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Instituto Superior de Estudos Teológicos

Resumo de
ENTRALGO, Pedro Laín, Corpo e alma. Estrutura dinâmica do corpo humano,
Almedina, Coimbra 2003

João Marques Ferreira dos Santos


Coimbra 2009
Pedro Laín Entralgo é um escritor e filósofo espanhol do século XX com
formação académica nas áreas da medicina e ciências químicas. De crença cristã,
Entralgo dedicou-se também ao estudo da antropologia. Nesta área, Entralgo, que rejeita
o dualismo corpo e alma e o monismo idealista e materialista, desenvolve uma nova
perspectiva antropológica. É neste contexto que é feita a apresentação deste livro.
O autor inicia o livro reflectindo acerca da evolução histórica da compreensão
do homem acerca da constituição da realidade que o rodeia. Assim inclui na sua
reflexão os autores desde Aristóteles até aos físicos Rutherford e Bohr; neste percurso
incluem-se Galileu, Newton, a dupla Boyle-Mariotte, Dalton, Einstein, entre tantos
outros. Deste modo é feito um percurso que se inicia na explicação aristotélica acerca da
constituição do mundo, com base nos quatros elementos até ao auge actual da Teoria do
Big Bang e a das partículas atómicas e sub-atómicas que constituem a física quântica. A
evolução revela que a matéria foi primeiramente entendida sob um ponto de vista
empírico-sensorial, tendo a evolução aprimorado a técnica e revelado que a matéria
elementar não era perceptível aos sentidos humanos. Contudo, a primeira abordagem
não é totalmente desprovida de valor. De facto, o homem interage com a realidade por
meio dos sentidos, numa gama de dimensões que estão entre o estado mais elementar da
matéria e a universalidade; caso assim não fosse não seria possível ao homem a relação
com o meio, o conhecimento tácito e intelectivo na medida em que este último provém
parcialmente da sua experiência sensitiva. Todavia se antigamente a ciência considerava
a realidade como matéria e energia – átomos indivisíveis e a energia como resultado da
interacção da matéria, actualmente vê-se o átomo como divisível cuja energia integra a
matéria e se manifesta nas excitações sub-atómicas e inter-atómicas.
A física como ciência investiga a matéria e suas relações. O papel de um Deus
criador, ou seja que cria matéria do nada, levou muitos astrofísicos, perante a teoria do
origem do universo com base no Big-Bang, a rejeitarem Deus como potência absoluta.
Contudo, apesar de a física reflectir acerca da matéria e suas relações não rejeita que o
nada exista como ausência total de tudo. Para se compreender que a matéria se aglomera
e forma complexos compostos com características novas e que excedem as
características das suas partículas elementares há que explorar o conceito de estrutura.
Acerca da estrutura entenda-se que o autor se refere a duas realidades – físicas e
conceptuais. As primeiras ocorrem na natureza ao passo que as segundas registam-se a
nível da mente humana.

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Acerca da estrutura existem dois movimentos que predominaram e que segundo
o autor não conseguiram uma resposta satisfatória – os formalistas e os realistas. Os
formalistas viam a estrutura como uma simples relação dos átomos entre si. Contudo a
estrutura não dependerá da qualidade dos elementos que existem em determinada
estrutura? Assim os formalistas deixam uma parte significativa da estrutura por
explicar.
Por outro lado, surgem os realistas que defendem o princípio que dá unidade e
sentido aos conjuntos estruturais. Assim a estrutura seria parcial e diversificada em
grupos mais pequenos do princípio real que a promove e ordena. Então o que é uma
estrutura? O autor desenvolve o seu estudo sob o ponto de vista descritivo dos seus
elementos e posteriormente acerca da sua unidade. Assim a estrutura é “a manifestação
de uma substantividade como sistema clausurado e cíclico das notas que unitária e
constitucionalmente a integram” (p. 101). A substantividade da matéria é duplamente
inter-relacional: as partes são inter-relacionais da sua estrutura, na medida que formam
uma unidade e das outras substantividades, no sentido de que formam um cosmos.
Acerca da unidade da estrutura, cada elemento está presente e é activo; são por
isso mesmo dinâmicas. Este desempenha o seu papel como subtensão dinâmica. De
facto, cada elemento da matéria subtende a actividade unitária e a solidez da estrutura
de que é parte. Cada porção da subtensão dinâmica ao actuar dá lugar a uma forma nova
por desprendimento exigitivo (conceito de Zubiri) de um conjunto de notas anteriores a
ela. Por exemplo, o aparecimento da “sensibilidade animal na evolução das estruturas
cósmicas é consequência de um desprendimento exigitivo da actividade bioquímica ao
animalizar-se (…).” (p. 112).
Mas donde surgem as estruturas? Como se desvanecem? Para a ciência actual as
estruturas aparecem no interior da evolução do cosmos. A sua duração temporal oscila
enormemente – desde os nanosegundos até tempos que excedem os 1029 anos (duração
média de um protão).
A matéria gerou-se da energia radiante (de acordo com a teoria actual), e apenas
das quatro forças elementares – gravitacional, electromagnética e as intranucleares fraca
e forte. Deste momento seguiu-se a evolução da matéria em forma de estrutura, como
resultado do processo de interacção de vários parâmetros: a dimensão, o nível de
organização, a energia de ligação e o nível de complexidade. E esta apresenta-se como o
dinamismo operante da matéria – a tendência da matéria se estruturar concretizando-se
em estruturas cada vez mais complexas. Esta tendência decorre do dinamismo de

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variação, do qual o movimento local é nível mais simples e do dinamismo da alteração,
por meio do qual surge o ‘outro’ – por exemplo o surgimento de um protão por
alteração de quarks. Assim a alteração pode assumir-se em três formas: a
transformação – uma modificação ou combinação de duas substâncias resultando na
produção de estruturas atómicas diferentes das iniciais –, a repetição – ocorre quando a
estrutura orgânica produz outra inteiramente igual a ela – e a génese – quando a
multiplicação de certas estruturas gera indivíduos cujo grau de semelhança com os
progenitores é variável.
Mas como no meio da matéria inanimada surge a vida? A explicação foi
evoluindo de um criacionismo ou de uma geração espontânea para o domínio científico.
Assim em laboratório fizeram-se testes os quais demonstraram que em ambientes
primitivos e sob a presença de determinados compostos químicos inorgânicos
(hidrogénio, água, amoníaco, metano, etc) em determinadas condições de pressão e
temperatura surgem compostos orgânicos os quais por interacção casual constituíram a
biogénese. À biogénese segue-se a filogénese. Esta decorre sob quatros mecanismos
base – a especiação, a mutação, a tensão estabilidade-instabilidade e a adaptação. A
especiação designa o agrupamento de indivíduos isolado de outro grupo, que se
conseguem cruzar entre si e cujos descendentes são férteis. Estas espécies produzem-se
em resultado de uma modificação viável da espécie originária. Entra em jogo o conceito
de mutação que designa a realidade da dupla genética mutação e selecção natural. No
âmbito de cada especiação e mutação surge o dinamismo estabilidade-instabilidade; sem
estabilidade a espécie não podia durar; sem instabilidade nunca haveria mutação. Por
fim ocorre a adaptação que reporta a capacidade dos indivíduos de uma espécie se
modificarem estruturalmente como resposta às variações ambientais.
Por estes mecanismos a vida foi evoluindo dos organismos unicelulares,
aumentando de complexidade celular, depois agrupando-se em colónias celulares,
posteriormente em organismos já pluricelulares. Neste dinamismo de evolução e
mutação estima-se que 96% das espécies que já habitaram o planeta Terra já estão
extintas. E por estes caminhos a evolução registou o aparecimento dos primatas
inferiores e superiores e por fim o homem, no qual se regista um aumento de
complexidade de ordem qualitativa – de facto como é possível que o homem feito da
matéria do universo – tenha consciência e reflicta sobre a sua acção?
Após a reflexão que Entralgo realiza acerca da matéria e a forma como esta se
estrutura, Entralgo reflecte acerca da conduta humana. Esta será para o autor o ponto de

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partida o ponto de partida face ao conhecimento científico e filosófico do homem. De
facto, se a acção humana é em termos visíveis semelhante à do primata, quais serão as
notas distintivas entre o homem e o animal, em especial o chimpazé?
De facto mesmo que o chimpazé e o homem mostrem capacidade de
aprendizagem, a do homem distingue-se da do primata; o primata incorpora signos
novos ao já apreendidos, mas não chega a um ponto em que pergunte o nome das
coisas.
O homem apresenta a capacidade projectiva. A capacidade de projecto implica a
possibilidade de conceber um futuro não existente, a capacidade de transformar signos
abstractos em signos concretos, a aptidão a sentir as coisas como realidades ‘por si’ e
não como simples estímulos, a faculdade de ensimesmamento (concentração) do
indivíduo, a predisposição para a socialização que acontece da inter-relação consciente
que é estabelecida e por fim da sensação de insatisfação que acompanha cada realidade
humana e que o impele a querer ser-mais.
O homem possui ainda a capacidade de memória. O animal e o homem
partilham a capacidade da memória no sentido de que ambos se lembrar para se
moverem em direcção ao futuro. Mas existem diferenças estruturais. O homem
memoriza mas utiliza a capacidade simbólica, ainda que de maneira inconsciente, para
atribuir carácter de realidade ao percebido e realizado, como ao futuro e não existente;
por outro lado, apesar de o homem pode ter memorizado determinada realidade não
implica que ela seja sempre concretizada em circunstância semelhante à da memória,
pois a esta submete-se a vontade. Assim entre um chimpanzé e o homem, distingue-se,
neste último, a capacidade de livre arbítrio, como mecanismo de controlo do instinto e
dos apetites; de facto, o homem consegue recusar, influenciado por mais diversos
motivos, o que à partida lhe aparece como mais apetecível. Por ser livre é que o homem
é responsável pelos seus actos. Com efeito o homem não tem liberdade, mas é livre.
No homem destaca-se igualmente o seu carácter de busca e exploração. Esta
capacidade refere-se ao dinamismo do homem e do animal se realizar e prover a si
próprio. O homem distingue-se do animal apesar de em ambos se procurar uma resposta
e de ocorrer uma antecipação do termo de resposta possa vir a ser. Assim no animal esse
termo é antecipado como acção biologicamente adaptada ao que a nova situação poderá
ser, ao passo que no que o homem tem o seu termo na escolha livre feita entre várias
possibilidades. Além disso, o homem pode buscar o desconhecido, ao passo que o
animal busca somente o que conhece.

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A espera é outro traço comum ao homem e ao animal. Distinguem-se contudo na
medida que o animal espera uma situação em que a sua apetência seja satisfeita, ao
passo que o homem “espera uma situação futura frente à qual se pode comprometer ou
romper com um compromisso livremente adquirido” (p. 184). A espera humana é uma
possibilidade, e por isso com grau de impossibilidade, ao passo que a espera nos
animais é sempre dependente de determinado(s) estímulo(s).
Tanto o homem e o animal jogam. O animal joga para retemperar forçar ou para
adquirir capacidades. Esta dimensão também acontece no homem, mas o homem vai
mais além – é também um momento de criação.
Também quer o homem, quer o animal comunicam. Ao passo que o animal
apenas utiliza signos, o homem recorre igualmente à simbolização. É assim que o
homem conhece sempre mediante uma rede de simbolização que adquire na relação
com os outros ao longo da sua história. A linguagem, que é a capacidade máxima desta
simbolização, é o que permite a inter-relação entre sujeitos.
A disposição de invenção é comummente partilhada pelo homem e pelo animal.
Contudo o animal inventa para sair de uma situação, ao passo que a invenção humana é
sempre um acto de liberdade passível de ser encarada como expressão do desejo
humano de ser-mais. Excedendo a capacidade de adaptação própria dos animais, o
homem inova. Na verdade, o homem desenvolve novos métodos, produtos,
pensamentos e transmite-os as gerações futuras.
Entralgo realiza igualmente uma análise acerca do psiquismo humano. Nele
considera três intervenientes – a ideia de si mesmo, a vocação pessoal e a liberdade. Nos
processos decorrentes na intimidade de cada um, existe uma auto-ideia, ou seja existe
um conhecimento próprio de cada homem acerca de si mesmo. É também constitutivo
ao homem a sua liberdade, ou seja a capacidade de poder dizer e decidir de si. Por fim, a
vocação como expressão do chamamento íntimo, ao modo de viver mais pessoal em
que a pessoa mais se realiza. Desta tríplice realidade a pessoa pode aceitar ou recusar a
sua intimidade com os seus sentimentos e informações que recebe de si mesma e que se
manifesta em também três formas com as quais a pessoa encara o mundo: a crença, o
amor e esperança. A crença, religiosa ou não, dá-nos a certeza das coisas que os
sentidos não podem dar (só informação parcial) – é a convicção da realidade. O amor (e
em oposição o ódio) é a luz que a pessoa projecta sobre a pessoa ou a coisa que se ama e
permite descobrir as suas qualidades. A esperança é uma confiança razoável na

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possibilidade de através do esforço empreendido conseguir alcançar o que se projecta e
espera.
Por outro lado, o homem é um animal nunca saciado. Isto é, nunca se encontra
plenamente satisfeito na sua acção e nas relações com os outros. Esta característica
indica o carácter da sua auto-transcendência. Assim, de um ser inconcluído, o homem
tende sempre a ser-mais e a buscar o seu interior mais profundo. Este dinamismo ocorre
na circunstância real que este habita, a qual tem a capacidade de o estimular.
Após este percurso ocorre perguntar qual o papel de Deus neste dinamismo. O
autor põe Deus como causa primeira do Universo, sem contudo ter um papel directo na
antropogénese: Entralgo justifica-se, pois considera que Este imprimiu o carácter
evolutivo na matéria que conduziria ao homem. Perante o psiquismo humano, fica
suspensa a questão do seu fim – o que acontece ao homem quando morre. Este assunto
delicado é abordado como matéria na parte final do livro e do presente trabalho.
O homem vai pois conhecendo o que faz e o que lhe é constitutivo. Mas a magna
pergunta permanece – quem é o homem? Que há de tão intrínseco que é motor da sua
identidade e da sua acção. As respostas foram (e vão) sendo procuradas pela reflexão
humana. Depois da reflexão acerca da distinção entre o homem e o animal, Entralgo
inquire acerca da importância do cérebro na conduta humana. Se após o renascimento se
considerou o cérebro como órgão principal do psiquismo, actualmente esta questão não
é tão pacífica. Pois se assim fosse, qual o papel da alma? Qual a relação entre o corpo e
alma, ou melhor entre o cérebro e a alma? As (semi)-respostas foram divididas em dois
grandes grupos – o dualismo e o monismo materialista. Mas nenhuma destas duas
análises satisfaz plenamente o autor em análise.
O dualismo que considera o homem como díade corpo-alma, em que o corpo é
resultado da reprodução biológica e a alma infundida por Deus. Entralgo reflecte neste
âmbito acerca do início da vida humana. A reflexão filosófica e genética mostram que o
zigoto já não é mais considerado como quer homem em potência quer homem em acto;
mesmo em zigoto e primeiros tempos (uso tempos pois não se consegue precisar qual o
momento) o homem é potência condicionada. Entralgo considera que para se poder falar
de um ser humano são necessárias duas propriedades: unicidade (qualidade de ser
único) e unidade (o ser humano distingue-se de todos os outros seres). Ora estas
propriedades só se verificam no zigoto; contudo, como se conciliam estas propriedades
no caso de gémeos monozigóticos ou no caso das pessoas que provêm da fusão de dois
zigotos? Permanecem pois ainda muitas dúvidas neste contexto.

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O monismo materialista pretende reduzir o homem à sua facticidade e todo o ser
humano se resume à soma e interacção de processos físico-químicos que conduzem o
homem a realizar algo. Neste contexto tudo o que não seja imediato e empírico ao
homem fica sem sentido.
Para Entralgo estas duas perspectivas são erróneas. Segundo o autor, o homem é
o seu corpo. Entralgo fundamenta a sua posição com base na evolução como é a acção
do cosmos, sempre em processo aberto e apresenta a sua concepção estruturista do
corpo humano. Antes de mais convém recordar que o cérebro e todo o corpo são
constituídos pela matéria do cosmos. É por meio da matéria que o homem percepciona,
existindo três níveis na impressão da realidade em nós – percepção sensorial directa e
técnica da realidade e a intelecção matematizável da estrutura. A percepção directa
refere-se explicitamente ao uso dos sentidos; recorre-se à percepção técnica quando os
sentidos têm de ser auxiliados neste processo e a intelecção é usada quando só se
consegue chegar ao observado mediante a capacidade simbólica. A partir da noção de
que o nosso cérebro é feito de matéria universal e do considerado em termos de
estrutura como compreender a actividade do corpo humano, Entralgo analisa o que é
essencial na conduta humana. Tendo a actividade cerebral diferentes níveis e sendo
variável consoante a sua localização é compreensível que existem uma série de reacções
denominadas involuntárias que ocorrem apenas debaixo do controlo cerebral. Mas a
actividade humana inclui a componente voluntária, a qual pressupõe a acção da
consciência. Surge a seguinte questão: como é que o homem – feito de matéria de todo
o universo, tem consciência da sua possibilidade de relação? Entralgo considera que
este dinamismo resulta da cadeia evolutiva, registando-se nos homens um aumento da
massa cerebral face aos primatas superiores; neste passo ocorreu a formação do que se
designa por auto-consciência. Pela sua consciência, é possível ao homem a capacidade
de conceptualização, a qual implica um exercício da vontade e por isso mesmo da
liberdade de dizer ‘sim’ ou ‘não’ a algo. O acto livre não ocorre em determinada parte
do cérebro, mas é antes fruto da actividade global do cérebro. O cérebro é pois
protagonista na génese de actos livres. O recém-nascido ainda não possui esta
capacidade, pois apenas responde a estímulos. É com o desenvolvimento das estruturas
cerebrais que esta capacidade se torna uma realidade. Não se pense que o autor afirma
uma ‘psicologia sem alma’; apresenta antes dificuldades em aceitar a existência de uma
alma imaterial, mas aceita sem limitações a vida humana como “intimidade e acção no
mundo, amor e ódio, criação artística e criação intelectual, religiosidade e

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arreligiosidade, heroísmo e cobardia, alegria e dor, sociabilidade e história, diversão e
tédio, e muitas coisas mais” (p. 316).
Então o corpo humano diz-se parte do eu. Melhor. Eu sou o meu corpo. Mas
para onde tende a acção humana? Toda a acção humana tem de ter a marca da
esperança, o dinamismo do ainda-não [ser pleno e perfeito] e que impulsiona o homem
a querer progredir. O impulso que faz mover o homem não se limita ao nível do fazer.
Há sobretudo a procura de uma melhoria constitutiva que transcende o vulgar
materialismo.
O autor relata posteriormente a sua experiência religiosa acentuando a tónica da
relação com Jesus Cristo e como a relação com um Deus-amor o faz pensar
religiosamente. Neste âmbito o autor reconhece que o seu intelecto (assim como todo o
humano) é impotente para dar razões explicitamente acerca da sua crença. Mas crer é
ser capaz de suportar as dúvidas que se têm. Esta atitude, contudo, não manifesta um
fideísmo pois também o conhecimento humano é limitado acerca da matéria, na medida
que esta mesma é também de fundamento misterioso. E assim é o encontro com Cristo
que continua (que continuou) a dar o fundamento último à sua vida.
A vida humana encaminha-se para a morte. A esperança humana que faz o
homem levantar os olhos e a projectar o seu futuro não pode excluir a realidade como
integrante da vida humana e da pergunta ‘Que aguarda o homem depois da sua morte?’
Entralgo reflectindo sobre esta questão recusa a reencarnação pois considera que a
consciência, embora tende algo em comum, é eminentemente individual.
Então perante a morte restam duas atitudes – a aniquilação ou a ressurreição.
A morte como aniquilação é sobretudo aceite e defendida pelos materialistas
estritos. No fundo defende-se que o homem o deixa de ser. Mas os cuidados que o
homem concede aos ritos funerários desde os tempos pré-históricos mostram que
sempre existiu a esperança numa vida depois da morte. E é apenas esperança e nunca
certeza, pois como refere o autor “o certo será sempre penúltimo, e o último sempre
incerto” (p. 371). Para perspectivar a morte como aniquilação é condição ou
preambulum fidei desta crença, a concepção evolucionista do mundo visível, na medida
em que a matéria que constitui o homem seria reintegrada na dinâmica do cosmos. A
tese da ressurreição depois da morte tem maior força psicológica – a esperança da
sobrevivência e da entrega a Deus. Esta tomada de decisão só se realizar no âmbito da
crença.

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O autor termina a sua obra com a reflexão com uma exposição de uma
antropologia da ressurreição. O autor afirma que a concepção de Jesus Cristo acerca da
ressurreição dos nunca é posta em termos de separação do corpo da alma, mas de toda a
pessoa; então também o corpo ressuscitará. Só a reflexão posterior cristã é que colocou
a tónica na separação da alma do corpo. Contudo Entralgo não aceita a concepção da
alma separada do corpo na ressurreição. Neste sentido o autor contesta a formulação,
considerando-a inconcebível, da alma encarnada ser a mais perfeita imagem de Deus;
afirma-se que a “sua existência garante a continuidade entre a consciência pessoal do
homem que morre e (…) a consciência desse homem depois da sua ressurreição” (p.
379). Mas como é que um ente que não recorda, nem sente garante essa continuidade?
Assim Entralgo considera que o homem é imagem de Deus reportando-se aos estados
próprios da consciência humana e em tudo o que é distintivo no homem. Ao terminar, o
autor considera porém que a designação de alma embora incorrecta, ao pretender
designar todas as realidades especificamente humanas, apresenta alguma validade
Em conclusão Entralgo remata que toda a afirmação de vida para além morte se
situa apenas e tão-somente no registo da crença e nunca da evidência.

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