s implicações 117

truir; ap en as a d a ta perm anece incerta. Porque o alívio de ter que


tom ar u m a decisão potencialm ente perigosa é im ediato, ele os con­
trola m ais fortem ente do que a conseqüência catastrófica, m as mui
to a tra sa d a , de não to m ar qualquer decisão óbvia.
E ste fato do com portam ento — conseqüências im ediatas nos
influenciam m ais fortem ente que conseqüências a tra sa d a s — ju stifi­
ca u m a previsão pessim ista: a probabilidade de que a espécie h u m a­
n a sobreviverá não ê grande. A decisão de n a d a fazer de construtivo
p ara prom over a sobrevivência fornece alívio im ediato d a n ecessid a­
de de considerar o im pensável: ela nos deixa livres p a ra perseguir
n o ssas preocupações e problem as cotidianos. Mas colocar a a u to ­
destruição n a gaveta ro tu lad a “su p ersecreto ” de n o ssa consciência
não a fará desaparecer. Há u m pouco de “Deixe o Zé fazer isso” aqui,
com o Zé sendo nossos filhos e netos.
O problem a é único n a histó ria h u m a n a. A prendizagem vem
da experiência, m as ninguém ain d a experienciou o im inente choque
final. Sem ter tido o portunidade de descobrir u m a b a rra que p u d es­
se trazer alívio, passam o s a p ressio n ar b a rra s que trazem o desastre
p ara m ais perto. Temos aqui u m a situ ação n a qual não podemos
esp erar que a experiência nos ensine; o reforçam ento negativo ne­
cessário p a ra s u ste n ta r e sta ad ap tação p articu lar jam ais pode ocor­
re r porque ninguém sobreviverá â prim eira experiência.
O problem a fu n d am en tal é com portam ental e a análise do
com portam ento o expõe, m as não está claro que n o ssa espécie esteja
equipada com portam entalm ente p a ra resolvê-lo. Podemos reduzir o
controle que contingências p a ssa d a s e presentes exercem sobre n o s­
so com portam ento presente? Podemos, em vez disso, nos colocar sob !
o controle de u m a contingência que ain d a não aconteceu? Podemos,
de algum modo, to rn ar a am eaçada destruição da espécie u m deter- '
m in an te m ais poderoso de n o ssa co n d u ta do que n o ssa s p reo cu p a­
ções económ icas e ideológicas atu ais? Nossa tendência p a ra enfren­
ta r problem as difíceis desligando-nos deles, um pro d u to d a excessi- -
va exposição à coerção, de algum modo te rá que se r co n to rn ad a. Eu
terei m ais a dizer sobre isso m ais tarde, ao d iscu tir altern ativ as à
coerção no controle do com portam ento.

Desistindo
Um outro tipo de b a rra de fuga que m uitos aprendem a
p ressio n ar é parecida com a b a rra de desligar. Em vez de sim ples­
m ente desligar-se, eles realm ente desistem . D esistir, com s u a m ui­
ta s n u a n c e s de significado, é Mm im portante problem a social de
118 M urray S id m a n

nosso tempo. Temos d esisten tes da educação, da família, d a religião,


de responsabilidade pessoal e da com unidade, da cidadania, do veio
principal d a sociedade, d a própria sociedade, da vida,
O elem ento com um em todos os tipos de d esistência é refor­
çam ento negativo. Algumas vezes ele tom a a form a de esquiva; nós
nos im pedim os de nos envolver, Eu discutirei esquiva, um outro
efeito colateral da coerção, nos próxim os capítulos. Em ou tro s m o­
m entos, o reforçam ento negativo tom a a form a de fuga; tendo nos
envolvido, nós, então, quebram os o contato, saím os.
D esistir de aspectos coercitivos, m as im portantes, da vida
pode em pobrecer severam ente n o ssa existência. A sociedade ta m ­
bém é a perdedora quando u m indivíduo p á ra de participar. U sar
um a b a rra de d esistência p a ra fugir d a coerção é u m a ad ap tação
não-produtiva. D esistentes não contribuem , seja p a ra o seu bem
estar, seja p ara o b em -estar geral.

D esistindo d a escola. D esistentes d a escola são u m exemplo


p articu larm en te trágico. Em bora m u itas com unidades não deixem
m ais os professores u s a r punição corporal, a coerção ain d a é a
principal ferram enta pedagógica. Supõe-se que a aprendizagem pro­
vê su a s próprias recom pensas, m as ninguém confia no fracasso
como provedor de s u a s próprias punições, Este se supõe ser o tra b a ­
lho do professor. Fazer com que os alunos ap ren d am punindo-os
quando eles fracassam .
O chapéu de bu rro , literalm ente e figurativam ente, a in d a é
de uso com um . E xponha alu n o s lentos ao ridículo; revele su a s in a ­
dequações p a ra eles m esm os e p ara os outros cham ando-os em
testes orais; devolva se u s trab alh o s cheios de com entários escritos
em destaque e com n o tas baixas p a ra que outros alu n o s vejam à
m edida que p assam os trab alh o s da frente p ara trás; fale com eles
rispidam ente, ou com paciente exasperação; enfatize su a s n o tas b ai­
xas, escrevendo-as em seu s boletins com tin ta verm elha; sen te-o s no
fundo d a classe, u se-os como exem plos do que acontece com alu n o s
fracassados.
Se eles não conseguem lidar com a carga de trab alh o norm al,
dê-lhes m ais; faça-os p a ssa r m ais horas n a escola e fazer trabalho
extra n a escola e em casa; g a ra n ta que o fracasso em ap ren d er não
apénag os to m a p árias sociais, m as os priva tam bém de b rin ca r e de
outros divertim entos. Escolarização não precisa ir longe an tes que
a s crianças concluam que aprendizagem e prazer são m u tu am en te
exclusivos, que m ais de u m significa m enos do outro.
Coerção e s u a s im plicações 119

De fato, a fuga é inevitável. A lguns alu n o s sim plesm ente se


desligam. Eles e se u s professores estabelecem u m pacto implícito:
Desde que eles "se com portem ”, o professor d eixará que eles se
percam em seu s próprios sonhos. Mas se a coerção au m en ta, desli­
gar-se to rn a-se impossível. E ntão, a d esistên cia com eça, iniciando-
se com a n d a r devagar e se atra sa r, m udando p a ra doenças fictícias,
daí p ara “c ab u lar a u la s” e, finalm ente, p a ra raram en te — ou n u n ca
— aparecer. O cu sto de encontrá-los e trazê-los de volta to rn a-se
exorbitante, assim a com unidade os ignora até que, n a idade legal,
eles obtêm a libertação d a servidão.
N aturalm ente, nem todos os professores p raticam a coerção
e m uitos m erecem adm iração por s u a dedicação e com petência. M ui­
tos rejeitam reforçam ento negativo como u m m étodo p ara induzir
alunos a ap ren d er e, em vez disso, u sa m reforçam ento positivo efeti­
vamente. Aqueles que conduzem os seu s alu n o s com su cesso a cada
passo, reforçando positivam ente sucessos, em vez de p u n ir fracas­
sos, não criam desistentes: eles não dão aos seu s alu n o s qualq u er
razão para fugir.
Mas, professores que rejeitam a coerção como u m a ferram en­
ta pedagógica o fazem a despeito de seu treinam ento. Em bora a
filosofia da educação atu alm en te e n sin ad a em nossos cu rso s de
pedagogia seja anticoercitiva, o trein am en to prático não u s a o que é
sabido sobre o en sin ar não-coercitivo. Diz-se a fu tu ro s professores
que a coerção é ruim , m as não se m o stra a eles como u s a r alte rn a ti­
vas efetivas. As p ráticas tradicionais persistem .
As crises a tu a is de disciplina e d esistência são o resultado
inevitável de u m a h istó ria de coerção educacional. Pode-se te r s a u ­
dades dos dias em que os alunos tem iam se u s professores, falavam
com eles com respeito, aceitavam trab alh o extra como puniçáo, sub-
mètiam-se a serem m antidos n a escola depois da au la e até m esm o
se resignavam a ap an h a r. Mas através dos anos. to d as e sta s form as
ié controle coercitivo estavam sem eando a destru ição do sistem a.
Dnde e quando q u er que a coerçáo seja praticada, o resu ltad o final é
aerda de suporte p ara o sistem a por p arte daqueles que sofreram
;óm ele. Em todo am biente coercitivo, o coagido finalm ente en co n tra
naneiras de voltar-se co n tra os coercedores. C ontracontrole, vere-
nos m ais tarde, é u m outro efeito colateral do controle coercitivo.
Jma relação de adversários desenvolveu-se entre alu n o s e professo­
es, e as vítim as anteriores, agora pais, não m ais apóiam o sistem a
:ontra seus próprios filhos.
Isto não significa dizer que a coerção no sistem a educacional
: a ú n ica cau sa da desistência. A coerção sem pre foi p raticad a n as
120 M urray S id m a n

escolas, ain d a assim os d esisten tes to rn aram -se u m problem a agudo


ap en as em anos recentes. Não tem os q u alq u er evidência de que
n o ssa s escolas sejam m ais coercitivas hoje do que no passado. C la­
ram ente, outros fatores tam bém estão envolvidos. Nos últim os cin ­
q ü e n ta anos, a estabilidade geográfica e em ocional que a e s tru tu ra
fam iliar costum ava prover se deteriorou drasticam ente; a sem pre
presen te am eaça de destruição n u clear foca a aten ção dos jovens e
de todos os dem ais no presente, em vez de focá-la n a p rep aração de
um futuro que pode não existir; o abuso de drogas e s tá afetando
to d as as instituições e não ap en as as escolas.
E ain d a assim , se os elem entos coercitivos do sistem a e d u c a ­
cional não fossem tão avassaladores, este sistem a teria se descober­
to capaz de enfren tar as o u tras pressões. No laboratório e n a s s itu a ­
ções fam iliares em que a aprendizagem su p o stam en te ocorre, a evi­
dência indica que o en sin ar bem -sucedido e não-coercitivo m an tém
os alunos que estão sob p ressão física ou em ocional no lugar. Eles
ficam e eles co n tin u am a aprender. Q uando o en sin ar não é b e m -su ­
cedido, ou é feito por reforçam ento negativo em vez de positivo,
alunos reagem a o u tro s estresses, desistindo.
Q uando se im pede o desligar-se ou o d esistir fisicam ente,
surgem problem as de disciplina. A gressão e outros tipos de disrup-
ção são ro tas de fuga-padrão, ain d a que no início tragam ain d a m ais
coerção. Perm ite-se a professores que m a n ten h am a disciplina por
meio de reprim enda, ab u so verbal, cancelam ento de privilégios, a tri­
buição de trab alh o extra, relatos ru in s p a ra os pais, telefonem as à
autoridade adm inistrativa su p erio r ou à polícia e, até m esm o, q u ei­
x as penais. A solução m ais freqüentem ente oferecida p a ra o proble­
m a da disciplina é au m e n ta r a severidade d as contram edidas coerci­
tivas, sendo a punição últim a, a expulsão do sistem a. Uma m aneira-
padrão de o aluno d esistir é conseguir ser expulso.
Não é irônico que alu n o s que foram bem -sucedidos em fugir
da coerção norm al do sistem a educacional, cau san d o problem as e
sendo expulsos, ganhem u m a perm issão legal p a ra não-participa-
ção? A tragédia é que é negado acesso posterior àqueles que m ais
precisam d a escolarização, àqueles que por u m a razão ou o u tra não
descobriram a s resp o stas certas em sala de aula. "Negado o acesso ?”
pode-se objetar. “N ada é negado a eles. A educação está disponível
p a ra todos. O problem a da d esistência reflete deficiências dos a lu ­
nos ou d a sociedade m ais am pla, não do sistem a educacional.”
R esponsabilidade não é a questão prim ária. Q uando u m ob­
jeto cai no espaço, não culpam os algum a força m isteriosa dentro do
objeto, nem tentam o s rem ediar as falhas da natu reza. A ceitam os a
Coerção e suas im plicações 121

inevitabilidade de u m a q u ed a como u m a conseqüência de qualquer


perda de su sten tação física. De modo sem elhante, a fuga é u m a
conseqüência inevitável da coerção. D esistir é sim plesm ente u m a
das m uitas form as de fuga. Neste ponto, intenções, atribuição de
culpa, filosofias da educação e m esm o teorias do com portam ento
não são relevantes. Q ualquer um , sujeito à coerção, se possível,
cairá fora. A fuga de u m organism o vivo, como u m a conseqüência da
coerção, não ê m enos um fato da n atu reza do que a q u ed a de um
objeto como u m a conseqüência de perda de su p o rte físico. Porque
ela produz fuga, a coerção é u m a recu sa de acesso tan to qu an to o é
bater a p o rta d a escola n a cara do aluno.
A coerção não leva ap en as alu n o s a sair do sistem a ed u ca­
cional; professores tam bém estão saindo. Tradicionalm ente estabele­
cemos o salário de professores em níveis relativam ente baixos, dados
a duração e custo do treinam ento requerido, a dificuldade do tra b a ­
lho, e as h o ras extras necessárias p a ra a preparação d a s aulas,
correção de trab alh o s e atendim ento de alu n o s e pais. Alguns argu
m entam que os baixos salários indicam o baixo valor que a socieda­
de atribui à profissão de ensinar. N algum a m edida esta in te rp re ta ­
ção pode ser verdadeira, m as ela não é suficiente; ela não explica
porque professores se m antiveram como tal a despeito dos salários
inadequados e, talvez, da baixa estim a social.
Perm anecendo em seu s postos, professores m o stram que o u ­
tros reforçadores, que não dinheiro e prestígio, estão operando. A
maioria dos alun o s realm ente ap ren d e algum a coisa, e m uitos
aprendem m uito, algum as vezes como resu ltad o de ensino efetivo e
algum as vezes a despeito de u m m au ensino. P ara a m aioria dos
professores a razão de fundo é o su cesso de seu s alu n o s em ap re n ­
der. Q uando os alu n o s progridem , eles carregam com eles novos
modos de se com portar que não tin h am qu an d o com eçaram ? Porque
estes e outros tipos especiais de reforçadores m antêm os professores
ensinando, a sociedade não teve que prover as recom pensas fin an ­
ceiras que teriam sido n ecessárias se o dinheiro fosse a ú n ica razão
de u m professor p a ra continuar.
M as agora, m ais e m ais professores descobrem -se alc a n ç a n ­
do aq u ela tão im portante razão de fundo cad a vez m enos freq ü en te­
m ente. P ara um professor, cada desistente é u m a o u tra o p o rtu n id a­
de perdida p a ra en sin ar com sucesso. Aqueles alunos que p erm an e­
cem fisicam ente, m as desenvolvem sistem as de contracoerção estão
to m an d o a fuga u m a alternativa ainda m ais com pelidora p a ra os
professores. Com s u a s instituições de treinam ento fracassan d o em
lhes fornecer m étodos náo-coercitivos p ara m a n ter a disciplina em
122 M urray Stdman

sala de aula. eles estão se descobrindo não ap en as fracassan d o em


en sin ar efetivam ente, m as incapazes até m esm o de m an ter u m a m ­
biente que conduza à aprendizagem . S u a tax a de sucesso e stá decli­
nando; eles m esm os estão se to m an d o objetos de coerção; as m aio­
res recom pensas financeiras disponíveis p ara outros tipos de tra b a ­
lho estão, portanto, to m an d o -se m ais e m ais ten tad o ras. Professo­
res. tam bém , estão se to rn an d o desistentes.
O processo educacional está, ele mesm o, recebendo notas
baixas. M uitos alu n o s estão ap aren tem en te p assan d o de série a
série sem terem aprendido o básico. A com petência em leitura, escri­
ta, aritm ética e raciocínio parece e sta r declinando. E, m antendo
no ssa longa confiança n a coação p a ra fazer com que n o ssa s cria n ­
ças aprendam su a s lições, líderes da educação propõem resolver
este problem a im pondo m edidas coercitivas ain d a m ais estritas.
Como um remédio p ara os m ales da escola, um recente dirigente da
burocracia educacional em nosso governo, apoiado pelas principais
organizações de professores, vem reivindicando padrões m ais altos
nas escolas.
O que se quer dizer com “padrões m ais alto s”? Quem te rá
que atingir estes padrões m ais altos? E como vão fazê-lo?
Exam inando a s propostas, descobrim os que “padrões m ais
altos” significam “n o tas m ais a lta s”. São os alunos que devem atingir
a s notas m ais altas. Mas n a d a é dito sobre como os alu n o s vão ser
levados a atingir estes novos critérios de desem penho. Eles sim ples­
m ente deverão ser testad o s e, ou atingirão níveis m ais altos de
com petência, ou não serão promovidos. E stam os de volta à ed u ca­
ção por meio da coerção, dizendo aos alunos; “A prendam , o u ...”
Não se pode ter q u alquer argum ento co n tra altos padrões
enquanto tal. E h á suficiente evidência de que professores que esp e­
ram altos níveis de desem penho de seus alunos são provavelm ente
os que obtêm m elhor desem penho. Mas isto não acontece por m ági­
ca. Som ente se professores puderem com binar altas expectativas
com altos níveis de com petência p ara en sin ar, os alu n o s poderão
descobrir como atingir as expectativas. E em n en h u m lugar das
propostas de rédeas m ais cu rta s p a ra a prom oção de u m a série p ara
a próxim a existe qualquer sugestão de que escolas de educação
precisam tre in a r professores m ais efetivam ente p a ra aju d a r alu n o s a
atingir os novos padrões im postos. As associações de professores
aceitaram a dem an d a do M inistro de Educação por requisitos de
m aior com petência dos alunos, m as consistentem ente recu saram -se
a aceitar d em an d as p ara au m e n ta r a com petência do professor.
Coerção e s u a s im plicações 123

Mesmo que os alunos continuem a “ficar p ara tr á s ”, seu s professo­


res devem ser promovidos de q u alq u er modo.
E sta im posição unilateral de m elhores níveis de resu ltad o s
tornará, portanto, o sistem a educacional ain d a m ais coercitivo do
que já é. Uma vez que educadores não terão que en sin a r professores
como in stru ir m ais efetivam ente, alu n o s terão que fazê-lo sozinhos.
Eles devem atingir padrões m ais altos ou arc a r com a s co n seq ü ên ­
cias. Teremos m ais desisten tes do que n u n ca.
Em princípio, ninguém discorda de que bom ensino deveria
ser reconhecido e recom pensado. N inguém duvida de que alguns
professores são ru in s e que alguns m au s professores são promovi­
dos. Mas quando tentam os delinear meios in stitu cio n ais p a ra id en ti­
ficar os b o n s e os m aus, p ara prom over os prim eiros em vez dos
últimos, incorrem os n a s an tiq ü íssim as questões que todo professor
consciencioso ain d a se faz: como definir bom ensino? Como identifi­
car os bons professores? Quem ju lg ará e quem selecionará e su p er­
visionará aqueles que julgarão?
O critério m ais im portante p ara identificar boa in stru ção e
bons professores é o com portam ento dos alunos. Q uando testam os
alunos tam bém estam os testan d o professores. Poucos parecem
questionar n o ssa habilidade de identificar bo n s alunos. E sta su p o si­
ção é certam ente questionável, m as n a m edida em que podem os
validam ente ju lg a r os resu ltad o s dos alunos, podem os tam bém ju l­
gar o desem penho de seu s professores. Q uanto m elhor um , m elhor o
outro. C ada sucesso do aluno é u m su cesso do professor, cada
fracasso do aluno é tam bém u m fracasso do professor. Bons profes­
sores sabem disso e cada n o ta de reprovação que eles têm de d ar os
arrasa.
N aturalm ente, tem os que reconhecer que as c a u sa s de al­
guns fracassos estão além do controle de q u alq u er professor. Mas,
em geral, e com a devida consideração de variações econôm icas,
sociais, fam iliares e regionais n a preparação dos alu n o s p a ra as
dem andas sucessivam ente crescentes que a escola coloca sobre eles,
não é difícil identificar bons professores. Q uanto m ais b em -su ced i­
dos os alunos, m ais bem -sucedido o professor.
Se querem os dim inuir a d esistência d a escola e a u m e n ta r a
participação, um prim eiro passo útil seria u m a análise com porta-
m ental. D esistir é, afinal de contas, com portam ento: u m a m aneira
de torná-lo m ais ou m enos provável é a rra n ja r conseqüências ap ro ­
p riadas. Comece exam inando interações en tre alu n o s e professores,
alunos e adm inistradores, alunos e outros alunos: identifique e eli-
124 M urray S id m a n

m ine os elem entos coercitivos que to rn am a fuga d estas interações


reforçadora.
T reine professores no u so de técn icas in stru c io n ais não-
coercitivas p a ra aju d a r alunos a atingirem os padrões desejados.
Isso, tam bém , pode ser feito não-coercitivam ente; em vez de propor
punições m ais severas p a ra alunos quan d o fracassam , o M inistro d a
Educação poderia ter sugerido reforçadores p ara educadores que
planejem tecnologias de ensino que façam com que m ais alu n o s
sejam bem -sucedidos. E lem bre-se, autocorreção — inteligibilidade
— é p arte constitutiva da análise do com portam ento. Q uaisquer
fracassos n a obtenção de resu ltad o s desejáveis rap id am en te to rn a r
se-ão evidentes e podem os te n ta r novas ro ta s p a ra o b te r os r e s u l­
ta d o s desejados. F racasso s e su cesso s de p ro fesso res podem ser
ju lg a d o s pelos pro fissio n ais de ensino, au x iliad o s por cid ad ão s
não-profissionais m as interessados, e não precisa envolver coerção
institucionalizada.

D esistindo d a fam ília. Um outro fugitivo trágico é o que d esis­


te d a família. M uitos jovens vivem com punição freqüente em casa.
Se a m aior p arte da atenção que obtêm vem n a form a de punição,
com pouco reforçam ento positivo com pensatório, é provável que eles
deixem a velha c a sa p atern a assim que su rja u m a oportunidade.
Eles podem com eçar p restan d o pouca atenção ao que é dito a eles e
ainda m enos ao que é dito à s u a volta em casa; eles n ão assum em
m aiores responsabilidades n a casa além d as que são forçados; eles
nem dão nem solicitam afeto. Eles prim eiro se desligam da vida
fam iliar e, então, quan d o se to m a possível desistir, eles se vão.
A sociedade provê um conjunto de descu lp as aceitáveis p ara
deixar a família. Ir p a ra escola longe de casa é u m a técnica de fuga
aprovada, assim como en co n trar u m bom emprego m uito d istan te.
Gravidez é um modo tradicional p a ra adolescentes conseguirem p er­
m issão p a ra se casarem , até m esm o dos pais m ais relu tan tes. C asa­
m ento, possibilitado por gravidez precoce, ou por atingir a idade
legal, é u m a rota de fuga d a família socialm ente aceita. Em m uitos
estados, ser m ãe solteira perm ite a u m a garota fugir de s u a família
p a ra os braços d a previdência pública, que a s u ste n ta em seu p ró ­
prio domicílio.
S air de casa p ara a escola, o trabalho, o casam ento ou a
previdência pode, n atu ralm en te, produzir reforçadores positivos e
nem sem pre é o resu ltad o de controle coercitivo. Mesmo quando o é,
tal rota de fuga pode to rn ar possível u m a vida m elhor p ara o fugiti­
vo. E ntretanto, não podem os deixar de nos en tristecer quan d o ve­
Coerção e s u a s im plicações 125

mos jovens terem de fugir p a ra as resp o n sab ilid ad es d a vida adulta,


freqüentem ente m uito cedo e despreparados, em vez de serem cap a­
zes de aproveitar aquele estágio da vida como u m a fonte de novas
satisfações.
Um dos problem as m ais difíceis da p atern id ad e é seg u rar os
filhotes até que eles estejam prontos p a ra voar, nem forçando-os a
ir-se cedo dem ais, nem fazendo-os ficar tem po dem ais. Como pais,
sem pre tem os que estabelecer lim ites p ara n o sso s filhos e esta n e ­
cessidade pode facilm ente nos jo g ar n a arm ad ilh a do controle coerci­
tivo. M as não precisam os to m a r o “Não” u m punidor; podem os en si­
nar nossos filhos a aceitar am bos, “Sim ” e “Não”, como um conselho
de alguém querido sobre o que funcionará e o que não funcionará,
como um auxílio n a aprendizagem d as regras pelas q u ais o m undo
opera. Algum as vezes, entretan to , eles insistem em d escobrir coisas
por si m esm os, especialm ente quando amigos os convenceram de
que os pais não podem em q u alquer hipótese com preender su as
necessidades. N ada podem os fazer qu an d o isso acontece, a não ser
esperar e observar; se j á não os tiverm os desligado por te n ta r coagi-
los a fazer as coisas à n o ssa m aneira, então, se eles com eterem um
erro, não hesitarão em vir a nós p a ra ajuda.
O problem a se estabelece quando pais desistem da família.
Intuitivam ente reconhecendo divórcio e separação como fuga, as
crianças freqüentem ente se culpam pela p artid a de um dos pais.
Mas, m esm o que u m dos pais fuja ap en as em espírito — por meio de
doenças p siquiátricas incapacitadoras, alcoolismo, excesso de tra b a ­
lho ou excesso de televisão — o modelo de fuga está ali p a ra as
crianças im itarem quando elas criarem su a s próprias fam ílias. Fuga
da família tem um modo de se p erp etu ar. Podemos fugir do am b ien ­
te coercitivo de n o ssa família, m as, a m enos que ten h am o s um outro
modelo p a ra seguir, criam os n o ssa própria cópia. E então, nossos
filhos m antêm a tradição coercitiva viva.

D esistindo d a religião. Não ap en as a escola e a família sofrem


do problem a d a desistência. Religiões estabelecidas estão descobrin
do ser m ais e m ais difícil reter su a s congregações e re c ru ta r jovens
para o hábito. Não falo aqui da crença religiosa como tal, m as das
e stru tu ra s institu cio n ais que promovem, organizam , governam e, em
geral, b u scam controlar a crença e a co n d u ta religiosas.
Poderíam os esp erar que a religião organizada fosse a in stitu i­
ção social m enos com prom etida com a coerção. Religiões clam am
promover o am or, o respeito, a paz e a serenidade, todos fortes
126 M urray S id m a n

fontes de reforçam ento positivo. Algumas prom etem o reforçam ento


últim o, a vida depois da morte.
Mas os cordões estão am arrados. Som os autorizados a com ­
p artilh ar d a glória prom etida som ente se seguirm os as regras e os
ritu ais prescritos. A q u alq u er um que saia do cam inho e não faça as
reparações ad eq u ad as “através dos can ais” são negadas as satisfa­
ções da vida após a m orte. No aqui e agora, n atu ralm en te, não
experienciam os estas satisfações, m as ap en as a am eaça de que elas
não se to m a rã o disponíveis. As regras e ritu ais de n o ssas igrejas
fornecem forte reforçam ento negativo perm itindo-nos fugir desse pe­
rigo. C om pletar u m ritu al prescrito alivia; sabem os im ediatam ente
que tem porariam ente removemos a am eaça. Mas am eaças, não im ­
porta se as resolvem os efetivam ente ou não, são coercitivas, e con­
trole coercitivo gera fuga. Alguns desistem d a religião formal sim ­
plesm ente porque a consideram repressiva.
O poder coercitivo disponível p ara u m a religião organizada
que reivindica ap en as autoridade espiritual é inerentem ente in s tá ­
vel. Este aspecto d a coerção tam bém auxilia a explicar os d esiste n ­
tes d a religião. Como vim os, am eaças — sin ais de p u n ição ou
reforçam ento negativo im in en te — to rn am -se elas m esm as refor-
çadores negativos; farem os tu d o que p u d erm o s p a ra rem over u m a
am eaça. E n tre ta n to , p a ra q u alq u er am eaça m a n te r-se efetiva, a
não-obediência deve, pelo m enos ocasionalm ente, levar a u m cho­
que. A realidade de um choque que pode ocorrer ap en as após a vida
m antém -se indem onstrãvel.
Mais do que n u n ca, hoje som os capazes de exam inar e av a­
liar instituições e estilos de vida dos q u ais estivem os isolados antes,
M uitas pessoas sensíveis b u scaram e descobriram , por exemplo, que
as regras e ritu ais diferem de u m a organização religiosa p a ra o u tra e
de u m a seita p ara o u tra dentro de u m a religião. C ada u m a reivindi­
ca u m a fra n ch ise única, divinam ente g aran tid a e n e n h u m a pode
provar su a autoridade. É possível que todas estejam errad as? Come­
çam os a duvidar d a habilidade de q u alq u er igreja p a ra controlar
nosso destino últim o. Incerteza sobre seu poder enfraquece co n sid e­
ravelm ente a força de qualquer religião que recuse g aran tir p asses
p a ra a vida etern a exceto em seu s próprios term os.
Com cad a religião reivindicando controle exclusivo sobre os
portões do paraíso, podem os realm ente nos to m a r céticos. A rgum en­
tos conflitantes e improváveis enfraquecem enorm em ente as am eaças
de excluir pecadores e ateu s d a boa vida após a morte. A m enos que
a coerção espiritual seja su ste n ta d a por controle secular, as am eaças
são inexeqüíveis. Portanto, alguns desistem não p ara fugir da coer-
Coerção e s u a s implicações 127

ção, m as sim plesm ente porque a inabilidade d a religião de fazer


valer su a s am eaças espirituais dim inui seu controle sobre s u a con­
duta.
Uma d as principais soluções da religião p a ra a instabilidade
de seu controle coercitivo tem sido m u d ar s u a b ase de p oder do
futuro esp iritu al p a ra o presen te m undano. H istoricam ente, a reli­
gião consistentem ente se ato u à política. Mesmo nos E stad o s U ni­
dos, onde provisões constitucionais específicas p reten d iam m a n ter
religião e governo separados, líderes religiosos cam uflam ap en as
levemente serm ões que pretendem influenciar escolhas eleitorais. E
agora, depois de m a n ter longam ente u m silêncio cuidadoso fora de
suas igrejas, líderes religiosos de alto escalão estão novam ente ativa­
mente no processo político, coagindo publicam ente candidatos a
cargos públicos.
Coerção eclesiástica, quando provê reforçam ento negativo e
punição tangíveis e p resen tes, pode ser forte o suficiente p a ra to rn ar
a fuga difícil e dolorosa. Algumas religiões, com binando seu controle
sobre a vida após a m orte com controle tem poral, p u n em os infrato­
res com ostracism o, como em u m a com unidade local rigidam ente
convencional; com a perd a do direito de voto, como em eleições; ou
com a prisão e a morte, como no Irã dom inado pelos aiatolás. F re­
qüentemente tom ando o cam inho do controle tem poral, religiões for­
mais têm acum ulado um enorm e recorde — por meio de tirania,
guerras e inquisições — de m orte, to rtu ra, ap risionam ento e can ce­
lamento de direitos sociais, econôm icos e políticos. Governos p u ra ­
mente seculares, m esm o em guerra, não têm sido capazes de alcan ­
çar a selvageria deste recorde.
Uma suposição básica da religião é que a crença é incondi­
cional e não, como a análise do com portam ento argu m en taria, de­
pendente d a s conseqüências do m undo real. A religião esp era que
acreditemos a despeito daquilo que a vida traz. C rença, considerada
como com portam ento, deve ser contingente à experiência, e não
pode haver dúvidas de que p a ra m u itas p esso as o é. Por o u tro lado,
muitos m antêm a s u a fé m esm o confrontados com u m a realidade
contraditória. Devemos, portanto, b u sc a r em outro lugar as fontes de
sua força? Alguns peregrinos voltam a Lourdes ano após ano em bora
as enferm idades que os ten h am levado p a ra lá pela prim eira vez não
tenham sido curadas; milhões, nos países do terceiro m undo, s a ú ­
dam o Papa quando ele lhes diz que o Senhor h á de provê-los, ainda
que Ele até aqui de n ad a te n h a provido a não ser de pobreza e
sofrimento físico. Uma análise com portam ental pode explicar tal p e r­
sistência de crença?
1 28. M urray S id m a n

Algum as vezes não è difícil identificar reforçadores que pode­


riam plausivelm ente m a n ter u m a cren ça não-realizada. Alguns p ere­
grinos de Lourdes co n tin u am a ir, não em b u sc a de u m a c u ra
im possível, m as porque recebem atenção devotada e n ão -u su al d u ­
ra n te s u a viagem e cuidado afetuoso d u ra n te os ritos n a gruta.
A lguns tam bém se descobrem nos jo rn ais e n a televisão e até m esm o
estrelando em sh o w s populares.
E ntretanto , outros exem plos de persistên cia de afiliação reli­
giosa são m ais complexos e não tão facilm ente analisados. C erta­
m ente, n este assu n to estam os fora d as fronteiras d a ciência com por-
tam ental. Como to d as as in stân cias em que o p o rtu n id ad es p a ra
verificar u m a análise são improváveis, estes casos perm anecerão
discutíveis. E então, aqueles que arg u m en tam que a crença é in d e­
pendente do que acontece no m undo real podem co n sid erar até
m esm o dados observacionais irrelevantes; alg u n s ain d a p ersistem
acreditando que o m undo é plano. Em a ssu n to s de cren ça religiosa,
os dados não são nem de perto tão claros.
De q u alq u er modo, aplicações de análise co m portam ental à
religião não significam ten tativ as de ab alar a crença de q u alq u er
pessoa. Não h á n a d a de in trin secam en te coercitivo sobre u m a cren ­
ça pessoal; ap en as quando trad u zid a em ação social u m a crença
q ualquer pode se to rn a r coercitiva. E u me preocupei aqui com a
possibilidade de que p ráticas coercitivas dentro de religiões organi­
zadas estejam fazendo com que a s p esso as deixem s u a s igrejas e
talvez, até m esm o, ab an d o n em s u a fé pessoal. O fato de que igrejas
ain d a sobrevivem não invalida u m a análise de su a s p ráticas coerciti­
vas. E n tretan to , coerção é ap en as u m modo de influenciar a co n d u ta
e é ap en as u m a característica do controle exercido por religiões
formais.
Se os d esisten tes da religião são fugitivos d a coerção, ou se
sim plesm ente se afastaram porque a coerção não era suficientem en­
te fortè, a religião tem ten tad o inverter a corrente, su b stitu in d o
coerção por reforçadores positivos deste m undo. Tradicionalm ente,
a s igrejas fornecem u m foco p ara atividades sociais d a com unidade,
tan to de ad u lto s como de jovens. Elas tam bém oferecem facilidades
físicas e pessoais p a ra aju d ar a aliviar o sofrim ento e o desconforto
quando surgem d esastres n a tu ra is ou pessoais. D istribuindo refor-
çam ento positivo no aqui-e-agora de fato, em vez de am eaçar de
punição depois da m orte, e agindo co n tra o u tras fontes de coerção,
a s religiões podem se tran sfo rm a r em d istrib u id o ras de reforçam ento
positivo, capazes de influenciar a co n d u ta não-coercitivam ente.
Coerção e s u a s im plicações 129

Seria tam bém injusto ap o n tar ap en as p a ra a rep ressão cor­


poral e espiritual, que tem acom panhado a s lu ta s da religião in s titu ­
cionalizada, como recu rso p a ra m a n ter e expandir seu s dom ínios. O
outro cam inho que a religião tem tom ado é rep resen tad o pela arq u i­
tetura, arte, m úsica e lite ra tu ra m agníficas e valiosíssim as que ela
tem inspirado. Podemos ap en as ser gratos por este enriquecim ento
da vida n a terra.
E ain d a assim , m uito d a a rte religiosa in corpora valores
coercitivos, como, por exemplo, n as representações do Ju ízo Final.
Toda catedral medieval contém lem bretes dos perigos do fogo do
inferno em m aravilhosas escu ltu ras, p in tu ras, vitrais ou tapeçarias.
Como diz Shelley, “n o ssas canções m ais doces são aq u elas que nos
falam dos pensam en to s m ais triste s”. Como podem pen sam en to s
tristes, presum ivelm ente reforçadores negativos, se to rn arem tem as
de artes belíssim as, presum ivelm ente reforçadores positivos?
N inguém — p sic a n a lista , a n a lis ta do co m p o rtam en to ou
antianalista — pode realm ente responder a esta questão. Mas, se
admite a suposição de que a arte é grande n a m edida em que de
algum modo evoca experiências universalm ente co m p artilh ad as, e n ­
tão a representação da coerção poderia m uito bem ser tão freqüente
em grandes trab alh o s de arte precisam ente porque a coerção real­
mente toca a ta n to s de nós tão profundam ente.
Q ualquer que seja a validade d essa suposição, podem os ape­
nas lam en tar que a tendência histórica construtiva e positiva das
contribuições religiosas à grande arte pareça ter term inado. A análise
do com portam ento não tem u m a resp o sta a questões como “por que
isto aconteceu” ou “por que as tendências negativas e repressivas,
também características da religião formal, persistiram nos tem pos
m odernos”.

D esistindo d a sociedade. Fugitivos de u m outro tipo desistem


com pletam ente do fluxo principal da sociedade. Alguns ap en a s flu-
tüam n a s ág u as estag n ad as, alguns lu tam em ág u as tu rb u le n ta s,
alguns ten tam m u d a r a direção da corrente e alguns te n ta m explodir
os diques e afu n d ar todos nós. Eles vão d as crian ças “d a paz e do
am or” dos anos 60 e seu s sucessores guiados por g u ru s — autocen-
trados, m as pacíficos, pertu rb ad o res em s u a disposição de ser explo­
rados — ao extrem o oposto do continuum de desisten tes, os terro ris­
tas de hoje — au to cen trad o s e violentos, am ed ro n tad o res p o r cau sa
de seu total desprezo pela vida h u m a n a e pelos se u s produtos.
Também encontram os m uitos em estágios interm ediários. Alguns se
retiraram ap en as dos aspectos ab ertam en te com petitivos da vida
130 M urray S id m a n

m as m antêm -se artística ou intelectualm ente criativos. O utros devo­


tam su a s energias não ta n to p a ra a produtividade, como p a ra a
preservação. Ainda outros te n tam m u d a r o sistem a p o r meio de
m ecanism os socialm ente aceitos como legislação, cam p an h as p u b li­
citárias, apoio a candidatos políticos, filiação em partid o s ou d e­
m onstrações não-violentas.
A sociedade, ro tulando como caronas aqueles que adotam
estilos de vida não-produtivos, dirige ab u so social e político a eles. A
com unidade vê desisten tes que en co n tram seg u ran ça nos ritu a is e
despotism o benevolente de u m auto -in titu lad o profeta como am ea­
ças a m odos estabelecidos de conduta. Ela in terp reta s u a fuga como
um ta p a n a cara dos pais e outros responsáveis p o r in teg rar os
jovens n a com unidade. F reqüentem ente, pesso as que são rejeitad as
pelos d esisten tes voltam -se co n tra eles, ten tan d o tira r s u a liberdade,
classificando-os como m entalm ente doentes ou incom petentes. A so ­
ciedade se opõe até m esm o àqueles que podem se r cham ados de
desistentes construtivos — aqueles que u sam recu rso s-p ad ráo e m o­
ralidade convencional n a ten tativ a de m u d a r a e s tru tu ra d a so cied a­
de — invocando os m esm os m ecanism os e m oralidade socialm ente
aprovados p a ra p reserv ar o sta tu s quo. D issidentes, tra ta d o s como
desistentes, descobrem -se alvos de ab u so verbal, físico e econômico.
“Se as conseqüências de d esistir são tão opressivas e m esm o
perigosas”, pode-se p erg u n tar, "por que ta n to s tom am este cam i­
n h o ?” Q uando indivíduos insistem em ab rir m ão dos reforçadores
positivos que u m a sociedade to rn a disponíveis, até m esm o trazendo,
em vez disso, punição severa sobre si m esm os, u m a análise com por-
tam en tal dos indivíduos e su a sociedade to m a -se n ecessária. H istó­
rias individuais revelarão que m uitos que são classificados como
desistentes jam ais foram realm ente adm itidos nos grupos dos quais
eles su p o stam en te se retiraram . Eles podem , n a verdade, se r fugiti­
vos da coerção, m as podem os cham á-los de d esisten tes se a socieda­
de n u n c a os assu m iu como m em bros, p a ra com eçar? Eles n ão esco­
lheram u m a vida de opressão; eles não tiveram alternativa. E m bora
tratad o s como desistentes, eles realm ente são banidos.
É provável que descubram os, então, que m uitos que parecem
ter desistido ja m ais tiveram acesso a reforçadores positivos s u p o sta ­
m ente disponíveis. C rianças de m inorias sociais freqüentem ente
crescem sem escolarização efetiva, especialm ente se rep ressão so ­
cial, política e econôm ica im pediu s u a com unidade de desenvolver
um a tradição de m obilidade social ascendente. Longe de desistir,
elas foram excluídas do grupo.
Coerção e s u a s im plicações 131

Em fam ílias econom icam ente bem -sucedidas, o único apoio


paterno que alguns adolescentes conhecem é o m onetário e mesm o
esse apoio não é contingente a q u alq u er coisa que eles façam ou
deixem de fazer. E stes jovens em ocionalm ente privados, a quem
jam ais se ensin o u responsabilidade social ou financeira, jogarão fora
seus recu rso s facilm ente obtidos em b u sc a de q u aisq u er reforçado-
res positivos que p assem ao seu alcance. E assim encontram os
m uitas crian ças privilegiadas, co rtad as dos laços fam iliares norm ais,
m ovendo-se p a ra fora de seu vazio social e em ocional em direção à
cultura d a droga.
Por outro lado, tam bém encontram os m uitos p a ra quem p u ­
nição e reforçam ento negativo a n u laram q u aisq u er reforçadores po­
sitivos disponíveis. Eles vão dos que sofreram ab u so s físicos e se­
xuais a aqueles que sim plesm ente descobriram como repulsivas as
inconsistências e hipocrisias d a civilização. P ara eles, sa ir do fogo
para cair n a frigideira pode ser u m ato de desespero. Controle coer­
citivo que faz isso desperdiça vidas. O crescim ento do indivíduo
cessa e a sociedade perde as contribuições potenciais de seu m em­
bro desistente.
E m bora esses d esisten tes possam ap en as tro car u m a situ a ­
ção ruim por ou tra, eles ain d a podem obter acesso a reforçadores
dos quais anteriorm ente estavam excluídos, ou podem en co n trar
novos tipos de reforçadores p ara su b stituí-los; estes podem recom ­
pen sar as novas dificuldades. Ao te n ta r en ten d er por que os d esis­
tentes parecem tão desejosos de trazer p a ra si a ira d a sociedade,
temos que consid erar todas as alternativas e opções que desistir
to m a disponíveis. Amizade e afeição, ab ertam ente d ad as e recebi­
das, m esm o em u m refúgio onde a fome e o desconforto físico preva­
lecem, podem facilm ente co n trab alan çar u m am biente an terio r que
provia todas as necessidades físicas, m as p u n ia calor emocional.
D esistentes de setores privilegiados d a sociedade, algum as vezes se
descobre, sacrificaram seg u ran ça econôm ica por seg u ran ça emocio­
nal.
C onsidera-se que certas drogas “au m en tam a consciência”,
em bora n a realidade reduzam a acuidade sensorial, distorçam a
percepção e prejudiquem o julgam ento. E n tretan to , ju n to com estas
desvantagens, as drogas tam bém podem produzir esquecim ento das
restrições, repressões e agressões d a vida. Portanto, drogas podem
aju d ar a m itigar am bos, os desconfortos de u m estilo de vida alter­
nativo e o ab u so adicional que um am biente coercitivo aplica ao
ten tar reclam ar de volta seu s desistentes.
132 M urray S id m a n

A longo prazo, sair da sociedade não funciona, seja gen erica­


m ente ou p a ra o indivíduo. A sociedade sobrevive a seu s m em bros e
su a paciente coerção esm aga rebeliões n ão-construtivas. E m bora
aqui e acolá indivíduos realm ente encontrem um nicho não-tradicio-
nal p ara si m esm os, ocasionalm ente até tendo su cesso n a alteração
de p ráticas de com unidades, o destino u su a l de u m d esisten te é a
inefetividade — verdadeiro esquecim ento. O desperdício é enorm e.
Suicídio. No caso extrem o u m a p esso a literalm ente d esiste d a
vida. Suicídio é a fuga últim a d a s g arras de necessidade e coação
repentinam ente esm agadoras, ou de u m a vida dom inada p o r refor-
çam ento negativo e punição. A análise do com portam ento não pode,
n atu ralm en te, explicar a au todestruição de u m indivíduo apelando
p a ra u m a história de reforçam ento p a ra o ato; você só pode m atar-se
u m a vez. Suicídio, não im porta s u a forma, é um problem a especial;
u m a vez que ele ja m a is pode acontecer m ais que u m a vez, su a s
conseqüências não podem p reencher a definição de u m reforçador.
Precisam os de outros princípios? O cristão que acred ita que o m a rtí­
rio o enviará ao céu pode perceber a crucificação como desejável;
s u a crença explica por que a crucificação funciona como um reforça­
dor para ele?
Não necessariam ente. Suicídio é u m ato que tem m uitos
com ponentes; é u m a supersim plificação nom eá-lo por seu ponto
term inal — a m orte. U m a pessoa que tom a o cam inho da crucifica­
ção an tes pratica atos que a to m am n o tad a pelas au to rid ad es civis
ou religiosas. E la então faz afirm ações provocativas, atra i m ultidões
a seu julgam ento e produz in tenso in teresse público até o ato final
de seu dram a. Ali, ela en cara seu s algozes com u m a p o stu ra corajo­
sa, recu san d o -se a retratar-se. No final, su a agonia produz reações
in te n sa s naqueles que a assistem . É pelo m enos plausível que cada
ato individual n esta cadeia de eventos seja u m p roduto d a história
de reforçam ento de u m m ártir-por-vir, com cad a ação produzindo
seu s próprios reforçadores. Se os elem entos finais do ato complexo
de ser crucificado são reforçadores não pode ser determ inado, a
m enos que a pesso a sobreviva. E ntão, podem os observar se ela con­
tin u a ou não a fazer coisas que a levem a ser crucificado de novo. Se
elá não as faz, então a crucificação não pode ser ch am ad a de um
reforçador p a ra ela, a despeito de s u a crença de que é o cam inho
p ara o paraíso.
Um a análise retrospectiva, freqüentem ente, revelará algum as
das condições que levaram a um suicídio. Algumas vezes, u m a n o ta
de suicídio enfatiza sentim entos de culpa e indignidade in su p o rtá ­
veis. Se, n a realidade, não tiverm os cometido crim es, o que m ais
Coerção e s u a s im plicações 133

pode te r dado origem a sentim entos de cu lp a e indignidade? Que


tipo de culpa poderia ser resolvida ap en as com a d esistên cia da
vida? Uma fonte óbvia de tal pressão são d em an d as não-passíveis de
serem satisfeitas colocadas sobre n ó s pela família, am igos e com uni­
dade. Ao nossos próprios olhos, pelo m enos, u m a inabilidade p ara
satisfazer e sta s d em andas nos to rn a u m fracasso.
Ser um fracasso significa que n o ssa s ações, em vez de p ro ­
duzirem reforçam ento positivo — su cesso — têm sido ignoradas ou
punidas — fracasso. N ossa própria co n d u ta to m a-se u m conjunto
de sinais de im inente punição e reforçam ento negativo. Tais sinais
tornam -se eles m esm os p u n id o res e reforçadores negativos, assim ,
finalm ente, nos punim os por sim plesm ente nos com portarm os. Tudo
que fazemos se to m a um reforçador negativo. E h á ap en as u m modo
de escaparm os de nós mesm os.
F reqüentem ente, realm ente encontram os u m a h istó ria de
tentativas de suicídio m al-sucedidas. M as elas são u su alm en te m al­
sucedidas ap en as por falh ar em c a u s a r a morte. Se seguirm os a
prática-padrão d a análise do com portam ento, identificando o que
realm ente suced eu depois d a s ten tativ as de au to d estru ição , é prová­
vel que encontrem os o suicida to m an d o -se u m objeto de atenção e
preocupação, o recebedor de afeto e sim patia. A cu lp a am acia vozes
duras, afrouxa restrições e s u b stitu i am eaças por pro m essas de
ajuda.
E n tretan to , à m edida que o tem po p a ssa o am biente coerciti­
vo volta à s su a s práticas-p ad rão . M as a ten tativ a de suicídio funcio­
nou an tes, por que não te n ta r de novo? E assim , vemos um processo
cíclico, iniciado por p ressões coercitivas e então m antido por b o n d a­
de. E m bora bem -intencionada, a bondade é destrutiva. A sim patia
que se to m a disponível ap en as depois de suicídios “m alsucedidos”
tom a prováveis novas tentativas. E então, u m a dose é m alcalculada,
ou a aju d a não chega a tem po e u m a ten tativ a de suicídio se to rn a
“bem -sucedida”.
O próprio suicídio é u m a form a de coerção, algum as vezes
não-intencionada, m as freqüentem ente deliberada. É u m a m an eira
de fazer as pesso as se ap ru m arem e p restarem aten ção e m esm o de
fazer com que façam o que se quer. M embros da equipe de u m a
clínica p siquiátrica estavam certa vez em u m a reunião, q u an d o u m a
paciente adentro u a sala e p aro u em frente do gm po, cortando seus
pulsos com u m a lâm ina. O líder do grupo gritou: “Saia daqui, você
vai m an ch ar todo o tap ete com sangue!” A paciente docilm ente virou-
se e saiu da sala. Mais tarde, n atu ralm en te, tom ou-se o cuidado de
dar à paciente a atenção de que ela necessitava — contingente a
134 M urray S id m a n

açoes racionais. Ela não m ais precisou de tentativas de suicídio


coercitivas.
Um a pessoa tam bém pode com eter suicídio p a ra p u n ir aq u e­
les que, n a realidade ou im aginação, exerceram coerção in su p o rtá ­
vel. Se ou n ão é assim intencionada, a au to d estru ição sem pre vem
como um choque punitivo p ara a família, am igos e com unidade.
Então, responsabilidade é algum as vezes in ju stam en te atrib u íd a, ou
mesm o incorretam ente aceita. O que é im portante depois de um
suicídio não é a atribuição de culpa, m as a adm issão d a fuga.
Controle coercitivo produz suicídio e, p o r s u a vez, suicídio é ele
m esm o coercitivo. A penas reconhecendo a existência de p ressõ es
coercitivas terem os u m a chance de resolver o problem a últim o de
desistir.
:Esquiva

Uma pitada de prevenção...


U m a vez atingidos pela punição, farem os o que p u d er p a ra
desligã-la ou ir em bora. Se não podem os fugir, ou se a situação
provê reforçadores positivos suficientes p a ra c o n tra b alan ç ar os n e­
gativos, podem os ap en as nos desligar p o r algum tem po. Se no.ssa
família, am igos ou colegas de trab alh o d istrib u em choques m uito
freqüentem ente, ou se seu s choques são m uito in ten so s, podem os ir
ao extrem o de desistir, m esm o que isso signifique ab d icar de refor­
çadores positivos. Não sofreríam os m enos se, em vez de esperar
receber um choque p ara então fugir, pudéssem os im pedir o recebi­
mento do choque? Não faríam os m elhor esquivando-nos de cho­
ques?
C rianças u su alm en te não esperam pelo ta p a ou pela b ro n ca
dos pais, esperando p a ra fugir depois que a punição te n h a com eça­
do. Em vez disso, elas se escondem , correm , dão d escu lp as ou im ­
ploram por perdão. Poucos m otoristas esperam que seu s carros
m orram no meio d a e strad a an tes de encher o ta n q u e de gasolina.
Dámos poder à s agências governam entais p ara co n stru ir b arrag en s
para o controle de en ch en tes e p a ra estocar grãos em antecipacão à
136 M urray S id m a n

fome. Perm itir que choques ocorram an tes de fazer algo a seu resp ei­
to significa desconforto, dor ou d esastre. Muito de nosso com porta­
m ento negativam ente reforçado, p o rtanto, parece su sten ta d o pela
prevenção em vez da cessação dos choques d a vida.
E sta é a b ase p a ra a d istin ção en tre fuga e esquiva. Algo
ruim tem que acon tecer realm ente an tes que p o ssam o s fugir; ao
fugir, colocam os u m fim a u m a situ ação ruim . E squiva im pede que
um evento indesejado aconteça, em prim eiro lugar. E squiva bem -
sucedida m antêm afastados os choques, to rn an d o a fuga desn eces­
sária.
Esquiva, então, é u m a o u tra form a de reforçam ento negativo.
A coerção n ão som ente gerará e s u s te n ta rá diferentes tipos de fuga,
m as tam bém fará com que nos esquivem os. Nós n ecessariam en te
não esperam os receber um choque an tes de agir; algum as vezes
agimos an tes do tempo. No en tanto, a despeito de s u a ap aren te
orientação p a ra o futuro, a esquiva realm ente acab a sendo com por­
tam ento de fuga. E stu d o s de laboratório têm m ostrado que a esquiva
bem -sucedida de choques fu tu ro s é u m a conseqüência secu n d ária
da fuga de choques que já foram experienciados.

As causas da esquiva
O laboratório expõe u m conjunto de características d a e sq u i­
va que seriam difíceis ou im possíveis de observar de q u alq u er o utro
modo. Ele aju d a a esclarecer algum as interações en tre esquiva, fuga
e punição que são críticas p a ra a com preensão d a coerção.
Em um tipo de experim ento u m a luz fraca ocasionalm ente
ilum ina a caixa de u m rato de laboratório. O anim al receberia um
choque breve se deixasse a luz ficar acesa por cinco segundos, m as
ao p ressio n ar u m a b a rra ele pode desligar a luz e cancelar o choque.
A luz é um sinal de aviso útil. Pressionando a b a rra em tem po, o
anim al pode evitar o choque e por um fim ao sinal. Se o anim al não
p ressio n a a b a rra dentro de cinco segundos, ele recebe um breve
choque assim que o sinal de aviso term ina. Algum tem po depois, a
luz reaparece e, novam ente, ou o sujeito receberá u m choque depois
de cinco segundos ou p ressio n ará a b a rra e m a n terá o choque longe.
O ciclo repete-se de novo e de novo: prim eiro, u m período de
escuro, u m tem po seguro e, então, u m a luz fraca, um sinal de aviso.
O aniiriàl pode p ressio n ar a b a rra dentro de cinco segundos, term i­
n a r o sinal, im pedir o choque e e n tra r em u m período seguro, com e­
çando u m novo ciclo. Se o anim al não p ressio n a a b a rra dentro de
cinco segundos após o início d a luz, ele recebe u m breve choque, o
Coerção e s u a s im plicações 137

sinal term ina e, entao, um período seguro de escuro inicia o novo


ciclo.
A prender a m an ter afastados choques breves u su alm en te de­
mora m ais do que ap ren d er a desligar choques, m as depois de sufi­
cientes exposições ao ciclo, m esm o o organism o inferior, que é o rato
de laboratório, p ressio n ará s u a b a rra quan d o quer que a luz de
aviso se acenda. Um sujeito experiente resp o n d erá ao sin al quase
todas as vezes, conseguindo im pedir q u ase todos os choques am ea­
çados.
Não in esp erad am en te, as p esso as fazem a m esm a coisa.
Como a fuga, a esquiva é b a s ta n te generalizada en tre a s espécies.
Nosso am biente freqüentem ente sinaliza a im inência de punição;
por que esp erar por ela? E n tretan to , ad ap tativ a como é a esquiva,
ela tam bém tem seu o utro lado. Recebem os choques de o u tra s
pessoas e a m aioria de n ó s tam bém d istrib u i choques a outros.
Aceitamos punições e am eaças de pu n ição como ocorrências n o r­
mais do dia-a-dia: “faça o que eu digo... ou então... zap!” J á vimos
que qualquer um que u se punição to rn ar-se-á u m p u n id o r condicio­
nado. Agora podem os ver que q u alq u er u m que p u n e tam bém h á de
se tornar um sinal de aviso condicionado. Ao prim eiro sinal de su a
aproximação, as pesso as que eles geralm ente p unem afastar-se-ão.
Uma vez que te n h am se to m ad o sin ais de aviso, a s pessoas vão se
esquivar deles.
Esquiva é geralm ente u m aju stam en to m ais adaptativo ã p u ­
nição do que é a fuga. Faz m ais sentido im pedir um choque do que
escapar depois que ele te n h a começado. Portanto, esquiva parece
antecipatória por n atu reza, ap aren tem en te controlada pelo não-
acontecimento de algo no futuro. Q uando p erguntados por que p re s­
sionamos n o ssa s várias b a rra s de esquiva, é possível que resp o n d a­
mos: “P ara m a n ter os choques afastad o s.”

Choque futu ro ? Se o fu tu ro p u d esse co n tro lar o p resen te , a


ciência seria im possível. Um n ú m ero infinito de eventos a in d a não
aconteceu; m u ito s tipos de ch o q u es m a n têm -se n ão ocorrendo.
Traçar relações c a u s a is en tre co n d u ta p re se n te e u m n ú m e ro infi­
nito de n ão -o co rrên cias fu tu ra s seria im possível. Q u ais d estes
diferentes tipos de choques que não recebem os e s tá reg u lan d o
nossas ações p re se n te s? A vida seria u m caos; q u an d o u m sin al
de aviso aparece, q u ais daq u eles m il e u m ch o q u es fu tu ro s deve­
mos im pedir? Devemos c o n tin u am e n te p e rco rrer todo n o sso re p e r­
tório de esquiva?
138 M urray S id m a n

A síntese de laboratório do com portam ento de esquiva m os­


tra que su a s cau sas verdadeiras não estão no futuro. Não a p ren d e­
m os a p ressio n ar b a rra s de esquiva an tes de experienciar choques.*
A prim eira c a u sa d a esquiva e s tá em nosso p assad o , n o s choques
que j á tom am os. E stes nos levaram a fugir ou esquivar; se tiverm os
sorte suficiente p ara en co n trar u m a b a rra de esquiva, nós a pressio ­
narem os.
P ressionar a b a rra reduz o núm ero de choques que to m a­
mos. Portanto, a seg u n d a cau sa d a esquiva está no p resen te, n a
freqüência reduzida atu al de choques. P ressionam os a b a rra não
porque choques não virão no futuro, m as porque já experienciam os
choques no p assad o e porque p ressio n ar a b a rra provoca u m m enor
núm ero de choques agora.
Ficar sem alim ento estabelece o alim ento como u m reforça-
dor, fortalecendo q u aisq u er ações que n o s ajudem a obtê-lo. Receber
choques estabelece a redução de choques como u m reforçador, for­
talecendo q u aisq u er ações que nos ajudem a to m ar m enos choques.
As c a u sa s de qualq u er coisa que façam os devem ser b u sc a d a s em
am bos, no que nos aconteceu e no que e stá nos acontecendo agora
— reforçam ento positivo e negativo p assad o e presente. O laborató­
rio to rn a os dois co n ju n to s de fatores cau sais visíveis. Vemos esq u i­
va sendo gerada não p o r choques que não ocorrerão no futuro, m as
por um decréscim o no núm ero de choques que o sujeito experiência
agora.
Fazer choques virem m enos freqüentem ente é realm ente u m a
form a de fuga, de m ais punição p a ra m enos punição. Im pedim os o
acontecim ento de choques, m as a ap aren te antecipação não será
suficiente p a ra explicar n o ssa s ações. Podemos dizer que estam os
p ressionando a b a rra p a ra im pedir choques fu tu ro s, m as o fazemos
porque é assim que som os bem -sucedidos em fazer com que os
choques venham m enos freqüentem ente agora. N ossa experiência
estabeleceu relações entre co n d u ta e conseqüência que carregam os
p ara o presente. Em bora o que façam os agora realm ente te n h a con­

* Nós podem os, com certeza, ap ren d er por meio de regras, em vez de
e sp e rar p o r conseqüências. Uma criança não tem de se r atro p elad a por
u m carro p a ra ap ren d er que não deve correr n a rua: u m aviso será
suficiente p a ra m antê-la n a calçada. Esquiva governada por regras,
com um ente observada fora do laboratório, não req u er que realm ente
experienciem os os choques, m as o seguir as regras precisa, em princípio,
ser estabelecido por contato com contingências. Análise de laboratório
revela as contingências b ásicas das quais nós derivam os as regras.
Coerção e s u a s im plicações 139

seqüências fu tu ras, n o ssa experiência de choque no fu tu ro explica


nossos atos de esquiva atu ais. A esquiva é ap e n a s um produto
secundário da fuga.
E squiva é um produto inevitável da coerção, m as facilm ente
podemos não reconhecê-la pelo que ela ê, porque o que ela faz é
raram ente visível. U sualm ente ficamos intrigados to d a vez que u m a
pessoa se m an tém fazendo algo que não tem u m a van tag em óbvia.
Isso sem pre nos deveria fazer su sp e ita r de esquiva. Se u m a crian ça
resiste a ir p ara a escola to d as as m an h ãs e talvez n ão ap are ça n a
escola depois de ter sido levada a sair de casa, ela pode m uito bem
estar se esquivando d a dor e hum ilhação diárias que o fanfarrão da
escola inflige a ela. O p roduto presen te d e sta esquiva — o contato
reduzido da crian ça com seu ato rm en tad o r — é invisível p a ra nós
porque ele requer com paração com eventos p assad o s, assim , a con­
duta da criança pode p arecer m isteriosa.
Sem pre que tiverm os que fazer algum a coisa sobre a no ssa
esquiva induzida pela coerção, ou a de q u alq u er o u tra pessoa —
começar terapia, defender-nos ou ap ren d er a nos ad a p ta r — n ad a
conseguirem os fazer a m enos que dois p asso s p reparatórios sejam
dados: prim eiro, reconhecer o com portam ento-problem a como esqui­
va: segundo, a n alisar am bas, a s contingências p assad as e atu ais
que podem e sta r m antendo o com portam ento. As dificuldades fre­
qüentem ente en co n trad as n a identificação d essas contingências,
com binadas com a ap aren te orientação p ara o fu tu ro d a esquiva,
nos levaram a incorporar em n o ssa linguagem alg u n s m itos podero­
sos sobre a s c a u sa s d a esquiva.

Mito #2: “ex p ectatiu as” como causas. Q uando defrontados


com a im possibilidade lógica de controle pelo futuro, freqüentem ente
usam os um conceito como “expectativa” p a ra trazer o ap aren te con­
trole futuro de volta ao presente. ‘T u d o bem , eu concordo que a
ausência fu tu ra de choque não pode controlar o que esto u fazendo
agora, m as a experiência realm ente me diz agora p a ra esp erar um
choque do futuro. Eu realm ente tenho esta insuportável expectativa
e me livro dela pressionando a b a rra .” A tribuím os no sso p ressio n ar
a barra, não à s u a prevenção de choques futuros, m as à s u a re d u ­
ção de n o ssas expectativas presentes de choque. Em bora o efeito
último seja esquiva do choque, su sten tam o s que o reforçador n eg ati­
vo presente é a fuga da expectativa de choque.
B uscar as c a u sa s d a ação no p assad o e p resente, em vez de
no futuro, é um avanço n a análise com portam ental. E ntretanto,
postular expectativa como explicação é u m tru q u e verbal. N atural-
140 M urray S id m a n

m ente, podem os afirm ar n o ssa s expectativas sobre o futuro e algu­


m as vezes agimos consistentem ente com estas afirm ações, m as as
m esm as experiências cau sam n o ssas expectativas e nossos atos de
esquiva. Em vez de explicar, expectativas requerem explicação.
Seja como conceitos explanatórios, seja como g u ias p ara
ação efetiva, expectativas são excesso de bagagem. Ao fazer algo a
respeito de experiências relevantes, sim u ltan eam en te afetam os as
expectativas e as ações que a s expectativas su p o stam en te c a u s a ­
ram . Se quiserm os reduzir as expectativas de perseguição pelo fan ­
farrão da escola de u m a criança, terem os que reduzir a própria
perseguição. Isso dim inuirá as expectativas da crian ça e s u a esq u i­
va. N enhum a delas é casualm ente relacionada com a ou tra, cada
u m a é um produto independente dos choques — as interações d a
criança com o fanfarrão.
Medimos expectativa de choque m edindo a probabilidade de
choques e redução de expectativa pela redução de choques. Apenas
se quiserm os s u b stitu ir fato por teoria atribuirem os sta tu s c a u sa l a
expectativas não passíveis de serem m edidas, em vez de a choques e
reduções de choques m ensuráveis. Fazê-lo obscurece as cau sas das
expectativas e das ações. A ú n ica m aneira de dim inuir a expectativa
de dor e desconforto de u m a criança no consultório do p ed iatra é
fazer com que a crian ça realm ente experiencie u m a co n su lta sem
estes acom panham entos; não chegarem os a lu g ar algum ten tan d o
reduzir su a s expectativas sem prim eiro m u d ar su a experiência.

Mito #2: “m edo” e “a n sied a d e” como caiisas. E stes conceitos


corriqueiros tam bém encontram seu cam inho nos vocabulários da
psicologia e psiquiatria. Em vez de ap o n tar p a ra n o ssa experiência
com choques p ara explicar nossos atos de esquiva, m uitos psicólo­
gos e p siq u iatras postulam fontes in tern as de controle. Eles s u s te n ­
tam que ações ap aren tem en te dirigidas p a ra a esquiva de eventos
fu tu ro s perm item -nos, realm ente, fugir de ou reduzir estad o s in ter­
nos a tu a is de medo e ansiedade.
Por que e sta form ulação profissional parece tão consistente
com o senso com um ? O que explica a aceitação q u ase universal de
medo e an sied ad e como explicações p a ra a esquiva — co n d u ta go­
vernada por n o ssas interações com o m undo externo? U m a razão
im portante é a im ediaticidade e in ten sid ad e d as reações in tern as
que freqüentem ente acom panham n o ssas ações abertas. Experien-
ciando os estados internos como sentim entos e emoções, tendem os a
negligenciar os choques externos que provocaram a p ertu rb ação in ­
terna. Em troca, atribuím os sta tu s cau sal aos sentim entos.
Coerção e s u a s im plicações 141

Reforçadores positivos ou negativos fortes ativam processos


internos. Alimento, sexo, dor, calor intenso, frio glacial ou a cessa­
ção sú b ita de qualquer u m deles alterará nossos b atim en to s cardía­
cos, pressão sangüínea, m otilidade in testin al, secreção g lan d u lar e
outros sistem as corporais. Sinais p a ra reforçadores fortes, como a
luz que prom ete alim ento ou am eaça choque a no sso sujeito de
laboratório, tam bém produzirão m u d an ças in tern as. Q uem não se n ­
tiu a p an ca d a no coração que acom panha os sin ais do reto m o do
am ado de u m a longa ausência, a boca cheia de saliva quan d o vemos
ou sentim os o cheiro de u m a refeição apetitosa, o su o r frio bro tan d o
antes de u m a punição im inente, o com ichão n a pele quan d o e n tra ­
mos em u m a situação sin istra e imprevisível, as lágrim as incontrolá-
veis quando som os inform ados da m orte im inente de u m a pessoa
querida?
Ao enfren tar presságios claros de um d esastre conhecido,
descrevem os nossos sentim entos como medo; quan d o sin ais exter­
nos vagos indicam u m a catástrofe im inente m as não-identificada,
provavelm ente reconhecem os um sentim ento de ansiedade; quando
tudo é indicativo de reforçam ento positivo prom issor, sentim os im ­
paciência. E stes sentim entos, pessoais e privados, são tão íntim os
que tendem os a considerá-los precu rso res de nosso com portam ento
aberto. Ao b u sc a r explicações de n o ssa própria conduta, dam os aos
sentim entos prioridade sobre as contingências externas que eles
acom panham . E assim interpretam os o sentim ento de medo — o
estado interno que o sinal externo de choque produz — como a
cau sa de n o ssa esquiva.
A lgum as vezes não estam os conscientes dos sinais de aviso
em nosso am biente, ap esar disso nos sentim os ansiosos. Podemos
agir apropriadam ente, esquivando de choques im inentes sem ser­
mos capazes de dizer o que causou a ansiedade. O coração p alp itan ­
te ou o súbito su o r frio podem ser m uito m ais salientes do que o
m ostrador do relógio ou o passo silencioso que produziram o com ­
portam ento aberto. Q uando os avisos externos não cham am n o ssa
atenção, tendem os ain d a m ais a atrib u ir a s ca u sa s de n o ssa s ações
a nossos sentim entos, em vez de aos sinais que cau sam as ações e
os sentim entos que as acom panham .
Como expectativas, estados de medo e ansiedade, em bora
b astan te reais, não explicam como coerção por punição e reforça­
m ento negativo dão origem à esquiva. Os m esm os choques que e sta ­
belecem o potencial p ara esquiva tam bém geram medo e ansiedade;
reduzim os medo e ansiedade fazendo os choques surgirem m enos
freqüentem ente. Sinais de aviso — am eaça — derivam s u a habilida-
142 M urray S id m a n

de de in stig ar ação de s u a relação atu al e p a ssa d a com reforçadores


negativos. S entim entos e emoções, e s u a redução, não podem expli­
car a esquiva porque eles próprios são cau sad o s pelos m esm os cho­
ques e a redução do choque é que produz esquiva.
Se quiserm os fazer algo sobre o com portam ento de esquiva,
nosso curso m ais efetivo será identificar as contingências controla­
doras. A quelas relações entre sinais, com portam ento e choques ge­
ra ra m as ações e o medo ou ansiedade e agora m antêm am bos.
A lterar as contingências m u d a rá o ato de esquiva e seu s acom pa­
nh am en to s em ocionais. T entar lidar com os sentim entos sem alterar
as contingências será infrutífero.
Se estam os severam ente deprim idos, por exemplo, sofremos
de d u a s m aneiras. Primeiro, fazemos m uito pouco, talvez sen tad o s
em casa, falando raram ente, exceto p ara lam entar-se, não nos e n ­
volvendo em n en h u m a d as relações fam iliares n a s quais o u tro ra
ocupam os p arte im portante. N ossa co n d u ta pode e s ta r tão severa­
m ente em pobrecida que não nos alim entam os ou nos vestim os, ou
m antem os higiene pessoal. Ao esquivar de contato com q u alq u er
parte de nosso am biente, conseguim os um tipo im portante de su c e s­
so: m antem os todos os choques longe.
Segundo, perm anecem os em um contínuo estado de a n sied a­
de, tem erosos de todo contato pessoal, de cad a d em an d a am biental.
Mesmo sem motivo óbvio, ficamos apreensivos ou paralisad o s com
terror. Sofrem os cólicas in testinais, palpitações no coração, calafrios
e dores de cabeça, tran sp iran d o mesm o quando frio e chorando sem
causa. C om pletam ente an g ustiados, atribuím os n o ssa an g ú stia a
nossos sentim entos.
Por cau sa de nosso intenso sofrim ento interno, a terapia
p ara n o ssa depressão provavelm ente deve se co n cen trar em te n ta r
a te n u a r nossos sentim entos. C om panhias farm acêuticas destinam
im ensos orçam entos p ara o desenvolvim ento e teste clínico de d ro ­
gas antidepressivas. Alguns psiq u iatras to m aram -se pouco m ais que
p assad o res de pílulas, prescrevendo drogas p a ra aju d a r a a te n u a r
sentim entos de ansiedade que acom panham a depressão e, então,
prescrevendo drogas adicionais n a esp eran ça de elim inar efeitos in ­
desejáveis e m esm o perigosos dos agentes ansiolíticos.
Drogas que agem som ente p a ra reduzir estad o s fisiológicos
de ansiedade podem fazer os severam ente deprim idos relatarem que
eles se sentem m elhor, m as o remédio não necessariam ente re s ta u ra
atividade construtiva. Uma droga que acalm a o sistem a nervoso
autônom o, em bora deixando o paciente com portam entalm ente de­
primido, pode produzir u m com entário como: “Oh sim, o remédio
Coerção e s u a s im plicações 143

ajuda. E u ainda estou deprim ido, m as agora não me incom oda.” Não
mais trêm ulo, sentindo dor, chorando, o paciente, en tretan to , pode
ainda p a s s a r todo o dia n a cadeira de balanço, evitando com suces
so choques reais ou im aginários.
A pessoa que padece de ansiedade é talvez u m a esposa es­
pancada, ou um m em bro do grupo cad a vez m ais reconhecido de
idosos m altratad o s? Ou ela experienciou recentem ente u m a série de
mortes n a família, fracassou n o s negócios, p asso u por hum ilhações
pessoais e doenças físicas? Q ualquer um de u m a série de eventos,
reais ou im aginários, pode tê-la convencido de que o m u n d o externo
é m uito perigoso p a ra se av en tu rar nele. E, então, ela descobre que
sua família, em bora exasperada e m agoada com s u a indiferença,
ainda h á de su p o rtá-la e cu id ará dela. A família poderia ter feito
mais por ela sendo insensível, fazendo-a sa ir d aq u ela cadeira, recu ­
sando-se a servir de in stru m en to p ara a enferm idade? Se, em vez de
tentar a b ra n d a r s u a an g ú stia interna, seu te ra p e u ta se co n cen tras­
se em te n ta r identificar os choques e os reforçadores que estavam
m antendo su a au sên cia de com portam entos, algum a coisa poderia
ter sido feita p ara colocá-la de pé e m ovendo-se novam ente.
N aturalm ente, esquiva não é sem pre ruim ; freqüentem ente
ela é útil. Se devemos sobreviver, tem os que ap ren d er a nos esquivar
de situações potencialm ente perigosas. C rianças não devem tocar no
fogão quente, sa ir da calçada p ara a ru a, p a tin a r no gelo fino ou ir
embora com estran h o s. Todos devem ap ren d er quan d o falar e q u a n ­
do perm anecer em silêncio, quando av an çar e qu an d o retroceder.
Esquiva útil conduziu à noção de ansiedade útil e ã concepção de
que a ansiedade não deve sem pre ser elim inada. A prendem os m uitos
tipos de esquiva útil, não por meio da experiência real com os cho­
ques que evitamos, m as por meio do controle verbal de pais, profes­
sores e parceiros. Uma criança que perm anece n a calçada, n a verd a­
de não é atropelada por carros, m as e stá realm ente esquivando de
repreensões e o u tra s indicações de desaprovação de seu s pais. Dado
um am biente fam iliar onde predom ina reforçam ento positivo, tais
punições, fracas ou fortes, provavelm ente não devem produzir crian ­
ças an sio sas ou m edrosas.
E ntretanto, como veremos, m uitos dos efeitos colaterais da
coerção, conceituados por psicólogos clínicos e p siq u iatras como
formas de ansiedade, envolvem atos de esquiva que são d esn ecessá­
rios, irrealistas ou não-adaptativos. Ao considerar se a punição fu n ­
ciona, tem os de levar em conta esses efeitos colaterais. Portanto,
esquiva tem sido um tópico de grande in teresse p ara aqueles que
lidam profissionalm ente com patologia com portam ental. E ntretanto,
144 M urray S id m a n

hipotetizar medo e ansiedade como cau sas da esquiva desvia a a te n ­


ção do terap eu ta dos observáveis que cau sam os estad o s in tern o s e
a conduta. Este tipo de desvio tem retardado m uito o entendim ento
prático e o tratam en to efetivo de desordens com portam entais.

Esquiva sem sinais d e aviso. Um segundo tipo de procedi­


m ento de laboratório clareia algum as d as cau sas m ais su tis d a es­
quiva e fornece um fundam ento p ara en ten d er a análise da coerção
e seu s efeitos colaterais a u m contexto m ais amplo. Nem sem pre
somos avisados quando estam os p a ra ser punidos. A lgum as vezes,
em bora saibam os que estam os em perigo, n en h u m sinal específico
nos diz de onde e quando o choque virá. Felizmente, ain d a assim ,
som os capazes de lidar com choques não-sinalizados.
Nosso rato de laboratório com eça recebendo u m choque b re ­
ve a cada 20 segundos, m as n en h u m sinal diz ao sujeito quan d o o
choque virá. Como de costum e, o anim al pode u s a r s u a b a rra p a ra
afastar choques. Toda vez que ele p ression a a b arra, ele pospõe o
próximo choque que deveria tom ar. S u p o n h a que u m a vez que o
sujeito te n h a pressionado a barra, n en h u m choque p o ssa vir dentro
dos seguintes 30 segundos. Com este arranjo, o anim al poderia
receber choques a cad a 20 segundos se n u n c a p ressio n asse a b arra;
pressionando logo após cada choque ele pode dim inuir os choques
p a ra um a cada 30 segundos; pressionando m ais freqüentem ente, a
cada vez pospondo o próximo choque por 30 segundos, o anim al
pode evitar receber qualquer choque.
P ressionar a b a rra perm ite ao sujeito ad ap tar-se com êxito.
Agindo de acordo com as d em andas de seu am biente, ele pospõe
choques e reduz s u a freqüência total. Se o sujeito fizer qualq u er
o u tra coisa que não p ressio n ar a barra, choques virão m ais freqüen­
tem ente. Sujeitos, desde ratos de laboratório até seres h u m an o s,
têm aprendido a com portar-se adaptativam ente nesse tipo de s itu a ­
ção.
U m a vez que ten h am aprendido, eles pressionam a b a rra
com freqüência suficiente p ara receber choques ap en as ocasional­
mente. M acacos ficarão dias sem u m choque, raram en te dim inuindo
o suficiente a velocidade p ara receber u m lem brete da contingência.
Eles com portam -se com u m a p ersistên cia e u m a com pulsividade
qüe se assem elha ao com portam ento patologicam ente rígido e infle­
xível que freqüentem ente vemos ao nosso redor — algum as vezes em
pessoas que, quanto ao resto, são norm ais. Se não se conhecer a
história do sujeito, pode-se observá-lo pressionando a b a rra ho ra
Coerção e s u a s im plicações 145

após h ora sem razáo ap aren te e p erg u n tar-se sobre as fontes de su a


estranha preocupação.
E sta ap aren te falta de contato cora a realidade é u m a c a ra c ­
terística inevitável da esquiva, criando a ilusão de que a esquiva
difere em princípio da co n d u ta que é consistentem ente reforçada por
fuga ou por conseqüências positivas. R aram ente se pode ver q u a is­
quer resultados im ediatos do com portam ento de esquiva de alguém
mais. Q uando choques são sinalizados, pode-se ver que os sinais
são ocasiões p ara p ressio n ar a b arra. Mas, p ressio n ar a b a rra real­
mente evita o choque, assim o próprio sucesso do ato m an tém su a
verdadeira cau sa escondida. Pode-se som ente con jectu rar sobre por
que o sujeito p ressio n a a b arra todas as vezes que o sinal surge.
Com esquiva não-sinalizada, o que o sujeito faz parece com pleta­
mente não-relacionado a qualquer coisa mais.
Se a coerção não é im ediatam ente evidente m esm o em condi­
ções controladas de laboratório, im agine como tipos sem elh an tes de
coerção podem co n tin u ar não-reconhecidos no m undo exterior. Ob­
servar um sujeito que está se esquivando de choques não-sinaliza-
dos to m a claro por que o com portam ento de esquiva freqüentem ente
parece m isterioso e por que mesm o profissionais clínicos freqüente­
mente deixam de avaliar como o controle coercitivo pode g erar con­
duta aparentem ente patológica.
Aprendendo por meio da esquiva

A prendendo como se esquivar de choques, sujeitos de lab o ­


ratório estão tam bém ap rendendo m uito m ais. Todo choque, por
exemplo, pega o rato fazendo algo m ais. Porque é m enos provável
que ele repita aquele ato, choques su b se q ü en tes hão de encontrá-lo
fazendo algum a o u tra coisa. Até que o sujeito a p ren d a a p ressio n ar
s u a b a rra de esquiva, a punição segue m ais e m ais de s u a s ações.
Se o anim al fracassasse em descobrir s u a b a rra de esquiva, fazer
q u alq u er coisa, até m esm o sen tar-se quieto, finalm ente to rn ar-se-ia
perigoso. Portanto, sujeitos aprendem que não ap e n a s p ressio n ar a
b a rra , m as qualq u er ato que realizam tem algo a ver com o choque.
Tudo que eles fazem é relacionado com o que acontece com eles.
Pressionando a b arra, o anim al desliga o próximo choque. Se
acontece de ele p ressio n ar exatam ente quando o choque e stá p ara
vir, aquele choque será cancelado. P ressionar a b a rra é o único ato
q ue o choque jam ais segue. Portanto, m esm o sem sinais de aviso, o
sujeito aprende a tom ar o cam inho reto e seguro, fazendo a ú n ica
coisa que n u n c a será punida. Pressionar a b a rra é seguro.
Mesmo o rato de laboratório ap rend erá a m an ter-se sem re ­
ceber choques. U sando a vantagem dos sinais de aviso, ele pressio-
Coerção e s u a s im plicações 147

n ará s u a b a rra de esquiva exatam ente nos m om entos certos. Se não


lhe dam os q ualq u er sinal de aviso, m as sim plesm ente o punim os
por tudo, exceto p ressio n ar a barra, ele seguirá este cam inho segu
ro. O anim al não entende linguagem , m as a contingência p assa
adiante a m ensagem efetivamente: “pressione a b a rra... ou en tão ...”
Não será u m a su rp resa, então, descobrir que a s pessoas, dentro e
fora do laboratório, podem fazer o mesm o. À m edida que experien-
ciamos diferentes sinais de aviso, ou à m edida que punições vêm
sem aviso, todos descobrim os quais de n o ssas várias b a rra s trazem
segurança.
C ondensar todo este processo coercitivo em ap en as algum as
horas de laboratório nos perm ite ver d iretam ente o que de outro
modo é difícil de reconhecer. Fora do laboratório, isso acontece co
nosco por períodos de tem po m ais longos e, se tiverm os sorte, não
dom ina toda n o ssa existência. Pais que consideram a punição como
o único cam inho podem g a sta r m uitos an o s p a ra d a r choques em
todas as ações indesejáveis de seu s filhos, m antendo-os “com portan­
do-se” em casa sim plesm ente porque n a d a m ais é seguro: pode levar
um a geração p ara um tirano m atar, to rtu ra r e ap risio n ar pessoas
suficientes p ara d ar choques em todas as ações da existência, exceto
obediência não-questionadora; u m a esposa esp an cad a pode tom ar
m uitos choques an tes de descobrir que ir em bora ê s u a ú n ic a b a rra
segura.
A variedade de choques, a enorm e m a ssa de com portam ento
sendo esm agado, as m u itas form as de esquiva, o núm ero de pessoas
envolvidas e o período de tem po d u ra n te o qual e sta s e o u tras
práticas coercitivas cotidianas evoluem as to rn am difíceis de an ali­
sar. O laboratório m o stra as características críticas com im pressio­
n a n te clareza.
Em itim os u m a q u an tid ad e im pressionante de esquiva. Pou­
cos alu n o s estu d am por As, a m aioria se esquiva de Fs. M uitos
passam pela escola tão silenciosam ente q u an to possível, abstendo-
se de situações de sala de au la potencialm ente h u m ilh an tes — ou
antevendo condenação dos colegas por desem penho superior. F re­
qüentem ente ouvimos descrições de interação sexual em term os de
dom inação e subm issão. A com petência de um trab a lh ad o r ra ra ­
m ente produz um prêmio ou u m a promoção: o retorno m ais com um
para um trab alh o bem-feito é sim plesm ente u m risco dim inuído de
ser despedido. M uitas crianças “com portam -se” em casa porque ê o
modo de prevenir abuso verbal e físico. Fora de casa, ações que
diferem de e, mesmo, conflitam com padrões estabelecidos em casa
im pedirão a perd a de sta tu s no grupo de amigos.
148 M urray S id m a n

Igrejas nos am eaçam com o fogo do inferno, ou seu equiva­


lente, se não acreditarm os em su as verdades. A polícia am eaça com
prisão, m u ltas, julgam ento e encarceram ento, se não obedecerm os
as leis. Agências governam entais se devotam a evitar sanções econô­
m icas ou m orais internacionais, prevenindo a perd a de território ou
prestígio e evitando a guerra. A m aioria d as p esso as no m undo
trab a lh am não p ara prover a si m esm as com educação, livros, con­
certos, aparelhos de televisão, com putadores pessoais, autom óveis,
iates e sta tu s social, m as p a ra prevenir fome extrem a, congelam ento
e sede. Se a esquiva não for possível, a fuga é a regra, m as en tre as
duas, a esquiva predom ina. A m aior p arte do m undo oferece p oucas
alternativas.
Uma vez que percebam os o q uanto de esquiva nos é im posto,
não deveria c a u sa r su rp resa descobrir que fazemos o m esm o com os
outros. Praticam os m uito o am eaçar. Coerção por meio de esquiva é
nosso modo m ais com um de fazer com que a s pessoas façam o que
querem os. “F aça o que eu digo...”, “Faça como eu d isse...”, “F aça do
m eu m odo...”, “Fique n a linha...", “Não perg u n te porque, ap en as
faça...”, "... ou então ...” E sta é a m an eira como m ais com um ente
ensinam os os ou tro s o que consideram os ser certo, adequado e bom.
Professores am eaçam alu n o s com Fs, trab alh o ex tra ou ex­
pulsão; alunos am eaçam com disrupção ou violência. P atrões am ea­
çam com desem prego seu s trab alh ad o res; trab alh ad o res am eaçam
fazer greve. Pais am eaçam seu s filhos com a privação de seu s refor-
çadores; filhos am eaçam fugir de casa. G rupos sociais am eaçam os
não-conform es de expulsão. Aqueles p ara quem sexo significa dom i­
nação m antêm relações sexuais pela am eaça de violência. Padres
lem bram seu s reb an h o s d as conseqüências do pecado. Policiais
soam su as sirenes, m ostram seu s cadernos de m ultas, levantam
seu s cassetetes e em p u n h am seu s revólveres. Líderes governam en­
tais respondem à coerção internacional, am eaçando com retaliação.
Fazemos tudo isso e m ais com os outros, e os outros o fazem conos­
co.
Usam os extensivam ente contingências de esquiva p a ra e s ta ­
belecer e m an ter habilidades acadêm icas, interações fam iliares, p rá ­
ticas sexuais, relações sociais, costum es grupais, obediência à s leis,
afiliações políticas, valores m orais, associações de negócios e alia n ­
ças internacionais. Tal coerção é o modo m ais efetivo de en sin ar
co n d u ta apropriada? E as contingências de esquiva s u ste n ta m m ais
efetivam ente aquilo que foi aprendido? Como em relação à s co n tin ­
gências de punição e fuga, a resp o sta toca em n o ssa definição de
“efetivo”. Contingências de esquiva “funcionam ”, elas realm ente en-
Coerção e s u a s im plicações 149

sinam . E ntretanto , quando olham os m ais de perto p a ra o que é


aprendido, podem os a c h a r o que descobrim os p ertu rb ad o r.

O que mais vem com a esquiva?


M antenha se u nariz longe de problem as. No laboratório, não
vemos ap en as que o sujeito im pede os choques pressionando su a
barra, m as que tam bém p assa a finalm ente fazer pouco m ais que
isso. Tudo o m ais é punido. Um m acaco n e sta situ ação não mais
explora, brinca ou se exercita, e raram en te come ou bebe. Ele n ad a
faz que o afaste da seg u ran ça de su a b arra. Ele g a sta seu tempo
pressionando a b a rra e lim pando-se, dois atos que pode desem pe­
n h a r sim ultaneam ente, um com cad a mão. Se não estivéssem os
cientes d a história do anim al, haveríam os de nos d efro n tar com a
dificuldade de explicar su a e s tra n h a d upla preocupação — pressão à
b arra, '‘ritu alística”, e lim par-se, “a u tis ta ”.
A contingência cria u m d esistente real, particularm ente,
quando não h á sinais de aviso de choque im inente. Avisos explícitos
dão ao sujeito m ais liberdade; en tre sin ais ele pode deixar a b a rra e
fazer o u tra s coisas em segurança, desde que ele não se afaste p ara
m uito longe. E ntretanto, o sin al interrom pe tudo o m ais, puxando o
anim al de volta p a ra a b a rra como por u m elástico.
Um sujeito neste estado é, n atu ralm en te, u m caso extremo,
um p roduto de punição freqüente e intensa. No entanto, fazemos
isso u n s aos outros. Existência sob a am eaça de punição freqüente e
in te n sa não é incom um . C ontingências de esquiva podem afinar as
pessoas tão bem que elas se to rn am autôm atos. Ver isso acontecer
no laboratório faz com que nos apercebam os de que am eaças co n s­
ta n tes podem d estru ir o potencial p ara ap ren d er de u m ser vivo. As
pessoas podem ap ren d er por meio de contingências de esquiva, o
que elas aprendem , no entanto, é a se esquivar e pouco m ais. Se su a
aprendizagem se deu principalm ente por esquiva, elas vão se confi­
n a r ao seguro e previsível, provavelm ente fazendo seu trab alh o efi­
cientem ente, m as incapazes de experim entar e de tira r vantagem de
oportunidades de livrar-se do estabelecido.
Populações in teiras não conhecem o u tra existência. Q uando
o am biente n a tu ra l provê ap en as recu rso s lim itados, co n tin u am en te
am eaçando de retirad a ou dim inuição severa d esses recursos, a vida
se to rn a estreitam en te restringida. Toda ação p a ssa a ser dom inada
pela sem pre presen te am eaça de calor ou frio excessivos, aridez,
m agros rebanhos e colheitas esparsas. C onsiderando tu d o o m ais
perigoso, a com unidade se devota ao básico da sobrevivência.
150 M urray S id m a n

A daptações às várias am eaças da n atu re za incluem a quase


sonolência das pessoas nos trópicos (provavelm ente tam bém u m a
a d ap tação fisiológica), a vida nôm ade dos caçadores n a calota polar
do Norte ou no deserto, a sociedade agrícola m ais estável, m as
prim itiva, que freqüentem ente p roduz um único produto, ou reli­
giões, m isticism o ou m etafísica que perm eiam todos os aspectos da
existência e ajudam a co n trab alan çar a m iséria presente, prom oven­
do u m a gloriosa vida após a morte. O am biente físico pode su p o rta r
pouco m ais. E squivar-se de desconforto severo ou de d esastres n a ­
tu ra is — atos de D eus — to rn a-se a preocupação que tudo consom e
das pessoas. T entativas de ap ren d er q u alquer o u tra coisa desviam a
atenção e recursos d as sem pre p resen tes contingências de esquiva,
A com unidade, vendo a m aior p arte d as inovações p ro n tam en te p u ­
n idas pelo am biente hostil, co n d en a afastam entos d a co n d u ta tra d i­
cional como pecam inosos ou heréticos.
G overnos repressivos criam existências sim ilarm ente confi­
n a d a s e estreitas. Eles exercem controle estabelecendo co n tin g ên ­
cias de esquiva, d ecretando como ilegal q u alq u er com portam ento
não-desejado ou n ã o -u su al e p u n in d o quan d o um cidadão sai fora
da linha. Eles atacam e stu d a n te s e professores violentam ente p o r­
que universidades são lu gares onde o p en sar ocorre; a ú ltim a coisa
que u m a d ita d u ra civil ou m ilitar q u er é u m cidadão p en san te . A
população, m anten d o -se próxim a de s u a s b a rra s de esquiva, tem
pouco tem po ou en erg ia p a ra novas ap ren d izag en s, m esm o que o
regim e não te n h a p u n id o q u a lq u e r d e sta s te n ta tiv a s como n ão -
conform idade perigosa. Produtividade to rn a-se secu n d ária em re la ­
ção à segurança. Pessoas envolvidas nesse tipo de coerção aprendem
ap en as a sobreviver.

Não balance a canoa. Indivíduos que levam u m a vida de


esquiva sé tornam negativos e inflexíveis. E squivadores raram en te
fazem o inesperado; te r opções os am edronta. “Regras não foram
feitas p a ra serem q u eb rad as”, eles dizem. Nós todos j á tivemos con­
ta to com adm inistradores que postergam cada decisão interm inavel­
m ente e, se finalm ente colocados n a parede, sem pre dizem: '‘Não,
isso não pode ser feito.” Nós todos certam ente nos lem bram os de
professores que insistiam que cada problem a que nos davam tin h a
apenas um m étodo de solução. Em bora nossos em pregadores nos
digam que nosso trab alh o é en co n trar resp o stas, ou fornecer servi­
ços, ou en sin ar o u tro s como a tacar e resolver problem as, ou to rn ar
possível p a ra outros funcionar efetivam ente, m uitos de nós têm d e s­
coberto que outros critérios realm ente determ inam n o ssa seg u ran ça
Coerção e s u a s im plicações 151

e promoção. Era u m a burocracia, decisões são perigosas, m ais p ro ­


váveis de trazer cen su ra do que elogio. A prendem os a trilh ar os
caminhos certos.
Esquivam os de ser culpados por u m a decisão errada, não
tomando qualquer decisão; arquive o problem a ou passe-o adiante
para o u tra pessoa. “Não” é m ais seguro que “Sim ”. É m uito m ais
difícil p ara os outros ap o n tar u m dedo acu sad o r p a ra algo não-feito
do que p a ra u m a ação identificável. Se n ad a fazemos, eles não po­
dem nos cu lp ar por fazê-lo errado. Q uando u m a prom oção depende
de esquiva bem -sucedida da culpa, e não de inovação ou produtivi­
dade, a inação dom ina a ação. Podemos criar novas m an eiras de
esquivar da censura, m as. ao aprenderm os novas m an eiras de a tin ­
gir nossos objetivos de trab alh o não serem os reconhecidos ou sere­
mos rotulados como cau sad o res de problem as.
C ontingências de esquiva criam especialistas em esquiva.
Qualquer aprendizagem que atrav essa o cam inho de esquiva bem -
sucedida é perigosa. Finalm ente, os esquivadores m ais bem -sucedi­
dos se to m am os chefes. Como bolhas subindo em um líquido —
apenas aquelas que se esquivam de b a te r em o u tra s bolhas chegam
ao topo — funcionários de instituições p úblicas e privadas que con­
seguem escapar de conflitos tam bém chegam ao topo. O sistem a é
autoperpetuador.

Mate-os todos. Hoje, a ráp id a difusão de inform ação perm ite


a todos, em todo lugar, ver todas as variedades de existência h u m a ­
na, em to d as as p artes do m undo. Pessoas extrem am ente pobres,
vítimas das m ais severas coações sociais, políticas e religiosas rece­
bem im agens televisionadas de lazer, conforto e riqueza inim agina-
dos. Elas vêem te rra s onde a sim ples sobrevivência raram en te está
em questão. Elas vêem cu ltu ras n as quais a coerção consiste, m ais
cbm umente, n a am eaça d a privação da propriedade, segurança, con­
veniência ou liberdade — qualidades da vida que elas ja m ais conhe­
ceram. Elas vêem a vida h u m a n a valorizada por si m esm a, não
sim plesm ente pelo que contribui p a ra a sobrevivência física e econô­
mica do grupo. Com as m aravilhas do tran sp o rte m oderno, trazendo
exemplos vivos deste ilimitado luxo ao alcance d as m ãos, aq u e la j
pessoas, sujeitas à co n tin u ad a repressão que am eaça a vida, têm
descoberto e explorado u m a nova forma de coerção — o terrorism o.
Elas têm forçado os privilegiados do m undo a p ressio n ar u m a b arra
de esquiva não-fam iliar: “Dê-nos o que vocês têm ou destruirem os
tudo que vocês valorizam .”
152 M urray S id m a n

Porque terro ristas têm pouco a perder e, freqüentem ente,


acreditam que têm m uito a g an h ar depois da morte, eles estão p ro n ­
tos p a ra d e stru ir mesm o a si próprios no processo de executar su a s
am eaças. Dirigidos por pressões n a tu ra is e sociais in ten sas p ara
p raticar esta form a extrem a de coerção social, eles possuem o m ais
estreitam ente restringido de todos os repertórios com portam entais.
S u a s opções foram reduzidas à sim ples represália, d isp en san d o um
único choque coercitivo — m atan ça indiscrim inada.
Não podem os fazer com que abandonem e ssa opção cedendo
às su a s dem andas; tal reforçam ento ap en as g aran tiria m ais atos de
terrorism o. Não podem os fazê-los ab an d o n a r s u a ú n ica opção; sem
ela, n ãc lhes restaria q u alquer esperança, n en h u m a m an eira de
extorquir algum a p arte dos recursos do m undo p ara si m esm os. Aí
está porque é tão difícil lidar com terroristas. Inevitavelm ente, con­
tram edidas tom arão deles essa opção. Eles, então, n a d a terão em
que se apoiar a não ser desespero. A gu erra co n tra o terrorism o
indiscutivelm ente será vencedora, m as deixar u m grande segm ento
do m undo sem qualquer outro m étodo p a ra m elhorar s u a sorte não
é hu m an o e não é u m a perspectiva confortadora.
Q uando os que n a d a tém , a quem faltam até m esm o as
necessidades básicas, reagem d estru in d o indiscrim inadam ente o u ­
tros ap en as porque eles parecem te r tudo, então as opções dos
privilegiados se to m am restritas tam bém . O rçam entos de defesa das
nações ricas finalm ente u su rp am os próprios recu rso s que eles s u ­
postam ente defendem e to rn am im praticáveis as qualidades d a vida
que su p o stam en te eles preservam . E xistências em pobrecidas são a
carga de q u aisq u er cidadãos que têm que g astar seu tem po pressio­
nando b a rra s de esquiva, an u lan d o am eaças e restringindo-se a
ações e em preendim entos que não entrem em com petição com a
sem pre presente necessidade de esquivar-se. Todo m undo acaba
perm anecendo perto do m aior núm ero possível de b a rra s de esquiva.
Aprendizagem cessa. C riatividade e produtividade to m am -se coisas
do passado. Q uando recorrem os à coerção social p a ra m a n ter na
lin h a aqueles em pobrecidos pela coerção n atu ra l, em pobrecem os a
nós mesm os; ninguém ganha.

Aprendizagem lenta
C ontingências de esquiva, então, im postas a u m a nação, ci­
dade, escola, sala de aula, hospital, fábrica, loja ou família, estab ele­
cem o rígido controle que caracteriza a tirania. Vítimas da tirania,
vivendo sob am eaça constante, raram en te cau sam su rp resas. Esqui-
Coerção e s u a s im plicações 153

va, entretanto, não é sem pre fácil de en sin ar, m esm o p a ra um tira ­
no. Q uanto m ais forte e m ais freqüente os choques que tom am os,
mais rapidam en te aprenderem os e m ais p ersisten tem en te c o n tin u a­
remos a p ressio n ar n o ssa barra. E ntretan to , algum as vezes, falhas
no pressio n ar n o ssa b a rra de esquiva podem ap en as raram en te tra ­
zer um a punição forte. Nesse caso, podem os "aprender n o ssa lição”
lentam ente. Com choques infreqüentes, pode p a s s a r u m longo perío
do an te s que possam os sab er se ou não estam os sendo bem -su ced i­
dos em dim inuir a q u an tid ad e de punição que obtem os. Podemos ter
que tom ar m uitos choques an tes que possam os e sta r certos de que
estam os fazendo algum bem p ara nós mesm os.

Espere até que doa. Esquiva, portanto, em bora extrem am en­


te forte u m a vez que a ten h am o s aprendido, pode ser b a s ta n te frágil
enquanto estam os no processo de aprendê-la. Ai está por que fre­
qüentem ente acabam os esperando pelos choques e então desliga­
mos, em vez de im pedir, logo de início, que eles aconteçam . A ime-
diaticidade da fuga nos controla m uito m ais efetivam ente do que os
indicadores atra sa d o s da esquiva bem -sucedida. Os exemplos são
m uitos. Ainda b aseam os nosso sistem a de cuidado com a saú d e n a
cura em vez da prevenção. O sistem a educacional responde de novo
e de novo à falta de engenheiros, cientistas, médicos e professores
com superprodução, ain d a não aprendem os a evitar os ciclos de
escassez e excedentes do m ercado de trabalho. Q uando o pico de um
crescim ento populacional p assa, transform am os edifícios escolares
em shopping centers e quando o próximo pico de crian ças em idade
escolar chega, estabelecem os tu rn o s extras e com eçam os a co n stru ir
novos edifícios escolares; estes, natu ralm en te, estarão pro n to s exa­
tam ente quando a população escolar m ais u m a vez declinar. A d es­
peito de periódicas faltas de energia, construím os a rra n h a -c é u s que
poúco utilizam de tecnologias de conservação de energia; cad a um
deles consom e ta n ta eletricidade quanto u m a cidade razoavelm ente
grande. E nq u an to isto, a acelerada dim inuição de reservas de en er­
gia está inexoravelm ente levando à g u erra as principais potências
m undiais, g u erra que pode ap en as tem p o rariam en te a tra s a r a
exaustão final desses recursos, até mesm o p a ra o seu vencedor.
Todo m undo “conhece” essas contingências, ain d a assim não
tom am os contram edidas efetivas. Isso porque o conhecim ento comu-
m ente é indireto. A m enos que experienciem os u m a ataq u e cardíaco,
sabem os apenas o que ouvimos os outros dizerem sobre os perigos
do colesterol. N aturalm ente, é possível ap ren d er esquivas seguido
regras, m esm o sem jam ais ter experíenciado o evento temido. Uma
154 M urray S id m a n

criança não precisa se queim ar p a ra aprender, de u m com ando dos


pais, a n ão tocar no fogão quente, m as u m a p eq u en a q u eim ad u ra
inquestionavelm ente produziria u m a aprendizagem m ais rápida. Po­
dem os p a ra r de fum ar sem ter p assad o por u m a cirurgia cardíaca,
m as u m ataque cardíaco m enor realm ente acelera o processo de
aprendizagem . Avisos verbais são freqüentem ente inefetivos, refletin­
do a len ta aprendizagem d a esquiva que ocorre quan d o choques,
reais ou am eaçados, vêm ap en as pouco freqüentem ente.

Destruição nuclear: ela é evitável? Um exemplo extrem o de


aprendizagem lenta por cau sa de choques infreqüentes é nosso fra­
casso em resolver a m ais terrível contingência de esquiva de todas, a
am eaça do holocausto nuclear. N ossa inabilidade em d estru ir os
instrum entos que to m am a destruição n u clear possível m antém viva
a am eaça. E sta contingência é u m caso especial, u m a vez que o
choque — a destruição to tal da h u m an id ad e — é de um tipo que
ninguém ja m a is experienciou. Além do m ais, u m a vez que o expe-
rienciem os, não terem os u m a seg u n d a chance de ap ren d er a evitá-
lo.
Avisos verbais não foram suficientes p a ra m an ter o nível de
esquiva que as explosões atôm icas originais geraram . A análise do
com portam ento provê u m a b o a razão p a ra este fato. É característica
da esquiva que o sucesso origina fracasso. À m edida que p assam os
m ais e m ais tem po sem u m choque, a esquiva autom aticam ente
parece m enos e m enos necessária. Se formos co n tin u ar a pressio n ar
n o ssa b a rra de esquiva, devemos te r ocasionalm ente algo m ais que
um lem brete verbal de que o choque está por vir. E assim , o horror
de H iroshim a e N agasaki se esvanece à m edida que os choques não
recorrem .
Q uando a au sên cia de choques faz com que a esquiva se
enfraqueça, aplicam os o term o técnico, ‘extinção”, diz-se que o ato
de esquiva se extingue. O term o agora adquire u m duplo sentido; à
m edida que n o ssa esquiva da g u erra n u clear se extingue, a u m en ta a
probabilidade de a vida h u m a n a tam bém se extinguir. O padrão de
coerção da política diplom ática aproxim a os dois tipos de extinção.
Ameaças de destruição m u tu am en te asseg u rad as, apoiadas em fo­
guetes; e m ísseis cad a m aiores e m ais poderosos, até aqui funcio­
naram . E ntretanto, à m edida que estas am eaças fracassem em ser
levadas adiante, su a eficácia autom aticam ente dim inuirá. F inalm en­
te um choque será necessário p a ra rein stalar n o ssa esquiva de su i­
cídio nuclear. Mas agora, com o quase ilim itado potencial destrutivo
Coerção e suas im plicações 155

das arm as nucleares, este choque não deixará ninguém p a ra se


preocupar com s u a recorrência.
É grave o pensam ento de que nosso conhecim ento de contro­
le coercitivo por contingências de esquiva deve nos levar a questio­
n ar a probabilidade de que serem os capazes de c o n tin u ar a nos
esquivar da au tod estru ição nuclear. D estruir arsen ais n u cleares in ­
discutivelm ente estenderia o tem po de seg u ran ça d a h um anidade,
m as, como com o ab rir a caixa de Pandora, o conhecim ento voou
livremente. O know -how p ara a co n stru ção de m ecanism os capazes
de destruição universal perm anecerá disponível p ara a m a n u fa tu ra
de su b stitu to s.
Um vez que um choque ocasional, u m “lem brete”, é n ecessá­
rio p a ra que atos de esquiva não se extingam , podem os te r que
perm itir conflitos “convencionais” ocasionais, u san d o arm am entos
não-nucleares. Esquiva bem -sucedida de toda g u erra pode n a reali­
dade provar-se au to d erro tad a, no sentido de que a total au sên cia até
mesm o de com bate convencional enfraquecerá n o ssa esquiva de
conflitos m ais perigosos. G uerras lim itadas — lim itadas em com pa­
ração com a guerra n u clear — serviriam p a ra m an ter u m a lin h a de
base de choques que fortaleceria n o ssa esquiva de lu tas m ais d es­
trutivas. D esagradável e pavorosa como é esta alternativa, as leis do
com portam ento podem im pô-la a nós.

Não pode acontecer comigo. P ara indivíduos, tam bém , cho­


ques infreqüentes e atra sa d o s podem reduzir a efetividade d as con­
tingências de esquiva. Indivíduos são notoriam ente negligentes em
separar dinheiro e outros recu rso s pessoais p ara aten d er a em ergên­
cias raras, m as inevitáveis. C onseqüências ra ra s e rem otas parecem
irreais, freqüentem ente incapazes de apoiar nova aprendizagem
mesmo quando n o ssa vida está em jogo. O com portam ento re s u lta n ­
te, em bora não-inteligente, e algum as vezes aparen tem en te venal,
está, no entanto, sujeito a leis.
Até que a doença nos atin ja de modo suficientem ente fre­
qüente ou sério, continuam os a com er em excesso, ain d a que a
obesidade au m en te a probabilidade de m orte prem atu ra; afinal de
contas, apenas sabem os que outras pessoas m orrem . Os frios fatos
eobre o tabaco são de conhecim ento com um , m as quan d o o verda­
deiro choque chega é tard e dem ais p ara en sin a r a nós m esm os
técnicas de esquiva bem -sucedidas; m ilhões co n tin u am a fum ar,
encorajados por um governo que vê a s tard ias am eaças do tabaco à
saúde como m enos com pelidoras do que as im ediatas am eaças polí­
ticas d a in d ú stria do tabaco. Ainda que se saib a que o u so crônico
156 M urray S id m a n

de esteróides anabolizantes produz falhas orgânicas, incontáveis


atletas de e s ta tu ra olímpica u sam estas drogas p ara enganar; já se
ouviu de alg u n s que não se im portariam de m orrer em alguns anos
se p u d essem vencer agora. Alguns m ais terão de m orrer jovens a n ­
tes que a conseqüência rem ota sobrepuje o encanto de u m a m eda­
lha olím pica e s u a conseqüente fortuna em contratos. Q u an tas m u ­
lheres abrem mão do tabaco, álcool e o u tras drogas en q u an to estão
grávidas? O elo entre drogas tom adas d u ra n te a gravidez e deform i­
dades, deficiências e retardam ento que se to rn a visível n a crian ça ao
nascim ento ou m ais tard e é real. m as remoto. Q u an tas pessoas
aleijam ou m atam a si mesm os, a entes queridos ou a estran h o s
esquiando em m o n tan h as p a ra especialistas, p atin an d o em gelo
fino, nadando sozinhos, correndo dem ais em autom óveis, dirigindo
bêbados e engajando-se em o u tras variações de roleta ru s sa ? Q u an ­
do a afirm ação “estas coisas só acontecem com os o u tro s” prova-se
falsa, é m uito tard e p ara ap ren d er como im pedi-las de acontecer a
nós m esm os.

Superstições
T entar en sin ar estabelecendo contingências de esquiva pode
trazer um outro resultado problem ático. D iferentem ente de ações
que produzem um óbvio reforçador positivo ou fuga de um punidor,
esquiva bem -sucedida im pede que algo aconteça e, portanto, parece
não produzir qualquer efeito im ediato, ela parece sem propósito. Um
observador, fundam entado em estu d o s de laboratório, conhece a
relação precisa en tre ação e choque, m as a falta de feedback. im edia­
to pode obscurecer a situação p ara o sujeito. Como resultado, o ato
de esquiva pode se to m a r b a sta n te diferente daquilo que o professor
pretendia. Por exemplo, sujeitos verbalm ente com petentes podem
perguntar: “O que exatam ente im pede o choque de vir? E u realm en­
te te n h o que pressio n ar a b a rra ou ê suficiente me aproxim ar dela?”
A ú n ica m a n eira de descobrir seria se aproxim ar da barra, m as não
pressioná-la.
Sujeitos sob a am eaça de punição forte provavelm ente n u n c a
tentariam fazer o teste. Uma vez que eles pressio n am a b a rra q u a n ­
do q u er que se aproxim am dela, nem u m dos dois atos ja m ais é
punido; portanto eles acabam em itindo am bos. De fato, am bos po­
dem ser necessários — eles certam ente não podem p ressio n ar a
b a rra sem estar perto dela — m as eles não têm qualq u er m an eira de
saber se a sim ples aproxim ação seria suficiente. Ainda pior, eles
podem e sta r b a sta n te convencidos de que u m a ação é crítica quando
ela é realm ente irrelevante. Como alguns sujeitos, por exemplo, em
Coerção e s u a s im plicações J57

vez de sim plesm ente sen tar e p ressio n ar a b arra, eles correm em
volta d a caixa, cancelando choques ao p ressio n ar a b a rra cada vez
que p assam por ela. Eles podem até se vangloriar: "Rapaz, eu desco­
bri! Tudo que eu tenho a fazer é ser rápido com os pés, apertando
aquele botão cada vez que passo por ele e eles me deixam em paz.”
Eles terão obtido a liberdade dos choques desem penhando u m ritual
q uase que com pletam ente desnecessário que e n tre tan to “funciona”.
E m bora a esquiva de choque nos en sin e a cu m p rir ordens, a
especificação de como exatam ente cu m p rir ordens pode ser im preci­
sa. Com tal falta de precisão, contingências de esquiva podem en si­
n a r consideravelm ente m ais do que é desejável, sobrecarregando-
nos com excesso de bagagem com portam ental. É verdade que refor-
çam ento positivo tam bém , p articu larm en te quando imprevisível,
pode fortalecer o que quer que aconteça de estarm o s fazendo ex ata­
m ente an tes que v en h a u m reforçador. Nós então incorporam os a
ação irrelevante ao nosso com portam ento aprendido. Esticam os n o s­
so braço e, a distância, retiram os a bola de boliche d a valeta: b ate­
mos n a m adeira p a ra d ar sorte, a noiva veste algum a coisa velha,
algum a coisa nova, algum a coisa em p restad a e algum a coisa azul.
Mas em u m a situação de reforçam ento positivo, não somos
punidos por te sta r as contingências reais, por te n ta r novas opções.
Portanto, podem os ap ren d er a d escarregar o excesso de bagagem.
Com esquiva, é m uito perigoso fazer qu aisq u er testes. Quão freqüen­
tem ente um falante com pulsivo p ára o tem po suficiente p a ra desco­
b rir se seu s ouvintes discordam dele? Q uantos em pregados obse­
quiosos p ararão de beijar os pés de seu s chefes p a ra descobrir se
então serão despedidos? Apenas crianças que ain d a não ap ren d e­
ram a lição, continuam ente testarão os lim ites p a ra ver com o que
elas podem se safar. Q uando usam os contingências de esquiva p ara
e n sin ar filhos, alunos, em pregados, prisioneiros, cidadãos ou escra­
vos o que eles devem e o que não devem fazer, é altam en te provável
que nós tam bém estejam os sobrecarregando-os com superstições,
ritu ais e com pulsões.

Evitando o inevitável
Como vimos, o próprio su cesso da esquiva g aran te que ela
finalm ente enfraquecerá e cessará. É n ecessária a punição p ara
conseguir que comecemos a nos esquivar e, m ais tarde, é necessário
um lapso ocasional, com u m a retom ada de punição, p ara m an ter a
esquiva funcionando. E sta sem ente congênita de s u a própria d es­
truição tem sido ch am ad a o paradoxo d a esquiva. Se nos esquiva­
158 M urray S id m a n

mos com tanto sucesso que os choques jam ais voltam a ocorrer, a
esquiva finalmente se enfraquece e precisamos experienciar o ch o ­
que de novo antes que o ato de esquiva seja reinstalado.
O paradoxo da esquiva revela u m a diferença crítica entre
reforçamento positivo e reforçamento negativo por esquiva. Com a
esquiva, sucesso origina fracasso; o comportamento enfraquece e
parará a não ser que outro choque o traga de volta. Com reforça­
m ento positivo, sucesso origina m ais sucesso; o com portam ento
continua. Se a única razão p ara u m aluno estu d ar for impedir a
reprovação, um fracasso eventual, ou quase fracasso, será n ecessá­
rio para mantê-lo estudando. Um aluno que estuda por cau sa das
opções que um a nova aprendizagem tom a disponíveis p arará apenas
se os produtos da aprendizagem se tom arem irrelevantes. Se cidadã­
os m antêm -se n a lei apenas porque isto os m antêm fora da cadeia,
eles eventualm ente excederão o limite de velocidade, roubarão em
sua declaração de imposto de renda, darão ou aceitarão caixinhas
ou pior. Cidadãos que se m antêm n a lei por cau sa dos benefícios de
participar de u m a com unidade ordenada não se defrontarão com
tentações cíclicas de b u rlar a lei.
Uma vez aprendida, a esquiva é inerentem ente cíclica. De­
pois de receber um choque, trabalham os assiduam ente para m anter
choques distantes. Então, gradualm ente nos tom am os m ais descui­
dados, esperando mais e mais antes de pressionar nossa barra;
finalmente um outro choque vem, nos levando de novo a esquivar
eficientemente. Os intervalos entre choques podem se to m ar b a s ta n ­
te longos, particularm ente, se antes evitamos choques por longos
períodos com sucesso, m as falhas ocasionais no esquivar são n eces­
sárias para m anter a esquiva funcionando.
O paradoxo da esquiva to m a possível um tipo de controle
coercitivo que é horrível até mesmo de se p en sar sobre ele. Uma vez
que tenham os nos tom ado tão eficientes na esquiva que choques
vêm apenas raram ente, o paradoxo da esquiva to m a disponível um a
poderosa arm a para qualquer um interessado em nos m anter no
caminho da esquiva. Se eles tiverem controle sobre o choque, podem
eliminar completamente a função adaptativa de nosso com porta­
mento de esquiva e, assim, estranham ente, torná-lo ainda m ais for­
te.. ’ ■ ■
Remover seu componente realista original pode to m ar a e s­
quiva em u m a preocupação que a tudo consome. O experimento
básico tem um sujeito esquivando de choques pressionando u m a
barra; cada vez que ele pressiona, garante um período livre de cho­
que de duração variável e imprevisível, algumas vezes alguns seg u n ­
Coerção e s u a s im plicações 1 bd

dos, algum as vezes m uitos m inutos. Então, u m a vez que o sujeito


tenha aprendido a im pedir os choques, o experim entador tom a p ara
si o controle real sobre os choques. Agora, um choque ocasional­
m ente vem, a despeito do que o rato estiver fazendo. A queles poucos
choques, inevitáveis, são agora os únicos que o sujeito recebe; ele
não receberia outros m esm o que ele p arasse de p ressio n ar a barra.
Se os choques inevitáveis forem infreqüentes, de modo que c
sujeito te n h a pouca oportunidade de descobrir que eles viriam não
im porta o que ele te n h a feito, ele co n tin u ará a agir indefinidam ente
como se estivesse realm ente esquivando de choques. Ele se n ta rá ali.
hora após hora, dia após dia, paciente e calm am ente pressionando
sua barra, estoicam ente aceitando su a ra ra punição. Afinal, a expe
riência lhe ensinou que tudo o m ais, exceto p ressio n ar a b arra, é
perigoso. Agora um choque ocasional vem logo depois que ele ten h a
pressionado a b arra, m as, ainda assim , esse ato u su alm en te não é
punido. A m aioria dos choques ainda co n tin u am aparecendo após
um período d u ra n te o qual ele não pressionou a b arra. Até onde o
sujeito pode dizer, ele co n tin u a bem -sucedido a m aior p arte do tem ­
po.
Assim ele p a ssa todos os seus dias esquivando-se de cho­
ques que de qualq u er m aneira jam ais viriam. Os pouco choques
“im erecidos”, ain d a que não estejam de modo algum sob seu contro­
le, são suficientes p a ra m antê-lo n a linha. O principal efeito de cada
choque agora é restabelecer as condições que de início levaram à
esquiva.
M anter a esquiva funcionando com punições que são n a
verdade inevitáveis certam ente p areceria contra-intuitivo. “E squiva”
persistente do inevitável não é um resu ltado da punição tão óbvio
que alguém previsse an tes que os experim entos fossem feitos. E,
ainda assim , a técnica de prim eiro g erar esquiva real e então aplicar
punição indiscrim inadam ente era u sa d a fora do laboratório m uito
antes que te n h a sido observada e e stu d ad a experim entalm ente. As­
sim como se pode cozinhar sem n ad a conhecer de quím ica, ou jogar
basquete habilidosam ente sem conhecer fisica, ou en sin ar efetiva­
mente sem te r qualquer conhecim ento formal de análise do com por
tam ento, as pessoas têm u sad o esta técnica p ara controlar o com ­
portam ento hum ano, sem qualquer com preensão científica do que
estão fazendo.
O controle que a punição in discrim inada to rn a possível, tão
sim plesm ente e sem esforço, ê aterrorizador. S eus p ratican tes foram
e são os m ais b ru tais e d esum anos seres h u m an o s. Aí está porque
160 M urray S id m a n

todos devem com preender a técnica e devem ap ren d er a d etectar seu


uso.
Por exemplo, era costum e dos carcereiros nos cam pos de
concentração n azistas selecionar arb itrariam en te algum as vítim as
p a ra destruição em m om entos imprevisíveis e inesperados. Estes
eram os choques inevitáveis por meio dos quais m an tin h am controle
sobre seu s prisioneiros. E n tretan to , no início, eles selecionavam
p essoas b aseados no que elas tin h am feito ou não, d istribuindo a
punição últim a p a ra q uaisquer atos não-conform es, am eaçadores,
conturbadores ou inconvenientes. Os prisioneiros ap ren d eram a se
esquivar de destruição agindo como se s u p u n h a que deviam.
U ma vez que os carcereiros tivessem estabelecido este com ­
portam ento de esquiva “apropriado", eles então simplificavam seu
trabalho. A plicando choques ocasionais in d iscrim inadam ente — a r ­
bitrariam en te selecionando u n s poucos e enviando-os p a ra fora p a ra
n u n ca m ais re to m a r — eles se livravam da necessidade de realm en ­
te observar os prisioneiros. E stes choques, não-relacionados com
q ualquer coisa que as vítim as fizessem ou deixassem de fazer e,
portanto, n a realidade inevitáveis, eram suficientes p a ra m a n ter os
prisioneiros cujo m om ento ainda não havia chegado, p ressionando
s u a s b a rra s de esquiva assid u am en te. Do ponto de vista dos carce­
reiros, o procedim ento era extrem am ente efetivo. Eles tam bém po­
diam realizá-lo com u m a esq u isita econom ia de esforço.
Não tendo visto este tipo de controle no laboratório, pode-se
facilm ente su b estim ar seu poder. A não ser que tenham os observado
como choques não-contingentes podem u s u rp a r o controle que con­
tingências de esquiva válidas ten h am originalm ente estabelecido,
podem os erradam en te concluir que os sujeitos estão infligindo cho­
ques inevitáveis em si m esm os. De m aneira sem elhante, alguns co­
m entadores têm criticado os ju d e u s nos cam pos de concentração
por te r se deixado levar como ovelhas, sem resistência, aos fom os.
Se não entenderm os a significação com portam ental d a s contingên­
cias históricas e p resen tes a que os ju d e u s cativos estavam su b m eti­
dos, podem os facilm ente não reconhecer que aqueles d esafo rtu n a­
dos não tinham escolha. As leis do com portam ento estavam tra b a ­
lhando contra eles.
Se os choques tivessem sim plesm ente sido dolorosos, os j u ­
deus poderiam ter resistido, acolhendo a m orte como a fuga últim a.
E ntretanto, com a própria m orte como o choque, a fuga da m orte era
a contingência controladora. Aquele choque, liberado freqüentem en­
te, com a rudeza de u m a m áquina, era de inicio contingente às
ações dos prisioneiros. Mais tarde, os choques não guardavam qual-
Coerção e s u a s im plicações 161

quer relação com q u alquer coisa que eles realm ente fizessem ou
deixassem de fazer. Porque as contingências originais haviam gerado
o com portam ento de esquiva requerido — docilidade — os su b se ­
qüentes choques não-contingentes m antiveram essa form a de esq u i­
va acontecendo. Um observador de fora, ou um historiador, podia
ver que su a quieta m arch a p ara o forno era inútil. A m u d a n ça n as
regras aconteceu sem aviso, entretanto, e aqueles que estavam a
ponto de serem assassin ad o s estavam sim plesm ente fazendo o que
as contingências originais os havia ensinado como sendo necessário
para a sobrevivência.
A penas raram en te encontram os controle por punição não-
contingente sendo praticado em situações ab ertas a escrutínio p ú ­
blico. Mas se quiserm os olhar, podem os ver este tipo de controle
mais próximo de casa. Ele ocorre m ais freqüentem ente em in stitu i­
ções p ara onde enviam os aqueles que não querem os ver in tro m eten ­
do-se em n o ssas vidas cotidianas, p esso as que confiam os a “g u a r­
diães". Esquiva é um produto característico do controle coercitivo
em prisões, cadeias, “escolas” p ara retardados, “h o sp ita is” p a ra os
m entalm ente doentes e casas de “repouso" p ara os idosos. N atu ral­
mente. assa ssin a to s em m a ssa não ocorrem n estas instituições, m as
encontram os outro s tipos de punições severas u sad as, prim eiro,
para intim idar os in tern o s a ad q u irir form as de esquiva que to m am
o trabalho dos guardiães m ais sim ples e que, então, são aplicadas
não-contingentem ente p ara m an ter a docilidade, cooperação e “re s ­
peito pela au to rid ad e”.
Em prisões, o confinam ento em solitárias, a rem oção de p ri­
vilégios, ab u so físico que não deixa m arcas, e olhar p a ra o outro
lado quando intern o s atacam u n s aos outros são m aneiras-padrão
de p u n ir qualquer um que am eace a seg u ran ça dos carcereiros.
Confinam entos, privação, ab u so s e falha em proteger os internos
uns dos outros, adm inistrados por infrações sem im portância, ou
por n en h u m a razão aparente, tam bém são p ráticas-p ad rão ; estes
choques arbitrário s reduzem eficientem ente sérias violações d a s re­
gras. Em instituições p ara retardados, doentes m en tais e idosos,
pessoal sobrecarregado e sem treinam ento ainda u s a violência física,
abuso verbal e isolam ento social não-contingente p a ra reduzir a
disrupção de s u a própria rotina diária.
O casionalm ente, tais práticas cham am a aten ção de um g ru ­
po de defesa dos direitos hu m an o s ou de u m jo rn alista. O clam or
público su b seq ü en te produz nova legislação, edifícios m odernos ou
um a m u d an ça n a equipe da instituição. À m edida que o problem a
desaparece m ais u m a vez d as vistas do público, a s velhas p ráticas
162 M urray S id m a n

retornam . A au sên cia de supervisão pública estabelece terreno ap ro ­


priado p a ra form as de punição cruéis e incom uns que criam docili­
dade e su b m issão facilm ente garantidas.

Fuga da esquiva
C ertam ente podem os controlar co n d u ta estabelecendo con­
tingências de esquiva, conseguindo que pessoas evitem punição.
Mas, tal controle tam bém produz todos os efeitos colaterais d a p u n i­
ção. Uma vez que nossos prisioneiros, alunos, pacientes ou filhos
tenham aprendido a se esquivar de punição severa, a fuga au to m a­
ticam ente ain d a se to rn a m ais reforçadora que a esquiva. Se for
possível p ara eles ir em bora, eles irão.
E ste resultad o é fam iliar p a ra todo m undo; as p esso as estão
sem pre fugindo das prisões e de o u tras instituições. Freqüentem ente
lemos sobre fugas de escolas p a ra retard ad o s e reagim os com pena;
tendem os a a trib u ir estas ações ap aren tem en te n ão -ad ap tativ as à
falta de inteligência do fugitivo. O nom e “escola”, en tretan to , quando
aplicado a tais instituições é m uito freqüentem ente um eufemismo.
A sociedade, em bora ocasionalm ente preocupada com o am biente
físico em s u a s escolas p ara retardados, não m onitora o que é en si­
nado ali ou como é ensinado. Por c a u sa da equipe freqüentem ente
m al trein ad a e da au sên cia de prestação de co n tas pública, os resi­
dentes de tais “escolas” aprendem a ad ap tar-se a contingências de
esquiva que os funcionários estabelecem p ara su a própria conve­
niência. Eles aprendem pouco m ais. Fuga deste am biente nem sem ­
pre indica pouca inteligência. Tam bém pode rep resen tar u m ajuste
perfeitam ente racional a controle coercitivo. Deveríamos ver a fuga
dos retard ad o s como gritos, não por piedade, m as por ajuda.
, Q uando lemos que u m assassin o condenado fugiu da p en i­
tenciária e é perigoso e que e stá n a lista dos “m ais pro cu rad o s”,
podem os nos perg u n tar por que alguém escolheria a existência in se ­
gura e necessariam en te breve de u m anim al caçado, em vez da
relativa seg u ran ça da prisão. Interpretam os a escolha do fugitivo
como evidência adicional de s u a depravação. O casionalm ente estare­
mos corretos. Ainda assim , em m uitos desses casos, podem os razoa­
velm ente su p o r que as contingências de esquiva dentro d a prisão
èrajn tão severas que to rn aram a fuga, ain d a que tem porária e
provável de term in ar em morte, um poderoso reforçador. N atu ral­
m ente, n o ssa su sp e ita algum as vezes seria infunda, m as este é o
prim eiro lugar p ara onde olhar procurando u m a explicação. Coerção
d esum ana, proibida por lei, é, no entanto, tão predom inante n as
Coerção e s u a s im plicações 163

instituições penais que' se tornou a no rm a de fato en tre os funcioná­


rios a serviço da ju stiça. M uitos dos que não praticam eles próprios
a bru talid ad e m antêm seu s em pregos olhando p ara o outro lado.
A parentem ente, fuga irracional algum as vezes reflete a depravação
dos carcereiros, não dos fugitivos.
Aqueles a quem confiamos, seja em seu próprio benefício,
seja p a ra nos proteger, u su alm en te são incapazes de fugir. Eles
podem ad o tar ro tas alternativas de fuga. Suicídio, assassin ato e
outras form as de violência são com uns em instituições p en ais e
outras instituições. Se não se pode fugir fisicam ente, que outro
modo m elhor h á de term in ar a coerção do que term in ar com o
coercedor? S ujeitos a estu p ro s e a outros tipos de violência e h u m i­
lhação, prisioneiros, pacientes e os deficientes que são incapazes de
homicídio podem descobrir o suicídio como m ais factível.
A sociedade precisa algum dia ace rtar a s co n tas com seu
próprio papel em criar tais am bientes. O que querem os de n o ssas
instituições penais e m entais? Elas devem servir como la tas e cestas
de lixo n as quais jogam os nossos refugos e os esquecem os? Preten
demos que as prisões ap en as p u n am os que b u rlam a lei, que nos
protejam contra aqueles que se m o straram perigosos e que sirvam
como in stru m en to de revanche? Q uerem os que aqueles a quem con­
finamos saiam sem m u d an ças, tendo aprendido ap en as o que era
necessário p ara a sobrevivência d entro das instituições ou gostaria
mos que eles tivessem aprendido a fu n cio n ar com su cesso do lado
de fora? As posições públicas em relação a esta q u estão têm sido
inconsistentes e, freqüentem ente, diferem com pletam ente dos tipos
de instituições que de fato criamos.
Uma análise com portam ental não pode, em si m esm a, tom ar
as decisões necessárias, m as pode m o strar quais a s conseqüências
prováveis de qualquer decisão. E stá claro que as políticas mais pre­
dom inantes — negligência com o deficiente e revanche com o crim i­
noso — gerarão o tipo de am biente coercitivo que hoje predom ina. É
previsível que m uitos dos responsáveis que contratam os serão tão
brutais em su a s tarefas qu an to o perm itirm os e que m uitos dos
rejeitados que confinam os vão se vingar tão bru talm en te quanto
possível de seu s guardiães. A penas um fio de cabelo distingue a
conduta de alguns carcereiros d a co n d u ta de seu s prisioneiros e
distingue as ações de alguns funcionários d as instituições mentais
das ações de seu s pacientes.
Tendo criado esses am bientes, devemos aceitar responsabili­
dade pela desum an id ad e que acontece dentro deles. As leis do com­
portam ento nos perm item prever os resultados de qualquer que seja
164 M urray S id m a n

o tipo de am biente que criamos. Q uando as p erg u n tas surgem , a


análise do com portam ento pode sugerir m aneiras de en co n trar as
respostas. Assim como dizem os g uardiães de nosso sistem a legal
quando inadvertidam ente saím os da linha, “a ignorância d a lei não é
desculpa”, o m esm o pode ser dito d as leis com portam entais. Q uando
n o ssas decisões determ inam se outros devem viver ou m orrer, ou se
s u a s vidas devem ser plenas ou vazias, pacíficas ou violentas, a
ignorância dos efeitos de n o ssa s decisões sobre os o u tro s é in d escu l­
pável.
10

Como nos esquivamos?

Como a fuga, a esquiva tem m u itas faces. N enhum ato p a rti­


cu lar define a esquiva; todos tem os m uitos tipos de b a rra s p ara
prevenir vários tipos de choques. Ainda assim , algum as form as de
esquiva são m ais problem áticas que outras. Se quiserm os entender
e, talvez, fazer algo a respeito da esquiva, prim eiro tem os que reco­
nhecê-la.

Esquiva adaptativa
P arte de nossos com portam entos m ais úteis são de esquiva:
nos preparam os p ara extrem os de te m p eratu ra vestindo-nos p e sa d a ­
m ente no inverno e levemente no verão; evitam os acidentes de au to ­
móveis "dirigindo defensivam ente”; evitam os de nos qu eim ar u san d o
um crem e protetor; prevenim os infecções colocando soluções a n ti­
sépticas em cortes e arranhões; m antem os d istân cia d as superfícies
quentes de fogões e lareiras; evitam os o esquecim ento "am arrando
um b arb an te no dedo”; im pedim os fracassos en saian d o u m desem ­
penho no palco ou u m a apresentação de negócios; fazemos seguros
166 M urray S id m a n

e in v e s tim o s em fu n d o s d e a p o s e n ta d o r ia s . E s ta s s ã o a s a ç o e s d e
p e s s o a s q u e “s ã o p re v e n id a s" e “m a n tê m o c o n tro le ".
Estas características de personalidade não explicam nossas ações. As causas
de nossa antevisão devem ser encontradas nas contingências de esquiva arranjadas
pelo nosso ambiente. Pessoas prevenidas já conhecem diretamente, ou por instrução
verbal, os “choques” dos quais agora se esquivam tão efetivamente; ou
contingências de esquiva em geral têm regulado suas vidas de tal maneira que
elas agora automaticamente se preparam para o pior.
Alguns choques vêm tão raramente que mesmo esquiva útil é difícil de
aprender ou manter. Muitos gastam todos os seus centavos, incapazes de colocar
de lado qualquer quantia para os inevitáveis “dias difíceis”; milhões ainda fumam,
a despeito da perspectiva de doença fatal; ainda é comum encontrar mulheres
grávidas bebendo álcool, fumando e tomando outras drogas, despreocupadas
com os danos causados em seus filhos por nascer; obesidade permanece sendo
um problema nacional, ainda que seja altamente conelacionada com diabetes e
hipertensão e de ser um convite para a morte prematura.
Alguns de nós que nos descobrimos incapazes de economizar, de parar
de fumar, de desistir das drogas ou de perder peso freqüentemente suspiramos
por e desejamos um autocontrole mais forte. Entretanto, o problema real não é
um controle fraco pelo se//-mas um controle fraco pelo ambiente. O que
precisamos não é fortalecer nossa vontade interior, mas rearranjar o ambiente
externo, fortalecendo as contingências de esquiva, ou provendo outros
reforçadores para o comportamento que desejaríamos ter.
Nossos amigáveis gerente de banco, vendedor de seguros e contador
condenam nossa imprevidência como fraqueza de caráter. Eles poderiam nos
ajudar mais reconhecendo o problema pelo que ele é, não um traço irremediável
de personalidade, mas uma esquiva fraca que pode ser remediada. Médicos,
tam bém , n ão são trein ad o s p ara reco n h ecer e an alisar problem as
com portam entais, assim, pacientes que não conseguem seguir suas
recomendações sobre dietas, drogas e medicação deixam-nos desamparados.
Em vez de prescrever uma dose de autocontrole, médicos fariam melhor
apelando para o ambiente social do paciente — amigos e família — em busca
de apoio para obediência. Contadores e médicos não foram ensinados como
obter mudanças comportamentais e, de qualquer maneira, diriam que não
têm tempo suficiente para tanto. Mas manter-se sem ciência da natureza
comportamental do problema não atende aos interesses de seus clientes e pacientes.
Coerção e s u a s im plicações 167

Permanecendo fora do mundo


Uma vez que d esisten tes ten h am fugido de su a s famílias,
escolas, ou com unidades coercitivas, eles m an têm s u a distância.
Tendo se libertado de um am biente aversivo, eles en tão fazem tudo
que estiver ao seu alcance p a ra im pedir que esse am biente restab e­
leça seu domínio. M anter-se sem envolvimento é u m ato de esquiva.
Jovens desisten tes podem ad o tar u m estilo de vida tão dife­
rente daquele do qual fugiram que s u a com unidade original os ju lg a
como tendo se tom ad o indesejáveis e até mesm o perigosos. A m bien­
tes pobrem ente m antidos e in salubres trazem perigos p a ra os fugiti­
vos m as servem p a ra u m a im portante função; eles m an têm o resto
da sociedade a u m a certa distância. Fam ílias, considerando a nova
filosofia, os novos costum es, o novo am biente e a aparên cia física de
seus filhos objetáveis e assu stad o res, ab an d o n am ten tativ as de tr a ­
zer de volta a ovelha desgarrada.
Tendo fugido de indivíduos e instituições sociais coercitivos,
desistentes freqüentem ente são atraídos p ara com unidades “m argi­
nais” que afirm am que reforçadores m u n d an o s, como pagam ento
por trabalho ou talento, são incom patíveis com reforçadores como o
amor, a afeição e o com partilhar que se originam de relações p es­
soais não-egoístas. Ju n ta n d o -se a u m a com unidade com estilo de
vida alternativo, eles se oferecem a u m líder carism ático p ara explo­
ração, em troca de proteção co n tra a sociedade que rejeitaram . Toda
a renda vai p ara o g u ru que é, presum ivelm ente, incorruptível por
dinheiro e pelos confortos que ele to rn a disponíveis.
O que isto significa é que a s u a abdicação de resp o n sab ilid a­
de e de tom ada de decisões perm ite aos m em bros de cultos ignorar
e, portanto, se esquivar de pressões p a ra voltar à cena d a qual eles
desistiram . U m a atração im portante de com unidades e seitas m argi­
nais é seu sucesso em proteger m em bros daquele outro m undo onde
suas vidas foram dom inadas por fuga e esquiva. Pode levar tem po
para que eles descubram que seus novos reforçadores tam bém são,
na s u a m aioria, negativos.
Q uando a dor de um choque é atra sa d a, a aprendizagem da
esquiva será lenta; podem os te r de aceitar m uitos choques an tes de
aprender a evitá-los. Com drogas, tam bém , um longo tem po pode se
p assar entre c a u sa e efeito. Drogas que cau sam adição têm com po­
nentes reforçadores que tornam ain d a m ais difícil ap ren d er a se
esquivar delas. T am bém relações pessoais d estru tiv as freqüente­
m ente contêm elem entos positivos que por algum tem po sobrepujam
nossas inclinações de nos esquivarm os de situações aversivas. Viver
um a vida de isolam ento social ou intelectual pode im por privações,
168 M urray S id m a n

desconfortos físicos e estresses biológicos que term in am em doença


e inabilidade p a ra m an ter n o ssa independência. D esistentes do veio
central d a sociedade freqüentem ente sofrem d esses resu ltad o s a tra ­
sados. Eles descobrem que seu novo am biente desaprova cu rio sid a­
de intelectual, faz com que se sin tam culpados por q u alq u er sinal de
individualidade e considera desconforto e doença como form as de
distinção. Aquilo que prim eiro pareceu afetuoso paternalism o to m a-
se u m a o u tra form a de exploração. Q uando os elem entos destrutivos
de seu s novos estilos de vida se to m am óbvios o suficiente p ara
gerar u m novo ciclo de esquiva, jovens d esisten tes podem já ter se
prejudicado irrecuperavelm ente.
Mesmo que se m an ten h am saudáveis, p o rtas terão se fecha­
do para eles, fechando seu acesso à oportunidade p a ra in d e­
pendência intelectual, econôm ica ou política m ais convencionais,
ainda assim m ais construtivas. Os com ponentes aversivos de su a s
novas vidas podem finalm ente to m ar-se suficientem ente fortes p ara
sobrepujar os atrativos originais, m as freqüentem ente é m uito tard e
p a ra ação efetiva.
O reconhecim ento dos com ponentes de esquiva n a co n d u ta
dos d esisten tes da sociedade to rn a-se m ais im portante quan d o q u e­
rem os trazê-los de volta. Tendem os a colocar a cu lp a n as com u n id a­
des ou co n tra cu ltu ras que atraem os desistentes, ou em seu s estilos
de vida alternativos. Mas a falha está n a coerção que perm eia as
interações sociais “norm ais”. Ainda que um observador não-envolvido
p ossa ver as novas form as de coerção a que m uitos d esisten tes se
subm etem , perm anece o fato de que eles consideram a nova coerção,
pelo m enos tem porariam ente, m enos aversiva que a antiga.
Se a sociedade pretender ter u m a abordagem co nstrutiva
p ara o problem a de g a n h a r de volta seu s m em bros perdidos, p a rti­
cularm ente seu s jovens, um prim eiro passo necessário é adm itir que
o com portam ento de desistir é esquiva. C om preender as origens da
esquiva iria nos levar a exam inar nosso próprio am biente. Então,
poderem os identificar os choques que to rn am as b a rra r de "desistir”
efetivas. A falha corrigível não e stá n a ap aren te atratividade dos
alternativos, m as n a relativa coercitividade d a lin h a de base “n o r­
m al”. Em vez de p erg u n tar “p a ra onde foram os d esiste n tes?”, deve­
m os perguntar: “De onde eles vieram ?”

Não é problema meu


A m aioria d as pessoas se esquiva de particip ar d as re sp o n sa ­
bilidades da com unidade — um outro tipo sério de desengajam ento.
Coerção e s u a s im plicações 169

Em quase todas a s eleições, a m aioria dos eleitores possíveis deso­


briga-se, fazendo do princípio de governo representativo u m a piada.
Um serviço tradicional oferecido por políticos locais é a rra n ja r p ara
que cidadãos sejam excluídos da tarefa de ju rad o . A udiências p ú b li­
cas são u su alm en te tão pouco freqüentadas que políticos e m em bros
de órgãos reguladores as vêem com desprezo, como gestos vazios de
adesão a procedim entos dem ocráticos, ú teis ap en as como proteção
contra fu tu ra s críticas à s su a s decisões. P esquisas de opinião de­
m onstram repetidam ente a extensão n a qual o público se isola do
conhecim ento e da com preensão dos eventos locais, nacionais e
m undiais.
M uitos to rn aram -se cínicos sobre a possibilidade de q u al­
quer conexão positiva entre políticos e o bem público. Aceitam sem
protesto a corrupção daqueles eleitos ou indicados p a ra cargos p ú ­
blicos. até mesm o fom entando a corrupção quan d o ela serve a seus
próprios fins.
Médicos, advogados, professores, psicólogos, enferm eiros e
assistentes sociais ativam ente resistem ao m onitoram ento público
de su a s práticas. Ao m esm o tem po, raram en te agem co n tra colegas
profissionais incom petentes. A penas sob in te n sa pressào estabele­
cem procedim entos disciplinares p a ra proteger o público e, então,
indivíduos se esquivam de indicar ou de voluntariam ente se envolver
eles m esm os n estes procedim entos.
No governo, n as forças arm adas e nas organizações em presa­
riais hierarquicam ente organizadas, trabalhadores subalternos não to­
mam oficialmente ciência dos erros de julgam ento, atos de fraude,
quebras nos padrões éticos ou crimes de seus superiores. Eles im itam
os três m acaquinhos: “Não vejo nada, não ouço nada, não falo n ad a.”
A filosofia “não m eta a colher em cu m b u ca alh eia” é d o cu ­
m entada freqüentem ente em n o ssa própria experiência e nos even­
tos que a m ídia relata todos os dias. Experim entos controlados ofe­
recem confirm ações im pressionantes desse tipo de não-envolvim ento
que m ostram como indivíduos ab an d o n am u n s aos o u tro s quando
ocorrem acidentes de ru a, violência e outros problem as.
; M ais e m ais. nós, os afortunados, estam os colocando d is tâ n ­
cia em ocional e social en tre nós m esm os e n o sso s sem elh an tes que
estão com problem as. Ironicam ente, à m edida que as distinções
entre os que têm e os que n ad a têm se to rn am m ais visíveis, to rn a ­
se m ais fácil negar a existência dos que n ad a têm do que fazer algo
por eles. Poucos têm prazer com a visão da m iséria h u m an a, não
Vê-la é um modo sim ples de esquivar-se. Lidar com o sofrim ento dos
outros é custoso: c u sta dinheiro, tempo, esforço e a disrupção de
170 M urray S id m a n

prioridades pessoais. Se, em vez disso, m enosprezam os os fam intos,


desabrigados e doentes, considerando-os estúpidos, preguiçosos e
im previdentes, nós que estam os saciados, abrigados e saudáveis
podem os corretam ente nos recu sar a vê-los. Assim nos protegem os
da desagradabilidade e inconveniência.
O desengajam ento social foi proposto como política nacional.
A “S egunda Revolução A m ericana” iria rem over as algem as que
prendem o governo aos pobres e desafortunados, libertando-os p ara
terem sucesso por seu próprio esforço e engenhosidade. D isseram -
nos que as necessidades de defesa m ilitar nos proibiam de co n tin u ar
a nos preocupar com aqueles que não se fizeram por si m esm os: “de
qualquer modo, eles não têm a quem culpar, a não ser eles m esm os
por seu s problem as.” Agora que políticos e generais g aran tiram p ara
si m esm os am plos benefícios e pensões, não im porta quão grande
seja su a incom petência, todos aqueles que não tiveram a m esm a
perspicácia podem se virar por si mesm os.
Mais cedo ou m ais tard e u m a política nacional de evitar a
responsabilidade social deve term in ar em catástrofe nacional. A po­
larização econôm ica inevitavelm ente leva à convulsão social violenta.
Evitando problem as atu ais, garantim os choques severos m ais tarde;
os gatos gordos de hoje estão criando seu s filhos e netos p a ra o
desastre. E ntretanto , conseqüências a tra sa d a s controlam fracam en­
te: “Deixe que eles se defendam sozinhos."
Abstem o nos de votar; nos evadimos d a obrigação de júri;
nos au sen tam o s de audiências públicas e de outros m ecanism os da
dem ocracia participativa; nos m antem os deliberadam ente desinfor-
m ados d a coisa pública; olham os p ara o u tra direção quan d o vemos
um roubo, assalto, coerção sexual no trabalho, incom petência em
n o ssa profissão, apropriação indébita de dinheiro público, solicita­
ção ou aceitação de p ropinas e atos de hum ilhação e b ru talid ad e da
polícia. N ada disso nos classifica como d esisten tes. Talvez seja por
isso que não ver e não agir, diferentem ente de desistências abertas,
perm item que nos m an ten h am o s fora do alcance de visão. Pelo m e­
nos, não parecem os desistentes. Mas, nos desengajarm os, p erm an e­
cerm os não-envolvidos em questões de políticas públicas, seg u ran ça
e integridade é, a longo prazo, m ais perigoso p a ra a sociedade do
que qualquer su b c u ltu ra m inoritária. Dando os om bros p a ra a re s­
ponsabilidade sobre a com unidade, criam os um vácuo n as in stitu i­
ções de governo representativo, segurança pública, ju s tiç a social e
o portunidade econômica. E stes espaços são inevitavelm ente p reen ­
chidos pelos incom petentes, pelos sem -princípio, pelos venais e p e­
los crim inosos.
Coerção e s u a s im plicações 171

F reqüentem ente consideram os a falta de ação como exemplo


de “não-decisão”, m as não h á realm ente tal coisa como não fazer
nada. A au sên cia de u m “sim ”, será in terp reta d a como “n ão ”; a
não-proibição será considerada como perm issão; “talvez” significará
“sim ” p a ra alguns e “n ão ” p ara outros, completo silêncio freq ü en te­
m ente significa “faça o que quiser, ap en as não me incom ode”. Ao
não se m a n ter inform ado, u m executivo está dizendo a se u s su b o r­
dinados: ‘Tom em su a s próprias decisões.” R ecusar-se a to m ar u m a
decisão é em si m esm o u m a decisão; acred itar que realm ente nos
abstivem os de envolvimento, que nos isentam os de resp o n sab ilid a­
de, é um a ilusão. Som os cria tu ras sociais e m esm o nos refreando de
agir te rá se u s efeitos em outros.
Se quiserm o s rev erter as te n d ên cia s a tu a is q u e vão em
direção ao egocentrism o, ao isolam ento em relação ao envolvim en­
to ativo e evasão de resp o n sab ilid ad e, m a n te n d o -n o s desinform a-
dos e fingindo que n ão existem p roblem as, en tão tem os de o lh ar
m ais de p erto p a ra os d e term in a n tes d e s s a c o n d u ta. O que cria o
não-envolvim ento? O que o m antém ? Q uando exam inadas de perto,
descobrirem os que q uase todas as form as de inação via desengaja-
m ento contêm fortes com ponentes de esquiva.
Sem pre que outros deixam de fazer o que poderíam os esp e­
rar que fizessem, tem os razão p a ra su sp e ita r que punição é a re s ­
ponsável. U m a análise com portam ental nos levaria a perguntar:
“Que choques a participação pode produzir? M anter distân cia p er­
mite a esquiva de choques?”
P unições por nos envolverm os d em o n stram -se suficiente­
m ente fáceis de identificar. Algumas são relativam ente suaves. E m ­
bora dificilm ente com parável a u m choque doloroso, a sim ples in ­
conveniência, a pertu rb ação de n o ssa rotina com um que a p articip a­
ção freqüentem ente impõe é suficiente p a ra explicar m uito do não-
envolvimento. Não votando nos esquivam os de te r de re a rra n ja r n o s­
sa agenda, esp erar n a fila, ab rir cam inho através d a boca de u m a
feita pelos in sisten tes candidatos e cabos eleitorais que nos em p u r­
ram su a s filipetas; p assam o s ao largo do desconforto de a n d a r até a
u rn a e esp erar ali no m au tempo; ou adiam os a s difíceis decisões
que votar em um candidato ou um tem a freqüentem ente requerem .
Podemos fazer n o ssa esquiva ainda m ais cedo não nos registrando
para votar, um processo separado que é freqüentem ente m ais incon­
veniente que o próprio votar.
Publicidade e encorajam ento verbal n ão serão suficientes
para a u m e n ta r o núm ero de eleitores. C ontingências com portam en-
tais reais estão envolvidas. Resolver o problem a req u ererá elim inar
172 Murray Sid man

ou reduzir a severidade das punições que im pedem as pessoas de


colocar seu voto n a u m a . As m elhores m aneiras de fazer isto são
bem conhecidas; não é necessário ser u m an a lista do com portam en­
to p a ra ver a efetividade de deixar trab alh ad o res saírem cedo do
trabalho em dia de eleição, prover tran sp o rte conveniente e grátis
p ara os locais de votação, fornecer g u ard a-ch u v as quando n ece ssá­
rio, d istrib u ir panfletos com antecedência, au m e n ta r o núm ero de
u rn a s e m áquinas, perm itir o registro pelo correio e auxiliar aqueles
não-fam iliarizados com os procedim entos de registro e votação.
A eficácia d essas m edidas é a te sta d a pelo vigor com o qual se
resiste a elas. Aqueles que g an h aram controle sobre o processo
político nem sem pre consideram o sufrágio universal como vantajoso
p a ra a m an u ten ção de seu poder.
A participação naquela instituição dem ocrática fundam ental,
o jú ri, c a u sa inconveniências que são m ais difíceis de elim inar.
Q uanto m ais ganham os, quanto m aior o poder que tenham os, ou
m ais pesad as a s responsabilidades sobre nossos om bros, m ais seve­
ra s são as perdas que provavelm ente sofrerem os por ter que tira r
tem po do trabalho p ara o júri. Os m ais afluentes, os m ais influentes
e os m ais proem inentes são os que têm m ais a perder. É u m a
coincidência que raram en te os encontrem os em jú ris?
Tam bém raram en te vem os seu s crim es sendo trazidos a ju l­
gam ento pelo jú ri. Q uando eles com etem ofensas civis ou crim inais,
seu s recursos lhes dão acesso a advogados que são habilidosos em
prolongar o litígio. Finalm ente, eles conseguem acordos que g aran ­
tem a im unidade de acusação. Eles raram en te são encontrados em
julgam entos, seja como ju rad o s, seja como réus.
Ao desengajar-se deste modo, esquivando-se d as inconve­
niências pessoais relativas ao desem penho de responsabilidades da
com unidade, os ricos, os poderosos e os proem inentes criaram um
sistem a de ju s tiç a duplo. Aqueles com m enos influência e recursos
são, em certo sentido, tão incom odados q uanto os ricos por partici­
p ar do jú ri. Tam bém , seu s atos ilegais, n a m édia, provavelm ente
ferem m enos pessoas. Ainda assim , eles m ais provavelm ente são
forçados a participar do sistem a de jú ri, de u m lado ou de outro.
A um entar a participação no sistem a de jú ri e dim inuir a
evasão requer m u d an ças n a conduta. Novamente, o problem a fu n ­
dam ental é com portam ental. P ara a m aioria, fatores que c o n stran ­
gem são, no presente, m ais fortes que fatores que encorajam o en ­
volvimento. N enhum a q u an tid ad e de exortação so b rep u jará as p ri­
vações e perdas reais a que m uitos estariam sujeitos se aceitassem
constar da lista de ju ra d o s possíveis. E sta é u m a in stâ n cia n a qual
Coerção e s u a s im plicações 173

as punições por participação não podem ser elim inadas. Uma parte
im portante d a solução do problem a, então, deve ser to rn a r a esquiva
m ais difícil.
Algum as com unidades retiraram o poder dos rep resen tan tes
eleitos de intervir em favos de qualquer um selecionado como ju r a ­
do. R aram ente elas foram tão longe a ponto de re tira r esse poder de
todas a s autoridades, eleitas ou indicadas, de modo que aqueles
com influência política, financeira ou social ain d a podem se m an ter
não-envolvidos. P ara im pedir a esquiva do serviço por meio de solici­
tações políticas, pressões sociais ou sim plesm ente corrupção a s co­
m unidades terão que elim inar as vias de influência.
Elas tam bém terão de to m a r o u tras form as de evasão mais
difíceis. Por exemplo, tendo sido cham ado p a ra com por o jú ri, pode-
se facilm ente não p articipar em qualquer caso p articu lar fazendo
com que um advogado de defesa ou prom otor desconfie de su a
im parcialidade. Pode-se arg u m en tar oposição à p en a capital, crença
em que estupro sem pre é provocado pela vítima, ser a favor ou
contra o m ercado, e s ta r convencido de que televisão in cita a violên­
cia, afirm ar que in san id ad e não é desculpa p a ra o assassin ato , já ter
form ado u m a opinião sobre o caso, ou ser filosoficam ente u m a n a r­
quista. U m a vez que se te n h a sido acu sad o p o r cau sa dos problem as
que tal viés provocará, freqüentem ente se está livre de ch am ad as
posteriores. P ara to m a r esta ro ta de esquiva m enos vantajosa, aq u e­
les cham ados p a ra p articip ar do jú ri poderiam ser requisitados a
m an ter-se disponíveis por u m período fixo de tempo. Então, ainda
que recu sad o s em u m caso p articu lar, eles não poderiam ir em bora
antes daqueles que se perm itiram ser selecionados.

Quem porá a boca no trombone?


G eralm ente relutam os em “pôr a boca no trom bone” em rela­
ção a com panheiros de trabalho, colegas e chefes que vem os agindo
irresponsavelm ente, incom petentem ente ou ilegalm ente. O lhar p ara
o outro lado é u m a ato de esquiva, nos m antém fora de problem as.
T razer tais observações à atenção de estran h o s é especialm ente peri­
goso. Em agências m ilitares, governam entais e em presariais esp era­
se que p assem os ad ian te descobertas, reclam ações ou acusações
através dos can ais com petentes, ain d a que exatam ente aqueles que
vimos agindo incorretam ente terão o privilégio de avaliar n o ssa preci­
são e julgam ento. Os sujeitos de nosso relato serão tam bém seus
juizes.
1 74 M urray S id m a n

O m esm o acontece em organizações profissionais. E stas


m antêm u m a m ística de “irm an d ad e”: “O que fere u m fere todos,
assim , m a n te n h a tudo em fam ília.” E sta regra u su alm en te é b a se a ­
da m ais em econom ia do que em afeto e respeito m útuos. E m bora se
su p o n h a que padrões profissionais im peçam a prática incorreta, a
im posição de padrões é perigosa. Ações disciplinares in tern as contra
os incom petentes ou os crim inosos têm possibilidade de vazar p ara
a m ídia e tornar-se escândalos. Q uando m edidas co n tra u m colega
colocam em risco a im agem pública de u m a profissão, a am eaça ao
prestígio e à prosperidade to rn a-se prioritária em relação à proteção
do público. P ortanto, organizações profissionais não m onitoram rigo­
ro sam en te o com portam ento de seu s próprios m em bros. M anter
u m a reclam ação “em família" geralm ente significa que n a d a será
feito a seu respeito.
P essoas que realm ente vão a público, vão se descobrir reb ai­
xadas, despedidas com deso n ra ou sim plesm ente despedidas, ou
tran sferid as p a ra u m local em algum tipo de “Sibéria”. O rótulo
“não-confiáver viajará com elas em seu s p rontuários pessoais. A nti­
gos associados n a d a terão a ver com elas. É su rp re sa que a reação
m ais com um diante daqueles que m entem , enganam , roubam , acei­
tam caixinhas e colocam em perigo a segurança, os direitos civis ou
a saú d e de outros seja o com entário, “não é da m in h a co n ta” ?
As com unidades até mesm o atrib u em um certo estigm a m o­
ral àqueles que não praticam este distanciam ento. Nós todos p e rte n ­
cem os a vários “clubes", unidos aos outros m em bros por traços de
interesse pessoal ou objetivos com uns. “D edo-duro”, “rato ”, “traid o r”
atribuem deslealdade a m em bros que escu tam o cham ado de um a
lei m aior que a dos seus clubes. C hoque por “pôr a boca no trom bo­
n e ” exerce controle m ais forte do que ab straçõ es como “h o n estid a­
de”, “ju s tiç a ” ou o “bem público”. Indivíduos vêem ‘tocadores de
trom bone’ sendo punidos e eles finalm ente traduzem esta observa­
ção no im perativo moral: “Botar a boca no trom bone é errad o .”
Relatos nos noticiários sobre ab u so s nos m ais altos níveis do
sistem a de defesa aparecem tão regularm ente que os incidentes rela­
tados, acidentalm ente descobertos ou revelados por u m raro ‘tocador
de trom bone’, devem ser ap en as a po n ta do iceberg: preços extorsi­
vos cobrados pelas co n tratad as da defesa, assen to s de privada de
400 dólares, uso de funcionários como serviçais feito por a u to rid a ­
des, planejam ento inadequado e incom petência n a execução de ope­
rações m ilitares das m ais variadas im portâncias, discordâncias tá ti­
cas não-resolvidas entre correntes das forças arm ad as e falsificações
de dados de testes sobre seg u ran ça e eficácia de equipam ento. A
Coerção e s u a s im plicações 175

burocracia das forças arm ad as im ediatam ente aplica punição ju sta ,


severa e d u rad o u ra a qualquer um que exponha incom petência e
desonestidade. O corpo do iceberg m antém -se escondido. A própria
mídia não é im une a am eaças de su p ressão e o u tras form as de
retaliação.
Esquiva gerada por coerção que com eça no próprio topo é
um a preocupação central de nosso sistem a de defesa; as m otivações
são em grande p arte negativas. Mesmo críticas confinadas a m em o­
randos internos, sem vazam ento p ara a mídia, colocarão u m a carrei­
ra em risco. Superiores, vendo objeções por meio dos can ais com pe­
tentes como um prim eiro passo potencial p a ra se to rn arem públicas,
rapidam ente colocam a ta b u leta “criador de problem as” no p ro n tu á ­
rio pessoal que segue o crítico a todos os lugares.
Esquivando-se de um térm ino prem atu ro da carreira e da
perseguição de um a b u ro cracia m agoada e que não perdoa, aqueles
a quem confiam os n o ssa seg u ran ça pessoal desem penham su a s pró­
prias tarefas e m antêm -se alheios à s dos outros. Sob o peso desta
coerção, eles subordinam seg u ran ça nacional a seg u ran ça indivi­
dual. E stão sendo ap resen tad o s modelos a carreiristas m ilitares que
não inspiram nem eficiência nem integridade. É fácil p a ra eles p er­
ceber que a e stra d a p ara o topo está ab erta ap en as p ara aqueles que
im plicitam ente toleram incom petência e desonestidade de superiores
que poderiam im pedir s u a promoção. A resu ltan te au sên cia de re s­
peito e preocupação m ú tu o s é freqüentem ente a trib u íd a à m oral
baixa, m as m oral é um resultado, não u m a cau sa. As raízes da
conduta que cham am os de “m oral b aix a” devem ser b u scad as n as
contingências coercitivas que dom inam todas a s interações.
A m enos que olhemos m ais de perto a s contingências, com
um a perspectiva de m udá-las, u m a crise verdadeira en co n trará n o s­
so sistem a m ilitar incapaz de fazer o seu trabalho. Infelizmente, a
inépcia m ilitar revela-se apenas quando é m uito tarde. Uma am eaça
mais im ediata é o apetite dos m ilitares por nossos recu rso s n atu rais,
econômicos e hu m an o s. Nosso protetor está se transform ando ele
mesmo em um a am eaça p ara a própria cu ltu ra que o criou p ara
defendê-la.
O governo federal não tem m ais recursos p a ra aju d ar a ed u ­
car s u a s crianças e jovens, p ara alim en tar os su b n u trid o s, p ara
retreinar os desem pregados tecnológicos, p ara g aran tir cuidados
médicos p ara todos, p ara conservar recu rso s n atu ra is, p a ra descon-
tam inar águas e te rra s poluídas, p a ra m a n ter p arq u es nacionais,
florestas e litorais, p ara apoiar a s arte s ou p a ra subvencionar a
pesquisa cientifica. Governos estad u ais e m unicipais podem arca r
176 M urray S id m a n

com estas obrigações ap en as ao custo de dim inuir serviços básicos,


como policia e proteção co n tra o fogo, suprim ento de água, coleta e
disposição de lixo e m an u ten ção de pontes, estrad a s, edifícios e
p arq u es públicos. O custo de alim entar o protetor já e stá to rn an d o
im praticáveis m u itas d as instituições dem ocráticas que ele deveria
aju d ar a preservar. Se quiserm os fazer com que o sistem a m ilitar
p asse por u m a limpeza, terem os que descobrir m an eiras de impedi-
lo de suprim ir a crítica.
Apelos ao patriotism o, integridade, ou autopreservação inteli­
gente não são suficientes. Mais u m a vez o problem a é com portam en-
tal, m as nós nos enganam os se o conceberm os como u m a n ecessid a­
de de m u d a r “com portam ento in stitu cio n al”. Indivíduos se com por­
tam , não instituições. P ara alterar u m a in stitu ição tem os que m u d ar
a co nduta dos indivíduos que são a instituição.
Não podem os esp erar que indivíduos que estão n a s forças
arm ad as aceitem voluntariam ente responsabilidade pública. C ontin­
gências tradicionais de punição e esquiva dentro d a organização
rapidam ente d estru iriam q u alquer tendência deste tipo. Revisão e
avaliação vindas de fora são fortem ente recu sad as. As altas p aten tes
argum entam que é necessário proteger-se de criticas am ad o ras p ara
que possam fazer trab alh o profissional; elas vêem o público como
u m introm etido. Em bora nosso sistem a nom inalm ente coloque um
civil como seu chefe, su a autoridade, n a prática, lim itada a in d ica­
ção de chefes, ê tolerada desde que não tente ser o “dono d a bola".
No entan to , to d as as agências e instituições requerem con­
tingências externam ente im postas p a ra estabelecer e m an ter a u to ­
controle responsável. Talvez o que necessitem os seja u m corpo de
m onitores especialm ente treinado e tecnicam ente com petente, m as
responsável ap en as p ara com o público. A penas controle externo
pode elim inar os tipos de coerção pelos quais as forças arm ad as se
protegem a si m esm as d a vigilância e responsabilidades públicas.

Se vende, deve ser bom


Podemos ver o m esm o tipo de controle coercitivo em in s tâ n ­
cias legislativas, em d ep artam en to s de polícia e de bom beiros, em
conselhos de escolas, em prisões e em outros serviços m unicipais e
estaduais. Indivíduos agem p ara proteger seu s em pregos, asseg u ­
rando su a própria sobrevivência m esm o com o custo de su b v erter os
objetivos organizacionais iniciais.
Em grand es corporações, grupos científicos e profissionais,
faculdades, universidades e hospitais encontram os a m era sobrevi-
Coerção e s u a s im plicações 177

vência assum indo a direção como o objetivo d a adm inistração. “Mar­


keting" é o mote. Em todo tipo de organização é dito a executivos e
adm inistradores que se preocupam com a qualidade e utilidade de
seus produtos e serviços: "Você não está afinado com a m oderna
prática de negócios, lem bre-se dela.” As contingências são b astan te
explícitas: não im porta quão inferior o produto, se você p u d e r vendê-
lo será aclam ado, adm irado e recom pensado generosam ente: não
im porta quão útil, durável, bonito e benéfico seu produto, se você
não p u d er vendê-lo, am bos, você e seu produto serão desprezados.
Os vendedores assu m iram a direção: a qualidade de u m produto é
secundária em relação ao sucesso em vendê-lo.
E sta ética da sobrevivência propagou-se p a ra a educação.
Faculdades e universidades agora com petem ativam ente por alunos.
V ice-reitores responsáveis por adm issão de alunos ab ertam en te
classificam o recru tam en to de estu d an tes como um problem a técni­
co de marketing. A "venda” de u m a faculdade a e stu d a n te s poten­
ciais tornou-se independente do p roduto que, se supõe, a faculdade
põe à disposição: os vendedores assu m iram o controle d a adm inis­
tração universitária.
E assim vem os as m issões originais de m u itas organizações,
fundadas para m an ter ou m elhorar a qualidade de vida, sendo s u b ­
vertidas p a ra asseg u rar a sobrevivência da equipe adm inistrativa e
instalações físicas. U niversidades e hospitais m odernos estão sobre­
carregados de adm inistradores de em presas que têm pouco ou n e ­
nh u m conhecim ento sobre educação, cuidado de pacientes ou p es­
quisa. A crítica pú b lica de deficiências n e ssa s á re a s não-fam iliares
sim plesm ente am eaça s u a seg u ran ça no em prego. Em um de n o s­
sos m aiores ho sp itais ouvlu-se u m ad m in istrad o r financeiro recém-
contratado, m unido com um g rau de m estre em adm inistração de
em presas, com entar como ele inspecionou o orçam ento em exercício
do hospital: “Meu Deus! Vocês g astam um dinheirão em cuidado
com p acientes.”
A dm inistradores de n o ssas universidades ricas são persegui­
dos por dem andas de e stu d an tes e docentes, por reform as educacio
nais que su a s equipes com treinam ento especializado em em presas
não entendem nem apreciam . Eles anseiam pelo dia em que possam
excluir todos os estu d an tes, dem itir todos os professores e, então,
livres dos com prom issos irrealistas com a educação, po ssam g astar
seu tem po adm inistran d o a dotação. A dm inistradores de hospitais,
aborrecidos e ressentidos com m édicos que pressionam por m elho­
rias no cuidado com os pacientes, contrariados e irritados com p es­
quisadores que exigem espaço e recu rso s p ara desenvolver novos
178 M urray Sidm an

m étodos p a ra a cu ra e prevenção de doenças e receosos dos riscos


p a ra se u s próprios em pregos que tais considerações não-fam iliares
representam , estão grad u alm en te su b stitu in d o objetivos relaciona­
dos à sa ú d e por objetivos financeiros. O lucro está su b stitu in d o a
qualidade no cuidado de pacientes e a produtividade d a pesquisa,
com a justificativa de co n tin u ar existindo.
C ostum ávam os concordar em pag ar im postos v o lu n taria­
m ente e em contrib u ir privadam ente p ara a m an u ten ção de serviços
cuja integridade necessitava independência de considerações de lu ­
cratividade. Agora, esquivando-nos de envolvimento, deixam os o li­
vre m ercado determ inar a sobrevivência de instituições que surgi­
ram de necessidades públicas e que, portanto, exigem m anutenção
pública. E stam os perm itindo que o controle coercitivo, orientado
ap en as em direção à sobrevivência financeira, s u b stitu a a ap recia­
ção e o suporte positivo p ara o cum prim ento de objetivos públicos. O
livre m ercado é cruelm ente coercitivo. S eus critérios de sobrevivên­
cia e seu s frutos — riqueza, prestígio, privilégio e lazer — estão em
conflito fu ndam en tal com os objetivos do serviço público.
Não deveria c a u sa r su rp re sa que sobrevivência im ediata con­
trolasse a co n d u ta m ais poderosam ente do que o fazem conseqüên­
cias a longo prazo: “Como podem os proporcionar educação ou cu id a­
dos com a saú d e de qualidade se nos tornarm os falidos financeira­
m ente?” Por outro lado, pode-se perguntar: ‘T em sentido m anter-se
financeiram ente saudável se o preço ê a falência de propósitos?”
R espostas a estas questões não vêm da lógica, m as d as leis do
com portam ento: as conseqüências financeiras são im ediatas e as
conseqüências educacionais atra sa d as. Nas e s tru tu ra s ad m in istrati­
vas m odernas as pressões coercitivas reprim em q u aisq u er ações que
am eacem a u m e n ta r a qualidade às cu stas da lucratividade.
11

ü\(eurose e doença mentaC

Mecanismos de defesa contra a coerção


A esquiva pode tom ar formas bizarras ou neuróticas. Sigmund
Freud, reconhecendo a predom inância do controle coercitivo, su g e­
riu que m uitos padrões de com portam ento surgem d a necessidade
de nos protegerm os co n tra as an sied ad es que a coerção provoca. A
m aioria de nós se ad ap ta à coerção m ais ou m enos efetivam ente,
lidando com ela por meio de u m a ou o u tra form a de fuga ou esquiva.
Algumas vezes, en tretan to , a esquiva pode preo cu p ar ta n to u m a
pessoa que ela interfere no seu funcionam ento cotidiano. O lidar
com a coerção, que tom a tem po e atenção incom uns, ou que amigos,
fam iliares e a sociedade vêem com alarm e, não é tão adaptativo.
Mesmo a esquiva bem -sucedida pode levar a cu sto s pessoais e so­
ciais tão severos que u m a pessoa é classificada como m entalm ente
doente. Por su a dependência do controle coercitivo, a sociedade paga
um preço em term os de sofrim ento hu m an o, d esaju stam en to e cap a­
cidade reduzida p a ra engajam ento construtivo.
Dizer que toda neurose e doença m ental é com portam ento de
esquiva sim plificaria perigosam ente estes problem as. N enhum dos
term os, neu ro se ou doença m ental, significa u m a ú n ica doença;
180 M urray S id m a n

n e n h u m a “b u la m ágica” jam ais cu ra rá to d as os casos. As origens do


“com portam ento doente” e os fatores que o m antém diferem de p e s­
soa p a ra pessoa. A quím ica do corpo, a h eran ça e as histó rias
com portam entais, todas podem e sta r envolvidas.
Por outro lado, desconsiderar a possibilidade de que a co n ­
d u ta bizarra, neurótica ou, de algum outro modo, d esadaptativa,
po ssa ser um produto de coerção tam bém sim plificaria perigosam en­
te o problem a; poderia im pedir tratam en to bem -sucedido e u m d es­
necessário prolongam ento de sofrim ento. Q uando se te n ta salvar
alguém que u ltrap asso u as fronteiras, freqüentem ente é útil b u s c a r
por contingências de esquiva que poderiam e sta r su ste n ta n d o o
com portam ento desadaptativo. Porque choques evitados com su c e s ­
so raram en te ocorrem, eles nem sem pre são fáceis de ser e n co n tra­
dos.

Fobias. As várias fobias, supõe-se, rep resen tam m edos a n o r­


m ais, m as específicos. Se som os tom ados de pânico incontrolável
perante o próprio pensam ento de estarm os em u m a m ultidão, ou de
nos encontrarm os no alto em relação ao chão, diz se que tem os u m a
fobia de m ultidão ou u m a fobia de altura.
Mas nós não “tem os” fobias. Medos não são coisas; são n o ­
m es que sum arizam observações sobre o com portam ento. O que nos
faz dizer, por exemplo, que alguém “te m ” u m a fobia de m ultidões?
Dois tipos de observações u su alm en te form am a b ase p ara
esse diagnóstico. Primeiro, notam os a au sên cia de certas ações: a
pessoa com u m a fobia de m ultidões não participa de organizações
sociais, n u n c a come em re sta u ra n te s ou vai a festas, não freqüenta
show s m usicais, teatro s ou eventos esportivos, não vai a liquidações
em grandes lojas de d epartam ento e n u n c a u s a tran sp o rte público.
Segundo, vem os algum as ações ocorrendo m ais freqüentem ente que
o esperado: a pessoa se vira e corre quando a ponto de en co n trar u m
grupo n a ru a, faz longos desvios quando m ultidões são vistas à
frente, co n tra ta professores particu lares em vez de ir â escola, viaja
localm ente apenas em táxi ou carros alugados, faz viagens de avião
apenas em horários em que o aeroporto provavelm ente e stá vazio e
cancela a viagem se o avião estiver lotado.
Um tal conjunto de com portam entos — p o u ca participação
em atividades de grupo, com freqüente fuga e esquiva — deveria nos
fazer su sp e ita r de u m a história de punição. C hoques p assad o s —
experiências dolorosas, p ertu rb ad o ras, em baraçosas ou in ten sam en ­
te desconfortáveis sofridas co njuntam ente com grupos sociais —
podem te r tornado m ultidões u m a ocasião p ara fuga e medo. O
Coerção e suas im plicações 181

sofredor, sem conhecim ento d as experiências p articu lares que leva­


ram à s ações fóbicas, sente ap en as o desconforto in tern o e a p e rtu r­
bação que as m ultidões evocam. Diz-se que a fobia é c a u sa d a pela
ansiedade, que é, por s u a vez, inferida do trem or incontrolável,
tran sp iração , palpitações cardíacas, estôm ago em brulhado e re sp ira ­
ção difícil que u m a am eaça de envolvimento no grupo traz.
A psiquiatria clássica, afirm ando as fobias como defesas con­
tra a ansiedade, te n ta descobrir os choques originais responsáveis.
Talvez, como F reud salientou, eles n ad a te n h am a ver com m u lti­
dões, m as ten h am sido, em vez disso, relacionados com atividade
sexual. E sta suposição to rn a fácil hipotetizar que m ultidões origi­
n am im pulsos sexuais proibidos e estão sendo evitadas por cau sa
disto. A terap ia tradicional concentrar-se-á, então, n a descoberta
dos problem as sexuais do paciente.
A análise do com portam ento não faz q u alq u er ten tativ a de
descobrir que experiências podem ter tran sfo rm ad o m ultidões em
choques. Em vez disso, ela tra ta os atos de esquiva p resen tes do
paciente diretam ente. Em bora a esquiva p o ssa te r com eçado em
circ u n stân cias perfeitam ente realistas, ela pode p ersistir por m uito
tem po depois de te r se to m ad o desnecessária; um esquivador bem-
sucedido não tem meios de ap ren d er que o choque original não virá
novam ente.
Dado que a fobia é realm ente n ão -realista — aí e stá porque
n a verdade a consideram os anorm al — u m te ra p e u ta com portam en-
tal e n sin a o paciente a não reagir a m ultidões como se elas fossem
choques. Com eçando a u m a distân cia que não evoca a fuga, o p a ­
ciente ap ren d e g radualm ente a se aproxim ar u m pouco m ais de
pequenos grupos de pessoas, talvez dando u m passo por dia n essa
direção. À m edida que cada passo não traz choque, am bos, a esqui­
va e os sinais de p ertu rb ação in tern a, se to rn am m ais fracos. Final­
m ente, a p esso a se to m a capaz de ju n ta r-s e a u m grupo pequeno e,
então, progressivam ente, a grupos m aiores. Agora, a s características
positivas d a interação social podem com eçar a to m ar o lugar, forta­
lecendo a aproxim ação enquanto a esquiva dim inui. Finalm ente, as
reações fóbicas desaparecem .
E sta “dessensibilização sistem ática” é hoje tão b em -sucedida
em elim inar fobias que quase pode ser aplicada p o r fórm ulas. O
tratam en to d estes tipos de "doença m en tal” é baseado ap en as na
reversão do controle coercitivo no am biente a tu a l do paciente. T era­
p e u ta s por algum tem po tem eram que estivessem tratan d o apenas
sintom as de um a desordem fóbica subjacente, desordem que então
182 M urray S id m a n

se m anifestaria de outros modos. Tais tem ores d em o n straram -se


infundados.

Formação de reação. Algumas vezes, provocados p ara agir de


m aneiras que produzem am bas, conseqüências positivas e negativas,
som os dilacerados por im pulsos conflitantes. Conflitos intensos entre
ações com petidoras são altam ente prováveis quando tem os que s u ­
prim ir fortes tendências n atu rais. F reud enfatizou o período de de­
senvolvimento d a sexualidade como a fonte de m uitos conflitos; a
im plem entação inicial (prematura) de proibições cu ltu rais co n traria o
forte reforçam ento positivo que a n atu reza provê p ara atividade se­
xual. O que devem fazer as pessoas jovens quando são ten tad as a
u su fru ir de relações sexuais sobre as quais lhe disseram serem su jas
e proibidas? Mais geralm ente, as ações hostis ou agressivas de cria n ­
ças contra seu s irm ãos, pais e outros adultos são suprim idas com
forte punição e desaprovação por p arte dos poderosos m ais velhos.
Como um rapaz, que acabou de ser repreendido in ju stam en te por
su a mãe, pode reagir a seu próprio ressentim ento e raiva depois de
ter ouvido incontáveis vezes que ele deve som ente am ar seu s pais?
Q uando som os fortem ente im pelidos em direção a u m a ação
que inevitavelm ente tra rá u m choque, u m a m an eira efetiva de nos
im pedirm os de fazê-lo é fazer o oposto. Isto ê “formação de reação”.
Podemos ter aprendido quando crian ças que exatam ente naqueles
m om entos em que estam os m ais bravos com nossos pais, o único
cam inho seguro a seguir é m o stra r grande afeição. Ou podem os
co n trariar os atrativos proibidos dos prazeres do m undo ju n ta n d o -
nos a u m a ordem religiosa celibatária. Ou, se n o sso s pais, incapazes
eles m esm os de d em o n strar am or abertam ente, p u n iram n o ssa s ex­
pressões infantis de am or, então, em ocasiões que com um ente tr a ­
riam proxim idade e afeição, podem os agir casualm ente, parecendo
não-envolvidos.
-Formação de reação não difere em princípio de q u alq u er o u ­
tra ad ap tação à coerção. Q uando o perigo se aproxim a, nós o evita­
mos. S inais de perigo podem vir do am biente externo ou de n o ssas
próprias ações e d iscu rso s incipientes. O p u n h o erguido de u m a
o u tra pessoa pode nos alarm ar, assim tam bém o pode n o ssa própria
inclinação de erguer nosso próprio punho. A form a que a esquiva
tom a depende de n o ssa história, ou de como aprendem os a m an ter
afastados choques p articulares. Seja o p u n h o de u m a o u tra pessoa
ou p nosso próprio, n o ssa reação pode ser nos voltar e correr.
Em bora a form ação de reação po ssa ser adaptativa, v an tajo ­
sa p a ra todo m undo, ela tam bém pode lim itar n o ssas opções, impe-
Coerção e suas im plicações 183

dindo-nos de nos expor a oportunidades de experiência e crescim en­


to. Aqueles que apren d eram a reagir ao am or com fuga, a responder
à generosidade com desconfiança ou a co n sid erar a sexualidade
suja, estão lim itando a qualidade e a am plitude de su a s vidas tão
efetivamente q u an to se estivessem fisicam ente restringidos. As d e s­
vantagens potenciais de form ação de reação são reconhecíveis em
expressões com uns como “medo do su cesso ”, “ren ú n cia ao p razer”,
“inabilidade p ara receber”, “m artírio”, “p u d o r vitoriano” ou “negação
da realidade”. A freqüência de tais referências em n o ssa linguagem
sugere u m a generalizada fam iliaridade com os tipos de coerção que
geram form ação de reação.

Sublimação. Em vez de n o s im pedirm os de fazer algo fazendo


o oposto, podem os canalizar a m esm a ação ou u m a sem elh an te em
um a direção aprovada. As crian ças aprendem por meio d a d esap ro ­
vação e outros tipos de punição a b rin c a r com lam a, em vez de
fezes; em vez de m a ta r anim ais selvagens, podem os evitar a conde­
nação e obier adm iração acertando-os com câm eras; proibidos pelo
costum e social e pela lei de b a te r u n s n o s ou tro s, assistim o s a
futebol am ericano, luta-livre ou box, bridge, xadrez e dam as, que
tam bém são form as socialm ente aprovadas de agressão competitiva.
Tais “sublim ações” são um modo perfeitam ente adaptativo de evitar
a censura.
Um tipo de sublim ação não-vista em qualquer laboratório é o
suposto recanalizar de im pulsos sexuais proibidos p a ra a criativida­
de artística, científica e de outros tipos. Sob a am eaça de punição
por sexualidade não-restringida, diz-se que as p esso as sublim am
voltando-se p a ra as artes e p ara as ciências — m eios de expressão
socialm ente aprovados p ara su as energias criativas. T en h a ou não
validade, esta noção persiste n a teoria p siq u iátrica e recorre como
um tem a em poesia e literatura. Seu poder de perm an ên cia dem o n s­
tra, ain d a de um outro modo, a generalizada aceitação de como a
coerção perm eia n o ssas vidas. Se classificados como sublim ação,
mesmo os m ais altos trab alh o s artísticos e in telectuais devem ser
vistos como form as de esquiva, como adaptações à coerção.
E sta visão é a fonte da crença de que agonia e dor devem
n u trir a criatividade artística, que artista s têm que sofrer an tes que
possam atingir a grandiosidade. Pode haver algum a verdade nisto,
mas ela não precisa ter n ad a a ver com sublim ação. A grande arte se
rem ete a experiências universais e o sofrim ento, significativo porque
envolve dor e privação ou perda, é do conhecim ento de todos.
184 M urray S id m a n

Projeção. A realidade nem sem pre está em harm o n ia com os


valores que a sociedade te n ta inculcar. Algumas co n d u tas que a
com unidade am eaça punir, portanto estabelecendo-as como ruins,
no en tre tan to trazem sucesso. Competição social e com ercial sub-
reptícias, fraude e m en tira em relações políticas, pessoais e de negó­
cios, agressão sexual, prom essas não -m an tid as e contratos q u eb ra­
dos, b u rla da lei e desconsideração pelo b em -estar dos outros são
vistos com m au s olhos, como am eaças ao fino verniz de civilização
que nos im pede de p u la r n a g arg an ta u m do outro. A inda assim , tais
tran sg ressõ es contra padrões éticos freqüentem ente valem a pena.
Segue-se daí que algum as vezes nos encontram os fazendo coisas
que aprendem os a tem er nos outros e a d esaprovar em nós mesm os.
Uma m aneira de esquivar do conseqüente autodesprezo é nos cegar­
mos à n o ssa própria co n d u ta atrib u in d o -a a alguém m ais, “p ro jetan ­
do-a” nos outros.
E assim vem os colegas de trab alh o subindo ao topo sobre as
costas en san g ü en tad as e as carreiras d estru íd as de se u s com pa­
nheiros, no en tan to acu san d o todo m undo de traição: ‘T odos vocês
estão a trá s do m eu em prego.” E stu d a n tes estão fam iliarizados com o
m acho sexualm ente agressivo cujos avanços são públicos e prom ís­
cuos, m as que reclam a: “Eu não consigo estu d ar; as g arotas não me
deixam em paz.” J á se disse que m entirosos são punidos não tanto
porque os outros não acreditam neles, m as porque eles não podem
acreditar nos outros.
E m bora a projeção não te n h a sido m o strad a em laboratório,
observações clínicas e cotidianas confirm am s u a realidade. S uas
origens não precisam ser coercitivas. C ertam ente, a freqüentem ente
observada projeção d as qualidades h u m a n a s em plan tas, objetos
inanim ados e anim ais n ão -h u m an o s não são necessariam ente en rai­
zadas em coerção. A inda assim , quando o ávido leitor de pornografia
se to rn a um estriden te defensor da cen su ra, é difícil im aginar o que,
exceto esquiva de auto-ridículo e da desaprovação d a com unidade,
poderia ter gerado tais ações contraditórias. De que outro modo, a
não ser como esquiva de auto-reconhecim ento, podem os en ten d er a
ação de um professor não-produtivo de negar a u m colega prom oção
ou estabilidade com b ase em su a s publicações insuficientes? Q u an ­
do o líder de u m a nação poderosa am eaça de retaliação co n tra a
p o stu ra agressiva de u m pequeno vizinho, a com unidade in ternacio­
nal im ediatam ente reconhece a desajeitada tentativa do agressor de
m ascarar su a s intenções hostis até mesm o de si m esm o atribuindo-
as à vítim a potencial. Não reconhecendo projeção como a esquiva de
autoconsciência, perpetuam os sérios problem as de interação social:
reconhecendo-a pelo que ela é, to m am o s possíveis soluções.
Coerção e s u a s im plicações 185

Deslocamento. Em vez de evitar autocondenação ou co n d en a­


ção social, su b stitu in d o ações proibidas por ações aceitáveis, ou
atribuindo n o ssas próprias tendências culpáveis a ou tro s, podem os
sim plesm ente dirigir a co n d u ta desaprovada a alguém que não é
provável de nos punir. Refreando-nos de descortesia, de u s a r a mão
pesada da autoridade, da crítica ou da violência em relação a p es­
soas que estão em posição de devolver a agressão com agressão,
“deslocam os” a ação objetável. Nós a recanalizam os em direção a
alguém que não está desejoso ou não pode retaliar.
O pequeno Z, u m a criança de dois anos, descobre que te n ta ­
tivas de tirar de cena s u a p equena irm ã não serão toleradas. Agora,
a cada oportunidade que tem , ele atinge o cachorro d a família, que
rapidam ente aprende a sair do cam inho de seu antigo com panheiro
de brinquedo.
O sen h o r X teve u m m au dia no escritório, perdendo um a
grande venda, discutindo com seu s colegas, d erru b an d o café em
papéis im portantes, esquecendo um com prom isso e vendo u m p ro ­
blema no com putador apagar s u a folha de dados. O dia de trabalho
term ina exatam ente quando ele está a ponto de explodir. Q uando ele
está saindo, o p atrão o ch am a e o adm oesta por algo que não é su a
falta. Ele discute com o patrão por s u a in ju stiça? Ele conta su a s
frustrações do dia? Ele b ate no p atrão ou am eaça de retaliar contra
toda a injustiça? N aturalm ente não; ele rapidam ente estaria sem
emprego. Assim, ain d a fervendo, o sen h o r X chega em casa e e sp a n ­
ca su a m u lh er e seu s filhos.
O professor Y sem pre se descobre de algum modo n a defensi­
va quando ele critica ou contradiz s u a m ulher. O bom professor, que
não m ais se engaja em argum entos dom ésticos, é conhecido por
toda a universidade por su a crueldade em relação às e stu d a n te s do
sexo feminino.
Porque os choques iniciadores estão escondidos d a visão,
pode d em onstrar-se difícil identificar u m a atividade p a rticu la r de
deslocamento, como u m a forma de esquiva. Agora que o pequeno Z
sempre tra ta su a irm ãzinha com afeto, podem os não reconhecer a
fonte de su a relação m u d ad a com o cachorro. O sen h o r X, culpado
pela form a como tra ta su a família, não reconhece que estresses no
trabalho estão sendo despejados em s u a vida familiar; o professor Y,
cuja vida fam iliar é harm oniosa, se su rp reen d eria se lhe fosse dito
que ele está pagando o preço por esta h arm o n ia com su a s alu n as.
Deslocamento pode ser difícil de tra ta r porque su a s raízes não sâo
óbvias.
186 M urray Sidm an

Como sugerem estes exem plos facilm ente reconhecidos, des­


locam ento é, provavelm ente, u m a ad ap tação à coerção m ais ccm um
do que alguns de nós adm itim os. Ela não n ecessariam en te ap resen ­
ta dificuldades sérias. Provavelm ente é im portante descobrir m anei­
ra s de reagir à fru stração e à punição que não nos conduzam a
problem as m ais sérios. E ntretan to , quando o deslocam ento se to m a
m al-adaptado, injusto e desg astan te req u er tratam ento.

Regressão. Um adulto algum as vezes agirã como u m a crian ­


ça, ou u m a criança como u m bebê. Tal co n d u ta “regressiva" fre­
qüentem ente perm ite evitar punição, privação ou dificuldade. Uma
criança de quatro anos descobre que defecando em s u a s calças pode
desviar a atenção da m ãe dirigida a seu novo irm ão; tornando-se
dependente e choram ingando, u m adolescente evita as tarefas e
responsabilidades que a em ergente idade ad u lta com um ente reque­
reria; um aluno de universidade foge da com petição por n o tas, reco­
nhecim ento, am izade e afeição deixando a escola e voltando ao calo­
roso e protetor círculo familiar; um hom em de m eia-idade, sem lar,
que se m antém sujo, veste ro u p as velhas, fala e faz gestos p a ra si
m esm o em público e tem b irras é levado p a ra u m a in stitu ição m en­
tal onde ele perm anece seguro das grandes privações.
Podemos d em o n strar facilm ente a regressão, prim eiro en si­
nando u m sujeito experim ental várias m an eiras de obter alim ento.
Então, punim os ou sim plesm ente param os de reforçar o ato que o
sujeito aprendeu m ais recentem ente. O sujeito rapidam ente reto rn a­
rá a um de seu s m odos m ais antigos de obter alim ento. Podemos
en sin ar um jovem rato de laboratório a obter alim ento correndo em
círculos; depois que ele atinge a idade ad u lta, nós o ensinam os a
p ressio n ar u m a b a rra — u m a ocupação m ais m adura. Então, se nós
tornarm os a b a rra im produtiva, o anim al reto rn ará ã s u a atividade
juvenil de correr em círculos. Se u m pombo não pode m ais obter
alim ento bicando um botão vermelho, ele re to m a rá à s u a atividade
anteriorm ente bem -sucedida de bicar um botão verde.
O processo é b a sta n te norm al e razoável, tornando-se "pato­
lógico" som ente quando o aju stam en to e n tra em conflito com n o r­
m as sociais e expectativas estabelecidas. O problem a real não é a
n atu re za regressiva do com portam ento, m as a coerção que a origina.
E n ten d er isso é to m a r possível tratam en to efetivo. Em vez de b u scar
fan tasias infantis, complexos sexuais ou anorm alidades desenvolvi-
m entais, o te ra p eu ta precisa ap en as en sin ar ao paciente m aneiras
m ais efetivas de adaptar-se.
Coerção e s u a s im plicações 187

O bsessões e compulsões. Atos podem se to rn a r tão freqüen­


tes e autoconsum idores a ponto de serem cham ados de "obsessivos"
ou “com pulsivos”. O bsessivam ente repetindo algo seguro, podem os
nos im pedir de fazer algo perigoso. Q uando se vê u m a pessoa exces­
sivam ente preocupada, dever-se-ia im ediatam ente su sp e ita r de que
esquiva está ocorrendo. O perigo pode ser real ou im aginado, talvez
fóbico, m as coerção social ou o u tra coerção am biental é responsável
por m u itas obsessões e com pulsões. Rigidez repetitiva é tão freqüen­
tem ente u m a form a de esquiva que u m a b u sc a por s u a b ase coerci­
tiva freqüentem ente fornecerá u m bom ponto de p artid a p ara se
fazer algum a coisa a respeito.
A sen h o ra Q tem u m a debilitante com pulsão de lavar as
m ãos. A ssim que ela toca qualq u er coisa, ela precisa im ediatam ente
d ar às s u a s m ãos u m a esfregada com pleta com ág u a quente e s a ­
bão. Ela não pode m an ip u lar um utensílio de cozinha, u m alimento,
um asp irad o r de pó, u m a peça de roupa, u m livro, u m lápis ou um
telefone sem, então, p a s s a r por seu ritu al de se lavar; quan d o quer
que ela toque seu m arido ou seu s filhos ela p recisa im ediatam ente
se lavar. Com todo este lavar de m ãos, ela não consegue term inar
n ad a que comece. A sen h o ra Q tornou-se física e em ocionalm ente
não-funcional. Ela e su a família precisam de ajuda.
Podemos ter u m a chance m elhor de d ar aju d a se, em vez de
olhar p a ra s u a história, olharm os p a ra a s conseqüências im ediatas
de seu s atos com pulsivos. Ironicam ente, as conseqüências que to r­
nam o lavar a s m ãos p ertu rb ad o r — a inabilidade d a sen h o ra Q de
interagir com su a família — são o próprio resu ltad o que m antêm
ocorrendo o com portam ento problem ático. O com pulsivo lavar as
m ãos da sen h o ra Q perm ite a ela esquivar-se d as tarefas e dos
contatos afetivos que são p arte do envolvimento familiar.
Pode ser in teressan te p erg u n ta r por su a s experiências de
infância p a ra descobrir porque ela voltou-se p a ra o lavar as mãos
compulsivo, como s u a m aneira de desengajar-se d a família. Mas
e sta investigação não resolveria o problem a im ediato. As condições
que m antêm o com portam ento, não a s u a forma, são críticas. Para
a ju d a r a sen h o ra Q e s u a família, tem os que sab er o que to m a a su a
esquiva de interações com a família reforçadora. Que punições infli­
gidas â sen h o ra Q pela família to m aram im portante p ara ela tornar-
se não-funcional? Que tipos de coerção to m a ra m a família da se­
n h o ra Q choques?
Q uando tivermos descoberto, talvez, que o sen h o r Q é infiel,
que ele é sexualm ente violento, que ele reclam a incessantem ente
sobre s u a comida, cuidado da casa e aparência, que ele a hum ilha
188 M urray S id m a n

publicam ente e que as crianças seguem su a linha, terem os desco


berto o que precisa ser feito.
Se o m arido realm ente quiser a com pulsão de s u a m ulher
cu rad a, ele te rá que aceitar terap ia p ara si mesmo; ele te rá que
ap ren d er como controlar su a própria conduta. A penas p aran d o de
distrib u ir choques ele pode im pedir su a m u lh er de reagir a ele como
a um choque. A com pulsão de su a m ulher está sendo m an tid a por
seu sucesso em protegê-la de s u a s p ráticas coercitivas. Se o sen h o r
Q recu sa-se a aceitar s u a responsabilidade por s u a condição, então
a sen h o ra Q pode ter que ser aju d ad a a fugir de fato.
Com pulsividade é um tipo de técnica de autocontrole, a ju ­
dando-nos a não afundar, m antendo-nos no cam inho reto e estreito.
Com m oderação, pode ser b a sta n te adaptativa, não n ecessitando de
tratam e n to especial. Tam bém , os elem entos de u m ato com pulsivo,
quando não-repetitivos, podem ser perfeitam ente razoáveis. Mas,
quando u m a com pulsão to rn a-se debilitadora, a terap ia efetiva re ­
quer a identificação dos choques p articulares que estão sendo esq u i­
vados. A esquiva bem -sucedida, por s u a própria n atu reza, m antém
os choques afastados, tornando-os difíceis de identificar. Aí está
porque ações que realm ente são esquiva podem parecer m isteriosas
ou inexplicáveis. E ntretanto, a experiência pode d a r ao te ra p e u ta
pistas sobre o que procurar.
Observem os o sen h o r S quando ele começa a sa ir de seu
ap artam en to p ara u m a entrevista de trabalho. Assim que ele abre a
porta p a ra sair, ele se p erg u n ta se fechou a to rn eira d a pia do
banheiro, assim ele volta p ara checar. E ntão, assegurado em relação
à água e u m a vez m ais a cam inho, ele se lem bra, assim que a p orta
se fecha a trá s dele, que a previsão do tem po previu chuva; ele teria
deixado a ja n e la do q uarto ab erta? Ele pega su a s chaves, d estran c a
a porta e vai checar a janela. Ele a tin h a fechado. Em seguida, já n a
m etade d a escada, o sen h o r S não consegue se lem brar se ele havia
desligado o fogão, depois de ferver água p ara o chã; ele sobe de volta
p a ra descobrir. Novamente, tudo está bem. D esta vez, ele chega ao
final d a escada an tes de parar: “Será que eu ouvi vozes en q u an to
checava o fogão? É m elhor voltar e me asseg u rar de que desliguei a
TV.” Lá vai ele de volta, pega su a s chaves e novam ente e n tra no
apartam ento. Ele encontra a TV silenciosa e desligada. Finalm ente,
tudo parece em ordem. Agora, a p o rta da ru a se fecha a trá s do
sen h o r S an te s que ele se lem bre de que a privada, necessitando de
um aju stam en to n a válvula, tem continuado a correr ág u a depois de
ser dada a descarga. E n co n trar a s chaves d a p o rta de baixo, su b ir
as escadas de novo, d estran car a p o rta do ap artam en to e checar o
Coerção e s u a s im plicações 189

banheiro. A privada está OK. E ntretan to , no meio d a escada ele


estala seu s dedos: “E u acabei de deixar acesa a luz do banheiro." De
volta, chave n a mão, p a ra checar a luz. E stá desligada. Finalm ente,
de novo um lance de escadas abaixo, com tu d o ap aren tem en te em
ordem , ele p e n sa ter ouvido o telefone tocar: “Eles devem estar
cancelando a entrevista.” M as quando ele consegue e n tra r no a p a r­
tam ento, o telefone e stá silencioso. “Bem”, ele decide, "talvez eles
liguem de novo. De qualquer modo, agora é m uito tarde, assim não
h á por que ir.” Ele tira seu casaco, liga as luzes, abre a s ja n elas, vai
ao banheiro, com eça a ferver ág u a n a chaleira, liga a TV e relaxa.
Se olharm os de perto p ara o senhor S, verem os este tipo de
coisa ocorrendo repetidam ente. Ele raram en te consegue sa ir do p ré­
dio. E sta observação define o problem a e a solução. A com pulsivida-
de do senhor S, p ertu rb a d o ra porque ela o im pede de sair p ara o
m undo, está sendo m an tid a por e s ta m esm a razão; ela lhe perm ite
esquivar de contato com o m undo externo. Mais u m a vez, a coerção
tom ou conta; um am biente am eaçador to m o u o sen h o r S um a u tô ­
m ato.
Que choques esperam pelo sen h o r S lã fora? A cidentes? Rou­
bos? A ssaltos? F racasso no em prego? Rejeição? Pode não im portar.
S aber exatam ente o que tornou o seu am biente em um grande cho­
que pode se provar irrelevante. Talvez, como com o u tra s fobias, um
program a de dessensibilização sistem ática seja suficiente p a ra livrá-
lo da esquiva. Se u m a am eaça real existe lá fora, en tretan to , um
te ra p e u ta deve te r que descobrir o que é an te s de ser possível en si­
n a r ao sen h o r S meios m ais adaptativos de m anejá-la.

D esordens de conversão. Hipocondria, freqüentem ente


aprendida cedo n a vida, desde h á m uito tem po tem sido reconhecida
como u m a m aneira de se evadir de punição ou de sim plesm ente se
proteger da desagradabilidade. Doença é presum ivelm ente incontro-
lãvel, assim a com unidade aceita-a como u m a d escu lp a legítima
para tratam e n to especial. Quem, quando criança, não fingiu u m a
doença p ara não ir à escola ou, m ais tarde, p a ra pospor u m exame,
um encontro e stressan te ou u m a obrigação difícil? Desenvolver pro­
blem as corporais reais é u m a adaptação sim ilar, m as m ais íncapaci-
tadora, a pressões coercitivas.
T om ar-se cego, m udo ou incapaz de a n d a r pode aliviar al­
guém de todos os tipos de obrigações e responsabilidades. Dor per­
sistente nos om bros ou p aralisia nos dedos são m an eiras resp eitá­
veis, p a ra filhos talentosos de pais am biciosos, de esquiva da vida
restrita e com petitiva de um violinista concertista; “cãibras de escri-
190 M urray S id m a n

to r” dão a u m au to r sem sucesso u m a alternativa aceitável p a ra um


beco sem saíd a n a carreira sem ter que adm itir o fracasso; convul­
sões de tipo epiléptico têm sido vistas dim inuir quan d o elas deixam
de provocar a solicitude u su al da família. Em todos estes casos, um
aju stam en to com portam ental ao estresse parece ter sido “conver­
tido” em u m ajustam ento físico. O term o “h isteria” é freqüentem ente
aplicado.
Uma desordem de conversão não precisa im plicar u m fingi­
m ento consciente. O controle externo sobre a co n d u ta pode ser tão
invisível para o sofredor como o controle dentro do corpo e igual­
m ente poderoso. Uma paralisia pode ser histérica, m as a vítim a é
tão incapaz de erguer-se e an d ar como se a c a u sa fosse esclerose
m últipla ou derram e.
Com a falta de uso, o m em bro pode se deteriorar, “confir­
m ando”, assim , a b ase física d a doença. S intom as histéricos sem pre
produzem seu s próprios desconfortos, desvantagens e m esm o p u n i­
ções. A continuação de u m a desordem de conversão req u er que a
coerção sendo evitada perm aneça m ais problem ática do que a s pe­
nalidades que a própria desordem impõe. Se a doença realm ente se
to rn a m ais aversiva do que a coerção que a iniciou, o p aciente pode
e sta r em um a arm adilha. Como livrar-se da doença física sem a rris­
car a acusação de fingim ento deliberado? A fé no cu ran d eiro provê
um cam inho seguro. Q uando quer que o “toque da c u ra ” faça com
que paralíticos de longa d ata saiam de su as cadeiras de rqdas, cegos
voltem a ver, ou m udos voltem a falar, é razoável b u s c a r por in d ica­
ções de que a desordem de conversão havia se to m ad o m ais estres-
san te que s u a s condições originadoras. Em casos de c u ra s m ilagro­
sas, sem pre deve se su sp e ita r de desordens de conversão.

Am nésia, fu g a e personalidade múltipla. Em vez de reagir a


pressões coercitivas in ten sas com prom etendo algum a função física,
podem os to rn a r inativa u m a função com portam ental. Por exemplo,
podem os perder n o ssa memória. Em bora não classificada com um en-
te como u m a desordem de conversão, a perd a da m em ória freqüen­
tem ente tem as m esm as origens no estresse am biental que a perda
histérica de u m a função corporal. Em vez de esquivar da coerção,
tornando-nos fisicam ente incapaz, podem os nos to rn a r com porta-
m entalm ente incapazes.
Todo m undo tende a esquecer seletivam ente. É p a rtic u la r­
m ente provável que lem brem os incorretam ente de experiências d e sa ­
gradáveis, sendo totalm ente incapazes de lem brá-las ou transfor-
m ândo-as e reinterpretando-as. O com ponente de esquiva do esque-
Coerção e s u a s im plicações 191

cimento seletivo é evidente. E ntretanto, algum as vezes experiencia-


mos um conjunto de infortúnios, hum ilhações ou p erd as tão visíveis
p ara todo m undo que esquecê-los seletivam ente não seria obviam en­
te razoável. Podem os então sofrer u m a perda geral de memória,
tornando-nos incapazes de lem brar nosso nome, endereço, família e
amigos, h istó ria educacional e profissional ou trab alh o atu al. Uma
tal perda de identidade, to rn ad a legítima pelo diagnóstico médico,
“am nésia", efetivam ente tira de cena especificidades insuportáveis
do passado.
Mesmo n a am nésia total, m uito com portam ento perm anece.
O indivíduo com am nésia ain d a pode conversar, ler, escrever, racio­
cinar. fazer aritm ética e nom ear as cores, form as e funções dos
objetos; a linguagem u su alm en te se m antém intocada. Assim tam
bém o an d ar, vestir-se, comer, exibir m aneiras e costum es u su a is e
dirigir um carro. A m nésia não precisa rep resen tar fingim ento, em bo­
ra a distinção po ssa ser difícil, u m a vez que a s c a u sa s iniciadoras da
am nésia histérica e da am nésia falsa podem ser as m esm as. E n tre­
tanto, a seletividade do esquecim ento ap o n ta p ara a utilidade de
considerar, m esm o a am nésia “geral", como um im enso ato de esqui­
va. O te ra p e u ta deve prim eiro se asseg u rar que a perd a de m em ória
não veio de u m a recente p an cad a n a cabeça ou de u m a doença do
sistem a nervoso. Então, torna-se im portante te n ta r descobrir que
choques intensos ou que pressões coercitivas persisten tes a am nésia
perm ite que o sofredor evite.
U m a perda defensiva de m em ória pode ser m ais fácil de
su ste n ta r realm ente fugindo do am biente norm al, assu m in d o um a
nova identidade em um lugar novo. Uma pessoa em tal "estado de
fuga” pode perm anecer fora por ap en as u m breve período, ou pode
desaparecer por tem po suficiente p a ra en co n trar um novo emprego e
estabelecer novas relações pessoais, talvez até mesm o casar-se de
novo e com eçar u m a o u tra família. Se a nova vida finalm ente d esen ­
volve seu s próprios estresses insuportáveis, a solução pode ser um
retom o à vida anterior, sem n en h u m a m em ória do que ocorreu
du ran te a fuga.
O m arido ou a esposa por m uito tem po au sen te s são fre­
qüentem ente recebidos de volta n a antiga família com os braços
abertos. Mas m esm o quando o retorno é fortem ente reforçado, os
estresses que originalm ente levaram à fuga provavelm ente voltarão à
tona e, tam bém , a fuga am nésica. A tolerância inicial, altam ente
reforçadora, seguida pela retom ada do controle coercitivo, pode re s­
tabelecer um ciclo recorrente. Temos então o caso, que não é inco-
mum, do m em bro da família que freqüentem ente desaparece e que
192 M urray S id m a n

inevitavelm ente reto rn a depois de recu p erar s u a memória. A respei­


tabilidade p siquiátrica d a “am nésia" e da “fuga” to m a possível p ara
a família tolerar este tipo de ajustam ento, ain d a que “ele esteja
tom ando seu pão e o com endo tam bém ”. Porque os com ponentes de
fuga e esquiva do ciclo são tão fáceis de detectar, fam ílias que são
m ais inform adas sobre a biologia e o com portam ento h u m an o s m e­
nos provavelm ente toleram estados de fuga recorrentes. (O pai que
recebeu de volta o Filho Pródigo talvez te n h a sido cuidadoso para
não reintroduzir controle coercitivo e o Filho Pródigo, natu ralm en te,
não afirm ou estar sofrendo de am nésia.)
Na am nésia sim ples u su alm en te dividimos n o ssa vida em
d u as zonas de tempo; um período no p assad o d ista n te não m ais
existe p ara nós. (Uma pessoa cuja am n ésia é produto de u m dano
cerebral pode se lem brar do p assad o distante, m as ser incapaz de
lem brar qualquer coisa que aconteceu depois do dano.) Em um
estado de fuga, dividimos n o ssas vidas, m enos em períodos de tem ­
po e m ais em zonas geográficas, com cada am biente controlando um
repertório com portam ental diferente e im pedindo os estresses do
outro am biente. N aturalm ente, por si mesmo, o controle am biental
não é anorm al. Um professor age diferentem ente n a sala de au la e
em reuniões de departam ento, ou em casa, ou em u m a festa, m as
diferentem ente dos am bientes controladores d u ran te um estado de
fuga, estes não são isolados u n s dos outros; o professor pode se
lem brar do que aconteceu em cad a u m deles.
Em u m a terceiro aju stam en to am nésico, perm anecem os
m ais ou m enos no m esm o am biente e n a m esm a referência de tem ­
po, m as dividimos n o ssa vida em zonas de co n d u ta independentes.
A sen h o rita X, u m a pessoa que m aneja de modo m aduro e capaz
s u a própria vida e a de su a família, algum as vezes — sem qualq u er
m u d an ça de localização — to rn a-se repentinam ente infantil. Ela é
agora a senhorita Y, frágil, exigente e dependente física e em ocional­
m ente de s u a família e de seu s amigos. Então, freqüentem ente, sem
n ad a que obviam ente o provoque, ela se to rn a a sen h o rita Z, um a
reclu sa que não m ais reconhece fam ília e amigos. À m edida que os
estresses associados com um padrão de com portam ento se to rn am
insuportáveis, ela m u d a p ara outro, sem seguir qualquer seqüência
p articu la r de tempo. E n q u an to engajada em cada p adrão p articular,
ela seletivam ente esquece os outros. Os três modos de co n d u ta são
independentes; as sen h o ritas X, Y e Z não sabem d a existência
um as d as ou tras. Estes ajustam entos, que acontecem sem qualq u er
relação óbvia com tem po ou lugar, são freqüentem ente cham ados
“personalidade m últipla”.
Coerção e s u a s im plicações 193

Como o estado de fuga, a personalidade m ú ltipla é m ais


provável de se r aceita sem alarme, e até m esm o reforçada com a te n ­
ção especial, se os entes queridos são relativam ente desinform ados
sobre as cau sas do com portam ento. U m a su p erstição com um s u s ­
te n ta que personalidades são m anifestações externas de seres in te­
riores. em vez de resultados de processos biológicos e com portam en-
tais. E sta crença tornou possível p ara algum as com unidades conti­
n u a r vendo a personalidade m últipla como, talvez, u m aju stam en to
incom um , m as, no entanto, aceitável. Elas certam en te não conside­
ram que ela requeira tratam en to médico ou com portam ental. Uma
publicidade generalizada n a m ídia e reem bolso financeiro por edito­
res exploradores tam bém têm ajudado a p erp etu ar esse a ju sta m e n ­
to.

O que é “anormal”?
J á deveria ser evidente que a crise com portam ental é um
resultado direto de processos de controle norm ais; co n d u ta anorm al,
tam bém , é regida por leis. Assim como a pesq u isa sobre reações
coiporais norm ais a ataq u es virais levou à possibilidade de prevenir
a influenza, a pesquisa sobre aju stam en to s com portam entais n o r­
m ais ao controle coercitivo tem levado à possibilidade de m elhorar
algum as form as de doença m ental.
C laram ente, m uitos fatores podem co n tribuir p ara a doença
m ental e qualquer caso p articu lar requer a consideração de todas as
possibilidades: sociais e individuais, in tern as e externas. Mas no
final, vem os doença m ental n a conduta. C om preender e fazer algo
sobre a anorm alidade requer análise com portam ental. Q uando efe­
tuam os essa análise, freqüentem ente descobrim os que as leis do
controle coercitivo, atu an d o por meio de contingências de punição,
fuga e esquiva, fornecem bases efetivas p ara tratam en to .
E m bora u m a com preensão do cará ter ordenado do com porta­
m ento p o ssa trazer a prevenção e a c u ra de m u itas doenças m en­
tais, m uitos p siq u iatras e psicólogos agem como se tal com preensão
não fosse possível. P ara definir anorm alidade eles não especificam
processos com portam entais m as, em vez disso, u sam grosseiros cri­
térios estatísticos. Eles vêem com su sp eita e ten tam c u ra r qualquer
ação que se desvie do usual.
P ara onde nos teria trazido a m edicina científica se tivesse
considerado a influenza anorm al apenas porque era relativam ente
rara? A lógica teria nos dito, então, que o problem a da influenza
poderia ter sido resolvido do modo m ais duro — livrando-se dela —
194 M urray S id m a n

ou do modo m ais fácil — p assan d o -a p ara todo m undo e, assim ,


to rn an d o -a “norm al”. A doença m ental, tam bém , definida e statistica­
m ente, poderia logicamente ser elim inada como um problem a to r­
nan d o todo m undo m entalm ente doente.
A definição estatística de anorm alidade levanta m ais do que
um problem a sim plesm ente lógico. Vivemos em u m a sociedade com ­
plexa e o que u m a com unidade adm ira ou tolera, u m a o u tra conde­
n a ou proíbe. C onduta que seria ricam ente recom pensada em Los
Angeles, envia os cidadãos de B oston p ara terapia. Sob a capa do
cuidado acadêmico, encontros universitários encorajam detalhism o
e sofisticação que não seriam tolerados em qualq u er reunião de
negócios entre executivos; universidades e em presas atra em pessoas
que não poderiam aceitar ou sobreviver aos costum es u n s dos ou­
tros. Quem deve dizer que am biente, que grupo, é anorm al — se
algum o é? Na prisão a sociedade releva e até m esm o en co raja a
m esm a violência — pelos que a g u ard am e a habitam , igualm ente —
que condena em todos os outros lugares; ações que são anorm ais
fora da prisão são norm ais dentro dela.
Porque não conseguim os nos conform ar aos co stu m es de um
segm ento p articu lar d a sociedade, isto to rn a nosso com portam ento
doente? Precisam os de tratam en to ? Seguir estritam en te este critério
elim inaria toda criatividade; por definição, criatividade é a produção
do não-usual. Infelizmente, a rotulação da criatividade como an o r­
mal realm ente ocorre m ais freqüentem ente n a arte, lite ra tu ra e ciên­
cias do que é com um ente assum ido. Isto tam bém ro tu laria todo
desem penho superior como anorm al. Mais u m a vez, infelizm ente, os
m ais com petentes são freqüentem ente rotulados como anorm ais:
atletas excepcionais freqüentem ente são vistos como estran h o s, per­
form ers p ara nosso divertim ento; os m ais capazes den tre os alu n o s
de segundo grau são colocados no ostracism o e até m esm o persegui­
dos por seu s colegas m enos intelectualizados; o gênio científico é
estereotipado como superespecializado, lim itado n a s u a adap tab ili­
dade geral — um tipo de sábio desligado e idiota.
T entativas de q u eb rar o raciocínio circular não-produtivo,
que ro tu la qualquer coisa n ão -u su al como anorm al, têm levado a
o u tras definições de anorm alidade. Algumas organizações profissio­
nais listam critérios absolutos p ara o que é norm al. U sando seu s
critérios, elas estabelecem padrões de saú d e m ental. E stes padrões
absolutos de norm alidade, em bora baseados nos vocabulários da
m edicina e d a psicologia, não são, freqüentem ente, m enos a rb itrá ­
rios que os critérios estatísticos. Eles q u ase sem pre requerem con­
form idade a crenças que são pouco m ais que preconceitos pessoais
Coerção e s u a s im plicações 195

sobre o que é e o que não é saudável. Em bora b an h ad o s em respei­


tabilidade profissional, eles raram en te têm validade científica ou
clínica.
M uitos p siq u iatras estão descobrindo que su a s teorias sobre
relações “n o rm ais” entre sexos, estão sendo desafiadas p o r m ulheres
que se recusam a desem p en h ar papéis tradicionais. E assim , eles
rotulam o fem inism o m oderno como não-saudável, n ecessitan d o de
tratam en to , precisando ser curado. A própria coerção que a socieda­
de coloca sobre as m ulheres que seguem cam inhos diferentes d a­
queles que foram m apeados p ara elas é citada como prova d a an o r­
m alidade fem inista: “Elas estão ap en as p ro cu ran d o p roblem as.” Os
padrões absolutos de norm alidade fem inina são b asead o s em trad i­
ção cultural, não em análise científica.
Uma situação sem elhante existe com relação à preferência
sexual. M uitos psicólogos, refletindo a hostilidade pública em rela­
ção à hom ossexualidade, a pro n u n ciam como desviante e oferecem
cu ras. T entativas de im por critérios absolutos de norm alidade se ­
xual não consideram que m uitos hom ossexuais se sentem perfeita­
m ente bem consigo m esm os e que m uitos ou tro s iriam se sen tir bem
se não fosse pelas pressões coercitivas que são exercidas sobre eles.
Dizer que as fontes de todo com portam ento, norm al ou an o r­
mal, são elas m esm as norm ais, não é neg ar a existência da an o rm a­
lidade. Algumas co n d u tas ch am ad as de anorm ais, ou doentes, po­
dem ser valiosas p ara a com unidade, ou podem sim plesm ente ser
diferentes. Nesses casos, o rótulo “doença” m ais provavelm ente cau ­
sa rá sofrim ento, do que cu rará sofrimento. No en tanto, m u itas for­
m as incom uns de com portam ento nos incom odam não ap en as por­
que são diferentes, m as porque realm ente cau sam sofrim ento. Ainda
que elas sejam freqüentem ente difíceis de classificar, não podemos
negar a realidade d a depressão, das fobias e de outros “m ecanism os
de defesa” e de vários tipos de esquizofrenia: todas elas precisam ser
tra ta d a s tão efetivam ente q uanto saibam os.
E, algum as vezes, a seg u ran ça da com unidade está em jogo.
A ssassinos de m assa, espancadores de m ulheres, m olestadores de
crianças, crim inosos sexuais e outros casos de violência patológica
são seguram ente anorm ais com bases o u tras do que s u a relativa
raridade. Tam bém precisam os tratá-los, mesm o que eles não dese­
jem aceitar tratam ento. Se não sabem os como chegar às fontes de
su a s anorm alidades, ap en as podem os adm itir n o ssa ignorância e
colocá-los onde eles não possam nos m achucar.
Mas se u m a anorm alidade é desejável ou não, e se deveria
ser tratad a, $empre envolve julgam entos de valor. E o m ais efetivo
196 M urray S id m a n

dos tratam e n to s sem pre su rg irá de u m a com preensão do estado


norm al. Na m edicina, a definição de u m a doença req u er a identifica­
ção de processos internos que estão produzindo os sin to m as exter­
nos. Na análise do com portam ento, a definição de doença req u er a
identificação de processos que estão produzindo e m antendo q u a is­
quer ações que considerem os como nos incom odando. Identificando
as contingências norm ais que su sten ta m o que decidim os ser um
com portam ento-problem a, abrim os a possibilidade de ir além de
nossos julgam entos de valor.
12

Coerção e a consciência

U sualm ente nos movemos suave e facilm ente de u m a ação


p ara outra, sem m u ita atenção ao que estam os fazendo ou se deve­
ríam os fazê-lo. Mas algum as vezes nos sentim os divididos pela inde­
cisão, em purrados de um lado p ara o outro, de u m a ação p ara
outra: “Devo oü não devo?” Podemos não e sta r certos sobre como
fazer algo corretam ente ou sobre o que acontecerá depois. Mas,
freqüentem ente, sabem os exatam ente como fazer a s coisas que nos
sentim os im pelidos a fazer e qual será o resu ltad o de cad a opção;
nós vacilam os porque os resultados conflitam.
Podemos en co n trar oportunidades de fazer n o ssa fortuna to­
m ando certo cam inho, aceitando su b o rn o s e deixando outros “se
safarem com assa ssin a to ”, ou “enganando viúvas e órfãos”, ou in ­
ventando dados que receberão bolsas de p esq u isa e prêm ios. Ao
m esm o tempo, correm os o risco de serm os descobertos, de condena­
ção pública, m u ltas e prisão. Ou podem os nos m a n ter no cam inho
seguro e estreito, continuando a ter u m a existência financeira m ar­
ginal, não m agoando ninguém m ais e m antendo-nos livres do risco
de punição. Conflitos sem elhantes surgem quando a lata de biscoi­
tos te n ta u m a criança, quando um e stu d an te em prova pode ver a
folha do colega, quando um candidato a emprego pode assu m ir um a
198 M urray S íd m a n

história educacional não-existente ou quando alguém em regime se


defronta com um cardápio cheio de com idas proibidas.
O conflito entre certo e errado freqüentem ente nos atinge
tão fortem ente que parece que sentim os o p u x ar e esticar de forças
in terio res. D estas forças, a co n sciên cia su p o sta m e n te n o s m a n ­
tém do lado dos anjos. Uma vez que te n h am o s u m a co n sciên cia
bem -desenvolvida, podem os não m ais sen tir as tentações, m esm o
sem conflito, nos com portam os legalm ente, eticam ente, decentem en
te, responsavelm ente, em penhadam ente e com integridade. A penas
algum escorregão ocasional d esperta as antigas dores de consciên­
cia. Mas leva tem po até atingirm os aquele estado exaltado no qual
au tom aticam ente rejeitam os toda tentação.
N aturalm ente, não sentim os u m a coisa ch am ad a consciên­
cia. Sentim os ten d ên cias p a ra agir, ações incipientes e tentações,
com portam ento preparatório verbal e de outro tipo que precedem
ações abertas. Uma coisa ch am ad a consciência não dirige ou su p ri­
me nossa atividade; consciência é um nome conveniente, u m a m a­
neira resu m id a de nos referirm os à n o ssa tendência de fazer a coisa
certa quando contingências conflitantes nos em p u rram p ara dire­
ções opostas, particularm ente, quando pelo m enos u m a d essas con­
tingências levariam ã punição.
M uitos consideram a consciência, a habilidade p a ra d istin ­
g uir o certo do errado e de rejeitar o errado em favor do certo, como
sendo u m a qualidade p articu larm en te h u m an a. Mas ninguém que
te n h a observado crian ças crescendo pode acred itar que elas te ­
n h am nascido com u m a consciência. C rianças p eq u en as são b a s i­
cam ente egoístas. D u ran te seu s prim eiros anos, crian ças — pelo
m enos aquelas em sociedades econom icam ente a b a s ta d a s — m a n ­
têm -se os suprem o s egoístas, certas de que o m undo gira a seu
redor e existe ap en as p a ra satisfazer todas as s u a s necessidades, os
seu s desejos e a s su as vontades. Elas não vêm eq u ip ad as com
preocupação pelo b em -estar e pelos direitos dos outros. S u a s p ró ­
prias prioridades dom inam . Como se desenvolvem as noções de
certo e errado? Como essas noções se traduzem no que cham am os
de consciência, u m term o que rep resen ta a transform ação de u m a
criança de u m organism o au to cen trad o em u m ser h u m an o ético e
resp eitad o r d a lei?

Origens da consciência
As raízes da consciência estão no controle coercitivo. Punição
real ou am eaçada nos en sin a o significado de "ruim ’'. Tendo sido
Coerção e s u a s im plicações 199

punidos nos refream os de ações m ás (punidas). Entàct, atribuím os à


consciência os atos de esquiva que a punição gerou. .
No pensam en to freudiano, consciência é sim plesm ente um
outro nom e p a ra o superego, que se supõe su rg ir dos conflitos que
acontecem dentro de nós ã m edida que a sociedade im põe su a m ora­
lidade sobre nós. Inventam os m ecanism os in tern o s como consciên­
cia e superego p a ra aju d ar a explicar porque inibim os im pulsos
anti-sociais, egoístas, im orais ou antiéticos.
Tendem os a esquecer as fontes p rim árias de coerção das
quais derivam os a noção de consciência. O conceito freudiano de
superego ê valioso porque enfatiza a s origens sociais de n o ssa s defi­
nições de certo e errado. U sualm ente falam os de consciência quando
pessoas — não o am biente inanim ado — nos aplicaram a s punições
que produzem conflitos posteriores. Confiando n a “p eq u en a voz in te­
rior” p ara nos m an ter no cam inho d a correção e afabilidade, dam os
à voz crédito por n o ssa co n d u ta ética e m oral e culpam os nossos
lapsos por su a s deficiências. Esquecem os a h istó ria de coerção so­
cial da qual a voz se origina. Consciência é u m fenômeno social.
Com eçando m ais u m a vez com um rato de laboratório que
aprendeu a p ressio n ar u m a b a rra e obter alim ento, podem os real­
m ente ver o início d a consciência. O anim al p a ssa seu tem po tra b a ­
lhando e ganhando a vida respeitavelm ente. Se ele p u d esse falar,
não h á certeza de que ele afirm asse se r feliz, m as ele indiscutivel­
m ente diria que estava fazendo a coisa certa: “Quem e stá falando de
felicidade? Você faz o que tem de ser feito.”
Agora, as contingências m udam , como freqüentem ente acon­
tece em nosso m undo. Por algum a razão, p ressio n ar a b a rra se
torna ruim , até m esm o criminoso; não m ais deve ser tolerado. Q ual­
quer um engajado naquele ato proibido deve ser punido. Assim, em
vez de obter alim ento, n a próxim a vez em que p ressio n a s u a barra, o
anim al recebe um breve choque em s u a p a ta — u m a palm ad a na
mão, por assim dizer. Ele te n ta a b a rra m ais u m a vez e de novo é
punido. O anim al se retira p ara o outro canto d a caixa.
Mas, o ato de p ressio n ar a b arra tem u m a longa h istó ria de
reforçam ento; a sociedade sem pre o encorajou como um modo re s ­
peitável de g an h ar a vida. Portanto, ain d a que proibida agora, a
b a rra co n tin u a a te n ta r o anim al. Novamente ele se aproxim a, em bo­
ra cuidadosam ente, e se estica, m as p u la de volta como se tivesse
recebido u m choque — ain d a que ele não te n h a realm ente tocado a
bárra.
O anim al co n tin u a a vacilar entre aproxim ação e afastam en ­
to, algum as vezes voltando p a ra trá s ou m esm o pu lan d o p a ra trá s
200 M urray S id m a n

depois de d a r apenas alguns p asso s em direção à b a rra e ocasional­


m ente aproxim ando-se e esticando seu corpo q u ase até alcançã-la.
R aram ente ele vai tão longe a ponto de realm ente p ressio n ar a b a rra
e levar u m choque; u su alm en te ele p á ra quan d o a ponto de to car a
b arra.
N ada acontece quando o anim al olha p a ra ou se m ovim enta
em direção à barra. No entanto, ele se retrai fortem ente cad a vez que
m ostra tentação, como o faria em resp o sta ao choque. Algumas
vezes ele reage como se tivesse levado u m choque depois de sim ples­
m ente virar s u a cabeça em direção à b arra. Notam os que o sujeito
com eçar a ficar longe da b arra, m antendo a ten tação à distância.
Logo, vemos o anim al se orientando em direção à b a rra m enos e
m enos freqüentem ente e, finalm ente, ele age como se a b a rra não
m ais existisse.
Nosso sujeito, se p u d esse falar, agora provavelm ente nos di­
ria que ele não estava, afinal de contas, fazendo a coisa certa. Pres­
sionar a b a rra acabou sendo ruim . Se nosso sujeito fosse u m fre­
qüen tad o r de igreja cheio de fé, poderia confessar que havia sido um
pecador, ain d a que agora tivesse renascido. S u a consciência tin h a
se to m ad o forte o suficiente p a ra resistir à diabólica ten tação da
barra.
O que realm ente aconteceu aqui? Por que falar sobre co n s­
ciência? Onde estã a p equena voz interior?
Agora observe u m a criança, que e stá deixando de ser um
bebê de colo, que n a d a experienciou a não ser adm iração por toda
nova evidência de habilidade sensorial e m otora. E n corajada a reagir
a novos sons e objetos vistos, a crian ça foi ab raçad a e b eijada por
te n ta r alcan çar e tocar a face d a m ãe, por te n ta r p u x ar os d en tes do
avô, por virar as páginas de livros, por ligar e desligar botões e
in terru p to res de luz, por pegar blocos e deixá-los cair através de
buracos. Agora ela se a rra s ta e engatinha. S eu universo g randem en­
te aum entado coloca a exploradora em contato com inum eráveis
novas form as, cores, lum inosidades, b aru lh o s, odores e tex tu ras. A
luz refletida d a superfície de u m vaso de cristal em u m a prateleira
baixa abre novas possibilidades de experiência e o en g atin h ad o r está
a cam inho p ara tocar, p u x ar e em purrar. Q ue prazeres g u ard a este
novo objeto?
M as m am ãe, com eçando a avaliar os d anos potenciais no
universo em expansão de seu filho, está m antendo os olhos bem
abertos. E xatam ente quando o pequeno e stá a ponto de em p u rra r o
vaso, ela dá um pulo, d á u m a palm ada e grita: “Não, não! Não toque!
É feio!
Coerção e s u a s im plicações 201

Bem, isto é algum a coisa nova. Removido p a ra o outro lado


da sala. o b e b ê ó íh a e vê o vaso, ain d a brilhando, ain d a inexplorado
e a tentação é forte. M amãe, olhando exatam ente q u an d o a mão de
novo te n ta alcan çar o vaso, diz rispidam ente: “Não! É feio!" O bebê
rapidam ente tira su a mão e en g atin h a em o u tra direção.
M as a tentação perm anece. Afinal de contas, e sta crian ça
p asso u grande parte de s u a vida explorando; p a ra que m ais serve o
m undo? Assim, de volta ao vaso. Mas d esta vez, à m edida que a mão
se levanta nós ouvimos a criança dizer: “Não, não! Feio! Não toque!"
tendo produzido seu próprio sinal de aviso, o bebê m ais u m a vez se
afasta.
C ontinuan d o a vacilar entre aproxim ar-se e afasta r-se a
criança diz o sinal de aviso m ais e m ais baixo até que o sinal se
torna com pletam ente silencioso — internalizado. A proxim ação, ta m ­
bém, se to rn a m enos freqüente à m edida que o bebê en co n tra o u tras
coisas para explorar e m anipular. Finalm ente, o vaso não m ais o
tenta.
Em bora as p articularidades d estes dois exemplos, do rato de
laboratório e d a criança, difiram consideravelm ente, eles envolvem
os m esm os princípios. Ambos foram punidos e ten d ên cias de repetir
seus atos punidos p assaram a servir como sin ais de aviso. C ada um
deles afastou-se em reação aos avisos que s u a própria co n d u ta pro­
via. As reações d a mãe, tam bém , avisaram a crian ça de punição
im inente, aproxim ar-se do vaso ain d a atrativo m as proibido provo­
cou n a criança tan to o afastar-se como a reprodução do aviso da
mãe. O anim al, n atu ralm en te, não podia falar, m as se u s próprios
m ovim entos em direção à b a rra tiveram a m esm a função de aviso
que teve a fala p a ra a criança.
Ambos, criança e rato, g radualm ente reduziram a m agnitude
de seu s sinais com portam entais de aviso até que estes fossem final­
m ente internalizados — não m ais visíveis p ara q u alq u er o u tra p e s­
soa. A principal diferença e stã n a habilidade d a criança de co n d en ­
sar m uitos sinais de aviso diferentes em ap en as u m a p oucas p ala­
vras: de início, “Feio!” e, quando m ais velha, “Ilegal!” ou “Imoral!". A
consciência do rato pode consistir ap en as de sin ais não-verbalizados
de seu próprio com portam ento incipiente, um sinal diferente p ara
cada ação punida. A consciência da criança é d esp ertad a não ap e­
n as por tendências à ação diretam ente p u n id as, m as tam bém por
palavras que levam a ou acom panham punição. Daí, a “p eq u en a voz
interior”. E ntretanto, verbal ou não-verbal, a consciência é com posta
de com portam ento que serve, ele mesmo, como um sinal de aviso e,
por su a vez, traz à to n a a esquiva.
202 M urray S id m a n

Atualmente é sabido o suficiente sobre a ação da punição e


sobre seus efeitos colaterais destrutivos, p ara que questionemos s o ­
bre o princípio de confiar n a consciência, um produto de coerção,
para socializar nossos filhos basicam ente egocêntricos. Certamente,
os m ais cínicos entre nós h á muito abandonaram a fé n a consciên­
cia como um mecanismo p ara garantir a decência e moralidade
adultas.

Consciência e controle
Monitorar todas as ações de todas as pessoas não é apenas
repugnante por princípio, m as é tam bém impossível. Apenas d u ra n ­
te a infância a completa supervisão é m ais ou menos factível e o
desenvolvimento da consciência é u m dos principais objetivos do
treinam ento e educação iniciais. Quando a supervisão direta se to r­
na impossível, confiamos n a consciência p ara m anter a integridade
de nossos direitos e liberdades.
Após u m a breve “lua de mel”, quando impomos poucas re s­
trições sobre as crianças, começamos a ensiná-las o que é permitido
e o que não é. Estabelecemos limites. Quase sempre o fazemos
punindo-as quando elas ultrapassam os limites. Raram ente lhes
damos algo bom simplesmente por perm anecerem dentro dos lim i­
tes, simplesmente nos refreamos de puni-las. Cientes de que os
jovens ainda não aprenderam todos os caminhos da civilização — ou
seus perigos — pais, professores e o público em geral m antêm os
olhos constantem ente abertos sobre eles, não apenas p ara proteger
sua saúde e segurança, m as tam bém para eliminar sinais de deso­
bediência, descortesia, desordem, agressão, furto ou destruição de
propriedade e linguagem "feia”. D urante a adolescência, a vigilância
se to m a de algum a m aneira ainda mais cerrada; a emergente sex u a­
lidade coloca o adolescente em contato com novos tabus.
Restrições durante a infância e a adolescência, um tem a co­
m um h a poesia e no romance, é quase universal. Inculcamos a cons­
ciência cedo, quando o controle direto é factível, punindo toda condu­
ta que não está de acordo com nossos padrões. Como o animal de
laboratório que pressiona su a barra porque é punido por fazer q u al­
quer outra coisa, as pessoas, também, aprendem a pressionar q u ais­
quer barras que não lhes tragam choques. Qualquer ação não-puni-
da se tom a segura; todas as outras vão para o saco intitulado “cons­
ciência”.
Assim como o animal de laboratório, que gasta todo seu tem ­
po esqUivando-se de choques, pessoas que têm um a consciência forte
Coerção e s u a s im plicações 203

podem an d ar em um curso estreito. Elas obedientem ente fazem o


que é esperado, raram ente ten tando algo novo. Elas são confiáveis,
corajosas, tran sp are n tes e reverentes. J u n to com estas inq u estio n á­
veis virtudes pessoais, entretanto, elas freqüentem ente consideram
criatividade u m a coisa perigosa, desaprovando-a em si m esm as e nos
outros. Elas freqüentem ente consideram a singularidade perturbadora;
ação, crença ou aparência não-convencionais am eaçam su a seguran­
ça. E quando as condições m udam , quando a sociedade relaxa algu­
m as contingências e estreita outras, elas freqüentem ente são in cap a­
zes de adaptar-se; m udanças as ultrap assam . E stes subprodutos
infelizes de coerção “efetiva” tam bém devem ser esperados quando a
com unidade constrói consciências individuais por meio de punição.
Se frutos proibidos co n tin u am a nos atra ir, a com unidade
haverá de nos con sid erar como tendo consciência fraca e sendo,
portanto, perigosos. Mesmo sem b u rla r a lei, podem os nos descobrir
com problem as. Sim plesm ente ad o tar u m estilo de vida incom um
pode nos colocar em conflito com a com unidade m ais am pla; ela
considera o diferente como não-confiável. Tam bém podem os nos
sen tir em g u erra conosco quando som os fortem ente ten tad o s a fazer
coisas que aprendem o s a ch am ar de “ru in s ” ou “perig o sas”, ou
quando nos descobrim os realm ente “indo co n tra n o ssa consciência”.
Não ap en as a com unidade deixa de confiar em nós porque não
podem os nos controlar, m as ê provável que não confiemos ou que
desprezem os a nós mesm os. E stas características distintivas de de­
sordens de personalidade e de neu ro ses são su b p ro d u to s adicionais
d as p ráticas coercitivas que a com unidade u s a p a ra estabelecer a
consciência individual.
T erap eu tas podem b u sc a r resolver nossos conflitos interiores
te n tan d o to rn a r n o ssa consciência u m m ediador m ais efetivo entre
n o ssa s n a tu re z a s predatória e altru ísta. E ntretanto, n en h u m te ra ­
p e u ta tem acesso a n o ssa “n atu re za”. O m undo externo im põe sobre
nós a consciência; ele tran sfo rm a n o ssas ações incipientes n esses
sinais de aviso que cham am os de consciência e nos coage p a ra a
esquiva que então cham am os de m oralidade ou civilização. Terapia
efetiva te rá de lidar não com forças interiores, m as com contingên­
cias reais do m undo, com relações en tre co n d u ta e conseqüência.
E ssas contingências geram nosso com portam ento adaptativo e n o s­
so com portam ento-problem a; a terap ia deve chegar a term os com as
cau sas, não ap en as com os resultados.

Podemos confiar na consciência? A sociedade depende da


consciência individual p ara sobreviver. Ela confia n a “voz interior”
20 4 M urray S id m a n

p a ra m a n te r a s afabilidades d a interação civilizada, a conciliação


prática e a acom odação necessárias p ara su b o rd in ar necessidades
individuais àquelas d a com unidade e da cu ltu ra. A sociedade ta m ­
bém alistou a religião organizada p ara aju d ar a c o n stru ir e a m an ter
a consciência adicionando a força do com ando divino. A consciência
coercitivam ente gerada alcançou s u a p reten d id a função? Ela re s trin ­
ge o indivíduo p ara benefício d a com unidade?
É um segredo bem guardado o de que a p siq u iatria, a psico­
logia e a análise do com portam ento jam ais "cu raram ” com sucesso
ações como furto, assassin ato , fraude, corrupção governam ental,
desonestidade nos negócios ou m á prática profissional. S upõe-se
que a consciência suprim e estes tipos de co n d u ta porque elas b en e­
ficiam o indivíduo às cu stas do grupo. Uma pessoa que tem “u m a
consciência defeituosa”, “cede à ten tação ”, “ouve o diabo” ou “perde
a b atalh a contra as forças do m al”, d em o n stra que a s contingências
coercitivas da sociedade não atingiram se u s pretendidos propósitos.
No caso extrem o d a “personalidade p sico p ata”, sem q u alq u er co n s­
ciência, a coerção da sociedade fracassou com pletam eijte.
Q uais são as fontes destes fracassos? Eles são in eren tes à
nossa confiança n a coerçáo p a ra co n trab alan çar os ganhos d a auto-
indulgência, agressão e crim inalidade. A sociedade desaprova afas­
tam entos de seu s códigos m orais e legais, m as todos sabem os que
m uita conduta ilegal jam ais será detectada. Os fortes reforçadores
positivos que a im oralidade e a crim inalidade colocam ao nosso
alcance são m uito freqüentem ente bem -sucedidos em d e stru ir a
consciência coercitivam ente inculcada. A voz interior é facilm ente
corrom pida.
As pessoas podem p rontam ente descobrir m an eiras de se
esquivar da punição ao m esm o tem po que obtêm ganho considerável
por b u rla r a lei. O fisicam ente forte corre m ais rápido ou b ate n a ­
queles que os puniriam . Crim inosos endurecidos, sob a proteção de
u m a organização crim inosa, am edrontam punidores potenciais
am eaçando-os ou su a s famílias, algum as vezes até m esm o colocan­
do-os fora do cam inho por meio de execuções. Uma posição de poder
político ou institucional to rn a fácil silenciar su b o rd in ad o s e asso cia­
dos qüe poderiam revelar s u a desonestidade. A posse de inform ação
im portante perm ite considerável ganho ilegal sem que q u alq u er o u ­
tra pessoa sequer saiba o que está ocorrendo. Indivíduos ricos, g ra n ­
des corporações e o u tras instituições podem g an h ar ta n to b u rlan d o
a lei que m esm o gran d es penalidades não têm q u alq u er significado
prático. G igantes económicos m antêm enorm es equipes de advoga­
dos, treinados p a ra tira r vantagens de todas as proteções in scritas
Coerção e s u a s im plicações 205

n a lei com o propósito de proteger os inocentes, e u sam -n as, em vez


disso, p a ra to rn a r a acusação dos culpados m uito difícil e cara.
D escom prom etidos com s u a pró p ria consciência, eles colocam a
consciência púb lica co n tra a com unidade.
Reforçadores positivos fortes m as ilegais podem , portanto,
d e stru ir u m a consciência e ao mesm o tem po colocá-la acim a da lei.
A m oralidade e stá se to m an d o obrigatória a p en a s p a ra aqueles que
têm pouco a g a n h a r por b u rla r o código. M ais e m ais vem os o
pequeno crim inoso, o pobre e o explorado sendo p u n id o s en q u an to
que o crim inoso do colarinho branco, o rico, o socialm ente im por­
ta n te, os presidentes de corporações que poluem n o ssa terra, ar, e
água potável em grande escala, e os donos de bancos e em presas
financeiras que enganam o público, todos m antêm os estilos de vida
que seu s ganhos to m a ra m possíveis. A m ídia hoje relata tais con­
tra ste s tão freqüentem ente que se to rn a cada vez m ais fácil p ara o
cínico arg u m e n tar que podem os confiar n a consciência p ara m an ter
apenas os fracos e pobres n a linha. .
N ossa dependência do controle coercitivo p a ra m a n ter as
afabilidades da civilização trouxe, assim , u m duplo padrão. A m ora­
lidade é freqüentem ente u m a ferram enta p a ra m an ter a consciência
daqueles que não podem correr o risco de serem pegos b u rlan d o a
lei. Ela ê apoiada, por esta razão, por aqueles que defendem os
padrões, m as os b u rlam n a prática.
Pode-se confiar n a consciência su ste n ta n d o e s ta hipocrisia
apenas por um tem po limitado. Em todo o terceiro m undo, o duplo
padrão já e stá caindo por terra. Mesmo organizações religiosas estão
hoje incitando os até então su b m isso s a b u s c a r s u a p arte por meio
de apropriação violenta e sangrenta, ações que, se s u p u n h a , a co n s­
ciência devia suprim ir. Os desprivilegiados estão seguindo a pista
dos bem -aquinhoados: “Agarre tu d o aquilo com que você p u d er se
safar. Não p erm ita que ninguém o a tra p alh e.” Nos centros de terro
rism o, a consciência já fracassou.
Mais cedo ou m ais tarde, a coerção gera contracontrole, com
a consciência individual dando lu g ar à com petição por reforçadores
positivos e negativos m ais im ediatos. Q uando a consciência, já e n ­
fraquecida, com eça a m orrer entre a m aioria coagida, então a m ino­
ria governante não conhece outro cam inho p ara preen ch er o vazio
além de a u m e n ta r s u a coerção. A civilização está se n ta d a em m uitos
vulcões. A África do Sul corre em direção à s u a inevitável b atalh a
sangrenta, en qu an to que os E stad o s U nidos grad u alm en te recriam o
m esm o cenário apoiando facções im piedosam ente coercitivas n a
Aiiiérica C entral e América do Sul. Ninguém m ais finge que a morali-
206 M urray S id m a n

dade é a questão. Controle coercitivo é ab ertam en te justificado como


u m a m a n eira p ara os fortes se protegerem dos fracos e p ara os
anteriorm ente fracos alcançarem seu lu g ar no topo.
Há algum outro modo, além de coerção, de c o n stru ir co n d u ta
que s u s te n ta rá u m a coexistência harm oniosa? Alguma form a de m o­
ralidade prática é n ecessária se a sobrevivência não perm anecer
como um privilégio ap en as dos m ais fortes, m as essa m oralidade
te rá que se r b asead a em algo m ais d u rad o u ro do que controle coer­
citivo. Não im porta com q uanto sucesso nos esquivem os de choques,
finalm ente farem os o m elhor que puderm os p ara fugir da n ecessid a­
de de esquiva. A vida dom inada pela consciência se to rn a opressiva.
Precisam os de um su b stitu to p ara a consciência.
13

Entre a cruz e a caídeirinha

A tal ponto consideram os a coerção como certa que não nos


surpreendem os ao nos encontrarm os do lado que recebe a p au lad a
ou do lado que m aneja o bastão. P ara fazer com que a s pessoas
parem de fazer coisas que nos desagradam , estabelecem os contin­
gências de punição; batem os nelas, algum as vezes figurativam ente,
algum as vezes literalm ente. P ara fazer com que as p esso as façam
coisas que nos agradam , estabelecem os contingências de fuga e
esquiva; continuam os batendo nelas até que façam o que querem os,
ou am eaçam os de b a te r se elas fizerem q u alquer o u tra coisa.
Punição, fuga e esquiva raram en te ocorrem isoladam ente
um as das ou tras. Mesmo quando pretendem os ap en as p u n ir, g era­
mos fuga e esquiva; aqueles que são punidos por nós fogem quando
nos aproxim am os. Q uando ten tam o s forçar ações particu lares, o u ­
tra s inevitavelm ente se to m am ligadas a elas; alu n o s que são p u n i­
dos param de estu d ar, fazendo, em vez disso, coisas que conduzem
a conseqüências positivas. Todos nós estam os sujeitos às leis do
com portam ento, assim , quando u m a punição que estabelecem os p a ­
rece funcionar, continuam os com m ais punição. G u ard as p en iten ­
ciários podem to m ar-se m onstros, governantes podem to rn ar-se ti­
ranos; um terapeu ta, tendo u m a vez curado u m a crian ça desespe-
208 M urray S id m a n

ran çad am en te au to d estru tiv a aplicando-lhe choques por a rra n h a r


seu s próprios olhos e pele, a p artir daí prescreve punição p a ra todos
os com portam entos-problem a. Q uando ensinam os, protegem os ou
curam os por meio de punição, u su alm en te obtem os m ais do que
querem os. Uma grande q u an tid ad e de acontecim entos sub-reptícios
ocorre n a s contingências coercitivas do m undo cotidiano.
As pessoas reagem ã coerção de m an eiras diferentes. Amea­
çadas com a perd a de u m emprego, u m a pessoa trab a lh a m ais duro
e o u tra desiste. D uas pessoas reagindo diferentem ente ao que p are­
ce ser a m esm a situação podem sugerir que am bos os atos são
pu ram en te voluntários — que n en h u m controle está envolvido. E n ­
tretanto, se olharm os m ais de perto, poderem os descobrir que a
prim eira pessoa ap ren d eu quando crian ça a com bater todo fracasso
e que a segund a pessoa, sem pre em d isp u ta com seu s colegas de
trabalho, estava, de qualquer modo, a ponto de p ro cu rar um novo
emprego.
Inconsistên cias no modo como as p esso as m anejam coerção,
ain d a que passíveis de serem traç ad as em s u a s h istó rias com porta-
m entais, levaram alg u n s a in terp reta r a variabilidade como um
sinal de liberdade do controle. Prezando n o ssa ap are n te liberdade,
eles desconsideraram a coerção a que todos estam o s sujeitos, que
dá significado aos nossos conceitos de liberdade. U m a co n seq ü ên ­
cia d esta negligência foi o fracasso em reconhecer quão com um o
controle coercitivo realm ente é e em avaliar como ele nos m antém
interagindo de m an eiras que am eaçam em vez de prom over a so b re­
vivência.
Algum as d as contingências que o m undo nos impõe nos dei­
xam sem escolhas adaptativas. Elas não nos perm item nem desligar
nem prevenir choques. Podemos estar n o s defrontando com morte,
dor, hum ilhação, desem prego, pobreza ou perd a de su p o rte emocio­
nal inevitáveis. O que acontece quando tais choques in ten so s nos
am eaçam e som os incapazes de fazê-los desaparecer, quando não
tem os lugar onde nos esconder ou p a ra onde correr em b u sc a de
seg u ran ça? E sta questão tem recebido m u ita atenção no laboratório
e os experim entos revelaram um poderoso tipo de controle coerciti­
vo.

Supressão condicionada
No experim ento básico, o sujeito, m ais u m a vez um rato de
laboratório, aprende a obter alim ento pressionando u m a b arra; mas,
como m uito de nosso próprio trabalho, o trabalho do anim al é pago
Coerção e s u a s im plicações 209

apenas ocasionalm ente; ele não obtém alim ento toda vez que p re s­
siona a b arra. Algumas vezes ele pode tra b a lh a r por cinco m inutos
sem sucesso, algum as vezes por dois m inutos, o u tra s p o r apenas
dois segundos. Na média, u m a vez a cad a 30 segundos ele obtém
alim ento quand o pressiona a b arra, m as o tem po en tre tentativas
bem -sucedidas é imprevisível. E ste esquem a m antém o sujeito tra ­
balhando estavelm ente, u m requisito im portante porque vam os pro­
cu rar por variações em s u a taxa norm al de trab alh o quando um
choque inevitável o am eaça. P ara que n o ssas observações sejam
confiáveis precisam os de u m a linha de b ase de produtividade e s tá ­
vel, da qual possam os m edir q u aisq u er afastam entos.
Agora, en q u an to o sujeito e stá trab alh an d o por seu alimento,
ligamos um sinal, u m tom que d u ra um m inuto. Ao final do m inuto,
assim que o tom cessa, um breve choque (um décimo de segundo)
aparece. D iferentem ente do choque que o sujeito pode prevenir, este
é inevitável, n a d a que o sujeito p o ssa fazer o m a n terá longe. Em bora
desam parado co n tra o choque im inente, o sujeito pode co n tin u ar a
pressionar a b a rra d u ra n te o tom e o alim ento ain d a virá como
antes.
O nde vemos isto fora do laboratório? O chefe nos ordena
para irm os, dentro de cinco m inutos, a s u a sala p a ra explicar n o ssa
decrescente curva de vendas. E stam os livres p a ra co n tin u ar ligando
para clientes e assim fazer n o ssas v endas au m en tarem , ou p ara
conversar com a secretária, ou p a ra beber u m copo de água, m as
estam os n a m esm a posição que o anim al, confrontados com um
choque inevitável. E speram os não en co n trar este tipo de situação
com freqüência, N enhum a restrição física é colocada sobre nós e,
ainda assim , com relação ao choque, não tem os opções; não h á
m aneira de fugir ou esquivar.
No laboratório, depois do tom e do breve choque, p assa-se
um intervalo de duração imprevisível an tes que o sinal ap areça de
novo. Uma vez que ele volte, ele perm anece por u m m inuto e term i­
na com o choque inevitável. De quando em quando, o sujeito expe-
riencia este paream ento entre tom de u m m inuto e choque breve,
mas pode co n tin u ar a obter alim ento d u ran te e en tre os sinais de
aviso.
Uma vez que o anim al n ad a pode fazer em relação ao choque
im inente, poder-se-ia esp erar que ele sim plesm ente se m antivesse
trabalhando p a ra viver, d u ran te os sin ais de u m m inuto. Se ele
pudesse falar, ele sim plesm ente poderia dizer: “A vida é assim ; por
que lu ta r contra o m undo?” M as não é isto que u su alm en te aconte­
ce, o sujeito não tra ta o sin al de aviso com tal resignação filosófica.
210 M urray S id m a n

Depois de algumas experiências com a seqüência tom /choque, o


sujeito m uda drasticam ente seu comportamento quando o tom é
ligado. Ainda que ele pudesse continuar a obter alimento, ele p ára
de pressionar a barra assim que ele ouve o sinal. Em vez de tra b a ­
lhar, ele agora se agacha tensam ente, tremendo, defecando, u rin a n ­
do, seu pelo eriçado. Ele m ostra todos os sinais que usualm ente
atribuím os à ansiedade avassaladoram ente paralisante.
Nós também provavelmente não continuarem os a trab alh ar
produtivam ente depois que o chefe ligou o sinal de aviso p ara o
choque que ele está a ponto de infligir. Preocupando-nos, provavel­
mente nos sentarem os tensam ente em nossa mesa, talvez com um
pouco de enjôo de estômago, talvez até mesmo sentindo necessidade
de correr para o banheiro.
Depois do choque, o sujeito de laboratório volta a su a o cu p a­
ção normal, trabalhando estavelmente até que o tom apareça nova­
mente. O anim al trabalha produtivam ente entre sinais de aviso,
pára completamente durante cada sinal e, então, recomeça o tra b a ­
lho im ediatamente depois de cada choque. O choque parece fazer
duas coisas: primeiro, ele faz com que o sinal de aviso coloque o
animal em pânico, com su a atividade normal completamente su p ri­
mida; então, ele sinaliza u m período seguro, liberando o animal das
garras de su a reação emocional e permitindo que ele recomece o
trabalho produtivo.
Originalmente, o tom não tin h a qualquer efeito discemível
sobre o animal. Agora, tendo se tom ado um sinal de choque inevitá­
vel, o tom coloca o sujeito em um a severa depressão com portamen-
tal, colocando um fim em su a atividade construtiva. Analistas do
comportamento cham am isto de “supressão condicionada”. Usamos
o term o do cotidiano, "ansiedade”, quando algo ruim está por acon­
tecer e nada podemos fazer para impedi-lo ou fugir. Não há proble­
ma em cham ar de ansiedade a reação, desde que não nos engane­
mos acreditando que o nome explica algum a coisa.
Os sinais de pânico e terror, facilmente visíveis p ara os o u ­
tros e intensam ente sentidos por qualquer um confrontado com cho­
ques inevitáveis, são freqüentemente considerados como sendo as
características definidoras da ansiedade. Mas, a supressão não p re ­
cisa ser acom panhada por sinais de angústia interior. Drogas ou
cirurgia podem mitigar o pânico, sem aliviar a depressão comporta-
mental. Um paciente que relata sentir-se menos ansioso pode não
reagir ao sinal de aviso mais construtivam ente do que antes. Em bo­
ra o pânico possa requerer tratam ento de emergência, a depressão
de longo prazo requer um a análise com portam ental para ser tratada
Coerção e s u a s im plicações 211

com sucesso. Não podem os perder de v ista as cau sas: (1) os sinais
de aviso p ara (2) choques inevitáveis, sobrepostos a (3) u m a linha de
b ase de atividade positivam ente reforçada.
A reação do sujeito ao sinal de aviso de choque inevitável é
tão d esad ap tad a q uanto qualquer com portam ento visto no laborató­
rio. A ansiedade — o pânico e a cessação de todo com portam ento
produtivo — ê contraproducente, levando o sujeito a p erd er todo o
alim ento que teria ganho se co n tin u asse a tra b a lh a r d u ra n te o sinal
de aviso.

Fora do laboratório. A su p ressão condicionada rep resen ta a


an sied ad e de quem ? Infelizmente, não precisam os p ro cu rar m uito
p a ra reconhecer sinais de eventos severam ente aversivos sobre os
quais não tem os controle e co n tra os quais não tem os m edidas
efetivas.
Podemos descobrir que tem os u m a doença fatal, ou que a l­
guém que am am os vai m orrer em breve. A depressão usu alm en te
acom panha sinais de m orte im inente. Tornam o-nos incapazes de
funcionar efetivam ente, algum as vezes negligenciando até mesm o
pequenas necessidades de sobrevivência: “eu não tenho apetite”:
“por que perder tem o vestindo-m e, lavando-m e, barbeando-m e, esco­
vando m eus dentes? Não im porta m ais”; “p ara que eu preciso de um
agasalho? Que diferença faz se eu ficar resfriado?”; “qual o sentido
de levantar d a cam a?”; “... quem se im p o rta?”
As am eaças inescapãveis d a n atu re za tam bém podem nos
to m a r incapazes de funcionar. A gachados em u m abrigo, esperando
pelo furacão que se aproxim a p ara levar n o ssa casa, podem os ser
incapazes de falar com n o ssa família, de ler, escrever, jo g ar ou
comer. Q uando o Monte S a n ta H elena en tro u em erupção, algum as
das pessoas que viviam n a m o n tan h a sim plesm ente fecharam su a s
p o rtas n u m gesto inefetivo de desafio e esperaram , sem qualquer
com portam ento, pelo rio de lava que se aproxim ava p a ra afogá-los.
O utros sinais de choques inevitáveis vêm de p esso as, fre­
qüentem ente como efeitos colaterais não-pretendidos d as várias for­
m as de coerção que im pensadam ente im pomos u n s aos outros. A
u m a secretária, p reocupada a ponto de distrair-se por c a u sa de su a
m ãe seriam ente doente, diz-se: “Mais u m erro de datilografia e você
será despedida.” Incapaz de datilografar o u tra s c a rta s naquele dia,
ela acaba sendo despedida.
Na guerra, a coerção internacional últim a, indivíduos fre­
qüentem ente se defrontam com d esastre q u ase certo; pânico e de-
212 M urray S id m a n

pressão são bem conhecidos. Preparações p a ra a b a ta lh a sinalizam


a inevitável p erd a de com panheiros e possivelm ente a própria morte,
perda de m em bros ou captura. A rep en tin a inabilidade dos indiví­
duos p a ra funcionar efetivam ente tem sido um problem a im portante
p ara a p siq u ia tria m ilitar d u ra n te todas a s g uerras.
O m ercado financeiro to m a disponíveis gran d es recom pen­
sas pelo sucesso, m as, ao mesm o tempo, impõe penalidades terríveis
ao fracasso. D urante a grande depressão, m uitos corretores que
viram se u s negócios, su a s reputações e seu s próprios recu rso s e os
de seu s clientes prestes a serem dizimados, en traram em “p arafu so ”
emocional, alguns se atirando das ja n elas de seu s escritórios nos
arran h a-c éu s. G igantes da in d ú stria e d as finanças, rep en tin am en te
confrontados com a dissolução de seu s im périos, esto u ram seu s
miolos. Mesmo d u ra n te recessões econôm icas m enos severas, a b u s ­
ca de em pregos por um trab alh ad o r desem pregado freqüentem ente
origina um a sucessão de sinais de rejeição, em baraço e fracasso.
Finalm ente, confrontado com o desem prego perm anente, e n fren tan ­
do a perda de sta tu s n a com unidade e n a família e privado da
auto-suficiência que costum eiram ente s u ste n ta o auto-respeito, o
an tes orgulhoso chefe de família perm anece n a cadeira de balanço,
incapaz de se com portar p a ra todos os propósitos práticos.
A su p ressão condicionada não precisa ser confinada a d e sa s­
tres que acontecem ap en as raram ente. Porque a coerção social é tão
predom inante, a ansiedade severa produzida por sinais de aviso de
punição, perda, fracasso ou em baraço inevitáveis tam bém surge fre­
qüentem ente em n o ssas interações cotidianas. Uma crian ça d esobe­
diente a quem se te n h a dito: “espere seu pai chegar em casa!”, vive o
resto do dia à som bra daquele sinal de aviso de choque inevitável, A
am eaça “funciona”; a criança, em u m estado de depressão compor-
tam ental, não cau sa m ais problem as naquele dia.
Professores ou pais algum as vezes descobrem que não conse
guem m ais co n tatar com u m a criança a quem p u n iram severam ente.
A rrependidos de su a ação, eles falam gentilm ente com a criança,
tentam b rin ca r com ela ou diverti-la e te n tam de o u tras form as
dissip ar os efeitos daquilo que acab aram de fazer, m as a com unica­
ção to rnou-se impossível; a criança m antém -se passiva. S eu ato de
coerção tornou-os um sinal de aviso p ara punição inevitável; eles
agora suprim em todo o com portam ento adaptativo da criança. A
criança torna-se incapaz de agir construtivam ente n a p resen ça de
alguém que acabou de liberar um choque.
De m aneiras sem elhantes, m u itas p esso as to m am -se s u ­
pressores condicionados u n s dos outros, com su a s p ráticas coerciti-
Coerção e s u a s im plicações 213

vas gerando ansiedade, pânico, paralisia e depressão. Um tra b a lh a ­


dor em b u sc a de u m a aum ento, ou ten tan d o ex p ressar u m a crítica,
ou m esm o trazendo u m a sugestão positiva, to m a-se m udo n a pre­
sença do chefe. Um m otorista, p arado por u m policial, to rn a-se
confuso e tom ado por culpa, incapaz de falar racionalm ente. Q u an ­
do descobrim os um erro em n o ssa co n ta b an cá ria e o trazem os p ara
o banco, tom am o -n o s obsequiosos e defensivos. Um aluno, ainda
que sabendo a resp o sta correta, quan d o cham ado em sala de aula,
trem e, tran sp ira , gagueja e fala incoerentem ente.
U sualm ente aplicam os coerção com a in ten são de en sin ar
n o sso s filhos, esposos, em pregados, alunos, vizinhos ou concida­
dãos como m an ter-se afastados de serem punidos. M as n em sem pre
estabelecem os as contingências efetivam ente; algum as vezes os cho­
ques que querem os que as pessoas evitem se to m am inevitáveis. Aos
olhos de alguns pais, seu s filhos não conseguem fazer n a d a co rreta­
m ente e, então, eles os p unem indiscrim inadam ente. Mesmo quando
bem -intencionadas, n o ssas contingências de punição, fuga e esquiva
freqüentem ente degeneram em situações que sinalizam choques ine­
vitáveis. Coerção d a qual não se pode fugir ou que não se pode
im pedir traz à ton a a debilitação e o desam paro da su p ressão condi­
cionada. Podemos então nos descobrir p u n in d o os outros mesm o
quando não querem os realm ente fazê-lo.
Por c a u sa de u m a histó ria de fracassos em provas, um aluno
sen ta-se paralisado diante de u m a prova final p ara a qual veio bem-
preparado: “Eu sei a m atéria, m as não sou bom em provas." O pro­
fessor não tem o u tra opção que não d ar u m a n o ta baixa. Porque o
cum prim ento d a lei é sinônim o de punição e am eaça de punição, o
uniform e de polícia se to m o u sinal de aviso de um choque em aproxi­
mação; com a esquiva impossível, aparece u m pânico cego ou um a
subm issão resignada. O policial não tem escolha exceto responder
com m edidas de autodefesa ou com su sp eita diante dos “sinais de
culpa”. Com governos m antendo a paz internacional por meio de atos
de agressão e am eaças de guerra, dem onstrações de forças de “m a­
n utenção da paz” cau sam desam paro e desespero entre aqueles que
ainda não p assaram a ver a guerra como um sinônim o de paz; su a
“falta de cooperação" produz coerção ain d a m ais severa.
Se fazemos am eaças não-cum pridas, s u a inefetividade vai
nos deixar frustrad o s, sem qualquer opção a não ser finalm ente
colocã-las em efeito: “isto dói em mim m ais do que em você”, “nós
tem os que salvá-lo de você m esm o”, “é p ara seu próprio bem ”, “eu
cheguei ao final de m in h a paciência”, “é de pequeno que se torce o
pepino”. Uma crian ça pode ouvir co n tin uam en te que se ela conti-
214 M urray S id m a n

n u a r a provocar su a m ãe “verá o que lhe acontece”, m as tu d o que de


fato obtém são m ais am eaças. Finalm ente, a ponto de a p a n h a r do
pai que está com su a paciência esgotada porque su a s am eaças não-
efetivadas não funcionaram , a criança se colaca n a m esm a posição
do sujeito experim ental — diante de um cheque inevitável ao final de
um sin al de aviso. Aqui, o pai é o sin al de aviso; pai seguido por
choque produz u m a criança essencialm ente sem com portam ento na
p resen ça do pai.
O autism o infantil tem m u itas cau sas, m as alguns casos têm
sido atribuídos a u m a h istó ria de punição excessiva, d esum ana.
O casionalm ente, crianças são resg atad as depois de terem p assad o a
m aior p arte de su a s vidas com pletam ente isoladas em pequenos
quartos ou ja u las. Porque seu s pais, que se to rn aram sin ais de aviso
de choques inevitáveis, são as ú n icas p esso as com as quais tiveram
contato, encontros com o u tras p esso as tam bém farão com que as
crianças entrem em u m estado de su p ressão condicionada. Como
o u tras crianças a u tistas, elas não dem onstram responsividade so­
cial, raram en te reagindo construtivam ente, exceto, talvez, a coisas
inanim adas. Elas se fecham e su a falta de responsividade social faz
com que pareçam viver em seu próprio m undo privado.
A depressão do adulto tam bém tem m u itas cau sas, m as s u a
característica m ais consistente é a au sên cia de com portam ento
adaptativo. As prisões e as forças arm adas, onde a coerção é explici­
tam ente a técnica de controle escolhida, são cam pos férteis p a ra a
depressão com portam ental que sinais de choques inevitáveis criam.
Prisões proíbem a privacidade e não reconhecem q u alquer
necessidade de tra ta r prisioneiros, seja com cortesia com um , seja
com decência h u m a n a, exceto ocasionalm ente como recom pensas
por subm issão. Mais ainda, a im possibilidade de realm ente observar
todos os prisioneiros em todos os m om entos faz com que g u ard as e
supervisores inseguros e cheios de su sp eita d istrib u am penalidades
que não estão relacionadas com qu aisq u er atos específicos. A p ró ­
pria inabilidade dos controladores de exercer supervisão consistente
pode to rn ar a esquiva ad ap tativ a impossível p ara os controladores e
trazer, em vez disso, u m a su p ressão condicionada desadaptada.
, Padrões com uns de ju s tiç a são su sp en so s n estas cidadelas
de cum prim ento d a lei, de modo que mesm o a conform idade a reg u ­
lam entos não g aran te a esquiva de punição. A m ais leve su sp e ita de
qualquer afastam en to d as regras traz as auto rid ad es como um raio
sobre toda a população interna. Porque a observação co n stan te de
todo m undo não é factível, a atribuição precisa de cu lp a por instigar
a desordem é impossível. Portanto, indiscrim inada e caprichosam en-
Coerção e s u a s im plicações 215

te eles adm inistram as m edidas aprovadas de confinam ento em soli­


tária, encarceram ento, interrogatórios cruéis, revogação de privilé­
gios e m aldade sub-reptícia. Os guardas, seu s uniform es, o próprio
som de seu s passos e todos os aspectos do am biente da prisão se
to m am sinais de punição inevitável, A depressão é com um en tre os
prisioneiros. Ainda assim, porque ela os m antêm “bem -com portados",
não é considerada um problem a sério.
Podemos inadvertidam ente colocar, m esm o alguém que a m a ­
mos, em u m a situ ação onde a privação inevitável traz depressão. Por
exemplo, um a m u lh er idosa, tendo vivido pacificam ente, em protegi­
da calm a, em u m a espaçosa casa de cam po pela m aior p arte de su a
vida, m as que recentem ente enviuvou, é p ersu ad id a por seu irm ão a
m u d ar-se p a ra um ap artam en to n a cidade, que requereria m uito
m enos trabalho. R epentinam ente, todos os sistem as que s u s te n ta ­
vam s u a vida se foram. S u as ro tin as diárias u su a is — dirigir a
preparação d as refeições, a lim peza d a casa, as com pras, o p lan eja­
m ento do lazer, receber visitas, m an ter correspondência social —
não são m ais possíveis; n en h u m de seu s h ábitos costum eiros fu n ­
cionam m ais. Seu marido, que costum ava cu id ar de todas a s q u es­
tões financeiras e em tom o de cu jas atividades de negócios su a vida
social girava, não está m ais ali p a ra trazer ordem à s u a vida. Todos
os reforçadores d esta sen h o ra to rn aram -se indisponíveis p a ra ela,
u m a privação total rep en tin a que é m uito pior que o breve choque
que um sujeito de laboratório experiencia. Ela tornou-se um resto,
que não é necessário a ninguém . Toda ocasião p a ra ação é agora
vazia, u m a lem brança de p erd a e u m sinal de fracasso. Ela se to m a
um a reclusa, com endo pouco, u san d o ro u p as am arro tad as e rotas,
cabelos desalinhados e recu san d o -se a perm itir que antigos amigos
a visitem.
Sem que ninguém p reten d esse este resultado, esta m ulher
m udou p a ra u m am biente repleto de choques e privações. S u a nova
vizinhança, o prédio, o ap artam en to com su a m obília nova, tudo
passo u a funcionar como sinais sem pre presen tes de s u a inutilidade
e fracasso inevitáveis. O significado do fracasso é a au sên cia de
reforçam ento e o novo am biente a atinge com fracasso a todo mo­
mento; o com portam ento que ela conhecia tornou-se não-funcional.
O m esm o freqüentem ente acontece quando colocamos fam iliares em
instituições p a ra idosos. Mesmo quando eles estão confortavelm ente
instalados e tratad o s com compaixão, a indisponibilidade de seus
reforçadores costum eiros transform a a vida de su cesso em fracasso.
D epressão é um a conseqüência comum, m esm o de institucionaliza­
ção benevolente.
216 M urray S id m a n

A economia da ansiedade. Estranham ente, a supressão con­


dicionada pode, ocasionalmente, se to m ar útil. Embora um sinal de
aviso possa nos jogar em u m a depressão, nossa própria inabilidade
para funcionar pode algumas vezes levar mais tarde a um grande
reforçador que supera as perdas imediatas. Exemplos elementares
ocorrem n as brincadeiras de filhotes de cachorros, gatos e outros
anim ais e em combates sérios entre adultos de dadas espécies. C on­
frontados com a certeza de derrota em um a lu ta de morte por causa
de u m a com panheira ou território, o animal derrotado cessa de
lutar; embora obviamente aterrorizado, ele adota u m a postura de
subm issão, como se estivesse pedindo o golpe finai. E sta cessação
de toda resistência, deixando o perdedor indefeso, n a verdade desli­
ga o atacante. A natureza construiu em m uitas espécies u m m eca­
nismo de rendição que converte supressão com portam ental em e s ­
quiva bem -sucedida; embora renuncie ao prêmio imediato, o perde­
dor protela o desastre último.
A tradição hum ana, quando oponentes caem ou expõem su a
jugular é ir para a m atança. Portanto, derrotados n u n ca se rendem
antes de estabelecer algum entendim ento com os vitoriosos. Então,
um a dem onstração de desam paro — a bandeira branca — traz o
perdão.
Tratando supressão condicionada m edicam entosam ente, n e ­
gligenciando as contingências com portamentais, podemos d ar a esta
reação à coerção um a função adaptativa de longo alcance. T om an­
do-a adaptativa, o tratam ento intensifica, em vez de curar o proble­
ma. Nas guerras dos Estados Unidos, as mortes por razões p siq u iá­
tricas têm sido um a fonte séria de perda de hom ens aptos. Partici­
pantes de combates, confrontando-se com am eaças sem pre p resen ­
tes de sofrimento e morte e sobrecarregados com a necessidade de
m atar outros, freqüentemente desenvolvem “fadiga de com bate”. Exi­
bindo depressão incapacitante ou pânico incontrolável, eles rep en ti­
nam ente se tornam incapazes de funcionar.
A fadiga de combate usualm ente aparece não em meio ao
combate, m as durante a calmaria, quando as forças estão sendo
reagrupadas, novos planos de batalha formulados e os com batentes
têm um descanso momentâneo. Mas, estes são apenas períodos
seguros ilusórios; eles, n a verdade, estão cheios de sinais de aviso
do próximo ataque. Q uanto mais d u ra a pausa, mais cedo será o
choque inevitável. Q uanto mais próximo estiver o retom o à batalha,
é m áis provável que su rja a supressão condicionada.
Um antigo e duradouro tratam ento p ara a fadiga de combate
exigia retirar o combatente incapacitado das linhas de frente e colo-
Coerção e s u a s implicações 217

cá-lo em um hospital de base. Dali, o resu ltad o m ais provável era


u m a d isp en sa por incapacidade ou u m a realocação p a ra u m posto
longe d a b atalh a. Aqui vem os fadiga dc com bate, u m a form a de
su p ressã o condicionada, servindo p a ra u m a função finalm ente
adaptativa, esquiva de combate.
Isto não significa que fadiga de com bate seja u m a form a de
fingimento, em bora u m bom ato r p o ssa fazê-lo. A seqüência precipi-
tad o ra de sinal de aviso seguida por choque intenso, inevitável, é
suficientem ente real; o sofredor é incapaz de controlar a su p ressão
condicionada e s u a conseqüente incapacitação. Na verdade, o tr a ta ­
m ento tradicional, em bora perm itisse fuga d as condições precipita-
doras, tam bém gerava culpa e perda de auto-respeito n aqueles que
haviam fugido. Fazia-se com que eles sen tissem que s u a própria
fraqueza havia feito com que ab an d o n assem su a s responsabilidades
e seu s com panheiros.
No entanto, a inabilidade de u m indivíduo p a ra im pedir s u ­
pressão condicionada por meio de autocontrole não to m a a su p re s­
são im une ao controle am biental; conseqüências ain d a podem exer­
cer su a influência. Finalm ente, os p siq u iatras m ilitares descobriram
que dim inuir a probabilidade de d isp en sa ou realocação reduzia
enorm em ente a perda de hom ens aptos por fadiga de com bate. Em
vez de m a n d ar os sofredores de fadiga de com bate todo o cam inho
de volta p a ra hospitais de base, eles os removiam ap en as p ara e sta ­
ções de cam po, p a ra tratam ento. Eles deixavam claro, tam bém , que
o tratam e n to devia ser breve e que o próximo p asso deveria ser um
retorno ã un id ad e de com bate. Reconhecendo a realidade do proble­
ma, o tratam e n to não m ais o su sten tav a. A fadiga de com bate p er­
deu su a função como um m ecanism o de esquiva legítimo. A com bi­
nação de respeito p a ra com a integridade do soldado fatigado e a
im possibilidade de fuga e esquiva reduziu enorm em ente o núm ero
de m ortes em b a ta lh a atribuíveis à fadiga de com bate.
A análise de laboratório da su p ressão condicionada to m o u
possível avaliar vários tratam en to s. T erapia eletroconvulsiva, por
exemplo, dim inui dram aticam ente a su p ressã o condicionada. Depois
desse tratam en to , u m anim al que u su alm en te e n tra em um pânico
paralisador n a presen ça de sinais de choques inevitáveis, em vez
disso, desconsidera os sinais e co n tin u a a trab a lh ar. E ntretanto,
esta “c u ra ” é ap en as tem porária, a ansiedade desabilitadora reto m a
m ais ou m enos um m ês depois de term inado o tratam en to . Tam bém
algum as drogas tranqüilizantes que costum eiram ente reduzem ativi­
dade e até m esm o produzem letargia, a p e sa r disto, rein stalarão p ro ­
dutividade em sujeitos d u ran te sinais de aviso de choques inevitá-
218 M urray S id m a n

veis. Alguns estim ulantes, por outro lado, aprofundarão a su p re s­


são. E stu d o s quantitativos de in ten sid ad e e probabilidade de cho­
que, de freqüência de sinais de aviso e de esquem as e tipos de
conseqüências que m antêm a produtividade norm al, todos revela­
ram fatores am bientais que contribuem p ara a severidade, redução
ou prevenção de ansiedade severa.
Um sujeito cuja conduta usualmente produz reforçadores positivos,
comumente cairá em um estado de inatividade não-produtiva ou de pânico não-
direcionado durante um sinal de choque inevitável. Um sujeito sendo coagido
por contingências de esquiva fará exatamente o oposto, trabalhando ainda mais
diligentemente durante o sinal de aviso. Portanto, o que é chamado de ansiedade
pode se referir a depressão ou a hiperatívidade, ambas não-produtivas; nossa
reação a choques inevitáveis dependerá de se nossa conduta é comumente mantida
por contingências positivas ou coercitivas. Alguns ambientes realmente mantêm
as pessoas continuamente se esquivando; ameaças ocasionais de punição inevitável
em tais ambientes dão origem aos episódios de hiperatívidade que vemos em
algumas crianças e adultos? E esta a base para o aparente desejo de crianças de
aumentarem sua conduta objetável diante de uma punição inevitável?
Interações sutis entre supressão condicionada e outras contingências
freqüentemente ajudam a explicar por que um procedimento terapêutico parece
ajudar algumas pessoas e não outras, ou por que varia até mesmo para um
indivíduo. Se uma dose particular de uma droga alivia ou não a supressão
condicionada pode depender, por exemplo, de quão freqüentes e quão grandes
são os reforçadores que comumente mantêm a atividade suprimida. Se nosso
trabalho raramente vale a pena, ou se vale muito pouco, então é maior a
probabilidade de que nossa produtividade cessará sob o estresse de punição ou
perda iminentes.
Acontece que mesmo ratos de laboratório ajustam sua ansiedade à
realidade econômica. Vimos no experimento prototípico que um sinal de
aviso de ch oque in ev itáv el p o d e levar um an im al à an sied ad e
cpntraprodutiva. Ele pára de trabalhar, perdendo todo alimento que teria
ganho, enquanto o sinal está ligado e volta ao trabalho produtivo apenas
depois que o sinal e o choque terminam. Suponha que agora esquematizemos
os sinais para que algumas vezes venham muito freqüentemente e algumas
vezes apenas raramente — um tipo de mudança ambiental que não é prática
em condições cotidianas, mas que o controle de laboratório torna possível.
O que este ex p erim en to m o strará? O su jeito to rn a r-se -á mais
Coerção e s u a s im plicações 219

ansioso quando exposto m ais freqüentem ente a sinais de aviso e


choques? M enos ansioso? F ará algum a diferença?
Se os sin ais aparecem com p o u ca freqüência, o sujeito p ára
de p ressio n ar a b a rra d u ran te os sinais; como no experim ento origi­
nal, vemos a com pleta su p ressão da atividade produtiva. M as, se os
sinais aparecem m uito freqüentem ente, o sujeito modifica s u a rea­
ção; em u m a extensão m aior ou m enor, dependendo d a duração
relativa dos sinais de aviso e dos períodos seguros, ele c o n tin u a a
trab a lh ar. Q uanto m ais freqüentem ente aparecem os sin ais de aviso
e os choques, m enos s u a atividade produtiva é DISRUPTADA.
De início, ficamos b astan te intrigados com este resultado:
sinais de aviso e choques m ais freqüentes, m enos ansiedade; sinais e
choques m enos freqüentes, m ais ansiedade. O que estava acontecen­
do ficou claro quando percebem os que o sujeito perdia m uito pouco
alim ento se ele p arasse de pressio n ar a b a rra d u ra n te os sinais
infreqüentes. Ele p assav a a m aior p arte do seu tem po entre sinais
trabalhando em segurança, assim u m a reação de ansiedade ocasio­
nal não lhe custav a muito. Mas, quando os sinais apareciam fre­
qüentem ente, havia pouco tem po seguro disponível; o anim al teria
perdido u m a porção significativa de s u a alim entação se tivesse p a ra ­
do com pletam ente de pressionar a b a rra d u ra n te os sinais de perigo.
Este experim ento su rp reen d en te m o stra o anim al ansioso
som ente n a m edida em que ele pode. Mesmo rato s de laboratório
parecem dispostos a deixar que s u a ansiedade lhes cu ste ap en as um
certo tan to — n e sta situação, ap en as u m a certa proporção do ali­
m ento disponível. P ara evitar de p erder m ais, eles se ad ap tam a
sinais de aviso freqüentes continuando a tra b a lh a r produtivam ente
em vez de entreg ar-se à su a ansiedade.
E ste é um fenômeno b a sta n te delicado, dependente de um
a ju stam en to b a sta n te fino, m as ele é vigoroso e reprodutível. Muitos
escritores n o taram paralelos h u m an o s. F reqüentem ente tem se s u s ­
peitado que a ansiedade in capacitadora é u m a doença dos afluentes,
daqueles que podem se d ar ao luxo de p a ra r de tra b a lh a r e de cessar
o u tras responsabilidades quando a s coisas se to m am difíceis.
Então, em qualquer m om ento que u m a punição inevitável
seja im inente, seu s sinais de aviso podem produzir incapacitação
com pleta ou parcial, preocupação inútil e sofrim ento físico. F reqüen­
tem ente consideradas como u m a forma de ansiedade, estas reações
são u su alm en te tra ta d a s — raram en te com sucesso — com rem édios
psiquiátricos e farmacológicos. A su p ressão condicionada, m anifes­
ta d a grosseira ou sutilm ente, constitui um dos efeitos colaterais
m ais custosos de n o ssa sociedade coercitiva.
14

Coerção gera coerção

Agressão
Os estud o s de laboratório que tem os visto até aqui investiga­
ram os efeitos d a coerção sobre indivíduos em am bientes que não
incluíam outros sujeitos. Agora com pliquem os u m pouco o arranjo,
colocando um segundo sujeito ao lado do prim eiro. Veremos algum a
coisa nova. Se aplicarm os u m choque em ap en as u m dos dois su jei­
tos, este a tacará o outro. A agressão não é nem ritu alística, nem
m om entânea: se não separarm os os dois, o ataq u e term in ará com
um assassin ato .
Agressão induzida por punição tem sido en co n trad a em m u i­
ta s espécies, incluindo a n o ssa própria. O atacan te e o atacado nem
m esm o precisam ser da m esm a espécie: u m cam undongo que rece­
beu um choque atacará u m rato, um rato a tacará um gato.
Felizmente, podem os investigar agressão induzida por coer­
ção sem realm ente fazer com que os sujeitos tentem m a ta r u n s aos
outros. Isto porque se n en h u m ser vivo estiver por perto, um sujeito
que recebeu um choque m orderá objetos inanim ados. Portanto, e s ­
Coerção e s u a s im plicações 221

tudos m odernos tendem a u s a r “b a rra s de m ordida” especialm ente


co n stru íd as que au to m aticam en te registram a freqüência, força, d u ­
ração e o u tras características do ataque.
Punição não precisa ser fisicam ente dolorosa p a ra incitar
agressão como um efeito colateral e a m aioria dos experim entos hoje
não infligem dor aos sujeitos. Por exemplo, m esm o sem choques,
algo (ou alguém) que sinalize privação im inente la n çará ao ataque
u m sujeito. Vemos isto acontecer quando u m pom bo de laboratório
pode obter grãos bicando u m disco verde, m as p á ra quan d o o disco
se to rn a vermelho, o alim ento se to m a não-disponível e o bicar sem
sucesso. O pom bo ap ren d e facilm ente a bicar o disco quando está
verde e a p a ra r quando ele se to rn a vermelho. Agora, colocamos um
segundo pom bo n a caixa. O trab alh ad o r ignora o recém -chegado
en quanto o disco estiver verde, m as quan d o ele se to m a vermelho,
indicando que não h á m ais alim ento, o trab a lh ad o r viciosam ente
ataca o outro pássaro. De m aneira sem elhante, u m m acaco, diante
de um sinal que diz “Não h á m ais com ida” a ta c a rá u m a b a rra de
m order. P essoas em situações sem elh an tes de laboratório provavel­
m ente atacarão objetos inanim ados, esm u rran d o e ch u tan d o a p are­
de, um a alm ofada ou q u alquer coisa que esteja à mão, ao mesmo
tem po que ap ertam seu s dentes e contraem os m axilares agressiva­
m ente.
Portanto, punição e privação levam a agressão. Mas coerção
induz m ais do que ap en as o ato agressivo em si mesm o. Depois de
ser punido, um sujeito fará q u alquer coisa que p o ssa p a ra ter aces­
so a outro sujeito que ele p o ssa então atacar. O anim al punido pode
ser colocado em um com partim ento e u m p a r inocente em outro
com partim ento, com u m a p o rta fechada en tre eles. Se o anim al
punido p u d er chegar ao outro pressionando u m a b a rra p a ra ab rir a
porta, rapidam en te ap ren d erá a fazê-lo. P ara alguém que acabou de
ser punido, a própria oportunidade p ara a ta c a r prova ser u m refor-
çador positivo.
A m aioria d as espécies de m am íferos vive em am bientes s u r ­
p reendentem ente coercitivos. Um m ecanism o de ataq u e inato, libe­
rado pela experiência de, ou ap en as am eaça de dor ou de perda
poderia te r evoluído. A dor em si ê u m sinal de d esastre im inente.
E spécies cujos m em bros não reagissem ad ap tativ am en te à dor e à
am eaça de dor não teriam sobrevivido por m uito tem po. A prevenção
de dor por meio d a fuga, se o ataq u e p arecer m uito arriscado, e a
prevenção pelo ataque, se fugir for impossível, têm promovido sobre­
vivência. A aproxim ação de m em bros de o u tras espécies, e algum as
vezes de indivíduos d as m esm a espécie, provê sinais de p erd a poten-
222 M urray S id m a n

ciai de alim entos, territórios, com panheiros e parceiros sexuais; a ta ­


ques a e stran h o s ou a m em bros de outros grupos têm sido um
m ecanism o de sobrevivência p ara o indivíduo e a espécie: “A m elhor
defesa é um bom ataq u e.”
Um m ecanism o de ataque inato não funcionaria se exigisse
identificação acu ra d a da fonte de punição ou am eaça. Q ualquer
choque é provável de vir de algo ou alguém próximo; n a d a além
disso é necessário p ara que o m ecanism o te n h a evoluído. Portanto,
u m a vez que tenham os recebido um choque, o objeto do nosso
co n tra-ataq u e não precisa ser o verdadeiro culpado: “Atire em q u al­
quer coisa que se m ova.” No laboratório, choque ou privação exter­
nam ente im postos incitam o ataque, o qual, então, fica sob controle
do am biente local. O sujeito reage com a agressão co n tra um indiví­
duo próximo, aind a que aquele indivíduo p o ssa não te r sido de modo
algum responsável pelo choque.
N ão-realista? Diga isto p ara qualquer um que, ap en as por ter
estado p resen te em um m om ento de dificuldade ou calam idade,
torna-se o bode expiatório, um objeto de contra-agressão im erecida.
Diga isto ao viajante inocente, assassin ad o por terro ristas em reação
à prisão de m em bros do grupo terrorista. Diga isto p a ra a pessoa
que, por c a u sa do m ais leve indício — alguém que se p arecia com ele
foi visto n a s vizinhanças quan d o u m a crian ça foi a ssa ssin a d a —
ouve a família chocada exigindo s u a vida em troca. Diga isto p a ra
os pacíficos m oradores de vilarejos do Líbano e de Israel, cujos
lares e fam ílias foram to talm en te d e stru íd o s no ciclo de violência e
contraviolência em que se en red aram seu s governos.
Agressão que surge como u m efeito colateral próprio d a coer­
ção coloca m u itas questões que ain d a precisam se r respondidas.
E ntretanto, m esm o neste ponto, a consciência de agressão induzida
por punição poderia nos fazer p a ra r toda vez que nos encontram os a
ponto de infligir punição. Como punidores, não ap en as nos estab ele­
cemos como alguém de quem se foge ou esquiva, m as tam bém nos
descobrim os recebendo pagam ento em espécie, objetos de contra-
ataque induzido por punição. Isto pode acontecer em nossos papéis
como pais, esposos, professores, policiais, líderes m ilitares, ad m in is­
tradores, em pregadores ou funcionários governam entais — quando
quer que estejam os envolvidos em atividades que se referem a in ­
fluenciar a co n d u ta de outros.
Professores que se concentram n a disciplina em vez da in s ­
trução descobrem -se cad a vez m ais sujeitos à contraviolência dentro
e fora d a sala de aula. Um problem a im portante p a ra ju izes em
julgam entos de divórcio é d istinguir en tre necessidades econôm icas
Coerçãoesuasimplicações 223

e um esposo rejeitado, faminto por revanche. Figuras públicas, ricas e poderosas,


tendo sua venalidade exposta pelas notícias da mídia, exploram o sistema legal
como um instrumento de revanche, drenando recursos financeiros da mídia que os
ofende.
Práticas coercitivas podem gerar contra-ataque contra indivíduos e grupos
dos quais eles são membros. São necessários apenas uns poucos tiros descuidados
para produzir o ódio de toda uma comunidade sobre toda a força policial; umas
poucas traições da confiança pública para transformar todos os políticos em objeto
de desprezo público; uns poucos casos bem-divulgados de “terapia aversiva” para
originar um clamor público pela abolição da ciência da análise do comportamento.
“Uma laranja podre estraga o resto.”
A mera presença da polícia em um piquete é suficiente para liberar violência.
Uns poucos “conselheiros militares” entre grupos revolucionários em um outro
país são suficientes para fazer com que o governo daquele país se alinhe com inimigos
dos Estados Unidos. Quando milhares de cidadãos de um país governado
coercitivamente desaparecem depois de terem sido levados pela polícia, a descoberta
de “observadores” americanos nas escolas de polida toma tudo e todo americano
objeto de desprezo, ódio e represália violenta. Políticos atingidos por notícias
desfavoráveis criam legislação para calar a imprensa. Indústrias atingidas por
regulamentos que as forçam a devolver ao público seus lucros excessivos e a limpar
sua própria poluição, montam campanhas lobistas contra “a interferência do estado
na livre competição”. Quantos daqueles que, professando o pacifismo e abominando
a violência, têm, entretanto, pensado que poderíamos resolver o problema do lixo
nuclear transformando uma das nações terroristas em uma lata de lixo?
Coerção severa, então, gera uma contra-reação quase automática. Mas
isto não termina aí. Retaliação bem-sucedida provê reforçamento rápido e
poderoso. Aqueles que estavam por baixo tornam-se os poderosos, aqueles
que eram os temidos opressores agora buscam seu favor. É fácil ver como a
agressão poderia tom ar-se um novo modo de vida para os inicialmente
subservientes. O próprio sucesso da contra-agressão pode colocar em
movimento uma estrutura autoperpetuadora de um modo de vida agressivo.
Aqueles que anteriormente nada tinham agora tudo têm. A agressão que
levou às novas vantagens pode agora ser usada para ajudar a mantê-las. A
todo momento vemos revolucionários transformarem-se em cópias carbono
dos regimes que derrubaram ; o ciclo de coerção e represália repete-se
incessantemente.
224 MurraySidman

Como nosso apêndice, que supostamente uma vez teve uma função útil,
o mecanismo inato de agressão induzida por punição e privação é um anacronismo
evolucionário; ele não mais provê uma vantagem para a sobrevivência e, ao
contrário, envenena seu hospedeiro. A ciência transformou a guerra em um
instrumento de autodestruição. Ela também nos deu o conhecimento técnico
necessário para eliminar a fome e a pobreza que têm freqüentemente instigado a
agressão internacional. A informação pode agora ser transmitida com tal
velocidade que a ignorância não é mais uma desculpa para o conflito. A tecnologia
agrícola tomou possível que todos no mundo tenham alimento suficiente. Materiais
e tecnologia de construção colocaram a habitação adequada ao alcance de todos.
Fome e ausência de habitação tornaram-se tragédias desnecessárias. A análise
científica do comportamento, embora esteja longe de prover todas as respostas de
que necessitamos, mostrou como ensinar efetivamente e como influenciar a conduta
não-coercitivamente. Com tais recursos construtivos disponíveis, a civilização
não pode se dar ao luxo de reações automáticas e impensadas às pressões coercitivas.

Contracontrole
A longo prazo, o controle coercitivo continua a funcionar somente se
o controlador tiver uma população cativa. Mas, mesmo se os punidos forem
confinados ou restringidos fisicamente e não puderem escapar, a coerção
inevitavelmente produz um de seus mais proeminentes efeitos colaterais:
contracontrole. Se as pessoas não podem fugir ou esquivar-se, elas descobrirão
uma outra maneira de acabar com punições ou ameaças de punição; elas
aprenderão como controlar seus controladores. Alunos que são punidos por
não aprenderem suas lições, rapidamente aprendem como lidar com a situação.
Seu contracontrole pode ou não envolver agressão aberta: eles fingem doenças,
ou realmente tomam-se doentes; eles copiam de outros alunos; eles distraem
outros alunos e disruptam toda a situação de aprendizagem, tornando
impossível para o professor distingui-los; ou, em uma direção aparentemente
oposta, um estudante explora sua personalidade envolvente, “jogando charme”
e desviando o professor de uma avaliação válida de seu desempenho; ou,
como parece estar acontecendo cada vez mais freqüentemente, alunos atacam
fisicamente o professor. Se o professor é muito forte, ou as autoridades muito
poderosas para que os alunos os enfrentem, à noite eles destroem ou ateiam
fogo n a escola. V andalism o na escola, um a m ed id a de
Coerção e s u a s im plicações 2 25

contracontrole co n tra a coercitividade d a escola, recebe u m a certa


dose de sim patia, m esm o entre aqueles que dizem condená-lo; em
alguns lugares, educação e coerção significam a m esm a coisa.
A lunos nos anos básicos e interm ediários d em o n stram todo
seu repertório de contracontrole quando u m a professora s u b stitu ta
assum e a aula. T antos professores u sam de coerção como s u a técni-
ca-padrão de controle que alunos os p in tam a todos com a s m esm as
cores. Com professores como um grupo tendo se to rn ad o choques
condicionados, alu n o s desenvolveram su a s próprias m edidas-padrão
de contracontrole. Q uando u m novo professor aparece, s u a prim eira
prioridade é descobrir o que funcionará m elhor e eles fazem com que
o professor p asse por seu estoque de contram edidas. Todos os pro­
fessores su b stitu to s sabem e tem em o que vão en co n trar quando
entram pela prim eira vez em u m a sala de aula.
Governos repressivos finalm ente su cu m b em ao co n traco n tro ­
le. S u p ressão co n tín u a e severa d as ten tativ as de indivíduos p ara
satisfazer su a s necessidades econôm icas e atingir outros objetivos
pessoais finalm ente produz revolta. O ciclo coercitivo — controle,
contracontrole, contracontracontrole e assim por diante — finalm ente
leva a u m a supressão tão severa que deixa as pessoas com n a d a a
g anhar por subm eter-se e n a d a a perder por rebelar-se. A deposição
de um governo que controla todos os recursos m ilitares e econômicos
não é fácil; algum as vezes leva m ais do que o tem po de vida indivi­
dual, m as contracontrole, de início algo que ap en as incom oda aq u e­
les no poder, gradualm ente se acelera até que seja bem -sucedido.
Tiranias não reconhecem que o ciclo de escalad a de coerção e con-
tracoerção pode te r ap en as u m fim .
Nas prisões, populações realm ente cativas têm aperfeiçoado o
contracontrole a um tal refinam ento que algum as vezes é difícil dizer
quem são os controladores, os guardas ou os prisioneiros. A ssassin a­
to. estupro e outros tipos de violência física são m an tid as em vigor
m enos por tran c as e b a rra s do que por acordos não-escritos: "você
m antém a s drogas en tran d o e nós m anterem os tu d o em p az”; “às
2:45, no pátio, olhe em o u tra direção e ninguém ja m ais sab erá
sequer o que aconteceu. De o u tra forma, você jam ais se rá capaz de
se virar novam ente": “m eus amigos lá fora cuidarão de s u a m ulher.
O tipo de cuidado dependerá do que eles souberem de mim. G aran ta
que eu te n h a um trab alh o de escritório com acesso ao telefone”.
M as prisões não são sistem as fechados. Novos prisioneiros,
com novas dem an d as e su p o rte de fora, provocam rearran jo s de
interesses de grupos entre os prisioneiros e entre prisioneiros e
guardas. Novos adm inistradores, com novas filosofias de ju s tiç a e
226 M urray S id m a n

punição, instituem restrições mais rígidas. O equilíbrio de poder


n unca é constante. À medida que as dem andas dos prisioneiros
tom am -se irrazoáveis, ou a repressão tom a-se insuportável, um a
rebelião tom a-se a técnica de contracontrole escolhida. A violência
indescritível de ambos os lados, durante u m a rebelião, assegura aos
prisioneiros divulgação e freqüentem ente m uda o equilíbrio de p o ­
der, m ais um a vez a seu favor. Inerentemente coercitivas, prisões
transform am mesmo o mais hum ano dos guardas em um bruto —
aos olhos dos prisioneiros. _O contracontrole inevitável transform a
mesmo o mais gentil dos prisioneiros em u m m onstro — aos olhos
dos guardas.
Prisão, naturalm ente, é em si um a forma de contracontrole
que a sociedade produz contra aqueles que quebram su as regras. A
sociedade também pratica ou su sten ta outras formas de contracon­
trole, nem todas elas justificáveis como medidas protetoras. Nas
instituições, onde a pressão pública reduziu enormemente o uso de
restrição física para controlar o retardado ou o psicótico, restrição
química é ainda praticada extensivamente. Drogas têm substituído a
cam isa de força como u m a m aneira de controlar pacientes que não
colaboram.
Pacientes institucionalizados que m ostram distúrbio visível
— talvez justificado — com relação à alimentação, a program as
terapêuticos ou à dignidade de su as interações com a equipe prova­
velmente receberão drogas “p ara acalmá-los”. E u m a vez que u m a
droga se dem onstre bem -sucedida em to m ar o paciente cooperativo
é improvável que alguém faça mais tarde u m teste para determ inar
se a dose é muito alta ou se a droga ainda é, de todo, necessária.
Drogas psiquiátricas são, elas mesm as, u m a técnica de contracon­
trole particularm ente útil p ara terapeutas que são incapazes de ou
que não estão dispostos a identificar as causas am bientais da co n ­
duta qúe supostam ente devem tratar.
Crianças hiperativas exigem m uito de seus am bientes. Elas
disruptam classes, quebram coisas, fogem e criam u m estrago gene­
ralizado, coagindo seus pais, professores e terapeutas a prestar-lhes
constante atenção. Mesmo quando a hiperatividade se origina de um
problema orgânico, ela é ainda freqüentemente controlável com por-
tam entalm ente. Se a criança m ostrou um a razoável habilidade p ara
aprender, reforçamento positivo p ara atividades construtivas, fre­
qüentem ente, reduzirá ou eliminará a hiperatividade perturbadora.
Entretanto, drogas continuam sendo o tratam ento u su al p ara crian ­
ças superaüvas. Não-cientes de que técnicas com portam entais estão
Coerção e s u a s im plicações 227

disponíveis, m édicos d esesperados recorrem à restrição quím ica


como u m a últim a m edida de contracontrole.
No am biente familiar, tam bém , coerção produz co n traco n tro ­
le. Lágrim as brilhando nos olhos de u m a criança freqüentem ente
transform am punição im inente em desculpas. Um silêncio im p assí­
vel do tran sg resso r, m antido até que a p arte ofendida ofereça um
gesto de reconciliação, esvazia a crítica. Uma esposa reage à c h a n ta ­
gem sexual com infedilidade. O aparelho de som a todo volum e de
um adolescente im pede os pais de confiná-lo em casa. V om itando n a
m esa, u m a criança esquiva-se de com er alim entos de que não gosta.
A am eaça de b irra de u m a crian ça m im ada pode tran sfo rm ar um
“n ão” em um “sim ”. Pais que estão desanim ados porque a extrem a
agressividade de se u s filhos os coloca diante de problem as com a lei
poderiam m uito bem exam inar como eles m esm os controlam o com ­
portam ento de seu s filhos. Filhos de pais extrem am ente coercitivos,
por s u a vez, aprend erão form as de contracontrole excessivo. ^
C ontracontrole não é visto no laboratório com freqüência. A
razão é b a s ta n te simples: sujeitos não -h u m an o s, en clau su rad o s em
um espaço experim ental, não podem atingir o experim entador e s u ­
jeitos h u m a n o s sim plesm ente são pouco freqüentes. Algumas vezes,
n atu ralm en te, não -h u m an o s reagem. A nim ais de circo, anim ais que
vivem em zoológicos e anim ais de laboratório ocasionalm ente vol­
tam -se violentam ente co n tra seu s encarregados. S ab e-se que a n i­
m ais, em ap resen taçõ es púb licas, a tiram objetos ou dirigem um
jo rro de u rin a aos esp ectad o res, tom ando, assim , u m a c e rta m edi­
d a de rev an ch e c o n tra observ ad o res que os aborrecem e incom o­
dam . E n tre ta n to , o am b ien te de labo rató rio p erm ite ao s su jeito s
n ão -h u m a n o s pouco contato com os experim entadores; contra-
agressão raram en te é possível. O fracasso dos cien tistas em obser­
var contracontrole no laboratório deve-se em grande p arte ao fato de
que s u a s próprias técnicas de investigação o im pedem .
Porque eles têm fracassado em ver e investigar contram edi­
das que seu s sujeitos poderiam tom ar se fossem m enos confinados,
an a lista s do com portam ento freqüentem ente desconsideram o con­
tracontrole quando avaliam ou aconselham os outros a respeito de
punição. A p esq u isa de laboratório tem sido bem -sucedida em pro­
duzir conhecim ento exatam ente por c a u sa do controle que perm ite;
em n en h u m lugar fora do laboratório tal controle é possível. Mesmo
h u m a n o s cativos finalm ente desenvolverão m edidas de co n tracon­
trole. Q ualquer consideração de punição como u m m étodo de con­
trole com portam ental deve levar em consideração este efeito colate­
ral im portante.
228 M urray S id m a n

Quem controla quem? Analistas do comportamento conside­


ram como certo o controle da conduta, estudando e tentando e n te n ­
dê-lo no laboratório e na clínica. Pessoas que não estão familiariza­
das com a disciplina, ou que se incomodam com a noção de que a
su a própria conduta é determ inada algumas vezes vêem analistas do
com portamento como defensores do controle comportamental. Isto é
análogo a ver físicos não como investigadores, m as como “propulso­
res” das leis da gravidade, ou imunologistas como pessoas que te n ­
tam “fraudar” o sistem a imunológico. Discussões que começam com
a questão “o comportamento é controlado?” freqüentem ente term i­
nam com a questão “o comportamento deveria ser controlado?” E,
então, com u m a astúcia sarcástica em relação ao analista do com­
portam ento, o oponente do controle quase inevitavelmente pergunta:
“Mas quem vai controlar?” Analistas experimentais do com porta­
mento não defendem controle comportamental: eles o estudam . A na­
listas aplicados do comportamento não tom am a conduta controlá­
vel; dado o controle existente, eles tentam modificá-lo em direções
que indivíduos e comunidade considerem desejáveis.
“Comportamento deveria ser controlado?” é para o analista
do comportamento u m a questão sem significado. Comportamento
está sempre sendo controlado; nós não temos opção. Mas a questão
de quem vai controlar permanece u m a preocupação p ara todos, p a r­
ticularm ente quando controle coercitivo predomina. V oluntariam en­
te entregamos am plas áreas de controle sobre nossa própria conduta
a outros, m as aqueles a quem confiamos este controle — os legisla­
dores e os que fazem cum prir a lei. professores, agências regulado­
ras de todos os tipos — algumas vezes abusam de seu poder. E
algum as vezes nos descobrimos sobrecarregados com controle ao
qual não nos submetemos voluntariam ente — o govemo tom a-se
ditatorial, as leis são aplicadas seletivamente, punições cruéis e
não-usuais são adm inistradas, a vigilância de movimentos e da fala
leva à restrição e à censura. Analistas do comportamento são vistos
como suspeitos de querer aplicar este conhecimento em seu próprio
beneficio. Estes e outros problemas potenciais causam desconfiança
em relação ao controle comportamental e estão subjacentes à q u es­
tão de “quem ”.
Todas as tecnologias são passíveis de m á aplicação e a tecno­
logia com portam ental não é exceção. Embora um entendim ento
crescente da coerção traga consigo a possibilidade de m elhorar m u i­
to aquilo que está errado em nossas vidas, ele tam bém to m a p o ssí­
vel um a exploração mais fundam entada, fria e efetiva de técnicas
coercitivas. Contracontrole provê o mecanismo corretivo contra tal
Coerçãoesuasimplicações 229

exploração respondendo à nossa preocupação sobre quem controlará.


Negar a existência do controle não provê resposta segura à questão de
quem controlará. Tal negativa apenas deixa o controle nas mãos daqueles
que coagiriam o resto de nós em seu próprio beneficio. Reconhecer a
universalidade do controle, com seu amplo componente coercitivo, é o
primeiro passo para o contracontrole efetivo.
Mais cedo ou mais tarde, tiranos poderosos e egoístas têm o seu castigo.
Mesmo antes de uma revolução real, um cidadão coagido aplica contracontrole
que ajuda a equilibrar a severidade da repressão governamental. De algum
modo, a colheita não atinge as expectativas; a produção industrial fica aquém
das cotas exigidas; pichações expressam sentimentos hostis; atos-relâmpago
de violência mantêm a polícia e forças militares em posições defensivas;
panfletos, livros e outras publicações “subversivas” evitam a censura por rotas
tortuosas; atletas, escritores e artistas famosos exilam-se em outros países. Os
ap licad o res de choques descobrem -se ocupados desviando-se dos
contrachoques. Pode levar muitos anos antes que o contracontrole final seja
bem-sucedido mas, enquanto isto, medidas menores abrem seu caminho.
Nos Estados Unidos, em vez de assumir a tarefa impossível de
eliminar o controle, deliberadam ente atribuímos responsabilidade pelo
controle com portam ental a indivíduos e instituições específicos. Estes
variam de pais e escolas a representantes eleitos e forças militares. Ao mesmo
tempo, introduzim os contracontrole em nosso sistem a social e legal.
Estabelecemos mecanismos para excluir do cargo executivos e legisladores
que exploram a confiança neles depositada, mecanismos para ação legal
contra aqueles que executam atos anti-sociais, para proteção policial e
m ilitar contra agressão local e internacional, perm itindo que posições
opostas — trabalho e gerenciamento, Leste e Oeste, comércio e preservação,
conservador e liberal — sejam ouvidas, em vez de suprim idas. Os
mecanismos de equilíbrio são frágeis, algumas vezes parecendo pender tão
com pletam ente, que o lado m ais pesado com eça a aplicar pressões
coercitivas contra o outro. E assim, vemos um presidente, eleito por ampla
maioria, concluindo que ele representa apenas aqueles que votaram nele.
Encontramos empresas afundando por causa de dificuldades econômicas
gerais, am eaçando de falência para coagir seus empregados a aceitarem
reduções em seu salário. Em tempos de receitas municipais decrescentes,
vemos prefeitos e agências públicas sacrificando amplas áreas de suas cida
230 M urray S id m a n

des, física, social e esteticam ente, p ara se beneficiar d as vantagens


financeiras do desenvolvimento imobiliário. Mas, negro como tem
sido o panoram a, p ara diferente ; in teresses em vários m om entos, a
exploração coercitiva, seja legal ou ilegal, não tem persistido. A longo
prazo, os m ecanism os de contracontrole funcionaram . Se eles co n ti­
n u arão a funcionar ou se serão colocados p ara operar a cu rto prazo
pode depender de n o ssa disposição de estabelecer m ecanism os for­
m ais de contracontrole que tirem proveito de, em vez de neg ar a
realidade do controle com portam ental.
15

Por que fazemos isso?

Por que a coerção é tão universal? A punição envenena rela­


ções, em p u rra crianças p ara fora da família, subverte a aprendiza­
gem, gera violência e nos to m a doentes. O reforçam ento negativo
produz vidas de desespero, esm aga a engenhosidade e a produtivi­
dade, tran sfo rm a a alegria em sofrimento, confiança em medo e
am or em ódio. A coerção é responsável por ta n ta m iséria; por que
ela p ersiste? Podemos apenas te n ta r n o s a d ap tar o m elhor que p u ­
derm os à coerção da natureza, m as devemos ser capazes de fazer
algo m ais constm tivo sobre a n o ssa própria coerção. Precisam os
entender n o ssa própria conduta.

Criaturas do momento
Por que acreditam os tão fortem ente n a punição? Por que
controlam os os outros levando-os a fugir ou esquivar de punição?
, Sem pre que quiserm os conhecer as razões de qualquer conduta, a
prim eira questão a fazer é; “Qual é o reforçador?’’ Q ual é o nosso
pagam ento por p u n ir e am eaçar pu n ir? Se puderm os en co n trar o
reforçador, terem os dado um enorm e passo n a direção da com preen­
são de nossa própria conduta e, então, de fazer algo por ela.
232 M urray S id m a n

P ara descobrir o que nos reforça por p u n ir os outros, olhe


p a ra o que acontece im ediatam ente depois. E ste prim eiro efeito pode
ser claro e dram ático; p u n ir pessoas as faz interrom per o que estive­
rem fazendo. Este é o nosso reforçam ento. E m bora talvez não p er­
m anente, a cessação im ediata do ato punido é a b ase p a ra nossa
crença n a punição.
Todos os efeitos colaterais vêm m ais tarde. Podemos estar
totalm ente não-conscientes d as repercussões a tra sa d a s — a fuga e a
esquiva, o contracontrole, a supressão, a rigidez e a incapacitação
que n o ssa punição engendra. O que vemos acontecer prim eiro — a
co nduta p u n id a p á ra — influencia-nos m ais fortem ente. Este é o
sentido no qual som os cria tu ras do mom ento. E sta é provavelmente
a principal razão porque nos agarram os à punição como nosso p rin ­
cipal meio p a ra controlar com portam ento; seu efeito im ediato é for­
tem ente reforçador — p ara nós, como punidores.
É isto que querem os? Podemos ficar satisfeitos quando um
problem a parece desaparecer, m as reaparece m ais ta rd e de um a
form a m ais séria? Infelizmente, lógica e princípios do com portam en­
to estão em desavença aqui. U m a vez que saibam os o que a punição
realm ente faz. a lógica nos diz que deveríam os en co n trar algum
outro cam inho. Mas, quando se p assa p a ra o controle de nossa
conduta, a lógica por si m esm a não com pete com êxito com o refor­
çam ento im ediato. A lógica necessita su sten ta ção do am biente.

“Coerção é fácil” •
U m a ação p u n id a p ára im ediatam ente, aju d an d o a criar a
ilusão de que a punição realm ente cum pre su a tarefa. Um tapa
ligeiro, um grito, ou ap en as u m gesto ou olhar am eaçador podem ser
suficientes p a ra fazer com que crianças, cônjuges ou alu n o s in ter­
rom pam o que estão fazendo. Com um esforço mínimo, u m refém
aprisionado, um oficial assassin ad o ou u n s poucos cidadãos depor­
tados ou baleados m antêm -se instituições, com unidades e nações
n a linha.
A curto prazo, a punição é freqüentem ente o cam inho fácil,
m as “fácil” é u m a coisa relativa. Em bora Bobby F isher fizesse p are­
cer fácil participar de um cam peonato de xadrez e M artina Navratilo­
va jo g a r tênis, não é fácil p ara nós im itá-los. Coisas feitas por espe­
cialistas sem pre parecem fáceis, m as geralm ente eles trab alh am
duro p ara fazê-las parecer assim . É possível, tam bém , influenciar
com portam entos de m aneiras não-punitivas e fazer isto p arecer fá­
cil, m as aprender como fazê-lo exige trabalho. Punição é fácil no
Coerção e s u a s im plicações 233

sentido de que não req u er treinam ento especial. E n tretan to , com


exposição adequad a à análise do com portam ento, o uso do reforça-
m ento positivo e o u tras técnicas não-coercitivas pode to rn ar-se a
segunda natu reza, parecendo até mesm o tão fácil q u an to a coerção e
agindo não m enos rapidam ente. Não h á razão porque m an eiras não-
coercitivas p a ra influenciar e g u iar u n s aos outros precisem p erm a­
necer re strita s a especialistas, exceto talvez em casos como deficiên­
cias desenvolvim entais, nos quais esforços especiais são requeridos.
Eu direi m ais sobre isso nos capítulos finais.
E então, quando am pliam os n o ssa visão, vem os im ediata­
m ente que a punição não ê realm ente tão fácil, afinal de contas.
Em bora ela p areça funcionar, os problem as que surgem m ais tarde
consom em esforço, dinheiro e sofrim ento em ocional; freqüentem en­
te, é m uito tarde p a ra resolvê-los. Os efeitos colaterais atrasad o s
devem ser contados como custos.
Mas, no presente, estam os atad o s. N ossas p ráticas coerciti­
vas solidam ente arraig ad as to rn am difícil que nos libertem os. Como
no golfe, tênis ou piano, u m a vez tendo aprendido os movimentos
errados, descobrim os se r difícil m udar. O prim eiro efeito de q u al­
qu er m u d an ça é nos fazer te r um desem penho pior e não melhor.
Sim ilarm ente, na época em que atingim os a idade ad u lta, hábitos de
coerção já se to rn aram fixos; a m u d an ça to rn a as coisas inicialm en­
te piores. Q uando aprendidos desde o início, os m ovim entos corretos
não são m ais difíceis que os movimentos incorretos, aqueles que
com eçam corretam ente descobrem ser fácil c o n tin u ar m elhorando.
De algum modo tem os que com eçar com nossos filhos se quiserm os
reverter o padrão tradicional que faz com que altern ativ as à coerção
pareçam im praticáveis.
Existem o u tras m an eiras de fazer o que a punição faz, m as
sem os se u s efeitos colaterais? Podemos produzir m u d an ças em
n o ssa própria co n d u ta rearran jan d o nosso am biente p a ra encorajar
alternativas à punição? C om preender as leis do com portam ento é o
prim eiro passo. Nos próximos capítulos vou sugerir algum as dire­
ções às quais tal com preensão poderia nos conduzir.

Alguma coerção é inevitável


Atos de Deus. Não podem os ter a expectativa de elim inar
toda a coerção d a vida. Por u m a razão: a n atu re za é inerentem ente
coercitiva. J u n to com s u a in trin cad a beleza, recu rso s ú teis e o p o rtu ­
nidades p a ra descoberta e criatividade, a n atu re za tam bém nos for­
ça a co n stru ir e m an ter salvaguardas co n tra incêndio, tem pestade.
234 M urray Sidm an

fome, enchente e do^rjça. Q uando ap en as defesas triviais são possí­


veis: corro em terrem otos, erupções vulcânicas, to m ad o s e ressacas
de m arés, dependem os de m ecanism os de aviso com antecedência
p a ra nos dar tem po suficiente p a ra escapar. Então, os que têm sorte
heroicam ente acorrem p a ra resg ata r os m enos afortunados, aqueles
cujos “atos de D eus” deixaram feridos, desabrigados ou sem família.
A m orte é o coercedor último. Em bora inevitável, ela é fre­
qüentem ente adiável: escolhem os com cuidado onde construirem os
n o ssa casa e seguim os padrões de co n stru ção que reduzem a pro­
babilidade de desastres fatais; b u scam o s tratam en to médico quando
a doença am eaça e prevenim os epidem ias com im unização e aplican­
do padrões de saneam ento, preservação e p reparação de alimentos;
estabelecem os sistem as de inspeção p ara g aran tir a seg u ran ça de
aviões, tren s, ônibus e autom óveis. Alocamos recu rso s públicos e
privados su b stan ciais p ara o adiam ento da morte.
Mesmo a inevitabilidade da m orte controla m uito de nossa
conduta. A certeza de deixar este m undo nos engaja em ritu al espiri­
tu alm en te orientado, sob o controle da religião institucionalizada;
ela nos envolve em ritos de testam en to s, propriedades e heranças,
sob o controle de advogados e contadores; ela nos coloca co n tra o
cobrador de im postos que reclam aria de nossos filhos u m a porção
considerável de nossos recu rso s ard u am en te obtidos depois que nos
formos. A alta probabilidade de d esastre n a tu ra l e a inevitabilidade
da m orte são fontes im p o rtan tes de coerção, determ inando como e
quando g astam os m uito de nosso tempo, energia e recursos. Muito
freqüentem ente, estas lu ta s co n tra a n atu re za tam bém fornecem um
modelo p a ra n o ssa s interações.

Competição. Alguma coerção social tam bém é inevitável. Pro­


vavelm ente, ain d a som os dirigidos por algum as disposições heredi­
tá ria s em relação à possessividade territorial e sexual. Recursos
ú teis ou valiosos, freqüentem ente já lim itados em q u an tid ad e, estão
se tornando cada vez m ais escassos à m edida que os proprietários e
u su ário s destes b en s afirm am seu “direito” de gastá-los. M uitas
o portunidades de desenvolvim ento econômico, político, educacional
oü profissional são ab ertas ap en as p ara u n s poucos. D esde que não
h á riquezas, poder, recu rso s e sucesso suficiente p ara ser dividido, o
ganho de u m a pessoa significará a perd a de u m a outra.
Conflitos de in teresses p essoais en tre indivíduos tam bém são
tão inevitáveis que consideram os a com petitividade como u m traço a
ser adm irado. Nós a promovemos explicitam ente por meio da com pe­
tição institucional. Idolatram os heróis do esporte; com bates atléticos
Coerção e s u a s im plicações 235

de todos os tipos traz grandes som as de dinheiro p ara os gladiado­


res, dos seus patrocinadores e dos milhões de espectadores. Conce­
demos bolsas de estudos por mérito aos melhores estudantes, dei­
xando os quase-melhores à su a própria sorte. Garantimos prêmios
monetários aos líderes nas artes, ciências e profissões, enquanto
tentam os persuadir o resto de que a honestidade e a objetividade na
busca de conhecimento não têm preço. Concedemos privilégios espe­
ciais para aqueles que subiram ao topo em seus campos, freqüente­
mente ignorando os meios que utilizaram para chegar aí, m uitas
vezes até mesmo estendendo a eles licença especial p ara operar fora
das leis que restringem a todos os outros; o “Chefão” que se tom ou
im portante por meio de assassinato, corrupção e fraude, explorando
o outro por meio de drogas, prostituição e jogo, recebe deferência,
estim a e até mesmo admiração de herói da mídia e de um amplo
segmento do público em geral. Respeitamos vencedores e temos p ie­
dade dos perdedores, m as desprezamos aqueles que se recusam a
competir.
Estam os tão ocupados adm irando vencedores que não n o ta­
mos a coercitividade essencial da competição. Seja no esporte, na
política, nos negócios, em exames que dependem quase exclusiva­
m ente de nossa posição em relação a outros, ou em um vôo para a
morte em um avião ou a cavalo, ou com u m soldado inimigo, o
sucesso competitivo vem ãs custas de alguém. Nosso troféu, nosso
‘10’ no curso, nosso escritório político, nosso lucro nos negócios ou
o próprio presente da vida derivam valor — algumas vezes seu único
valor — do fato de terem sido tom ados indisponíveis p ara alguém
mais. Ter ganho significa ter infligido ou ter desviado u m choque em
um a outra pessoa, ter sujeitado um outro a privação ou ter tomado
de um outro a vida. É disto que trata a competição.
O reforçador de um a pessoa precisa ser o punidor de um a
outra? Provavelmente não podemos eliminar completamente a com­
petição; m as n a medida em que a escassez a sustenta, certamente
podemos reduzir a necessidade de competir pelas necessidades da
vida. Em inum eráveis ocasiões a generosidade realmente prevalece;
aqueles que possuem um excedente de alimento, equipamento ou
competência vêm em auxílio de outros que passam por sofrimento
agudo. Precisamos esperar por emergências antes que com partilhe­
mos nossos recursos?
O com partilhar não precisa depender de altruísmo. Interesse
pessoal, iluminado pelo conhecimento das conseqüências de longo
prazo da privação forçada, tom a a distribuição geral de recursos e
tecnologia em inentemente sensata. Porque vencer sempre vem às
236 M urray S id m a n

cu sta s de alguém, os perdedores do m undo finalm ente reagem a


seu s vencedores como o fariam em relação a q u alq u er fonte de
choques e privações. Os despossuídos de u m a com unidade, cu lp a n ­
do aqueles que obviamente têm m ais por su a s próprias d esv an ta­
gens, agem fora d a lei p a ra redirecionar o equilíbrio. Os E stados
U nidos são odiados e tem idos m undialm ente por aqueles que vêem
su a extraordinária riqueza como sendo possível ap en as às c u sta s de
su a pobreza. Eles justificam s u a agressão esporádica, porém cres­
cente, e seu contracontrole por meio de terrorism o, como defesas em
espécie co n tra a m orte e violência cotidianas im postas a eles pelos
frios vencedores.
Não ad ian tará os com placentes vencedores sim plesm ente se
ressentirem de u m a tal visão acu san d o -a de im precisa e injusta:
“por que não copiar n o ssa prosperidade, em vez de te n ta r d estruir-
n o s?” E sta justificativa auto-indulgente ignora as realidades de a m ­
bientes duros e de falta de treinam ento que negam a incontáveis
pessoas o acesso a recu rso s e a ganho potencial. A co n tín u a p o stu ­
lação m oral — “a oportunidade e stá disponível p a ra todos” — ap en as
produzirá m ais am arg u ra e contracontrole violento. Sorte que não é
com partilhada não co n tin u ará. Se a explosão não acontecer em n o s­
sa vida, nossos filhos e seu s filhos terão de enfrentá-la.
Tam bém não ad ia n ta rá m an ter o problem a controlado e ma-
nejável criando sistem as policiais e m ilitares poderosos. D entro de
um a com unidade, fortalecer a força policial ap en as intensifica o
conflito. Internacionalm ente, a represália m ilitar ao terrorism o, em ­
bora provavelm ente inevitável agora que se perm itiu ao terrorism o
ser tão freqüentem ente bem -sucedido, ap en as g aran te a co n tin u a­
ção do ciclo de atrocidade e contra-atrocidade.
Ainda pior, com prar proteção m ilitar e policial nos coloca
finalm ente sob o controle coercitivo dos protetores; a longo prazo os
executorcs. dom inam seu s em pregadores. B u scan d o estre ita m e n te
m ais e m ais poder p a ra cu m p rir a lei e m a n te r a ordem , a polícia
perde de v ista os direitos sociais e p essoais que a lei e a ordem
devem proteger; ac a b a por to m ar a lei em s u a s p ró p rias m ãos,
não a p e n a s protegendo-a, m as fazendo-a. E n ão im p o rta quão
bem -sucedidas possam ser operações m ilitares globais, a n ecessid a­
de de m antê-las e intensificá-las nos to m a perdedores; necessidades
de “defesa” finalm ente to m ara impossível m an ter o modo de vida
para cuja proteção estabelecem os o sistem a de defesa. O sistem a
m ilitar se apropria de todos os recursos p ara seu próprio uso, b u s ­
cando tam bém controle político a fim de proteger o que se tornou
seu próprio interesse. D ependência exclusiva d a proteção da polícia
Coerção e s u a s im plicações 237

e m ilitar m ais cedo ou m ais tarde cria um estado policial- Acabam os


subservientes aos nossos defensores.
A questão não é lógica ou moral; o problem a é com portam en
tal. E nquanto outros nos virem como u m a fonte de choques, eles
reagirão a nós como ao próprio choque — lógica, precisão e ju stiça
não im portando. Competição é inevitavelm ente coercitiva; coerção
produz afastam ento, esquiva e, finalm ente, contracoerção. Os vence­
dores de hoje se to rn am os perdedores de am anhã; as leis do com­
portam ento prevalecerão.
Som ente alterando as contingências, as interações entre con­
d u ta e am biente por meio d as quais as leis com portam cntais ope­
ram , com eçarem os a ver cooperação su b stitu ir contracontrole. Pode­
ríam os realm ente co n stru ir u m a sociedade que desvaloriza a com pe­
titividade, reconhecendo-a como contraprodutiva em ú ltim a in s tâ n ­
cia? Ninguém sabe a resp o sta a esta questão, m as a análise do
com portam ento to m a clara a dificuldade. Os efeitos destrutivos da
com petição e os resu ltad o s construtivos da cooperação são freqüen­
tem ente m uito atrasad o s e a co n d u ta é relativam ente insensível a
conseqüências atra sa d as. Não acham os fácil agir agora se não ve­
mos os benefícios im ediatos.
E ainda assim , o problem a não pode ser insolúvel. O que
podem os fazer p ara aju d ar a cobrir o espaço en tra ação e conse­
qüência, para colocar o que estam os fazendo agora sob controle de
seu s resultados de longo prazo? O que iria nos fazer m u d ar um a
atividade atual com bt.se em su a s conseqüências a tra sa d a s, ainda
que a s conseqüências im ediatas pareçam van tajo sas? Pode-se ap o n ­
ta r p a ra pequenas indicações de que processos ú teis realm ente exis­
tem. A substituição da com petição pelo com partilhar aparen tem en te
teve algum sucesso nos kibbutz de Israel, em algum as com unidades
u tópicas e em outros grupos m enos estru tu ra d o s socialm ente nos
E stados Unidos e em outros lugares. E stas com unidades relativa­
m ente pequenas não resolvem o problem a p ara todos, m as nem seus
sucessos nem seu s fracassos têm recebido a análise que merecem.
Não nos beneficiam os d as lições que elas têm p ara nós.
A lguns indivíduos tam bém parecem fortem ente orientados
em relação ao futuro, sofrendo dificuldades presen tes p ara to rn ar as
coisas m ais fáceis m ais tarde. M uitos pais p assam por desconfortos,
inconveniências e até mesmo necessidades p ara g u ard ar dinheiro
p ara a educação de seus filhos; m u itas p esso as privam -se de gratifi­
cação presente p ara fazer um seguro contra em ergências, m uitos
econom izam s u a ren d a atu al p ara prevenir-se co n tra a m enor cap a­
cidade de obter recursos depois da aposentadoria; grupos ativistas
238 M urray S íd m a n

procuram deter o previsível esgotam ento de recu rso s n a tu ra is, a


destruição d a cam ad a atm osférica co n tra raios danosos e tem p era­
tu ra s extrem as e a am eaça do holocausto nuclear. Que' tipo de
h istó ria com portam ental foi n ecessária p ara que conseqüências m ui­
to a tra sa d a s tivessem controle tão poderoso sobre a co n d u ta desses
indivíduos? A análise do com portam ento e stá ap en as com eçando a
te n ta r responder a esta questão.
Na ciência, questões não-respondidas levam a experim entos.
D ados to m am possível decisões bem -inform adas. Com a sobrevivên­
cia da espécie em jogo, poder-se-ia esp erar ver experim entação so ­
cial sendo efetuada, não p ara provar qualquer ponto p articular, m as
p a ra to rn a r disponíveis dados que serviriam de b ase p a ra ju lg a m e n ­
tos sobre a validade de práticas sociais. J á sabem os o suficiente
sobre coerção p a ra ter certeza de que finalm ente ela leva ao d e s a s ­
tre, m as não sabem os se a espécie h u m a n a é capaz de existir sem
m ortal com petitividade. Se a capacidade não existir, a q u estão e s ta ­
rá au tom aticam en te respondida; os h u m an o s hão de se ju n ta r a
seu s an cestrais n a extinção. Se o potencial existe de fato, tem os que
descobri-lo e então explorá-lo.

Caridade. A inerente coercitividade d a com petição e stá sufi­


cientem ente clara. Um resultado de com petitividade desenfreada é o
nosso m undo partido em possuidores e despossuídos, u m a e s tr u tu ­
ra que agora se prova instável. A caridade institucionalizada e priva­
da e as “redes de segurança" governam entais te n tam prover níveis
m ínim os de apoio p a ra os m ais severam ente privados, m as eles nem
im pediram o alargam ento da lacu n a econôm ica nem reduziram a
am eaça de instabilidade social.
Uma solução m uito defendida p ara o problem a de u m a socie­
dade dividida em dois é im por a igualdade por meio da redistribui-
ção de toda a riqueza e recursos. E sta proposta tom a u m a de d u as
form as, am bas coercitivas; u m a é sim plesm ente to m ar todas as pos­
ses das d u a s m etades e dividi-las entre os despossuídos; a o u tra é a
p esada taxação pelo governo, o suficiente p ara prover estabilidade
p ara todos. Aqueles que exigem u m a d estas soluções não as p e n sa ­
ram até seu s resultad o s finais.
R edirecionar o desequilíbrio atu al confiscando e red istrib u in ­
do, em bora po ssa apelar p ara o sentido de ju s tiç a de alguns, não
p roduzirá estabilidade. D ada a con tin u idad e da com petitividade,
apenas veríam os ciclos repetitivos de concentração e su b seq ü en te
redistribuição forçada de riqueza. Q uais são as contingências aqui?
Vencer, em bora seja recom pensado de início, é finalm ente punido;
Coerçãoe suasimplicações 239
perder, embora punido de início, é finalmente recompensado. Uma
conseqüência destas contingências serão ondas crescentes de opressão severa
crescente por parte daqueles que ganharam tudo e desejam mantê-lo e
contramedidas crescentemente violentas por parte daqueles que nada têm a
perder.
Tais ciclos de ganho e perda, perda e ganho simplesmente mantenam
eternamente os grupos em disputa, primeiro um dominando e, então, o outro.
Quão freqüentemente vimos este processo se repetindo no terreno da
propriedade? O governo se apropria de toda a terra e a devolve para “o
povo” — os pequenos agricultores. Não demora muito e alguns agricultores
ganharam tudo para si e mais uma vez o governo e os ricos experienciam
ataques violentos de proponentes revolucionários da reforma agrária.
Podemos ver um processo semelhante se iniciando em nossas cidades, onde
a falta de moradia popular está levando governos locais a impor pressões
confiscatórias contra proprietários de terra. A ferramenta coercitiva produzirá
apenas uma nova geração de monopolistas, aqueles que pegaram as menores
parcelas e a juntam novamente para seu próprio beneficio.
A política governamental de bem-estar, que pretende eliminar pelo
menos os extremos de riqueza e pobreza, acabará em uma sociedade dividida
em dois de um outro tipo, não mais satisfatória e produtiva e provavelmente
não mais estável que a atual. Já podemos ver os primeiros resultados da
segurança econôm ica, habitacional e de saúde que é provida
independentemente de qualquer coisa que o indivíduo faça ou deixe de fazer
— o que quer dizer, sem relação contingente entre conduta e conseqüência.
O que se supõe vir a ser uma sociedade sem classes está a meio caminho de
tornar-se uma nova estrutura de dois níveis, hospedeiro e parasita,
freqüentemente visto na natureza, mas raro, em grande escala, entre humanos.
Isto não é um julgamento de valor, nem um ataque ao liberalismo. E
uma conclusão que a análise do comportamento toma inevitável. Um estado
de bem-estar viola a primeira lei da conduta: o que as pessoas fazem é ditado
pelo que acontece. Naturalmente, outros fatores modulam esta primeira lei;
conseqüências não agem isoladamente. Mas, é freqüentemente revelador
examinar projeções que não reconhecem como fontes de interferência os
processos básicos de reforçamento. Tais análises podem ser úteis por nos
mostrar para onde nos dirigimos se não modificarmos as contingências.
No futuro , sem intervenção , quais são os dois níveis a serem
esperados do com partilhar não-contingente de todos os recursos da
comunidade e como surgirão estes dois níveis? Um lado da socieda_
240 M urray Sidm an

de do b em -estar conterá produtores, ou outro, p arasitas. P essoas da


classe trab alh ad o ra irão se engajar interativam ente em seu am bien­
te, m udando-o, deixando nele su a m arca, co n struindo repertórios de
co n d u ta variados em resp o sta à s contingências n a tu ra is e sociais;
os trab alh ad o res levarão vidas produtivas e potencialm ente satisfa­
tórias. Aqueles d a classe de p arasitas receberão tu d o em troca de
nada, recostados com su a s bocas ab ertas à espera de alim ento, não
interagindo com e, até m esm o, alienados de seu s am bientes; os
p arasitas perm anecerão infantis e não-produtivos. Este bem conhe­
cido problem a familiar, a crian ça m im ada, h á de se generalizar para
toda u m a sociedade.
P arasitas, com su a s necessidades b ásicas satisfeitas, têm
pouco incentivo p a ra m udar. Por que ser u m p ro d u to r quan d o ou­
tros estão dispostos a fazê-lo por você? Por qu an to tem po os pro d u ­
tores vão se m a n ter produtivos n estas circu n stân cias? Por quanto
tem po vão se m an ter dispostos a dividir, quando virem os frutos de
seu trabalho desviado p ara aqueles que os obtêm sim plesm ente p a­
rando e esperando? A relação é inerentem ente instável.
Problem as que se originam de acesso desigual aos recursos
do m undo não serão resolvidos aplicando-se m edidas cad a vez mais
severas p a ra m an ter os despossuídos em seu lugar ou, sim plesm en­
te, entregando-lhes u m a parte. A m bas a s soluções abordam o pro­
blem a ao contrário, ten tan d o im pedir contra-reações, seja elim inan­
do os despossuídos, seja reforçando a passividade. Vimos que te n ta ­
tivas p ara elim inar com portam ento são finalm ente autoderrotadas.
C aridade não-contingente pode ser igualm ente devastadora, to m a n ­
do doadores em hipócritas e recebedores em seres vegetativos.
A satisfação de n o ssas necessidades independentem ente do
que quer que seja que façam os ou deixemos de fazer to m ar-n o s-á
essencialm ente sem com portam ento. C ontingências am bientais ge­
ram novo com portam ento; quando nossos atos produzem conse­
qüências, nós aprendem os. Q uando essas conseqüências vêm inde­
pendentem ente do que quer que seja que façam os ou deixemos de
fazer, nós ou não conseguim os ap ren d er ou aprendem os, n a realida­
de, a fazer nada.
Em bora seja sen sato e, freqüentem ente, satisfatório com par­
tilh a r os frutos do sucesso com os m enos afortunados, e stá longe de
ser caritativo to rn ar este com partilhar não-contingente. D oar cega­
m ente, em nom e do hu m an itarism o , garan te que aqueles que preci­
sam de caridade porque não têm capacidades produtivas m anter-se-
ão incapazes. Não im porta quão desagradável considerem os a noção
de controlar os outros por meio de doação contingente, nós os con-
Coerçãoe suasimplicações 241

trolamos de qualquer modo— inadvertidamente, mas da mesma forma efetivamente


— por meio de caridade que não está relacionada a qualquer coisa que eles aprendam
ou consigam fazer. A caridade não-contingente produz e perpetua a pobreza.
Portanto, a caridade em si mesma não provê solução para os problemas
que a coerção competitiva coloca. Manter as pessoas sem comportamento não é
um favor para elas, as destrói. Uma classe social definida por incompetência e
ignorância, com a conseqüente inabilidade de seus membros para deixar essa classe
ou mesmo para se sustentarem a si mesmos dentro dela, finalmente tomará o
restante da sociedade ressentido. Tendo sido forçados, em nome da humanidade, a
se manterem no mesmo estado que os toma objetos de caridade, eles finalmente se
tomam alvo de hostilidade e repressão.

Autodefesa e vingança. O poder das conseqüências imediatas garante


que a coerção nunca desaparecerá completamente. O mundo é imperfeito e
assim somos nós. Atingidos por choques, revidamos; esgotaaa a nossa
paciência, por um a criança m alcom portada, gritam os, estapeam os e
espancamos; acometidos por pânico, pela violência dos outros, retaliamos;
oprimidos por um poder insensato, um governo ambicioso, nos rebelamos e
praticamos revanche sobre nossos antigos exploradores; ofendidos por e
temerosos de conduta não-convencional, fazemos os não-conformistas “andar
na linha, ou assum ir as conseqüências” ; desesperados por trabalhar
incessantemente para nos afastar da pobreza, nos voltamos contra o sistema.
E demais esperar de nós mesmos que saibamos reagir o mais efetivamente
possível em cada situação, que saibamos agir sempre sabiamente não importa
quais as pressões do momento. E, assim, nós sempre cometemos erros, fazendo
aquilo que traz alívio imediato, a despeito, ou na ignorância, do que possa
acontecer mais tarde.
Erros ocasionais não precisam nos preocupar. Uma repreensão ou
um tapa de pais que são usualmente amorosos, preocupados e protetores
provavelmente não causará qualquer dano. Crianças e alguns adultos estão
sempre testando limites. Com um background de reforçamento positivo, uma
punição defensiva aqui e ali provavelmente será tratada menos como um
choque do que como um sinal de que um limite razoável foi ultrapassado. Os
pequenos erros de momento cuidarão de si mesmos, conquanto que não os
deixemos escapar de controle. De maior preocupação é a necessidade de defesa
de agressão aberta e de alguns dos mais sutis ataques sobre as frágeis acomoda
242 M urray S id m a n

ções que perm item às com unidades sobreviverem a despeito de inte­


resses individuais em competição. E stes elem entos coercitivos pro­
vavelm ente não desaparecerão mesm o em u m a u to p ia com porta-
m ental. Os pecados clássicos, favorecidos por p ressões am bientais
incontroláveis e por processos biológicos norm ais, sem pre estarão
conosco. N enhum am biente, não im porta quão não-coercitivo, pode
gratificar todo m undo e alguns sem pre dem andarão m ais do que
outros estão dispostos a dar. A privação é relativa; o que satisfaz
alguns, deixará outros descontentes. Mesmo gêm eos idênticos não
m anterão exatam ente os m esm os equilíbrios horm onais e ritmos
biológicos, nem experienciarão exatam ente o m esm o am biente. Se
reduzíssem os fuga violenta, esquiva e contracontrole, su b stitu in d o
controle coercitivo por não-coercitivo, algum a coerção ain d a desliza­
rá por meio do processo de aculturação, colocando em perigo o
resto. A utoproteção co n tra crime, engano, exploração, incom petên­
cia. ignorância e m alícia sem pre será necessária.
Temos de nos defender do ataque. Em bora indivíduos pos­
sam efetivam ente conter violência com não-violência, d a r a o utra
face não funcionará p a ra a sociedade como u m todo. Mesmo quando
n o ssa própria com unidade é cu lp ad a pela violência individual, não
se pode esp erar que m ergulhem os n a culpa e perm itam os que a
violência continue incontida. A utodefesa é a ú n ica justificativa inte­
ligente p a ra responder à violência com violência, a ú n ic a função
válida de guerras, prisões e p en a de morte. Uma vez que nosso
m ecanism o de controle coercitivo te n h a produzido contracontrole
violento contra nós, tem os de responder à agressão com nossos
próprios m étodos de contracontrole. Não poderíam os esp erar agir de
o utra m aneira; ninguém está acim a das leis do com portam ento.
M eram ente escondem os esta verdade sobre nós mesmos,
quando tentam os ju stificar prisões e p en a capital afirm ando que
elas reform am crim inosos e m antêm outros no cam inho certo. Cri­
m es capitais contin u am a despeito da pen a de m orte e prisões pro­
duzem m ais crim e que previnem. A análise do com portam ento torna
claro porque as infrações continuam . E n tretan to encarceram os ou
assassin am o s tran sg resso res, racionalizando n o ssa pró p ria violên­
cia, afirm ando que estam os reabilitando aqueles que erraram , ou
que estam os estabelecendo um exemplo que im pedirá ou tro s de
trilh ar aquele cam inho, ou que estam os obedecendo a u m im perati­
vo moral.
C ontinuam os a ju stificar contraviolência como u m método de
correção e reeducação, a despeito de todas as evidências de que
estes objetivos desejáveis co n tin u am não-atingidos. Novamente,
Coerção e s u a s im plicações 24 3

olhar p ara as conseqüências pode to m a r n o ssa co n d u ta com preen­


sível. O que conseguim os, sim ulando m a n d ar tran sg resso res p a ra o
cativeiro p a ra seu próprio benefício ou afirm ando u m a justificativa
m oral p ara tira r a vida de u m assassin o ? E stas autojustificações
funcionam como u m m ecanism o de esquiva. A sociedade proclam a
que violência e a ssassin ato são perniciosos; quando ela se com pro­
m ete com a violência e ela m esm a p ratica assassin ato , ela só pode
reconciliar su a s ações com seu s padrões sim ulando e s ta r fazendo
algum a o u tra coisa. A cu ltu ra e religião ocidentais prescrevem vin­
gança; a com unidade, p raticando retaliação, disfarça isto em ju stiça.
A persistência de u m a p o stu ra m oral diante de fatos contraditórios
sugere fortem ente u m a cam uflagem .
O fensas não-violentas, u su alm en te não-ilegais, a d o u trin as
religiosas, a padrões de co n d u ta sexual e de concepções tradicionais
de relações m aritais levam com unidades a u m a fúria vingativa, inve­
jo sa ou cium enta freqüentem ente m ais in te n sa do que s u a s reações
à violência aberta; elas cerram fileiras n a su sten ta ção de leis que
p unem m ulheres grávidas não -casad as, forçando-as a m a n ter a g ra­
videz até o final: elas cen su ram só ap aren tem en te ju izes que punem
m ulheres pela au d ácia de queixar-se que seu s m aridos as m altra­
tam , e elas fecham seu s olhos à perseguição b asead a n a preferência
sexual. Ignorando a n atu re za retaliadora de su a s leis, a sociedade
asseg u ra que a ju s tiç a retributiva co n tin u ará a dom inar seu tr a ta ­
m ento de agressores. J u s tiç a p asso u a significar revanche.
A sociedade descobriria se r m ais vantajoso dizer a ela como
ela ê. Ju stific a r su a s contram edidas repressivas e violentas como
reações defensivas perfeitam ente n atu ra is. Reconhecer que prisões
fazem ap en as d u as coisas: prim eiro, concretizar retaliação, privando
os tran sg resso res de confortos, privilégios e liberdades; segundo,
proteger-nos, tirando os agressores de circulação. Adm itir que a
perseguição é u m a represália p ara a inveja, ciúm e, medo que a
co nd uta não-padrão origina.
S u a p o stu ra m oral im pede a com unidade de reconhecer o
papel de su a s próprias práticas coercitivas n a produção de infrações
d as quais ela m esm a te rá que se defender. S u as justificativ as auto-
su ste n ta d a s afastam -n a do exame d as cau sas d a co n d u ta an ti-so ­
cial que ela q u er im pedir. M antem os intocadas as p ráticas coerciti­
vas que iniciam a violência e contraviolência, a infração e contra-in-
fração recíprocas. E assim fecham os nossos olhos a absurdos.
Afirmamos que m an ter revólveres generalizadam ente dispo­
níveis é a única m an eira de evitar os crim es que a disponibilidade de
244 M urray S id m a n

revólveres to r n a possível. A p ro p rie d a d e p riv a d a de a rm a s de fogo


n ã o ev ita crim e, m a s to m a a v in g a n ç a possível.
J u lg a m o s a d o lesc en tes in c a p a z e s de d ec id ir se s u a gravidez
d ev erá s e r in te rro m p id a e, em vez disso, a s fo rçam o s a to m a re m -s e
m ã e s. A c o n tra d iç ã o óbvia su g ere q u e re v a n c h e , n ã o -c o m p e tê n c ia , é
a q u e s tã o aq u i.
S o licitam os q u e n o sso trib u n a is d ec id a m se a m o rte é u m a
p u n iç ã o p erm issív el p a r a q u a lq u e r u m com m e n o s de 18 a n o s q u e
c o m e ta u m crim e. C ria n ç a s — m esm o jo v e n s a d u lto s — p e n s a m q u e
são im o rta is, só p e sso a s v elh as m o rrem . D izer ao s jo v e n s q u e eles
m o rre rã o p o r u m crim e, n ã o os d eterá. R etirar s e u to c a -fita s p o rtá til
s e ria u m a a m e a ç a m a is eficaz. M as re v a n c h e é m a is fácil q u e p r e ­
venção.
A poiam os leis q u e p ro íb em a s s is tê n c ia p ú b lic a p a r a a in te r ­
ru p ç ã o d a gravidez, c ita n d o n o s s a re lu tâ n c ia em p a g a r p e la esc o lh a
p riv ad a q u e levou à gravidez n ã o -d e se ja d a . E n tã o , c a lm a m e n te a c e i­
ta m o s os g a s to s m u ito m aio re s de m a n te r a m ãe e o filho. A h ip o c ri­
sia a p a re c e c la ra m e n te se s u b s titu irm o s “e sc o lh a ” p o r “p ra z e r”; a
q u e s tã o re a l é re p re s á lia c o n tra aq u e le s q u e se e n tre g a m a p ra z e re s
p ro ib id o s.
V oltam os n o s s a s c o s ta s p a r a jo v e n s v ítim a s de in c e sto , fr e ­
q ü e n te m e n te ju s tific a n d o n o s s a in a ç ã o a p e la n d o p a r a a n e c e ss id a d e
de p ro te g e r os d ireito s d a fam ília de co n tro le e p riv acid ad e. E n tão ,
vam o s em fre n te e c u lp a m o s a vítim a p o r desejo de p a rtic ip a ç ã o , o u
m esm o p o r sed u ç ão ; q u e ela fre q ü e n te m e n te te n h a m e n o s de 18
a n o s p a re c e n ã o in v a lid a r e s te s a rg u m e n to s. P rá tic a s co ercitiv as são
tão fre q ü e n te m e n te a n o rm a q u e n o s s a sen sib ilid a d e foi e m b o tad a .
Só re c e n te m e n te , q u a n d o a s v ítim as p a s s a ra m a s e r m e n in o s e os
in fra to re s os g u a rd a s e n ã o os p a is, os m eios de c o m u n ic a ç ã o têm
s u s c ita d o in d ig n a ç ã o p ú b lic a em re la ç ã o ao q u e é co n sid e ra d o c o e r­
ção in aceitáv el.
A c u sa m o s a televisão de e n c o ra ja r a violência, e m b o ra m u ito
d a v iolência d a te la re tra te p rá tic a s de cu m p rim e n to d a lei ou to m e
ex p lícita a in tim id a ç ã o -p a d rã o , m a s u s u a lm e n te n ã o -re c o n h e c id a ,
com a q u a l a c o m u n id a d e c o n ta p a r a se p ro te g e r, o u e x ib a a
co n tra v io lê n cia q u e ê a reg ra, e n ã o a exceção, n a s re la çõ es n a c io ­
n a is e in te rn a c io n a is . Talvez c ria n ç a s n ã o d ev essem s e r e x p o sta s à
violência do m u n d o real, em id a d e precoce, m a s ilu d im o s a nós
m e sm o s q u a n d o a c u sa m o s a televisão d e c ria r a violência q u e ela
a p e n a s im ita. Nós m e sm o s cria m o s a violência.
Se p u d é s s e m o s levar n ó s m esm o s a a d m itir a b e rta m e n te que
a p risio n a m o s e m a ta m o s tra n s g re s s o re s p a r a n o s p ro teg e r, c o lo ca n -
Coerção e s u a s im plicações 245

do-os fora do cam inho, e p ara exigir vingança, poderíam os descobrir


ser possível olhar objetivam ente p a ra o que realm ente ocorre n a s
prisões; poderíam os, então, to m á-las verdadeiram ente reabilitado-
ras. Adm itindo que m atam os assassin o s p a ra im pedi-los de tom ar
m ais vidas e p ara vingar as vidas que eles já tom aram , podem os
então tira r o peso do dilem a m oral sem solução e en fren tar com
determ inação o que é necessário p ara a prevenção real. R econhecen­
do a inveja e o ciúm e que su ste n ta m nosso sentido de deslealdade
quando outros vão co n tra os códigos tradicionais de co n d u ta, pode­
ríam os nos perm itir exam inar o conteúdo coercitivo desses códigos,
poderíam os, então, descobrir ser possível estabelecer os m esm os
lim ites não-coercitivam ente?
Adm itir a necessidade de autodefesa n ão é vergonhoso, nem
o é o reconhecim ento da vingança como u m a reação à coerção. A lei
n a tu ra l governa n o ssa s ações quando outros nos dão choques. Ten­
do reconhecido isto, podem os revelar n o ssa auto -ilu são e ir adiante
p a ra fazer algo construtivo em relação às p ráticas coercitivas que
nos to m am , por s u a vez, objetos de contra-agressão e rancor.
16

Existe algum outro caminho?

E m patizam os com as pessoas que sofrem de dor e m iséria e


com aqueles que foram m utilados ou privados pela violência e pela
repressão. O interesse pessoal nos lem bra que, não fosse a sorte,
poderíam os te r sido os sofredores em vez de serm os os sim p atizan ­
tes. Por outro lado, tam bém observam os e até m esm o invejam os o
conforto que m uitos coercedores desfrutam . Mesmo quan d o la stim a­
mos o sofrim ento d as vítim as, o in teresse pessoal nos diz secreta­
m ente que é m elhor e s ta r do outro lado. S erã que o desejo de
elim inar a coerção de n o ssas interações m ú tu a s é ap en as um viés
pessoal, que não é m ais legítimo que seu oposto? C ertam ente aí
reside um a q uestão de valor, q u er sejam os a favor ou co n tra o
controle coercitivo.
Mas as objeções ã coerção apóiam -se em outros fatores além
das tendências em ocionais. Os m últiplos p rodutos da punição e do
reforçam ento negativo nos fornecem bases racionais p ara concluir
que estes tipos de controle contribuem p ara m uitos problem as e
enferm idades sociais. O sucesso im ediatam ente visível d a coerção
m u itas vezes parece ju stificar seu uso, m as os efeitos colaterais
não-pretendidos, que algum as vezes aparecem m uito tem po depois,
anulam o sucesso im ediato. No final das contas, a coerção invalida
Coerção e suas im plicações 247

seu s próprios objetivos. Os efeitos colaterais podem tam bém p ossuir


vida própria, continuando a produzir problem as m uito depois das
cau sas iniciais terem desaparecido. A observação e a experim enta­
ção sistem áticas tiram a d iscu ssão do domínio dos ju lg am en to s de
valor, im pondo u m a b u sc a séria de alternativas.
A observação controlada da co n d u ta no laboratório e em
outros lugares forneceu princípios gerais e algum as técnicas especí­
ficas, m as a m aioria dos problem as n a sociedade em geral são in ­
trinsecam ente complexos. Pode ser difícil aplicar estes princípios e
técnicas e avaliar se u s efeitos. Mas os riscos são m uito altos p ara
continuarm os apo stando n a s soluções coercitivas que são, n a m e­
lhor das hipóteses, bem -sucedidas ap en as a cu rto prazo. Sabem os o
que a coerção faz; é h o ra de exam inar o que m ais poderia ser utiliza­
do. As sugestões que seguem não salvarão o m undo, m as pequenos
começos podem m odelar nosso próprio com portam ento em novas
direções.

Um princípio norteador
J á que o predom ínio do controle coercitivo nos leva a aceitar
a punição e a am eaça como n a tu ra is e inevitáveis, m u itas vezes
im aginam os que n o ssa ú n ica opção é o não-controle. E sta incom ­
preensão básica do controle com portam ental é um motivo p ara o
fracasso geral d a sociedade n a exploração e no desenvolvim ento de
alternativas p ara a coerção. Ao descobrirm os e an alisarm o s as ori­
gens do com portam ento cada vez m ais complexo, som os obrigados a
concluir que a au sên cia do controle é u m a ilusão. A associação de
influências hereditárias, biológicas, de p esso as e de lugares m ode­
lam tudo o que fazemos. A opção de escolha entre o controle coerci­
tivo e o não-controle não e stá disponível. U m a vez que ten h am o s nos
libertado do mito do não-controle, opções g en u ín as realm ente se
evidenciam. Que tipo de controle querem os? C onstruirem os u m am ­
biente social coercitivo ou não-coercitivo?
Reforçam ento negativo, reforçam ento positivo e punição são
trê s fontes poderosas de controle com portam ental. Os reforçadores
negativos fortalecem q u aisq u er ações que os façam cessar ou d esa­
parecer. Os reforçadores positivos fortalecem q u aisq u er ações que os
te n h am produzido. O único aspecto benéfico que o reforçam ento
negativo nos proporciona é u m sentim ento de alívio; algum a coisa
ruim cessou ou foi-se em bora. O reforçam ento positivo nos deixa
com algo que desejam os, ou em condição de fazer ou obter algo
vantajoso, com com portam entos e recu rso s que nos ocupam produ-
248 M urray S id m a n

tivam ente e com sentim entos que não são de alívio, m as de satisfa­
ção. Som os punid o s quando acontece algum a coisa que seria n eg ati­
vam ente reforçadora se pudéssem os cessá-la — talvez o chefe que
nos repreende após chegarm os a tra sa d o s ao trab alh o — ou quando
perdem os algo que seria positivam ente reforçador se pudéssem os
produzi-lo — o pagam ento d as d u a s h o ras que o chefe descontou.
Coerção é controle por meio de reforçam ento negativo e p u n i­
ção. O reforçam ento positivo realm ente controla com portam ento ta n ­
to q u an to a coerção. Mas ele pode nos en sin ar novas form as de agir
ou m a n te r aquilo que já aprendem os, sem criar os su b p ro d u to s
típicos da coerção — violência, agressão, opressão, depressão, infle­
xibilidade em ocional e intelectual, auto d estru ição e destruição dos
dem ais, ódio, doenças e estado geral de infelicidade. N orm alm ente
punim os com o intuito de evitar u m a co n d u ta que consideram os
prejudicial, perigosa ou indesejável por o u tras razões. Justificam os
a coerção em nom e da educação, da civilização, d a m oralidade e da
defesa própria. “É de pequenino que se torce o pepino”; “aqui se faz
e aqui se paga": “é preciso com er o pão que o diabo am asso u p ara
ser digno do reino dos céu s”; “olho por olho, dente por d en te”; “quem
com ferro fere, com ferro será ferido.”

Use o reforçamento positivo. Mas não precisam os p u n ir p ara


evitar ou im pedir as p esso as de agirem mal. Podemos alcan çar o
m esm o fim com reforçadores positivos, sem produzir os indesejáveis
efeitos colaterais d a coerção. U m a m an eira de im pedir que as p es­
soas façam algo sem p u n i-las é oferecer-lhes reforçadores positivos
por fazerem algum a o u tra coisa.
Provavelmente esta e a principal técnica prática não-coercitiva
de controle do com portam ento. Em vez de in terro m p er u m a co n d u ta
indesejada com um choque, fortaleça as ações desejáveis que s u b sti­
tu irão a indesejável.
A aceitação da coerção é tão difundida que alguns acharão
difícil acred itar que efetivam ente poderiam influenciar os o u tro s por
meio de reforçam ento positivo. Uma p arte incorreta e m uito difu n d i­
da d a sabedoria po p u lar afirm a que “a cen o u ra não tem utilidade a
m enos que seja apoiada pela v ara”. Mas se u m a p esso a estiver
fam inta a cen o u ra fará o trab alh o sozinha. A am eaça não é n ece ssá­
ria. Nem é necessário oferecer a cen o u ra como u m suborno. Q ual­
quer um que já te n h a recebido cen o u ras por se com portar de certa
forma quando faminto, co n tin u ará agindo desta forma, quan d o esti­
ver faminto.
Coerção e s u a s im plicações 249

O bviam ente o reforçam ento negativo e a punição não causam


todos os problem as do m undo, nem o reforçam ento positivo solucio­
n a rá todos eles. Além disso, podem os não e sta r em situação de
controlar e stas im portantes conseqüências da co n d u ta alheia. Al­
g u n s arg u m en tariam que tal controle, ain d a que possível, não seria
desejável, m as este argum ento geralm ente apóia-se no p ressu p o sto
de que todo controle é coercitivo. Ele não precisa ser. T entarei ilu s­
tra r como o controle não-coercitivo poderia a ju d a r a m inorar ou
prevenir alguns dos problem as que a coerção realm ente cria.
A análise do com portam ento com eçou com alg u n s anim ais
de laboratório pressionando b a rra s p ara obter alim ento e nos 50
an o s seguintes produziu princípios com provados experim entalm ente
e aplicações clinicam ente verificadas em m u itas áreas da co n d u ta
hu m an a: ensino e aprendizagem em escolas p a ra alu n o s norm ais e
deficientes, educação superior, treino de habilidades, reabilitação
crim inal, doenças m entais, problem as do com portam ento infantil,
aconselham ento de casais, produtividade in d u strial, lixo em parques
públicos, guagueira, auto-exam e p a ra detecção de câncer de m am a,
obediência a recom endações m édicas, tabagism o, controle de peso e
outros tantos. U m a a um a, to d as e sta s áreas de problem as com ple­
xos d em onstraram -se tratáveis e se não tiveram com pleta solução,
pelo m enos ap resen taram u m a m elhora por meio dos m étodos b a ­
seados no reforçam ento positivo. Mais recentem ente um sucesso
considerável tem surgido n a análise d a econom ia, n a form ação de
conceitos e n a linguagem . Com esta h istó ria de reforçam ento por
se u s próprios esforços, n atu ralm en te os an alistas do com portam en­
to estão ansiosos por se lan çar n as áreas de m aior com plexidade. Na
realidade, não estarei, a seguir, ten tan d o dizer ao m undo como
resolver todos os seu s problem as u san d o o reforçam ento positivo.
E stou sim plesm ente sugerindo u m princípio norteador: o reforça­
m ento positivo funciona e a coerção é perigosa.
P rocurar algo p ara reforçar positivam ente, em vez de concen­
tra r a atenção em algo p ara punir, não é n o ssa m an eira típica de
interagir u n s com os outros. N ossa educação não proporciona condi­
ções p a ra isto. Pais, professores, policiais, te ra p e u ta s — todos aq u e­
les cujo trab alh o é influenciar os outros — aprendem a p ro cu rar por
ações indesejáveis e, então, elim iná-las por meio d a coerção. R ara­
m ente e sta s pessoas são en sin ad as a p ro cu rar por ações desejáveis
para, então, fortalecê-las com reforçam ento positivo. As p o u cas p es­
soas que tipicam ente utilizam o reforçam ento positivo destacam -se.
Professores, pais, líderes religiosos, políticos e o u tro s que trab alh am
desta m aneira são m uito am ados, em bora controlem n o ssa co n d u ta
m uito efetivam ente.
250 M urray S id m a n

Se c o n sid e ra rm o s a p u n iç ã o com o a ú n ic a fo rm a de in flu e n ­


c ia r os o u tro s , e n tã o , é im provável q u e p re ste m o s m u ita a te n ç ã o a
c o n d u ta s desejáv eis. A u to m a tic a m e n te a d o ta m o s u m a ab o rd a g e m
d e s tru tiv a p a r a c o n tro la r o co m p o rta m e n to . T en ta m o s e lim in a r u m
c o m p o rta m e n to in desejável, sem p e rc e b e r a p o ssib ilid ad e de q u e
p o d e ría m o s n o s liv rar do c o m p o rta m e n to in d e se ja d o p e la sim p les
c o n s tru ç ã o d e u m novo c o m p o rta m e n to p a r a su b s titu í-lo . O u e n tã o ,
c o n s tru ím o s u m novo c o m p o rta m e n to e n s in a n d o à s p e s s o a s com o
im p e d ir o u fu g ir dos c h o q u e s q u e lh e s infligim os, d eix an d o e s c a p a r
a p o ssib ilid ad e de in s ta la r a m e s m a c o n d u ta desejável re fo rç a n d o -a
p o sitiv a m e n te. Se n ã o p e rd e rm o s de v is ta n o s so p rin cíp io de o r ie n ta ­
ção, e n c o n tra re m o s m u ita s ocasiões n a s q u a is po d em o s a lc a n ç a r os
re s u lta d o s q u e d e se ja m o s se m p ro v o c ar os in d esejá v eis efeitos c o la ­
te ra is q u e a c o m p a n h a m a coerção.
O re fo rça m en to positivo pode a in d a p ro d u z ir u m efeito c o la ­
te ra l no táv el. Se n ã o d e m o n strá s se m o s, pelo m e n o s o c a sio n a lm e n te ,
n o s s o ap re ç o p o r aq u ilo q u e fu n c io n a e p o r a q u e le s q u e fazem as
co isas fu n c io n a re m , facilm en te n o s c o n v e n cería m o s de q u e o m u n d o
é co m p o sto ex c lu siv a m e n te de c o rru p ç ã o , ineficiência e coação p o r
m eio d a força. Um p o u co d e p rá tic a de re fo rça m en to positivo a ju d a ­
r á a n o s c o n v e n cer d e q u e vale a p e n a te n ta r sa lv a r n o sso m u n d o .
Q u a n d o s u rg e u m d e te rm in a d o p ro b le m a a s p e s s o a s r e s p o n ­
sáv eis p o r resolvê-lo dev eriam re c o n h e c e r os perigos de te n ta r re c o r­
re r à s “so lu ç õ e s” d a coerção. Q u a lq u e r e s ta d is ta , q u a lq u e r p ro fesso r,
q u a lq u e r e m p re sário , q u a lq u e r fu n c io n á rio e q u a lq u e r u m q u e e x e ­
c u ta a lei d ev eriam a n a lis a r a s itu a ç ã o c o m p o rta m e n ta lm e n te (ou
dev eriam m a n d a r fazer e s ta análise) em b u s c a de a lte rn a tiv a s. As
s u g e s tõ e s a p r e s e n ta d a s a se g u ir p re te n d e m a p e n a s in d ic a r com o
ta is a n á lis e s p o d e ria m re v elar c a m in h o s de a ç ã o não-coercitivos.
E m b o ra n ã o sejam tra d ic io n a is e a té a q u i n ã o te n h a m sido te sta d o s ,
e s te s c a m in h o s p o d eriam , p o r s u a vez, c o n d u z ir a m éto d o s m a is
eficazes p a r a os p rin c ip a is p ro b lem a s so ciais. A p rin cíp io , p ro c e d e n ­
do p o r p e q u e n o s p a s so s, ap lica n d o m e d id a s de a u to c o rre ç ã o a c a d a
p a s s o e n o s a p ro x im a n d o g ra d u a lm e n te de á re a s com p ro b lem a
c a d a vez m a is a m p la s p o dem os s u rp re e n d e r a té m esm o os m ais
cético s, d e m o n s tra n d o q u e a co m plexidade p o r si p ró p ria n ã o é u m
em p ecilh o p a r a a efetiva a n á lise do co m p o rta m e n to .

O reforçamento positivo em casa


■ T o m a m o -n o s p a is sem q u e n in g u é m n o s te n h a e n s in a d o
com o d a r c o n ta d e s ta re sp o n sa b ilid a d e . A p ren d em o s ra p id a m e n te
Coerção e s u a s im plicações 251

que as crianças fazem exigências especiais. A ntes que po ssam falar,


elas ap ren d em a expressar e im por o cum prim ento de exigências
pelos únicos m eios de que dispõem . A princípio choram e gritam.
Posteriorm ente, se ain d a não ap ren d eram o u tras form as de com uni­
cação, trocam o choro e o grito pela agressão, pela destrutividade e
por o u tra s form as m ais su tis de m au com portam ento. E stes com­
portam entos colocam a satisfação im ediata de su a s n ecessidades no
prim eiro lu g ar da lista de prioridades do adulto.
Até m esm o os bebês podem desenvolver um a rsen al de p ráti­
cas coercitivas. Reforçar tais p ráticas p erp etam -n as q u ase sem pre
transform ando crian ças adoravelm ente alegres em objetos dos quais
fugim os, esquivam os e, m ais, agredim os. Isso, freqüentem ente em
com binação com outros estresses, está por trá s dos incidentes de
abuso co n tra crianças, cada vez m ais freqüentem ente relatados.
A punição pode produzir a paz que pais desesperados neces­
sitam — às c u sta s dos inevitáveis efeitos colaterais — m as não
oferece à criança q u alq u er cam inho alternativo de ação, n en h u m
cam inho p ara ad ap tar-se construtivam ente. Proporcionar u m a di­
versão no lugar de u m a punição faria a crian ça in terag ir alegre e
produtivam ente com o meio am biente. Em vez de rep reen d er ou
isolar um a criança chorosa, m u itas vezes podem os p a ra r o choro
com a apresentação de u m brinquedo. Os pais que reagem não com
a punição, m as oferecem às su a s crian ças o p ortunidades p a ra o
recebim ento de reforçadores positivos, dep aram -se com crian ças feli­
zes, autoconfiantes e com petentes. As fam ílias que praticam reforça-
m ento positivo desfrutam de u m benefício adicional: raram en te s u r­
gem motivos p ara punição.
Se os reforçadores positivos to m am -se disponíveis sem pre
que u m a criança age mal, isto não tran sm ite u m a m ensagem ? Será
que a criança não ap ren d erá a com portar-se mal, a agir m ais vezes
d esta form a? Realm ente isto acontece. Q ualquer pessoa que te n h a
refletido sobre esta possibilidade está no cam inho certo p ara um
entendim ento proveitoso de como a co n d u ta é controlada. O princí­
pio foi apreendido com precisão por u m a tira de q u ad rin h o s que
ap resen tav a u m a criança dizendo p a ra a outra: “M eus pais não
p restam m u ita atenção em mim, m as eles são legais. Tudo o que eu
preciso fazer é dizer ‘blip’ e eles m e dão tu d o o que eu quero.”
Utilizado inabilm ente, o reforçam ento positivo pode fortalecer con­
d u ta que é tão indesejável q u an to q u aisq u er efeitos colaterais da
coerção. Se n u n c a dam os atenção, afeição e outros reforçadores,
exceto quando n o ssa s crianças com portam -se mal, o resu ltad o será
m au com portam ento contínuo. Não é difícil criar m o nstrinhos. En-
252 M urray S id m a n

tretanto, se o reforçam ento positivo geralm ente predom ina n a fam í­


lia, o m au com portam ento ocasional p erm anecerá exatam ente assim
— ocasional; a s crianças aprenderão que não precisam p in ta r o sete
p ara fazer com que atendam os aos seu s desejos.
Pais atento s aprenderão a reconhecer sinais de problem as
im inentes. As crianças geralm ente não irrom pem em m au com porta­
m ento sem terem dado sinais de que as coisas não vão bem. Elas
podem reclam ar, agarrar, rejeitar os b rinquedos e a s atividades favo­
ritas, irrita r o irm ão m ais novo ou m o strar várias form as de n eg ati­
vism o que caracteristicam ente precedem u ra distúrbio. Pais aten to s
não esperarão pelo distúrbio, m as ten tarão fazer com que a criança
faça algo bom e então m an terão este com portam ento com reforça­
m ento positivo.
D istribuídos inabilm ente, os reforçadores positivos podem
c a u s a r problem as. A d istribuição de reforçadores in d ep en d en te­
m ente daquilo que a criança faz, en sin ará a crian ça que q u alq u er
coisa funciona. O resu ltad o extrem o do prêm io com pletam ente in ­
condicional é a criança m im ada, que pode c o n tin u ar assim até a
idade adulta. Todos conhecem os adultos m im ados, que esperam que
tudo lhes seja dado, não im porta o que ten h am ou não feito, que
agem como bem entendem , sem se im portar com a s conseqüências
que su a s ações possam trazer p ara os dem ais.
O bviam ente não querem os te r com n o ssas crian ças ap en as
um relacionam ento do tipo “você coçou as m in h as costas, eu coçarei
as s u a s ”. Q uerem os u s a r reforçadores positivos p a ra en sin á-las a ter
u m a vida produtiva e feliz, m as sem fazê-las sen tir que sem pre
precisam fazer algo especial p a ra obter nosso am or e n o ssa p ro te­
ção. Q uerem os que elas se sintam seguras, que saib am que essa
proteção e afeição — todo o conjunto de reforçadores — estarão
ainda disponíveis mesm o se eles fizerem algo errado. Tem os que
en co n trar o equilíbrio. Temos que m an ter as contingências positivas
e ao mesm o tem po g erar confiança e segurança. N ossas crianças
devem sa b e r que podem co n tar conosco mesm o se não conseguirem
enfrentar u m a contingência com êxito.
Ninguém nos en sin a como fazer isto. Mas. se aprenderm os
que os relacionam entos desabrocham com reforçam ento positivo,
pelo m enos saberem os p ro cu rar por form as não-coercitivas de p ro ­
duzir seg u ran ça e autoconfiança em n o ssas crianças, m esm o e n ­
quanto estiverm os m antendo as contingências. E n q u an to conside­
rarm os a coerção n ecessária, não nos questionarem os a este resp ei­
to. A análise do com portam ento não fornece fórm ulas q u antitativas.
Coaçãoe suasimplicações 253
mas realmente formula o problema em termos que permitem sua solução.
O segredo é estabelecer contingências realistas que a criança possa enfrentar.
Não exija coisas complexas muito cedo. Não há nada que produza segurança e
autoconfiança como o sucesso. Além disso, distribua reforçadores autênticos,
conseqüências que satisfaçam a criança e não apenas aos pais. As vezes, um afago
na cabeça não é suficiente, pode ser necessário um abraço caloroso. E às vezes, um
biscoito será mais eficaz que um beijo. Finalmente, os inevitáveis fracassos deveriam
ser usados como oportunidades para ensinar e não para punir. Por si só, o ensino
deveria ser uma interação reforçadora tanto para a criança como para seus pais.
As vezes as coisas parecem ter ido longe demais para serem tratadas de
outra forma que não a punição. A criança nos enfurece com suas lamentações, os
acessos de raiva estão se tomando assustadores, seus empurrões no bebê estão levando
nossa paciência ao limite. O que devemos fazer? Primeiro, verifique o que a criança
tem ganhado por agir desta forma; esses reforçadores estão mantendo suas ações.
Suas queixas lhe proporcionam qualquer coisa que queira, seus acessos de raiva a
tomam o foco de atenção, ser malvada com o irmãozinho mantém a mamãe
constantemente atenta.
Deveríamos apenas parar de lhe fornecer esses reforçadores? Apenas
ignorá-la? Esta é uma sugestão comum, mas ela não funcionará. As crianças
encontram meios censuráveis para obter reforçadores porque não podem obtê-
los de outra forma. Elas precisam desses reforçadores. Em vez de ignorar a
criança dê a ela esses mesmos reforçadores quando fizer alguma outra coisa.
Em vez de esperar que ela choramingue antes de ler uma história para ela, leia
quando ela estiver brincando calmamente por algum tempo, em vez de esperar
que ela bata a cabeça contra a parede para obter atenção, aplauda e elogie-a
quando ela recita um verso, dança ou brinca construtivamente, mesmo quando
estiver ocupado com outras coisas mantenha um contato freqüente com a criança,
inspecionando suas atividades e interagindo com ela; não faça com que ela
ameace o bebê para interagir com ela.
E claro que as coisas podem ir longe demais. As vezes preocupados, às
vezes sem compreender, cometemos erros e acabamos tendo de lidar com uma
descarga emocional que possivelmente nenhum tratamento sensato pode resolver.
E, também, surgem emergências que precisam ser resolvidas imediatamente,
senão alguém sairá machucado. N a verdade, a punição pode ser necessária
para colocar um fim rápido a uma situação perigosa. Essas ocasiões não
254 M urray S id m a n

são preocupantes. Em u m relacionam ento baseado em reforçam ento


positivo forte e freqüente, u m a punição esporádica não c a u s a rá p re­
juízo algum a a longo prazo. E ntretanto, se esses erros ou em ergên­
cias com eçam a ocorrer freqüentem ente, eles são sinais de perigo,
indicando um relacionam ento que está se deteriorando.
O reforçam ento positivo não serve ap en as p a ra crianças. O
apoio afetivo, a ajuda, a bondade e todas as am abilidades e resp o n ­
sabilidades recíprocas d a vida conjugal m an terão a con tin u id ad e de
u m casam ento. Mas, o am or que é dado sob coerção som ente m a n ­
te rá a continuidade d a coerção. E sp erar ser coagido a fornecer refor-
çadores é o mesm o que pedir p a ra ser coagido. Como pais que
garantem o m au com portam ento de seu s filhos por reforçá-lo, espo­
sos que se subm etem a u m com panheiro, ingrato e violento trarão
m ais exigência, ingratidão e violência sobre si m esm os. Não deveria
haver su rp re sa quando u m esposo coagido, aproveitando-se de q u al­
qu er oportunidade de reforçam ento negativo, foge p a ra braços mais
com preensivos. Q uantos alcoólatras e pessoas que trab a lh am em
excesso e com pulsivam ente, viciados em drogas e televisão são, n a
realidade, fugitivos da coerção conjugal?
O am or não-contingente tam bém pode m im ar u m adulto tão
eficientem ente quanto m im a u m a criança. Em q u alq u er idade, o
am or que é sem pre dado incondicionalm ente en sin ará quem o rece­
be que “d a r é u m a ru a de m ão ú n ic a”. Os pais ou avós que d esfru ­
tam de todos os benefícios da família sem terem que fazer s u a parte
podem to rn ar-se egocêntricos, ingratos, desatenciosos e geralm ente
coercitivos, exigindo cada vez m ais atenção p ara su a s próprias von­
tades.
Os idosos precisam de reforçam ento positivo ta n to q u an to as
crianças p a ra c o n stru ir e m an ter seu próprio senso de seg u ran ça e
valor. Pais jovens, cujos filhos precisam deles, podem receber refor­
çam ento positivo quase autom ático, do progresso de seu s filhos,
m as seu s próprios pais podem o cupar u m a posição anôm ala. Filhos
m ais velhos, não m ais dependentes, podem ain d a dedicar todo re s ­
peito e consideração aos pais, m as sem pedir n a d a em troca. A
m enos que os m ais velhos ten h am u m a vida própria bem -sucedida e
reforçadora, u m im enso vazio pode su rg ir em s u a existência. Não
sendo m ais necessários — sem a com unidade p ara lhes d em o n strar
adm iração pelo que podem fazer — eles terão poucos motivos p ara
se com portar. Eles podem acab ar deprim idos e descuidados.
Não a d ian ta tra ta r os m ais velhos ap en as com respeito e
bondade, sem n a d a pedir a eles. Eles precisam dos reforçadores
positivos que sem pre vieram do uso de su a s habilidades e d as inte-
Coerção e s u a s im plicações 255

rações que elas tornavam possíveis. Peça-lhes conselhos, o auxílio


de s u a influência, s u a aju d a no cuidado d as crianças, n a ad m in is­
tração das finanças d a casa, n a s tarefas d a cozinha, nos tra n sp o r­
tes, nos consertos, no jardim , n a s ligações telefônicas, n a correspon­
dência e n a s o u tras obrigações fam iliares; encoraje e registre recor­
dações e dados d a histó ria familiar, faça com que eles participem
d as viagens fam iliares. Mesmo a senilidade de ordem fisiológica pode
ser m elhorada em certo grau, por meio de solicitações e até mesm o
exigências que eles possam aten d er com êxito. A perd a de o p o rtu n i­
dades p ara obter reforçadores positivos equivale ao choque inevitá­
vel, u m a forma de punição não-contingente à qual sem sab er s u b ­
m etem os nossos idosos.

O reforçamento positivo em instituições


Aqueles que rep resen tam am eaças p ara si m esm os ou p a ra a
sociedade em geral, freqüentem ente, são en treg u es às instituições.
Ali, perm itim os a eles ap en as relações sociais lim itadas, privam os os
m esm os de liberdade de m ovim ento e de op o rtu n id ad es de tom ar
decisões; proibim os, ainda, a m aioria d as com odidades que eles
desfrutariam no m undo exterior. F reqüentem ente justificam os estas
instituições como in stru m en to s p a ra m u d an ças benéficas: “escolas”
para deficientes su p o stam en te en sin am a seu s alunos novas h abili­
dades p ara ajudá-los a su p e ra r su a s lim itações, “h o sp itais” p ara
doentes m entais su p o stam en te curam -nos, “institu içõ es” correcio-
nais su p o stam en te reabilitam infratores.
E n tretan to , a localização d estas instalações em áreas relati­
vam ente despovoadas e de difícil acesso (pelo m enos inicialm ente,
an tes que a s cidades ou su b ú rb io s ten h am crescido à s u a volta)
indicam o que realm ente pretendem os com elas. E spera-se que elas
m a n ten h am o retardado, o louco e o crim inoso fora de c irc u la ç ã o .
E ntregam os e sta s instalações “h u m an as" a m em bros de profissões
assistenciais — médicos, enferm eiros, psicólogos, a n alistas do com ­
portam ento, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, professores, assisten tes
sociais e funcionários penitenciários — e lavam os n o ssa s m ãos dos
problem as.
Seu isolam ento geográfico, seu s m uros, grades, portões e
torres de seguran ça e a tendência pública de ignorar o sim ples fato
de s u a existência deixam essas instituições q u ase que com pletam en­
te sem controle externo. Sejam q u ais forem os im pulsos h u m a n itá ­
rios que possam de início ter gerado seu estabelecim ento, s u a isen ­
ção da obrigatoriedade de p re sta r contas ao público tran sfo rm a a
256 M urray S id m a n

m aioria delas em um pouco m ais dos que depósitos p a ra os social­


m ente desajustado s. As prioridades im ediatas d as equipes de fu n ­
cionários, a conveniência adm inistrativa, a docilidade do interno e a
obediência às norm as e regulam entos su b stitu e m os objetivos ed u ­
cacionais, terapêuticos ou correcionais de longo prazo. A coerção
to m a-se a técnica preferida p a ra fazer os in tern o s “se com portarem ”.
U m a instituição que funciona principalm ente p a ra o benefi­
cio do corpo de funcionários dá pouca im portância aos nocivos efei­
tos colaterais d a coerção. D esta forma, encontram os a p red o m in ân ­
cia d a coerção no tratam en to de p esso as retard ad as, dos doentes
m entais e de crim inosos de todos os tipos. Q uando a pressão públi­
ca ou judicial por reform a surge efetivam ente, ela é efêm era e geral­
m ente ineficaz, já que concentra a atenção n a s instalações físicas e
nos procedim entos adm inistrativos. R aram ente u m a investigação
avalia de fato a racionalidade e a aplicação d as técnicas de controle
do com portam ento. Por c a u sa d a incom preensão e d a incom petên­
cia, alguns dirigentes institu cio n ais e m em bros d as profissões assis-
tenciais d etu rp am e alteram o conceito de reforçam ento, tornando-o
irreconhecível, ten tan d o tran sfo rm ar até m esm o o reforçam ento po­
sitivo em um in stru m en to de coerção.

O uso incorreto d a privação. Aqueles que designam os p ara


posições de controle sobre nós m esm os e sobre os dem ais — profes­
sores. m ilitares, carcereiros, policiais, funcionários públicos — estão
tão acostum ados com a coerção que freqüentem ente não podem
com preender outro meio. Se te n tam o reforçam ento positivo, seu
prim eiro im pulso ê s u b tra ir algum a coisa de seu s controlados, de
modo que possam devolvê-lo em tro ca de “bom com portam ento”. Isto
ê exatam ente o que acontecia em alguns sistem as penitenciários
abom ináveis que afirm avam e s ta r utilizando reforçam ento positivo.
Eles im punham o confinam ento em prisão solitária aos detentos e
então os deixavam sa ir por cu rto s períodos, desde que eles dem o n s­
trassem o arrependim ento adequado; os privavam de alim entos e, se
eles agissem com subserviência, distribuíam -no em p eq u en as p o r­
ções; negavam -lhes a privacidade e, então, davam -lhes u n s poucos
in sta n tes de intim idade se eles não tivessem sido vistos envolvendo-
se em intercâm bios sociais suspeitos com outros prisioneiros; d a ­
vam aos detentos tarefas dom ésticas e os transferiam p a ra um tr a ­
balho m ais agradável se eles a executassem sem reclam ação e re sis­
tência. E então, a qualquer deslize, real ou im aginário, voltavam a
im p o rá s privações.
Coerção e s u a s im plicações 257

É claro que tais técnicas são com pletam ente coercitivas. Elas
são b asead a s n a privação socialm ente im p o sta e n a fuga e esquiva
que tal privação gera.
A punição por meio de choques ou de privação to m a a fuga
reforçadora. Se privam os prisioneiros, alunos, crian ças ou outros de
s u a s necessidades, direitos e privilégios b ásicos p a ra criar reforça-
dores, esses reforçadores são negativos e não positivos. Eles podem
servir tem porariam ente p a ra m an ter a ordem em pavilhões p en iten ­
ciários, quartéis e salas de aula, m as tam bém produzirão os efeitos
de longo prazo do controle coercitivo.
Contudo, a privação de fato contribui p ara a efetividade dos
reforçadores positivos: tem os pouco in teresse p o r com ida logo após
u m a boa refeição, m as a com ida influencia poderosam ente n o ssas
ações quando a h o ra d a refeição se aproxim a: o apetite sexual dos
m arinheiros, após u m a longa viagem no m ar, é lendário: em bora os
indivíduos variem m uito, o que fazem p ara g a n h a r dinheiro e o que
fazemos com o dinheiro ganho depende m uito da q u an tid ad e de
dinheiro que já possuím os. E ntretan to , em bora a privação to rn e os
reforçadores positivos m ais fortes, ain d a assim não é necessário
im por privações deliberadam ente p a ra fazer u so de reforçadores po­
sitivos. N inguém tem o suficiente de tudo; geralm ente não é neces­
sário m uito extra p a ra descobrir os reforçadores que já são eficientes
sem privação adicional.
M inha preocupação aqui ê o u so da privação como in s tru ­
m ento de coerção. Em certos casos extrem os, a privação por um
breve período pode produzir conseqüências desejáveis que n ão são
possíveis de algum a o u tra forma. Depois que todos os ou tro s já
desistiram ain d a se pode conduzir u m a criança re ta rd a d a no cam i­
nho d a aprendizagem efetiva. Primeiro, deixe-a com fome, então, use
o alim ento como reforçador p ara algum com portam ento básico,
como com er sozinho ou seguir in stru çõ es sim ples. Uma vez que a
criança te n h a aprendido esses com portam entos, poder-se-á d esen ­
volver outros reforçadores e su sp e n d er a privação de alim ento. Em
casos de retardo extrem o, ou quando u m tratam en to an terio r incom ­
petente tornou u m a criança insensível aos m étodos-padrão de in s­
trução, ta n to a criança como a com unidade ach arão a privação
tem porária benéfica.
Mesmo n essas ocasiões, u sa-se a privação ap en as p ara a u ­
m e n tar a atratividade de u m reforçador positivo e n ão p a ra p u n ir o
com portam ento insatisfatório. Uma vez que a criança ap ren d a a l­
gum com portam ento adaptativo, rapidam ente se interrom pe a priva­
ção, sem am eaçar utilizá-la novam ente. R etirar alim ento, b en s, pri-
258 M urray S id m a n

vilégios ou direitos, apenas de forma que eles possam ser devolvidos


em troca de bom comportamento e então tirados novamente para
punir m au comportamento, subverte o princípio do reforçamento
positivo. Q ualquer um que use privação dessa m aneira pode esperar
que os controlados fujam, defendam-se e exerçam contracontrole
exatam ente como reagiriam a qualquer sistem a coercitivo.
É m uito mais efetivo tirar vantagem das privações que ocorrem
naturalm ente. Muitas existem mesmo sem a intervenção social: é a s ­
sim que o mundo funciona. Alimento, sexo e outras privações biologi­
camente determinadas são inatas. Sem tom á-las ainda mais severas
do que seriam no curso normal das coisas, quase sempre podemos
fazer bom uso destas privações, ensinando habilidades básicas para
iniciantes e para aqueles com deficiências de aprendizagem.
À medida que se aproxim a a hora da refeição, por exemplo, o
alimento se tom a um reforçador cada vez m ais forte. Pessoas re ta r­
dadas e algumas das m entalm ente doentes parecem sensíveis a a p e ­
nas um pequeno núm ero de reforçadores, m as o alimento é um dos
mais seguros. O uso do alimento como reforçador nas horas da
refeição é um a forma poderosa e comprovada de ensinar habilidades
básicas aos m entalm ente retardados. Ele é igualmente útil no ensino
de crianças normais.
Este tipo de ensino não requer que privemos nossos alunos
das refeições se eles não aprenderem. Métodos de ensino que g a ra n ­
tem a aprendizagem estão atualm ente disponíveis, assim não é n e ­
cessário que refeições sejam perdidas por cau sa do ensino m alsuce­
dido. Mesmo que ainda não tivéssemos desenvolvido um program a
institucional completamente eficiente, alunos com dificuldade de
aprendizagem não precisariam ficar com fome. Enquanto aperfeiçoa­
mos nosso plano institucional sempre podemos deixá-los ganhar
u m a refeição completa pela repetição daquilo que eles aprenderam
anteriormente.
Por fim, a conduta aprendida durante as refeições permite
aos alunos retardados atu ar de m aneira adaptativa tam bém em o u ­
tras ocasiões. S uas habilidades recém-descobertas — carregar um a
bandeja do balcão de serviços para a mesa, utilizar um garfo e u m a
colher, escolher a comida oferecida dizendo “por favor” e “obrigado”
— tom am possível levá-los a restau ran tes e lanchonetes. Nesses
locais, novas escolhas tom am -se disponíveis e eles experienciam
novos am bientes. A caminho do restau ran te habilidades de viagem
podem ser ensinadas. Seu m undo começa a se ampliar.
Dessa forma, novos reforçadores tom am -se efetivos à medida
que eles aprendem como interagir com diferentes am bientes e com
Coerção e s u a s im plicações 259

pessoas que são im portantes p ara eles. Eles aprendem a reconhecer


sinais de aprovação como precu rso res de outros reforçadores, de
form a que a s reações d as p esso as to rn am -se significativas, to rn a n ­
do-se reforçadoras por si só. Q uando isso acontece, os reforçadores
positivos, como o alim ento, não precisam estar sem pre im ediata­
m ente disponíveis, o atraso da gratificação to m a-se possível. O ali­
m ento, u m dos poucos reforçadores efetivos a princípio, d esperta
esses internos aparen tem en te sem repertório d a in stitu ição local
p a ra retardados. Em breve, estarem os aptos a a b an d o n a r o alim ento
e a u s a r reforçadores recentem ente aprendidos p a ra en sin ar com­
p ortam entos m ais complexos.

Time-out e se u s abusos. Uma form a discutível de punição


n as instituições p ara retard ad o s e doentes m en tais é o procedim ento
de time-out. O que é ííme-ouí? O que ele faz? S erá que ele difere de
form a significativa de outros tipos de punição?
A característica básica de u m time-out é a retirad a de reforça-
m ento positivo. Isto geralm ente significa retirar alguém fisicam ente
de um am biente que to m a disponível os reforçadores positivos p ara
outro local onde n en h u m reforçam ento é possível. Na prática, time­
out pode v ariar entre colocar u m a crian ça desordeira n u m canto até
a colocação de u m paciente violento n a solitária — a clássica cela
acolchoada. A retirad a do reforçam ento positivo é tão coercitiva
q u an to a aplicação de u m choque, m as já que o time-out não inflige
dor é freqüentem ente justificado como u m tipo de punição benigna.
E ste raciocínio equivale a ju stificar o u so de drogas no lugar
das cam isas de força, cordas ou co rren tes p a ra im obilizar um pa­
ciente rebelde. A cm eldade encontra-se m enos no m étodo do que no
resultado. O isolam ento, a restrição física e a restrição quím ica
tiram a s vítim as do contato com todos os reforçadores que to rn am a
vida significativa e preciosa; a s drogas os transform am em zum bis e
as celas acolchoadas os transform am em m aníacos selvagens. Os
dois tipos de punição colocam u m fim a tod a a aprendizagem , exceto
por várias form as de fuga e esquiva que servem como m ecanism os
de contracontrole. Q uando o poder d as au to rid ad es é grande dem ais
p a ra represália ou fraude, a depressão assu m e o lugar.
F reqüentem ente, esquece-se que até m esm o u m time-out re­
lativam ente m oderado som ente será u m p u n id o r eficaz se o punido
for retirado de u m am biente positivam ente reforçador. É a isto que o
nom e time-out se refere, ele significa um período sem reforçam ento.
A rem oção de u m a crian ça disruptiva p ara u m falso time-out não
im pedirá distúrb io s futuros a m enos que a situ ação original fosse
260 M urray S id m a n

reforçadora, em primeiro lugar. Se não, retirar a criança dessa s itu a ­


ção pode realm ente reforçar o com portamento disruptivo.
E então, quando removemos a criança, nossa interação pode
proporcionar reforços positivos m ais forte do que qualquer coisa que
a criança estava obtendo n a situação original. Quando isto acontece,
o próprio time-out tom a-se um reforçador positivo, tom ando o com­
portam ento disruptivo futuro ainda mais provável. Fortaleceremos a
m esm a conduta que pretendemos punir.
Uma criança que precisa ser repetidam ente colocada em time­
out está nos enviando um a mensagem: “Eu não gosto daqui, preferi­
ria que você me carregasse, gritando e esperneando, até o quarto
vazio ao lado, onde você terá que sentar comigo e me abraçar p ara
evitar que eu bata a m inha cabeça contra a parede.” Nossa resposta a
essa mensagem precisa ser um exame de nossa própria conduta.
Se estávamos tentando ensinar, provavelmente descobrire­
mos que não fomos bem-sucedidos. J á que nosso aluno não a p re n ­
dia, fomos incapazes de aplicar o reforço e nosso aluno encontrou
outros cam inhos para “ter sucesso”. O remédio não é colocar a
criança em time-out, eliminando oportunidades adicionais de ap ren ­
dizagem, m as revisar nosso método de ensino. Volte até a últim a
coisa que a criança aprendeu com sucesso, de modo que o reforça­
mento positivo tom e novam ente possível que se comece tudo de
novo. Desta vez, avance m ais lentam ente e tire vantagem dos m ais
recentes métodos disponíveis p ara reduzir e até mesmo eliminar os
erros do processo de aprendizagem.* de aprendizagem.

* Uma vasta literatura técnica m ostra que os erros não são u m a parte
necessária do processo de aprendizagem, m as os analistas do
com portamento ainda não ofereceram este m aterial em um a linguagem
mais acessível p ara leigos. A modelagem do com portamento — ensinar
novo com portamento reforçando gradualm ente aproximações sucessivas
ao que é desejado — pode transform ar o método de tentativa e erro em
tentativa e sucesso no ensino de habilidades m otoras tais como a
produção de sons em instrum entos m usicais ou a pronúncia de palavras.
O ensino de seqüências longas de ações tais como am arrar sapatos,
soletrar palavras ou program ar com putadores pode avançar sem erros se
o professor parte do final da seqüência e trab alh a de trás p ara frente.
Com a modelagem am biental habilidosa — ensinar novas relações entre
com portamento e ambiente, m udando gradativam ente o am biente de
formas familiares para desconhecidas — as crianças podem aprender
sem erros a copiar, escrever e dizer as letras do alfabeto; estudantes de
m edicina podem aprender a e stru tu ra básica do sistem a nervoso sem
cometer nenhum erro, de modo que a princípio acharão difícil acreditar
Coerção e s u a s im plicações 261

M ais freqüentem ente do que se pode im aginar, até m esm o as


crianças clinicam ente diagnosticadas como hiperatlvas participarão
construtivam ente n a sala de au la por longos períodos, não cau san d o
agitação ou distração contanto que estejam sendo reforçadas pela
aprendizagem bem -sucedida. O ensino efetivo to m a rá desnecessário
p u n ir a criança po r seu com portam ento.

As prisões como am bientes d e aprendizagem . Algumas priva­


ções não-biológicas são socialm ente im postas. Um professor tam bém
pode u s a r estas privações sem que elas sejam d eliberadam ente im­
p ostas. A m aior parte dos jovens presos em reform atórios tem rep er­
tórios de com portam ento em pobrecidos. D esde o princípio, mesmo
an tes de s u a s prisões, eles p ossuíam ap en as u m conjunto restrito
de habilidades adaptativas. M uitos reforçadores estavam fora de seu
alcance e outros eram desconhecidos. Eles eram efetivam ente tão
privados como se tivéssem os deliberadam ente retirado a comida, o
abrigo, o suporte financeiro e todas as possibilidades de alcan çar as
form as de sucesso que a educação e o treino to rn am possíveis.
Isto não quer dizer que a crim inalidade e stá restrita aos
pobres ou aos socialm ente m arginalizados. Delitos graves ocorrem
em todos os níveis econômicos e sociais. Mas os lares e as com uni­
dades que sofrem as m ais severas privações sociais e econôm icas, e
ao m esm o tem po não possuem tradição de ascen são econôm ica,
tam bém reproduzem em larga escala a s form as m ais visíveis de
crim inalidade juvenil. Tais com unidades não valorizam — não forne­
cem reforçadores p a ra — a conversa sobre q u aisq u er a ssu n to s que
não sejam as necessidades b ásicas, não lêem m ais do que an úncios
e m an ch etes de jornal, não escrevem n a d a além de su a s a s s in a tu ra s
e talvez alguns palavrões próprios p ara pichação, ou n ão calculam
m ais do que as operações m ais elem entares com dinheiro. Nas re ­
giões carentes, os jovens to rn am -se adultos incapazes de conversar,
ler, escrever ou fazer contas. O preenchim ento de form ulários e as
entrevistas de emprego estão fora de cogitação. As am bições são
n ecessariam en te lim itadas à resolução im ediatam ente previsível de

que realm ente estão aprendendo algo. Procedim entos que estabelecem
relações de eqüivalència entre palavras faladas, palavras escritas e
figuras proporcionam às crianças vocabulários sim ples de leitu ra e de
linguagem que n u n c a foram explicitam ente en sinados e que elas utilizam
corretam ente m esm o n a prim eira vez. E n sin a r sem erros é u m a área
ativa de pesquisa, com novos m étodos e aplicações em rápido desenvol­
vimento.
262 M urray S id m a n

contingências coercitivas im postas de u m lado pela lei e de outro


pelas privações cau sad a s pela incapacidade. S u as vidas giram em
torno de reforçadores que estão restrito s ao alim ento, abrigo, álcool,
sexo, drogas e dinheiro p ara adquiri-los. O que eles aprendem , n a
verdade, é o cam inho m ais seguro — às vezes o único viável — p ara
a obtenção de reforçadores básicos: tirá-los de o u tra s pessoas.
Q uando estes jovens fracassam são enviados p ara as in sti­
tuições “correcionais” que devem “reform á-los”. Após cu m p rir su a s
p en as eles geralm ente voltam p a ra seu s antigos territórios, sem te­
rem aprendido qualquer coisa que p u d esse ajudá-los a sair daquele
am biente e até mesm o inconscientes da desejabilidade d esta m u ­
dança. Se eles tiverem sido de algum a form a reform ados, isto terã
acontecido por meio de um aprim oram ento de su a s habilidades p ara
escap a r da captura.
M uitos realm ente são cap tu rad o s novam ente. A am eaça de
prisão não foi suficiente p a ra im pedir su a s prim eiras ações ilegais e
o próprio confinam ento não im pede s u a repetição. E sses fracassos
devem ser esperados; o controle coercitivo não deixa altern ativ a p ara
o infrator que carece de certas habilidades socialm ente desejáveis.
As privações im postas dentro dos m uros d as prisões dificilm ente são
m ais severas do que os conhecidos rigores de fora. Jogados de volta
ao mesm o e antigo cenário, sem u m novo modelo de com portam ento
e desta vez rotulados como crim inosos, sujeitos a restrições ain d a
m aiores, por que, então, dever-se-ia esp erar que eles agissem de
modo diferente do que agiram an tes?
A crim inalidade é u m problem a complexo — n a realidade,
engloba m uitos problem as diferentes e com m u itas raízes. Mas em
todas as su a s variações ain d a é com portam ento. N ossa p reo cu p a­
ção não é com o conceito ab strato “crim inalidade” m as com as
ações crim inosas. Poderia se m o stra r incorreto p re ssu p o r que as
ações crim inosas são su jeitas aos m esm os princípios que controlam
todos os tipos de com portam ento. E n tretan to , d ad as a s extensões
bem -sucedidas d a análise do com portam ento p a ra outros tipos de
co n d u ta h u m a n a complexa, não podem os negligenciar essa im por­
tan te classe, ap en as por c a u sa de noções preconcebidas que p o s­
suem pouca ou n en h u m a b ase em pírica. C ertam ente, reduzir a inci­
dência da crim inalidade por meio do replanejam ento dos am bientes
que a originam é u m a tarefa infinitam ente complexa. R aram ente é
possível obter o controle necessário dos reforçadores cruciais, elim i­
n a r os reforçadores negativos em uso e su b stitu í-lo s pelos positivos.
Portanto, não ousam os elim inar n o ssas prisões.
Coerção e s u a s im plicações 26 3

Contudo, não im porta como alguém se sin ta q u an to à dese-


jabilidade do aprisionam ento, seu fracasso em im pedir a repetição
do crim e rep resen ta oportunidades perdidas ou até m esm o tragé­
dias. Prisões e reform atórios controlam reforçadores em u m a exten­
são que não é perm itida no m undo exterior. E n q u an to os infratores
são tem porariam ente incapazes de se engajar nos atos que os leva­
ram p a ra a prisão é possível u s a r o reforçam ento positivo p ara
en sin a r a eles form as m ais aceitáveis e ad ap tativ as de conduta.
A ntes de deixar a prisão, o infrator poderia s e i preparado com novas
opções e meios legais de sobrevivência. A redução do núm ero de
infratores reincidentes tam bém reduziria a crescente necessidade de
novas prisões.
O uso do confinam ento como oportunidade de educaçao a l­
cançou tão pouco sucesso que os profissionais responsáveis pelo
cum prim ento da lei vêem esta noção com ceticism o q u ase total; os
proponentes da teoria são “ignorantes bem -intencionados”. C ontu­
do. a falta de sucesso e o ceticismo daí re su lta n te originam -se da
falsa noção de que o ensino som ente pode ser realizado por meio da
coerção, p articularm en te, quando os alu n o s são “crim inosos”. A
m aioria dos program as educacionais dentro de prisões fracassou
porque baseava-se no controle coercitivo. Com o reforçam ento positi­
vo é possível realizar correções verdadeiras em trajetó rias de vida
m aldirigidas. Além disso, um program a de reforçam ento positivo
autêntico, instituído an te s que os jovens ten h am se tornado infrato­
res h ab itu ais, no final d as contas, c u sta consideravelm ente m enos
do que s u ste n ta r o sistem a-padrão de controle coercitivo.
Isto não é ap en as teoria im praticável. O reforçam ento positi­
vo tem sido usado com êxito p ara s u b stitu ir por habilidades cons­
tru tiv as a incapacidade de infratores juvenis, to m an d o novos refor­
çadores disponíveis p ara eles, pela prim eira vez. Um extraordinário
projeto de dem onstração, que m ostrou a eficácia de u m sistem a de
reforçam ento positivo bem -elaborado e com petentem ente ad m in is­
trad o foi com pletam ente ignorado pelos profissionais d a ciência
com portam ental e do cum prim ento d a lei. Neste projeto novas h ab i­
lidades perm itiram que, ao deixar a prisão, os jovens in gressassem
em novos am bientes sem en tra r em conflito com a lei. As técnicas
p ara levá-los ao su cesso não são difíceis. Todos os funcionários
correcionais deveriam ser treinados a usá-las.*

* H. L. C ohen e J . Filipczak. A new learning enviror nent, Sao Francisco,


CA: Jo ssey-B ass, 1971.
2 64 M urray S id m a n

O projeto proporcionou cu rso s p a ra os prisioneiros, com e­


çando com leitu ra básica, escrita, conversação, cálculo e m em ória e
então p rosseguiu p a ra habilidades m ais avançadas que em pregavam
esses pré-requisitos. Os conteúdos e as seqüências dos cu rso s foram
cuidadosam ente program ados. A g aran tia de que cad a cu rso p rep a­
rava o aluno para o seguinte e a exigência de n o tas a lta s p ara que
eles pu d essem avan çar asseg u raram o sucesso — reforçam ento con­
tinuado. Ninguém era forçado a fazer os cursos, a punição não
ocorria p a ra quem preferisse a ro tin a u su a l da prisão, em vez de
participar.
Não era suficiente ap en as proporcionar os cu rso s. Afinal, se
os prisioneiros n u n c a tin h am experienciado os benefícios que as
habilidades acadêm icas b ásicas podem trazer, por que deveriam es­
ta r interessados em p articipar? Portanto, de início, foram n ece ssá­
rios reforçadores artificiais até que as novas h ab ilidades dos alunos
os colocassem em contato com conseqüências m ais n a tu ra is. Nesta
altu ra, um aspecto crucial do sistem a, reforçam ento positivo pela
aprendizagem , en tro u em cena.
P ara que os prisioneiros se engajassem , o projeto pagava-os
p a ra aprender. Isto to rn o u possível àqueles que se engajaram no
processo de aprendizagem a obtenção de coisas que, do contrário,
não estariam disponíveis de modo algum , independentem ente de
como agissem n a prisão. N otas altas no exam e beneficiavam o
aprendiz com um espaço privativo. Em bora a princípio escassam e n ­
te mobiliado com u m a m esa, u m a cadeira, u m a prateleira de livros e
u m a lâm p ad a — artigos que tornavam viável a contin u id ad e do
estudo — o espaço poderia ser posteriorm ente equipado, de acordo
com as preferências pessoais e recu rso s do proprietário. De que
m aneira esperava-se que eles obtivessem esses recu rso s? Depois de
conseguir o espaço, eles podiam então obter créditos por co n tin u ar
m ostrando aprendizados em se u s cursos. Podiam ju n ta r e u s a r os
créditos como dinheiro p a ra com prar objetos n u m a loja. O estoque
d a loja era feito sob encom enda, de acordo com a s preferências
daqueles que estavam trab alh an d o pelos créditos.
P agar os e stu d an tes por ap ren d er sim plesm ente estabeleceu
a escola como um outro trabalho, que estava disponível p a ra os
detentos. Os créditos, a loja, o espaço privativo e o u tro s privilégios
eram , n a verdade, p arte do program a escolar — o trab alh o — e eram
desfrutados ap en as d u ra n te as h o ras de escola — en q u an to os p ri­
sioneiros estavam no trabalho. O fato de que esses reforçadores que
os participantes desfrutavam eram , n a realidade, pagam ento, prova­
velm ente aju d a a com preender a relativa au sên cia de ressentim ento
Coerção e s u a s im plicações 265

e hostilidade por p arte dos prisioneiros que não participavam do


program a. Todos tin h am s u a oportunidade de trab alh o . Ninguém
e ra im pedido de participar. Os reforçadores estavam disponíveis
p a ra qualquer um que o p tasse por este trab alh o como p arte de seus
deveres n a prisão.
As propriedades privativas criaram novos reforçadores. E n­
feites de parede, mobília, aparelhos de som e TV tom aram - se artigos
pelos quais valia a p en a trab a lh ar e a aprendizagem co ntinuou. As
novas habilidades criavam o potencial p a ra m ais reforçadores ainda;
a loja tornava-os acessíveis; a habilidade de escrever cartas tornou
os artigos de p apelaria e m ateriais de escrita em b en s úteis; a habili­
dade p a ra en fren tar u m a entrevista de trab alh o to rn o u determ in a­
dos tipos de ro u p as desejáveis p ara os estu d a n te s que em breve
estariam com pletando su a s penas; a habilidade de leitu ra gerou um
novo prazer e os livros to rn aram -se b en s desejáveis. Posteriorm ente,
quando os estu d a n te s se to rn aram capazes de com portam entos no­
vos e m ais complexos p u d eram com eçar a u s a r seu s créditos p ara
com prar regalias que an tes não podiam im aginar que alcançariam ;
ch am ad as telefônicas, visitas privativas de p aren tes e amigos, priva­
cidade e passeios externos supervisionados que iniciavam ju n ta m e n ­
te com os cursos. O valor da aprendizagem , por si só, to rn o u -se
evidente e os estu d an tes, por fim, p a ssa ra m a utilizar alguns de
seu s créditos p ara p ag ar os cursos que eles solicitavam — u m a
exigência que teriam fora dali.
Q uando esses e stu d an tes p artiram estavam ap to s a fazer
coisas que tornavam nó vos reforçadores dísponíveis: seu m undo h a ­
via se expandido. O bviam ente, não havia g aran tias de que as an ti­
gas contingências do am biente fam iliar não assu m iriam novam ente
o controle, m as agora, pelo m enos, eles tin h am u m a chance de fazer
algo diferente. As evidências indicam que m uitos investiram em no­
vas o p o rtu n id ad es que a abordagem n ão -p u n itiv a havia to m ad o
possível. O retom o à prisão se reduziu.

O reforçamento positivo e a lei


Todas as sociedades realm ente fornecem reforçadores positi­
vos p ara os com portam entos que querem encorajar. Em nosso siste­
m a, o medo do fracasso, da punição ou da deso n ra ê recom pensado
pela perspectiva de todos os tipos de recom pensas em troca de
concordância, perseverança, espírito inventivo e envolvimento cons­
trutivo. Infelizmente, como podem os co n sta ta r todos os dias pela
im prensa, a s recom pensas por agir fora d a lei são ain d a maiores.
266 M urray S id m a n

Uma vez q ue as pessoas podem g an h ar m ais dinheiro, poder e p re s­


tígio violando a lei — sem serem p resas — do que perm anecendo
dentro dela, um sistem a legal sem punição co n tin u ará im praticável.
Na m edida em que as recom pensas por vício u ltra p a ssa m aquelas
por virtude, o vício p erm anecerá conosco, ap esar dos seu s riscos.
N ossa tradição legal aceita a m á co n d u ta e o crim e como
inevitáveis, como p artes d a n atu re za h u m a n a. De fato, é n atu re za
h u m a n a. O que m ais poderia ser? M as a n atu re za h u m a n a não é
im utável. Ela ê flexível e passível de m u d an ça. N ossa co n d u ta é
sem pre o resultado de m u itas contingências, algum as positivas e
o u tra s negativas. A lterar as contingências não altera a n atu reza
h u m a n a, m as faz uso d a plasticidade da n atu re za h u m an a.
Atê agora, alteram os a s contingências em u m a ú n ica direção.
Incapazes de dem o n strar as vantagens m ateriais d a ho n estid ad e e
legalidade em relação ã ilegalidade encoberta, decretam os que a
virtude deve ser a s u a p rópria recom pensa. Assim, apoiados por esse
princípio de honestidade, punim os q u alquer p esso a que su rp re e n d e ­
mos agindo com desonestidade. A tradição da punição to rn a-se a in ­
da m ais fortem ente m arcad a quando a sociedade to rn a a tra n s g re s ­
são m ais cu sto sa p a ra os poucos que ela consegue d etectar e a c u sa r
com êxito. Mesmo considerando a s restrições p ráticas óbvias, pode­
ríam os m ais efetivam ente encorajar a conform idade aos pad rõ es de
co n d u ta civilizada fornecendo reforçam ento positivo m ais forte e com
m aior freqüência, em vez de am eaçando com punição m ais severa?

A polícia: d e que lado está? A auto rid ad e que cum pre a lei em
u m a sociedade é a polícia. As forças policiais m unicipais, estad u a is
e federais são. geralm ente, in stru m en to s de coerção. Salvo algum as
exceções, as principais tarefas a elas a trib u íd as são am eaçar de
co n tra-ataq u e q u alq u er pessoa te n ta d a a desviar-se de nossos p a ­
drões legais de paz e decência e aplicar a força da rep ressão contra
q ualquer um que realm ente se desviar.
O governo cada v=z m ais freqüentem ente solicita auxílio poli­
cial p ara proteger segm entos ricos e poderosos d a sociedade das
pessoas q ue são m enos favorecidas. C ontra um cenário de pobreza,
preconceito racial e outros problem as sociais complexos, a coerção
policial em m u itas regiões está se to rn an d o m ais severa e violenta do
que erá. E à m edida que a contraviolência dos pobres, despossuídos
e dos jovens idealistas aum en ta, a polícia tam bém está sendo levada
a agir m enos seletivam ente, tendendo a tra ta r q u alq u er encontro
com ó público em geral como am eaça em potencial p a ra s u a própria
segurança.
Coerção e s u a s im plicações 267

E sse aum ento de coerção policial vem ocorrendo de forma


m ais proem inente em n o ssas grandes cidades, onde os problem as
que dividem a sociedade se destacam m ais visivelmente. Q uando a
polícia das grandes m etrópoles p ára m otoristas jovens por violações
de trân sito , autom aticam ente o rdena que eles saiam do carro, en­
q uanto inspecionam à procura de drogas; esta é u m a experiência
h u m ilh an te p a ra m uitos jovens. Em situações sem elhantes, m otoris­
ta s negros ou hispânicos são obrigados a a ssu m ir aq u ela posição
aviltante e indigna que todos os telespectadores sabem que é in ten ­
cional, p a ra d a r vantagem à polícia, caso os “su sp e ito s” tentem fugir
ou co n tra-atacar. Como alguns infratores su sp eito s te n ta ra m atro ­
pelar os policiais, a polícia agora considera os carros como arm a e
sente-se ju stificad a por a tira r em u m m otorista que não p á ra q u a n ­
do ordenado.
De um modo m ais geral, como a atividade crim inosa tornou-
se m ais violenta, a ação policial seguiu o exemplo. A polícia não
considera o p ressu p o sto da inocência como u m a proteção válida do
público, m as como u m a am eaça co n tra s u a pró p ria eficiência profis­
sional e seg u ran ça pessoal. Ela preferiria o p ressu p o sto d a culpa
como o princípio n o rteador do cum prim ento d a lei. Assim, a m era
su sp e ita de delito ju stificaria a detenção violenta, a prisão e o uso de
arm as. Como n o ssa polícia to rn a-se cada vez m ais severam ente
coercitiva, um núm ero sem pre crescente de segm entos d a população
está com eçando a encará-la m enos como u m dispositivo de proteção
do que como choques e sinais de choque — dos quais se deve fugir,
esquivar e os quais se deve até mesm o tra ta r como objetos de con-
tra-agressão.
A polícia tem feito ap en as aquilo que a m aioria dos contri­
b u in te s exige. M as como todos os sistem as coercitivos, este tam bém
gerou os costum eiros efeitos colaterais. O aum ento d a p ressão coer­
citiva está levando m uitos cidadãos em todas as classes econôm icas
e sociais a tem er e desconfiar d a polícia. Mesmo n a s regiões tra n q ü i­
las e p rósperas d as cidades, que n ecessitam de p a tru lh a s policiais
p a ra deter desordeiros, assaltan tes, tro m b ad in h as e estu p rad o res
que vêm de regiões vizinhas, os h ab itan te s locais raram en te cu m p ri­
m entam seu s defensores, conversam com eles ou d em onstram q u al­
q u er sinal de gratidão por su a presença. Os policiais, por s u a vez,
com seu s olhos vigilantes e su a s expressões de desconfiança, indi­
cam que consideram todo pedestre que se aproxim a u m agressor em
potencial e provocam medo e ansiedade mesm o en tre aqueles que
são gratos por s u a presença.
268 M urray S id m a n

O objetivo de reconciliar o público com a polícia é um esforço


digno de consideração. Mas o abismo está aum entando. Em resp o s­
ta ao crescente descrédito de um a com unidade, a polícia tom a-se
ainda m ais hostil e insolente em relação àqueles que deve proteger.
O público começa a esquecer que necessita da polícia como p ro te­
ção; a polícia começa a esquecer que deve ser protetora. A contra-
agressão em relação à polícia está se propagando p ara outros prote­
tores fardados; em alguns bairros os bombeiros não se surpreendem
m ais quando são insultados e apedrejados enquanto executam seus
deveres — por certo, apenas um tipo de patologia social em vez de
um a ocorrência habitual, mas que se origina diretam ente das in tera­
ções coercitivas entre a polícia e a população.
Em m uitas comunidades, o pouco apreço pela polícia d esen­
coraja inúm eros jovens e pessoas capacitadas de escolher esta c a r­
reira. Como conseqüência, é difícil distinguir entre os m uitos que
escolhem pelo cum primento da lei e aqueles que atravessam p ara o
outro lado. Com cada lado dependendo da coerção para alcançar
seus objetivos, a polícia e seus adversários tom am -se cada vez mais
semelhantes.
Na maioria dos países do terceiro m undo, a brutalidade e a
coerção policiais já são adm itidas como certas e podemos observar a
evidência de um a tendência sem elhante n as nações altam ente d e ­
senvolvidas da Europa. Nos Estados Unidos, a dependência da coer­
ção é menos evidente n as com unidades menores do que n as cida­
des. A polícia urb an a está direcionando su as energias m enos em
direção à proteção dos cidadãos e m ais em direção de su a autoprote-
ção contra a hostilidade pública. Quando algumas cidades não a te n ­
deram às reivindicações por salários mais altos, a polícia provocou o
apoio da indústria turística am eaçando visitantes e excursionistas;
quando os próprios membros da força policial apresentam -se como
criminosos, o sindicato esmera-se p ara im pedir o processo legal; eles
resistem a e retardam as investigações de abuso de bebidas alcoóli­
cas e de drogas, de suborno e de outras formas de corrupção e de
fraudes em exames de promoção, dentro de suas próprias tropas.
Com su a continuidade consentida, essa crescente separação
pode perfeitam ente atingir seu auge quando os policiais com parti­
lharem su a sorte com um líder político que prom eta tirá-los de sua
posição como servidores do público para, em vez disso, colocá-los no
comando. Logo, o público estará sem proteção alguma. É possível
que este processo já ten h a começado n a cam panha presidencial dos
Estados Unidos de 1988, quando os dois candidatos cortejaram
ativamente o apoio das organizações policiais. Ironicamente, o pri-
Coerção e s u a s im plicações 269

meiro grupo policial a apoiar publicam ente um candidato foi o m es­


mo que havia afugentado os tu rista s no aeroporto de Boston.
Será que podem os im ped:r esta inversão de funções da polí­
cia? Provavelm ente, a polícia n u n c a e sta rá com pletam ente cap acita­
d a p ara m u d a r s u a im agem coercitiva,' m as será que o u so em maior
escala do reforçam ento positivo podéria aju d á-la a p en d er a b alan ça
em direção ao seu papel original? Não se rá fácil. É provável que a
polícia atu al não aceite u m a m u d an ça em seu papel de coercedora
p a ra reforçadores positivos, mesm o que ap en as acrescentássem os
técnicas positivas ao seu arsenal, sem retirar seu s poderes coerciti­
vos. Afinal de contas, a coerção é fam iliar e cômoda; com a fonte de
seu poder p en d u rad a em seu s cinturões, os policiais estão protegi­
dos das represálias. Por que g astar esforços extras p a ra aprender
novos m étodos de controle — quer sobre o tráfego ou sobre o crime
— ap en as porque eles devem dim inuir a hostilidade? E sses m étodos
funcionariam ? Todo m undo sabe que “os bonzinhos não têm vez”.
Visto que eles carregam u m a arm a, todas a s o u tras form as possíveis
de controle to m am -se insignificantes.
O coercedor últim o é o revólver, o ceifador de vidas. Mesmo
em bainhados, os revólveres são am eaças e q u alq u er pessoa p o rta n ­
do u m revólver é u m a am eaça. Não im porta a q u an tid ad e de reforça­
m ento que se distribua, u m revólver ao seu lado diz p a ra q u alquer
um m an ter-se n a linha, senão... Será que a polícia poderá em algum
m om ento, algum dia, elim inar s u a im agem coercitiva en q u an to con­
tin u a r portando arm as? Provavelm ente não.
■ E contudo, com revólveres generalizadam ente disponíveis,
d estitu ir a polícia de su a s arm as a deixaria exposta a enorm es
riscos. Não podem os retirar seu s in stru m en to s coercitivos de prote­
ção se os deixam os sujeitos à m esm a coerção por p arte de outros.
Talvez um ponto de p artid a p u d esse ser provocado pela m u d an ça de
algum as das concepções tradicionais que subjazem ao trab alh o da
polícia. E spera-se, por exemplo, que todo policial esteja, o tempo
todo, pronto p ara executar todas as tarefas. S erá que não podería­
m os rep artir as responsabilidades d a polícia? C ertam ente, os revól­
veres não são necessários p ara controlar o trânsito. Q uando este
trab alh o é atribuído a u m policial, não poderia se to rn a r a s u a única
responsabilidade? D esta forma, se um banco estivesse sendo ro u b a­
do ou um pedestre sendo assaltad o eles não seriam cham ados a
intervir. De form a sem elhante, poderiam ser atrib u íd as responsabili­
dades lim itadas no cum prim ento da lei aos policiais em trab alh o s
burocráticos, principalm ente àqueles que en tram em contato com o
público. Eles tam bém não p recisariam de revólveres. E quando eles
270 M urray S id m a n

investigam delitos que já foram praticad o s — arrom bam entos, in cên ­


dios crim inosos ou m esm o hom icídios — será que eles precisam
p o rtar revólveres en q u an to exam inam o local e interrogam te ste m u ­
n h a s? Os uniform es da polícia poderiam até m esm o variar, d ep en ­
dendo d a atribuição em curso: o público rapidam ente ap ren d eria
seu s significados e o que esperar de cada um .
A m aior parte dos deveres do policial não os coloca em risco
e a m aior p arte do público é, afinal de contas, resp eitad o r da lei.
D ispensar os revólveres dos policiais en q u an to estivessem em ta re ­
fas de rotina, aju d aria a enfatizar as funções do serviço que m ais
freqüentem ente coloca a polícia em contato com o público em geral e
d esace n tu aria seu papel coercitivo. C ertam ente é u m pequeno p a s ­
so. m as é um começo. Muito em bora o poder policial máximo conti­
n u e sendo coercitivo, u m a redução do potencial p a ra violência a ju ­
daria a deter o crescente relacionam ento de antagonism o en tre a
polícia e a população. O desarm am ento policial em p equena escala,
a princípio restrito a tarefas seguras e estendendo-se ap en as depois
que os “germ es” te n h am sido descobertos e elim inados, seria um
passo n a direção correta. D ada a necessidade geral de reduzir a
freqüência e a força d as pressões coercitivas em n o ssa sociedade,
u m a pequena experim entação social não parece fora de hora.
S erá que, por fim, seria possível te r u m a força policial q u ase
com pletam ente d esarm ad a? D ados os atu ais aspectos práticos, isto
não é provável. Ainda assim , estes aspectos práticos são dignos de
exame, levando-se em consideração as v antagens que poderiam re ­
su lta r se pudéssem os de algum a forma contorná-los.
O controle de arm as deve ser "um a via de mão d u p la ”. A ntes
que elas possam ser tirad as da. polícia, devem prim eiro ser tirad as
de todos os dem ais. Mas os grupos de p ressão pública agiram com
êxito contra as leis que regulam entariam a posse pessoal de arm as
de fogo. È sta é u m a questão com plexa que envolve m uito m ais do
que sim plesm ente a coerção policial. Mas, a freqüência e ferocidade
crescentes d esta coerção e a conseqüente deterioração d a relação
entre protetores e protegidos, geralm ente não têm sido consideradas
no debate sobre o controle de arm as. A redução da posse privada de
arm as poderia tam bém reduzir a necessidade de funcionários da
segurança pública de p o rtar arm as no cum prim ento de su a s resp o n ­
sabilidades.
Uma vez que a violência contra policiais te n h a ocorrido, não
podem os, sensatam ente, esp erar que eles “dêem a o u tra face” e
respondam de form a pacífica. Por outro lado, é difícil conceber m edi­
das não-çoercitivas p ara to rn ar arm as não-disponíveis p ara todos os
Coerção e s u a s im plicações 2 71

dem ais e desse modo, reduzir a probabilidade de violência co n tra a


polícia. Poderíam os, talvez, oferecer recom pensas su b stan ciais p ara
as pessoas que entregassem su a s arm as? Tam bém poderíam os p e r­
m itir que as pesso as p ossuíssem arm as, m as que elas fossem g u a r­
dad as pela polícia que. d esta forma, poderia controlar s u a disponibi­
lidade. E stas e o u tras m edidas sem elhantes são provavelm ente dig­
n as de u m a tentativa, ain d a que, como parece provável, não ten h am
êxito total. Em bora a m aior parte daqueles que en tregariam su as
arm as jam ais iriam se envolver violentam ente com a polícia, algu­
m as oportunidad es de confronto teriam sido elim inadas. Mas os
reforçadores por p o ssu ir arm as freqüentem ente são negativos —
proteção pessoal e da propriedade — e p ara m uitos, n e n h u m refor-
çador positivo te rá m ais valor do que este. Além do m ais, é óbvio que
existem aqueles cujo "negócio” é a violência co n tra a sociedade —
aqueles que precisam de arm as p a ra salv ag u ard ar su a s práticas
coercitivas.
P ara lidar com os m ais inflexíveis — aqueles cidadãos respei­
tado res da lei que insistirão em se a g arrar às s u a s arm as p ara
autoproteção e aqueles que as utilizam como “in stru m en to de tra b a ­
lho” — é bem possível ser necessário que n ó s m esm o tenham os de
estabelecer algum as novas m edidas coercitivas. Poderia ser n ecessá­
ria u m a certa dose de “coerção preventiva” p ara d esarm ar p arte
suficiente da população, de modo a perm itir aos policiais executa­
rem a m aior parte de seu s deveres desarm ados.
A fim de aju d ar a evitar que a polícia te n h a que responder à
força com a força que lhe é peculiar, n o ssa s leis teriam que especifi­
car p en as severas, não só p ara a propriedade de arm as letais, m as
pelo seu porte n a s proxim idades de equipe policial. Assim, a m era
posse de u m a arm a n a presença de um policial poderia c a u sa r
quase a m esm a p en a que seria estip u lad a pelo seu u so efetivo.
Um a lei como esta, em bora ela própria severam ente coerciti­
va, finalm ente perm itiria à polícia ab an d o n a r su a s arm as com segu­
rança. Isto poderia d ar espaço p ara que o u so do reforçam ento
positivo co n stru ísse a co n d u ta legal, em vez de ap en as p u n ir os que
desrespeitam a lei. O resultado poderia ser u m a redução geral do
controle coercitivo. Sem arm as — e, é claro, com seg u ran ça ad eq u a­
da contra o uso de arm as pelos dem ais — seria possível p a ra a
polícia re c ru ta r jovens que não estivessem ain d a com prom etidos
com a violência e a revanche como meio de vida. A au sên cia de
arm as poderia aju d ar a a te n u a r a percepção pública de que a polícia
deve ser tem ida por todos e a reduzir a extensão n a qual a polícia
conserva e sta imagem coercitiva.
272 M urray S id m a n

Novamente, a experim entação social será necessária. S ab e­


m os que a coerção se au toderrota, m as su b stitu to s práticos n ecessi­
tam de u m a avaliação cuidadosa. O reforçam ento positivo não fu n ­
ciona por m agia. É sim ples em princípio, m as difícil de executar n a
prática. N ossa avaliação d as técnicas de reforçam ento positivo deve­
ria com eçar an te s que a subversão da função policial te n h a se to rn a ­
do irreversível.
S erá que as polícias m unicipais e estad u a is poderiam aju d ar
a restabelecer a am izade com su a s com unidades, d istribuindo refor­
çam ento positivo? Assim como os d ispensadores de choques to r­
nam -se eles m esm os choques, os dispensadores de reforçadores po­
sitivos tornam -se eles próprios reforçadores positivos. Associações
atléticas patrocinad as pela polícia são exem plos existentes de te n ta ­
tivas de prevenção d a delinqüência, reforçando a co n d u ta desejável
em vez de ap en as esp erar que os problem as aconteçam para, então,
atacá-los duram en te. Tal cooperação entre a polícia e a com unidade
pareceria inteiram ente razoável, ainda que n a d a conhecêssem os so­
bre a análise do com portam ento, m as os dados sobre a eficiência da
prática são insuficientes. Precisam os saber se ela é bem -sucedida e
se não for, porque fracassa; as modificações poderiam , então, pro­
porcionar um sucesso crescente, talvez gerando até m esm o exten­
sões do patrocínio d a polícia p ara feiras científicas, m o stras agríco­
las, concursos culinários e o u tras atividades educativas relevantes
p ara os jovens.
Existem o u tras áreas n a s q u ais a polícia poderia te n ta r incli­
n a r a b alan ça do controle negativo p ara o positivo? A tualm ente, os
policiais distribuem notificações de m u ltas aos m otoristas que são
ap an h ad o s dirigindo em alta velocidade, u ltrap assa n d o sin al verm e­
lho ou p a ra d a obrigatória, dirigindo sem u s a r cinto de segurança,
tran sp o rta n d o crianças inadequadam ente ou com la n te rn a s e faróis
defeituosos. O que aconteceria se, em vez disso, eles “a p a n h a sse m ”
os m otoristas obedecendo os lim ites de velocidade, p aran d o no sinal
verm elho e em p arad as obrigatórias, u san d o o cinto de segurança,
tran sp o rta n d o a s crianças de forma seg u ra ou com as luzes de
sinalização do autom óvel em perfeito estado — e d istrib u íssem in ­
gressos gratuitos p ara eventos esportivos, filmes, peças de teatro,
concertos e m u seu s?
E sta inversão d a prática característica da polícia poderia não
se m o stra r tão n atu ralm en te im praticável como parece a princípio.
Ela não exigiria que os policiais aborrecessem os m otoristas, p aran -
do-os quando estivessem ap ressad o s p ara chegar ao seu destino; o
reforçador seria fornecido en q u an to o m otorista estivesse p arado em
Coerção e s u a s im plicações 273

um sem áforo ou pedágio, ou o policial poderia an o tar o núm ero de


s u a carteira de habilitação e por meio de um com putador localizar
rapidam ente o endereço do m otorista, p a ra onde o reforçador seria
enviado ou, aind a melhor, o policial poderia levá-lo pessoalm ente.
T am pouco seria necessário d istrib u ir reforçadores positives p a ra to­
dos ou m esm o p a ra a m aioria dos m otoristas que obedecessem à lei;
averigüou-se que os reforçadores fornecidos ocasionalm ente m antêm
o com portam ento — u m a vez que te n h a sido aprendido — ain d a
m ais efetivam ente do que os reforçadores oferecidos p a ra to d a ocor­
rência de co n d u ta desejável (um fato contra-intuitivo sobre o contro­
le com portam ental que tem sido am plam ente docum entado).
Em o u tras áreas de responsabilidade d a polícia, o reforça-
m ento positivo tam bém poderia aju d á-la a atingir se u s objetivos. No
controle de m ultidões — em desfiles, eventos esportivos e m anifesta­
ções de vários tipos — em vez de ap en as esp erar que a s pessoas
passem o cordão de isolam ento p a ra fazê-las recuar, a polícia pode­
ria ocasionalm ente d istrib u ir reforçadores p a ra as p esso as que se
m antivessem dentro dos lim ites? Poderíam os não ap en as solicitar-
lhes que evitassem saq u es em episódios de inu n d açõ es e incêndios,
m as que ajudassem a providenciar com ida, ro u p as e abrigo p ara
aqueles que necessitam ? Na cabine de votação, em vez de ap en as
desqualificar as pessoas cujos nom es não constam da lista, não
seria possível ocasionalm ente oferecer algo extra p a ra as pessoas
cujos nom es são encontrados? ,
Em bora o reforçam ento positivo não seja u m a função trad i­
cional da polícia, não é difícil produzir novas possibilidades, u m a vez
que se te n h a acostum ado a p en sar d esta forma. Sem dúvida, casos
individuais se defrontariam com dificuldades práticas, m as quando
se m antém a atitu d e experim ental, então as p ráticas m alsucedidas
são aban d o n ad as, ou m elhor, são m odificadas até que realm ente
funcionem . Temos boas razões p ara acred itar que o reforçam ento
por m an ter-se dentro da lei funcionaria em m uitos casos tão efetiva­
m ente quanto o atu al sistem a de esp erar até que a lei seja violada
p ara então punir. Temos motivos p ara crer que o reforçam ento posi­
tivo p ara a co n d u ta desejável reduziria a necessidade de punição
p ara a s ações indesejáveis. A evidência do poder d a s contingências
positivas é forte o b asta n te p ara g aran tir alg u n s experim entos so­
ciais seguindo esta ótica; eles com eçariam tim idam ente, m as chega­
riam a atingir objetivos im portantes.
Igualm ente im portantes seriam os efeitos colaterais — desta
vez, efeitos colaterais de reforçam ento positivo. Os carros da polícia
não sinalizariam medo e apreensão, m as a antecipação de encontros
274 M urray S id m a n

am istosos e gratificantes, sinais bem -vindos de que tudo está bem.


Como distribuidora de reforçam ento positivo, a polícia não g eraria a
esquiva, m as a aproxim ação; não geraria o medo, m as a confiança;
não geraria a hostilidade, m as a am izade. Poderíam os ver o restab e­
lecim ento d a fé e da confiança pública em n o ssa s instituições p rote­
toras. A im agem pública dos policiais como adversários d esap arece­
ria, eles p assariam a ser adm irados, respeitados e dignos de n o ssa
confiança.
S erá que tam bém poderíam os estabelecer u m sistem a de re ­
forçam ento positivo que cam inhe n a o u tra direção? Poderíam os de
form a m ais efetiva m o strar nosso apreço pelos serviços d a polícia,
to rnando conseqüências visíveis e valiosas contingentes a desem pe
n ho desejável? Se o fizéssem os seria m ais provável ver ta is d esem p e­
n h o s aparecendo novam ente.
A tualm ente, percebem os n o ssa polícia principalm ente q u a n ­
do detectam os desvios da co n d u ta aceitável e então estam os prontos
p a ra punir. Em vez de ap en as reagir àquilo que não gostam os na
co nduta dos policiais, poderíam os tam bém reforçá-los positivam ente
por aquilo que realm ente gostam os. Q ue tal m enções h o n ro sas indi­
viduais, prêm ios, folgas e pontos que seriam contados p a ra prom o­
ção? Obviam ente, teríam os que especificar o que desejam os. Um
sistem a eficaz provavelm ente exigiria m aior precisão do que estam os
acostum ados n a descrição daquilo que consideram os ser a co n d u ta
desejável. G eneralidades como honestidade, lealdade e integridade
proem inentes não serão suficientes. Especificações vagas como estas
deixam m u itas la cu n as p a ra ju lg am en to s arbitrários, caprichosos e
até m esm o fraudulentos. Teríam os de descrever o que realm ente os
policiais teriam de fazer p ara ju stificar u m a m enção h o n ro sa por
honestidade, lealdade, integridade ou o que q u er que seja. Da m es­
m a forma, p a ra evitar que o sistem a de to m e corrupto, o público
te rá que adm inistrá-lo.
Obviam ente, seria u m a atitu d e sim plista propor o reforça­
m ento positivo recíproco como u m a panacéia p ara o relacionam ento
deteriorado entre a polícia e a população. As p ráticas do cu m p ri­
m ento da lei são influenciadas por forças políticas e econôm icas de
larga escala, sobre a s quais nós, como indivíduos, tem os pouco
controle. E ntretanto , tem os de ser cuidadosos; apelar p a ra tais “for­
ça s” pode nos desencorajar de te n ta r aperfeiçoar n o ssas p ráticas
sociais. A penas as ciências físicas definem força de m an eira com a
qual todos podem concordar; n a s ciências sociais o term o significa
diferentes coisas p a ra diferentes pessoas. M uito freqüentem ente ele
Coerção e s u a s im plicações 2 75

serve ap en as p a ra evitar que ten h am o s que especificar as verdadei­


ra s variáveis.
O cum prim ento d a lei é u m processo social que envolve inte­
rações entre pessoas. Variáveis com portam entais governam estas
interações. E reforçam ento positivo e negativo é u m dos fatores mais
poderoso n a determ inação do que fazemos. Seja q u al for o sta tu s
cau sal que queiram os atrib u ir a "forças sociais”, estas forças serão,
elas m esm as, determ inadas, pelo m enos em parte, pelas variáveis de
reforçam ento. Na m edida em que a redução d a confiança d a polícia
n a s arm as p ara im por práticas coercitivas p o ssa a ju d a r a produzir
relações en tre a polícia e o público sob controle de reforçadores
positivos, n a m edida em que a polícia u s a r o reforçam ento positivo
em vez da coerção p a ra cum prir a tarefa a ela atrib u íd a de controlar
nosso próprio com portam ento e n a m edida em que puderm os g erar e
m a n ter a co n d u ta desejável da polícia, fornecendo reforçam ento po­
sitivo, as “forças” que influenciam a relação en tre a polícia e o
público penderão u m pouco m enos p a ra o lado da aversão e da
contra-agressão e m ais p ara o lado do respeito m ú tu o e d a coopera­
ção.
17

r£?(iste aCgum outro caminho? (continuação)

Reforçamento positivo em diplomacia


Pombas e águias. Nós, do lado dos espectadores, sabem os
pouco sobre o que realm ente acontece d u ra n te negociações diplom á­
ticas. R ecursos m ilitares e econôm icos — reforçadores potenciais —
são recru tad o s a serviço da política externa por meio de ro tas m iste­
riosas. O segredo to m a o processo diplom ático difícil de analisar.
M as não h á m istério sobre os resultados. Defendendo a g u erra como
um a alternativa viável à paz, a diplom acia-padrão expandiu um sis­
tem a de intim idação, beligerância e agressão a ssa ssin a que funciona
p ara satisfazer a ganância econôm ica e a sede de poder.
Porque poder, recursos e prestígio são reforçadores potentes,
as nações provavelm ente sem pre terão que m an ter forças m ilitares
p ara ijnpedir aqueles que tom ariam tudo p ara si m esm os. “Á guias”
defendem u m a p o stu ra crescentem ente agressiva, g aran tid a por um
sistem a m ilitar irresistível. Eles argum entam que a prontidão p ara
ataicar é autoproteto ra e insistem que ap en as a força superior pode
proteger u m a nação contra o ataque. “Pom bas” que defendem a
am izade internacional, argum entam que a am eaça de agressão gera
contra-agressão e insistem que ap en as o desarm am en to g ara n tirá a
Coerção e s u a s im plicações 277

paz. As pom bas acu sam as águias de cau sar, em vez de im pedir, as
guerras, e a s águias acu sam a s pom bas de irrealism o, de sim ples­
m ente pedir a autodestruição.
C ertam ente, n en h u m país pode fechar os seu s olhos à possi­
bilidade de ataq u e por u m outro e, ain d a assim , a noção de força
superior tem , ela m esm a, se to m ad o irrealista; várias nações têm
agora explosivos nucleares suficientes p a ra d e stru ir todo m undo. É
realm ente im praticável te n ta r influenciar o u tras nações não-coerciti-
vam ente? A analogia d a pom ba-e-águia tem u m segundo sentido
curioso. É igualm ente n a tu ra l ser q u alq u er dos dois tipos de p á s s a ­
ro e am bos têm valor, m as as pom bas parecem ser sobreviventes,
enquanto que as águias são u m a espécie em extinção.
Reforçam ento positivo, em bora não gere a inim izade e a con-
tra-ag ressão que vem a trá s da coerção, ê, en tretan to , u m a co n tin ­
gência; não significa d a r tu d o em tro ca de nada. P ara serem efetivos,
reforçadores positivos devem ser contingentes à co n d u ta e à s cir­
c u n stâ n c ia s em que a co n d u ta ocorre. Em bora não-coercitivo, a
m enos que o m au uso o transform e em reforçam ento negativo, refor­
çam ento positivo ain d a é controle com portam ental.
Como vimos, o d a r não-contingente tam bém é u m a form a de
controle e pode se r destrutivo, gerando com portam ento que não é de
interesse p a ra ninguém . D ar incondicionalm ente não é o oposto de
coerção. Se pais dão a seu s filhos tudo o que eles querem in d e­
p en d en tem en te de como eles agem, as crian ças não aprenderão
n a d a de útil p a ra si m esm as, p a ra seu s pais ou p a ra a sociedade em
geral. Uma nação dando a u m a o u tra tudo o que e sta o u tra quer,
independentem en te do que esta faça, não conseguirá que a que
recebe funcione produtivam ente ou pacificam ente n a sociedade
m undial. D ar não-contingente não significa generosidade; produz
seu s próprios efeitos colaterais destrutivos.
Por outro lado, o paradoxo da esquiva (Capítulo 9) im pedirá
q ualquer política coercitiva de m anutenção da paz de se r com pleta­
m ente bem -sucedida; ninguém pode co n tin u ar se esquivando p ara
sem pre sem receber u m choque ocasional. Intim idação por meio de
a rm a s n ucleares sofre de u m a desvantagem especial. Q uando o cho­
que inevitável vier, ele colocará um fim em todc. a co n d u ta h u m an a.
Por e ssa razão, u m a política exeqüível p a ra intim idação m ú tu a re­
. quereria a restrição de arm am entos p ara arm as m enos destrutivas.
Mesmo com u m a paz que m an ten h am o s pela intim idação m ú tu a, o
desarm am ento n u clear seria necessário. Um conflito arm ado ocasio­
nal que não d e stru a todo m undo poderia então servir como o lem-
278 M urray S íd m a n

brete necessário que nos m antém esquivando de m ais g u erras por


algum tempo.
E m bora provavelmente ja m ais possam os elim inar com pleta­
m ente a coerção das políticas diplom áticas, não podem os depender
dela como o principal m ecanism o de m an u ten ção da paz. No m elhor
dos casos, deveríam os m antê-la ap en as p a ra em ergências. Como
com fam ílias, um forte background de reforçam ento positivo pode
im pedir que um ocasional uso da força p roduza efeitos colaterais
devastadores. M as seguidas vezes tem os visto controle pred o m in an ­
tem ente coercitivo m ais cedo ou m ais tard e produzir a pró p ria con-
traviolência que pretendia impedir.

Generais fam intos. O sistem a m ilitar se apropria e u s a u m a


enorm e porção d a riqueza do m undo, tran sfo rm an d o -a principal­
m ente em suprim en to s consum íveis e arm as. Instituições m ilitares
não produzem alim ento ou abrigo exceto p a ra si m esm as, não m a­
n u fatu ram b en s p ara u so civil, provêm cuidados de saú d e ap en as
p ara os seus, estabelecem escolas q u ase que exclusivam ente p ara
educação nos m étodos e n a tecnologia da g u erra e estabelecem labo­
ratórios de pesquisa p ara descobrir novas m aneiras e p a ra refinar
antigas m aneiras de d estru ir adversários potenciais. A penas um a
porção m in ú scu la do orçam ento m ilitar vai p a ra a produção de
bens, tecnologia, conhecim ento ou educação genericam ente úteis. A
m aioria dos recurso s de que se apropria vai p ara o lixo; em tem po de
guerra, vidas h u m a n a s se escoam pelo ralo, e em tem pos de paz,
todas a s arm as finalm ente queim am , explodem ou apodrecem .
O m undo poderia reduzir enorm em ente este desperdício re­
duzindo o tam an h o de seu s sistem as m ilitares. Nações ricas e pode­
rosas poderiam descobrir ser possível dim inuir su a s forças com se ­
gurança, su b stitu in d o por reforçam ento positivo a coerção que
atualm ente p a ssa por diplomacia. Coerção internacional, ipso facto.
requer u m a reta g u ard a m ilitar: retaliação é inevitável. S u sten tam o s
a diplom acia coercitiva com a construção sem pre crescente de um
aparato m ilitar que produz um desperdício ainda m aior de recursos
h um anos e m ateriais. Esse círculo poderia ser quebrado s u b stitu in ­
do coerção por reforçam ento positivo como u m in stru m en to p ara a
m anutenção de interações civilizadas entre nações. Elim inar a n e ­
cessidade dè s u ste n ta r organizações m ilitares crescentem ente m ais
vorazes to rn a ria disponível p ara todos um conjunto de recursos
significativam ente m aiores. Para se r exato, a sim ples disponibilidade
de recursos não significa que eles serão distribuídos igualm ente, ou
com ujn espírito de cooperação internacional, m as pelo m enos abri-
Coerção e s u a s im plicações 279

ria u m a possibilidade. C om partilhar contingente, então, dim inuiria


a necessidade d as nações de recorrer à agressão e à contra-agres-
são.

Bons vizinhos? Porque as ap o stas são tão altas, é desejável a


experim entação prelim inar, em bora diplom acia b asead a em dados
em píricos dificilmente te n h a sido u m a tradição em q u alq u er lugar.
Faria sentido p a ra o d epartam ento de estado estabelecer um ram o
de p esq u isa que incluísse, entre outros, an alistas do com portam ento
e especialistas em metodologia científica? E stes "cientistas e s tra ­
n h o s ao serviço” poderiam iniciar estu d o s experim entais, alguns
talvez perg u n tan d o se nosso conhecim ento em acu m u lação sobre o
com portam ento pcderia ser aplicado a serviço d a paz internacional.
Em vez de te n ta r d estru ir u m governo não-am istoso apoian­
do a violência in tern a e o terrorism o — e, no processo, tran sfo rm a n ­
do velhos amigos em inimigos — poderíam os m odelar cooperação e
am izade? Modelagem é um procedim ento com portam ental testado e
verdadeiro. Envolve en co n trar algum a co n d u ta que consideram os
desejável e to rn ar e sta co n d u ta m ais provável fornecendo reforçado-
res positivos. A prim eira co n d u ta reforçável pode se r relativam ente
não-im portante, m as ela produzirá novas form as de co n d u ta m ais
próxim as daquela que finalm ente querem os. Podemos, portanto,
gradualm ente reforçar com portam ento que é m ais e m ais im portante
p a ra nós. E, fornecendo reforçadores — algum as vezes m u d an ças
em nosso próprio com portam ento — que satisfaçam as necessidades
da o u tra nação, o processo se to rn a recíproco: am b as as nações
gradualm ente m udam a n atu re za de su a s interações u m a com a
outra.
Em relações internacionais isto significa reu n ir-se p a ra e n ­
co n tra r áreas de concordância. D iscordâncias são fáceis de identifi­
car, m as freqüentem ente p assam o s por cim a d as n ecessidades de
u m a nação não-am isto sa que poderíam os satisfazer sem nos colocar
em perigo e não consideram os a possibilidade de que a o u tra nação
p u d esse e s ta r desejosa de concordar com pelo m enos algum as pe­
q u en as exigências n o ssas. Uma certa q u an tid ad e de m ú tu o “coçar
a s co stas” é sem pre possível.
Com eçando com áreas de concordância p eq u en as e até m es­
mo não-im portantes, o reforçam ento fortalece co n d u ta desejável e,
no processo, faz com que novo com portam ento ap areça pela prim ei­
r a vez. Por exemplo, prover suprim entos m édicos em troca de privilé­
gios m ínim os em aeroportos com erciais colocaria cidadãos e funcio-
nãrios do governo de cada país em contato construtivo, d o taria anti-
280 M urray S id m a n

gos inimigos de características de reforçadores positivos e estabele­


ceria a s b ases p a ra a confiança. Tendo feito pequeno progresso,
poderíam os ver então que o u tras áreas de cooperação poderiam ser
encontradas. Talvez pudéssem os pedir a liberdade de prisioneiros
políticos e, de n o ssa parte, fornecer oportunidades de educação p ara
pessoal civil e m ilitar.
Em troca de am izade e cooperação poderíam os fazer m ais do
que sim plesm ente remover p ressões coercitivas. Poderíam os enviar
m áq u in as agrícolas, aju d ar a co n stru ir fábricas e trein ar pessoas
p a ra possuí-las e operá-las, prover su p rim en to s e m édicos p a ra ini­
ciar program as de saú d e pública e estabelecer escolas que a ju d a ­
riam a g a ra n tir a autoconfiança do país. Finalm ente, q u alq u er que
seja a aju d a que u m governo não-am istoso — digamos, a N icarágua
— poderia receber d a R ússia e Cuba, nós poderíam os facilm ente
su p erá-la e, no processo, atingir nossos próprios objetivos diplom áti­
cos tam bém . Cada nação daria, e cad a u m a receberia, am b as pode­
riam , portanto, m a n ter seu auto-respeito.
As contingências de reforçam ento não deveriam incluir o uso
de força. Mesmo u m a ação m ilitar an tiam erican a não deveria trazer
destruição sobre su a s cabeças. Nem deveria a forma ou estilo de
governo ter que ser envolvido n a s contingências. Ações am istosas
trariam reforçadores positivos; ações não -am isto sas não o fariam.
Em vez d as conseqüências de desconfiança e hostilidade que as
práticas coercitivas u su a is teriam produzido, am izade e paz pode­
riam prevalecer n a área. O governo, aproveitando o apoio de p eq u e­
nos e grandes vizinhos, não m ais teria que tolerar a p resen ça de
b ases m ilitares estran g eiras potencialm ente hostis. E m bora a coer­
ção p u d esse te r derrubado o governo, ela teria deixado problem as
igualm ente sérios em seu rastro. Reforçamento positivo p o r coopera­
ção poderia provar-se tão efetivo internacionalm ente como n a família
individual, trazendo com ele um arrefecim ento d as ten sõ es que o
controle coercitivo som ente piora.
N inguém pode g aran tir que as coisas funcionariam deste
modo. A riqueza de dados que possuím os do laboratório e d as apli­
cações tecnológicas a outros problem as da co n d u ta h u m a n a forte­
m ente enraizados realm ente poderia prover guias p a ra a ação efetiva
n a com plexa aren a das relações internacionais? Os efeitos desejáveis
do reforçam ento positivo sobreviveriam aos predadores, naquilo que
parece, de fora, como u m a m a ssa confusa de g an ân cia individual
por poder e riqueza? Poderíam os g aran tir que reforçadores enviados
a um outro país alcançariam a população em geral, cuja co n d u ta
querem os influenciar? Reforçadores seriam enviados aos m ais ne-
Coerção e s u a s im plicações 281

cessitados em países onde os ricos concluíram que s u a própria so­


brevivência depende de m a n ter a m aioria d a população pobre e
não-educada?
Estes e outros problem as previsíveis poderiam se r resolvidos
de várias m aneiras, talvez n en h u m a delas fornecendo u m a solução
com pleta. Ainda assim , reforçam ento positivo poderia m o strar a l­
gu n s de seu s efeitos desejáveis. O m esm o poderia ser verdade a
respeito de problem as não-previstos. Não saberem os até que te n te ­
mos. D ados existentes sugerem que a ten tativ a valeria a pena. Os
efeitos desastroso s d as técnicas de controle a tu a is n a diplom acia
internacional torn am a ten tativ a necessária.
Mesmo quando políticas coercitivas são bem -su ced id as em
d e stru ir governos não-am istosos, nos descobrim os aliados à co rru p ­
ção e à m aldade. Seguidas vezes pressões coercitivas aparen tem en te
bem -sucedidas têm levado os E stad o s Unidos a s u ste n ta r governos
que se m antêm a si m esm os por meio d a violência, su p ressão , d es­
truição e traição. Portanto, continuam os com m uitos dos m esm os
problem as que estivem os ten tan d o elim inar — governos e p o p u la­
ções não-am istosos, não ap en as em u m país, m as em toda u m a
região. E nquanto nossos agentes de coerção regozijam -se pela elimi­
nação à força de u m a b ase m ilitar potencialm ente perigosa, nossos
oponentes acum u lam enorm es lucros. Isolados e sem a confiança de
nossos vizinhos, descobrim os n o ssa posição de liderança ain d a m ais
difícil de su ste n ta r. Diplom acia coercitiva nos to rn a um perdedor
final. Reforçam ento positivo poderia não funcionar, m as não pode
piorar.

Tragédia africana. Obviam ente, estas sugestões envolvem su-


persim plificações. Mas, de início, a ciência sem pre supersim plifica.
Ela, então, gradu alm en te acrescen ta as com plexidades que colocam
experim entos controlados em contato com condições não-controladas
do m undo cotidiano. Reforçamento positivo é u m poderoso determ i­
n an te do com portam ento. Aplicado em larga escala, seu s efeitos
provavelm ente vão se m o strar am plam ente, ain d a que o u tras variá­
veis neutralizem s u a ação em algum as localidades. V aleria a pena
b u s c a r o u tras oportunidades p ara experim entar com reforçam ento
positivo como u m su b stitu to d a coerção em relações internacionais.
Por exemplo, os E stados Unidos e a m aioria do resto do
m undo têm apoiado o governo da m inoria d a África do Sul a despei­
to de s u a opressão inom inável. Todos nós com pram os o argum ento
de que n a África do Sul ap en as os brancos possuem as habilidades
de que o país necessita p ara m an ter processos ordeiros. Se os ne-
282 M urray S id m a n

gros tom assem o poder, prossegue o argum ento, s u a falta de h abili­


dades de gerenciam ento e de tecnologia iria im pedi-los de m an ter as
m inas, a s fábricas, a s escolas, as instituições financeiras, os servi­
ços públicos e o governo em operação. E sta racionalização tem p er­
m itido à s nações do m undo a p re se n ta r o problem a como sendo
m eram ente de atraso político e tecnológico dos negros, qu an d o o
problem a é claram ente racial. Os brancos, nu m ericam en te inferio­
res, m as dom inantes, não estão dispostos a com partilhar o poder e a
riqueza com u m a m aioria negra que eles temem.
É b a sta n te possível que esta racionalização co n ten h a ele­
m entos de verdade. Mas se assim for, nem nós, nem o u tras nações
fizeram q u alq u er ten tativ a p a ra a ju d a r a retificar e s ta situação.
Q uem sabe se nós e o u tras nações tivéssem os u sado indução positi­
va p a ra p ersu ad ir o governo sul-africano a en sin a r à m aioria negra
as habilidades sociais, técnicas e políticas de que eles necessitariam
p a ra assu m ir responsabilidade de u m a m an eira ord en ad a? Agora é
m uito tarde. Nem m esm o desistindo de seu m ando v o luntariam ente
a m inoria b ra n c a im pedirá o im inente derram am ento de sangue. O
ciclo de coerção e contracoerção cam inha.
As políticas p a ssa d a s e atu a is dos governos bran co s do m u n ­
do p ara lidar com a África do Sul incluíram u m a m istu ra de métodos
contraditórios p a ra controlar com portam ento. O m undo b ran co ou
deu aos exploradores sul-africanos tu d o de que eles necessitavam ,
independentem ente do que eles fizeram ou deixaram de fazer —
reforçam ento positivo não-contingente — ou ten to u forçar m u d an ças
negando apoio econôm ico — reforçam ento negativo. Ja m a is u so u
reforçam ento positivo com petentem ente — contingente à co n d u ta
real. J a m a is to m o u o apoio dependente de reduções específicas na
política de apartheid, reforçando prim eiro p eq u en as m u d a n ças e
gradualm ente acrescen tan d o p asso s posteriores.
Apoio contingente, em bora certam ente u m a técn ica de con­
trole. não precisa incluir os elem entos coercitivos da punição e refor­
çam ento negativo. Reforçamento positivo não envolve am eaças:
apoio sim plesm ente vem depois que a co n d u ta d esejada ocorreu e
em n en h u m outro m om ento. C o n d u ta indesejável não é p u n id a seja
dando “choques", seja retiran d o reforçadores que já foram obtidos.
Controle sim , m as não controle coercitivo.
. Os objetivos da diplom acia são com portam entais. S u a m eta é
influenciar co n d u tas daqueles que governam o u tras nações — n a
África do Sul, a m inoria governante. As técnicas de controle compor-
tam ental u sa d a s p ara te n ta r atingir esses objetivos n a África do Sul
provaram ser com pletam ente inefetivas e estão a ponto de chegar ao
Coerção e s u a s im plicações 283

seu térm ino tão temido. O resto do m undo não pode ser resp o n sab i­
lizado pela coerção ali p raticad a pelo governo branco, ain d a assim
nosso fracasso em exercer u m a influência efetiva ajudou a g aran tir
que os dias d a m inoria b ra n c a — seja no poder ou fora dele — estão
contados. Violência sem perdão não é m ais evitável. R ealm ente o
governo será tom ado por aqueles que não têm habilidades p a ra o
governo, o comércio por aqueles que são tecnológica e gerencialm en-
te não-treinados e a educação por aqueles que não receberam ed u ­
cação. E porque os E stados Unidos foram percebidos como a nação
m ais capaz de im pedir que tu d o isto acontecesse, perm anecerão, no
futuro previsível, como um objeto de ódio n aq u ela p arte do m undo.
Talvez n e n h u m estrangeiro p u d esse ter im pedido o sofrim ento dos
negros sul-africanos, m as não podem os ignorar a possibilidade de
que técnicas com portam entais m ais efetivas poderiam ter im pedido
a tragédia que é im inente. Precisava te r acontecido? E sta experiên­
cia horrorosa levar-nos-á a te n ta r alternativas?

Cidadãos do mundo. A produção colaboradora e o com parti­


lh a r de teorias científicas, dados, tecnologia e o u tro s pro d u to s do
trab alh o in telectual estabeleceram u m a com unidade m undial de in ­
telectuais. Em geral, os reforçadores im portantes que m antêm exce­
lência acadêm ica são positivos. A noção de que a criatividade cien tí­
fica pode ser m otivada por punição é tão co n trária à experiência que
é risível. C ientistas descobrem seu trab alh o como reforçador quando
ele é útil a outros cien tistas ou quando adiciona algo ao bem -estar
geral. Os prêm ios públicos e prestigiosos por resu ltad o s científicos
são am plam ente basead o s no critério “Q uão útil outros cien tistas
acharam este trab alh o ?” Revistas in ternacionais dissem inam os re ­
su ltad o s de investigação teórica e experim ental a despeito do pais
onde o trab alh o foi feito. C ientistas e outros in telectuais viajam
co n stan tem en te p a ra to d as as p arte s do m undo p a ra en sin ar e
aprender. Como u m resu ltad o d estas interações positivas, a m aioria
dos cientistas considera rep u g n an te o p ensam ento de se engajar até
m esm o em u m a g u erra “lim itada” co n tra seu s colegas cientistas.
Nas artes, tam bém , reforçam ento é positivo, contingente à
beleza e originalidade d as criações do a rtista — p in tu ras, m úsica,
escu ltu ra, rom ances, dram as, ensaios ou performances. E m bora um
a rtis ta (e u m cien tista tam bém ) p o ssa levar u m a vida d u ra, o princi­
pal reforçam ento por produtividade artística não e stá no reforça­
m ento negativo de fuga do tradicional sótão e d a fome, m as no efeito
que o trab alh o produz sobre u m a audiência. Como a aud iên cia da
ciência, a audiência d as artes é internacional. A rtistas, tam bém ,
2 84 M urray S id m a n

viajam constantem en te p ara todas as p artes do m undo, ensinando,


aprendendo e divertindo. A com unidade artístic a internacional,
como a científica, considera o próprio p en sam en to da g u erra odioso.
Aqui estão dois grandes grupos internacionais, a rtista s e
cientistas, p a ra quem interações pacíficas, b asead a s em reforçam en-
to positivo m útuo , to rn aram -se u m modo de vida. Reforçam ento
positivo tem estabelecido relações positivas entre cien tistas, entre
outros intelectuais, entre artistas e en tre estes pro d u to res de conhe­
cim ento e beleza e seu s alunos e audiências por todo o m undo. E sta
boa vontade e cooperação m undiais se desenvolveram não por c a u sa
de, m as a despeito da diplom acia-padrão.
O Corpo de Paz jam ais foi avaliado por seu sucesso em e s ta ­
belecer e m an ter boa vontade internacional em relação aos E stados
Unidos. M uitos testem u n h o s inform ais sugerem que ele tem sido
enorm em ente efetivo em co n trab alan çar as divisões que a diplom a­
cia coercitiva oficial cria. E ntretanto, o apoio deste país ao Corpo de
Paz torna-se m enor todo o tempo.
Um outro m ecanism o positivo p ara encorajar cooperação in ­
ternacional, o Program a Acadêmico Fullbright — m antido pelo Con­
gresso am ericano fora dos canais diplom áticos u su a is (e, por esta
razão, sujeito a co n stan tes pressões d estru tiv as dos funcionários do
D epartam ento de Estado) — é u m pequeno experim ento que tem
estado em an dam en to por anos, m as nós ainda não param os p a ra
analisá-lo e apren d er com ele. Bolsas Fullbright, concedidas como
reforçadores positivos por realizações, têm au m en tad o significativa­
m ente a boa vontade em troca de u m investim ento financeiro relati­
vam ente pequeno.
Por que não au m e n ta r o escopo d estes experim entos, e ste n ­
dendo o modelo de reforçam ento positivo que funcionou p ara tecno­
logia internacional, trab alh o intelectual e arte a todas as áreas da
atividade h u m a n a ? Q uando problem as e conflitos de in teresses s u r ­
gem, é m ais provável que indivíduos com u m a h istó ria de reforça­
m ento positivo recíproco in sistam com seus governos p ara que en ­
contrem soluções construtivas e não destrutivas. Q uando aqueles na
m esa de negociação não têm laços positivos, eles sim plesm ente fa­
zem exigências; u m a vez que seu s cidadãos já ten h am estabelecido
interações am istosas e cooperativas, é m ais n a tu ra l propor soluções.
Governos acharão difícil am eaçar ou fazer g u erra se seu s cidadãos,
mesmo seu s soldados, to rn aram -se amigos.
P ara p a tro c in a r e s ta m eta de c ria r laços en tre indivíduos,
não poderíam os estab e lece r in s titu to s in tern acio n ais, devotados à
pesq u isa, ao en sin o e à aplicação de conhecim ento e tecnologia
Coerção e s u a s im plicações 285

em área s caracterizad as por im p o rtan tes problem as p rático s não-


resolvidos? Eles poderiam incluir ag ricu ltu ra, nutrição, prevenção
de doenças, adm inistração de em presas, arq u itetu ra, legislação, tec­
nologia de com putadores, educação e m uitos outros. Poderíam os
localizar estes in stitu to s em m u itas nações, sem exclusão de n e n h u ­
ma. C ada u m convidaria especialistas e leigos p a ra sem inários e
conferências internacionais. Todos que com parecessem deveriam ser
capazes de fazer s u a s próprias p erg u n tas, ap ren d er o que os outros
estão p ensando ou descobriram , ap re se n ta r se u s próprios p e n sa ­
m entos e descobertas e avaliar os m éritos relativos de várias so lu ­
ções p ara um dado problem a. D urante o processo, eles teriam u m a
chance de ver o “inimigo” p o r si m esm os, interagindo d u ra n te o
trab alh o e o lazer. Tais tro cas positivas to rn ariam difícil p a ra partici­
p an tes individuais m anter-se como ou to m ar-se inimigos.
Interações positivas en tre p esso as de nações diferentes ta m ­
bém poderiam ser p atro cin ad as por um program a de troca de cida­
dãos. Com apoio nacional e internacional, jovens poderiam viajar
p a ra outros países, vivendo com fam ílias tem po suficiente p ara to r­
n ar-se realm ente fam iliarizados com u m a o u tra c u ltu ra e p a ra for­
m ar laços de am izade d u radouros. H ospitalidade é um term o que
cobre m uitos reforçadores positivos. Significa ser tratad o com re s­
peito e consideração, como u m visitante in teressa n te e valorizado,
sendo "levado p ara ver a cidade”, com partilhando com ida e abrigo,
fazendo p arte das intim idades da família, ap rendendo u m a nova
língua e tornando -se fam iliarizado com habilidades, p ráticas e co s­
tum es cu ltu ralm en te específicos que de início pareciam e stran h o s
ou m esm o am ed ro n tad o res. Isto significa ad q u irir u m a ex ten sa h is ­
tória de trocas positivas que será difícil de se r revertida por qualq u er
circunstância. Se fosse possível d a r e sta h istó ria a um núm ero sufi­
ciente de cidadãos, a costum eira diplom acia coercitiva perderia
apoio popular.
Tais trocas claram en te não resolveriam os problem as do
m undo. A sugestão não se pretende como a c u ra p a ra todos os
m ales, m as como u m prim eiro passo que poderia, então, to rn ar
o u tro s p asso s construtivos possíveis. Em u m a larga escala, a troca
seria cara m as se perm itisse finalm ente u m a redução significativa
no custo da m an u ten ção de sistem as m ilitares, a su b stitu ição de
u m a d espesa por o u tra seria facilm ente justificável.
O princípio geral é de que os governos aliviem e im peçam
ten são internacional u san d o reforçam ento positivo p a ra fortalecer
relações positivas en tre populações, em vez de reforçam ento negati­
vo p a ra levar outros governos a te n ta r fugir e esquivar de am eaças.
286 M urray S íd m a n

A técnica é exatam ente o oposto de “reuniões de cúpula" n a s quais


chefes de estado, tendo feito su a s am eaças e contra-am eaças, e n ­
contram -se p ara avaliar a s sugestões u n s dos outros p ara fugir das
tensões que eles criaram . Eles encontrar-se-iam , em vez disso —
provavelm ente com m ediadores p resen tes — p ara d eterm in ar como
cada nação poderia m elhor aten d er às s u a s necessidades. O im pulso
p ara a paz viria de baixo, com a população em geral estabelecendo
as regras básicas p ara a co n d u ta nos negócios internacionais, A
longo prazo, program as que fornecem reforçam ento positivo p a ra as
ações construtivas de cidadãos individuais m ais do que pagariam a
si m esm os. E a m elhoria n a qualidade de vida, não-obscurecida pelo
medo da destruição parcial ou total, seria incalculável.

Terrorismo. Reforçamento positivo poderia aju d a r a acab ar


com o terrorism o tam bém ? Talvez, m as não rapidam ente. Atividades
terro ristas são ap en as u m efeito colateral de p ressões coercitivas
que têm estado presen tes por m uito tem po (Capítulo 9), e, n a tu ra l­
m ente, o próprio terrorism o é u m a técnica coercitiva, assim , ele
tam bém , gera contram edidas. Uma vez colocado em movimento, ci­
clos repetidos de coerção e contracoerção são difíceis de in terro m ­
per. Cada lado tem e que q u alq u er relaxam ento em su a s defesas (o
eufem ismo u su a l p a ra ofensas) h á de deixá-lo ã m ercê de um inim i­
go impiedoso.
Reforçam ento positivo, u sado ineptam ente, ajudou a p atro ci­
n a r o terrorism o. O pagam ento de resgate, seja em dinheiro, troca de
prisioneiros, transp o rte, arm am entos ou qualquer outro retorno po­
sitivo, tem garantido que o to m ar e m a ta r reféns co n tin u ará. R es­
ponder a pedidos an g u stiad o s d as fam ílias de reféns pagando resg a­
te p a ra a libertação de um grupo tem garantido que outros serão
m ais ta rd e tom ados como reféns. Este não é u m problem a de opi­
nião pessoal: é o modo como reforçam ento positivo funciona. E n ­
q u an to pagarm os terro ristas pelo que eles fazem, eles estarão felizes
em nos agraciar com mais.
Uma o u tra fonte de forte reforçam ento positivo que aju d a a
p erp etu ar o terrorism o é a in ten sa cobertura da televisão, do rádio,
do jo rn al e de revistas de cad a ato terrorista. T erroristas descobri­
ram que jo g ar u m a pequena ped ra pode fazer um b aru lh o in te rn a ­
cional, com ecos se estendendo não ap en as em cad a conselho de
estado, m as tam bém em cada casa. O esforço relativam ente pequeno
envolvido em tom ar alguns reféns pode tira r u m grupo do an o n im a­
to, não im porta o quão insignificante e sem poder o grupo p o ssa ser
por q ualquer critério usual. R epresentantes dos m ais poderosos go-
Coerção e s u a s im plicações 287

vernos e das m ais influentes igrejas perm item ser levados com os
olhos vendados p ara ru d es negociações onde discutem pagam ento
com raptores hostis e que os desprezam . A m ídia coloca as negocia­
ções no palco central do m undo: ap en as as finais de futebol am eri­
cano e de futebol internacional obtêm ta n ta publicidade.
Im agine o sentim ento de poder e grandeza no peito dos terro ­
rista s à m edida que se vêem e ouvem seu s feitos discutidos de canal
em canal e de página em página da mídia. O que deve significar para
p esso as que o m undo tra to u com desprezo superior, descobrir que
eles foram capazes de virtualm ente v arrer do m ap a a in d ú stria do
tu rism o in ternacio n al sim plesm ente detonando algum as poucas
bom bas em aeroportos? Há m an eira m ais sim ples de to rn ar conheci­
da s u a existência do que ra p ta r e m a ta r alg u n s poucos indivíduos
sem defesa, ou p la n tar u m a bom ba relógio ou m etralh ar um in d u s­
trial ou político im portante? Os feitos de q u alq u er herói receberam
m ais reconhecim ento?
Negociando e pagando resgate e fornecendo publicidade ili­
m itada, governos e m ídia têm estado su prindo reforçam ento positivo
que garan te a continuidade do terrorism o. Talvez seja m uito tarde
agora para governos utilizarem reforçam ento positivo como deveriam
ter u sad o originalm ente p a ra criar alternativas aceitáveis como
m eios de protesto ou p a ra to rn a r o protesto desnecessário. D ada a
polarização atu al, pode ser que governos não ten h am q u alq u er esco­
lha a não ser contracoerção violenta p a ra p a ra r o terrorism o.
O reforçam ento do terrorism o pela m ídia trouxe de volta o
ressurgim ento de u m a velha am eaça, a cen su ra. E ssa solução p ara
o problem a d a m ídia é im pensável. A livre com unicação de notícias e
opinião é u m a d as m ais fortes proteções que um povo pode ter
contra aqueles que atingiriam seu s objetivos por meio de coerção.
No entanto, o contínuo apoio da m ídia ao terrorism o está tornando
difícil p ara cidadãos conscientes m a n ter s u a oposição à censura.
Aqueles que prefeririam , por o u tras razões, ver n o ssa s fontes de
inform ação am ord açad as já estão fazendo b aru lh o n e s s a direção,
apontando como justificação a exploração bem -sucedida d a mídia
pelo terrorism o.
O reconhecim ento de seu papel no reforçam ento dos ato s de
terrorism o e de seu próprio perigo deveria, portanto, en g en d rar um a
certa auto-restrição responsável por p arte da mídia. A desculpa de
que toda notícia tem de ser p u b licada ê paten tem en te falsa; jam ais
foi possível rela tar tu d o e editores sem pre tiveram de escolher o que
publicar. O problem a real é que a m ídia n u n c a desenvolveu critérios
p a ra decidir o que rela tar e o que não dizer. C onsiderar as conse-
288 MurraySidman

qüências comportamentais de suas práticas auxiliaria a prover bases racionais e


objetivas para tais decisões. O que é importante é que a mídia estabeleça estes
critérios por si mesma.
Quanto à política governamental em relação ao terrorismo, aí também,
a primeira coisa a ser feita é parar o reforçamento. Parar todas as negociações,
mesmo a “diplomacia discreta”. Parar de aumentar o prestígio e o poder de
governos que fazem do apoio ao terrorismo uma questão de política nacional.
Usá-los como intermediários para obter concessões dos próprios grupos terroristas,
que existem somente por causa de sua proteção, apenas perpetua suas práticas.
Para usar um termo técnico, que é apesar disto adequado, a atividade terrorista e
sua sustentação devem ser extintas e não reforçadas.
Entretanto, dada a história de sucesso do terrorismo, uma política de
extinção — retirada de reforçamento — requererá um tempo considerado para
ter efeito. Um único grande reforçamento é suficiente para manter um ato por
muito tempo. O terrorismo levou a um enorme retomo — muitos reforçadores
grandes; podemos esperar que continue por muito tempo, ainda que nunca mais
seja bem-sucedido. Além disso, o início da extinção trará um aumento temporário
das atividades terroristas. Tendo permitido que as coisas chegassem a este ponto,
podemos não ter outra alternativa além de responder ao aumento da violência
com nossa própria violência.
N inguém deveria ter a ilusão, entretanto, de que qualquer coisa
permanentemente construtiva possa ser obtida desse modo. A coerção colocou
um grande segmento do mundo em um estado de privação econômica,
humilhação social e repressão política. O resto do mundo terá de rever sua
confiança na diplomacia coercitiva se quiser eliminar a ameaça de contracoerção
desesperada.

Reforçamento positivo na educação


Quando usado efetivamente o reforçamento positivo é a mais poderosa
ferramenta de ensino que temos. Muitos professores sabem disto, ainda que
dificilmente tenham ouvido falar dele em seu treinamento. Desconhecedores da
riqueza de dados confirmatórios de laboratório e de sala de aula que os apóiam,
aqueles que usam reforçamento positivo o fazem apenas porque descobriram que
funciona. Mas eles tiveram de descobrir por conta própria. Raramente o treinamento
equipa futuros professores com qualquer proficiência no uso de reforçamento positivo.
Coerção e s u a s im plicações 289

O p rin cíp io geral p a r a o p ro fesso r é, p rim eiro , c o n se g u ir que


o a lu n o faça algo novo e, e n tã o , d a r-lh e re fo rça m en to positivo tão
ra p id a m e n te q u a n to possível. Q u a n d o Zé so le tra c o rre ta m e n te u m a
p a la v ra , c u m p rim e n te -o , d ê-lhe p o n to s p a r a re c e b e r u m p rê m io e s ­
p ecial, escrev a u m b ilh ete e n tu siá stic o p a r a q u e ele leve a s e u s pais;
q u a n d o M aria s o m a e s u b tra i c o rre ta m e n te , elogie-a p o r s e r tão boa
em a ritm é tic a , c h a m e o u tra p ro fe sso ra p a r a q u e ela p o s s a m o s tra r
s e u ta le n to , coloque a lg u n s m a is em u m q u a d ro q u e, q u a n d o p re e n ­
ch id o, lh e d a r á algo especial.
F in a lm e n te , o p ro fesso r te m de e lim in a r to d o s e ss e s s u p o rte s
ex te rn o s e e s ta b e le c e r a ap ren d izag e m com o s u a p ró p ria re c o m p e n ­
sa . H á a p e n a s u m m o d o de fazer isto: dê ao s a lu n o s o p o rtu n id a d e s
d e u s a r s u a n o v a ap ren d izag em . A p re n d er se to m a re fo rç a d o r p o r si
m esm o q u a n d o leva a o u tro s re fo rça d o res. À m e d id a q u e J o a n a
co m eça a le r e a e n te n d e r o q u e e s tá lendo, a rru m e tem p o p a r a que
ela leia livros q u e esco lh eu ; à m e d id a q u e Zé m e lh o ra em aritm é tic a ,
deixe-o ir à s c o m p ra s e p a g a r p o r algo q u e e ste ja q u eren d o ; q u a n d o
J o s é escrev er p a rá g ra fo s sim ples, b em -o rg a n iz a d o s e co rreto s, deixe-
o e x p re s s a r s u a o pinião so b re algo q u e se ja im p o rta n te p a r a ele em
u m a c a rta p a r a o jo m a l local; depois q u e J ú l i a tiver a p re n d id o os
p rin cíp io s d a eletricid ad e, m o stre -lh e com o fazer m elh o ria s e létric as
sim p le s n a ca sa; à m e d id a q u e o v o c a b u lá rio de J u a n i t a a u m e n ta ,
e n s in e -a com o e n s in a r e s ta s n o v as p a la v ra s p a r a s e u s p a is em c a s a .
R efo rçad o res po sitivos n ão sã o difíceis d e e n c o n tra r, n e m são algo
novo. Os m elh o re s p ro fesso res se m p re os u s a ra m . E n tre ta n to , a
p rá tic a m ais u s u a l é sim p le sm e n te ir de u m tópico do c u rríc u lo p a r a
o se g u in te , ig n o ran d o os a lu n o s q u e fazem c o rre ta m e n te a lição e
p u n in d o aq u e le s q u e a fazem errad o .
P ro fesso res tê m m u ito m e n o s o p o rtu n id a d e s d e d a r re fo rç a ­
m e n to positivo do q u e se pode im ag in ar. E les valorizam o p eq u e n o
g ru p o de rá p id o s a p re n d iz e s em c a d a c la sse . O p ro b le m a se in te n s i­
fica à m e d id a q u e a s c ria n ç a s são filtra d a s pelo s is te m a e d u c acio n al.
Nos p rim e iro s an o s, a m aio ria deles a p re n d e com v o n ta d e , os p o u co s
a p re n d iz e s re lu ta n te s se d e sta c a m dos o u tro s. A p a r tir dos g ra u s
in te rm e d iá rio s e d a escola s e c u n d á ria até a u n iv e rs id a d e , a b a la n ç a
m u d a ; e s tu d a n te s sem v o n tad e p re d o m in a m . P ro fesso res de u n iv e r ­
sid a d e a d m ite m a b e rta m e n te q u e s u a ta re fa é to m a d a su p o rtáv e l
p o r u m ou dois a lu n o s em u m a c lasse q u e e stã o a p a r do m a te ria l
do cu rso .
Se os d ip lo m a s d e p e n d e sse m de c o n h e c im e n to do m a te ria l,
ta n to a lu n o s fra c a ss a ria m q u e a fa lê n cia do s is te m a ed u c a c io n a l
to m a r-s e -ia im e d ia ta m e n te a p a re n te . Isto n ã o é ra zão p a r a a p rá tic a
290 Murray Sidman

comum de atribuir notas “pela curva”. Alunos com o resultado mais alto na
prova recebem A, mesmo que só acertem 50% das questões; e assim, um resulta­
do tão baixo quanto 25% de acerto provavelmente terá uma nota que permite
passar. D ar notas a alunos apenas em relação uns aos outros, abandonando
qualquer pretensão de que suas notas signifiquem competência, toma possível
ao sistema passar para diante um número “respeitável”. A maior parte do
reforçamento em educação é negativo — fuga de notas baixas e punições asso­
ciadas; o pouco reforçamento positivo que o sistema provê não é contingente a
aprender.

Aprendizagempor tentativa e erro. Tentativa de quem?Erro dequcmTEntre-


tanto mesmo com aprendizes capazes o reforçamento positivo não tirará de
cena a coerção por si mesmo. A razão disto, embora pareça paradoxal, demons­
tra porque o ensinar bem-sucedido envolve mais do que simplesmente dar
reforçamento positivo a alunos que conseguiram aprender algo.
O dito predominante em educação é que aprender ocorre por meio de
tentativa e erro, que aprendemos a partir de nossos erros. Mas um professor
eficiente jamais reforçará erros; este é um modo seguro de perpetuá-los. Aqui é
que a coerção volta à cena; reter reforçamento é punir. Faremos tudo que puder­
mos para sair de uma situação na qual o reforçamento não está vindo. Se não
pudermos fugir, aprenderemos a nos esquivar dela. Se não pudermos nem fiigir
nem nos esquivar, contra-atacaremos. Nossos alunos farão o mesmo.
Reforçar o sucesso dos alunos na clássica aprendizagem por tentativa e
erro é mais efetivo que a prática usual de ignorar seus sucessos, mas não elimina
a coerção; a extinção dos erros ainda é necessária na aprendizagem por tentati­
va e erro. Desde que tratemos a educação como um processo de tentativa e erro,
o não reforçamento dos erros manter-se-á um elemento coercitivo. Podemos
resolver este problema? Podemos remover toda coerdtividade do processo edu­
cacional?
A única maneira de eliminar a extinção do processo de ensino seria elimi­
nar o fracasso. Naturalmente, nunca eliminaremos completamente os fracassos,
mas desenvolvimentos técnicos têm tornado o objetivo algo que vale a pena perse­
guir. Um dos resultados mais estimulantes da análise experimental foi a descober­
ta dè modos de ensinar sem produzir erros. Descobriu-se que aprender não precisa
ser tentativa e erro, alunos podem aprender sem erros. Novas aplicações de técni­
cas de ensino sem erro estão continuamente sendo descobertas e refinadas.
Coerção e s u a s im plicações 291

O que to rn a a aprendizagem sem erro possível é a program a­


ção efetiva. Isto é algo que o professor tem que fazer, não o aluno.
‘T en tativ a e erro” ain d a existe, m as a possibilidade de aprendizagem
sem erro tran sferiu tan to a tentativa como o erro do aprendiz p ara o
professor. A prendizagem por ten tativ a e erro realm ente acontece,
m as ap en a s quan d o n ão e stá acontecendo n en h u m ensino, ou
quando o ensino não é bem -sucedido. Vezes sem conta m ostrou-se
que os erros dos aprendizes vêm do program a de ensino: quan d o o
program a é m udado, os erros desaparecem .

O que é um programa d e ensino? Q ualquer coisa a ser ap ren ­


dida tem seu s pré-requisitos — todas a s o u tras coisas que o aluno
tem que sab er prim eiro. Um program a de ensino efetivo g aran tirá
que an tes de te r que ap ren d er algo, o aluno j á te rá aprendido tudo o
m ais que ele tem de saber. É papel do professor a rra n ja r o m aterial
em u m a seqüência de passos relacionados, cad a p asso sucessivo
utilizando o que já foi aprendido. R esulta daí que os alu n o s que
realm ente têm os pré-requisitos p a ra cad a p asso cam in h arão sem
qu aisq u er erros. D este modo é possível levar u m aprendiz sem erros
através de habilidades m an u ais tais como a m a rra r sap ato s e ali­
m entar-se, através de habilidades m an u ais, perceptivas e cognitivas
com binadas envolvidas n a p ro n ú n cia e escrita de letras e p alavras e
através do que freqüentem ente é cham ado de aquisição de conheci­
m ento — aritm ética, o significado d as palavras, a derivação de con­
ceitos ou os conceitos básicos da análise do com portam ento, crista ­
lografia ou neuroanatom ia.*

* Três livros n e sta área são especialm ente com preensíveis, relevantes e
instrutivos. Um trabalho germinal sobre m étodos efetivos de in stru ção é:
B. F. Skinner. The technology o f teaching. Nova lorque: A ppleton-C entury,
Crofts, 1968. Um sistem a que aplica a m aioria dos princípios conhecidos
de reforçam ento positivo n a educação e que ac resc en ta alguns novos
elem entos criativos foi introduzido por Fred S. Keller em um artigo
intitu lad o “Good-bye, teach er...’’, u m a frase tom ada d a bem conhecida
canção de liberdade can tad a pelas crianças ao final do ano escolar. Este
artigo, ju n to com outros de interesse, pode ser encontrado em: F. S.
Keller, Summers and sabbaticals. C ham paign, Illinois: R esearch Press,
1977. Um outro livro, fino em núm ero de páginas, m as p en e tran te em
su a crítica, grande em s u a h u m an id ad e e generosidade, é u m clássico
a in d a não-descoberto: F. S. Keller, Pedagogue’s progress. Ele pode ser
obtido n a ABA, 260 Wood Hall, W estern Michigan University, Kalamazoo.
MI 49008. '
292 MurraySidman

Programação efetiva, identificada por seu sucesso em tomar alunos capazes


de novos comportamentos ao mesmo tempo que eliminando erros durante a
aprendizagem, pressupõe a habilidade do professor de especificar o que o aluno
deve aprender. Que comportamento, por exemplo, mostra que alguém entende e
aprecia poesia? Se o professor sabe como dizer se um aluno entende e aprecia
poesia, então é possível planejar e testar programas para ensinar tal apreciação. O
que, objetivam ente, é escrever bem? Se o professor pode definir
comportamentalmente a boa redação, então programação efetiva pode ser
realizada. Saber como deverá ser o produto final permite que a programação, ou
qualquer outra técnica seja avaliada. Mas, se não for possível identificar
comportamentalmente boa redação ou a apreciação de poesia, então não será
possível especificar o modo mais efetivo de fazer com que alunos melhorem suas
habilidades de redação ou sua sensibilidade poética.
Uma tecnologia de ensino não pode nos dizer que habilidades ou matérias
deveríamos ensinai', mas uma vez que tenhamos tomado estas decisões, a análise
comportamental pode nos ajudar a dizer se fomos ou não bem-sucedidos. Uma
vez que possamos identificar sucesso ou fracasso, podemos então aplicar tecnologia
comportamental para ensinar sem erros.
Aprendizagem sem erros é uma área de pesquisa grande e ativa e ainda
há muito por ser descoberto sobre suas possibilidades e limitações. Sua relevância
aqui é seu potencial para remover os últimos vestígios de coerção do processo
educacional. Eliminar a necessidade de extinguir erros, manter alunos em um
caminho contínuo de sucesso e prover reforçamento positivo para cada passo
bem-sucedido, possibilitaria aos professores fazerem efetivamente seu trabalho.
Também transformaria a escola em uma experiência recompensadora para os
alunos.
Um efeito colateral positivo indiscutivelmente seria um abrandamento
do problema dos desistentes; alunos bem-sucedidos raramente fogem da escola.
Um segundo efeito colateral positivo seria uma mudança de ênfase das escolas
na “disciplina” para uma ênfase renovada na educação. O debate sobre o uso da
punição corporal seria visto como irrelevante no processo educacional. Alunos
qué estão recebendo reforçamento positivo por aprendizagem bem-sucedida não
têm necessidade de buscar reforçamento negativo por meio de fuga e contracontrole.
A busca por novos modos de coagir os alunos a uma conduta ordeira daria
lugar a uma busca por novas maneiras de programar a aprendizagem com sucesso.
índice remissivo

Abuso: A lunos, 110, 123, 147-148, 150, 177-178,


do idoso (idosos maltratados), 143 207, 213, 264, 289-292
econ ôm ico, 130 A m biente de laboratório, 227
físico, 130, 131, 147-148 Am érica Central, 205 -2 0 6
político, 130 Am érica do Sul, 205-206
sexual, 131 A m nésia, 190-192
social, 130 A n álise de contingências, 104, 105
verbal, 130, 147-148 A nálise do com portam ento, 20, 21
A cesso negado, 121 aplicada, 105
A cuidade sensorial, 131 e coerção, 45-46
Adm inistradores, 150-151 Anorm alidade fem inista, 195-196
A dm irável m undo n ovo, 45 -4 6 A nsiedade, 140-144, 180-181, 209-210,
A d vogados, 168, 234 2 1 1 ,2 1 3 ,2 1 6 ,2 1 7 ,2 1 9 ,2 6 7
A feição, 166-167, 1 8 1 -1 8 2 ,2 5 1 ,2 5 2 A parth eid, 282-283
A fogam ento, 111-112 A pêndice, 223 -2 2 4
África do Sul, 2 0 5-206, 2 8 1-282, 283 A prendizagem por tentativa e erro,
A gressão induzida por privação, 223-224 2 8 9 -2 9 0 , 291
A gressão induzida por punição, 220, 222, A prendizagem sem erro, 260, 291, 292
2 23 -2 2 4 A queles que nada têm, 151-152, 1 6 9 ,2 3 5 ,
A gressão, 183, 220-225, 229, 235, 242, 237-238, 239-240
276, 278-279 A queles que tudo têm, 169, 237-238
Á guias, 276 A rm as/revólveres, 149, 244, 268-271
A ids, 39 controle de, 82-83, 269
Á lcool, 35-36, 125, 156, 253-254, 267 Artes e ciências, 183
A ltruísm o, 235 A ssem bléias municipais, 170
294 M urray S id m a n

Ataque, 220, 221, 276 Campeonato de futebol am ericano, 287


Ataques cardíacos, 114-115, 154 Campo de concentração, 160-161
Atenção, 104, 1 0 5 ,2 5 1 ,2 5 2 Campo de concentração/nazistas, 159
Atôm ico: Caridade não-contingente, 2 3 9-240, 241
exp losões, 154 Caridade, 237-241
lixo. 65 Casam ento(s), 107-108, 125, 243,
v er tam bém Nuclear 253-254
A tos de D eus, 3 7 -3 8 ,1 5 0 , 233 Casas de repouso para idosos, 161-162
Atraso de gratificação, 259 C asos m arginais, 21
A u dições públicas, 168 C ela acolchoada, 259
A utism o, 17, 89, 214 Celibato, 183
A uto-abuso, 90 Censura, 185, 288
A uto-alim entação (com er sozinho), 256-257 Certo e errado, 197, 198-199
A uto-controle, 65, 66, 166, 175, 188, 217 Chapéu de burro, 119
A uto-engano, 245 Chefão, 234
A uto-interesse (interesse pessoal), 173, Chefe, 110, 111-112, 1 5 0 -1 5 1 ,2 0 8 ,
235, 246 209-210, 213
A uto-respeito. 212. 280 macaco lfder, 95
Auto-restrição. 288 Choque eSetroconvulsivo, 84, 217
Autocom portam ento injurioso, 89 Choques futuros, 137-138, 139
Autoconfiança, 280 Choro, 106-107
Autocorreção, 250 Cientistas estranhos ao serviço,278-279
A utodefesa, 213, 241, 242, 245, 247 Ciúm es, 245
A utodesprezo, 184 C lasse parasita, 239 -2 4 0
Autodestruição, 89, 117, 132,133-134, C lasse trabalhadora, 239 -2 4 0
1 5 5 ,2 2 3 -2 2 4 -2 7 6 C ódigo de Hamurabi, 93
A utojustificação, 243 C ódigos de conduta, 245
Autômato, 108, 150, 189 C oerção eclesiástica, 127
A utom óveis. 147-148 Coerção:
A vós, 95, 253-254 e controle, 44 -6 4
definição da. 17, 33, 34-35, 51-62, 56, 57
Bandeira branca, 216 da natureza, 34-39
Barras de mordida, 220 ver tam bém A m biente hostil
Batedores de carteira, 266 da sociedade, 39-43
B ebês, 198-19.9, 250 v er tam bém Comunidade hostil
Bem -estarism ó de estado, 238-239 C oercedores condicionados, 109
Birra, 57, 77, 78, 252 Cohen. H .L .,2 6 3
Bode expiatório, 221 C olesterol. 154
Bom ba atômica, 30 Compartilhar, 166-167, 235, 237-238
Bom beiro, 176, 267 Com petição, 226-238, 239
B oston, 95, 268 Comportamento com plexo, 247
Boston Com m on, 4 0 Comportam ento incipiente, 202, 203
cidadãos de, 194 Comportamento inflexível, 145
Comportam ento, 48, 49
Cadeia, 110, 159-164 e suas conseqüências, 50, 51
Caixa de Pandora, 155 desordens do, 144, 179-197
Camisa de força, 226, 259 v er tam bém Desordens com portame itais
Coerção e s u a s im plicações 295

história do, 179,207 Contramedidas, 151-152, 154, 224-225,


ver também História comportamental 228, 238-239, 285-286
medido pela frequência, 49,50 Contraviolência, 2 2 2 ,2 4 4 ,2 4 5 ,2 6 6 ,
patologia do, 144, 179-197 277, 278
amostra de, 74,75 Controle de multidões, 151-152
modelagem do, 260 Controle de peso, 248
tecnologia do, 291,292 Controle verbal, 143
ver também Tecnologia do ensino Cooperação, 161,236,278-281,283
terapeuta do, 181-182 Corpo de Paz, 283
ver também Terapeuta comportamental Corretores, 212
Compulsão de lavar as mãos, 186 Corrupção, 168,267
Compulsões, 144, 157, 187-189 Crença e Consequências, 127, 128
Comunidade mundial, 282-283 Crescimento Populacional, 152-153
Comunidades marginais, 166,167 Criança Mimada, 251
Comunidades Utópicas, 237-238, 242 Criança(s)-problema: 52, 77, 78
Conduta anormal, 193-196 Crianças/filhos, 110,149,198-199,202,
Conduta patológica, 89,145,195-196 2 0 7 ,2 1 2 -2 1 4 ,2 3 3 ,2 3 6 ,2 4 5 ,2 5 0 ,2 5 1
Conferencistas, 289,290 abuso contra a criança, 250
Confinamento em solitária, 255-256 molestadores de crianças, 195-196
Conflito, 115-116, 181-182,197, terapia infantil, 78
198-199, 203, 223-224, 234 Criatividade, 152- 153, 183,184, 194,
Conflitos convencionais, 155 203,283
Consciência, 63-64, 197-206 Crime, 243,265,266
Consequências atrasadas, 69, 84, 117, prevenção, 82-83
152-153,154,169,177-178,236, criminoso(s), 203-204, 254, 262
237-238 criminalidade, 261, 262
Consequências naturais, 263 reabilitação, 248
punidores, 94, 103 Crise de gerenciamento, 114-115
Consequências: Critérios estatísticos de anormalidade,
acidentais, 111-112 193-196
generalidade do controle das, 76-79 Crucificação, 132
Contingente: Cuba, 280
dar, 241 Cúpula, 285-286
compartilhar, 278-279 Curandeiro, 190
apoio, 282-283 Curas milagrosas, 190
Contra-Agressão, 221,223-224,227,245, Curiosidade, 166-167
267, 276, 278-279
Contra-ataque induzido por punição, 222 D ados, 271-272, 278-279
Contra-atrocidade, 263 Dar não-condicional, 251
Contra-infração, 244 Dar não-contingente, 277-278
Contra-reação, 223-224 Deformidades, 156
Contracoerção, 102,122,226,236, Delegação de responsabilidade, 115-116
285-286,288 Demandas inatingíveis, 132
Contracontrole, 40, 120, 204-205, 223-230, Democracia participativa, 170
235,258 Departamento de estado, 278-279, 284-285
Depravação, 162-163
Depressão, 142,143, 195-196,210-218,259
296 M u rra y S id m a n

Desengajam ento, 168, 170 E scola(s), 102, 111-112, 120, 139,176,


Desistindo, 118-134, 292 229, 254, 280, 282-283, 292
D esligando-se, 113-117 de educação, 123
D eslocam ento 185, 186 para os retardados, 161-162, 162-163
Desordens de ■onversão, 189, 190 vandalism o, 224-225
Déspota(s), 109, 130 Escrever/escrita, 219, 261, 291-292
D essen sibilização sistem ática, 181-182, 189 Espancar/espancamento, 100
Diplom acia, 31, 40, 117, 276-288 Especialistas em esquiva, 150-151
D isciplina, 31, 120. 122, 222, 292 E sposa espancada, 143, 147-148
D iscovery, 79 Esquiva não-sinalizada, 1 4 4 ,1 4 5
D isposição hereditária, 234 Esquiva, 135-178
Dissidentes, 130 extinção automática de, 154, 155, 157, 158
Ditadura, 150 demonstração de laboratório de, 136, 144,
D ivórcio, 125 158, 159
D ocilidade, 160-161, 162
e reforçamento negativo, 135
D oença mental, 179-196, 248, 258
do inevitável, 158-162
Dom inação, 147-148, 149
Esquizofrenia, 195-196
D otação, 177-178
Estado do bem-estar, 239 -2 4 0
Droga(s). 35-36, 93. 120, 131, 142, 143,
Estados Unidos, 205-206, 222, 229, 235,
156, 166, 1 6 7 ,2 1 0 -2 1 1 ,2 1 7 ,2 1 8 , 226,
2 6 7 ,2 8 1 -2 8 3
2 2 7 ,2 5 9 ,2 6 6
Esteróides anabolizantes, 156
abuso de, 267 Estresse, 109, 120, 190, 192, 242
viciado em , 253 -2 5 4 Europa, 267
cultura da, 131 E xcesso de trabalho/trabalho em excesso,
D uplo padrão, 204-205 1 2 5 ,2 5 3 -2 5 4
Expectativa, 139, 140, 142
Econom ia, 1 7 7 -1 7 8 ,2 4 9 Experimento, definição de, 69-74
Editores, 288 Explicabilidade - inteligibilidade
Educação, 31, 66, 67-68, 121-123, (supervisão pública, prestação pública de
147-148, 152-153, 176, 177-178, Contas, responsabilidade pública), 124,
2 2 4-225, 247, 248, 262, 280, 288-292 161-162, 163, 175, 255-256
Efeitos colaterais, 34-35, 9 2-94,102, 103, Extinção, 154, 1 5 5 ,2 3 7 -2 3 8 ,
. 106-107, 109, 111-112, 118, 120, 144, 288, 291
161-162, 202, 219, 2 20, 222, 224-225,
231-2 33, 246, 2 4 9-250, 255-256, Fadiga de com bate, 2 16, 217
256-2 57, 266, 273, 292 Falência, 230
E m oção(ões), 131, 141, 142, 253-254 Fam ília, 41, 47, 109, 120, 124, 227,
Empregadores, 40, 147-148, 150-151 250-254
Energia, 69, 152-153 Fanfarrão da vizinhança, 112
Ensinar sem erro, 260, 291 F em inism o, 194
■Ensinar, 41, 123, 147-148, 248, 260, 291, Filho pródigo, 192
292 Filipczak, J., 263
Entradas/multas, 149 Filosofia, 21, 47
Entrevistas de em prego, 261 da educação, 119
Enurese r.rtuma, 104 Fingim ento, 191, 217
Envolvii.ie.’.to limitado, 155 Fischer, B oby, 232
Esclerose múltipla, 190 F ísicos, 228
C oerção e s u a s im p lica çõ es 297

Fobia de altura, 179 Humanitarismo, 241


Fobia de multidão, 179 Humilhação, 170
Fobias, 179-182, 189, 195-196
F ogo do inferno, 147-148 Idoso(s), 253-254
Forças armadas, 175, 214 Idosos, 215
exército, 110 Igrejas, 147-148, 287
burocracia, 174 v er tam bém R eligião
v er tam bém M ilitares Im unologistas, 228
Formação de conceito, 249 Incesto, 244
Form ação de reação, 181-183 Incom petência, 170, 174, 261
Fracasso. 119. 132, 1 4 3 ,2 1 5 ,2 9 1 Indústria do turismo, 267, 287
Fraude. 169 Indústria, 1 1 5 -1 1 6 ,2 1 2 , 2 2 2 ,2 4 8
Freud, Sigm und, 179-182, 198-199 Influência política, 172
Fuga e esquiva, comparação de. 135 Infratores juvenis, 263
Fuga irreal, 113 Instituição(ões), 115-116, 120, 124,
Fuga. 190-192 150-151, 161-164, 1 7 7 -1 7 8 ,2 5 4 -2 6 0
Fulbright, 283, 284 Intelectuais, 283
Fumar, 248 Internacional:
negócios, 285-286
Gagueira, 248 com unidade artística, 283
G êm eos idênticos, 242 instituto, 284-285
G overno, 3 1 ,4 7 , 65, 115-116, 122, 127, relações, 245, 280-282
147-150, 169, 1 7 3 ,1 7 5 ,2 1 3 , 222-225, 228, finais de futebol, 287
2 3 8-239, 255-256, 265, 2 8 1-283, 285-288 sem inários, 284-285
Gravidez, 124, 125, 156, 243, 244 Intimidação mútua, 277-278
Guerra limitada, 283 Irã, 127
Guerra(s), 127, 212, 213, 2 16, 276. 277-278 Israel, 222, 237-238
Guru, 166-167
Judeus, 160-161
H abilidades cognitivas, 291 Jugular, 216
Hamlet, 76 Juízo Final, 129
Herança, 179, 234 Julgamento pelo júri, 171
Hibridização de plantas, 35-36 Justiça, 81-82, 92, 172, 214, 226,
Hiperatividade, 218, 227, 260 2 3 8-239, 243
Hipocondria, 189
Hipocrisia, 131 K eller.F red S., 291-292
H ippies, 129
v er tam bém Crianças da paz L ago dos cisnes, 79
e do amor L aranja m ecân ica , 4 5 -46
H iroshim a, 154 Lei, 204-205, 261, 265, 270-271
Histeria, 190 infratores da lei, 163-164, 254
H ollyw ood, 95 cumprimento da lei, 31, 162-163, 213, 214,
H om ossexualidade, 195-196 228, 244, 250, 262, 263, 265-275
H ospitais, 176 lei e ordem, 236
administradores de, 177-178 sistem a legal, 40, 66, 163-164, 222, 265
para os mentalmente doentes, 161-162, 254 Leitura, 261
H ospitalidade, 284-285 Líbano, 222
.'.98 M urray S id m a n

1J e ordem, 236 Moralidade, 198-199,204-205, 2 0 6 ,2 3 6 , 247


sistem a legal, 40, 66, 163-164, 222, 265 dilem a moral, 245
Leitura, 261 postura moral, 243, 244
Líbano, 222 moral, 174
Liberdade, 4 2 -4 5 , 202, 208 M orfina, 93
livre com petição, 223-224 Morte, 132, 133-134, 143, 210-211, 212,
livre empresa, 4 0 233-235, 244
mercado livre, 177-178 pena de, 17, 242, 243
entradas grátis, 271-272
Limpar-se (autista), 149 Nagasaki, 154
Lim peza. Í49 Natureza humana, 265
Linguagem , 249 Natureza, 47, 48, 2 1 0 -2 1 1 , 216, 233, 234
Linha de base, 82-83, 84, 208, 210-211 Navratilova, Martina, 232
Lixo radioativo, 67-68 N egócios, 173, 176, 194, 230, 250
Lógica, 232, 236 Nicarágua, 280
L os A ngeles, 194 Norm atização, 39
Lourdes, 127, 128 Notas “ pela curva” , 289-290
Nuclear:
Manutenção da paz, 276*281 chantagem, 117
M arketing, 176 destruição, 120, 154, 155
Martírio, 132 intimidação, 277-278
M asoquism o. 90 desarmamento, 277-278
M ecanism o de rendição, 216 desastre, 69
M ecanism os de ataque inatos, 221 energia, 35-36
M ecanism os de defesa, 195-196 explosões, 51, 276
Medalha olím pica, 156 suicídio, 155
M édicos, 93, 110, 166, 168, 177-178,
arsenal, 35-36, 115-116, 155
227, 254, 280
deposição de lixo, 223 -2 2 4
M edo, 140-144, 267
M ercado, 2 12
O besidade, 155
M ídia, 128, 174. 193, 2 0 4-205, 222, 234,
O bsessões, 187-189
244, 265. 287
Oriente M édio, 69
M ilitar(es), 65, 173, 229, 236, 276, 277-278
conselheiros, 222 Padrões de ação inatos, 51
bases. 281, 282 Padrões éticos, 85, 169
orçamento, 277-278 Padrões, 122, 123, 173, 184, 194, 195-196,
defesas, 169 203, 214, 243, 265
ditadores, 109 Pais, 66, 105, 110, 146, 149, 212, 213, 229,
sistem a, 175, 2 7 8-279, 285-286 237-238, 249, 251, 253-254
inépcia, 174 Palpitações cardíacas, 142, 180-181
psiquiatras, 217 Pânico, 209-213, 217, 218
Ministro da Educação, 123, 124 Paradoxo da esquiva, 158, 211-21%
Minoria branca, 281-282 Paraíso, 127
M inorias, 130 Paternidade, 1 2 5 ,2 5 0
M obilidade ascendente, 130 Pecado, 127, 149, 199
M odelagem , 278-279 Percepção, 131
Monte Santa Helena, 210-211 Perda de memória, 190-193
Coerção e s u a s im plicações 299

Perdedores, 234-236, 238-239, 281-282 Privação em ocional, 130


Período seguro, 136, 1 4 6 -1 5 1 ,2 0 9 -2 1 0 , Privação. 151-152, 215, 22 f, 258
2 1 6 ,2 1 9 econôm ica, 261
P ersistência, 144 de alim ento, 256-259
Personalidade múltipla, 190, 192, 193 socialm ente im posta, 2 5 6 -2 5 7 , 261
Personalidade psicopata, 203 -2 0 4 Privacidade, 255-256
Personalidade, 165, 192, 203 Problem as desenvolvim entais, 232
Pesquisa de laboratório: P rocessos internos, 141, 142
vantagens da, 30, 31, 71, 72, 82-83 Produtividade artística, 283
extrapolações da, 26-2 9, 72 -7 4 Professor(es), 47, 110, 119, 121-124,
generalidade da, 74-79 147-148, 1 5 0 -1 5 1 ,2 1 2 ,2 1 3 , 222,
Pobreza, 241 224-225, 228, 249, 250, 255-256,
Poliana, 114-115 288-292
Policia, 4 0 ,4 1 ,9 5 , 110. 147-148, 149, professor substituto, 224-225
170. 176, 213, 222, 236, 249, 255-256, Professores, 150, 168, 177-178
265-275 Projeto de dem onstração, 2 6 3 -2 6 4
associações atléticas, 270-271 Psicanalista, 129
prática, 271-272, 273 P sicologia, 21, 74, 194, 203 -2 0 4
responsabilidades, 268, 271-272 p sicólogos. 92, 105, 140, 144, 168, 193,
serviços, 273 195-196, 254
estadual, 236 Psiquiatria, 180-181, 184, 2 0 3-204, 212
uniforme, 268 casualidades psiquiátricas, 216
Política, 128, 168 doença psiquiátrica, 125
P olíticos, 168, 169, 222 rem édios psiquiátricos, 219
Poluição, 222 psiquiatras, 89, 105, 140, 142, 144, 193,
Pom bas, 276 194
População cativa, 223-224 Punição capital, 81-82, 83, 172, 242, 243,
Pôr a boca no trombone, 173-176 245
Pornografia. 185 Punição condicionada, 9 5 , 97, 9 8 -9 9 , 103,
Prática incorreta, 173 136
Prazer/satisfação, 53, 119, 244 demonstração experim ental do, 98-101
Prazeres mundanos, 181-1182 Punição corporal, 100, 292
Pré-requisitos, 291 Punição não-contingente, 161-162
Pressão à barra (ritualístico), 49 Punição(ões):
Pressão sangüínea, 141 acidental, 111-112
Pressuposto de culpa, 266 e mudança comportamental, 80
Princípio norteador, 247-249 e controle, 80
Prisão; 87, 147-148, 161-164, 194, 214, definição, 59-61, 80
215, 226, 242, 243, 2 45, 261 -2 6 4 duração de, 85
instituições correcionais, 254, 261 estudos experim entais, 82-91
guardas penitenciários, 255-256, 263 intensidade, 85
guardas, 207, 255-256 número de, 85
ge-enciam ento, 176 com o um princípio de m anuseio (controle)
revolta, 226 do com portam ento, 22-26
Prisioneiros políticos, 280 supressão temporária por, 87-88
P risioneiros, 110, 160-161, 163-164, 2.26, transformação em reforçamento positivo,
263 88-90
300 M urray Sidm ari

Quím ica do corpo, 179 Sábio idiota, 194


R aciocínio circular, 194 Sair de m ansinho, 114-115
Rebelião, 131 Secreção glandular, 141
Redes de segurança. 238-239 Segunda revolução americana, 169
Redistribuição de riqueza, 238-239 Senilidade, 254
Reféns, 287 Sentim entos, 141, 142
Reforçador positivo condicionado: Serviço do júri, 168, 170-172
demonstração experimental de, 97-99 Sexual:
Reforçamento negativo: coerção, 170
e aprendizagem , 107-110 molestadores 195-196,
e punição, 106-107, 110-112 preferência, 195-196, 243
Reforçamento positivo e negativo, Sexualidade, 181-182, 183, 202
108-109 Shelley, 129
Reforçamento, 52-55 Sibéria, 173
artificial, 263 Sinais de perigo, 183, 253 -2 5 4
e crenças e percepções, 53, 54 Sinal de aviso condicionado, 136
inconsistente, 58, 59 Sinal de aviso, 136, 137-138, 141,142,
e prazer, 53, 54 146, 149, 2 0 0 -2 0 3 ,2 0 9 -2 1 9
positivo e negativo, 55-58 Skinner, B. F., 43, 44-45, 291-292
e pur;ção, 95-97 Sobrem esa, 150
e recom pensa, 53, 54 Sobrevivência, 6 9 ,1 1 7 , 150, 151-152,
contingências de, 55, 77-79, 95 160-161, 176, 2 0 3 -2 0 4 , 205-206, 208,
Reformatório, 87, 261, 262 2 2 1 ,2 2 3 -2 2 4 ,2 3 7 -2 3 8
Social(is):
Regime. 166
Regras, 1 3 7 -1 3 8 ,2 1 4 , 226 darwinism o, 41
esquiva governada por regras,! 37-138 não-envolvim ento, 169
Regressão, 186, 187 experim entação, 237-238, 269, 270-271,
Relação proprietário-inquilino, 40 273
Relações de equivalência, 260 forças, 274-275
Religião organizada, 125-129 grupos, 149
Religião, 125-129, 203-204, 234, justiça, 170
243. 249 ostracismo, 127
Remédios farm acológicos, 219 pressão, 172
Represália e retaliação, 149, 174, ciências, 274-275
223-224, 236, 244 estatura, 147-148
Resolução interior, 166 estatísticas, 82-83
Restrição física, 226, 259 trabalhadores, 105, 168, 255-256
Restrição química, 226, 227, 259 Sociedade agrícola, 150
v e r tam bém Drogas Siibcuitura, 170
Retardamento, 1 7 ,7 7 , 8 9 ,1 5 6 , 226, Sublim ação, 183, 184
254-259 ! ■ Subm issão, 147-148, 161-162, 213, 214
Retribuição e revancht, 92, 151-152, 222, Subornos, 61, 170, 172. 267
227, 243, 244 Subprodutos, 203, 247
Ritual(is), 125-126, 130, 157, 234 v e r tam bém Efeitos colaterais
Roleta russa, 156 Sufrágio universal, 171
Roosevelt, Franklin D-, 42 Suicídio, 132, 133-134, 162-163
Rússia, 280 Sujeitos não-hu.nanos, 29, 30
Coerçãoe suasimplicações 301

Superego, 198-199 Tribunais, 244


Superstições, 111-112, 156, 157 Troca de cidadãos, 284-285
Supressão Condicionada, 208-219, 222 Tumores de mama, 248
demonstração experimental da, 208-211 Tumover, 107-108, 110

Tabaco, 155,156,248 Universidades, 150, 176, 177-178,


Talidomida, 93 194
Taxa Cardíaca, 141 U so indevido da privação,
Televisão, 3 9 ,1 2 5 ,1 2 8 ,1 4 7 -1 4 8 ,1 7 2 ,2 4 4 255-259
253-254,266
Terapia, 31, 7 8 ,1 4 2 ,1 8 8 ,2 0 3 ,2 0 4 ,2 0 7 , Validade Aparente, 74,75
227, 249 Vandalismo, 107,108
aversiva, 25, 43, 45-46, 222 Vencedores, 234-236, 238-239
Terceiro Mundo, 204, 205, 267 Vendedores, 176
Terrorismo, 40,115-116,129,204-205, Vida adulta, 125
221,223-224,235,236, 278-279, Vida após a morte, 125-126, 127, 150
285-288 Vida após a morte, 127, 151-152
Time-out, 259-260 Vida eterna, 125-126
Tirania, 127,147-148,152-153,207,226 Vingança, 241,244,245
229 Visão do túnel, 109
Toque de cura, 190 Votar, 170,171,273
Trabalhador(es), 40, 110,149,212,213 Voz interior, 198-199,202,
Treino de habilidades, 248 203-204

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