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FALHAS E SOLUÇÕES

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Gleny Terezinha Guimarães
Lauro Kopper Filho
Luiz Eduardo Ourique
Luis Humberto de Mello Villwock
Valéria Pinheiro Raymundo
Vera Wannmacher Pereira
Wilson Marchionatti
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

FALHAS E SOLUÇÕES

porto alegre
2015
© EDIPUCRS 2015,
Versão Eletrônica da 1º Edição impressa no anos de 2011;
CAPA Vinícius Xavier

IMAGEM DA CAPA Miklav - Fotolia


IMAGENS fornecidas pelos autores

REVISÃO DE TEXTO Fernanda Lisbôa

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Carolina Pogliessi

Edição revisada segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

EDIPUCRS – Editora Universitária da PUCRS


Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 33
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Porto Alegre – RS – Brasil
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

F537 Física no ensino médio : falhas e soluções [recurso


eletrônico] / João Bernardes da Rocha Filho (Org.). –
Dados eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2015.
276 p.

Modo de acesso: <http://www.pucrs.br/edipucrs/>


ISBN 978-85-397-0789-8

1. Educação. 2. Física – Ensino. 3. Física – Ensino


Médio. 4. Professores – Formação Profissional. I. Rocha
Filho, João Bernardes.
CDD 372.35

Ficha catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos,
microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como
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multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
AGRADECIMENTOS

Ao CNPq, pelo financiamento do projeto de pesquisa que gerou este livro.


À FAPERGS, pelas bolsas de iniciação científica concedidas a nossos auxiliares.
À PUCRS, à FAFIS/PUCRS e à EDIPUCRS, pelo apoio à publicação deste livro.
Ao SINPRO-RS e CEPERS-Sindicato, pelo auxílio na distribuição do livro.
Aos autores dos diferentes capítulos, pela competência com que escreveram
seus textos.
A Matheus Brasil Coutinho, pela ajuda na formatação e concatenação dos
capítulos.
SUMÁRIO

Apresentação 9

Causas da rejeição dos estudantes de ensino médio


à carreira profissional no magistério em física 11

Origens da opção pela licenciatura em física 27

A formação de professores e o ensino da física


nas escolas do ensino médio 37

A constituição da motivação no trabalho docente 47

Um teste para verificar se o respondente possui concepções


científicas sobre corrente elétrica em circuitos simples 61

Modelos em ambientes de aprendizagem


de física: circuitos elétricos simples 69

A formação de professores de física: rumos e desafios 79

Vamos bloggar, professor? Possibilidades, desafios


e requisitos para ensinar física no século XXI 87

Práticas experimentais de física no contexto


do ensino pela pesquisa: uma reflexão 101

Física interativa: aproximando a universidade e a escola 115

A necessidade de desenvolver competências de pensamento


científico na formação de docentes de ciências 125

O aprender no ensino de ciências 141

O que “ensinar” em um curso de física? 151


Metodologias e teorias de aprendizagem
no cotidiano escolar do ensino de física 159

Despertar para ciências: a importância da alfabetização


científica nas séries iniciais e a formação do professor 169

O ensino de física mediado pela avaliação 187

História da ciência no estudo da termodinâmica 197

As origens do ensino experimental de física no Brasil 207

Ensino de física – algumas considerações 225

A importância das experiências docentes desde o início da licenciatura


da área científica para uma formação qualificada de professores 235

A física como elemento de motivação para gostar de física 247

Ensinar e aprender 257

O estágio curricular como desafio na formação docente 267

Considerações finais 275


APRESENTAÇÃO

E ste livro constitui uma ação desenvolvida a partir do reconhecimento


de que o Brasil não vem conseguindo formar professores de física para
o ensino médio em quantidade suficiente para atender a demanda das escolas e
acumula várias dezenas de milhares de vagas sem preenchimento. Em uma tenta-
tiva de compreender o problema, o CNPq e a FAPERGS financiaram pesquisas sobre
as quais o Grupo de Pesquisa em Ensino de Física (GPEF), sediado na Faculdade de
Física (FAFIS) e ligado ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e
Matemática (PPGEDUCEM), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS), vem trabalhando há dois anos. Os resultados obtidos com essas pes-
quisas são apresentados nos dois primeiros capítulos deste livro que também traz
contribuições para a melhoria do ensino de física praticado nas escolas escritas por
colegas professores e pesquisadores da área de Ensino de Ciências, ligados ao Magis-
tério Público do Estado do Rio Grande do Sul, à PUCRS, à UFRGS, à UCS, à UNIVATES,
à UNISINOS, à ULBRA e à Pontificia Universidad Católica de Chile.
Nossa expectativa é de que todos os professores de física da Região Metro-
politana de Porto Alegre, em atividade em escolas públicas e privadas, recebam,
gratuitamente, em mãos, este livro, e usem as ideias e proposições aqui apresen-
tadas. Muitas delas constituem incentivos à modificação de práticas educativas
arraigadas que têm afastado os estudantes do ensino médio das licenciaturas em
física, enquanto outras têm o objetivo de motivar o professor para que planeje sua
educação em termos continuados, o que talvez seja a forma mais eficaz de melho-
rar o ensino de física. Assim, também a distribuição individualizada do livro, rea-
lizada pelos sindicatos dos professores, CPERS-Sindicato e SINPRO-RS, foi pensada
de forma a atingir de forma ampla a comunidade de professores.
A decisão de publicar este livro, em vez de divulgar as pesquisas apenas sob
forma de artigos em revistas especializadas ou eventos da área, foi estratégica.
Sabemos que muitos professores de física de ensino médio não leem periódicos
que publicam resultados de pesquisa em ensino, assim como não participam de
eventos correlatos e, por isso, não tomam conhecimento das propostas inovadoras
que surgem neste âmbito. Por essa razão, pedimos ao CNPq que financiasse esta
publicação, para que ela pudesse ser distribuída gratuitamente a todos os profes-
sores de física da região, e solicitamos auxílio aos sindicatos dos professores para
que fizessem a distribuição dos exemplares. Por esse mesmo motivo não pedimos
aos colegas autores dos capítulos que apresentassem textos inéditos, porque o
critério para a escolha dos temas foi o da máxima utilidade para o professor de
física em atividade, e não o ineditismo. Um bom artigo, não lido, de nada serve.
Um bom livro à mão do professor ainda é um convite saudável à reflexão e ao
aprimoramento.
Reiteramos os agradecimentos a todos que contribuíram para a realização des-
te compêndio e colocamo-nos à disposição de todos os leitores pelos canais de co-
municação mais diversos, com vistas a aprofundar o impacto desta contribuição.

João Bernardes da Rocha Filho


Organizador
CAUSAS DA REJEIÇÃO DOS ESTUDANTES DE ENSINO MÉDIO
À CARREIRA PROFISSIONAL NO MAGISTÉRIO EM FÍSICA

Cátia Brock1
João Bernardes da Rocha Filho2

E specialmente quanto aos que seguem o ensino regular, a decisão de


licenciar-se ou não em física se objetiva, presumivelmente, em de-
terminado momento durante o ensino médio, quando os estudantes têm contato
com essa ciência e seus professores. Naturalmente, essa objetivação é resultado
da concorrência de uma multiplicidade de fatores, alguns dos quais podem ter
agido já em fases precoces do desenvolvimento dos jovens. Também é presumível
que a conjuntura socioeconômica que se manifesta na precariedade da estrutu-
ração material das escolas públicas e na política de salários aplicada aos profes-
sores, especialmente aos pertencentes ao quadro de servidores dos sistemas pú-
blicos estaduais de ensino, desfavorece uma possível opção profissional em favor
das licenciaturas, em geral. No entanto, estas constatações e especulações não
explicam por quais motivos a licenciatura em física é a mais rejeitada entre todas
as carreiras que conduzem ao magistério das disciplinas do núcleo comum do
currículo mínimo do ensino básico brasileiro (BRASIL, 2007).
A pesquisa apresentada neste capítulo, assim, foi até a escola indagar os
próprios estudantes e tentou extrair de seus discursos as causas para a escassez
de professores de física nos sistemas de ensino. Em que pese a limitação inerente
a uma pesquisa qualitativa, de amostragem restrita a uma pequena parcela dos
estudantes de ensino médio de uma única metrópole brasileira, seus resultados
podem subsidiar estudos mais amplos, ou que visem à tomada de decisões estra-
tégicas destinadas a suprir a carência atual de professores desta ciência.

1
Mestra em Educação em Ciências e Matemática (EDUCEM/PUCRS), Licenciada em Física (FAFIS/PUCRS),
professora do Magistério Público do Estado do Rio Grande do Sul.
2
Organizador deste livro.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Das respostas dos estudantes foi possível concluir que, embora a situação
socioeconômica do magistério público estadual seja, por si, um fator que aparece
como uma das fontes da rejeição pela licenciatura em física, mesmo daqueles alu-
nos que não estudam em escolas públicas e apenas ouvem notícias e comentários
sobre o tema, a fonte de maior influência negativa é, dominantemente, a atitude
dos próprios professores de física. Isso parece vinculado ao fato de que os profes-
sores apresentam formalmente a física aos estudantes do nível médio e comu-
nicam a eles, mais ou menos diretamente, as possibilidades da profissão, muitas
vezes de forma negativa. O professor faz parte da linha de frente da educação for-
mal, pois interage contínua e diretamente com o beneficiário do produto dos dife-
rentes sistemas educacionais e é natural que receba sobre si a quase totalidade da
carga de responsabilidade pelo sucesso ou fracasso da educação, especialmente
no discurso dos estudantes, que podem não considerar a totalidade dos muitos e
complexos fatores que influenciam a qualidade da educação que recebem.
Mas, independentemente das respostas ao questionário, considerando ape-
nas a alta frequência de estudantes que fracassam no empreendimento de apren-
der a física ensinada na escola, enquanto têm sucesso em outras disciplinas, pode-
se concluir que há uma responsabilidade claramente atribuível ao professor de
física, que parece incapaz de despertar em seus alunos o desejo de compreender
a descrição física dos fenômenos naturais. No entanto, a motivação dos estudan-
tes está ligada à crença do professor na sua própria eficácia educacional (GOYA,
BZUNECK, GUIMARÃES, 2008), o que permite concluir que o fenômeno que surge
como desmotivação dos alunos deriva, pelo menos em parte, da desmotivação dos
professores, cujas atitudes são compreendidas pelos estudantes como uma men-
sagem negativa sobre a profissão.
Nesse contexto, o relatório governamental sobre a escassez de professores do
ensino médio (BRASIL, 2007) mostra que a licenciatura em física ocupou o último
lugar em número de formados entre 1990 e 2005, em uma lista que inclui todas
as graduações exigidas para o exercício do magistério em nível médio, segundo o
núcleo comum definido pela Lei 5.692/1971. A Tabela 1 esclarece numericamente
essa defasagem. A mesma fonte alerta também que existe uma carência acumula-
da de 55 mil professores de física, sendo que, nos 15 anos abrangidos pelo estudo,
apenas pouco mais de 13 mil graduandos receberam diplomas dessa habilitação.
Além disso, uma parcela expressiva dos licenciados não se encaminha para o ma-
gistério no ensino médio, mas se dirige à pesquisa, à pós-graduação, à indústria, à
metrologia ou à física médica. Como o número anual de formados tem-se mantido
inferior ao total de vagas novas e vagas deixadas pelos professores que se afastam
da docência, vem ocorrendo um aumento progressivo do déficit de professores de

12
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

física nas escolas de nível médio, culminando na atual escassez. Nesse quadro
deficitário, apenas 9% dos professores que lecionam física nas escolas têm for-
mação na área. Os 91% restantes são professores de outras disciplinas que foram
deslocados para física, ou ainda estão em formação (ibidem).
Tabela 1. Número de licenciados nas diversas disciplinas ou áreas do currículo
mínimo do ensino médio, para cada licenciado em física, entre 1990 e 2005.

Língua Portuguesa 13,2

Língua Estrangeira Moderna 9,9

Educação Física 9,7

História 8,9

Matemática 7,6

Biologia 7,1

Geografia 6,6

Educação Artística 3,2

Química 1,8

Física 1,0

Fonte: Brasil, 2007.

Saindo do âmbito exclusivo da física e passando a considerar dados que in-


cluem professores de todas as disciplinas do nível médio, a Confederação Nacional
dos Trabalhadores em Educação (CNTE), representada por Vieira (2008), prevê que
a demanda brasileira por professores da rede pública já não poderá ser atendida
entre 2010 e 2019. Essa escassez tende a se agravar porque 60% dos 2,5 milhões
de educadores ativos estão próximos da aposentadoria, e a baixa procura pelas
licenciaturas indica que a ausência desses profissionais nas escolas não será com-
pensada pela inserção de novos professores. O relatório da Câmara de Educação
Básica (BRASIL, 2007) observa, também, que a quantidade de jovens dispostos a se
licenciarem é insuficiente para suprir a demanda anual e vem caindo ano a ano.
A falta de professores tem movimentado o governo brasileiro, que na última
década investiu no fortalecimento de mecanismos sociais de inserção que resul-
taram em uma ampliação gradativa do percentual de jovens entre 15 e 17 anos,
no ensino médio. Além disso, recentes ações afirmativas em favor do aumento de
estudantes nas licenciaturas, como o oferecimento de bolsas de estudo e a im-
plantação de cursos de formação de professores em escolas técnicas federais, pos-
sivelmente ampliarão o número de licenciados nos próximos anos. No entanto, a

13
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

ampla rejeição à licenciatura em física persiste, e esta não pode ser compreendida
apenas com números, pois é de natureza complexa, com causas envolvendo fato-
res humanos, políticos, econômicos, sociais e didático-pedagógicos, cada um deles
merecendo ser alvo de consideração. No entanto, devido justamente à complexi-
dade do tema, não pode ser excluída a chance de que uma modificação na forma
de condução do ensino de física do ensino médio produza resultados positivos,
invertendo a tendência de queda na procura por licenciaturas em física. Nisto se
baseou esta pesquisa, que foi saber dos alunos que fatores os afastam da física.
Ainda que os alunos possam contribuir apenas com suas percepções sobre
a questão e que essas percepções sejam naturalmente restritas à perspectiva que
têm como estudantes, suas opiniões são importantes, porque justamente eles de-
cidem, ao fim e ao cabo, quais profissões seguirão. Por isso, o caminho adotado
nesta investigação para identificar as variáveis interferentes negativamente na
opção profissional dos estudantes pela licenciatura em física foi buscar informa-
ções sobre o ponto em questão em uma amostra dos alunos do último ano do
ensino médio, obtendo seus depoimentos sobre as impressões que têm em relação
à física que aprenderam na escola. Desse modo, os dados permitiram identificar
quais fatores conscientes determinaram que os estudantes do final do ensino mé-
dio desta amostra das escolas de Porto Alegre rejeitassem a carreira no magistério
em física. No entanto, como a pesquisa teve caráter exploratório, a amostra foi
restrita à cidade de Porto Alegre e os dados foram analisados qualitativamente,
não é possível generalizar seus resultados.

A CONDUÇÃO DA PESQUISA
A pesquisa recebeu apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimen-
to Científico e Tecnológico (CNPq) e teve caráter qualitativo, exploratório, com ca-
racterísticas explicativas e de levantamento, envolvendo estudantes do último ano
do ensino médio de escolas de dezesseis regiões orçamentárias do município de
Porto Alegre, uma por região. Os bairros e as regiões das escolas visitadas foram:
Navegantes, na primeira região; Passo D’Areia, na segunda região; Jardim do Salso,
na terceira região; Lomba do Pinheiro, na quarta região; Sarandi, na quinta região;
Mário Quintana, na sexta região; Partenon, na sétima região; Restinga, na oitava
região; Cascata, na nona região; Medianeira, na décima região; Cristal, na décima
primeira região; Cavalhada, na décima segunda região; Belém Novo, na décima ter-
ceira região; Rubem Berta, na décima quarta região; Tristeza, na décima quinta re-
gião; e Floresta, na décima sexta região. Em geral, as escolas foram contatadas por
intermédio de suas direções, que informaram aos professores de física sobre os ob-
jetivos e a forma de realização da pesquisa. Após a concordância das partes, os pro-

14
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

fessores foram instruídos a mobilizarem os estudantes no sentido de responderem


com responsabilidade o questionário, e um pesquisador visitou a escola no horário
acertado, aplicou e recolheu pessoalmente o instrumento. O questionário foi elabo-
rado de forma a incentivar a participação, maximizando a liberdade de expressão e
garantindo sigilo aos respondentes, que não foram identificados em qualquer eta-
pa do processo. Em cada escola foram investigados entre dez e quinze estudantes,
totalizando cerca de duzentos questionários respondidos. Os poucos questionários
devolvidos em branco não foram computados nesta pesquisa.
A análise dos dados foi conduzida por intermédio da metodologia Análise Tex-
tual Discursiva (MORAES, GALIAZZI, 2007), que favorece a identificação de nuances
do fato investigado já a partir de amostras muito pequenas. O questionário foi preli-
minarmente validado pelo pesquisador por meio de sua aplicação também a quase
uma centena de estudantes dos níveis iniciais de cursos de licenciatura em física
de quatro universidades, sendo duas da cidade de Porto Alegre, uma da Região Me-
tropolitana e outra do interior do Rio Grande do Sul, e foi composto pelas questões
mostradas no Quadro 1. A validação com calouros universitários se justifica, na
medida em que esses alunos constituem um grupo que muito recentemente aban-
donou os bancos escolares. Por outro lado, o confronto das respostas de estudantes
que optaram pelo estudo superior em física com as respostas daqueles que não
optaram ou não iriam optar por essa carreira foi esclarecedor, entre outras razões
porque nas respostas de ambos os grupos o professor foi o principal agente de influ-
ência, e suas características puderam ser identificadas. As respostas dos universitá-
rios, porém, não são exploradas diretamente neste artigo.
A formulação e a ordenação das questões foram planejadas de modo a
conduzir os respondentes a refletirem sobre suas vivências pregressas com a
física ensinada na escola antes de responderem à questão central da investiga-
ção, que é justamente a última. O objetivo dessa estruturação sequencial foi que
os estudantes não se fixassem em uma justificativa simples ou irrefletida para
responder à questão-chave, mas sim fossem elaborando lembranças e fazendo
conscientizações relativas às características da física e do ensino de física que
tiveram. Dessa forma, ao responderem à questão final os estudantes poderiam
fazê-lo de forma mais consistente.

15
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Quadro 1. Questionário aplicado aos estudantes investigados.

1. Você estudou física no ensino fundamental?


2. De forma geral, você gosta de física (independentemente de gostar das aulas de
física)?
3. No ensino médio, você tem (ou teve) aulas regulares de física?
4. Em que aspectos você gosta ou desgosta das aulas de física que lhe são (ou
foram) oferecidas no ensino médio? Por quê?
5. Descreva brevemente as características mais marcantes das aulas de física do
seu ensino médio.
6. Seus professores de física do ensino médio usam (ou usaram) experimentos nas
aulas?
7. Suas aulas de física do ensino médio são (ou foram) interativas? Você participa
(ou participava) das aulas ativamente?
8. Descreva a atuação de seus professores de física do ensino médio. Em que ela
lhe chama especialmente a atenção?
9. Você já pensou em seguir (ou está seguindo) carreira como professor de física?
Exponha seus motivos.
Fonte: Os autores.

Além das respostas diretamente recolhidas por meio do questionário, das


visitas às escolas e conversas com as direções e professores, foram obtidos dados
relativos a questões que não estavam explícitas no questionário, como a carga
horária semanal atual dos professores, a existência e o uso de laboratórios de físi-
ca, a adoção de livros didáticos, o cumprimento do currículo e a formação inicial
e continuada dos professores da disciplina de física. Essas informações serviram
para a construção de uma visão mais ampla sobre a questão central.

SÍNTESE DOS DADOS COLETADOS


As respostas dos alunos do último ano do ensino médio sugerem que eles
veem a física como centrada unicamente no cálculo numérico e creem que, para
ter sucesso nesta disciplina, é preciso decorar fórmulas e a elas aplicar números,
obtendo outros números, de modo que para estes estudantes a física se resume a
exercícios envolvendo cálculos. As respostas também sugerem que a maneira com
que as aulas de física estão sendo dadas segue um modelo disseminado nas esco-
las pesquisadas: o professor introduz o conteúdo colocando textos e equações no
quadro, depois resolve um ou dois exemplos numéricos e em seguida aplica muitos
exercícios, a título de fixação daquele conteúdo, alguns dos quais são escolhidos
para constituir as provas. Isso transparece em muitas afirmações, de modo que os
professores de física das escolas visitadas parecem atuar seguindo uma premissa

16
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

não explícita, segundo a qual este método expositivo-repetitivo é o caminho para


o aprendizado. Pelo teor de suas declarações, os alunos demonstram não perceber
que a física poderia ser trabalhada com outros tipos de atividades, provavelmente
porque não tiveram vivências divergentes nesta ou em outras disciplinas. Por isso
também sentem dificuldade ao julgar até que ponto o método pedagógico a que
estão submetidos influencia decisivamente suas aprendizagens.
Foi possível, também, elaborar uma lista sintética de cinco características
típicas do ensino de física oferecido aos alunos respondentes. A física ensinada
nestas escolas: a) exclui referências ao cotidiano dos alunos; b) não realiza aproxi-
mações com conteúdos das outras disciplinas; c) é descontextualizada em relação
ao ambiente tecnológico contemporâneo; d) não oportuniza pesquisa, questiona-
mento reconstrutivo, argumentação ou possibilidade de interação entre colegas; e
d) não utiliza laboratórios ou experimentação, mesmo demonstrativa. Sobre esta
última característica, aproximadamente 65% dos alunos entrevistados nunca re-
alizaram ou assistiram a um experimento nas aulas de física, e os que tiveram
esse privilégio relataram que os experimentos propostos eram muito simples, ou
demonstrações sem graça, realizadas geralmente no ensino fundamental. Os es-
tagiários de física foram lembrados como responsáveis por quase toda experimen-
tação que os alunos pesquisados tiveram na física do ensino médio. Aparente-
mente, os estagiários se ocupam com o planejamento e execução de experimentos
enquanto os professores titulares não o fazem. No entanto, como os atuais profes-
sores foram estagiários um dia, parece que a proposição de aulas experimentais
se reduz ao longo da carreira dos professores.
Nas escolas públicas visitadas foram encontrados laboratórios compartilha-
dos, destinados ao uso dos professores de física, biologia e química, mas esses
espaços estavam vazios de materiais laboratoriais específicos de física, ocupados
como depósitos de livros e/ou móveis escolares, ou simplesmente abandonados.
Nas escolas privadas existiam laboratórios específicos de física, mas esses tam-
bém estavam vazios ou com poucos materiais, aparentando pouco uso. Quan-
do indagados sobre o porquê da não utilização do laboratório, os professores ou
membros da direção que acompanharam a aplicação dos questionários alegaram
causas diversas. Nas escolas públicas os argumentos incluíram falta de materiais,
furtos e danos aos equipamentos e dificuldade de manejo com as turmas, enquan-
to nas escolas privadas o argumento foi a falta de tempo, em vista da necessidade
de cumprir currículos e preparar os estudantes para o vestibular.
Apesar disso, nas respostas de alguns estudantes surgiram declarações de
compreensão em relação à falta de experimentação, com referências ao excesso
de trabalho dos professores e à inexistência de materiais adequados, o que con-

17
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

corda com a literatura, que tem mostrado que os professores sofrem com a carên-
cia de tempo, ministram muitas aulas semanais, assumem trabalhos burocráticos
desgastantes, manifestam descrença no ensino (STOBAUS et al., 2007), trabalham
mais do que gostariam, estão esgotados pelas exigências do sistema escolar, dos
pais e da sociedade em geral, e em especial pela falta de respeito, cortesia e bons
modos dos colegas e alunos (ROCHA FILHO et al., 2007). A formação constante
e a participação em congressos e outros eventos poderiam ser formas eficazes
de os professores melhorarem continuamente suas atuações, porém eles quase
sempre não recebem apoio das direções e secretarias de educação para isso, pois
a formação continuada significa mais professores fora de sala de aula e proventos
adicionais a serem pagos futuramente. Além disso, a estratégia tradicional de pro-
ver uma educação centrada unicamente na reunião de professor e alunos dentro
de uma sala de aula, com quadro de escrever e livros, sem recursos adicionais,
também não favorece o surgimento de aulas diferenciadas.
Os alunos respondentes relacionaram diretamente a física com a aplicação
de fórmulas e cálculos, e ao seu modo relataram que estão sendo sistematica-
mente treinados para ouvirem explicações teóricas e fazerem exercícios, em aulas
de quadro e giz, não interativas. No entanto, curiosamente, suas respostas suge-
rem que estão tão habituados com a didática da escola tradicional – a única que
conhecem – que consideram que ela é interativa. No entanto, muitos dos alunos
pesquisados relataram que sentem grande dificuldade ao memorizar as fórmulas,
acham a física complexa demais e não compreendem quais fórmulas utilizar ou
quando devem aplicá-las. O ensino que recebem parece se limitar a fórmulas e
exercícios, em um contexto didático que não contempla a contextualização, a ex-
perimentação e o exercício da análise discutida ou da argumentação.
Quando incentivados a escreverem sobre as aulas que tiveram, uma pequena
parcela dos estudantes lembrou momentos gratificantes, geralmente associados
ao início do ensino médio. Esses momentos foram associados a professores que
os alunos gostariam de ter novamente e que, às vezes com dificuldade, juntavam
materiais e propunham experimentos; relacionavam os conteúdos com o dia a dia;
eram engraçados; eram atenciosos; eram descontraídos; eram divertidos; eram
espontâneos; amavam a profissão; orientavam trabalhos em grupo; eram calmos;
eram pacientes; incentivavam e valorizavam questionamentos dos alunos; e can-
tavam, tocavam instrumentos musicais, interpretavam ou contavam histórias em
sala de aula. Essa lista de características dos professores marcantes, extraída dos
relatos dos estudantes pesquisados, sintetiza o perfil do educador em física que
conquista os alunos e os ajuda a construir um aprendizado significativo.

18
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

No entanto, em quase todos os relatos fica evidente a repulsa dos alunos pela
disciplina de física, e o quanto isso se deve à atuação dos professores. Sobre esses
professores, os alunos escreveram que: eram chatos; não gostavam de serem ques-
tionados nem de repetirem explicações; eram muito rígidos; não tinham preparo
ou disposição para oferecer exemplos do cotidiano; eram metodologicamente iguais
aos outros professores; não se esforçavam para serem entendidos; não tinham
capacidade para o diálogo; eram desmotivados; eram professores de outras disci-
plinas, alocados para física; ou pareciam alienados, loucos, fora da casinha, estranhos e
insignificantes. Os alunos que rejeitam professores de física com essas caracterís-
ticas e comportamentos rejeitam também a licenciatura em física, como sugere
a alta correlação entre os alunos que responderam assim e os que manifestaram
aversão explícita e enfática à carreira do magistério em física.
Apenas dois alunos, ou cerca de 1% da amostra, responderam que não está
descartada a possibilidade de que venham a escolher licenciatura em física como
carreira de nível superior. No entanto, mesmo esses julgam negativamente seus
professores e veem a carreira no magistério em física como uma forma de repu-
diar o modo como foram ensinados. A quase totalidade dos alunos rejeita suma-
riamente a licenciatura. Cerca de 9% da amostra referenciaram também, como
justificativa para essa rejeição, a questão da baixa valorização socioeconômica
do magistério, e 4% dos respondentes assinalaram complementarmente falta de
habilidade para a ação educativa. Esses percentuais incluem sobreposições e, por-
tanto, não devem ser somados. Quanto às características docentes que emergi-
ram das respostas ao questionário como principais fatores da rejeição, foi possível
agrupá-las em duas categorias, uma delas mais ligada à personalidade do profes-
sor e outra mais ligada aos aspectos técnicos da condução do processo educativo.
Essa classificação é apresentada no Quadro 2.

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Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Quadro 2. Características docentes, segundo os estudantes investigados.

Positivas Negativas

Relacionadas - Propõem experimentos. - Usam métodos tradicionais.


principalmente
à atuação - Contextualizam os conteúdos. - Não contextualizam.
profissional do - Orientam trabalhos em grupos. - Evitam responder a
professor de perguntas.
física - Incentivam e valorizam
perguntas. - Evitam dar explicações.
- Amam a profissão. - São rígidos.
- Contam histórias. - Estão deslocados na
docência.

Relacionadas - São atenciosos. - São chatos.


principalmente
ao modo de ser - São descontraídos. - Não são empáticos.
da pessoa do - São divertidos. - Não dialogam.
professor de
física - São espontâneos. - São desmotivados.
- São calmos. - Manifestam neuroses.
- São pacientes.
- Manifestam dons artísticos.
Fonte: Dados da pesquisa.

Os dados recolhidos, além de sugerirem que o professor é o agente determi-


nante na rejeição pela carreira de licenciatura em física, indicam mais ou menos
precisamente quais são as características que promovem essa rejeição. No entan-
to, está-se evidentemente diante de um problema complexo e multifatorial, que
resiste a análises simplistas. É pouco provável que um administrador de sistemas
educacionais, por exemplo, possa agir para corrigir características pessoais dos
professores, apesar de que são justamente essas o fator mais frequentemente ci-
tado pelos estudantes. No entanto, talvez seja possível ao administrador atuar
sobre alguns outros fatores que podem trazer consequências benéficas no âmbito
pessoal, como a formação permanente e a melhoria salarial, que podem reduzir o
mal-estar na docência.

INFERÊNCIAS
Os alunos rejeitam uma carreira na licenciatura em física basicamente como
resposta a três fatos: majoritariamente, a rejeição à física decorre da má condu-
ção do processo educacional das aulas de física e, minoritariamente, à falta de
vocação e à baixa valorização profissional que setores do magistério enfrentam,

20
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

mas que os estudantes e a sociedade em geral entendem como sendo uma marca
generalizada da profissão.
Uma das características negativas listadas pelos alunos em relação ao en-
sino de física é a ausência de oportunidades de manifestação. De forma geral a
educação almeja indivíduos com consciência global, que respeitem a sociedade,
capazes de ações que beneficiem as pessoas. Portanto, a limitação de chances de
argumentação dos alunos é um erro fatal na realização da educação, pois, ao inibir
a manifestação dos alunos, tornam-se impossíveis a identificação e o confronto
do seu pensamento com o do professor e dos demais colegas. Sem diálogo, não
surgem dúvidas e novas ideias, por isso a comunicação deve ser receptiva, sem
preocupação estrita com o uso da linguagem formal da física, que surge gradual-
mente, como decorrência do processo educativo. Em educação, o diálogo aparece
como meio de comunicação que possibilita o dizer e a aproximação de cada um,
de forma que é impossível conceber uma educação que não seja fundamentada
no diálogo, pois “o diálogo é uma exigência existencial, [...] é o encontro em que
se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos, endereçados ao mundo a ser
transformado e humanizado” (FREIRE, 1997, p. 79). Ser educador, portanto, exige
comprometimento com o diálogo.
Ao professor ainda cabe desviar-se da opção que a maioria das escolas fazem
ao priorizarem o vestibular ou o mercado de trabalho. Os Parâmetros Curriculares
Nacionais – PCN – (BRASIL, 2002) orientam para que a prática docente se preocupe
em fazer com que a física seja construída como um instrumento de compreensão
do mundo, uma ferramenta que auxilie na forma de o educando pensar e agir. O
espírito dessas orientações aponta para a preparação do educando para enfren-
tar situações inusitadas, para pensar, analisar os problemas, filtrar o que é mais
importante e chegar a uma melhor conclusão ou resolução, não importando se
no vestibular, na vida cotidiana ou no mercado de trabalho. Mas a análise dos
depoimentos mostrou que os alunos veem a física como algo que existe somente
dentro da escola e têm dificuldades em perceber a presença da física no mundo e
nos seus cotidianos.
As respostas também sugerem que, quando no ensino fundamental o estu-
dante tem a oportunidade de ser aluno de um professor que propõe o estudo da fí-
sica, a relação que o aluno desenvolve com essa ciência no ensino médio tem maior
probabilidade de ser boa. A última série do ensino fundamental é vista como uma
oportunidade de introdução à física, e o professor pode ficar à vontade para traba-
lhar os conteúdos como julgar melhor para a realidade na qual a escola se insere,
fazendo medições e experiências, elaborando relatórios científicos, compreendendo
a física dos eletrodomésticos, as contas de energia elétrica e propondo minifeiras de

21
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

ciências. Quando ocorre a contextualização, as fórmulas e os conceitos se encaixam


na compreensão do mundo, e o aluno tende a reconhecer motivos para aprender na
própria realidade, inteligentemente explorada pelo professor, e já terá enraizado em
si a percepção de que sua participação crítica tem valor intrínseco.
Os professores dos alunos entrevistados parecem não realizar estudos de
educação continuada, a julgar pelo total comprometimento desses com o ex-
cesso de atividades docentes e administrativas escolares, e também pela tra-
dicionalidade extremada das aulas praticadas nas escolas. Mas justamente a
formação continuada é que proporciona ao educador a possibilidade de repensar
sua prática pedagógica, abrir-se às novas metodologias e ao exercício da leitura
das necessidades do educando da contemporaneidade. A falta dessa continui-
dade gera um distanciamento entre a pesquisa e a formação docente e entre a
pesquisa e a prática em sala de aula. Essa constatação pode explicar boa parte
dos problemas relacionados ao processo de ensino e aprendizagem detectados
em escolas públicas e privadas. Isso já se sabe há muito, como se pode ver no
extrato de Paulo Freire, abaixo:
É preciso que haja luta, que haja protesto, que haja exigência e que os
responsáveis, de maneira direta ou indireta, pela tarefa de formar entendam
que formar é permanente. Não existe formação momentânea, formação do co-
meço, formação do fim de carreira. Nada disso. Formação é uma experiência
permanente, que não para nunca (FREIRE, 1997, p. 245).

O conhecimento deve estar intimamente relacionado ao seu significado, pois


é o significado que move os afetos e gera emoções, e são as emoções positivas as-
sociadas aos conteúdos que fazem deles atributos permanentes na constituição
do ser. Só considerando esta faceta do processo educativo, o professor cumprirá
seu papel transformador na realidade de cada indivíduo envolvido com sua auto-
formação. Saber e fazer devem estar em sintonia na aprendizagem significativa,
pois “se torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir
virando blá-blá-blá e a prática, ativismo” (ibidem, p. 24).
Também se pode inferir que o ensino de física convive com a fragmentação do
conhecimento, passividade dos estudantes e persistência das concepções ingênuas
acerca do mundo físico. Os professores não buscam estratégias de ação pedagógi-
ca que incluam o uso de laboratório e uma sequência curricular menos rígida. As
possibilidades metodológicas inovadoras, que poderiam enriquecer a prática docen-
te, não chegam às escolas, pois são relatadas em reuniões científicas frequentadas
quase exclusivamente por professores de nível superior, e muitos professores em
atividade nas escolas foram formados em uma época em que a cultura de partici-
pação em eventos e de leitura de artigos científicos era pouco difundida.

22
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

O problema sob análise parece ser circular: não há professores de física em


número suficiente para atender a demanda, e os que estão em atuação apre-
sentam-se desestimulados, despreparados, lançando mão de poucos recursos
materiais ou sem formação continuada e, por consequência, os estudantes não
querem lecionar física. Alves Pena e Ribeiro Filho (2009) mostram que o pro-
fessor não tem espaço para sair da escola e se atualizar, os estudos feitos por
pesquisadores nas escolas, como este mesmo, não são divulgados nas escolas,
os governos não proporcionam recursos para a construção e manutenção de
laboratórios de física, ou os professores não estão preparados para lidar com as
situações pedagógicas contemporâneas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A maneira como a física chega aos estudantes do ensino médio pesquisados
é evidentemente distorcida, o que acarreta rejeição por uma possível carreira na
licenciatura em física. O fato mais relevante descoberto nesta pesquisa é que o
agente principal dessa distorção é o próprio professor de física. Essa ação aparen-
temente contraditória parece se originar da percepção negativa que os próprios
professores têm acerca da profissão que escolheram, mas passa necessariamente
pela metodologia empregada, que se caracteriza pelo apego à aula copiada, des-
contextualizada, excessivamente matematizada, fixada em exercícios repetitivos
e sem experimentação. Voluntariamente, ou por motivos que não são propria-
mente gerados por eles, são principalmente os professores de física que afastam
os alunos da carreira docente em física, e o fazem em grau mais elevado que os
professores de quaisquer outras disciplinas, como mostram os números do MEC/
CNE/CEB (BRASIL, 2007).
Para evitar a rejeição dos alunos pela carreira docente em física, os profes-
sores poderiam abandonar as metodologias mais tradicionais, que não educam
porque não despertam nos alunos o interesse por essa ciência. Também pode-
riam eliminar das aulas de física as técnicas didáticas que contemplam somente
a aplicação e memorização de fórmulas e abandonar o método repetitivo que se
caracteriza por matéria no quadro e muitos exercícios. De alguma forma, é preci-
so evitar a desmotivação do professor, causada pelo acúmulo de trabalho, assim
como buscar meios paralelos de incentivo para ele realize atualizações profissio-
nais e tenha acesso a pesquisas recentes sobre educação científica. Mesmo que
faltem laboratórios didáticos de física, o professor não pode desistir dos experi-
mentos, mas sim construir seu próprio laboratório portátil ou exigir a ajuda da
escola, quando cabível, contando com a participação da comunidade escolar para
conseguir o material necessário.

23
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

O aluno que rejeita o professor de física rejeita também a disciplina de física


e a carreira do magistério em física, daí a importância de não se deixar abater e
lutar por aulas melhores, que proporcionem alegria ao educador e ao educando,
pois o “envolvimento com a prática educativa, sabidamente política, moral, gno-
siológica, jamais deixou de ser feito com alegria. Há uma relação entre a alegria
necessária à atividade educativa e a esperança” (FREIRE, 1997, p. 43). Os alunos
valorizam e reconhecem o professor que gosta do que faz, enfrenta as dificuldades
cotidianas com bom humor, traz experimentos e exemplos relacionados ao dia a
dia da comunidade escolar, que não reclama do salário ou das condições de tra-
balho aos alunos. Essa reclamação feita aos alunos, afinal, não produz qualquer
efeito benéfico, e a sociedade em geral já reconhece que o professor do sistema
público é mal remunerado.
Ainda que um estudante tenha aptidão e interesse em ser professor de física,
esta disposição é influenciada pela forma como a física lhe é comunicada, que de-
pende em parte da escola e do professor e em parte da opinião da sociedade e de
seus familiares, que podem levar até ele ideias equivocadas ou distorcidas e precon-
ceituosas, afastando-o da vocação. Ser professor sem que se tenha gosto pelo traba-
lho educativo certamente não é uma boa ideia, mas, se houver aptidão e apreço pela
educação, as habilidades podem ser aperfeiçoadas. Uma ciência com tantas aplica-
ções cotidianas, que está presente o tempo todo, em tudo, é fascinante, interessante,
envolvente, desafiadora e prazerosa e não deveria atrair tão poucos.

REFERÊNCIAS
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Disponível em: <http://www.integral.br/downloads/resultado.asp?categoria=161&codi
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24
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

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jucara_vieira.pdf>. Acesso em: 14 de jul. 2010.

25
ORIGENS DA OPÇÃO PELA LICENCIATURA EM FÍSICA

Matheus Brasil Coutinho1


Daysi Caroline Ragiuk de Oliveira2
João Bernardes da Rocha Filho3

D esde o surgimento da filosofia, na Grécia do século VI a.C., quando


se manifestou a preocupação sistemática em desvincular o conhe-
cimento humano da mitologia, juntamente com o posterior desenvolvimento da
ciência, ambas passaram a representar parte importante e integrante da socieda-
de. As ciências constituem, desde então, o fundamento do mecanismo que leva ao
desenvolvimento tecnológico, teoricamente melhorando as condições de vida no
planeta. Porém, apesar da importância social do conhecimento científico, muitos
estudantes do ensino médio desconhecem quase totalmente as aplicações dos
conteúdos ensinados nas ciências, embora a vinculação sempre presente com a
realidade imediata. Isso se deve, em parte, provavelmente, devido às dificulda-
des do próprio professor em apresentá-las, com consequências nefastas, entre as
quais a baixa procura pelas licenciaturas associadas. A falta de professores que
enfrentamos, assim, embora naturalmente seja uma manifestação de um proble-
ma multifatorial que envolve as condições de trabalho do professor, as dificulda-
des encontradas para o desenvolvimento da carreira e o baixo reconhecimento
social do trabalho docente, pode ser explicada pelo pequeno significado que as
ciências ensinadas no nível médio têm no mundo psicológico dos estudantes.
A rejeição por cursos que envolvam ciências, entretanto, não chega a afe-
tar de forma preocupante a demanda por certos cursos de aplicação das ciências
exatas, como engenharia, arquitetura e informática, por exemplo, e a procura por
essas formações tem-se mantido relativamente estável ao longo dos anos. O pro-
blema mais sério reside especificamente nas licenciaturas, já que, além da percep-
1
Graduando em Física, na FAFIS/PUCRS, bolsista de iniciação científica do GPEF.
2
Graduanda em Física, na FAFIS/PUCRS, ex-bolsista de iniciação científica do GPEF.
3
Organizador deste livro.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

ção das dificuldades salariais da profissão, subsiste uma imagem negativa quanto
ao status social do professor da educação básica, o que contribui para a recusa dos
estudantes em se voltar para uma carreira que promova o retorno ao ambiente
escolar (ATAÍDE, 2006).
Outro fator crítico está ligado ao retorno financeiro do investimento nos es-
tudos. Muitos estudantes oriundos de classes economicamente menos favoreci-
das encontram dificuldades em manter os gastos gerados pela vida acadêmica e
acabam abandonando-a para trabalhar e alcançar objetivos mais urgentes, como
a própria subsistência. Embora o estudo possa ser compreendido como um in-
vestimento de longo prazo, cujo retorno pode ser gratificante e compensador, a
paciência e o empenho são primordiais.
O Governo Federal está agindo para que a escassez de professores se redu-
za, ampliando verbas para cursos de formação, inaugurando novos cursos e ins-
tituições, criando bolsas de incentivo e campanhas de valorização do trabalho
docente. Tudo isso pode contribuir para a solução, mas a modificação do status
social do professor passa necessariamente por um processo de valorização sala-
rial e somente isso pode resolver o problema de forma definitiva. Em vista deste
problema complexo, ser professor envolve resignação e dedicação, o que pode ser
mais do que o jovem está disposto a oferecer a uma carreira, ainda mais em um
período no quais os adolescentes passam por transformações e mudanças físicas
e psicológicas, gerando assim conflitos capazes de influenciar a decisão de sua
vida profissional futura (FILIZATTI, 2003).
Segundo relatório do MEC/CNE/CEB sobre a escassez de professores no en-
sino médio (BRASIL, 2007), a educação no Brasil sofre um caos pela falta de pro-
fessores capacitados nas escolas, principalmente nas disciplinas ligadas à ciência.
Ainda neste relatório, os autores citam que apenas 1% do número total de licen-
ciandos escolhe seguir carreira em física, cerca de 70% dos licenciandos em física
evadem nos primeiros anos de estudo, e apenas 9% dos professores de física da
educação básica possuem formação na área.
A pesquisa aponta como causa principal desta crise a remuneração salarial,
considerada baixa em relação a outras profissões. Essa impressão negativa acaba
por afastar possíveis interessados em alguns substratos do magistério. A Tabela
1, com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (BRASIL,
2001), aponta e compara os salários das profissões mais escolhidas pelos jovens, e
os salários dos professores, por região.

28
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

Tabela 1. Rendimento médio mensal e número de profissionais por tipo de profissão,


segundo regiões geográficas do Brasil.
Tipos de Número de Rendimento médio por regiões geográficas (em R$)
profissionais profissionais Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-
no Brasil Oeste
Professor da 201232 422,78 388,89 232,79 522,44 435,87 749,61
educação infantil
Professor de 1ª 881623 461,67 443,17 293,18 599,19 552,72 567,38
a 4ª série
Professor de 5ª 521268 599,85 600,99 372,81 792,82 633,92 593,52
a 8ª série
Funções 139575 849,16 753,20 549,60 1092,85 738,27 834,86
administrativas
de nível superior
em educação
Professor de 348831 866,23 826,28 628,08 979,16 804,32 872,20
nível médio
Suboficial das 517038 868,73 817,55 723,52 986,19 747,23 910,93
forças armadas
Professor 6448 898,80 215,33 1150,16 946,56 712,65 875,47
pesquisador no
ensino superior
Agente 316761 911,82 661,40 679,31 1072,50 926,14 1103,37
administrativo
público
Administrador 502895 1202,86 986,87 774,85 1411,18 1057,85 1123,93
de empresas
Técnico de nível 421318 1310,56 1053,94 794,02 1586,97 1308,30 1876,79
superior público
Policial Civil 72743 1510,64 1344,46 1320,40 1457,90 1488,02 2087,23
Oficial das Forças 89387 2091,53 2129,41 1674,46 2250,53 1949,68 2321,03
Armadas
Economista 44772 2254,66 1700,77 2009,08 2227,19 1641,35 3592,64
Auditor 68870 2408,40 3512,94 1584,94 2588,47 1986,32 3133,88
Advogado 271241 2496,76 3893,83 2245,35 2431,04 2597,39 2768,25
Professor de 136977 2565,47 1800,30 2252,08 3086,95 2122,77 2190,10
nível superior
Delegado/Perito 13973 2660,52 2753,91 1347,25 2650,73 3714,45 5969,61
Médico 257414 2973,06 4429,82 2576,78 2801,77 2260,41 4110,87
Juiz 10036 8320,70 5905,38 8038,88 9018,42 9750,00 7331,08
Fonte: INEP (BRASIL, 2001).

Na Tabela 1, pode-se verificar que os salários dos professores estão entre os


mais baixos e variam consideravelmente de uma região para outra, sendo neces-
sário um piso nacional para minimizar essas diferenças. Esse piso foi estipulado
pelo Governo Federal em 2008, porém ainda persistem diferenças regionais im-

29
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

portantes nas condições de ensino, pela grande disparidade econômica dos mu-
nicípios brasileiros. Seriam necessários mais programas de incentivo a serem de-
senvolvidos e implantados pelo Governo, buscando uma melhora no atual quadro
educacional. Entre eles, a educação continuada de professores ainda ativos no
ensino básico e a promoção de bolsas e auxílios a estudantes interessados em cur-
sarem o magistério em áreas com falta de profissionais formados (BRASIL, 2007).
Também na Tabela 1 pode-se verificar que os salários dos professores dos níveis
iniciais da educação escolar são cerca de cinco vezes menores do que os salários
dos professores universitários. Em países da Europa, como a Espanha, esta relação
não ultrapassa duas vezes.
Apesar do salário pouco atrativo para os níveis iniciais da carreira, em vista
da carência de professores, cabe investigar os fatores determinantes na escolha
profissional pelo ensino de física. Por isso, cada vez mais vemos a preocupação de
pesquisadores em buscar explicações para a falha da educação de jovens oriundos
do nível médio, com vários fatores apontados, porém, sem soluções viáveis para
esta questão e o efetivo combate do problema.

MATERIAIS E MÉTODOS
A pesquisa aqui apresentada foi caracterizada como qualitativa, exploratória
e de levantamento (FRANCO, 2003) e utilizou questionários que foram distribuídos
a oitenta e seis alunos de cursos de licenciatura em física de quatro grandes uni-
versidades, sendo duas de Porto Alegre, uma da Região Metropolitana e uma do
interior do Estado do Rio Grande do Sul.
Através da análise qualitativa, pode-se analisar em minúcias as frases elabo-
radas pelo entrevistado, extraindo delas mensagens importantes para a pesquisa.
Assim, nosso questionário continha três perguntas dissertativas que instigavam
o aluno a lembrar-se de sua educação básica e das origens de seu interesse pela
licenciatura em física. As perguntas contidas na pesquisa foram: a) Pense na sua
história e na sua vivência escolar no ensino fundamental e médio e escreva os
motivos que o levaram a cursar licenciatura em física; b) Seus professores de física
contribuíram para a decisão de tornar-se professor? Relate acontecimentos que
ilustram a origem dessa decisão; e c) Quais são as suas principais expectativas em
relação ao curso e à carreira de professor de física, e o que você espera que ocorra
no curso e na profissão?

ANÁLISE DOS RESULTADOS


A partir das respostas dos questionários pode-se averiguar os principais mo-
tivos que levaram os alunos a cursarem licenciatura em física. Cerca de 72% dos

30
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

alunos que responderam aos questionários completaram seu ensino básico em


escolas públicas, e os outros 28% o fizeram em escolas privadas. A partir desta
pesquisa obtivemos três tabelas, uma por questão, que apresentam os principais
motivos que levaram os atuais licenciandos a cursar física. A Tabela 2 mostra os
resultados em relação à primeira questão.
Tabela 2. Motivos que levaram os alunos a cursar licenciatura em física.

Quantidade
Motivos que levaram a cursar licenciatura em física de respostas

1 Por ser a mãe de todas as ciências 1

2 Experiência amadora com ensino da ciência 1

3 Experiência de estágio na área de física – contato com física


extraclasse 1

4 Experiência com a realidade 3

5 Bolsa de estudos 3

6 Boas experiências durante o ensino fundamental 3

7 Eventos científicos no meio escolar 3

8 Falta de opção 3

9 Motivação do professor 4

10 Desejo de mudança da atual situação do professor no mercado 4

11 Acesso a material científico durante o colégio 9

12 Professores do curso pré-vestibular 11

13 Mercado de trabalho com escassez de profissionais 11

14 Familiares 13

15 Contato com áreas similares à física 18

16 Gostar de ensinar 19

17 Bom desempenho escolar 23

18 Mistérios da ciência, curiosidade, querer compreender 29

19 Gostar da ciência 74

Total 233
Fonte: dados da pesquisa.

31
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Da Tabela 2 depreende-se que os motivos que levam os respondentes a cur-


sarem física são principalmente relacionados ao gosto pelas ciências e ao senti-
mento de certa afinidade com o estudo, bem como uma atração pelos mistérios
que envolvem esta ciência e a vontade de desvendar seus segredos. No entanto,
uma análise mais abstrata pode revelar um aspecto oculto: embora os professores
tenham sido citados diretamente apenas em alguns dos itens, na maior parte de-
les os professores e a escola são agentes indiretos da influência. Apenas os itens 8
e 14 da Tabela 2, que juntos acumulam 7% das respostas, podem ser considerados
praticamente independentes da escola e dos professores. Isso indica que a atua-
ção do professor e as vivências escolares foram decisivas para a opção profissional
a favor da licenciatura em física, pois surgem direta ou indiretamente em cerca de
93% das respostas dos alunos pesquisados.
A Tabela 3 apresenta as respostas à questão que buscou identificar a cor-
relação consciente que os licenciandos fazem entre seus professores e a opção
profissional pela carreira no magistério em física.
Tabela 3. Contribuição dos professores para a escolha.

Contribuição dos professores para a escolha profissional Quantidade


de respostas

1 Não muito boas, por isso o interesse em dedicar-me à pesquisa 1

2 Aulas dinâmicas e bem-humoradas 2

3 Pouco, há falta de bons professores no mercado 3

4 Bom relacionamento com professores 3

5 Sim, professor fazia experiências em aula 3

6 Professor era bom, mas não contribuiu para a escolha 4

7 Muito pouco, ensino deixou a desejar 4

8 Foi fundamental, professor demonstrava paixão pela disciplina 5

9 Nenhum. Professores não demonstravam paixão pela disciplina 5

10 Prática de ensino e diversidade de materiais para ensinar 15

11 Incentivo dos professores (ensino médio ou cursinho) 19

12 Professor com habilidades de aguçar a curiosidade e o interesse 26


científico, demonstrações do cotidiano

13 Nenhum incentivo 45

Total 135
Fonte: dados da pesquisa.

32
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

Cerca de 87% das respostas sugerem que o professor teve importância crítica
na decisão profissional dos licenciandos. Apenas os itens 1, 3, 6, 7 e 9 da Tabela 3,
que juntos constituem cerca de 13% das respostas à segunda pergunta, sugerem
que, conscientemente, alguns licenciandos investigados não consideram seus pro-
fessores como tendo sido decisivos na escolha profissional que fizeram. No entan-
to, em várias destas respostas negativas, veem-se críticas contundentes à atuação
dos professores, mostrando que os licenciandos já são capazes de identificar as-
pectos das atitudes de seus professores que eles, provavelmente, tentarão evitar.
A Tabela 4 mostra as expectativas dos alunos quanto à formação acadêmica
e a atual situação da educação básica.
Tabela 4. Expectativas quanto ao curso e à carreira de física.

Expectativas quanto ao curso e à carreira no ensino de física Quantidade


de respostas

1 Tornar uma pessoa melhor 1

2 Não muito boas, o curso é difícil e exige muito dos estudantes, porém 2
não é recompensado

3 Que haja uma campanha de valorização nacional do professor 2

4 Ser respeitado e reconhecido 2

5 Não muito boas, o curso é muito abrangente e para ter um bom 2


proveito deverá haver maior dedicação

6 Dê condições para acompanhar o avanço da ciência 3

7 Difícil devido à concorrência na rede privada e os baixos salários na 5


rede pública

8 Ainda incertas, mas esperançosas 6

9 Ainda não sabe se quer ser professor(a) 7

10 Dar sentido à física para os alunos 10

11 Ter o trabalho valorizado 10

12 Não muito boas, o professor não é respeitado 10

13 Que o curso prepare muito bem para o ambiente escolar 11

14 Responder aos questionamentos 13

15 Ter o prazer de poder ensinar 13

16 Contribuir para a formação de um mundo melhor e com pessoas 14


melhores

33
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

17 Boas, devido ao mercado de trabalho e à escassez de profissionais 14


na área

18 Conseguir uma boa compreensão dos fenômenos 15

19 Que consiga ensinar alcançando objetivos 16

20 Dar boas aulas a fim de conquistar os alunos 21

21 Ter uma boa formação e qualificação profissional exigida pelo 27


mercado

Total 204
Fonte: dados da pesquisa.

Das afirmações mostradas na Tabela 4, os itens 2, 5, 7 e 12, juntos, consti-


tuem cerca de 9% das respostas e sugerem expectativas pouco positivas quanto
ao futuro da carreira no magistério. Assim, aproximadamente 91% das respostas
indicam que os licenciandos apostam em uma carreira de sucesso como professo-
res de física, apesar dos problemas atuais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entres os resultados encontrados nesta pesquisa, pode-se destacar que, em
geral, os estudantes universitários dos cursos de licenciatura em física investiga-
dos sentem-se motivados a cursar física por gostarem de ciências e pelos misté-
rios que a envolvem e que foram preponderantemente influenciados nesta deci-
são por eventos que ocorreram na escola ou em atividades relacionadas a ela e
aos professores. Esses jovens também são otimistas quanto ao futuro da profissão
que escolheram e críticos em relação aos professores que eles julgam não terem
correspondido às expectativas discentes.

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João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

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FRANCO, M. L. P. B. Análise de Conteúdo. Série Pesquisa em Educação. Brasília: Editora


Plano, 2003.

35
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O ENSINO
DA FÍSICA NAS ESCOLAS DO ENSINO MÉDIO

Aldoir Rigoni1

A qualidade do ensino ministrado e o processo de formação do pro-


fessor são questões intimamente ligadas, interdependentes, muito
embora o ato de ensinar não prescinda de outras variáveis relacionadas às carac-
terísticas pessoais do professor. Assim, torna-se forçoso estabelecer uma discus-
são sobre as relações e implicações existentes entre a formação do professor e a
prática docente, ainda que, especialmente, o processo de formação se encontre
permanentemente sujeito a alterações e aperfeiçoamentos, à mercê das frequen-
tes mudanças sociais e normas legais que regulam o Sistema Educacional Brasi-
leiro. Fatos esses que levam a alimentar no seio dos cursos de formação, estudos
e debates de forma permanente e conviver com indefinições, características de
um processo nunca acabado. Passa ao largo a possibilidade de identificar e definir
uma única forma de construção desse processo. Assuntos essenciais ligados à prá-
tica pedagógica estrutural, conceitual e avaliativa ocupam sempre lugar central
nestas discussões e indefinições, chegando, até mesmo, o que é desejável, a extra-
polarem o âmbito institucional, chegando à sociedade, sempre mutável, acentu-
ando o desejo da construção coletiva.
Xuga (1990), falando do modelo de formação de professores pretendido para
a contemporaneidade, refere a necessidade de desenvolver um modelo que fa-
voreça a superação de posturas positivistas, ainda muito presentes nos afazeres
pedagógicos. Via de regra, posturas fundamentadas na concepção tradicional do
ensino e derivadas de metodologias que, não raras vezes, estabelecem dicotomias
entre a teoria e a prática educativas. O professor, mediante uso de determinadas
estratégias, transmite o conhecimento, e o aluno atua como receptor. A avaliação,
1
Licenciado em Física pela PUCRS, Mestre em Engenharia Metalúrgica e Ciência dos Materiais pela UFRGS
e Doutor em Filosofia e Ciências da Educação pela Universidade de Santiago de Compostela, Espanha.
Professor Adjunto da Faculdade de Física da PUCRS com atuação em cursos de Engenharia e Física.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

complementa Dominguez (2000), acaba verificando quanto o aluno recorda do que


foi transmitido, resultando a aprendizagem predominantemente memorística, de
pouco significado, apenas funcional.
Outro aspecto a considerar é o da atividade docente. Atividade a ser entendi-
da como realmente prática profissional, onde a planificação do trabalho se apre-
senta como tarefa muito mais pedagógica do que administrativa, a programação
anual ou semestral próxima da reflexão, tendo forte relação com a prática da sala
de aula. A seleção e o ordenamento dos conteúdos demandam participação ati-
va dos professores, ampliando a sua responsabilidade no processo de ensino, em
conformidade com os princípios basilares da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional nº 9394, de 1996.

PRESUMÍVEIS DIFICULDADES DOS PROFESSORES


NEÓFITOS NA SUA AÇÃO PEDAGÓGICA
Parece consensual que um professor iniciante sofre o impacto da realidade
nas tarefas do cotidiano. A prática pedagógica, em seu estágio acadêmico, o co-
nhecimento específico acumulado, a convivência no meio universitário e a forma-
ção psicopedagógica soam insuficientes, via de regra, para que o professor tenha
êxito, de imediato, nas tarefas da docência. Dificuldades, aparentemente atenua-
das, com a incorporação de uma quantidade maior de horas, destinadas ao estágio
supervisionado, às novas estruturas curriculares dos cursos de formação (Resolu-
ção CNE/CP 2/2002, DOU, 04/03/2002).
Esteve (1997), tratando das dificuldades dos professores iniciantes, escreve
que, antes de tudo, o professor deve conhecer a si mesmo, o seu potencial, neces-
sidades, ansiedades e o seu estilo pessoal de expressão e relacionamento com os
colegas e alunos. Tarefa nada fácil, essa recomendação do pensador. Prevê, ainda,
dificuldades relacionadas à organização do trabalho que, se não forem superadas,
levam a ter dificuldades de disciplina em sala de aula. Honeyford (1982), citado por
Esteve (1997), afirma que entre todos os problemas que se apresentam ao profes-
sor iniciante, o principal deles está relacionado ao como atuar com a indisciplina
dos alunos. Se não conseguir administrar com desenvoltura essa dificuldade, ja-
mais chegará a ser um professor competente.
Derivados da atividade docente, são enumerados por Vonk (1984), também
citados por Esteve (1997), alguns problemas típicos dos professores iniciantes, a
saber: dificuldade de adaptar os conteúdos a nível e capacidade diferenciados de
aprendizagem dos alunos; dificuldade de flexibilizar o ensino, utilizando metodo-
logias e recursos variados; dificuldades para definir objetivos adequados a idade e
nível escolar dos alunos; dificuldades de integrar elementos motivadores, relacio-

38
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

nados ao âmbito de interesse dos alunos; dificuldades de organizar o seu trabalho


de modo a torná-lo produtivo, sem esforços desnecessários; dificuldades no trato
com os pais e seus colegas mais experientes, fruto da insegurança.
Esses problemas estão vinculados às mudanças sociais e circunstâncias
históricas, e cabem aos cursos de formação de professores a leitura e a interpre-
tação dos mesmos, no sentido de contribuir durante o processo formativo na su-
peração de seus efeitos. O Parecer CNE/CP nº 9, aprovado em 08/05/2001, refere e
destaca o preparo inadequado dos professores por parte das instituições, deixando
de contemplar muitas das características consideradas como inerentes à ativida-
de docente, tais como a capacidade de: mediar o ensino para a aprendizagem dos
alunos; comprometer-se com o sucesso da aprendizagem dos alunos; assumir e
saber lidar com a diversidade existente entre os alunos; incentivar atividades de
enriquecimento cultural; desenvolver práticas investigativas; elaborar e executar
projetos para desenvolver conteúdos curriculares; utilizar novas metodologias, es-
tratégias e materiais de apoio.
Por outro lado, importa destacar que as dificuldades enfrentadas pelos pro-
fessores iniciantes não devem causar sentimentos de desconforto, e muito menos
de frustração, embora sejam levados a distintas reações diante da problemática,
que podem determinar comportamentos diversos, oscilando entre os extremos da
vitória e da derrota. Não basta aos professores fazer o convencional, é preciso ir
além, ser eclético, trabalhar a formação de valores, desenvolvimento de hábitos e
atitudes, entender a problemática dos alunos e acima de tudo adotar nova postu-
ra, afastada da tradicional.
Para evitar a repetição interminável do choque com a realidade, Esteve (1997)
recomenda substituir, durante a formação, os modelos de professores ideais por
análises de situações práticas de ensino, reportando-se ao complexo grupo de va-
riáveis que influem numa situação educativa, buscando sempre enfatizar a práti-
ca pedagógica. Na visão de Dornas (1997), a LDB, Lei número 9.394/96, fortalece a
posição do professor como centro das dificuldades e, ao mesmo tempo, solução do
problema educacional e recomenda a sua qualificação e permanente adaptação
aos tempos atuais. Hernández e Sancho (1989) observam que o professor deve
ter em sua bagagem uma formação que o habilite a relacionar teoria e prática,
ter recursos profissionais capazes de tornar rentáveis os seus esforços e, além
das tarefas de ensinar, ser capaz de se adaptar e ter flexibilidade diante de novas
situações em classe.
Para Vasconcelos (2000), além de possuir sólido conhecimento científico e
técnico, o professor deve ser capaz de analisar e perceber as necessidades e cir-
cunstâncias momentâneas em sala de aula, avaliar a sua própria ação didática

39
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

e, de modo especial, exercitar o pensamento crítico. Dar respostas aos alunos,


mesmo não havendo perguntas. Por último, há que destacar a ação do professor
no sentido da orientação e estímulo do aluno, ser um exemplo ao analisar, sis-
tematizar, criticar, interpretar e investigar, enfim, ter atitude científica, chave da
fidelização do aluno.

O ENSINO DA FÍSICA E SEUS OBJETIVOS


Conforme Cool (1999), os grandes objetivos do ensino da física são anteriores
à definição dos conteúdos e, necessariamente, relacionados com eles. Geralmente,
isto acontece ao contrário, e os grandes debates sobre o ensino ficam centraliza-
dos nos conteúdos e não na forma de ensiná-los. Ou são ensinados porque estão
nos programas estabelecidos a partir de relações apresentadas em livros, ainda
que nem sempre o professor participe da sua elaboração, ficando na condição
de mero difusor dos mesmos. Ainda, segundo o autor, para que a aprendizagem
se processe de forma monolítica, há que ser distinguidas diferentes dimensões,
onde em primeiro lugar está a aprendizagem de conceitos e princípios. Pesquisas
apontam esta dimensão como uma das preocupações das estratégias didáticas
atuais, e que tradicionalmente não encontrou preocupação com a sua aplicação
em novas situações.
Segue o pesquisador Cool (1999), dizendo que outro objetivo do ensino da físi-
ca inclui o desenvolvimento de habilidades intelectuais próprias para realizar um
conjunto de operações mentais na busca da interpretação da realidade que nos
cerca. O desenvolvimento de habilidades motoras aparece, também, como um dos
objetivos do ensino da física, na escola secundária. Por último, conclui dizendo que
a educação objetiva o desenvolvimento harmônico e completo das pessoas. Inclui
o pensamento crítico, o desenvolvimento afetivo e o da colaboração que levam ao
desenvolvimento de atitudes e valores, tarefa das mais difíceis do Sistema Educa-
cional. Acrescentamos nós, o ensino da física apresenta a dimensão ou tem o dever
de conferir à ciência uma visão atualizada, uma imagem da ciência hoje.
Claxton (1994) destaca a importância das ciências no mundo atual, dizen-
do que cada um dos nossos movimentos é conduzido por produtos da ciência,
a ponto de interferir no nascimento e na morte das pessoas. Nesta perspectiva,
é forçoso ressaltar a importância da formação dos interlocutores entre ciências
e sociedade e acentuar a sua importância. Na Inglaterra e Gales o estudo das
ciências na escola secundária obrigatória está no Currículo Nacional como uma
das três matérias mais importantes, juntamente com a matemática e o inglês. No
entanto, há perplexidade quanto à adesão dos jovens ao gosto pela física e sua
compreensão. Resultados de pesquisas revelam que a maioria dos jovens até 15

40
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

anos não sabe ler um simples manômetro, um cronômetro, termômetros clínicos


ou comprimentos a partir de réguas milimetradas. Entretanto, esses mesmos jo-
vens sabem tanto quanto, ou mais, que seus pais em relação ao funcionamento
de um celular, uma câmera fotográfica ou um forno micro-ondas. Parece que as
escolas fracassam no ensino dos fatos científicos mais elementares e lógicos. Não
há evidências bem definidas que o estudo da física leve os alunos a pensar mais
logicamente. Pesquisas mostram não haver diferenças sensíveis no raciocínio ló-
gico dos estudantes secundários de diferentes áreas do conhecimento. No ensino
da física, cabe destacar, também, o seu alcance e a utilidade social. Especialmente
nos países industrializados, ocorrem mudanças que acabam refletindo-se nos as-
pectos conceituais e procedimentos de ensino, conferindo novo sentido à educa-
ção escolar (PLATA CASAIS, 1998).
Por último, a relação de conteúdos, definidos a partir das diretrizes oficiais,
dos grandes objetivos do ensino da física, colaboração de professores especialistas,
reunidos em torno de disciplinas comuns, mais o uso de metodologias adequadas
na linha da motivação e participação do aluno, é que dão sustentação aos propó-
sitos mais pronunciados da física.

INTERVENÇÃO DIDÁTICA NO ENSINO DA FÍSICA


A didática das ciências trata da transposição, ou da forma como o conheci-
mento da física é reelaborado e disponibilizado ao nível intelectual dos alunos, de
forma a viabilizar a construção de elos duradouros entre este e o conhecimento
que os alunos podem construir. Normalmente, segundo Pilar Jiménez (1997), exis-
te pouca consciência dos professores em relação à transformação que um conte-
údo sofre ao ser apresentado aos alunos. Tendem a crer que está sendo ensinada
a ciência verdadeira. No entanto, sabe-se das grandes diferenças entre a física dos
físicos, a física ensinada e a física dos estudantes.
Claxton (1994) refere-se à desilusão dos estudantes frente à aprendizagem
das disciplinas científicas, por sua fragmentação, inutilidades de certos conteúdos,
falsificação da verdadeira ciência e, em especial, da pobreza metodológica que
não vincula os conteúdos ao mundo real do aluno, falta de contextualização. Del
Carmen (1997) entende a transposição didática como a construção do conhecimento
que vai ser incorporado pelo aluno. Considera dois modelos de ensino: o analítico
e o modelo holístico. O primeiro consiste em escolher determinado campo do co-
nhecimento e detalhá-lo para que possa ser levado ao aluno nas diferentes aulas
no decorrer de determinado período de tempo. Normalmente, o tempo de apren-
dizagem coincide com o da exposição da matéria. O holístico trata de assuntos
mais amplos onde modelos e teorias constituem núcleos que geram discussões

41
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

e debates. O tempo de aprendizagem estende-se por um período maior que o do


ensino, é mais duradouro. Uma vez concebida a ciência em contínua evolução, no
entender de Carrilo Yáñez (1998), o professor terá que estar atento e tomar deci-
sões coerentes sobre objetivos, conteúdos, o seu papel, papel dos alunos, metodo-
logias, avaliações etc. E o fará segundo suas crenças que definem o trabalho num
contexto complexo e incerto. Há uma relação importante entre o que pensam os
professores e o modo de realizar o trabalho.
A didática da física atua considerando uma prática reflexiva do aluno
sobre os conteúdos, em especial quando trata da resolução de problemas. Nes-
ta perspectiva, conforme Carrilo (1998), de modo particular nos Estados Unidos,
surgem vários pensadores, entre eles Zeichner que aborda o professor como pro-
fissional reflexivo e não como mero aplicador de critérios e repassador de con-
teúdos; Shulman, que trata o professor, em sua atuação, como responsável pela
definição dos conteúdos da matéria, e Schön, que se refere à reflexão sobre a ação.
Gil Pérez (1994), falando da contribuição da didática das ciências na formação dos
professores, cita Welch (1985), para mostrar que pesquisas desenvolvidas por mais
de uma década concluíram que os estudos de ciências centrados no professor
tinham resultados escassamente frutíferos, o que abre para a necessidade de se
construírem alternativas diferenciadas de ensino-aprendizagem.
Uma forma de ensino que obteve êxito na década de 80 é a que questio-
na o pensamento espontâneo dos alunos, enquanto portadores de ideias prévias
pouco coerentes com o entendimento das ciências. Permite, este estudo, eliminar
os graves erros que os alunos apresentam no seu período de formação. Gil Pérez
(1994) acentua a necessidade de romper com visões simplistas na formação de
professores de física, tomando o seu lugar o aprofundamento dos conteúdos, es-
pecialmente pela via da demonstração, veia básica do ensino experimental. Não
esquecer que o ensino tradicional constitui-se em bela alternativa na didática
das ciências, por ele a transmissão do conhecimento resulta em modelo coerente,
comprovadamente positivo e funcional até os dias de hoje. Em contrapartida, Do-
minguez (2000) vê a aprendizagem resultante deste método como essencialmente
memorística e entende que esta concepção baseada numa perspectiva positivista,
apresenta a física como uma matéria de respostas absolutas, sem contestações.
Outra estratégia de ensino é a baseada na investigação. Consiste em criar situa-
ções-problema que despertem o interesse dos alunos para solução via aplicação
do método científico, levando-os a tomar decisões fundamentadas.
Vê-se que a didática específica da ciência experimental emerge como disci-
plina diferenciada da didática geral, caracterizando uma problemática própria,
onde a questão trata da interação básica: professor/aluno/matéria a ensinar. Fa-

42
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

cilita respostas às clássicas perguntas: o que ensinar? Quando ensinar? Como en-
sinar? Como avaliar os resultados? Hoje, diferentemente do que acontecia há 50
anos, a política educativa considera o ensino da ciência como algo mais socializa-
do, mais ao alcance de toda a população da escola secundária, mais adequado à
diversidade de interesses e possibilidades dos alunos e, planificado, considerando
uma sociedade democrática e altamente tecnificada.
Em resumo, pode-se dizer que a didática da ciência planifica o seu ensino a
grupos ou indivíduos de estilos diferentes e pesquisa os problemas que dele deri-
vam. O seu campo específico de atuação refere-se à formação de professores. Em
determinados países europeus, como é o caso da Espanha, há grande avanço na pes-
quisa em didática específica, juntamente com o que acontece nos campos das Ciên-
cias Sociais, Psicologia, Sociologia e outras, viabilizando desta forma a descoberta e
construção de modelos próprios, eliminando marcos teóricos fragmentados.

MARCO EMPÍRICO – PROFESSORES EM ATIVIDADE NO ENSINO MÉDIO


Para estabelecer uma aproximação às considerações delineadas no ensaio
teórico, buscamos junto a professores de física formados em duas universidades
da Região Metropolitana de Porto Alegre opiniões que permitem construir uma es-
trutura empírica em torno do assunto em tela. Esses professores exercem a docên-
cia em escolas do ensino médio, estaduais ou privadas, de Porto Alegre e, conforme
Carl Sagan (1998), “é muito melhor compreender o universo como ele é realmente
do que imaginar um universo como gostaríamos que ele fosse”.

CARACTERIZAÇÕES DA AMOSTRA
A relação formação de professores & ensino da física, apresentada no estudo
teórico, é enriquecida a partir de informações recolhidas com o uso de um ques-
tionário aplicado a 44 professores de física, com atividade em escolas do ensino
médio da Região Metropolitana de Porto Alegre. Esta representação equivale ao
percentual aproximado de 30% dos professores em atividade, formados na década
de 1990 nas duas escolas de procedência local. As variáveis que compõem o ins-
trumento procuram valorizar a prática profissional dos professores, voltada à sua
formação na universidade. Tratam da estrutura do curso, organização acadêmi-
co-administrativa, processos de ensino e aprendizagem e prática avaliativa, entre
outros. Na amostragem, 56,8% dos professores são do sexo masculino, e 43,2% do
sexo feminino, sendo que 68,2% deles têm idade entre 30 e 49 anos, o que sugere
um período razoável de inserção no Sistema Educacional.

43
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

RESULTADOS ALCANÇADOS
Uma tabela, com as médias das variáveis qualitativas, como medida de ten-
dência central (Média), o desvio padrão (DP), como medida de dispersão, e o coefi-
ciente de variação (CV ou desvio padrão/média), como medida de dispersão relativa
ao valor médio, expressa os resultados alcançados. Na aquisição das informações
adotou-se um conjunto de equivalências que representa a intensidade percebida
em relação às variáveis do questionário. Assim, na Tabela 1 temos: Nada satisfató-
rio: 1; Pouco satisfatório: 2; Regular: 3; Satisfatório: 4; e Plenamente satisfatório: 5.
Tabela 1. Valorização da prática profissional e formação recebida.

Ordem Itens n Média DP CV

01 Competência didática para o ensino da física 44 4,20 0,59 14,1%

02 Relacionamento com membros da 44 4,16 0,71 17,2%


comunidade escolar

03 Conhecimento científico da física que julga 44 4,00 0,53 13,2%


possuir

04 Habilidade na administração escolar 44 3,80 0,76 20,2%

05 Relacionamento com os estudantes em sala 44 3,70 0,70 18,9%


de aula

06 Participação no planejamento do currículo 44 3,55 0,82 23,1%


escolar

07 Participação na organização do calendário 44 3,48 0,88 25,2%


escolar

08 Possibilidades para inovações educativas 44 3,43 0,93 27,0%

09 Condições de trabalho na docência 44 3,39 0,89 26,4%

10 Aprendizagem dos estudantes. Compreensão 44 3,25 0,81 24,9%


da física

11 Rendimento escolar dos estudantes 44 3,16 0,75 23,6%

12 Disponibilidade de recursos materiais e 44 3,14 0,90 28,8%


humanos

13 Sistema educativo de modo geral 44 3,05 0,81 26,5%

14 Conduta dos estudantes (disciplina) em sala 44 2,82 1,08 38,5%


de aula

15 Motivação dos estudantes pelo estudo da 44 2,70 0,88 32,5%


física

Média Geral do Bloco II 44 3,46 0,46 13,3%

44
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O item de maior destaque é o que trata da competência didática para ensi-
nar física. Alcançou média 4,20, no intervalo de validade [1 a 5]. O elevado escore
é muito provável que esteja relacionado à experiência dos professores já alcan-
çada em atividades de ensino e, quem sabe, à falta de despojamento, ainda que
inconsciente, para opinar realisticamente. O relacionamento com os membros da
comunidade escolar e conhecimento científico da física também aparecem em
destaque, ambos com média de satisfação superior a 4,00. Em relação ao conhe-
cimento científico da física que julga possuir, vale a observação feita para o item,
competência didática. Um Professor diria que não conhece física, ou não conhece
suficientemente? Entretanto, consideramos as perguntas pertinentes, dada a im-
portância que apresentam no contexto do exercício da docência.
Com pontuação abaixo do valor central do intervalo considerado, aparece a
conduta dos estudantes (comportamento em sala de aula) e motivação ao estudo
da física. Preocupante, mas não surpreendente, pois, o comportamento atual dos
jovens, de modo especial quando em grupos, o contexto social, o nível cultural da
sociedade, de modo geral, as relações com o mercado de trabalho e outras variá-
veis do gênero não apontam para momentos de alento. Ao contrário, a violência
crescente, a falta de perspectivas profissionais e o desrespeito às pessoas parecem
não ter fim. Certamente a falta de motivação para o estudo da física tem origem
no histórico educacional do aluno, que não percebe a importância da mesma em
sua vida. Provavelmente nunca lhes foi mostrado ou dito que o desenvolvimento
de uma nação passa pelo domínio da ciência e que ela em muito pode contribuir
para a sua realização profissional. Mesmo que os professores tenham apontado
que a conduta dos estudantes não é boa, há que destacar que o seu relacionamen-
to com eles, em sala de aula foi positivamente avaliado, alcançando média 3,70.
Ver item 5 da tabela.
Houve preocupação em destacar somente os itens de maior evidência, nas
partes superiores e inferiores da tabela. As assertivas intermediárias, com médias
próximas ao valor central do intervalo, como compreensão da física, condições de
trabalho, rendimento escolar e outras, não estão sendo comentadas. Dessa forma,
entendemos que a consulta feita aos professores em atividade nas escolas acres-
centa informações de maneira fática ao texto teórico produzido, além de aproxi-
mar mais as questões ligadas à formação do professor e as questões próprias do
fazer pedagógico.

45
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

REFERÊNCIAS
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_______. Parecer CNE/CP nº 9. Aprovado em 08/05/2001.

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46
A CONSTITUIÇÃO DA MOTIVAÇÃO NO TRABALHO DOCENTE

Bettina Steren dos Santos1


Denise Dalpiaz Antunes2
Jussara Bernardi3

A sociedade contemporânea impõe aos indivíduos uma grande ca-


pacidade de adaptação. Isso faz com que um professor, ao chegar
à sala de aula, depare-se com um universo de desafios, obrigando-o a assumir
responsabilidades advindas de todo o contexto social. Por um lado, a demanda de
conhecimentos necessários ao exercício da profissão e a exigência pedagógica que
impõe um conjunto de saberes a serem construídos pelos alunos. Por outro lado,
os alunos que por sua vez, estão pouco interessados no que o educador tem a lhes
oferecer e exigem propostas pedagógicas diferenciadas.
Ao considerar este panorama educativo, percebe-se uma infinidade de
elementos que tencionam a profissão docente, tais como: a desmotivação em
sua práxis diária por motivos pessoais, a elevada taxa de desemprego que obri-
ga profissionais insatisfeitos a permanecerem na profissão, um contexto de en-
sino que lhe remete ao mal-estar pelas interações estabelecidas com os colegas
de profissão, com os educandos, ou mesmo com a equipe diretiva e pedagógica,
entre outros. Esses são fatores interferem no mal-estar docente, segundo estu-
dos de Esteve (2004).
Sendo assim, faz-se necessário que as instituições de ensino tracem metas
que proporcionem e priorizem a formação continuada dos integrantes do grupo

1
Doutora em Psicologia da Educação pela Universidade de Barcelona. Professora da Faculdade de Educação
da PUCRS. Coordenadora do grupo de pesquisa Processos Motivacionais em Contextos Educativos.
2
Doutoranda em Educação pela PUCRS, Mestre em Educação pela PUCRS, Especialista em Educação In-
fantil, Licenciada em Educação Física, Docente convidada na Especialização em Psicopedagogia –PUCRS,
Professora da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre.
3
Mestre em Educação (PUCRS), Especialista em Educação Infantil (FAPA), Licenciada em Matemática
(UFRGS), Docente convidada no curso de Especialização em Psicopedagogia da PUCRS e professora na
Rede Municipal de Educação de Porto Alegre.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

de trabalho escolar. Os educadores precisam buscar alternativas pessoais que lhes


proporcionem um caminho à autorrealização. Nesse processo, o autoconhecimen-
to os leva à consciência de suas características, que, por sua vez, ressaltam-lhes o
autoconceito, resultado de uma autoestima e uma autoimagem bem estruturadas.
Se o professor estiver ciente de suas qualidades, potencialidades e necessidades,
ele se torna capaz de estabelecer metas e de traçar objetivos pessoais e profissio-
nais, pelos quais constituirá possível elevação no seu nível de motivação.

O PROFISSIONAL DOCENTE
Desvelar a figura do professor perpassa além das esferas institucionais, é
preciso retomar a função social e educacional do mesmo. Ao referir-se ao desen-
volvimento profissional dos professores, elencam-se a formação inicial (acadêmi-
ca), a formação no exercício da profissão, as novas competências dos professores
do século XXI, a importância do trabalho cooperativo em equipe e a formação
numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida.
Esse indivíduo professor, não está distante das influências familiares e so-
ciais carregadas por toda uma vida, ele resgata, indubitavelmente, o concreto dos
espaços por ele próprio vivenciados; ser educador revela o ser humano em todas
as suas construções e ações, configurando seus saberes.
Antunes (2007, p. 38) salienta:
O educador, em qualquer instância ou representação de ensino formal,
representa um ser humano ímpar em subjetividades, inter-relações e constru-
ções de saberes. Sempre em desenvolvimento, compõe em si valores, hábitos,
concepções e ações educativas que o identificam como tal.

Mesmo sem perceber conscientemente, cada professor vai, na sua trajetória,


internalizando conceitos e atitudes, que mais tarde revelar-se-ão em sua práxis
docente. Todas as aprendizagens que irão edificar seu ofício de professor será o
resultado das relações sociais, que desde a infância, na família, nas instituições
educativas, ou ainda, nos ambientes culturais, o constituirão. Nóvoa (1999, p. 16)
afirma que “a natureza do saber pedagógico e a relação dos professores ao saber
constituem um capítulo central da história da profissão docente”.
Todavia, é preciso constituir-se autônomo em sua trajetória, para que a sua
docência também seja portadora de identidade pessoal. Ou seja, é necessário ter
consciência de uma perspectiva subjetiva, que o torne ímpar em suas ações pe-
dagógicas e um constante aprendiz em seus saberes. Sem deixar de perceber qual
seu verdadeiro papel social, quem realmente representa frente às realizações so-
cioculturais e qual sua contribuição no dia a dia do educando.

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João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

A principal diferença profissional de cada educador se manifestará na retro-


alimentação que surge a partir da reflexão realizada pelo docente. Ou seja, pensar
em seu fazer pedagógico é avaliar sua prática e reconstruir suas ações educativas
de forma autônoma. Nesta crítica pessoal, o professor retoma seus saberes cons-
truídos, sejam eles familiares, acadêmicos ou socioculturais, modificando a sua
prática diária na sala de aula. Estes saberes revelam-se constitutivos na própria
história de vida do educador.
Mosquera e Stobäus (2006, p. 95) afirmam que “muitos são os problemas, de
natureza matrimonial, profissional ou econômica, que fazem com que as pessoas
possam ter suas crises existenciais. [...] nos evidenciam que estamos eternamente
começando nossas vidas e reestruturando nossas relações”.
Também cabe ressaltar que refletir na ação, contrapondo aos saberes antes
fundamentados, refere-se aos critérios e juízos do professor enquanto profissional
e atuante em sua prática educativa. A experiência vivida, salienta Tardif (2002), é
a base das ações pedagógicas do professor.
A aprendizagem própria, concreta, assumida pessoalmente, seja ela numa
relação dentro do ambiente educativo, ou não, contribui na configuração de sabe-
res da experiência, emanada pela temporalidade. Por isso, os saberes constituídos
nas vivências interpessoais e nas práticas educativas são fundamentais nas ações
dos docentes ao enfrentar situações problemas que porventura surjam. É o con-
junto de saberes únicos de cada professor que fundamentará o seu ato de ensinar,
revelando o ser humano que é.
Neste sentido, o ato pedagógico que advém do real contexto educativo e so-
cial, revela-se, evidentemente, na identidade pessoal e profissional. Essas andam
juntas com o próprio trabalho docente contribuindo para a aprendizagem de no-
vos saberes. Para Tardif (2002, p. 52): “o tempo de aprendizagem do trabalho con-
funde-se muitas vezes com o tempo da vida”.
Afirma-se que os saberes tão necessários à multiplicidade de situações en-
contradas no dia a dia da sala de aula são construídos pelos saberes do ser, do
conhecer e do ensinar. Por isso, ser educador é também ser sujeito único em carac-
terísticas de pessoa humana que está sempre em desenvolvimento e que se torna
singular na ação educativa.
Neste caminho, um professor também deve querer aprender enquanto en-
sina. Deve ser um líder disposto a reconhecer e a compartilhar incertezas e erros
próprios, no sentido de conhecer-se a si mesmo; em busca do autoconhecimento.
Ou seja, vivenciar momentos que possam renovar ações educativas com ideias
próprias e conscientes.

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Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Portal (2006, p. 116) corrobora que a nós professores cabe investir nos proces-
sos de autoconhecimento e autodesenvolvimento que implica responsabilizarmos
pelo projeto do nosso crescimento, tornando-nos sujeitos/agentes transformado-
res, criadores e diretores do nosso próprio projeto de vida.
A responsabilidade de ser professor, a diversidade de papéis sociais assumi-
dos, as precárias condições de trabalho, a dificuldade de manter relações pessoais
saudáveis em ambientes educativos, muitas vezes hostis, geram, entre outros fato-
res, mal-estar docente e desmotivação. Assim, torna-se necessário um novo olhar
sobre a figura do professor, a partir de uma análise crítica dessa realidade e que
possibilite estabelecer ações que evidenciem a construção do bem-estar docente.
A começar por um caminho de afetividade, de uma personalidade saudável.
Um outro aspecto fundamental para o bem-estar do professor refere-se à au-
torrealização pessoal e profissional. Mosquera e Stobäus (2006) sugerem a busca
pela autorrealização como possibilidade docente de personalidade saudável. Para
esses autores, “autorrealização pressupõe chegar a ser alguém ou realizar algo
que seja importante para nossa própria vida ou a dos demais” (p. 99). Para isso, a
formação docente inicial e continuada precisa ser condizente com as tantas ad-
versidades e diversidades pessoais.
Não obstante a todas essas circunstâncias sociais e pessoais, está a própria
ação docente que necessita estar ligada à construção histórica educacional, refle-
tindo-a no papel do educador, mas calcadas nas experiências desse profissional.
Sabendo-se que, nessas vivências de ensino, estão imbricados os paradigmas e as
concepções que acabam por nortear cada pessoa enquanto educador.

A SUBJETIVIDADE DOCENTE
O espaço escolar é um ambiente de representações sociais, lugar para o es-
tabelecimento de interações entre as pessoas, mas, acima de tudo, constitui-se
num marco de relações sociais e de trocas afetivas e cognitivas, com importan-
tes e decisivas transformações pessoais. Essas relações de interpessoalidades são
constituídas nas e pelas interações de indivíduos entre si, através das atividades
diversificadas compartilhadas no cotidiano.
Vygostsky (1989) afirma que cada sujeito não é apenas ativo, mas interativo,
construindo conhecimentos a partir de relações intra e interpessoais. É na troca
com os outros e na intrapessoalidade, que internalizamos informações, papéis e
funções sociais. Trata-se de um processo do nível social, via relações interpessoais
ao nível individual, das relações intrapessoais.
O início das relações interpessoais ocorre no ambiente familiar e se prolonga
ao longo da vida, desde a infância e as primeiras aprendizagens escolares. Nos di-

50
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

ferentes espaços de desenvolvimento humano caracterizados pela família, escola


e sociedade, as relações são ampliadas e modificadas. Ao considerar a influência
destes diferentes contextos para o estabelecimento de novas relações interpesso-
ais, pode-se dizer que os processos de intercâmbios sociais e familiares anteriores
podem funcionar de diferentes formas, tanto como inibidores ou como facilitado-
res no processo de desenvolvimento afetivo-intelectual.
Nesse amplo aspecto de construções pessoais em desenvolvimento humano,
estão a autoimagem e a autoestima correlacionadas. Onde uma revela a outra em
identificações e percepções, mas, acima de tudo, por suas internalizações. A autoi-
magem acaba por configurar e representar o que está estabelecido na autoestima.
E a autoestima, nesse mesmo sentido, é internalizada pelo que a autoimagem
percebe e constrói em ações sociais.
Contudo, a dimensão afetiva, configurada pelas emoções e sentimentos,
oculta uma ligação particular com as vivências do indivíduo. Dessa maneira, a
dimensão afetiva não é geneticamente determinada, pois a pessoa não nasce com
uma autoimagem e uma autoestima formadas, estas são constituídas em intera-
ções no contexto em que vive. São emergentes das interações que o ser humano
estabelece com o meio, apresentando variações perante acontecimentos fisiológi-
cos ou psíquicos, diz Bernardi (2006).
Neste sentido de amplitude e processo de construções pessoais e desenvol-
vimento, procura-se especificar o caminho de edificação da própria imagem cor-
poral que durante o desenvolvimento integral do ser humano, aponta ao próprio
desenvolvimento corporal e motor, por onde a pessoa precisa internalizar deter-
minadas construções, as quais constituirão, a partir de experiências sociais, suas
imagens corporais. Nisso, Mosquera (1987, p. 52) salienta que “o desenvolvimento
da autoimagem acontece através de um processo contínuo que está determinado
pela vida individual e que se estrutura na ação social”.
Assim, os aspectos socioafetivos vivenciados pelo indivíduo ao longo da sua
vida contribuem para a constituição da autoimagem que ocorre de forma dinâmi-
ca. Segundo Mosquera (1984; 1987), a autoimagem é a visão que o indivíduo possui
a respeito de si, a maneira como a pessoa se percebe, o quadro que a pessoa faz de
si. A autoimagem caracteriza-se em uma fotografia que nasce do que nos dizem,
depois decorre do autorreconhecimento, conectadas diretamente, desenvolvendo-
se a partir de como dizem que somos, depois de nossas aprendizagens no contato
com o contexto, sofrendo intensa influência com e nas experiências no meio.
As construções corporais, que advêm de relações sociais, irão conferir expe-
riências mentais e poderão apontar o início de cada movimento, bem como ha-
bilidades e capacidades sinestésicas. Assim como, as experiências corporais que

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Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

se efetivarem na infância representarão uma única e pessoal imagem corporal.


Distintas construções corporais, a partir de diferentes exercícios práticos motores,
refletirão em uma autoimagem também, única, pessoal.
Este processo de aprendizagem do modelo corporal revela-se, pois, em sines-
tesias. Ou seja, em sensações corporais e estímulos produzidos por uma parte do
corpo e percebidos por outra, quando nos referimos às construções cerebrais do
modelo corporal. Contudo, essas sensações e percepções serão internalizadas e
revelar-se-ão através da autoimagem em cada ser humano.
Da imagem corporal aponta-se o próprio conhecimento corporal e suas atu-
ações. Schilder (1999, p. 241) complementa: “Um corpo é sempre o corpo de uma
personalidade, e a personalidade possui emoções, sentimentos, tendências, moti-
vos e pensamentos”. Nisso vê-se que, no desenvolvimento da personalidade, todas
as experiências sociais e culturais, de modo extrínseco, convertem-se em modelos
que se fazem constituir intrinsecamente.
No mesmo sentido desses referenciais, Polaino Lorente (2004, p. 20) também
define a autoestima como “a avaliação que o indivíduo realiza e cotidianamente
mantém a respeito de si mesmo, que se expressa em uma atitude de aprovação ou
desaprovação e indica à medida que o indivíduo crê ser capaz, significativo, exito-
so e valioso”. Com efeito, se o docente realiza uma avaliação positiva de si mesmo,
pode-se dizer que esse possui um bom nível de autoestima, sentindo-se capacita-
do para desenvolver suas atribuições, valorizado pelos seus pares e motivado para
o exercício da profissão.
Maslow (s.d.) pressupõe que todo o ser humano possui certas satisfações
que, segundo ele, seriam as necessidades básicas que variam, na sua intensidade,
de pessoa para pessoa e que independem culturalmente. Segundo o ideário de
Maslow, essas necessidades podem ser classificadas e hierarquizadas em: necessi-
dades fisiológicas (fome, sede, sono, oxigênio); necessidades de segurança (prote-
ção); necessidades de amor (afeição, laços afetivos com os demais); necessidades
de estima (autoestima e o respeito por parte dos outros); necessidades de autorre-
alização (realizar talentos, potenciais e capacidades).
A necessidade de estima conduz o ser humano a buscar a valorização e o
reconhecimento por parte dos outros a sua volta. Quando essa necessidade é sa-
tisfeita aparecem sentimentos de acolhimento, de confiança e de autovalor. Em
caso contrário, originam-se sentimentos de inferioridade, de desamparo e de inca-
pacidade. Nessa perspectiva, a autoestima refere-se à valorização que uma pessoa
tem de si mesmo, a crença acerca do próprio valor, originando certos sentimentos
acerca de um mesmo e, através deles, do próprio conceito pessoal, dos outros e do

52
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

mundo. Segundo Polaino Lorente (2004, p. 21), “a autoestima não é outra coisa que
a estimação de si mesmo, o modo como a pessoa se ama a si mesma”.
Outra definição de autoestima também apresentada por Polaino Lorente
(2004) se refere ao termo autoconceito, sustentando que a pessoa constrói teorias
acerca de si mesmo e do mundo, as quais servirão de embasamento para situa-
ções da realidade. A construção do autoconceito parece ser uma função das expe-
riências adquiridas na solução de problemas, configurando-se num instrumento
de integração e adaptação, cuja finalidade é manter a estabilidade da autoestima.
Por isso, para a maioria das pessoas, o autoconceito desempenha um papel deter-
minante no nível de autoestima.
Assim, o autoconceito que o ser humano vai construindo ao longo de sua
vida está diretamente relacionado com a aquisição e a manutenção de uma au-
toestima positiva, sendo essa indispensável ao desenvolvimento psicológico. De
certo modo, a autoestima é tida como a avaliação afetiva do autoconceito, ou seja,
como a pessoa se avalia em relação às características que se autoatribui, diferen-
ciando-se em função do aspecto de maior ou menor nível de autoestima: uma
pessoa com uma autoestima elevada valoriza-se, sentindo-se bem consigo mes-
ma, enquanto que uma pessoa com baixa autoestima tende a pouco valorizar-se
e sente-se mal consigo mesma.
A construção de um autoconceito representa as ações sociais que se edifica-
ram em construções internalizadas de autoimagem e autoestima. Essas constru-
ções, por serem tão individualizadas, revelam as diferenças de cada ser humano.
Ou seja, as vivências sociais determinam a construção do ser humano em cada
pessoa. Com isso, a autoimagem e autoestima podem não representar o ser real, e,
sim, o que é percebido do social em cada um e por cada um individualmente.
Sob o ponto de vista educacional, a existência de um autoconceito docente
está associada à representação que o professor tem de si mesmo como aprendiz e
como ensinante, como indivíduo instituído de capacidades e habilidades disponí-
veis para enfrentar os desafios do cotidiano e da profissão. Mosquera (1987, p. 53)
releva que “a importância de autoimagem e da autoestima decorre, efetivamente,
das possibilidades qualitativas da experiência e da construção de mundos ideoló-
gicos, que dão sentido à personalidade humana, nas diferentes etapas da vida”.
A maneira como o professor percebe os acontecimentos em si mesmos e a
crença acerca de suas competências profissionais, pessoais e interpessoais permi-
tem um autoconhecimento. Se o docente possuir um bom nível de autoconheci-
mento, ele se torna capaz de identificar os seus pensamentos, atitudes, expectati-
vas e atribuições, tentando orientar o seu funcionamento no sentido de um maior
bem-estar e realização profissional.

53
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

DEFININDO PROCESSOS MOTIVACIONAIS


A motivação é definida como um processo que está associado diretamente
ao comportamento humano. Com base nos estudos de Huertas (2001), motivação
é entendida como um processo que precede a ação humana, por vezes intrínse-
co, quando objetiva um resultado, ou seja, o valor da ação está condicionado a
esse resultado. Outras vezes é extrínseco, cujo objetivo é a própria ação e cujo
resultado é visto como consequência natural secundária. Neste último, o sucesso
é sempre esperado, mas, em caso de fracasso, a tentativa terá sido válida como
vivência e interação das pessoas com o meio. É muito provável que essas últimas
colaborem no desenvolvimento das primeiras, através dos significados atribuídos
em cada relação motivacional.
Contudo, o processo motivacional possui relações com a origem dos motivos
que precedem uma meta e a consciência que se tem sobre eles. Em cada situação
em que um indivíduo atuar, estará implícita uma meta, que poderá se referir às
mais diferentes intenções individuais, como, por exemplo, um incremento na sua
formação profissional, o alcance de algo desejável na sua vida pessoal ou afetiva,
entre outros. As metas, nesse sentido, podem caracterizar-se como afetivas, cog-
nitivas, de relações pessoais, de organização subjetiva ou mesmo relacionadas à
própria tarefa à qual se destinam.
Pode-se dizer que a motivação é o processo no qual os motivos são origi-
nados. Motivos são agrupamentos de metas e desejos, próprios de determinadas
atividades sociais. Conforme Huertas (2001), os motivos sociais são, no indivíduo,
grandes tendências de ação, guias motivacionais profundos que se referem a mo-
dos de comportar-se e de desejar, ativados em contextos sociais determinados,
como os relacionados com a eficiência pessoal, o efeito interpessoal e a influência
social. Atualmente, volta-se a utilizar motivos, para explicar que as atividades so-
ciais costumam gerar no sujeito a formação de categorias e metas que ativam e
direcionam a ação.
De acordo com esse posicionamento, a motivação docente incorpora o con-
ceito de metas e objetivos. Huertas (2001) certifica que a motivação depende muito
mais do tipo de metas estabelecidas e com que regularidade são implementadas,
do que do tipo de atribuições que se faça. Especificamente, ao propor uma deter-
minada atividade pedagógica, a motivação docente para realizá-la está relaciona-
da com as crenças e as diferentes metas que orientam sua ação.
O processo motivacional se desenvolve quando o indivíduo encontra mo-
tivos/significados, diz Huertas (2001). Por isso, faz-se necessário, conhecer as
causas e os motivos que levam as pessoas a perseguirem seus objetivos. No am-

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João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

biente educativo é preciso, sempre, procurar motivos externos que provoquem


e ativem a ação docente.
Nessa perspectiva, torna-se imprescindível a promoção de espaços de encon-
tro do coletivo dos professores, de maneira que esses possam vivenciar atividades
que tornem perceptíveis seus motivos pessoais, suas crenças sobre as capacidades
pessoais, seus anseios e suas virtudes. Um trabalho cooperativo pode ser uma es-
tratégia de desenvolvimento da motivação docente na medida em que contribui
para o estabelecimento de relações sociais compartilhadas.
Da mesma forma, atividades interativas que proporcionem o autoconheci-
mento, desenvolvam a autoimagem, a autoestima e a motivação, ao passo que as
relações interpessoais estabelecidas no ambiente de trabalho, favoreçam a cons-
trução da autoimagem e autoestima, salientando que o social é um dos indicado-
res do real autoconceito.

A MOTIVAÇÃO NO TRABALHO DOCENTE


Nos dias atuais, um dos temas mais discutidos nas instituições educativas,
refere-se à falta de motivação, tanto dos estudantes como dos próprios profes-
sores. Esse fato tem desencadeado o desenvolvimento de inúmeras pesquisas
científicas e trabalhos que visam um aprofundamento maior sobre esta temática,
trazendo à tona elementos que possam contribuir para uma prática pedagógica
motivadora nos ambientes educacionais.
Pesquisas destacadas por Santos, Antunes e Bernardi (2008) analisam e des-
crevem aspectos da motivação docente, dentro do contexto pedagógico, diagnos-
ticando níveis de motivação e promovendo oficinas de autoconhecimento, abor-
dando elementos relacionados à prática pedagógica, à motivação, ao mal-estar
docente, à autoimagem e autoestima e ao trabalho cooperativo.
Esses estudos elencam concepções iniciais que os docentes trazem sobre o
tema motivação, apontando como certezas que a motivação é essencial para a
vida do ser humano, que é interna e está relacionada com os objetivos da vida
(metas). Entretanto, os docentes manifestam dúvidas, em relação a como motivar
os seus alunos, ou seja, procuram por um método que desenvolva a motivação dos
mesmos. Com essas ideias, revelou-se a necessidade de vivências individuais e em
grupo, constituídas de momentos que valorizem a pessoa do professor e favore-
çam o desenvolvimento da sua motivação.
Outro elemento abordado no estudo abrange as relações entre mal-estar
docente e motivação, revelando que os docentes apresentam um alto índice de
mal-estar profissional, aspectos já estudados por Esteve (2004) e Jesus (2007).
Constatou-se que essa situação levou os docentes à busca por soluções simplistas

55
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

e eficazes para serem aplicadas na sala de aula. Ao tratar o tema mal-estar na


docência, não se pode esquecer ligações entre momentos históricos, políticos e
vivências pessoais, pois podem propiciar maiores explicações sobre dinâmica e
níveis de causas finais desse mal-estar. Crê-se que todos os docentes estão mais
cientes da necessidade de conhecer melhor sua realidade social e seu próprio de-
senvolvimento pessoal. A participação nas oficinas de autoconhecimento propi-
ciou reflexões sobre esses aspectos do mal-estar. Ao vivenciarem atividades em
grupo, novas formas de perceber-se foram experimentadas pelos participantes,
promovendo aspectos de bem-estar e motivação.
Também consideram-se fundamentais as relações entre a autoimagem, au-
toestima e motivação, consequência de relações, tanto interpessoais como intra-
pessoais, estabelecidas ao longo de sua existência com as pessoas que interagem
nos diferentes ambientes: a família, a escola e a sociedade. Nas oficinas de autoco-
nhecimento realizadas pelo grupo de pesquisa de Santos et al. (2008), os docentes
apresentam, inicialmente, dificuldade de interagir com os colegas de profissão,
bem como de refletir e expor suas ideias perante o grupo. Este espaço interativo
proporcionado promoveu um maior autoconhecimento e uma nova percepção em
relação aos colegas de trabalho, inexistentes previamente. Dessa forma, acredita-
se que as relações interpessoais, no ambiente de trabalho, favorecem a constru-
ção da autoimagem e autoestima, já que o social é um dos indicadores do real
autoconceito, um quadro-síntese que a pessoa faz de si, ou seja, a visão que tem
a respeito de si mesmo.
A cooperação para a motivação na profissão foi o último aspecto abordado
no estudo, destacado a partir da realização das oficinas de autoconhecimento.
Percebe-se que os docentes apresentaram dificuldades em realizar um trabalho
cooperativo, manifestando incompatibilidades em atuar conjuntamente com co-
legas, sem chegar a um consenso para concluir tarefas propostas e, consequen-
temente, a concepções de cooperação. Entende-se que a prática de trabalhos
cooperativos, configura-se como referência a novos ambientes de integração,
criatividade, ludicidade e inclusão, acima de tudo, negociador e motivador. Criar
oportunidades que possam proporcionar novos conhecimentos através de mo-
mentos agradáveis e saudáveis, contribuir para novas relações sociais comparti-
lhadas, transformadas e transformadoras.
Compor práticas pedagógicas motivacionais a partir de trabalhos cooperativos
não apresenta fórmulas especiais, tampouco, receitas prontas para um eficaz pro-
cesso educativo. Mas, compreende a consciência de que se podem compor apren-
dizagens significativas também de modo cooperativo, reconhecendo as inúmeras

56
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

possibilidades de participar de forma ativa, em cada prática pedagógica, propondo


participação e inclusão de todos, e ainda, com mudanças simples e processuais das
regras e estruturas, bem como de cada tarefa, ou em cada processo de ensino.

VISÃO PROSPECTIVA
Ser professor, face a tantas exigências políticas, sociais e profissionais que
são impostas no exercício da profissão, requer uma diversidade de saberes que vão
muito além de uma formação acadêmica. O exercício da docência no panorama
educacional da atualidade requer uma gama de qualidades pessoais e interpesso-
ais que possam contribuir para uma prática de ensino personalizada, motivadora
e sucessora, que só a formação continuada pode compor e, contudo, ainda não é
efetiva, em grande parte das instituições educativas.
O enfrentamento de novas funções e de inúmeras responsabilidades, repre-
sentando uma sobrecarga de trabalho, provoca o esgotamento e, consequente-
mente, a desmotivação. Por isso, torna-se compreensível que muitos docentes
se sintam desmotivados e pouco comprometidos com o seu fazer pedagógico. A
partir de pesquisas desenvolvidas, percebem-se a necessidade e a importância
da realização de um trabalho voltado aos aspectos relacionados à subjetividade
docente/discente. Nesse sentido, ainda entende-se que o campo de investigação
precisa ser ampliado, com vistas a proporcionar formação continuada docente,
para conscientizá-los da relevância da motivação e bem-estar.
Proporcionar um trabalho de formação docente continuada, orientado
para a valorização de um conjunto de qualidades pessoais e interpessoais,
traduz um modelo relacional (JESUS, 2004). O mundo de relações constituídas
entre professores, seus pares e alunos é um aspecto de grande importância na
educação da atualidade.
Segundo Jesus (2004, p. 45):
A formação contínua enquadrada no modelo relacional deve constituir
fundamentalmente uma oportunidade para o trabalho em equipe, em clima
de autenticidade e de cooperação por parte dos professores participantes nas
ações de formação, orientado para a resolução de problemas comuns, para
além do desenvolvimento de competências profissionais relevantes para essa
resolução, de acordo com o tema e os objectivos de cada ação.

O trabalho cooperativo entre os professores exige que os mesmos estejam


abertos para aceitar e desenvolver as ideias dos colegas, reconhecendo a sua im-
portância. No entanto, trabalhar cooperativamente pode representar uma cami-
nhada um tanto árida se o entendimento de cooperação por parte do educador
não estiver internalizado e as práticas pedagógicas estiverem arraigadas em con-

57
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

cepções competitivas, que apontem sempre a um vencedor, não importando de


que forma isso aconteça.
O trabalho realizado em equipe na busca de possíveis soluções para situa-
ções-problema comuns do ambiente educativo pode representar uma alternativa
de valorização profissional. Da mesma forma, a promoção de espaços interativos
entre os docentes que proporcionem um autoconhecimento pode contribuir para
a construção da autoeficácia, da autoconfiança e da valorização de certas caracte-
rísticas pessoais perante o grupo.
Uma formação continuada voltada para o desenvolvimento de concepções
realistas sobre as qualidades pessoais e profissionais, além de proporcionar a sa-
tisfação e o bem-estar profissional do docente promove uma elevação no seu nível
de motivação. Conforme Jesus (2004, p. 50), “a motivação do professor é funda-
mental para que possa superar as dificuldades com que se confronta e realizar-se
profissionalmente, mas deve ser consoante com os resultados que efetivamente
consegue alcançar”.
Embora não existam receitas universais ou métodos infalíveis para o
combate do mal-estar e da desmotivação docentes, as oficinas de autoconhe-
cimento podem representar uma estratégia de ação daquilo que pode ser feito
em termos de formação contínua de professores, a qual fundamentalmente,
deve procurar contribuir para o desenvolvimento, a aprendizagem e a realiza-
ção profissional dos professores.
De acordo com Jesus (2004, p. 44):
A prevenção de muitas situações passa pela formação de professores, no
sentido desta contribuir para que a prática profissional seja experienciada com
satisfação e autoconfiança, encorajando a construção de um percurso profissio-
nal caracterizado pela motivação e pelo desenvolvimento pessoal e interpesso-
al, enquanto critérios fundamentais do bem-estar docente.

Neste sentido, a formação continuada proporcionada pelas oficinas de auto-


conhecimento realizadas durante pesquisas de Santos et al. (2008) parece contribuir
significativamente para elevar a motivação e promover o bem-estar do professor.

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59
UM TESTE PARA VERIFICAR SE O RESPONDENTE
POSSUI CONCEPÇÕES CIENTÍFICAS SOBRE
CORRENTE ELÉTRICA EM CIRCUITOS SIMPLES

Fernando Lang da Silveira1

R esultados de pesquisa em ensino apontaram que em diversas áreas


de física os alunos (e os professores também!) apresentam concep-
ções alternativas (CA), isto é, concepções com significados errôneos, em conflito
com o conhecimento aceito pela comunidade científica. Particularmente na área
de circuitos elétricos simples foram detectadas CA que tomam a corrente elétrica
como uma característica primária das fontes ou geradores elétricos, atribuindo-
lhe propriedades de substância e de energia, considerando-a como uma espécie de
fluido que é consumido nos circuitos.
Com o objetivo de verificar se um respondente possui ou não as concepções
científicas sobre corrente elétrica em circuitos simples foi idealizado e validado o
teste que se encontra no apêndice deste artigo (SILVEIRA, MOREIRA e AXT, 1989).
O estudo original de validade do teste, contendo também as respostas de alunos
universitários, pode ser encontrado em: http://www.if.ufrgs.br/~lang/Textos/Tes-
te_corrente_eletrica.pdf (acessado em 18/10/2010).

CONTRAPONDO AS CONCEPÇÕES
ALTERNATIVAS ÀS CONCEPÇÕES CIENTÍFICAS
O professor interessado não apenas em verificar se os seus alunos possuem
as concepções científicas, mas também, caso não as tenham, em ajudá-los a apren-

1
Doutor em Educação pela PUCRS, Mestre em Física pela UFRGS e Graduado em Física pela UFRGS. Atu-
almente é professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área
de Física, com ênfase em Pesquisa em Ensino de Física, atuando principalmente nos seguintes temas:
métodos quantitativos aplicados à pesquisa, história e filosofia da ciência, tópicos em física geral. Além
de trabalhar na graduação, é docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física
do IF-UFRGS.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

der sobre circuitos elétricos simples, poderá valer-se do teste e, depois de aplicá-lo,
realizar uma profícua discussão sobre o tema. Para tal discussão, é importante em
um primeiro momento a explicitação clara e definida das CA, articuladas em um
conjunto de enunciados.
A Tabela 1 apresenta de forma sucinta as principais ideias sobre corrente
elétrica. A tabela foi construída de maneira a contrapor lado a lado os enunciados
que descrevem as CA e os enunciados científicos. A tabela pode ser utilizada para
prever que tipo de resposta um aluno dá a uma questão do teste quando possui as
CA. Exemplificaremos a seguir com as duas primeiras questões do teste.
Se o aluno acredita que a corrente se “desgasta” ao passar por um elemento,
como, por exemplo, o filamento de um lâmpada ou um resistor, então certamente
responderá que alguma das lâmpadas dos circuitos das Figuras 1 e 2 apresentará
brilho diferente das demais lâmpadas. Entretanto, é interessante também notar
que esta ideia errada de que a corrente se “desgasta”, é “consumida”, se “dissi-
pa”, diminui de intensidade, pode explicar por que em uma associação em série
de lâmpadas diferentes (com diferentes resistências elétricas) uma lâmpada de
fato brilha de forma diferente das demais. De fato, a explicação científica para tal
evento nada tem a ver com um possível “desgaste” da corrente elétrica. Quando o
professor discutir as CA e as concepções científicas, deverá ter o cuidado de alertar
para esses casos aparentemente corroboradores das CA, demonstrando que as
concepções científicas permitem entendê-los também, e com vantagem.
Tabela 1. Concepções sobre corrente elétrica em circuitos simples.

Concepções sobre corrente elétrica em circuitos simples de corrente contínua


Alternativas Científicas
1 − A corrente é uma forma de 1 − A corrente elétrica é o movimento "ordenado" das
fluido produzido pela fonte ou cargas livres que preexistem nos condutores. A fonte é
gerador. A fonte é um depósito responsável pelo campo elétrico que, exercido internamente
deste fluido, liberando-o para aos condutores do circuito, coloca as cargas livres nos
o circuito. A fonte produz ou condutores movimento "ordenado".
armazena cargas para fornecê-las
A fonte não produz ou armazena cargas; a fonte libera
ao circuito.
energia para produzir o movimento "ordenado" das cargas
livres que sempre existem nas diversas partes do circuito.
2 − A corrente que "sai", que é 2 − A intensidade da corrente produzida pela fonte não
"emitida" pela fonte (gerador), é depende apenas da fonte. A parte do circuito externa à
uma propriedade exclusiva desta, fonte também influencia a intensidade da corrente na
não sendo afetada pelos demais fonte. A mesma fonte pode produzir correntes elétricas com
elementos do circuito. intensidades diferentes, dependendo do que foi conectado
entre seus terminais.

62
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

3 − A corrente “desgasta- 3 − A corrente conserva-se espacialmente. Não importando


se”, “dissipa-se” ao passar quantos elementos exista associados em série, a intensidade
por "obstáculos" no circuito da corrente é a mesma em todos eles.
(lâmpadas, resistores etc.),
Para que a intensidade da corrente elétrica seja diferente em
podendo até ser extinta caso
regiões diversas de um circuito, devem existir um ou mais
passe por muitos "obstáculos".
nodos ou divisores de corrente (associações em paralelo)
Conforme a corrente vai
entre essas regiões. Quando isso ocorre, a corrente se
“passando” pelos "obstáculos”,
divide, entretanto a soma das intensidades da corrente nas
vai tornando-se mais fraca.
diversas partes é necessariamente igual à corrente total.
4 − A intensidade da corrente 4 − A intensidade da corrente elétrica em uma região do
elétrica é determinada pelo local circuito depende de todo o circuito. O circuito é um sistema,
em que ela "está passando" e isto é, modificando-se uma parte do circuito, altera-se a
pelos locais onde já "passou". Ela corrente em outras partes.
não pode ser influenciada pelos
Somente em situações muito especiais e idealizadas é
elementos através dos quais
possível alterar a intensidade da corrente elétrica em uma
ainda "não passou".
parte de um circuito sem alterar a intensidade em outras
partes.

Vejamos mais um exemplo. Se um aluno acredita que a corrente elétrica é


propriedade exclusiva da fonte (isto é, não depende de todo o circuito elétrico ex-
terno à fonte), então na Questão 4 indicará que o fechamento da chave na Figura
4 não alterará o brilho da Lâmpada 1.
A última questão do teste, a Questão 14, resultou de um experimento re-
alizado por um grupo de alunos da licenciatura em física da UFRGS. Notaram o
“surpreendente” efeito de observar duas lâmpadas do circuito apagar (deixar de
brilhar) enquanto as demais lâmpadas ainda brilhavam. Como as lâmpadas apa-
gadas se encontravam “no meio” do circuito, o efeito foi mais instigador do que
se elas estivessem “na extremidade” do circuito. Certamente, para um aluno que
possua CA, a primeira lâmpada até poderia estar acesa, mas a última, de maneira
alguma, pois as lâmpadas “intermediárias” se encontravam apagadas.
Essa questão (assim como outras do teste) permite uma rica discussão con-
ceitual sobre circuitos elétricos, pois a resposta correta é derivada do entendi-
mento de que a corrente elétrica se conserva, mas pode dividir-se (sem entretanto
nunca “gastar” ou ser “dissipada”). Há que se considerar também que o brilho do
filamento da lâmpada (emissão de radiação eletromagnética na faixa do visível,
luz) ocorre a partir de uma temperatura elevada do filamento e que tal tempera-
tura somente acontece quando a intensidade da corrente atinge no filamento um
determinado valor crítico. Assim, as lâmpadas apagadas, na verdade, estão tam-
bém irradiando, mas apenas na faixa de infravermelho.
As alternativas consistentes com as concepções científicas sobre corrente
elétrica no teste são as seguintes: 1 - c; 2 - a; 3 - b; 4 - a; 5 - b; 6 - b; 7 - c; 8 - c; 9 - a;
10 - c; 11 - b; 12 - b; 13 - b; 14 - c.

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Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo apresentamos um teste que permite investigar se um respon-
dente possui ou não possui as concepções científicas sobre corrente elétrica em
circuitos simples. Conforme argumentamos, o teste se presta também para uma
frutífera discussão conceitual, contrapondo as CA com as concepções científicas.
Os aspectos teóricos e conceituais de qualquer corpo de conhecimento em física
devem ser sempre valorizados e anteceder a discussão quantitativa, baseada em
“fórmulas” ou “equações”, sob pena de o corpo de conhecimentos não fazer senti-
do para os aprendizes.

REFERÊNCIAS
SILVEIRA, F. L.; MOREIRA, M. A.; AXT, R. Validação de um teste para verificar se o aluno
possui concepções científicas sobre corrente elétrica em circuitos simples. Ciência e
Cultura, São Paulo, 41(11): 1129−1133, nov. 1989.

ANEXO
Em todas as questões deste teste, admite-se que as lâmpadas sejam iguais.
Os brilhos das lâmpadas crescem quando a intensidade da corrente elétrica au-
menta. A bateria representada tem resistência elétrica desprezível.
1) No circuito da Figura 1 pode-se afirmar que:

a) L1 brilha mais do que


L2, e esta, mais do que L3.

L1 L2 L3 b) L3 brilha mais do que


L2, e esta, mais do que L1.
+ - c) as três lâmpadas têm o
mesmo brilho.

2) No circuito da Figura 2, R é um resistor. Neste circuito:

a) L1 e L2 têm o mesmo brilho.

L1 L2 b) L1 brilha mais do que L2.

c) L2 brilha mais do que L1.


+ -

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João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

3) No circuito da Figura 3, R é um resistor. Neste circuito:

L2 a) L1 tem o mesmo brilho de L2.


R
b) L2 brilha mais do que L1.
L1
c) L1 brilha mais do que L2.
+ -

4) No circuito da Figura 4, I é um interruptor aberto. Ao fechá-lo:

a) o brilho de L1 aumenta.

b) o brilho de L1 permane-
L1 L2
ce o mesmo.

+ - c) o brilho de L1 diminui.

5) Nos circuitos 5a e 5b, a Lâmpada L, o Resistor R e a bateria são exatamente


os mesmos. Nestas situações:

a) L brilha mais no Circuito 5a.


L
b) L brilha igual em ambos os
+ - circuitos.

c) L brilha mais no Circuito 5b.


R

+ -

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Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

6) No circuito da Figura 6, R é um resistor e I é um interruptor que está aber-


to. Ao fechar o interruptor:

L a) L continua brilhando como antes.


I
b) L deixa de brilhar.
R
c) L diminui seu brilho mas não
+ -
apaga.

7) No circuito da Figura 7, R1 e R2 são dois resistores. A caixa-preta pode


conter resistores, baterias ou combinações de ambos. Para que a intensidade da
corrente em R1 fosse igual à intensidade da corrente em R2, a caixa-preta:
R2
a) deveria conter somente resistores.

b) deveria conter no mínimo uma bateria.


CAIXA
PRETA R1 c) deveria conter qualquer associação
+ -
de resistores e baterias.

8) No circuito da Figura 8, L é uma lâmpada, R um resistor, C um capacitor


descarregado e I um interruptor aberto. Ao fechar o interruptor:
a) L começa a brilhar e continua brilhando
R enquanto o interruptor estiver fechado.

b) L não brilhará enquanto o capacitor


I L C
não estiver carregado.

+ - c) L poderá brilhar durante parte do pro-


cesso de carga do capacitor.

As questões 9 e 10 se referem ao circuito da Figura 9.

L2
L1 L4
L3

+ -

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João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

9) No circuito da Figura 9, o brilho de L1 é :


a) igual ao de L4. b) maior do que o de L4. c) menor do que o de L4.
10) No circuito da Figura 9, o brilho de L2 é:
a) igual ao de L4. b) maior do que o de L4. c) menor do que o de L4.
Para responder às questões 11 e 12, considere que o circuito da Figura 9 foi
modificado, pois se tirou a lâmpada L3. O novo circuito é, então, o da Figura 10.

L2
L1 L4

+ -

11) Quando se compara o brilho de L1 nos circuitos das figuras 9 e 10, ele é:
a) maior no circuito 10. b) menor no circuito 10. c) o mesmo nos dois.
12) Quando se compara o brilho de L4 nos circuitos das figuras 9 e 10, ele é:
a) maior no circuito 10. b) menor no circuito 10. c) o mesmo nos dois.
13) No circuito da Figura 11:

L3
a) L1 e L2 têm o mesmo brilho que é menor
do que o de L3.

b) L1 brilha mais do que L2 e do que L3.


L1 L2
c) L1,L2 e L3 brilham igualmente.
+ -

14) No circuito da Figura 12, quando o interruptor é aberto, as lâmpadas L3 e


L4 deixam de brilhar, embora L2 brilhe. O que acontece com as lâmpadas L1 e L5?

67
MODELOS EM AMBIENTES DE APRENDIZAGEM
DE FÍSICA: CIRCUITOS ELÉTRICOS SIMPLES

Francisco Catelli1
Valquíria Villas Boas2
Fernando Siqueira da Silva3

O que são modelos? Numa primeira acepção (no âmbito da ciência,


é claro), modelos lembram objetos de laboratório, tais como estru-
turas de dupla hélice, globos terrestres, modelos de motores e outros. Mas modelos
não são sempre “objetos” concretos. Frequentemente eles existem apenas de forma
virtual, em laboratórios ou fora deles. A modelização (CATELLI, 1999) serve funda-
mentalmente para cristalizar o conhecimento, mais exatamente, representá-lo. En-
tão, uma primeira resposta à pergunta “o que são modelos?” seria esta: modelos são
representações. Mas essa resposta, apesar de satisfatória, parece excessivamente
vaga e geral, e por isso mesmo, de pouca utilidade. Modelos são imagens? De quê?
Como os modelos se ligam à ideia de medida, a qual é, como sabemos, fundamental
no âmbito da física? Como os modelos estão ligados às teorias?
Pensemos inicialmente em uma imagem, em uma cópia: os chamados mo-
delos icônicos correspondem a representações do objeto real, incorporando as
principais propriedades deste (pelo menos as que são mais significativas do ponto
1
Licenciado em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976), Mestre em Engenharia de
Minas, Metalúrgica e de Materiais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1981) e Doutor em
Educação – Université Laval, Québec, Canadá (1995). Atualmente é professor titular da Universidade de
Caxias do Sul. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Teorias da Instrução – interdiscipli-
naridade, atuando principalmente nos seguintes temas: ensino de ciências, divulgação científica, experi-
mentos com material alternativo, laboratório de física e óptica.
2
Professora no Centro de Ciências Exatas e Tecnologia (CCET) da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Bacharel em Física, Mestra em Física da Matéria Condensada e Doutora em Ciências pela Universidade
de São Paulo.
3
Licenciado em Matemática pela Universidade de Caxias do Sul – UCS, do Rio Grande do Sul. Atuou como
bolsista de Iniciação Científica – CNPq (2006 - 2008) em um projeto de pesquisa nas áreas de Física e
Astronomia.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

de vista do modelizador). Um segundo sentido de modelo icônico é o de um mode-


lo em escala de algo, tal como um globo terrestre.
Mas uma cópia pode “conservar” mais do que apenas uma imagem crista-
lizada. Pensemos em um modelo de avião, que possui dimensões bastante fiéis
(entenda-se: proporcionais) às do avião original, que se quer modelizar. Consi-
deremos agora um aeromodelo: em vez de buscar proporções as mais perfeitas
possíveis, os construtores querem fazê-lo, de fato, voar. Então, o aeromodelo ainda
conserva proporções, mas tem motor, comandos diversos e voa. É assim conserva-
do um aspecto adicional: além do que o modelo é, considera-se o que ele faz. Um
modelo pode ser bastante sofisticado, mas lembremos da metáfora de Jorge Luis
Borges (2001) do mapa e do território: um modelo que incorporasse tudo do objeto
a representar seria inútil, pois ele seria o próprio objeto!
Nessa linha, encontramos o que a literatura referencia como modelos
simbólicos. São os chamados modelos de primeira ordem; dito de forma resu-
mida, são modelos que se voltam a algum aspecto específico da realidade que
se quer representar, são em geral expressões matemáticas que procuram refle-
tir a estrutura do sistema que representam. Já um modelo de segunda ordem
seria um “modelo de um modelo”. O exemplo de modelo de segunda ordem que
mais nos interessa neste trabalho é o modelo mental e o modelo conceitual,
sobre os quais voltaremos a seguir.
Aprofundemos um pouco a ideia de modelo matemático. Numa acepção
mais trivial, um modelo físico é mais simples e fácil de ser construído; entretanto,
por mais paradoxal que possa parecer, o modelo matemático é mais simples num
certo sentido, porque elimina todos os fatores de perturbação alheios ao processo
em si, como – no caso de modelos de engenharia – os atritos, as vibrações etc.
Exploremos agora a ligação dos modelos à ideia de medida. Sempre que re-
lações entre um corpo teórico e um conjunto de dados empíricos são buscadas,
percebe-se que “[os modelos] são os intermediários entre duas instâncias limítrofes
do fazer científico: conceito e medidas” (PIETROCOLA, 1999, p. 10). Sendo o conceito
algo muito próximo à teoria e pensando nos instrumentos de medida, o papel de in-
termediário do modelo torna-se plausível (FRENCH, 2009, p. 83). Mas é possível levar
essa ideia mais longe. O que é medir? Medir é representar as grandezas umas pelas
outras. Mas modelos também são representações. Estaria aqui então a demonstra-
ção de que um instrumento de medida é também um modelo? De fato, sim, mas
em um sentido muito especial. Medidas são representações de grandezas, por elas
mesmas (lembre da unidade de medida!). Já os modelos não estão restritos nem a
representar grandezas (o modelo ‘planetário’ do átomo de Rutherford, por exemplo,
não envolve nenhuma grandeza em especial) nem a representá-las por elas mes-

70
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

mas e, portanto, representam em um sentido mais amplo.


Ainda há, no entanto, mais sobre modelos, medidas e matemática. A repre-
sentação de grandezas umas pelas outras leva diretamente a um número mais
uma unidade. Quando dizemos “vinte e dois metros”, usamos um número (vinte
e dois) e uma unidade (metro). Se, todavia, abstrairmos a ideia de unidade, chega-
remos rapidamente à matemática: “não há tema mais fundamental: a medida é o
ponto de partida de todas as aplicações das matemáticas” (LEBESGUE, 1975, p. 4).
Faltaria estabelecer apenas mais um elo: a medida e os modelos. Com a palavra de
Bono (1969, p. 35), “a matemática é nada mais do que um sistema de construção de
modelos em papel e lápis, trabalhada com certas regras”.
Como os modelos estão ligados às teorias? De acordo com Simon e Newell
(1955, p. 66), “‘modelo’ [é] simplesmente igual a ‘teoria’”. Numa acepção mais aber-
ta, a mesma afirmativa poderá ser encontrada em Van Fraassen (2007); na sua
“abordagem semântica”,4 as teorias devem ser interpretadas como coleções ou
famílias de modelos. Mas, se os modelos e as teorias são tão próximos, para que
servem os primeiros? Para isso, façamos inicialmente uma distinção entre con-
teúdo lógico e conteúdo psicológico de uma teoria. “Por conteúdo (ou conteúdo
lógico) de uma teoria quero referir-me à totalidade das asserções empíricas que a
teoria faz, explicita ou implicitamente, a respeito dos fenômenos do mundo real
aos quais ela se refere” (SIMON, NEWELL, 1956, p. 67).
Como o conteúdo de uma teoria torna-se acessível ao cientista, ao professor,
ao estudante? Essa passagem, essa acessibilidade se daria através do conteúdo
psicológico de uma teoria: “De importância pelo menos igual para o cientista é
o seu conteúdo psicológico ou conteúdo disponível – as proposições empíricas
que o cientista é de fato capaz de derivar dela” (idem, p. 68). Aí está então uma
das maiores, senão a maior, utilidade dos modelos: retirar proposições empíricas
(utilizáveis) da teoria.
Cabe aqui destacar adicionalmente uma ideia de Simon e Newell que nos
parece central: analogias são formas particulares de modelos. “[Existem] três ti-
pos de linguagens científicas ou teorias: a matemática, a verbal e a analógica”
(ibidem, p. 67; lembre que Simon e Newell consideram modelo igual à teoria). Mais
explicitamente: os modelos analógicos correspondem a um conjunto de proprie-
dades utilizadas para representar outro conjunto de propriedades associadas
com o sistema que está sendo representado. A analogia é uma das estratégias de
“apropriação” dos principais conceitos ligados aos circuitos elétricos simples que
empregaremos neste trabalho. Originária da preposição “ana” – segundo – com o
4
Semântica: “considera as relações dos signos com os objetos a que eles se referem” (ABBAGNANO, 2007,
p. 1.029).

71
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

substantivo “logos” – razão ou proporção, a palavra analogia estabelece em uma


primeira acepção uma relação proporcional entre dois ou mais termos (ABDO-
NOUR, 1999, p. 112). Se o modelo possui, no âmbito da ciência, a propriedade de
transformar parte de um conteúdo lógico em conteúdo psicológico, a importância
dos modelos nas questões de ensino aprendizagem são simplesmente enormes!
Dediquemo-nos um pouco a elas.
No âmbito educacional, acredita-se que as estruturas internas da mente
de um indivíduo podem ser consideradas como modelos, denominados modelos
mentais, que são criados a partir das interações deste indivíduo com o mundo que
o cerca (JOHNSON-LAIRD, MOREIRA, 2005, 2008). Os elementos a destacar em um
modelo mental são (GILBERT, BOULTER, citados por GOMES, FERRACIOLI, 2006) o
sistema-alvo, ou seja, o sistema real que se quer modelar, o modelo consensual
(modelo que foi legitimado por um grupo social, por exemplo, uma comunida-
de científica), e o modelo pedagógico (um modelo especialmente construído para
auxiliar na compreensão de um modelo consensual), o modelo mental (que se
constitui numa representação intrínseca do “interpretador” do sistema-alvo) e fi-
nalmente o modelo expresso, a saber, a versão do modelo mental que é expressa
através de alguma das seguintes formas, ou combinação delas: ação, fala e escrita.
Mas modelos mentais possuem de fato um espectro de abrangência muito largo.
“Nossa visão do mundo é um modelo. Toda a imagem mental é um modelo, fluido
e incompleto, mas servindo de base às decisões” (ROSNAY, 1975, p. 122).
Da mesma forma como os cientistas constroem modelos da natureza, os
estudantes também constroem seus modelos. Contudo, há uma diferença fun-
damental: os modelos físicos são modelos conceituais, ou seja, modelos inven-
tados por cientistas, e desta forma, são representações precisas, consistentes e
completas de fenômenos físicos. Em contrapartida, os modelos dos estudantes,
ou de qualquer pessoa, inclusive os que criam modelos conceituais, são modelos
mentais, ou seja, modelos que as pessoas constroem para representar fenômenos
físicos ou fenômenos abstratos. Esses modelos não precisam ser precisos ou com-
pletos, como geralmente não o são, mas devem ser necessariamente funcionais,
evoluindo naturalmente. Interagindo com o sistema, o indivíduo modifica seu mo-
delo mental a fim de alcançar e manter sua funcionalidade.
É conveniente considerar mais um aspecto, essencial quando se trata de
questões de ensino aprendizagem: as concepções prévias dos estudantes. O tema
”circuitos elétricos” foi (e é ainda) fartamente estudado por essa óptica: McDer-
mott (1991), Picciarelli et al. (1991), Evans (1978), Engelhardt and Beichner (2004)
são alguns exemplos de tais estudos.
Parece que não há evidências que permitam identificar um modelo mental,

72
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

mesmo que provisório e incipiente, para o qual os estudantes em geral apelam


ao se defrontarem com alguma situação que envolva circuitos elétricos. Segundo
McDermott and Shaffer (1992), os estudantes usam uma das três formas seguintes
de raciocínio: sequencial, local ou de superposição (PICCIARELLI et al., 1991; ENGE-
LHARDT, BEICHNER, 2004). Se um elemento de um circuito, tal como um resistor, é
mudado de posição no circuito, o raciocínio sequencial se manifesta: o estudante
analisa o circuito em termos de “antes” ou “após” a passagem da corrente num
dado ponto. O raciocínio local descreve o comportamento daqueles estudantes
que focam a atenção em um ponto do circuito e desprezam tudo o que acontece
nos demais pontos. O raciocínio de superposição mescla os dois modelos de aná-
lise referidos acima.
Vamos agora ao modelo deste “estudo de caso”. Ele foi concebido não como
uma atividade exclusivamente de “manipulação”, e sim visando predominante-
mente a elaboração coletiva de hipóteses. Esta elaboração ocorre de modo mais
efetivo quando todos os estudantes da turma participam. A ideia inicial é a de
que as respostas às perguntas (sejam elas feitas pelo professor ou pelos estudan-
tes) surjam de forma imediata e sofram o mais rápido possível a apropriação por
parte de toda a turma, de forma minimamente ambígua. O aparato experimental,
construído à luz dessas premissas, consiste de um circuito em série de lâmpa-
das ligadas à rede elétrica (figuras 1 e 2). Por questões de segurança, o painel foi
desenhado de forma a não ser necessário efetuar fisicamente nenhuma ligação
elétrica (a não ser a de conectar o dispositivo à tomada); a medida da diferença de
potencial (DDP) pode ser efetuada (caso desejado) com um multímetro digital, de
forma bastante segura, através dos conectores. A corrente pode ser lida em pontos
estratégicos do circuito através de um amperímetro de garra (ver Figura 2).

L1 L2 L3

rede

Figura 1. Três lâmpadas de filamento, com bulbo transparente, são ligadas em série à rede elétrica
(220 V). L1 e L2 são lâmpadas de 60 W quando ligadas em 220 V e L3, 40 W quando ligada a 220 V.

73
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

As lâmpadas incandescentes transparentes permitem que os participantes


vejam o resultado das modificações efetuadas. Apesar da facilidade de uso de vol-
tímetros e amperímetros (de garra), eles são na maior parte do tempo dispensá-
veis; o brilho das lâmpadas é em geral suficiente para provocar perguntas, elabo-
rar hipóteses e formular respostas.

Figura 2. Foto do circuito empregado. Note o brilho maior da lâmpada L3, à direita. Os
conectores permitem leituras de DDP através de um multiteste digital. A corrente elétrica pode
ser verificada nos “anéis” de fio rígido com um amperímetro de garra, o que permite uma grande
segurança de operação. As duas chaves permitem “curto circuitar” L1 e (ou) L2.

No circuito da Figura 2, as características das lâmpadas são: L1 e L2: 220 V e


60 W; L3: 220 V e 40 W. Entretanto, os estudantes não foram informados dessas ca-
racterísticas. Todos puderam notar que todas as lâmpadas brilharam menos que
o normal, mas o brilho de L3 foi proporcionalmente superior ao de L1 e L2. Duas
perguntas “provocativas” foram elaboradas com base no circuito série proposto. A
primeira pergunta foi: todas as lâmpadas tinham as mesmas características? Na
segunda pergunta, foi perguntado o que ocorreria com o brilho das lâmpadas se
L3 e L1 fossem permutadas.
A intenção da primeira pergunta foi a de verificar se algum estudante estava
atribuindo o maior brilho de L3 a alguma característica não visível do circuito. Já
a segunda pergunta visava verificar se existia alguma concepção do tipo local. As
respostas foram anotadas individualmente pelos estudantes, sem nenhum debate
prévio. O resultado foi de certa forma surpreendente: 14 dentre os 15 estudantes
responderam corretamente à primeira questão, a saber, eles julgaram que L3 pos-
suía características diversas de L1 e L2. Mas, na segunda questão, a situação se
inverteu: 13 dentre 15 responderam que, após a troca (de L1 – L2 – L3 por L3 – L2
– L1), L1 passaria a brilhar mais. Seguramente, existe aí uma predominância de
um raciocínio local, segundo a terminologia de McDermott.
A concepção alternativa foi detectada. Mas o que fazer agora? Há, evi-
dentemente, muitas possibilidades: optamos por explorar os recursos que a

74
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

analogia pode oferecer, pois sem dúvida é mais fácil aprender algo novo a
partir do que já sabíamos.
Toda a exploração descrita a seguir foi baseada num circuito hidráulico, tal
como o esquematizado na Figura 3. As referências a este tipo de modelo analó-
gico são abundantes. Veja, por exemplo, Hewitt (2002, p. 393), Halliday, Resnick e
Walker (vol. III, p. 134), Máximo e Alvarenga (2006, p. 110, vol. III), Einstein e Infeld
(2008, p. 42) e outros. Einstein e Infeld usam, por exemplo, uma analogia hidráulica
para a conceitualização de fenômenos térmicos.

h1
h2
h3
h

bomba

Figura 3. Análogo hidráulico de um circuito em série de três lâmpadas. A tubulação está cheia
de água, e a bomba (o análogo de uma bateria, ou a rede elétrica) destina-se a elevar a água do nível
inferior até o superior, ao longo de uma altura h. O princípio da conservação de carga é exemplificado
através da constatação que a quantidade de água por unidade de tempo que passa pelos segmentos
cujas alturas são h1, h2 e h3 é a mesma; a conservação de energia é discutida a partir da igualdade
h = h1 + h2 + h3. Supõe-se que a água não enfrente nenhuma resistência ao circular pelos trechos
horizontais (de maior diâmetro) das tubulações.

Neste trabalho, os elementos aos quais foi dada uma atenção especial foram
a “conservação de água” – uma analogia para a conservação de carga – (a água que
circula em qualquer ponto do circuito, por unidade de tempo, é a mesma), e a con-
servação de energia (para uma dada quantidade de água Δm, Δm×g×h = Δm×g×h1
+ Δm×g×h2 + Δm×g×h3). Esta é a analogia para a lei das malhas.
Para não estender excessivamente este trabalho, não relataremos textual-
mente as reações dos estudantes ao uso dos modelos aqui propostos. Destaca-
mos apenas os resultados que nos pareceram mais importantes: a quantidade de
questões e, por consequência, a participação dos estudantes foram excepcionais.
As analogias fluxo de água – corrente elétrica e altura da queda – DDP foram feitas
rapidamente pela maior parte dos estudantes.
Como reproduzir o diagrama da Figura 3 com apenas duas lâmpadas ligadas
em série? Isso ocorre quando uma das chaves do painel – veja a Figura 2 – é ligada.
Como explicar o brilho proporcionalmente maior delas? Os estudantes propuse-
ram e resolveram de forma competente esses desafios.

75
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Como deve ser ligada uma lâmpada de modo que as especificações impres-
sas nela sejam válidas? Essa foi outra questão proposta e respondida satisfatoria-
mente pelos estudantes.
Tabela 1. Analogias empregadas. É importante destacar que, por exemplo,
um maior brilho da lâmpada é análogo a uma potência maior da queda de água.
Mas trata-se apenas de uma analogia, que certamente em algum momento
se mostrará limitada. (Veja também a Figura 3.)

Circuito hidráulico Circuito elétrico

Água Carga elétrica

Fluxo de água Corrente elétrica

Diferença de altura Diferença de potencial elétrico (DDP)


h = h1 + h2 + h3 V = V1 + V2 + V3

Energia elétrica, convertida em calor no


Energia mecânica, água em filamento da lâmpada
queda (proporcional ao fluxo de água
× altura) (corrente × DDP × tempo)

Resistência à passagem da água Resistência à passagem da corrente


por dutos de pequeno diâmetro elétrica pelos filamentos finos das lâmpadas

Potência (energia por unidade de


tempo) Brilho da lâmpada (potência elétrica)

Bomba de água Rede elétrica (ou bateria)

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presença de concepções prévias ficou evidente; alguns modelos mentais
referidos na literatura foram confirmados. Ao longo das atividades de exploração
do modelo, detectou-se que os raciocínios envolvendo conservação de carga e con-
servação de energia passaram a predominar, a partir em especial das perguntas
feitas pelos próprios estudantes, e das soluções que eles propuseram, fundamen-
tadas em especial na exploração do modelo hidráulico. A geração de contradições
e sua discussão, (neste caso, a lâmpada com etiqueta de 40 W brilhando mais que
a lâmpada com etiqueta de 60 W) foi seguramente um elemento que propiciou a
evolução dos conceitos dos estudantes acerca dos circuitos elétricos simples.
Algumas conclusões adicionais, que não estavam dentro dos objetivos ini-
ciais do trabalho, puderam também ser colhidas. O circuito com lâmpadas é de
fato bastante propício à emergência de questões por parte dos estudantes. Isso
se deve – acreditamos – ao fato de que apenas o brilho das lâmpadas é em geral
suficiente para permitir a elaboração de hipóteses e conclusões. Paradoxalmente,

76
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

o uso de instrumentos de medida neste estágio da “construção do modelo” tal-


vez mais atrapalhe do que ajude. Entretanto, mais adiante, são justamente esses
instrumentos de medida que permitem “comprovar” experimentalmente algumas
conjeturas: “mas será mesmo que V = V1 + V2 + V3?” A resposta a essa questão só
pode ser dada de maneira conclusiva e rápida através do uso de um voltímetro.
A exploração da analogia “dificuldade de escoamento da água”  “resistência
elétrica” também foi explorada, através do uso das chaves (foto da Figura 2). Pra-
ticamente todas foram no sentido de responder que a lâmpada “curto-circuitada”
não acendia, pois a corrente tendia a fluir praticamente na sua totalidade pelo ca-
minho alternativo, ”muito mais fácil”. O fato de as lâmpadas remanescentes pas-
sarem a brilhar com mais intensidade provocou o surgimento de diversas ques-
tões adicionais, que foram aparentemente bem resolvidas através da construção
gráfica de um modelo análogo ao da Figura 2, porém com apenas dois dutos, com
seus comprimentos originais mantidos, mas com inclinações maiores.
Finalmente, a conclusão, quase óbvia: o conhecimento que nos é ofereci-
do como fruto de investigações na área de ensino de física é sim extremamente
relevante. Porém, a colocação em ação deste conhecimento não se dá de forma
automática e simples; o uso de modelos é nesse momento de valor inestimável.
Para que os modelos possam de fato oferecer essa passagem do conteúdo lógico
ao conteúdo psicológico das teorias envolvidas, cada um de nós, professores de
física, precisamos “incorporar” um verdadeiro espírito de pesquisador. Deste es-
pírito resultarão certamente ambientes de aprendizagem mais profícuos – e mais
divertidos – e o conhecimento que deles emanará será certamente muito mais
significativo.

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significados. São Paulo: Escrituras, 1999.

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Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

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78
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
DE FÍSICA: RUMOS E DESAFIOS

João Batista Siqueira Harres1

N a relação entre a pesquisa, a sala de aula e a formação de profes-


sores, a investigação da evolução dos saberes dos futuros profes-
sores tem apresentado avanços e dificuldades. Neste texto são apontados cinco
dimensões de avanços e cinco dilemas que esses avanços trazem para a formação
de professores, em especial para as reformulações curriculares dos cursos de li-
cenciatura em física no Brasil.
Em termos de contribuição geral das pesquisas relatadas para a melhoria do
ensino de física, a pesquisa na formação inicial e continuada de professores de
física tem identificado situações e análises que apontam para uma perspectiva
muito diferente da prática docente dominante em nossas escolas.
Do ponto de vista da ação, muitas experiências docentes vêm apontando
para a necessidade de novas configurações curriculares que superem a forma
isolada, centrada em si mesma, rotineira, descontextualizada (na medida em
que se apresenta igual para todos os alunos) e intuitiva (baseada no senso co-
mum e no prejulgamento e no preconceito) com que, em geral, os currículos
comumente se apresentam.
Do ponto de vista epistemológico, também é perceptível um avanço em di-
reção a posturas menos absolutistas, no sentido toulminiano do termo (PORLÁN,
HARRES, 2002), no qual não se avalia apenas o grau de identificação das ideias dos
alunos com o conhecimento científico, mas também os obstáculos a este avanço.
Em certa medida, também tem se constatado uma consideração menos hie-
rarquizada na relação entre o conhecimento dos alunos e o conhecimento cientí-
fico. As implicações de discussões e atividades de pesquisa vislumbram o desen-
volvimento de uma visão mais ampla da educação científica, na qual não importa

1
Licenciado em Física (UFRGS), Mestre e Doutor em Educação (PUCRS), Pós-Doutorado (Universidade de
Sevilha). Professor da Faculdade de Física da PUCRS.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

apenas a quantidade de conteúdos de física que os alunos aprendem, mas tam-


bém o que aprendem “sobre” a física. Em outras palavras, como ela é construída,
quais seus limites, quais influências ela sofre da sociedade etc. Assim, percebe-se
intrinsecamente a construção de uma perspectiva curricular na qual a física é
vista muito mais próxima da vida.
Ainda na linha epistemológica, também merece destaque nas propostas de-
rivadas da pesquisa recente o avanço dos professores envolvidos (novatos ou em
exercício) em direção a uma concepção sobre aprendizagem mais construtivista.
De fato, várias pesquisas apontam que as reflexões que partem de uma perspecti-
va de análise epistemológica podem ter forte influência na evolução das concep-
ções sobre aprendizagem, fazendo com que os professores passem a considerar
didaticamente o conhecimento (prévio) dos alunos (HARRES et al., 2005).
Outra dimensão de mudança identificada em trabalhos recentes está rela-
cionada com a atitude dos professores. Atualmente, a baixa autoestima, a infle-
xibilidade, a intolerância à incerteza, o autoritarismo e a desconfiança são moda
nos mais diferentes contextos. Porém, nos contextos investigados, em geral, os
professores parecem estar mais predispostos a aprenderem com os próprios erros
e, assim, desenvolverem relações pessoais mais consistentes.
Por fim, como última dimensão dos avanços oriundos da pesquisa, e também
como síntese, pode ser destacada a evolução profissional geral dos professores.
Os resultados apontam que professores envolvidos em atividades de cunho refle-
xivo, investigativo e construtivista, em geral, apresentam uma evolução nas suas
concepções e práticas docentes (futuras ou atuais). De uma visão centrada nos
problemas externos à sala de aula, baseada na expectativa de um aluno “ideal”
e buscando sempre uma solução, e por que não dizer “salvação”, os professores
passam a centrar-se através mais nos problemas reais da sala de aula, passam
a serem mais respeitosos dos processos e das dificuldades de aprendizagem dos
seus alunos e, ainda, passam a ser menos dependente do auxílio de experts.
Do ponto de vista dos pesquisadores, parece que estes avanços são também
resultado da implementação de propostas de intervenção menos “tecnocráticas” e,
portanto, com menor tendência a desenvolver dependência e submissão. Estas con-
clusões chamam a atenção quando se pensa na enorme quantidade de tempo e
recursos que têm sido (e continuam sendo) utilizados para promover formação “em
larga escala” de docentes, cujos baixos resultados práticos todos conhecemos.
Complementando a análise acima, são apresentados cinco dilemas que
emergem destas discussões, pensando em termos mais normativos, isto é, para a
formatação legal e curricular vigente da formação de professores.
O primeiro dilema trata da polaridade entre autonomia e dependência no

80
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

desenvolvimento profissional. Se, por um lado, é verdade que os professores en-


volvidos em processos de pesquisa se tornam menos dependentes, também é ver-
dade, por outro lado, que os processos e os contextos descritos são ainda muito
dependentes e formatados pela ação de professores universitários pesquisadores/
formadores da área de ensino de física.
Então, uma primeira questão poderia ser: “Como os professores de escola
podem se livrar dos professores universitários?” Quando eles poderão caminhar
“com suas próprias pernas”? Longe do contexto da pesquisa eles seguirão avan-
çando em sua prática?
Este é um tema rico para investigação e, ao que parece, ainda pouco aborda-
do em nosso meio. Em outras palavras, a questão de pesquisa seria: “que estraté-
gias a formação inicial ou continuada de professores alcança melhores resultados
na busca da superação da dependência externa?”
Nessa mesma linha, e do ponto de vista legal, podemos perguntar o quan-
to as legislações, diretrizes, pareceres etc. garantem tempos e espaços para uma
aprendizagem profissional permanente, evolutiva e contextual, isto é, vinculada
aos problemas reais de sala de aula. Por isso, seria muito importante que os órgãos
administrativos (e os pesquisadores também) incentivassem (e investigassem) as
características desejáveis dos espaços de autoformação e as formas de colabora-
ção em redes autônomas.
O segundo dilema relaciona-se com a polarização entre o respeito à diversi-
dade e à disseminação da inovação. A maioria das práticas docentes inovadoras
relatadas ultimamente na pesquisa apresenta alto grau de contextualização. Por
um lado, isso parece ser positivo, na medida em que atende às realidades locais de
alunos e professores. Por outro lado, se pensarmos na disseminação da inovação
como uma meta para a melhoria geral da educação, no caso especial, do ensino
de física, parece que as experiências relatadas têm um potencial limitado para um
alcance significativo desta meta.
O que fazer? É óbvio que a comunidade de pesquisadores não pode alcançar
isso isoladamente e nem esse é o seu papel. Porém, os formadores poderiam adotar
linhas de ação mais próximas e mais passíveis de serem generalizadas. Por exem-
plo, investigando que mudanças iniciais nas concepções e práticas dos professores
seriam, por um lado, mais fáceis de serem alcançadas e, por outro lado, mais indica-
doras da continuidade do desenvolvimento profissional (PORLÁN et al., 2010).
Mesmo assim, sabemos o quanto os contextos formativos universitários
inovadores são pouco representativos (em termos numéricos) no contexto mais
amplo da formação e professores do País. Alguns grupos de pesquisa estão inves-
tigando questões decorrentes desse dilema. Por exemplo, tem sido recorrente a

81
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

definição de problemas de pesquisa centrados na identificação de estratégias que


teriam maior poder de disseminação na rede.
Na direção contrária, no que tange ao respeito à diversidade, a pergunta seria
como garantir que as práticas formativas e as práticas escolares possam desen-
volver-se sem as ingerências e as limitações externas? Como devemos atuar como
coletivo de pesquisadores, formadores e profissionais politicamente nesse sentido?
O terceiro dilema, de cunho notadamente epistemológico, diz respeito à
questão do professor investigador. Nos debates da área de pesquisa seguidamente
se travam na nossa área e também na área mais ampla da Educação em Ciências
(como no Encontros Nacionais de Pesquisa em Educação em Ciências, por exem-
plo), este dilema tem aparecido de forma fortemente polarizada entre uma visão
mais metodológica e outra mais centrada na postura docente. Por um lado, advo-
ga-se que o professor não é um pesquisador. Por outro, defende-se que ele deve (e
pode) investigar a sua prática.
Talvez aqui tenhamos uma questão de fundo sobre o que é, enfim, investigar,
pesquisar etc., e como estas visões perpassam as (nossas) práticas profissionais.
Um médico, quando está atendendo em seu consultório, está investigando? Um
engenheiro, quando está buscando soluções para o desenvolvimento de um proje-
to, está investigando? Em minha opinião, respondo que sim e não.
Sim, médicos, engenheiros e outros profissionais investigam sobre sua práti-
ca na medida em que tratam de problemas desconhecidos para eles e, eventual-
mente, até para toda a comunidade profissional em que atuam. Na busca de so-
lução para estes problemas, eles têm que buscar bibliografias, fazer especulações
teóricas, coletar dados, elaborar conclusões etc. Ao mesmo tempo, eles não atuam
da mesma maneira que seus colegas universitários (ou ligados a um instituto de
pesquisa, por exemplo) que não têm o compromisso com a intervenção imediata.
No máximo, podem ter um desejo exemplar, isto é, de mostrar uma (nova?) ma-
neira de resolver um problema em estudo.
É verdade que, no caso dos médicos, o período de “residência” apresenta uma
característica muito interessante (que parece não existir, pelo menos com a mes-
ma tradição e intensidade, no caso dos engenheiros e também no caso dos pro-
fessores). Isto é, mesclando formação e pesquisa, durante este período os médicos
participam de grupos de pesquisas conduzidos por médicos pesquisadores/forma-
dores. Como seria o análogo a esta estratégia formativa no caso dos professores?
Em que medida as “leis” educacionais favorecem esta abordagem?
Um aspecto que colabora para que a comunidade de investigadores se afaste
desta perspectiva é que a distância entre a pesquisa em física e o seu ensino pare-
ce maior do que, por exemplo, a pesquisa “pura” em medicina (biologia molecular,

82
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

por exemplo) e a formação dos médicos em hospitais universitários.


Aqui, as reflexões de Ramos (2000) parecem ser muito úteis na medida em
que este autor faz uma diferenciação entre as três dimensões em que a pesquisa
pode estar presente na atuação profissional de um professor universitário. Em
primeiro lugar, ele pode ser um investigador da área que ensina (física de partí-
culas, por exemplo, ou mesmo ensino de física). Em segundo lugar, ele pode ser
um investigador da sua própria prática docente, no sentido em que Schön (1983)
parece ter sido um dos primeiros a destacar. Por fim, ele pode ainda adotar, como
modelo didático, um ensino investigativo, no sentido em que Porlán (1993) e outros
autores têm apontado.
Na universidade, sabemos o quanto a adoção simultânea destas três perspec-
tivas é rara. E, se pensarmos no professor de escola, onde a primeira perspectiva é
quase uma utopia, mesmo a coincidência das duas últimas dimensões na prática
docente já é igualmente rara. Enfim, parece que esta questão do “professor-inves-
tigador” merece mais atenção da comunidade. Como exemplo da diversidade de
concepções que circula na área de pesquisa em ensino de física, pode ser citado
o trabalho de Maia e Mion (2008) no qual defendem que a formação inicial deve
formar o professor e o pesquisador.
Em eventos de pesquisa na área, é possível perceber uma grande dispersão
no sentido dos temas e dos contextos investigados e também das teorias (e, por-
tanto, do discurso) que permeiam estas pesquisas. Seria muito importante que a
área alcançasse um consenso e uma uniformidade maior para favorecer ações
mais integradas, com maior potencial de generalização e, consequentemente, de
aplicação no contexto escolar. Nesse sentido, uma maior reflexão e consenso so-
bre o que se concebe que se pensa e se age na perspectiva de formação de um
“professor-pesquisador” (e outros temas polissêmicos) seria muito bem-vinda nos
espaços (publicações e eventos) de discussão da área de forma a ajudar a diminuir
o abismo ainda existente entre o ensino e a pesquisa.
O quarto dilema está relacionado com a concepção de aprendizagem pro-
fissional e a prática docente dos formadores. Ela é coerente com as concepções
de aprendizagem desejáveis sobre como aprendem os alunos “ensinadas” para os
professores em formação?
Em um trabalho recente (HARRES e PORLÁN, no prelo), revisaram vinte arti-
gos sobre propostas inovadoras de formação inicial de professores (supostamente
de orientação construtivista). Em vários deles, as ideias dos professores não eram
consideradas e, em outros – o que parece ser mais sério ainda –, quando isso ocor-
ria não era apontada a necessidade de que os professores considerem didatica-
mente as ideias dos alunos.

83
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Por trás desta questão está outro dilema sobre como tratamos e considera-
mos o “erro”. Normalmente, a polarização epistemológica mais assinalada está
entre o conhecimento científico (supostamente a explicação “correta” sobre os fe-
nômenos) e o conhecimento cotidiano (supostamente tomado como resultado de
nossa interação com o meio e resultado de uma elaboração pouco reflexiva sobre
as nossas vivências). Entretanto, García (1997) destaca que, do ponto de vista edu-
cacional, a polaridade relevante seria aquela entre uma visão simplista do conhe-
cimento e uma visão complexa do conhecimento. E essa ideia tem estreita relação
com o último dilema.
De fato, como discute este autor, certas situações do nosso dia a dia são
analisadas, muitas vezes, de forma muito mais reducionista do ponto de vista da
ciência do que pela abordagem cotidiana. Essa polaridade nos põe em frente a
enormes desafios. Por exemplo, como organizar os currículos de forma a superar
a fragmentação disciplinar que já não dá conta dos problemas que os cidadãos já
enfrentam hoje e, provavelmente, enfrentarão cada vez mais no futuro? Do ponto
de vista da formação de professores, uma questão análoga, com reflexos também
em nossas pesquisas, seria: estamos atendendo e considerando a enorme com-
plexidade da dinâmica de interação que ocorre em sala de aula, especialmente
quando esta se estrutura segundo perspectivas inovadoras do currículo (GARCÍA,
1998) e/ou da metodologia (AZCÁRATE, 1999)?
E, nesse sentido, outro desafio que se apresenta, relacionado também aos
anteriores dilemas, manifesta-se no momento de considerarmos o status (distin-
to?) que atribuímos ao conhecimento científico e às ideias dos alunos. Hashweh
(1996) mostrou, e alguns resultados nossos também confirmaram (HARRES, RO-
CHA, HENZ, 2001), que professores que têm uma concepção mais relativista sobre
as ideias dos alunos adotam estratégias de ensino com maior potencial para pro-
mover uma evolução conceitual.
Finalmente, de tudo isso pode ser derivada mais uma questão que guarda re-
lação íntima com todos os dilemas discutidos e, ao mesmo tempo, os encerra: como
integrar uma perspectiva formativa coerente com a necessidade de que os professo-
res aprendam a partir de suas próprias ideias e com a necessária ação de intervir?

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84
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

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85
VAMOS BLOGGAR, PROFESSOR?
POSSIBILIDADES, DESAFIOS E REQUISITOS
PARA ENSINAR FÍSICA NO SÉCULO XXI

Lucia Maria Martins Giraffa1

O CONTEXTO DO SÉCULO XXI E O PAPEL DO PROFESSOR


Segundo Bonk (2009), não importa se você é cientista num navio na Antártica
ou um jovem numa tribo indígena – você pode aprender desde que você esteja
interessado em aprender. Associemos estas ideias ao trabalho de Friedman (2007),
que nos leva a refletir acerca da planificação do mundo no século XXI, impactado
pelas tecnologias da Web. Neste “mundo plano”, o papel das tecnologias associa-
das à Web 2.0 foi fundamental para ampliar as relações interpessoais e de negó-
cios. E, evidentemente, trazem reflexos para o processo educacional. Bonk enfatiza
que o mundo está aberto para se aprender e adquirir novas experiências. O autor
reforça a ideia, a qual já é de senso comum, que a escola deixou de ser o único
lugar onde o aluno obtém informação e se socializa. Vivemos num tempo de mu-
danças monumentais e desafios para a Educação.
A escola criada por Platão, a famosa Hekademeia, depois conhecida como
Akademeia, onde os professores ensinavam baseados na oralidade, deixou de
existir na estrutura original com que foi concebida. Espera-se que a organização
escolar contemple mudanças que incluam as novas tecnologias associadas à Web
e que, ao incorporá-las, se modifique o paradigma centrado no professor presen-
cial, na cultura da oralidade como veículo principal de informação aos alunos, e
na utilização apenas de materiais impressos, superando a crença de que os en-
contros síncronos “face a face” e a presença dos alunos e do professor no mesmo
espaço físico sejam garantia de qualidade. É necessário que se superem o precon-
ceito, a desinformação e se permita a inclusão de novos espaços virtuais para se
ensinar e se aprender.
1
Graduada em Licenciatura Plena em Matemática pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1979),
graduada em Licenciatura Curta em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1979), Mes-
tra em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1991) e Doutora em Ciências
da Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1999). Possui experiência na área de
Ciência da Computação, com ênfase em Informática na Educação.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Nenhuma mudança acontece sem questionamentos ou manifestações de


oposição. Mudar significa repensar conceitos, rever crenças, deixar de fazer as
coisas como se fazia e, no caso da escola, deixar de aproveitar velhos materiais,
alguns desatualizados, conteúdos sem conexão com a realidade do aluno, me-
todologias centradas em meios analógicos e restritos ao espaço físico da escola,
recursos comodamente estruturados ao longo dos anos, usando o mesmo formato
e sem permitir a intervenção e manipulação criativa por parte dos alunos.
O paradigma mudou, e o professor trocou de papel: ele deixou de ser o for-
necedor de informação para ser o organizador do processo de aprendizagem. Ele
agora é o guia, o orientador e o facilitador da aprendizagem do aluno. Aretio (2007)
nos coloca que esta nova realidade fez com que fosse estendida a todo o planeta
uma preocupação em adequar a formação dos indivíduos para que eles desenvol-
vam as competências necessárias para trabalhar e conviver neste novo cenário. Os
ciclos de renovação do conhecimento se produzem num período temporal muito
inferior ao da vida das pessoas. Desta forma, faz-se premente que o indivíduo se
atualize constantemente para poder acompanhar o ritmo da sociedade e sentir-
se inserido e apto para desenvolver funções produtivas. A sociedade passou por
diversas fases nestes últimos 100 anos:
– Sociedade da Informação: baseada no (então) novo sistema tecnológico que
seria consolidado pela Web 1.0, onde há aplicação dos conhecimentos e informa-
ção, gestão e produção calcadas fortemente nos recursos de informática;
– Sociedade do Conhecimento: uma sociedade cognitiva que emerge de uma
civilização científica e técnica, imersa numa globalização da economia e de uma
cultura supostamente independente, onde devemos captar o significado das coi-
sas, compreendê-la e incentivar a criatividade. Onde a informação por si mesma
não produz conhecimento. Neste contexto é fundamental ter acesso à informação
e preparar o indivíduo para transformar esta informação em conhecimento.
– Sociedade da Aprendizagem: refere-se ao sistema onde as pessoas são for-
madas com uso das novas tecnologias e não se limitam a consumir passivamente
o volume de informações que recebem. Uma vez que a constante evolução téc-
nica, econômica e social vai requerer do indivíduo costumes e perfil de “eterno
aprendiz”. Reforçando a ideia de Aretio, costumo dizer a meus alunos que “dormi-
mos informados e acordamos desatualizados”. Nossa atitude é verificar sempre as
fontes consultadas e ampliar as opções de busca de informação, estar abertos a
novas oportunidades e não sermos ou termos uma atitude preconceituosa a res-
peito de como e onde podemos aprender.
Os discentes contemporâneos foram classificados por Prensky (2001) como
nativos digitais, os quais são orientados por professores imigrantes digitais. Na-

88
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

tivos são aqueles que já nasceram num mundo imerso em tecnologias digitais, e
desde sua infância convivem com aparatos diversos e associam o controle remoto,
o celular, o mouse, o Iphone ou qualquer dispositivo digital móvel a uma porta
para o grande mundo virtual. Enquanto seus professores observam estes recursos
como obstáculos a serem transpostos, como um conjunto de novas habilidades
a serem construídas. Esta lacuna entre a formação do professor e seu preparo
para usar recursos associados às tecnologias digitais vêm causando sérios pro-
blemas no cotidiano escolar. A falta de capacitação dos docentes para uso crítico
das tecnologias e não entender a necessidade de se criarem modelos pedagógicos
inovadores que incorporem estas possibilidades ofertadas pelo ciberespaço, está
criando um distanciamento entre a realidade do aluno fora da escola e a realidade
da sala de aula convencional.
O professor que atua na escola contemporânea percebe o impacto das tecno-
logias e a presença da cibercultura no cotidiano dos seus alunos. Win e Vrakking
(2009) destacam que os jovens de hoje fazem parte de uma nova geração, os Homo
Zappiens, aqueles que aprenderam desde cedo a “zapear” usando um controle
remoto ou dedilhando seus celulares. Essa geração, também denominada pelos
autores de “geração da rede”, está acostumada a interagir com seus amigos e, mui-
tas vezes, familiares, através das ferramentas de comunicação disponibilizadas na
Web 2.0 (chats, blogs, redes sociais, MSN, Twiter e outros). Eles possuem fluência
e ambiência com os elementos integrantes do ciberespaço e são sujeitos ativos
nessas comunidades virtuais das quais participam. Essa geração se diferencia das
anteriores por conseguir realizar várias tarefas ao mesmo tempo, segundo os au-
tores “são capazes de aumentar ou diminuir seu nível de atenção de acordo com
a fonte de informação, sem silenciar inteiramente outra e mantendo um nível
básico de contato com cada uma delas”. Os alunos da categoria Homo Zappiens
vivem intensamente a era digital. Quando um Zappiens está com problema ele
recorre a sua rede para buscar uma solução. Eles estão acostumados a serem pro-
ativos quando o assunto lhes interessa. A interação e a troca de informações são
fundamentais para o Zappiens.
As nossas escolas, na sua maioria, possuem professores que estão traba-
lhando na era “analógica”. Ou seja, não incorporaram na sua atividade docente
práticas que incluem o ciberespaço como meio alternativo/complementar para
trabalhar com seus alunos. Apesar dos esforços em capacitar e formar professores
para que incluam nas suas práticas as possibilidades ofertadas pelas tecnologias
digitais, estamos muito aquém do desejado. Segundo Zabalza (2001), os profes-
sores neste novo contexto, onde a escola não é mais o único lugar de busca da
informação e formação, devem transformar-se em gestores do processo de apren-

89
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

dizagem. E, além de dominar as competências tradicionais, precisarão dominar o


uso de recursos técnicos, aplicação de novas metodologias didáticas que facilitem
uma aprendizagem mais profunda e integradora.
O grande desafio do docente é organizar os processos de forma que seus alu-
nos adquiram as competências sociais, comportamentais e cognitivas necessárias
para viver e trabalhar na sociedade da aprendizagem. Para isso, é necessário que
tenhamos estratégias de formação que impliquem revisão das percepções e senti-
mentos do professor. E, não se trata apenas de motivação para uso de tecnologias,
e sim de atuar a partir de um conjunto de crenças adquiridas acerca do potencial
destas tecnologias como elemento de diferenciação ou qualificação da sua prática
docente e da certeza que poderá utilizar os recursos de forma customizada às
suas necessidades e ao seu planejamento.
Para podermos refletir melhor acerca dos requisitos e implicações, é neces-
sário destacar dois conceitos postulados por Levy (1999):
– Ciberespaço: meio de comunicação surgido a partir da interconexão dos
computadores em rede, que inclui não só a infraestrutura como o conjunto de
informações nele contidas;
– Cibercultura: conjunto de técnicas, materiais, práticas, atitudes, modo de
pensamento, valores que se desenvolvem no ciberespaço.
Tendo esse contexto como pano de fundo para nossas reflexões, pergunta-
se: Quais são os requisitos para o professor trabalhar em tempos de cibercultura?
Primeiramente, vamos estabelecer o que se quer dizer com requisitos, e para isto
vamos utilizar a terminologia usada na computação, mais especificamente da En-
genharia de Software (ES), para auxiliar na reflexão. Requisito pode ser descrito
como: a) uma condição ou capacidade necessitada por um usuário para resolver
um problema ou alcançar um objetivo; ou b) condição necessária para a obtenção
de certo objetivo, ou para o preenchimento de certo fim. Na prática, requisito é o
que o sistema tem que ter para atender plenamente ao propósito para o qual foi
criado. Se fizermos uma analogia com o professor, podemos considerar que uma
condição ou capacidade necessitada pelo professor para atuar no ciberespaço a
fim de alcançar um objetivo é atuar em sintonia com os elementos da cibercultura
e que uma condição necessária para a obtenção de certo objetivo, ou para o preen-
chimento de certo fim, é o processo de ensino e de aprendizagem.
Assim como na ES, os requisitos para serem identificados devem ser divi-
didos em:
– Requisitos Funcionais: aqueles que permitem que utilizemos os recursos
computacionais, tais como: ligar/desligar, utilizar ferramentas básicas para orga-
nização/produção de informações/conhecimento (exemplo do Word, Excel, Power

90
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

Point e outros), saber utilizar os recursos da internet, saber pesquisar com uso de
ferramentas de buscas, usar o e-mail, anexar adequadamente um arquivo, enviar
um documento para impressão, ter conhecimento de alguns atalhos do teclado,
que facilitam o manuseio, entre outros;
– Requisitos Não Funcionais: são aqueles relacionados ao aspecto de quali-
dade, que desenvolvemos por acreditar no propósito/objetivo/potencialidades da
atividade no ciberespaço. São eles: necessidade constante de mudanças e valori-
zação do trabalho docente na sala de aula; ser proativo, ter motivação para buscar
novidades e elementos novos para a complementação das aulas, ser acessível, ser
flexível, considerar as contribuições dos alunos como elementos importantes, sa-
ber trabalhar em grupo e entender a amplitude da autoria/produção coletiva.
Uma vez entendido o que são os requisitos no escopo deste capítulo, pergun-
ta-se: Quais são as implicações para o professor trabalhar em tempos de cibercul-
tura? Segundo Silva (2010), existe a necessidade de o professor entender que:
– Transitamos da mídia clássica para a mídia on-line;
– A interatividade como mudança fundamental do esquema clássico da co-
municação;
– A construção hipertextual intrínseca do ciberespaço.
A partir desses três itens vamos refletir acerca das implicações de atuar no ci-
berespaço, considerando tanto o escopo da Educação a Distância on-line, aquela que
oferta cursos e disciplinas totalmente desvinculadas da presencialidade, e utiliza de
encontros síncronos e assíncronos, como a sala de aula presencial, onde cada vez
mais os recursos do virtual são incorporados nas práticas docentes e discentes.
Ao criarmos uma sala virtual em qualquer plataforma que permita o esta-
belecimento de comunidades virtuais de apoio ao ensino e à aprendizagem, como
no caso do Moodle,2 precisamos considerar que os materiais a serem utilizados
devem estar disponíveis para download por parte dos alunos. Isso deve ocorrer
independente do seu formato (texto, áudio, vídeo, animações e outros).
O conceito inerente a essa proposta de EAD on-line é justamente o aluno
não se preocupar em trazer consigo os materiais que necessita e ter sempre a
sua disposição o ambiente da aula. Tanto no que se refere aos recursos, bem
como os espaços de interação utilizados para discussões, trocas de experiência
e até mesmo de avaliação.
Logo, cabe ao professor revisar suas fontes e buscar alternativas para dispo-
nibilizar os conteúdos em diferentes mídias e formatos. Essa geração está acos-
tumada à hipertextualidade da rede, onde as informações estão segmentadas de
forma a facilitar o acesso. Quando se afirma que os alunos não querem mais ler,
2
www.moodle.org.

91
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

permito-me discordar. Eles não desejam mais ler da forma como nós, docentes,
estamos acostumados a disponibilizar a informação. Eles vão ler 15 páginas de
conteúdo desde que elas não sejam oferecidas de forma sequencial, em um único
arquivo. Colocar a informação apenas em um meio também é complicado. Os estí-
mulos sensoriais da hipermídia fazem parte do cotidiano dos alunos internautas.
Se não buscarmos a diversidade de formatos e alternativas, a sala de aula será o
espaço mais enfadonho que eles vão frequentar. Se é que isto já não acontece!
Muitos docentes têm receio de trabalhar com salas de aula virtual, pois
acreditam que a falta do “olho no olho” proporcionada pelo encontro presencial
deixa profundas lacunas e impede o estabelecimento de um clima de coopera-
ção e cordialidade entre a turma. Evidentemente que se perde esta percepção
de conjunto, e o semblante do aluno é o que nos ajuda a entender se a aula está
funcionando ou não.
Nossa experiência com aulas virtuais desde 1997, quando o professor era um
multitarefa que necessitava ter domínio de múltiplas ferramentas que funciona-
vam de forma independente e, ao mesmo tempo, até os dias atuais, onde todos os
recursos estão integrados de forma acessível, demonstram que é possível esta-
belecer este clima fraterno e colaborativo entre o grupo, desde que o professor se
faça presente no mundo virtual. Como ele faz isto? Através do uso de ferramentas
de comunicação como o fórum, o chat, o uso de vídeos e áudios.
A interação no espaço virtual é a base de todo o processo de estabelecimento
da comunidade virtual de aprendizagem. Sem ela, o projeto não se estabelece.
Apenas colocar materiais, links, arquivos em formato pdf, vídeos e áudios sem
a devida contextualização não faz sentido e não vai funcionar bem. O elemento
agregador é o professor, através da sua monitoração e mediação.
Quem faz a diferença não é a tecnologia, mas sim o trabalho do professor.
Enfatizei há anos a seguinte mensagem: quem faz novas metodologias é o profes-
sor e não o computador. Cabe aos professores desmistificar os tabus relacionados
ao uso de tecnologias em sala de aula, buscar atualização e atender os requisitos
funcionais anteriormente mencionados. E, a partir dos seus requisitos não funcio-
nais, criar oportunidades de aprendizagem diversificadas para seus alunos.
Os alunos não esperam que os professores lhes ensinem como usar tecno-
logias. Isso eles já sabem. Eles continuam querendo aprender conteúdos que são
importantes para sua vida.

BLOGS COMO ELEMENTOS DE APOIO AO ENSINO DE FÍSICA


Segundo Fortes e Giraffa (2007), a utilização de instrumentos/tecnologia
na matemática não é uma novidade da sociedade contemporânea. A histó-

92
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

ria humana e da matemática mostra que o desenvolvimento tecnológico está


marcado pela construção de instrumentos que automatizaram a realização de
operações aritméticas. Segundo Ponte e Canavarro (1997), estudos arqueológi-
cos mostraram marcações, que provavelmente eram utilizadas para contagem,
que datam de mais de 30.000 anos. Da era das cavernas em direção aos tempos
atuais, os instrumentos tecnológicos desenvolvidos para a área da matemática
passaram por diversas fases.
Segundo Ponte e Canavarro (1997), diversos projetos procuraram colocar o
computador a serviço da Educação, entretanto as experiências iniciais mostra-
ram que os ensaios com a Informática na Educação não foram satisfatórios. Eram
ineficientes para transmissão de conhecimentos e desenvolvimento de capacida-
des específicas. Com o advento da popularização dos computadores, pequenos
grupos de professores interessados na tecnologia iniciaram algumas pesquisas.
Esses grupos tinham como objetivo o trabalho com as linguagens de programação
como BASIC e LOGO, e a exploração da utilização do computador no ensino da
matemática. Essas pesquisas eram desenvolvidas com grupos de poucos alunos, e
aplicadas como atividades extraclasse. Embora tímidos, esses experimentos apre-
sentaram resultados positivos. Na maioria dos casos, os alunos envolvidos nas ati-
vidades de pesquisa melhoravam sua relação com a matemática. Ainda segundo
Ponte e Canavarro (1997), esses resultados foram provavelmente a influência mais
significativa da utilização de tecnologias no ensino da matemática e da física.
Em Giraffa (2009), destacamos que as Tecnologias Digitais (TD) integradas e
disseminadas na rede Internet mudaram a forma como se percebe e selecionam os
recursos computacionais. A discussão não é mais centrada na escolha do software
tão somente, e sim em utilizar e selecionar quais os recursos oferecidos melhor
se adaptam e adequam aos objetivos pedagógicos que o docente possui. A oferta
de recursos é variada. Uma simples pesquisa usando ferramentas de busca, como
o Google e similares, permite-nos encontrar softwares educacionais mais simples
(tutoriais) até simuladores e micromundos, onde os alunos podem experimentar
no virtual algumas situações que dificilmente vivenciariam no presencial.
No entanto, a motivação principal para a modificação da atitude do pro-
fessor face às possibilidades que as TDs trazem para o cenário educacional se
embasa no fato de que os alunos de hoje possuem outra forma de construção
do conhecimento do que os professores (a maioria deles) que os acompanham e
tutelam (LÉVY, 1996).
A Internet está trazendo mais do que uma revolução tecnológica, uma re-
volução comportamental, vindo para facilitar a comunicação entre as pessoas e
criando uma nova percepção relacionada aos saberes, competências e habilida-

93
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

des. Ao participar ativamente da aquisição desses conhecimentos, o aluno terá a


possibilidade de se integrar e assimilar com mais facilidade tudo aquilo que esti-
ver aprendendo. Mas deverá ter cautela e verificar de que maneira irá utilizar tudo
o que estará aprendendo, assim saberá se vale a pena aprender tal informação
(GIRAFFA et al., 2008).
Mas por que entre tantos recursos disponíveis estamos recomendando que o
professor faça um Blog? Por que não utilizar uma sala de aula virtual num AVEA
(Ambiente Virtual de Apoio ao Ensino e à Aprendizagem), como por exemplo, o
Moodle? Por que ao fazer um Blog o professor fica independente para fazer a ges-
tão deste espaço. Uma sala de aula virtual numa plataforma de escola fica vin-
culada, muitas vezes, ao administrador da escola, e o professor nem sempre pode
configurar o ambiente da forma que deseja, além do fato de o professor poder so-
licitar aos seus alunos que construam seus próprios blogs, para que estes sirvam
como elementos de apoio às atividades de aula e, também, como alternativas para
incorporar ao sistema de avaliação da disciplina.
Quanto à origem do conceito de WeBlog, consiste na união das palavras Web
(rede) e log (registro). Independentemente do tipo de conteúdo apresentado, os We-
Blogs se transformaram em um veículo de expressão nos mais variados gêneros,
conforme Orihuela (2006). Fundamentados no conceito da simplicidade, os Blogs
atingiram um rápido crescimento, pois os autores não precisam de praticamente
nenhum conhecimento técnico. Mesmo sem conhecer a linguagem HTML,3 os inter-
nautas podem publicar textos, fotos e vídeos através dos Blogs. Além de fácil mani-
pulação, permitem rápidas atualizações. Baseado no princípio de microconteúdo e
atualização frequente, no artigo de Primo e Recuero (2003), o sistema permite uma
escrita coletiva, pois todos os internautas podem assumir o papel de colaboradores,
bastando que o visitante escreva comentários sobre os assuntos (posts) publicados
no Blog. “Os Blogs são o primeiro passo para que todas as pessoas alfabetizadas te-
nham sua própria plataforma no mundo“ (AMORIN, VIEIRA, 2006).
Segundo Rodrigues (2006), o Blog é uma ferramenta que possibilita todas as
potencialidades que a internet pode oferecer. Por ser simples na sua utilização, em
sala de aula favorece a transmissão de informações entre professores e alunos. Ain-
da conforme a autora, após verificarmos todas as facilidades que os Blogs nos apre-
sentam, podemos dizer que estamos diante de um grande espaço público virtual.
3
Derivado da palavra inglesa Hypertext Markup Language, que significa Linguagem de Marcação de Hiper-
texto, é uma linguagem de marcação (conjuntos de códigos criados para serem lidos por computadores)
utilizada para produzir página na Internet. Documentos HTML podem ser interpretados (lidos) por nave-
gadores também chamados de Browser (são programas que utilizados para traduzir as páginas em HTML
e outras tecnologias desenvolvidas para a internet). Internet Explorer, FireFox são exemplos de navegado-
res. (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/. Com adaptações da autora.)

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João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

Com o crescimento da Blogosfera,4 os Blogs formaram diversas categorias,


como: Blogsite,5 Bblooks,6 EduBlogs/EBlogs,7 FoodBlogs,8 FotoBlogs,9 MediaBlogs,10
MoBlogs,11 TechBlogs,12 VBlogs/VideoBlogs,13 entre outros. Além de todas essas pos-
sibilidades educacionais, os Blogs vão muito além da divulgação de informação.
Se bem utilizados e explorados, podem ser poderosas ferramentas de aprendiza-
do e dentre as diversas possibilidades pedagógicas podemos citar a facilidade de
comunicação entre professores e alunos. Comprovando as suas possibilidades na
educação, encontramos diversos projetos que utilizam WeBlogs para este fim.
Para melhor entendimento de como funciona este espaço de interação vir-
tual, criou-se um Blog para apoiar as discussões entre o professor e seus alunos,
bem como, entre os alunos e a monitoria da disciplina de Cálculo, onde se dispo-
nibilizou diversos links sobre os assuntos de matemática e cálculo. O Blog, criado
por Fortes (2009), foi utilizado como elemento adicional de suporte ao processo de
ensino e de aprendizagem dos conteúdos desta disciplina. Basta uma rápida pes-
quisa na Internet, usando a expressão “blogs de física”, e o resultado da busca nos
disponibiliza um grande número de Blogs relacionados ao ensino da física.
Os formatos e conteúdos são variados, e alguns vão requerer muito cuidado
no seu uso, porque os autores não possuem certificação adequada. Isto é, são au-
tores não vinculados a uma instituição de ensino que certifique suas opiniões ou
comentários. Nem tudo que está disponível na rede está correto ou se apresenta
de forma adequada. Logo, cabe ao professor acessar o site e verificar se o conteúdo
contido neste blog/site é correto, está apresentado de maneira coerente com a for-
ma que o docente costuma trabalhar e, por último, se a linguagem está apropriada
à faixa etária dos seus alunos.
Um exemplo de um Blog é o encontrado em http://www.ft.org.br/site/blogs/,
muito acessado e que contém conteúdos interessantes relacionados à física te-
órica, e a partir do qual podem-se acessar outros blogs com diversos conteúdos.

4
Blogosfera: universo dos blogs existentes na internet (CIPRIANI, 2006).
5
Blogsite : híbrido de site e blog. Geralmente são sites que possuem um blog.
6
Blooks: união das palavras blog e book. São livros criados com base nos posts de algum blog famoso. E nele
inseridos capítulos do livro como posts (CIPRIANI, 2006).
7
EduBlogs/EBlogs: blog como ferramenta de docência, aprendizagem e investigação (ORIHUELA, 2006).
8
FoodBlogs: blog que apresentam o conteúdo sobre gastronomia.
9
FotoBlogs: o conteúdo consiste em fotografias ao invés de textos (ORIHUELA, 2006).
10
MediaBlogs: o conteúdo é sobre os meios de comunicação (ORIHUELA, 2006).
11
MoBlogs: blogs mantidos pela transmissão de arquivos via telefones móveis.
12
TechBlogs: o conteúdo é sobre tecnologia.
13
VBlogs/VideoBlogs: os posts são baseados em vídeos em vez de textos (CIPRIANI, 2006).

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Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Salienta-se que o fato de esse blog ser muito acessado não garante que ele seja o
melhor. Atualmente, deve-se analisar com cuidado os primeiros links que surgem
em resposta a um pesquisa realizada na Internet, uma vez que os links patrocina-
dos estão cada vez mais comuns. Estes links pagam para aparecerem na lista dos
10 primeiros sites que a ferramenta de busca retorna. Dessa forma, o fato de um
site ou blog estar destacado não garante a qualidade pedagógica do seu conteú-
dos. Professor, aproveite e acesse este link sugerido e faça sua avaliação... já é um
bom começo e um ótimo exercício!
Agora que existe a motivação para criar um espaço virtual de apoio às suas
aulas, são oportunas as seguintes perguntas:
– Que ferramentas o professor pode utilizar para construir um Blog?
– É muito difícil construir um Blog?
Considerando os requisitos já mencionados na primeira sessão deste capítu-
lo a resposta é não. Um professor familiarizado com uso de computadores, edito-
res e Internet poderá seguir os diversos tutorias “passo a passo” disponibilizados
na rede e fazer seu blog. Esses tutoriais podem ser acessados da mesma forma que
os Blogs: basta utilizar uma ferramenta de busca e colocar “como fazer um Blog?”,
e muitas opções, inclusive em vídeo (do YOUTUBE), serão disponibilizadas.
O site https://www.blogger.com/start?hl=pt-BR, por exemplo, coloca as op-
ções de construção do blog passo a passo e permite ao usuário construir sua apli-
cação sem custo. Outros sites interessantes são:
- http://www.criarumblog.com/;
- http://www.spaceblog.com.br/;
- http://fazerblogs.com/como-fazer-blog-gratis/;
- http://www.uniblog.com.br/.
Caso essas opções ainda não o auxiliem, faça sua pesquisa, busque um vídeo
que demonstre passo a passo como o usuário (professor) poderá resolver essa
questão. Um recurso muito importante num blog são os links de referência a ou-
tros blogs. Os blogs permitem incorporar vídeo e materiais selecionados. A seguir,
disponibilizamos alguns exemplos interessantes para o professor de física:
- http://sergioflima.pro.br/blogs/index.php/blogefisica/;
- http://ensinofisicaquimica.blogspot.com/;
- http://www.euprofessor.com.br/2009/02/videos-e-animacoes-de-ensino-de-fisica/;
- http://nautilus.fis.uc.pt/wwwfi/videos.html;
- http://www.fisica.net/;
- http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/handle/mec/120;
- http://www.youtube.com/watch?v=elwfwRpC;
- http://www.youtube.com/results?search_query=ensinando+fisica&aq=f.

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João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A formação docente tem de mudar. As crenças de como se ensina e aprende
estão sendo revistas à luz dos novos meios de se disponibilizar informação e se
construir conhecimento. A minha geração aprendeu e foi formada sem tecnolo-
gias digitais. Fomos aos poucos adquirindo conhecimento e experenciando alter-
nativas, criando novas metodologias e nos atualizando. Aqueles que, como eu,
completam mais de 30 anos de magistério, tiveram o privilégio de acompanhar a
lenta e gradual inserção tecnológica da escola. Infelizmente, a escola ainda está
longe de ser o local das grandes reflexões e experimentações relacionadas ao uso
da tecnologia como elemento articulador e apoiador da aprendizagem desta nova
geração Zappiens que frequenta a escola.
Várias são as razões para que isso ocorra, destaco duas que considero fun-
damentais: políticas públicas que demoraram a disponibilizar uma infraestrutura
adequada e plena para que a escola ofereça um ambiente tecnológico moderno
e eficaz para apoiar as práticas docentes e discentes e programas eficientes que
capacitem os professores para atuar em tempos de cibercultura.
O contexto é favorável, e as boas iniciativas para correção destes problemas
estão em curso. No entanto, estamos muito aquém de onde deveríamos estar no
que concerne ao uso de tecnologias na sala de aula. Eu acredito no professor e na
sua força. Acredito em Educação. Ela é base de toda a mudança e da construção
de uma sociedade qualificada e que valoriza o ser humano. Por incrível que possa
parecer, o uso adequado e bem conduzido das tecnologias disponibilizadas, e es-
pecialmente as associadas à internet (Web 2.0), as quais permitem a comunicação
ampla entre as pessoas, aproxima e educa. Porém, nós temos de educá-las para
isto. Sem educar de maneira crítica os jovens para o uso das tecnologias, eles vão
utilizá-las apenas como lazer, e se perderá o potencial incrível que oferecem para
sua formação e seu aprendizado. O mundo caminha a passos largos para uma
total de digitalização de serviços. Vamos aproveitar para tirar de tudo isso boas
oportunidades para reviver a escola. Uma pessoa que aprende se liberta das limi-
tações que a ignorância traz. Precisamos do professor para fazer isso.
Uma das coisas que aprendi nestes quase 40 anos na rede, é que quan-
do o professor entra na sala de aula e fecha a porta, não importa quem seja
o secretário de educação, ou qual seja o currículo. Na hora de dar aula, ele
vai acabar fazendo o que preferir. A tarefa, então, é fazer com que ele se sinta
envolvido para que faça o que gostaríamos que fizesse. No final, tudo depende
dele (ERIC NADELSTERN, in GALL; GUEDES, 2010).

O poder do docente em decidir como atuará na sua sala de aula conven-


cional sempre existiu. O mesmo acontece com relação ao ciberespaço. O profes-

97
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

sor necessita acreditar que essas mudanças são necessárias e farão diferença no
trabalho com seus alunos. Segundo, ele precisa ter garantias de que os recursos
estarão disponíveis para uso da forma como foi capacitado. E, por último, ele tem
de estar devidamente preparado para atuar na virtualidade. E sua formação não é
algo que se construa de fora para dentro.
O professor tem de observar seus alunos Zappiens e aprender com eles a
atitude investigativa, questionadora e as habilidades de construir redes sociais co-
laborativas para poder trocar informação e conhecimento com seus pares. A cons-
trução do conhecimento não é mais solitária, é solidária. Aprende-se na sala de
aula, em casa, no cybercafé, no clube, na LanHouse, no Orkut, no Twiter... aprende-
se em qualquer lugar.
Um excelente exemplo de como ensinar física nesta nova abordagem pode
ser visto em http://www.adorofisica.com.br/fisica.html. Neste site, o professor
encontra exemplos interessantes de como trabalhar os conceitos relacionados à
física e construir experimentos que auxiliem seus alunos a entender a física no
cotidiano, e a importância deste estudo. Alunos e professores podem contribuir
para enriquecer os exemplos e experimentos sugerindo atividades e enviando-as
por email. Um link no site permite que a informação seja enviada de forma au-
tomática. Além deste, o site http://www.sofisica.com.br/cotidiano.php mostra-se
um grande repositório de informações interessantes que a Internet oferta para o
professor organizar suas aulas.
Concluímos este capítulo transcrevendo o texto de motivação do site “Só fí-
sica” anteriormente indicado:
Quando se estuda física, principalmente na escola, a ideia que normal-
mente se tem é que nem tudo o que é aprendido realmente tem alguma utilidade
prática. No entanto, muito do que é visto como idealização de modelos tem gran-
de aplicação no dia a dia, desde as atividades físicas que realizamos até os equi-
pamentos sofisticados que carregamos, como os telefones celulares e relógios.

Professor, motive-se também para utilizar a internet e seus recursos como


elementos apoiadores das suas aulas. Construa seu blog e utilize-o como elemen-
to articulador e como extensão do espaço da sala de aula tradicional... esteja mais
perto dos seus alunos tanto no presencial como no virtual! Afinal, “Ninguém pode
voltar atrás e começar de novo, mas todos podemos começar hoje e ter um novo
final”, Chico Xavier.

98
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

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99
PRÁTICAS EXPERIMENTAIS DE FÍSICA NO CONTEXTO DO
ENSINO PELA PESQUISA: UMA REFLEXÃO

Márcio Marques Lopes de Oliveira1


Daniela Govoni Sotelo2
Rita de Cássia da Costa3
João Bernardes da Rocha Filho4

A sociedade pós-moderna, com sua dinamicidade, premia a inova-


ção e exige a criatividade, levando os cidadãos a uma dedicação
crescente no desenvolvimento de novas competências e habilidades. No entanto,
convivemos com baixos índices de desempenho escolar e insatisfação dos estu-
dantes com os métodos da educação formal. A escola parece não cumprir ade-
quadamente o papel de preparar cidadãos capacitados para uma vida produtiva
porque, conforme Rocha Filho et al. (2007), tem se mostrado incapaz de modificar
suas bases, adaptando-as à atualidade e se mantém fundada na autoridade, exi-
gindo de seus membros o conformismo e a obediência enquanto o mundo pede
autonomia, iniciativa, criatividade, autorrealização, competência e capacidades
de expressão emocional e racional.
Essa incapacidade da escola contemporânea é nociva à educação científica,
pois reduz a aprendizagem à memorização de conteúdos específicos e pouco úteis
à cidadania, excluindo aspectos práticos, éticos e valorativos vinculados à ciência
e tecnologia, como sugere Morin (2003). Sugestões para a solução deste problema
podem ser inspiradas nas recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio (BRASIL, 1999 e 2002) e Orientações Curriculares para o Ensi-
1
Mestre em Educação em Ciências e Matemática (PPGEDUCEM/PUCRS), Licenciado em Física pela FA-
FIS/PUCRS.
2
Graduada em Física pela PUCRS.
3
Graduada em Licenciatura em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2006) e
graduada em Licenciatura em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (1984), Mestra em Engenharia e Tecnologia de Materiais.
4
Organizador deste livro.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

no Médio (BRASIL, 2006), que apontam na direção de um ensino não profissiona-


lizante que propicie aprendizados úteis à vida e ao trabalho dos cidadãos. Esses
documentos propugnam que o conhecimento, as competências, as habilidades e
os valores desenvolvidos na escola se tornem instrumentos efetivos de percepção,
satisfação, interpretação, julgamento, atuação e desenvolvimento pessoal conti-
nuado. A educação científica deve, portanto, para se adequar às expectativas glo-
bais expressas pelos documentos nacionais oficiais da educação, contribuir para
a formação de indivíduos comprometidos com o bem comum, capazes de solu-
cionar problemas locais, seus e da comunidade, de modo que, também segundo
Demo (2000), a cidadania que se elabora na escola deve fundar-se no conhecimen-
to para estabelecer uma sociedade ética, equitativa e solidária.
Além disso, Moraes (2004) afirma que a aprendizagem é construção e comple-
xificação de conhecimentos mediados pelo incentivo à pesquisa, com participação
intensa de quem aprende. No entanto, para grande parte dos alunos, segundo La-
buru (2006), estudar, frequentar aulas e fazer as lições de física constituem tarefas
árduas e maçantes, que são cumpridas apenas por obrigação, devido à pressão da
família e da sociedade, ou para obter um certificado na tentativa de garantir um
futuro profissional melhor. Mas a educação científica pode ser satisfatória e pro-
duzir sentido no educando em níveis superiores aos que são obtidos atualmente,
segundo Moraes (2004), por meio da pesquisa em sala de aula.
Por isso, Demo (2000) afirma que a pesquisa não deve ser apenas tarefa do
cotidiano de cientistas, mas sim constituir o ambiente diário do professor e do
aluno, e isto representa um dos conceitos centrais do currículo reconstrutivo. Aí
está incluída a experimentação e demais atividades práticas realizadas no ensino
de física, às quais Moraes (2004) atribui um novo sentido: a de reelaboração do sa-
ber. No entanto, esta prática não deve ser centrada exclusivamente “na interação
individual de alunos com materiais instrucionais, nem se resumir à exposição de
alunos ao discurso professoral” (BRASIL, 1999, p. 7), mas também na participação
conjunta e integrada de cada um com o propósito de constituir um processo de
construção cultural.

A PROPOSTA DOS DOCUMENTOS OFICIAIS


DA EDUCAÇÃO DE NÍVEL MÉDIO
A visão de educação formal de nível médio apresentada nos Parâmetros Cur-
riculares (ibidem) e nas Orientações Curriculares (BRASIL, 2006) volta-se para a
construção de práticas docentes promotoras da formação cidadã e não meramen-
te funcional. Esses documentos propõem uma educação científica que tem por
objetivo construir conhecimentos e habilidades úteis para a vida e não somente

102
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

para o ambiente escolar. Neles, o sentido do aprendizado da física relaciona-se


à construção de uma visão humanista da ciência, acentuada já em documentos
legais anteriores, com um entendimento de ciência como processo, e não como
produto. Também a maturidade dos estudantes neste nível de ensino orienta os
objetivos educacionais na ênfase da promoção de habilidades, competências, va-
lores e atitudes benéficas para a formação cidadã. Além disso, há uma preocupa-
ção de que o ensino da física ultrapasse o conteúdo curricular e abranja descober-
tas, transformações e a evolução do conhecimento humano, em uma concepção
integradora de aprendizagem na qual a noção de conhecimento não se apresenta
restrita às áreas específicas do saber científico.
Nos documentos oficiais, o perfil almejado para o concluinte do ensino mé-
dio associa-se às necessidades da sociedade contemporânea, marcada pelo dina-
mismo e pela emergência de cidadãos capazes, autônomos e criativos. Por outro
lado, esse perfil coincide com o anseio do estudante cansado da rotina escolar, que
a suporta apenas pelos motivos pragmáticos apresentados por Laburu (2006), ou
para obter aprovação a uma etapa subsequente de estudos.
Mas a formação de cidadãos passa pelo desenvolvimento da capacidade de
gerir a informação em um mundo dinâmico, no qual quase todo conhecimento
humano está disponível na internet e pode ser consultado a partir de qualquer
computador. Ainda que a disponibilidade irrestrita de informações caracterize
uma situação de violência, na medida em que qualquer pessoa está sempre e
inevitavelmente desatualizada perante a instantaneidade da internet, do cidadão
contemporâneo exige-se, além da capacidade de acessar estas informações, habi-
lidade para lidar com elas criando novos conhecimentos no seu campo de atua-
ção. Esta é uma característica inelutável da contemporaneidade.
No entanto, boa parte dos resultados almejados no discurso dos documentos
oficiais não se concretiza, e os críticos da educação contemporânea apontam que
nosso sistema educacional pratica um modelo de aprendizagem reprodutiva ba-
seada na cópia, e que a escola de hoje funciona de forma quase idêntica em rela-
ção à escola de décadas no passado, com professores transferindo conhecimentos
gradualmente para os estudantes. Ainda que os copy-pastes digitais atuais tenham
substituído parcialmente as cópias de livros, a aprendizagem que resulta disso
continua sendo fraca, refletindo-se na baixa capacidade dos alunos de interpretar,
resolver, criar e aplicar os conteúdos estudados na escola, mesmo porque os livros
também persistem apresentando a física de forma tradicional “[...] claramente
não compatível com os objetivos enquadrados nos preceitos de uma formação
como cultura contemporânea” (NASCIMENTO, ALVETTI, 2006, p. 33).

103
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

O problema estaria na concepção de ensino escolar centrado no repasse do


conhecimento de uma pessoa a outra, como se aquele fosse uma substância. Con-
sequentemente, o papel do professor precisaria ser reformulado, e a capacitação
para o uso da experimentação no contexto de uma educação pela pesquisa pode-
ria fazer parte dessa reformulação.

A EDUCAÇÃO PELA PESQUISA: UMA BREVE APRESENTAÇÃO


A pesquisa em sala de aula, proposta por Demo (1997) como uma alternativa
capaz de minimizar problemas apresentados pela educação escolar tradicional,
seria capaz de redefinir o papel do professor, adequando-o à era da informação, as-
sim como servir à implantação de uma cultura escolar baseada na pesquisa. Além
disso, a substituição das aulas copiadas, que é uma das proposições da educação
pela pesquisa, parece essencial para a ampliação do alcance de pelo menos um
dos objetivos expressos nos documentos oficiais: a formação de cidadãos aptos a
atuarem de forma crítica e ética em todas as esferas sociais.
A pesquisa na sala de aula, como compreendida neste artigo, é uma proposta
parcialmente epistemológica e parcialmente propedêutica que aborda as ques-
tões referentes ao papel que a pesquisa deveria assumir no cotidiano escolar. Para
Demo (2000), a educação pela pesquisa fundamenta-se no reconhecimento de que
o aluno é sujeito do processo ensino-aprendizagem, e que deve atingir competên-
cias educacionais consistentes e de longo prazo. No contexto da educação pela
pesquisa a argumentação supera a cópia como estrutura central da construção de
conhecimento, pois quando o aluno se manifesta em sala de aula se assume como
sujeito de sua própria aprendizagem. Por isso, a educação pela pesquisa considera
que a simples redação de trabalhos e relatórios para posterior entrega ao profes-
sor pode não contribuir de forma importante para a aprendizagem, porque não
garante a construção da capacidade argumentativa e reflexiva.
Segundo Demo (ibidem), a educação pela pesquisa não consiste apenas em
uma visão pedagógica diferenciada, mas em um enfoque relacionado ao desafio
de constituir o ambiente escolar como propulsor do desenvolvimento das capa-
cidades formal e política, até o ponto de tornar a pesquisa escolar e acadêmica o
modo próprio de educar. Também não envolve receitas de ação, mas está relacio-
nada à atitude do professor, e neste sentido difere de uma simples metodologia
de ensino. Entre seus pressupostos estão o investimento na leitura, no diálogo,
na escrita e na pesquisa, como princípios ativos da aprendizagem. Ao propor ob-
jetivos mais consistentes para as atividades de sala de aula, diversificando-as e
aproximando-as das características da ciência, como a investigação e a aplicação
dos conhecimentos, seriam criadas condições para a construção própria do saber,

104
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

despertando ludicamente a aprendizagem por meio da busca pelo conhecimento.


Em síntese, a educação pela pesquisa é vista como uma forma de superação
da aula copiada e de aplicação da pesquisa como atitude cotidiana na sala de aula.
Busca a construção de competência na elaboração crítica e na argumentação con-
sistente, levando o aluno a aprender a aprender com autonomia e criatividade.
Para isso a educação pela pesquisa aposta no exercício da escrita sustentada na
interlocução com teóricos e com a realidade, submetendo sua produção a críticas
qualificadas e rigorosas, visando sua validação (GALIAZZI, MORAES, 2002). É justa-
mente nesta interlocução com a realidade que a experimentação pode contribuir
mais diretamente com a educação pela pesquisa, no ensino de física.

REFLEXÕES SOBRE EXPERIMENTAÇÃO


NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO PELA PESQUISA
Para Moraes e Mancuso (2004), investir no lúdico não significa apenas atrair
o aluno pela sensação de novidade que uma atividade experimental pode propor-
cionar, mas sim utilizar esse inesperado para construir um conhecimento mais
próximo do aluno. Além disso, atividades experimentais podem ser promotoras de
aprofundamento nos aspectos teóricos da física. Pesquisas realizadas por Lederman
(2001) corroboram a proposição de que a experimentação é um fator que agrega não
apenas conhecimentos teóricos, mas também combate o repúdio que comumente
é manifestado pelos jovens em relação à física e outras ciências. Lederman obteve
índices maiores de ampliação dos conhecimentos teóricos nos alunos que trabalha-
ram com pesquisas e atividades experimentais em relação àqueles que estudaram
os mesmos conteúdos apenas de forma teórica. No entanto, (ibidem, p. 11) “O traba-
lho de laboratório deve ser guiado pela pesquisa (o oposto de laboratórios de receita de
bolo) e projetado para iluminar conceitos” (tradução nossa).
Logo, a simples realização de atividades experimentais não garante a apren-
dizagem, pois atividades práticas podem ser utilizadas de forma pouco eficaz, em
termos educacionais, como apresentação de teorias estabelecidas ou comprova-
ção de verdades científicas. Nesses casos, aluno e professor apenas reproduzem
sequências de procedimentos com o objetivo de obter os mesmos resultados de
seus antecessores, sem incentivo à discussão, crítica ou autonomia.
Ainda que meios materiais adequados estejam disponíveis, a observação
descompromissada de experimentos demonstrativos ou operacionalização de
sequências de passos rigorosamente estipulados não garante níveis mínimos de
aprendizagem, mas apenas atesta que estudante e professor são capazes de se-
guirem procedimentos técnicos. Essa é uma tendência alienante com a qual se
defronta a educação e que segue o ritmo de muitas organizações humanas que,

105
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

segundo Perrenoud (2000), funcionam de acordo com rotinas amplamente desco-


nectadas de suas razões de serem. Por isso, do professor é necessária não apenas
competência, mas também energia e coragem para manter autocrítica constante
sobre cada ação pedagógica. Por isso, a experimentação realizada no contexto de
um ambiente escolar de pesquisa, do tipo usado por Lederman (2001), pode trazer
significado e aumentar as chances de que ocorra aprendizagem.
Apesar disso, a experimentação é pouco utilizada no ensino de física, o que
levou Pena e Ribeiro Filho (2009) a investigarem relatos de experiências pedagó-
gicas publicadas em periódicos nacionais entre 1971 e 2006. Neste estudo, eles
verificaram que os principais obstáculos ao uso da experimentação no ensino da
física são: a) a falta de pesquisas sobre a aprendizagem associada à experimen-
tação; b) a despreparação dos professores para trabalharem a física por meio de
atividades experimentais; e c) as más condições de trabalho oferecidas aos profes-
sores, que desfavorecem o uso de experimentos, ou seja, as escolas não possuem
instrumentos ou espaço físico laboratorial, ou as condições materiais disponíveis
são insuficientes devido ao grande número de alunos.
Outros autores também investigaram o tema, concluindo que a experimen-
tação é pouco utilizada no ensino de física praticado nas escolas por razões múlti-
plas e de superação complexa, que envolvem principalmente a carência de recur-
sos materiais, como laboratórios e equipamentos (STELLA, CHOIT, 2006), a falta de
preparação dos professores para utilização da experimentação didática (CHAGAS,
MARTINS, 2009), a pouca disponibilidade de tempo curricular para a preparação
e exploração da experimentação (KANBACH, LABURU, MOURA DA SILVA, 2005),
e a noção de que a experimentação é dispensável na educação científica escolar
(FARIAS, 1992). As três primeiras causas são bem conhecidas e identificáveis na
literatura, em artigos atuais que exploram a observação do cotidiano escolar ou
analisam os discursos dos professores. A quarta causa, entretanto, é menos explí-
cita, mais antiga, e originou-se no movimento de resistência intelectual à expan-
são ideológica americana no período da guerra fria.
Em 1966 houve uma tentativa de adequar a educação científica nacional ao
modelo americano, materializado no acordo MEC-USAID (PINA, 2008), e parte im-
portante da intelectualidade não vinculada ao governo militar brasileiro de então
percebeu neste acordo uma ingerência externa nos rumos da educação nacional,
que intencionava a despolitização ou desideologização do ensino universitário,
dando-lhe uma ênfase tecnicista. Dado o caráter impositivo do acordo, uma das
poucas reações possíveis foi a amplificação do aspecto questionador discursivo e
dialógico da educação, com a correspondente negação do tecnicismo, o que termi-
nou por deslocar a experimentação didática para um plano secundário, embora

106
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

não fosse essa a intenção original dos professores e teóricos da educação brasi-
leiros. Assim, por exemplo, a pedagogia crítica de Paulo Freire, cuja origem data
da mesma época, tende a não enfatizar a experimentação, da mesma forma que
as epistemologias e metodologias que dela sofreram influência, entre as quais a
educação pela pesquisa.
Por isso, coube à Moraes (2004) alertar a comunidade educacional de que a
experimentação se insere harmoniosamente nos pressupostos da educação pela
pesquisa. A experimentação que a educação pela pesquisa propõe, no entanto, é
aquela de cunho investigativo, que não se orienta para resultados definitivos ou
respostas prontas, que não pode ser confundida com demonstração e que neces-
sita de alunos ativos e empenhados no próprio desenvolvimento. Assumindo esse
perfil investigativo as atividades experimentais viabilizam o relacionamento entre
os aspectos teóricos e empíricos dos vários conteúdos, facilitando, por exemplo,
o alcance do domínio sobre a linguagem adotada pelas ciências, o que é um dos
objetivos oficiais da educação brasileira de nível médio.

UMA EXPERIÊNCIA COM UMA OFICINA DE FÍSICA


Na busca por melhor compreensão quanto à forma de realização e resulta-
dos da proposição de atividades experimentais no contexto de aulas centradas
nos pressupostos da educação pela pesquisa, no âmbito escolar, foi oferecida uma
oficina de física a alunos de uma escola pública de ensino médio localizada na
zona central de Porto Alegre. Para isso, obteve-se o apoio da direção e da professo-
ra de física da escola, assim como de uma bolsa de iniciação científica viabilizada
com recursos da FAPERGS, atribuída a uma aluna de licenciatura em física que
assessorou os encontros, observados também por estagiários matriculados na dis-
ciplina de estágio supervisionado do mesmo curso. A oficina foi oferecida a uma
turma regular do primeiro ano do ensino médio, no período de março a junho de
2008, em dez encontros de dois períodos letivos cada, aos sábados pela manhã.
Dos vinte e nove alunos matriculados na turma, todos com menos de vinte anos,
participaram da primeira oficina dezoito alunos, mas este número subiu gradual-
mente até atingir vinte e três alunos, no último encontro.
A apresentação da proposta aos alunos, com o convite para comparecerem
voluntariamente à oficina, foi realizada pela professora, em horário normal. No
primeiro encontro os tópicos e as atividades a serem desenvolvidos foram discuti-
dos com os presentes. Foi escolhido como tópico inicial o tema energia, pois, além
de estar relacionado com o cotidiano dos alunos, seria um tema facilitador para
futuras abordagens de outros conteúdos daquele ano – compromisso assumido
com a professora e a direção da escola na apresentação do projeto. A oficina foi

107
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

planejada em concordância com os pressupostos da educação pela pesquisa, a Lei


de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, os Parâmetros Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio.
A estruturação geral dos encontros considerou: a) a identificação dos conhe-
cimentos prévios dos alunos; b) a definição dos tópicos que seriam abordados; c)
a listagem das competências e habilidades que seriam desenvolvidas; d) a elabo-
ração das questões gerais que seriam propostas; e) a escolha do material dispo-
nibilizado e das técnicas experimentais que seriam utilizadas, e; f) a elaboração
e aplicação de instrumentos de avaliação, incluindo aspectos da dinâmica argu-
mentativa do grupo e da capacidade de expressão escrita e resolução de proble-
mas sobre o tema estudado. A avaliação de cada encontro considerou: a) o relato
escrito da professora da turma e da bolsista de iniciação científica; b) a coerência
e precisão da produção escrita e das argumentações dos alunos, além da precisão
na resolução dos problemas propostos; e c) a capacidade de agir cooperativamen-
te nas atividades experimentais e de pesquisa, demonstradas pelos alunos. Além
dessas avaliações, ao fim dos dez encontros os alunos realizaram um teste relativo
aos conteúdos de física estudados, estruturado a partir de problemas a serem re-
solvidos pelos estudantes.
As competências e habilidades consideradas no planejamento foram, dentre
as indicadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1999 e 2002), aquelas que
melhor se adequavam à proposta da oficina e que seriam estruturantes para os
trabalhos subsequentes. Entre elas, teve-se como objetivo elementar que cada
aluno participante do projeto fosse capaz de correlacionar cada tópico com apli-
cações cotidianas típicas, elaborasse uma argumentação própria, escrita e falada,
atuasse ativamente em um grupo de trabalho e conseguisse solucionar problemas
formais sobre o tema estudado.
Nem sempre a proposta inicial de certo encontro pôde ser mantida, pois
aconteceu de algum questionamento pertinente conduzir as atividades para um
rumo alternativo, fazendo com que o planejamento não se concretizasse em sua
integralidade. Mas esse fato não impediu o estudo aprofundado do tema energia
e ficou registrado nas anotações de campo para que fosse possível avaliar os re-
sultados obtidos de forma coerente com as atividades efetivamente realizadas,
que incluíram: a busca de informações gerais sobre energia em jornais, revistas
e internet; sessões de discussão sobre temas polêmicos relacionados à energia;
identificação das diferentes formas em que a energia se apresenta nos fenômenos
cotidianos e como esses se relacionam com as atividades da vida contemporânea;
busca de dados e preparação de apresentações quanto aos impactos ambientais
do uso das diferentes fontes energéticas; atividades experimentais para coletar

108
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

evidências da conservação de energia nos processos físicos; quantificação da ener-


gia potencial, cinética e elástica por meio de experimentos; estudo da relação en-
tre a energia cinética e os movimentos, descritos por suas funções horárias; e
utilização de instrumentos de medida.

CONSIDERAÇÕES E REFLEXÕES FINAIS


Como resultado da pesquisa teórica ficou claro que o processo de ensino e
aprendizagem pode ser facilitado quando a sistemática adotada na sala de aula
permite que o aluno assuma-se como agente na construção de seu conhecimento,
como propõe a educação pela pesquisa, e que a utilização do recurso experimen-
tal neste contexto é válida e produtiva. Também ficou explícito que a consideração
das ideias prévias trazidas pelos alunos permite problematizações e confrontações
que levam à construção de um pensamento mais crítico e melhor fundamentado
sobre as questões científicas, e que um número maior de alunos alcança com-
petência por meio de atividades que consideram seus conhecimentos anteriores.
No entanto, durante a oficina pôde-se perceber que a elaboração de um plano de
atividades que conduza a esse resultado, utilizando experimentação, não é fácil
para o professor que leciona em turmas numerosas devido ao pouco tempo de que
normalmente dispõe para planejamento, o que confirma pelo menos um item da
lista de barreiras à disseminação das atividades experimentais no ensino de física,
apontadas na literatura.
Também foi evidenciado pela análise do andamento da oficina que a utili-
zação de uma prática pedagógica fundada na experimentação e nos pressupos-
tos da educação pela pesquisa pode evitar os problemas de falta de atenção e
de interesse dos alunos. Não foram percebidos sinais de indisciplina, desatenção
ou apatia no grupo de alunos durante os períodos de pesquisa, experimentação,
argumentação dialógica e produção individual e coletiva. Ao contrário, o grupo
foi sempre atuante e atento, e trabalhou de forma intensa e cooperativa quando
desafiado pela proposição de atividades de interesse e relevância no seu cotidiano.
Esses são sintomas de elevação do nível de engajamento dos estudantes no pro-
cesso pedagógico instituído, em relação às aulas tradicionais. No entanto, quando
foi feita uma intervenção para esclarecer aspectos teóricos do conteúdo abordado,
justamente com o intuito de observar a reação dos alunos, pôde-se notar alguma
dispersão, de forma semelhante ao que se observa comumente em aulas trans-
missivas tradicionais. Isso, de certa forma, sugere a necessidade inconsciente que
os estudantes do nível médio sentem de escaparem do processo de cópia e das
aulas discursivas, e a urgência de superar esta metodologia.

109
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Segundo os relatos resultantes das observações da professora e da bolsista o


interesse dos alunos foi aumentando ao longo do andamento da oficina, indicando
que o tipo de atividade desenvolvida tende a fazer com que os estudantes assu-
mam-se gradualmente como coautores do processo, e não como receptores de
informações, cuja participação é insignificante ou irrelevante. Este sentimento de
pertencimento parece ampliar a autoestima individual e coletiva dos estudantes
e pode ter um papel decisivo no sucesso da aprendizagem. Uma evidência mate-
rial disso ficou registrada no caderno de presenças, pois alunos que raramente
compareciam às aulas normais, conforme relato da professora, foram aderindo à
oficina, fazendo com que o número de participantes aumentasse gradativamente
ao longo dos dez encontros.
Considerando que, em números de 2007, houve evasão de 13,2% dos estu-
dantes brasileiros do ensino médio (Info Escola, 2010), o acréscimo gradual de
estudantes que aderiram à oficina facultativa, oferecida em dias não previstos no
calendário curricular de sua escola, não pode ser desconsiderado. Isso representa
uma indicação de que o processo educacional instituído no projeto foi capaz de
despertar o interesse pelo aprender, mesmo naqueles alunos cuja baixa frequên-
cia às aulas normais sugeria que eles seriam possíveis candidatos à evasão.
As atividades experimentais propostas na oficina contribuíram para a com-
preensão dos conteúdos, servindo de ponto de partida e confrontação com o senso
comum, na introdução de temas que eram desconhecidos dos alunos. Os conte-
údos explorados por meio de pesquisa envolvendo experimentação produziram
questionamentos mais aprofundados do que se observa em aulas tradicionais,
e a atenção durante as argumentações e contra-argumentações dos colegas era
maior do que nas situações similares nas quais apenas o professor se manifesta,
respondendo aos alunos. Isso talvez se deva à hipótese de que a educação pela
pesquisa é propícia a que os alunos se sintam parte ativa do processo de ensino e
aprendizagem, portanto responsáveis pela sua execução e mais capazes de ques-
tionar e entender o que de fato ocorre nos fenômenos sob investigação.
Quanto à avaliação formal realizada pelos alunos ao final do projeto, o maior
índice de acertos se relacionou a aspectos conceituais e de aplicação, e às ativida-
des experimentais desenvolvidas, e os pontos com maior incidência de erros es-
tavam relacionados à resolução matemática dos problemas. Uma possível causa
dessa dificuldade foi nossa incapacidade de uniformizar os pré-conhecimentos
matemáticos do grupo altamente diferenciado de alunos participantes. Eles provi-
nham de diversas escolas de ensino fundamental da rede pública, em sua maioria
da periferia de Porto Alegre, e recém tinham iniciado seus estudos de nível médio.

110
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

Ainda assim, o grupo foi capaz de utilizar corretamente os conceitos físicos envol-
vidos, pois as situações-problema apresentadas foram interpretadas corretamente
e as estratégias de solução foram estruturadas de forma adequada. Os equívocos
se concentraram na aplicação de regras de sinais e isolamento de variáveis nas
equações que descrevem quantitativamente os fenômenos. Também ocorreram
erros de interpretação e falta de raciocínio lógico, mas em número pequeno quan-
do comparados aos erros matemáticos por deficiência de conhecimentos básicos.
Em síntese, foi possível introduzir a experimentação como atividade nuclear
em uma oficina de física centrada nos pressupostos da educação pela pesquisa,
no ensino médio. Porém, o direcionamento qualitativo, sem grupo de controle, e
a relativa brevidade da pesquisa não permitem extrapolações dos resultados, e
recomenda uma análise mais ampla das atitudes e comprometimentos dos estu-
dantes com a escola e com a disciplina de física, em prazo mais extenso. A avalia-
ção aplicada aos estudantes durante os encontros e ao término da oficina, assim
como a análise dos seus relatos e também dos relatos da bolsista e da professora,
sugere que essa orientação metodológica tende a produzir níveis mais elevados
de aprendizagem em relação aos resultados obtidos por meio de aulas tradicio-
nais. Além disso, os estudantes indicaram que gostariam de continuar com aulas
planejadas nesses moldes, e a dedicação que demonstraram na oficina sugere que
as dificuldades matemáticas poderiam ser resolvidas com relativa facilidade, na
continuidade do trabalho.
Quanto à questão norteadora da investigação que originou este artigo, a ex-
perimentação parece ser um modo eficaz de ampliar a profundidade e a abran-
gência da aprendizagem em física no contexto da educação pela pesquisa. Por
meio da investigação bibliográfica e da análise dos resultados da oficina, não foi
possível encontrar qualquer contradição ou incompatibilidade entre o uso da ex-
perimentação didática e a educação pela pesquisa. Ao contrário, a experimenta-
ção aplicada no contexto de uma educação baseada na pesquisa, especialmente
no ensino de física do nível médio, parece conduzir a benefícios consistentes em
termos de aprendizagem por motivos cujos efeitos se somam. O Quadro 1 mostra
uma síntese dos fatores que poderiam justificar essa interação construtiva.

111
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Quadro 1. Características da educação pela pesquisa e da experimentação que


concorrem para melhoria dos resultados educacionais, sob utilização concomitante.

Características da educação Características da experimentação aplicada


pela pesquisa ao ensino de física

Incentiva a autonomia na Promove a investigação experimental própria


pesquisa e aprendizagem e cooperativa

Requer o desenvolvimento da capacidade de


Desenvolve a capacidade de dialogar com a realidade material e com o outro,
argumentação seja colega ou teórico da ciência

Amplia e aprofunda a
consideração dos aspectos Conduz à investigação histórica e ao
políticos do conhecimento questionamento ético da pesquisa

Valoriza a cooperação na Subentende a intervenção do outro na


busca pelo conhecimento superação das dificuldades técnicas e materiais

Conduz ao desenvolvimento Incentiva a reflexão sobre a falibilidade das


da capacidade crítica e do teorias científicas, das crenças pessoais e da
questionamento percepção

Implica abertura para a reflexão ética e o


Rejeita a cópia acolhimento e entendimento de fatos novos

Desenvolve a criatividade, a habilidade de


manipulação dos aspectos materiais da realidade
Valoriza a criatividade e a intuição científica

Além das características complementares ou coincidentes da experimenta-


ção e da educação pela pesquisa apresentadas no Quadro 1, o uso da experimen-
tação como estratégia do ensino de física também promove o apreço pela ciência
nos estudantes, dando oportunidade para que a vocação científica se realize. Essa
característica não pode ser desprezada, especialmente em um momento histórico
no qual o País enfrenta uma crise caracterizada pela falta de professores de física,
que se manifesta especialmente no sistema público de ensino médio.
Por fim, os autores agradecem aos estudantes que participaram da investi-
gação, à direção da escola pública que sediou a pesquisa de campo, à professora
que cedeu sua turma e incentivou a participação dos estudantes, à bolsista, aos
demais licenciandos envolvidos com o projeto e à FAPERGS, pelo apoio financeiro.

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114
FÍSICA INTERATIVA: APROXIMANDO
A UNIVERSIDADE E A ESCOLA

Maria Emília Baltar Bernasiuk1


Ana Lúcia Imhoff2

U m dos grandes desafios do ensino de física na educação básica é


o de contribuir para a formação de uma cultura científica efetiva
que prepare o aluno para os crescentes desafios impostos pela sociedade. Este ob-
jetivo está de acordo com uma das grandes funções da escola, que é o de habilitar
o aluno para a vida num mundo em constantes transformações.
Para que esse objetivo seja atingido, deve-se criar na escola um ambiente de
aprendizagem que considere como o ser humano aprende, oportunizando ao alu-
no vivenciar diferentes metodologias de ensino, interagir com meios culturais e de
divulgação científica, o que inclui atividades em mostras de ciências, planetários
e museus de ciências e de tecnologia.
Este fato exige do professor de física um grande envolvimento, pois engloba
compreender o processo de desenvolvimento dos alunos, entender como ocorre
a aprendizagem, bem como despertar a predisposição e o prazer para aprender
física. Seu papel é de fundamental importância, uma vez que cabe a ele, orientar
e criar possibilidades para que o aluno construa o seu conhecimento. O professor,
além de se expressar com competência intelectual necessita ter um bom relacio-
namento com o aluno, de modo a facilitar a comunicação, verificando as dificulda-
des e desafios a serem enfrentados motivando-o para estudar física.
1
Graduada em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(1971), Bacharel em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1971) e Mestra em
Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1989). Atualmente, é professora ti-
tular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Educação, com
ênfase em Ensino-Aprendizagem, atuando principalmente nos seguintes temas: Física Interativa, Ensino
de Física, Ensino de Física Médica, Aprendizagem Significativa e Pesquisa.
2
Licencianda em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Bolsista de Iniciação
Científica FAPERGS no projeto “Ciência, história, educação e cultura: dos centros de treinamento de pro-
fessores de ciências aos atuais centros e museus interativos”.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Logo, tratando-se de um professor de física, espera-se que ao realizar o seu


planejamento, privilegie situações nas quais os alunos sejam desafiados a buscar
e valorizar o conhecimento, conseguindo relacionar o estudo de física com situa-
ções do seu cotidiano e com os avanços da ciência e da tecnologia.
Nesse sentido, os museus de ciência e tecnologia têm surgido como uma
opção relevante, ou uma alternativa a mais para o professor atingir o objetivo de
atender as exigências de um ensino de qualidade (BRASIL, 2000). Esses museus
proporcionam a interação direta dos alunos com os equipamentos e possibilitam
ao professor propor desafios, questionamentos e problemas, contribuindo com
aquisição das habilidades que o aluno deve obter durante a educação básica.
Assim, apresenta-se a seguir uma sugestão da utilização da física interativa
como uma alternativa que cativa os alunos da educação básica para o estudo de
física e os auxilie na construção, modificação ou aperfeiçoamento do seu conheci-
mento. Paralelamente, apresenta-se o Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifí-
cia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (MCT/PUCRS), como uma fonte de
ideias criativas e inovadoras para que licenciandos dos cursos de física elaborem
atividades interativas ajustadas aos temas escolhidos e aos objetivos que eles pró-
prios traçarem. Essas sugestões estão alicerçadas nas respostas de alunos e de
licenciandos (estagiários ou mediadores) que vivenciaram a atividade proposta.

A FÍSICA INTERATIVA NO MUSEU


O Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS (MCT) foi eleito como referên-
cia para a elaboração de atividades interativas. A escolha ocorreu devido a sua
grande importância no sentido de tornar a ciência mais acessível e por constituir
um espaço educativo informal que contribui para a aprendizagem do aluno da
educação básica.
Dessa forma, desde a sua inauguração o professor de física tem a possibilida-
de de incluir no seu planejamento uma visita orientada, oportunizando ao aluno
construir, modificar ou aperfeiçoar seu conhecimento sobre os conteúdos escolhi-
dos como foco da atividade. Isso se justifica, pelo fato de o MCT possuir muitos ex-
perimentos de física, bem como ter sido estruturado em concepções atuais sobre
a natureza da aprendizagem humana. A organização do ambiente desafia o aluno
ou o visitante a embarcar na estimulante aventura de aprender física ao interagir
com os equipamentos.
O contato com os experimentos interativos ocorre de várias formas, desde
a manipulação de botões disponíveis nos equipamentos, até mesmo no mo-
mento em que o aluno movimenta os objetos, gira manivelas, senta-se, pendu-
ra-se, equilibra-se, enfim manipula e interage com os equipamentos disponí-

116
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

veis no Setor de Física de diversas maneiras.


O MCT permite aprender com prazer, favorecendo sua autonomia e incenti-
vando a sua criatividade, possibilitando ao aluno ingressar no mundo fascinante
das ciências e tecnologia (BORGES, LIMA, IMHOFF, 2008). A interação é individual
e, no ritmo do aluno, levando-o a vivenciar um processo de aprendizagem produ-
tivo. Entretanto, observa-se que para ocorrer a aprendizagem por parte do aluno é
imprescindível mais do que a sua simples interação com os equipamentos, sendo
necessária a interferência do professor.
Pesquisas realizadas, buscando a relevância das contribuições dos museus in-
terativos na educação científica têm mostrado que a interatividade vivenciada pelo
aluno ocorre gradativamente, em três níveis: o concreto, o sofisticado e o abstrato.
Segundo Moraes (1999), o primeiro nível de interatividade envolve o aluno de
forma concreta, colocando-o em contato direto com os experimentos. Esse nível
está relacionado com as habilidades de pensar simples, como: observar, ler, com-
parar, registrar, medir, entre outras. O segundo nível é caracterizado por opera-
ções mentais mais sofisticadas, como: problematizar, experimentar, discutir, entre
outras. Já o terceiro nível é o mais abstrato e sofisticado, sendo as habilidades
alcançadas de forma mais efetiva com a orientação dos professores e mediadores.
Cita-se como exemplo: compreender, explicar, interpretar, entre outras. Constitui-
se um desafio permanente conseguir avançar para níveis de interação mais sofis-
ticados e, consequentemente, para aprendizagens mais efetivas.
Assim, para que o trabalho envolvendo os alunos da educação básica seja
produtivo, é importante que o professor conheça as potencialidades dos equipa-
mentos disponíveis no MCT, prepare os roteiros e relacione estas atividades com
o trabalho feito na escola. Durante a visita, o professor deve assumir o papel de
professor-guia, ou participativo, mediando a aprendizagem dos alunos.

VISITA ORIENTADA: INTEGRAÇÃO ENTRE O MUSEU E A ESCOLA


A metodologia de ensino centrada em atividades interativas de física, aqui
relatada, foi organizada, preparada testada e vivenciada por licenciandos sobre
a orientação de sua professora, durante a disciplina de Estágio IV da Faculdade
de Física da PUCRS.
As atividades preparadas pelo grupo de licenciandos, que a partir desse mo-
mento também serão chamados de mediadores, procuraram relacionar os concei-
tos de física com o cotidiano dos alunos. O objetivo foi de possibilitar aos licen-
ciandos vivenciar uma metodologia de ensino centrada em atividades interativas
de física no MCT, e de contribuir para a aquisição de habilidades e competências
por parte do aluno da educação básica.

117
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Inicialmente, os licenciandos foram orientados pela professora da disciplina,


quanto à relevância da escolha do tema e dos equipamentos. Ao planejarem as
atividades os licenciandos procuraram contemplar as seguintes questões: O quê?
Por quê? Para quem? Quanto tempo? Com o que? Como? Como saber que os alu-
nos aprenderam? Que referências?
No MCT, os licenciandos se dirigiram à área do Setor de Física mais relacio-
nado com o foco da atividade. No local, fotografaram, catalogaram e fizeram um
levantamento das potencialidades e do nível de interatividade dos equipamentos
disponíveis. Posteriormente, coletaram informações relevantes e fundamentais
para a elaboração dos roteiros, como por exemplo: Qual o tempo médio que o
aluno deve dedicar a cada equipamento selecionado? De que forma a exposição
apresenta as informações junto aos equipamentos ou nas multimídias? Os textos
que acompanham os equipamentos e as multimídias auxiliam o aluno durante
a interação aluno-equipamento? Até que ponto as informações disponibilizadas
junto aos equipamentos auxiliam o professor no momento de planejar a sua ativi-
dade? Quais os níveis de interatividade que o aluno pode atingir ao interagir com
o material da exposição, com os seus colegas e com o mediador? (MORAES, 1999;
BERNASIUK et al., 2002; BERNASIUK, BORCELLI, AURICH, 2009).
Ainda, durante a preparação e teste das atividades interativas oportunizou-
se aos licenciandos a prática da reflexão-ação (CANDAU, 1996), valorizando os sa-
beres adquiridos durante a graduação, e o reconhecimento desses, pois pensando
criticamente a prática de hoje ou de ontem é que se pode melhorar a prática de
amanhã (FREIRE, 2003).
As reflexões proporcionaram oportunidades de aprendizado e qualificação
ao seu trabalho e a eles mesmos. Sabe-se que modificar a metodologia de ensino
requer do professor e do futuro professor adaptabilidade, flexibilidade e um novo
aprendizado, apoiado na preocupação de oferecer aos seus alunos, um ensino de
qualidade, o que deve vir acompanhado de um grande trabalho intelectual, dedi-
cação, tempo e de muita energia emocional (HARGREAVES, 2002). Essas mudanças
envolvem engajamentos éticos, críticos e políticos.
Tomando como ponto de partida que a educação de qualidade é aquela que
contribui com a formação de alunos capazes de responder os desafios presentes
no contexto em que se inserem, foram preparadas atividades que possibilitas-
sem os alunos da educação básica trabalharem em grupo, conviverem com as
divergências, interagirem com diferentes recursos tecnológicos, aprendendo no
seu ritmo e de forma autônoma. As tarefas propostas incluíram a leitura e inter-
pretação das informações apresentadas nos experimentos. Foi solicitado para que
respondessem as questões: escrevessem, relacionassem os conceitos físicos estu-

118
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

dados com as situações propostas, argumentassem o seu ponto de vista. Enfim,


procurou-se contemplar os diferentes níveis de interatividade.
Ademais, se considerou que no processo educativo o contato entre profes-
sor, o licenciando e o aluno deve ser construtivo e participativo, pois o aluno da
educação básica é considerado sujeito da sua aprendizagem, e não um simples
objeto de treinamento (DEMO, 1996). Ensinar não é uma tarefa fácil, bem como
aprender também não é algo simples. Assim sendo, testou-se a utilização da Física
Interativa no MCT como uma extensão da sala de aula, podendo auxiliar o aluno a
compreender e relacionar os conceitos de física com o seu cotidiano.
Concluída a etapa de construção dos roteiros de atividades interativas, os
licenciandos permutaram os materiais por eles elaborados, com o objetivo de tes-
tá-los e avaliá-los no MCT.
Após esta etapa de validação do material oportunizou-se um momento de
discussão, quando foram sugeridas algumas modificações nos roteiros construí-
dos pelo grupo. Todas as alterações sugeridas e pertinentes, quando bem funda-
mentadas, foram acatadas pelo integrante do grupo responsável pela construção
do roteiro. Os licenciandos tiveram o cuidado de construir um roteiro diferente
para cada grupo de três alunos, evitando que todos os alunos estivessem ao mes-
mo tempo interagindo com o mesmo equipamento, bem como possibilitando uma
maior socialização do conhecimento no momento da correção.
Em seguida, em conjunto com a professora orientadora, o grupo mediador
organizou a visita orientada ao MCT, com duração de quatro horas/aula, e agen-
daram a visita com a professora da escola de Educação Básica.
Na data combinada os alunos da 8ª série do ensino fundamental e do 3º ano
do ensino médio foram recebidos no auditório da Faculdade de Física da PUCRS.
Posteriormente, os alunos foram divididos em equipes, orientadas pelos licencian-
dos do grupo mediador.
A visita foi dividida em três etapas. Na primeira etapa, cada grupo recebeu
orientação por parte de um integrante do grupo mediador sobre como eles deve-
riam proceder e interagir ao longo de toda a tarefa. Após, foram distribuídos roteiros
que orientaram a atividade e a busca de respostas para as questões propostas.
A segunda etapa ocorreu no Setor de Física do MCT. Os alunos realizaram as
atividades propostas acompanhados dos mediadores. Cabe mencionar que, após
a atividade, destinou-se um período de interação livre, quando os alunos tiveram
a oportunidade de interagirem livremente com os diferentes setores da exposição.
Concluída a tarefa, os grupos retornaram para a Faculdade de Física.
A terceira etapa consistiu de um momento de reflexão, com a apresentação,
pelos próprios alunos da educação básica dos resultados obtidos, e a discussão dos

119
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

mesmos. Para a obtenção dos resultados quantitativos, os alunos responderam a


um questionário no término da atividade interativa. A análise textual qualitativa
das respostas dos roteiros foi realizada pelo grupo mediador, com o objetivo de
analisar os níveis de interatividade atingidos pelos alunos (MORAES, 1999).

ATIVIDADE INTERATIVA: CONTRIBUIÇÕES


PARA OS ALUNOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA
Como resultado da análise das respostas dos alunos referentes aos roteiros,
o grupo mediador constatou que as atividades realizadas no MCT possibilitaram
aos alunos da educação básica vivenciarem os diferentes níveis de interatividades
(MORAES, 1999). O grupo mediador registrou os seguintes comportamentos dos
alunos no decorrer da tarefa. Entre as habilidades e operações intelectuais refe-
rentes ao primeiro nível de interatividade, que foram efetivamente observadas no
comportamento dos alunos durante o envolvimento direto com os equipamentos,
de acordo com as ideias de Moraes (1999), destacaram-se:
– “Observar, acompanhar e examinar.” Verificou-se que os alunos tiveram a
oportunidade de olhar, localizar informações e inferir informações, acompanhan-
do o movimento dos experimentos.
– “Explorar, percorrer e andar.” Após a realização da atividade solicitada, um
período foi destinado à exploração e visitação livre. Neste momento, tiveram a
oportunidade de explorar outros experimentos, permitindo o despertar da curiosi-
dade e aumentando o interesse pelas ciências.
– “Sentir, ouvir e ver.” Quando interagiram com os experimentos, algumas
informações foram conquistadas pelo olhar, outras pelo toque ou pela audição,
ativando e afetando o sistema sensorial dos alunos.
– “Relacionar, inter-relacionar e correlacionar.” Muitos experimentos são rela-
cionados, inter-relacionados e correlacionados, possibilitando um melhor enten-
dimento uns dos outros. Os experimentos selecionados para a atividade proposta
estavam correlacionados uns com os outros, possibilitando diferentes maneiras
de observação do mesmo fenômeno ou servindo um de complemento ao entendi-
mento do outro.
– “Mexer, acionar e apertar.” Observou-se que foi a primeira forma de intera-
ção com os experimentos, visto que os alunos primeiramente realizaram opera-
ções manuais, como apertar e puxar alavancas e pressionar botões.
– “Comparar, classificar e ordenar.” Essa interação foi vivenciada várias vezes
pelos alunos, que dependendo da proposta deveriam fazer comparações.
– “Brincar, divertir-se e jogar.” Na avaliação da atividade os alunos tiveram
dificuldade de identificar como equipamentos, sempre se referiam a eles como

120
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

brinquedos, talvez, porque a atividade foi realizada num ambiente lúdico.


– “Ligar, desligar e encaminhar.” O grupo mediador observou que os alunos
utilizaram o ligar e o desligar, mas não o encaminhar.
– “Agir, interagir e movimentar.” Como já descrito anteriormente, a ação e o
movimento fazem parte da tônica da atividade.
– “Medir, quantificar e pensar.” Dependendo das questões formuladas no ro-
teiro, os alunos foram estimulados a medir, quantificar e pensar.
– “Ler, informar-se e consultar.” A leitura do roteiro, seguida da leitura das
instruções da bancada (placas explicativas), observação do experimento e utiliza-
ção dos computadores informativos, complementaram as explicações sobre cada
experimento.
– “Anotar, registrar e escrever.” Para o desenvolvimento da atividade pediu-se
o registro das observações e das respostas aos questionamentos propostos.
Entre as habilidades e operações intelectuais referentes ao segundo nível,
que foram efetivamente observadas no comportamento dos alunos durante a pri-
meira e segunda etapa da atividade, segundo Moraes (1999), destacam-se:
– “Pensar, refletir e raciocinar.” Algumas questões formuladas no roteiro en-
volveram um questionamento ativo sobre o que eles estavam fazendo ao investi-
gar cada montagem.
– “Descrever, comunicar e relatar.” Os alunos precisaram descrever oralmen-
te, uns aos outros, o que estavam vendo e sentindo. Relacionar os conceitos físicos
necessários para o entendimento de situações e atividades propostas, expressan-
do as ideias físicas por escrito, de forma consistente, estabelecendo relações e
argumentos para sustentá-las.
– “Discutir, criticar e dialogar.” Foram necessárias para a elaboração das res-
postas e para o entendimento dos experimentos. Os alunos discutiram, discorda-
ram, concordaram, criticaram, desenvolvendo o diálogo entre colegas.
– “Responder, interpretar e concluir.” Para responder aos desafios, precisaram
interpretar as questões propostas no roteiro, estabelecendo relações, argumentan-
do seus pontos de vista e elaborando conclusões.
– “Experimentar, testar e verificar.” Puderam experimentar e testar, interagin-
do com os experimentos, podendo verificar e testar os seus conhecimentos e suas
próprias respostas.
– “Perguntar, problematizar e desafiar.” As dúvidas e as curiosidades foram
despertadas, principalmente quando seus conceitos prévios foram confrontados.
O problematizar gerou a formulação de perguntas e o desafio das suas capacida-
des de compreensão e entendimento.

121
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

O terceiro nível, o mais abstrato, foi alcançado de forma mais efetiva através
da intervenção ou mediação dos professores. Esse nível envolveu as habilidades
desenvolvidas pelos alunos, tais como: compreender, saber explicar, interpretar,
resolver situações problema e aprender. Essas puderam ser verificadas no mo-
mento em que eles expressaram as suas ideias físicas por escrito e durante a
apresentação oral. Verificou-se que as características desse nível não podem ser
avaliadas de forma separada umas das outras, por formarem um conjunto inse-
parável de grande importância, estando elas inter-relacionadas.
Analisando o questionário avaliativo respondido pelos alunos, verificou-se
um alto grau de satisfação dos mesmos em relação à atividade interativa realiza-
da. Os alunos consideraram que o Museu encanta e motiva para uma aprendiza-
gem de forma lúdica e prazerosa.

O PAPEL DA ATIVIDADE INTERATIVA NA FORMAÇÃO DOS LICENCIANDOS


Ficou evidente para os licenciandos que preparar uma atividade interativa
como extensão de uma sala de aula e interagir com os colegas, com os profes-
sores e com os alunos da educação básica foi importante. Esse tipo de atividade
oportunizou o aprimoramento da capacidade de explicar suas próprias ideias, dia-
logar, refletir sobre sua ação, questionar, compreender e avaliar as propostas de
atividade dos colegas. Preparar e vivenciar uma atividade interativa tendo como
foco alunos da educação básica, contribuiu para que eles assumissem o papel de
professores-guia, ou participativos, mediando a aprendizagem dos alunos.
Cabe lembrar, que a validação dos roteiros foi importante, pois cada licen-
ciando testou o material organizado por um dos seus colegas, emitindo um pa-
recer. Após o teste, os roteiros foram apresentados ao grande grupo, para nova
apreciação, o que contribuiu com o aprimoramento dos mesmos.
Assim, acredita-se que, ao vivenciarem essa atividade, ficou claro que não
basta que a atividade seja bem orientada ou planejada, é necessário que o aluno
se sinta motivado e apresente vontade de avançar para os níveis mais altos de
participação. É importante que o aluno estabeleça vínculos entre os novos co-
nhecimentos e os conhecimentos aprendidos na escola. Além disso, a natureza
do conhecimento de um aluno depende de seu nível de desenvolvimento e dos
conhecimentos prévios que pôde construir ao longo de sua vida (MOREIRA, 1985
e 1999). Igualmente, é importante que o professor esteja preparado para utilizar
diferentes metodologias de ensino. Os alunos gostam de um professor que apre-
sente novidades, que varie suas técnicas e métodos de organizar o processo de
ensino-aprendizagem. Assim, o professor é constantemente desafiado a guiar e

122
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

adequar as habilidades e as competências que os alunos irão adquirir a cada situ-


ação de aprendizagem num determinado momento histórico (MORAN, 2007).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atividade transcorreu de modo harmonioso e produtivo. Vários fatores
contribuíram para o êxito desses resultados, dentre os quais, salienta-se: parti-
cipação dos mediadores, a organização e planejamento prévio de todas as ativi-
dades, o trabalho em equipe, uma atividade realizada fora do ambiente escolar e
a motivação dos alunos. Outro elemento que cooperou com o resultado foi o fato
dos alunos da educação básica desta escola já estarem acostumados a trabalhar
em grupo durante as atividades quotidianas, ou seja, já existia uma cultura de
interação na sua sala de aula, segundo informação da professora.
O saber questionar, base inicial do aprender a aprender, possibilitou aos alu-
nos da educação básica e aos licenciandos buscarem argumentos para as suas in-
dagações. Isso se justifica, pois a construção de respostas exige assumir a tomada
de decisão e auxilia a desenvolver a capacidade de argumentação própria, ou seja,
o saber pensar.
Analisar o trabalho dos alunos da educação básica, relacionando-o com os
níveis de interatividade, exigiu dos licenciandos uma tomada de decisão, o que
também contribuiu com o seu crescimento intelectual.
Igualmente, deve ser salientada a importância da interação entre professor,
licenciando e aluno, de forma construtiva e participativa, onde o aluno da educa-
ção básica e o grupo mediador foram considerados sujeitos da sua aprendizagem.
Assim sendo, testou-se a utilização da física interativa no Museu de Ciências e
Tecnologia da PUCRS, como uma extensão da sala de aula, uma maneira agradá-
vel de aprender, uma atividade motivadora, buscando auxiliar o aluno a relacionar
conceitos de física com o seu cotidiano.
Enfim, o sucesso da atividade pode ser atribuído à predisposição dos par-
ticipantes, à preparação da atividade e ao fato do MCT surpreender, conquistar,
encantar, cativar o aluno a todo o momento, mobilizando ações e reações. Esse
espaço não formal de aprendizagem tem a possibilidade de despertar no aluno a
vontade de aprender física com satisfação, favorecendo sua autonomia e desafian-
do-o a vivenciar o fabuloso mundo da ciência e da tecnologia.

123
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

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124
A NECESSIDADE DE DESENVOLVER
COMPETÊNCIAS DE PENSAMENTO CIENTÍFICO
NA FORMAÇÃO DE DOCENTES DE CIÊNCIAS1

Mario Quintanilla2
Alberto Labarrere3
Olga Malvaez4
Carol Joglar5
Cristian Merino6

A direção principal de nossas linhas teóricas e que nos motiva a


continuar (projetos FONDECYT 1070795 e FONDECYT 1095149)
centra-se no argumento de que até hoje a formação inicial de professores de ciên-
cias permanece muito limitada, focalizando-se como um meio e instrumento para
determinar aquilo que o estudante “conhece” (conteúdos) e como pode atuar (pro-
cedimentos), deixando de lado a verdadeira função de desenvolvimento, que pode
ser desempenhada por esta importante atividade dentro da formação profissional
geral, na científica, didática e pedagógica em particular e de maneira específica
1
Esta pesquisa se situa dentro do Projeto FONDECYT 1090145 e o Programa de Investigação Associativa
Chile-Finlândia AKA 004, os quais são dirigidos pelo doutor Mario Quintanilla Gattica, e do Projeto FON-
DECYT 11100402, dirigido pelo doutor Cristian Merino.
2
Professor de Química e Doutor em Didática das Ciências pela Universidade Autônoma de Barcelona,
professor do doutorado em Ciências da Educação da Pontificia Universidad Católica de Chile: Pesquisador
e Diretor do Laboratório de Investigação em Didática das Ciências Naturais.
3
Doutor em Psicologia, pesquisador e vice-diretor do Laboratório de Investigação em Didática das Ciên-
cias Naturais, diretor do Mestrado em Psicologia Educativa da Universidade Santo Tomás e Docente de La
Universidade de Chile.
4
Psicóloga e Mestre em Ciências da Educação, Doutoranda em Ciências da Educação da Pontificia Univer-
sidad Católica de Chile.
5
Professora de Biologia e Mestre no Ensino de Ciências e Matemática (PUCRS), Doutoranda em Ciências
da Educação da Pontificia Universidad Católica de Chile.
6
Doutor em Didática das Ciências pela Universidade Autônoma de Barcelona, professor do Instituto de
Química da Pontificia Universidad Católica de Valparaiso.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

no que se refere ao desenvolvimento de competências de pensamento científico


(CPC) nos professores em formação.
As condições atuais da formação profissional de alguns países sugerem, des-
de suas políticas nacionais, determinadas diretrizes sobre os eixos fundamentais
de formação do professor de ciências. Por exemplo, em Finlândia isso provém do
próprio Ministério de Educação Nacional (LAVONEN, KRZYWACKI-VAINIO, AKE-
LA, KROKFORS, OIKKONEN, SAARIKKO, 2007), determinando as habilidades que
devem ser promovidas como: o conhecimento de alto nível sobre os conectados
pedagógicos e a construção o conhecimento; habilidades acadêmicas, de pesquisa
e do uso pedagógico das TICs, o desenvolvimento do currículo; habilidades sociais
e de comunicação, assim como habilidades de trabalho cooperativo com outros
professores em formação e em serviço.
Na Alemanha, o Ministério de Educação oferece uma lista de competências
em relação a diversos aspectos, como a planificação, o aprendizado dos estudan-
tes, o desenvolvimento da autonomia estudantil, a diversidade social e cultural,
a formação ética e em valores, a resolução de problemas na sala de aula ou na
escola, a avaliação, a formação continuada profissional e a realização de projetos
em contextos escolares (CAMACHO, 2010). Também percebe-se a ativa participa-
ção de associações de professores, de forma particular daquelas que têm relação
com professores de ciências. A Associação de Didáticos da Alemanha gerou uma
lista de competências mais específicas no que se refere à didática das especialida-
des: criatividade no âmbito escolar; associação de teorias e concepções no âmbito
de pesquisa da disciplina e da avaliação; planejamento de aulas fundamentadas;
análises de processos comunicativos na aula; pesquisa didática na área disciplina
especifica. Outro exemplo é a participação ativa de professores na National Scien-
ce Teachers Association (2003), nos Estados Unidos, o qual propõem padrões no
que diz respeito à natureza da ciência (visão histórico epistemológica); o conteúdo
científico; as habilidades e destrezas; o currículo; a pesquisa; as habilidades gerais
de ensino; a avaliação; a ciência na comunidade; a segurança, o bem-estar social e
o crescimento profissional, orientações que tomam em conta todos os programas
que formam docentes de ciências e que, além disso, são avaliadas através de pro-
gramas de certificação.
Finalmente, a Inglaterra também propõe padrões de formação em relação
a: atributos profissionais (relação com crianças e jovens, comunicação e trabalho
com outros e desenvolvimento profissional); conhecimento e compreensão profis-
sional (ensino e aprendizagem, avaliação, acompanhamento, temas acerca do cur-
rículo, alfabetização aritmética e TICs, ganho e diversidade, saúde e bem-estar); e
habilidades profissionais (planejamento, ensino avaliação, monitoramento e retro-

126
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

alimentação) assim como o trabalho colaborativo (TAYLOR, WILDING, 2009). Esses


são avaliados pela Training and Development Agency e são certificados posterior-
mente. Em muitos desses casos, deixa-se fora o potencial do indivíduo (SHON,
1998) dando lugar e importância ao “que” mais que ao “como”, captando-se, assim,
somente aquilo que é capaz de fazer, deixando de lado os processos e as situações
avaliativas, gerando desta forma um contexto de desigualdade e exclusão (QUIN-
TANILLA et al., 2010).
A qualidade na formação inicial de professores de ciências tem um grande
impacto nos processos formativos e formadores da atividade científica escolar.
Alguns estudos afirmam que dois, dos três principais fatores que explicam o êxi-
to dos estudantes em avaliações internacionais (por exemplo, PISA, 2006), estão
relacionados com a formação inicial e continuada de seus professores (BARBER,
MOURSHED, 2008).

A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES


DE CIÊNCIAS AO REDOR DO MUNDO
O século XXI está se caracterizando como um momento histórico para mu-
danças interessantes na gestão política e formativa na educação, bem como novos
rumos das reformas, já que a decisão de dar um novo significado à formação de
professores, em função das novas condições e desafios em relação ao que significa
ser hoje um professor de ciências, implica um grande movimento de reformas
educativas em nível mundial.
Podemos verificar essa situação em países como Finlândia, cuja reforma
educativa foi realizada no ano de 2002 (LAVONEN et al., 2007); nos Estados Unidos,
onde este processo ocorreu entre 1996 e 2003 (NATIONAL COMMITTEE ON SCIEN-
CE EDUCATION STANDARDS AND ASSESSMENT, NATIONAL RESEARCH COUNCIL,
1996; NATIONAL SCIENCE TEACHERS ASSOCIATION, 2003); no Japão se estabe-
leceu no ano de 2004 (MINISTRY OF EDUCATION, CULTURE, SPORTS, SCIENCE &
TECHNOLOGY, 2004); na Coreia e Canadá foi no ano de 2005 (MINISTÉRIO DE EDU-
CAÇÃO DA COREIA, 2006; ASSOCIATION OF CANADIAN DEANS OF EDUCATION,
2006), em outros países da Comunidade Europeia, como França e Espanha, entre
os anos de 2005 e 2006, respectivamente (VEGA, 2006; REAL DECRETO 276/2007,
de 23 de fevereiro, 2007). Nos países de América Latina, como Argentina, Brasil,
Chile e Colômbia, essa discussão tem se mostrado a partir dos últimos anos, pro-
veniente das pesquisas na didática das ciências (OLIVEIRA MARQUES, CAMACHO,
ZUNIGA, 2008; DIAS-DA SILVA et al., 2008; GALLEGO, PEREZ, TORRES DE GALLEGO,
2004, 2006; QUINTANILLA et al., 2010 b).

127
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Essas reformas nas orientações no tema de “como” e “o que ensinar em ciên-


cias” têm trazido consigo novas formas de ver a formação inicial de professores de
ciências e, em consequência, novos desafios, em particular naquilo que se refere
à maneira de aprender a compreender a complexidade do pensamento científico
desde uma perspectiva mais ampla que a visão tradicional de um ensino centrado
somente em conteúdos (SANMARTI, 2001; ABELL, 2000; PEHKONEN, AHTEE, LA-
VONEN, 2007).
A ênfase tem sido colocada gradualmente sobre os modelos e perfis de forma-
ção inicial de professores em ciências. Neste sentido, porque os processos de apren-
dizagem no desenvolvimento de profissionais são altamente complexos, em geral os
professores de ciências aprendem somente uma parte daquilo que lhes é ensinado
durante o seu desenvolvimento profissional, e este fato se vê refletido na distância
entre um currículo explícito, um currículo vivido, frente a outro, oculto, os quais
ocorrem de forma simultânea. Como fazer com que os processos de formação de
professores de ciências não acabem sendo um filtro de segmentação social, senão,
reais oportunidades para que os futuros professores, de todas as camadas sociais,
possam se apropriar de conhecimentos potentes? Entre esses conhecimentos, po-
deríamos mencionar contribuições ao desenvolvimento da didática fundamental, a
didática fenomenológica e o enfoque socioepistemológico, os quais dão pistas para
abordar pesquisas que deem respostas à nossa pergunta inicial sobre as possibilida-
des e a natureza do fenômeno da construção de saberes na aula (LABARRÈRE, 1994;
IZQUIERDO, 2000; SANMARTÍ, IZQUIERDO, 1997; SANMARTÍ, 2003).
Nos últimos cinquenta anos têm se produzido mudanças importantes na ma-
neria de entender e de levar adiante a educação científica formal. O chamado “novo
ensino das ciências” se dirige agora a novos públicos e audiências, estabelecendo
objetivos ambiciosos, não livres de uma certa cota de utopia, ao redor da neces-
sidade de formar cidadãos e cidadãs com direitos plenos. Atualmente existe, na
comunidade acadêmica da didática das ciências naturais, consenso sobre que esses
objetivos requerem um novo componente curricular, a natureza da ciência (MAT-
THEWS, 1994; MCCOMAS, 1998; ADURIZ-BRAVO, 2005). Entendemos que a natureza
da ciência compõe um conjunto de conteúdos metacientíficos (principalmente a
epistemologia, a história da ciência e a sociologia da ciência), eclético e pragmatica-
mente selecionado e transposto, o qual pode ter valor para a educação científica de
qualidade para todos (HOPKINS, 1996; QUINTANILLA, 2007; QUINTANILLA, 2007 b).

128
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

COMPETÊNCIAS DE PENSAMENTO CIENTÍFICO


(CPC) E FORMAÇÃO DE PROFESSORES
A noção CPC no ensino de ciências é considerada potente e problemática,
entre outras coisas, devido às origens extraeducativas do termo (principalmente
do campo da economia, do desenvolvimento e do trabalho) e de seus muitos
matizes políticos; entretanto, a potência se deriva de sua promissora capacidade
de fazer que se reestruturem profundamente os currículos de ciências, sua ava-
liação (formadora ou acreditativa, interna e externa) e formação inicial e conti-
nuada dos professores.
Um dos pontos que mais se destaca na noção de competência é a sua
“transversalidade intrínseca”: enquanto as competências são disposições, na
sua maioria formais e genéricas dos sujeitos, correm o perigo de afastar-se das
maneiras disciplinares e específicas de compreender o mundo, centradas em
conteúdos teóricos, que são patrimônio coletivo da humanidade e que têm sido
desenvolvidos de forma intensa, ao longo da história. Para efeitos deste trabalho,
diremos que uma competência científica escolar é qualquer capacidade (cogni-
tiva, discursiva, material, afetiva) de ordem superior e específica; capacidade de
fazer algo sobre um conteúdo determinado (provindo das ciências) dentro de um
contexto delimitado e reconhecível (escolar, significativo e, portanto, transferível
à vida cidadã). Por exemplo, será uma competência científica escolar a argumen-
tação (capacidade cognitivo linguística) em torno às possibilidades e aos limites
da clonação humana com fins terapêuticos (conteúdo de biologia e suas tecnolo-
gias, bioética e sua epistemologia associada) com o fim de tomar decisões socio-
científicas “informadas” e consensuais (em um contexto da compreensão públi-
ca da ciência) e de vinculá-la de forma permanente com uma nova compreensão
em torno a uma nova compreensão da ciência em função de uma aproximação
cada vez mais significativa à ideia de cidadania e valores (ADU RIZ-BRAVO, 2002;
GIERE, 1999; QUINTANILLA, 2006).

ENFOQUES, CONTROVÉRSIAS E EFEITOS SOBRE


CPC NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS
Os vários enfoques dados ao pensamento científico e às suas competências
provêm de diversas áreas de pesquisa, no entanto destacam-se a psicologia cog-
nitiva e a didática das ciências naturais. A preocupação sobre o assunto não é
recente: na década de 70, Champagne et al. (1982) abordaram a problemática des-
de a formação docente baseada em competências, no que diz respeito a avaliar
programas e analisar a efetividade dos mesmos.

129
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Neste período, o ensino das ciências passa por uma modificação de foco, pois
se começa a pensar a importância da formação do docente de ciências. Enquanto
isso, Edwards (1977) destaca a importância dos programas de formação docente
baseados em competências em ciências, destacando seus pontos positivos e nega-
tivos. Nesse período, os artigos que apoiavam esses programas foram se tornando
comuns em grande parte das revistas de pesquisa especializadas no ensino das
ciências, mas existe uma série de publicações que é contrária a esse tipo de forma-
ção. As críticas se centram no ponto de que “existem somente estatísticas soltas”,
as quais não levam em conta, problemáticas como: a redução do número de inscri-
tos em carreiras docentes, em especial na área das ciências; a insatisfação pública
com a educação científica; e o crescente custo da educação pública. Para Edwards
(1997), isso era resultado das ações dos órgãos governamentais que se dirigiam ao
movimento de preparação de docentes baseados em competências. A identifica-
ção de competências científicas para o ensino de ciências levou à estruturação de
padrões mínimos para a docência, e não demorou que se relacionassem as com-
petências docentes à maior ou menor aprendizagem do estudante. Esta situação
levantou, na época, outra problemática inversa, onde se poderia supor que o mau
desempenho acadêmico dos estudantes é resultado do ensino por professores que
não possuem as competências necessárias para tanto, ou seja, o baixo rendimento
estudantil poderia ser resultado da incompetência docente.
Dentro dessa problemática, os programas baseados no desenvolvimento de
competências pareciam a única saída, já que os futuros docentes necessitariam
demonstrar habilidades específicas, isso poderia permitir que a sociedade espe-
rasse um grande nível de desenvolvimento, colocando assim grandes esperanças
nestes programas, em especial nos EUA, onde a classe média percebia na educa-
ção uma grande possibilidade de mobilidade social e econômica. No entanto, em
nossa época ainda não está claro o papel do docente, nem a natureza das ciências
que se estão ensinando (TOULMIN, 1977).
Na década de 80, Hodson (1988) destaca o desenvolvimento vigoroso do cur-
rículo, impelido pela consequente necessidade de desenvolvimento da área das
ciências. É necessário destacar que se tenta apresentar uma nova visão sobre a
natureza das ciências, desde: o ensino das ciências como um corpo de conheci-
mento estabelecido; a ciência como uma atividade humana; uma crescente ên-
fase nos processos e procedimentos da ciência. No entanto, o autor deixa claro
que nessa década, todavia, persiste a ideia de que o ensino de ciências tem como
objetivo a formação de cientistas. Também declara que, apesar dos esforços, tanto
na pesquisa, no tempo e nos recursos, os efeitos sobre as atitudes e interesses dos

130
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

estudantes não são alentadoras, mencionando também a necessidade de incluir o


trabalho de laboratório como uma possibilidade real na escola.
Na mesma década emergem estudos específicos, como, por exemplo, o de
Norris (1984), onde o autor se refere à importância e o papel das atividades gerais,
como a observação, predição, o controle de variáveis e dedução, que apresentam
normalmente as atividades científicas e sua promoção. Destaca também que es-
tas atividades poderiam ser aplicadas em vários campos da ciência. No entanto,
propõe a necessidade de realizar um análise conceitual de cada uma, enfatizan-
do a competência “observação”, desde os avanços de áreas como a filosofia das
ciências, natureza das ciências e da pesquisa científica. Também propõe que a
competência “observação” exige o domínio de: realização de observações; infor-
mação a respeito da observação e correta avaliação que possibilite a credibilidade
da informação emergente.
Okey e Capie (1980) propõem, partindo da suposição que uma competência
científica pode ser ensinada nas aulas, quais técnicas são meios válidos, e quais
competências docentes estão relacionadas com o desempenho dos estudantes.
O autor questiona, em torno à pesquisa acerca do conhecimento e informação,
as habilidades de ensinar e o impacto que estas provocam quando se utilizam.
Também critica os instrumentos que se utilizam para objetivar a competência
e consequente avaliação do docente, já que menciona que é muito difícil para o
pesquisador encontrar instrumentos existentes que sejam coincidentes com as
competências do docente que será avaliado.
Durante a década dos 90, a ênfase no desenvolvimento de competências de
pensamento científico (CPC) nos estudantes cresceu e algumas investigações pro-
puseram novas metodologias para seu desenvolvimento, como por exemplo: as-
sistentes pessoais para o ensino da informática (REIF, SCOTT, 1999). A partir dos
estudos da psicologia cognitiva, destaca-se o trabalho realizado pela doutora De-
ann Kunh (1991; 1993; 1999; 2000), a qual desafia de forma gradual a necessidade
de explicação do desenvolvimento das CPC observadas em adolescentes e adultos.
No entanto, desde outra perspectiva, o enfoque desde o racionalismo moderado
começa a ser apresentado pela didática das ciências. Maudsley e Strivens (2000)
mencionam que é preferível desenvolver uma formação científica como uma ati-
vidade durável, um processo positivo, flexível, com controle metacognitivo (como
aprender melhor), sensível ao contexto, emotivo e racional, que responde a acon-
tecimentos positivos e negativos. Diferenciando-se, assim, do pensamento acadê-
mico, o qual é passivo, descritivo e contemplativo. Os autores ainda mencionam
que um profissional competente deve ter uma ampla visão de mundo, incluindo
noções realistas da evidência científica, mantendo-a vigiada pelo ceticismo re-

131
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

flexivo através da metacognição (BLUMENFELD,1998; CARDELHEAD,1991; GORE,


ZEICHNER,1990).
Podemos notar que frente ao cenário histórico, estabelecer uma “noção de
competências” é no mínimo complexo. Apesar disso, podemos perguntar: que for-
mação de ciências contribui melhor ao desenvolvimento de capacidades que são
desejáveis que reunissem os cidadãos? Por outro lado, os enfoques Ciência, Tecno-
logia e Sociedade (CTS) nos convidam a uma nova reflexão, a qual tem a ver com
a relação entre os conhecimentos científicos e as decisões humanas.

IDENTIFICAR, CARACTERIZAR E AVALIAR CPC


NOS DOCENTES EM FORMAÇÃO
A atual sociedade do conhecimento requer da educação científica a formação
de profissionais cada vez mais abertos à apropriação de novas tecnologias e cosmo-
visões, seu uso e a gestão ponderada. Essa nova concepção do ensino de ciências
supera os mecanismos dogmáticos para a aprendizagem, o que transcende um en-
sino que promove o desenvolvimento de habilidades mais que cognitivas, também
linguísticas, as quais facilitariam aos estudantes o confronto a situações variadas.
A respeito, pesquisas sobre o pensamento dos professores e sua prática pro-
fissional (FONDECYT 1075149) demonstram que as CPC que devem ser desenvol-
vidas nos estudantes estão diretamente relacionadas com a noção e compreensão
de CPC existentes em seu professor, seu modelo teórico; empírico e também como
estes estão ligados à formação de CPC em seus estudantes (RAVANAL; QUINTA-
NILLA, 2008; QUINTANILLA et al., 2010 b), obtendo assim o estudante êxito frente
a atividades desafiantes, que exigem um domínio conceitual elaborado, habili-
dade, valores e autorregulação de sua aprendizagem, capacidades baseadas na
interação de aptidões práticas e cognitivas, que combinadas permitem eficiência
na ação (DRIVER et al., 1996; QUINTANILLA, 2006).
As competências representam uma combinação dinâmica de atributos em
relação a conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e responsabilidades, as
quais emergem em um sistema educacional amplo e enriquecedor, incitando a au-
tonomia, sob a compreensão das ciências como atividade profundamente huma-
na sendo uma visão representacional do conhecimento (HENAO, STIPCICH, 2008;
QUINTANILLA, 2006). O desenvolvimento de CPC na formação inicial e continuada
dos docentes é atualmente um grande desafio e não ocorre de forma habitual,
como é o caso das competências intelectuais na formação inicial dos professores
de ciências (ZEICHNER, LISTON, 1991), por isso as investigações atuais se direcio-
nam a pesquisar como situações de intervenção no desenvolvimento profissional
prematuro ou tardio podem possibilitar o desenvolvimento destas competências

132
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

metacognitivas dentro de contextos históricos amplos, sem perder de vista aspec-


tos científicos, de valores, e sociais (HENAO, STIPCICH, 2008).
Apesar de que as CPC, tal como têm sido conceituadas desde as mais diver-
sas direções, apresentam uma natureza elucidativa, nosso intento está dirigido a
conformar uma representação das mesmas que não se limite a determinar a ma-
neira de fazer, mas ao mesmo tempo demonstre as qualidades do que nós temos
chamado de “sujeito competente” ou “professor competente”. Desde nossa visão,
o sujeito competente se constitui como ator e agente particular da ação, ajustada
inteligentemente às circunstâncias, capaz de adaptar ou ajustar o contexto a suas
necessidades, e com um pensamento capaz de identificar situações problemas e
abordar com a consciência dos seus recursos próprios, que constituem o perfil pes-
soal de atuação e de comunicação na aula (QUINTANILLA et al., 2009a; 2009b).
Partindo desta reflexão, a CPC emerge como um atributo do sujeito: é com-
petente o sujeito e não a competência, isso determina uma atuação permanente e
sistemática, dirigida a colocar em evidência o substrato pessoal da atuação com-
petente, assim como a valorização e avaliação da maneira em que os diferentes
sujeitos identificam, focalizam e resolvem determinadas situações (MARTINEZ,
RUA, 2004; RAUCH, 2004).

NOVOS ASPECTOS A DESENVOLVER E ENFOQUES ATUALMENTE


UTILIZADOS NO DESENVOLVIMENTO DAS CPC NA FORMAÇÃO
PROFISSIONAL DE DOCENTES DE CIÊNCIAS
O centro de nossa argumentação teórica se baseia no fato de que para pro-
mover o desenvolvimento contínuo e progressivo do pensamento científico e pro-
fissional dos professores de ciências em formação é necessário ter em conta o
sentido que cobra sua implicação nas situações e atividades avaliativas do ensino
e da aprendizagem; mediante estratégias dirigidas a favorecer a participação pro-
gressiva dos futuros professores (LABARRERE, QUINTANILLA, 2002 e 2006). Partin-
do da proposição de que a formação de CPC nos docentes implica a necessidade
de abordar a tarefa com uma aproximação genérica, que tenha em consideração
a configuração pessoal do sujeito (professor competente) e dos diferentes estágios
do desenvolvimento de CPC durante sua formação profissional, até estágios pro-
fissionais maduros ou cristalizados, onde a formação atingida é altamente perso-
nalizada, flexível e estável.
A avaliação e o sistema pedagógico que a sustenta devem ser altamente
sensíveis a essas exigências, as quais são permanentes e necessárias, capazes de
se autorregularem e, consequentemente, de compreenderem (BODNER; HERRON,
2003; GUNSTONE, NORTHFIELD, 1994; HODSON, 2003). Por isso, consideramos que

133
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

a reflexão acerca de como favorecer a passagem desde uma cultura reprodutiva


da ciência em direção a um campo de interação entre os sujeitos que aprendem
(professores em formação, neste caso) e os objetos do conhecimento, os quais são
colocados em jogo de maneira problemática para aprender a pensar com mo-
delos, teorias e uma linguagem própria da atividade científica, constituem um
importante objetivo a considerar na formação de professores de ciências (CAMA-
CHO, QUINTANILLA, 2008; COBLE, KOBALLA, 1996; ESPINET, 1989). Por isso, se quer
refletir acerca de como identificar, caracterizar e avaliar as CPC na formação de
professores de ciências, que necessitam um novo modelo acerca do conhecimento
e do fazer; e mesmo como empregar a ciência a serviço da sociedade.
Assumindo uma perspectiva que inclui a noção de sujeito competente e a
avaliação de CPC, em correspondência com as representações das metaciências,
como: epistemologia, história da ciência e a didática das ciências desde uma orien-
tação naturalizada. Em nosso País (Chile), o avanço deste tipo de pesquisa, onde se
vincula o conhecimento epistemológico dos professores de ciências em formação
com o desenvolvimento de suas próprias CPC, em um nível de formulação de mo-
delos teóricos e metodológicos para promover essas competências na construção
do desenvolvimento profissional (KLAHR, 2002) todavia é incipiente, destacando-
se, assim, a relevância dessa linha de pesquisa.

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O APRENDER NO ENSINO DE CIÊNCIAS

Marlise Heemann Grassi1

A prendizagem – poucas vezes na história da educação e na vida


de professores e estudantes, uma palavra gerou tantas interpre-
tações, conceitualizações e questionamentos. O que é aprender? Como sabemos
que alguém aprendeu? O que as pessoas precisam aprender para viver e convi-
ver na sociedade atual?
A tentativa, geralmente frustrada, de responder a essas questões faz emer-
gir a complexidade e a abrangência dessa tarefa, impregnada por perspectivas
históricas, culturais, sociais e epistemológicas. Além desses fatores, muitas vezes
deterministas, os cenários da aprendizagem precisam considerar as característi-
cas de quem ensina e de quem aprende, as condições que constituem obstáculo à
aprendizagem e as que a favorecem, as transformações desejadas por aprendizes
e mestres e os elementos explicitados e implícitos num currículo.
Uma das evidências dessa complexidade é apresentada por Pozo (2002, p.
24) ao afirmar que “um dos processos da psicologia humana mais difíceis de
simular nos sistemas de inteligência artificial é a capacidade de aprendizagem,
já que aprender é uma capacidade adaptativa inerente aos organismos, não aos
sistemas mecânicos”.
Como capacidade inerente aos organismos, o processo de aprender pressu-
põe a consideração às estruturas internas do sujeito e às do ambiente em que vive;
é um processo endógeno e sociocultural, que interage e se constitui numa rede de
inter-relações e interdependências.
Nesse contexto, uma preocupação de professores e de formadores de profes-
sores recai sobre as aprendizagens exigidas para o exercício docente na área de

1
Doutora em Educação pela PUCRS, Especialista em Currículo por Atividades (UNISC/RS) e Gestão Univer-
sitária (UNIVATES/RS), Professora Adjunta no Centro Universitário UNIVATES – Lajeado, RS, Coordenadora
do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências Exatas e do Curso de Especialização em Metodologia do
Ensino Superior da UNIVATES.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

ciências e as aprendizagens a serem construídas pelos estudantes em diferentes


níveis de ensino.
O aprender nem sempre é mérito do ensino, que em diferentes tempos e
espaços revela práticas muitas vezes orientadas por visões inatistas e empiristas,
fragmentações do conhecimento e fragilidades que repercutem na formação dos
sujeitos, atores sociais dos quais será exigido conhecimento amplo, multifacetado
e em permanente reconstrução. Apesar dos esforços de teóricos, propositores de
novas formas de pensar a educação, dos debates acadêmicos e do questionamen-
to sobre concepções e práticas, os processos de aprendizagem ainda apresentam
muitos espaços para estudo e reflexão.
Com o objetivo de contribuir com essa reflexão são registradas, no segmento
a seguir, algumas observações obtidas no exercício das funções de coordenadora
pedagógica e professora em escolas públicas e privadas de educação básica e na
docência em cursos de graduação e pós-graduação, em disciplinas responsáveis
pelas abordagens sobre ensino e aprendizagem na área de ciências.
Entrelaçado com o propósito da contribuição, busca-se pensar sobre a pró-
pria prática e pensar sobre o que se pensa sobre o ser professor de ciências.

CONCEPÇÕES SOBRE APRENDIZAGEM:


FRAGMENTOS DO PASSADO (DO PASSADO?)
Uma retrospectiva apoiada em publicações de 40, 50 anos atrás, revela as-
pectos interessantes sobre a questão do ensino e da aprendizagem. Na década de
70, Mouly (1976, p. 216) considera que “a aprendizagem refere-se às mudanças
que resultam de estimulação específica” complementando abordagem anterior
na qual define aprendizagem como a mudança comportamental resultante da
experiência. A doutrina empirista, associacionista, que atribui a aprendizagem a
estimulações e experiências sensoriais é claramente identificada nesses registros.
Completando o quadro de predominância das intervenções exteriores, condutis-
tas, o autor lembra que “o caso mais simples de aprendizagem é o de resposta
condicionada” (ibidem, p. 217).
Na mesma década os psicólogos Sawrey e Telford (1976, p. 18), ao elaborarem
diversas considerações em torno da “motivação da aprendizagem” afirmam que
“o papel do professor não é tanto criar motivos, que são consequência de muitos
fatores culturais e orgânicos, e sim manipular incentivos”, destacando ainda que
“o professor pode auxiliar o aluno a passar de uma dependência de incentivos
externos, específicos e imediatos para incentivos mais remotos e generalizados”, o
que representa, segundo o autor, uma motivação intrínseca.

142
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

É possível observar que a questão da aprendizagem era tema da psicologia,


alinhada ao pensamento behaviorista, comportamentalista, que, ao preconizar o
controle sobre procedimentos, gera uma ideia passiva e submissa do sujeito, cuja
responsabilidade era acumular conhecimentos.
Como essa doutrina repercutiu no ensino de ciências? Os professores preo-
cupavam-se com experimentos, incentivos visuais, olfativos, gustativos e muitas
“descobertas”, com ênfase na conversão, ou seja, na transformação da forma de
aprender e resolver problemas, através de experiência proporcionada.
Os livros organizados em torno de questões didático-pedagógicas priori-
zavam sobremaneira a questão dos métodos e das técnicas, classificados pelos
autores em individualizados, socializados e mistos. Merecia destaque também a
avaliação, com especial preocupação em esclarecer as funções, as modalidades,
os princípios, as etapas e os instrumentos e técnicas a serem utilizados (NÉRI-
CE, 1970; TURRA et al., 1975; GONÇALVES, 1982; PILETTI, 1984). A Taxionomia de
Benjamim Bloom e seu princípio “integrador” preconizavam a categorização dos
objetivos educacionais nos domínios afetivo, psicomotor e cognitivo, e consistia
referencial para a avaliação do desempenho. Em relação ao domínio afetivo, a
classificação dos objetivos “era consideravelmente menos consistente que a dos
cognitivos” (TURRA et al., 1975, p. 90). As atividades ou experiências de aprendi-
zagem cognitivas eram consideradas por duas abordagens: dedutiva e indutiva. O
método científico era inquestionável.
As obras escritas na década de 80 ainda refletiam o referencial tecnicista da
instrução programada, das fichas didáticas, dos testes e dos objetivos comporta-
mentais vinculados a condições e critérios preestabelecidos.
O ensino de física e química, no ensino médio, era geralmente, apoiado em
livros didáticos, organizados em módulos, com conteúdos detalhados e exemplifi-
cados, com algumas relações com fenômenos do cotidiano; mantinham-se, entre-
tanto, nas fronteiras de suas especificidades.
Com algum atraso, chegou à educação brasileira o pensamento integrador e
globalizador das unidades didáticas e dos centros de interesse. As unidades didá-
ticas, ou de ensino, formavam conjuntos completos de conteúdos significativos,
baseados nos esquemas de vida. Buscava-se superar as limitações do ensino com-
partimentado, distante do cotidiano e sem significado para os estudantes. Os cen-
tros de interesse, inspirados no método do educador belga Ovídio Decroly, eram
organizados em torno de temas geradores, extraídos da realidade próxima dos
alunos e pretendiam estabelecer associações do meio natural em que a criança
vivia com a teoria desenvolvida em sala de aula.

143
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Esses métodos de aproximação dos conteúdos com o cotidiano do aluno ti-


nham como objetivo desenvolver o raciocínio lógico e a capacidade de observa-
ção da realidade e dos elementos que a constituem. Tanto as unidades de ensino
quanto os centros de interesse apresentavam como focos temáticos, ou temas
geradores, conteúdos relacionados a ciências naturais e estudos sociais e consti-
tuíram significativo passo na direção da interdisciplinaridade e também da abor-
dagem sistêmica no ensino de ciências. A globalização de conteúdos encontrou
nos anos iniciais da escolarização um espaço de possibilidades, mas não chegou a
alterar significativamente a organização multidisciplinar das séries finais do ensi-
no fundamental e do ensino médio.
Na década de 90, Libâneo (1991) sinaliza a influência cognitivista nas concep-
ções sobre processos de aprendizagem. Apresenta os níveis reflexo e cognitivo do
processo e inclui neste último conhecimentos, operações mentais, compreensão e
generalização das propriedades, relações entre elementos da realidade e aquisição
de modos de ação (idem). Considera também que “podemos aprender conhecimen-
tos sistematizados (fatos, conceitos, princípios), habilidades e hábitos intelectuais
e sensoriomotores” (ibidem, p. 83).
A tentativa de definir a ciência cognitiva surgiu em décadas anteriores, a
partir das contribuições de psicólogos como Bruner (1983) e Miller (1983), que bus-
caram responder a questões epistemológicas de longa data, principalmente as
que se referiam à natureza do conhecimento, seus componentes, suas origens, seu
desenvolvimento e seu emprego.
A fundamentação empírica da ciência cognitiva remete à experimentação
como estratégia de aprendizagem, que, quando bem planejada e orientada, pode
reunir elementos significativos para uma boa iniciação à ciência. No entanto, mui-
tas vezes a experimentação é substituída em sua integridade epistemológica por
atividades práticas em que o simples uso de materiais concretos, manipuláveis
(sucatas), não contempla a categoria de cientificidade. Vale ressaltar que ativi-
dades práticas são importantes e devem ter seu lugar nas escolas, mas não po-
dem ser confundidas ou substituídas pela experimentação, que leva ao pensar. A
autenticidade da educação científica reivindica a atribuição de valor ao próprio
pensamento, ao pensar sobre o que se pensa, ao criar e ao inovar.
As feiras de ciências ou os clubes de ciências, que fizeram parte de um passa-
do recente na educação brasileira, foram importantes estratégias potencializado-
ras da criatividade e da inovação científica, entretanto, passaram a ser motivo de
críticas pela ausência de registros decorrentes de ação investigativa empreendida
pelos estudantes, e objeto de acompanhamento pelo professor. Além disso, havia

144
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

evidências de cópias de sites da internet e repetição exaustiva de temas que se


transformaram numa espécie de senso comum, sem a devida fundamentação te-
órica ou reedição apoiada em indagações críticas.
Bachelard (1996), nos seus estudos sobre epistemologia e filosofia das ciên-
cias, propõe a superação do senso comum, do conhecimento comum caracterís-
tico da perspectiva empirista, pelo conhecimento científico, racional. Considera o
senso comum “um obstáculo epistemológico”, alertando que “diante do real, aqui-
lo que cremos saber com clareza ofusca o que deveríamos saber” (BACHELARD,
1996, p. 18). O teórico racionalista afirma que “todo conhecimento é uma resposta
a uma pergunta” e considera que “se não houver questão não pode haver conhe-
cimento científico” (ibidem).
Foi a perspectiva construtivista, a partir dos ensinamentos de Piaget (1959,
1967, 1972, 1973, 2004) e de Vygotsky (1984, 1989), que trouxe uma nova visão da
aprendizagem, entendendo-a como um processo resultante das interações com
o meio, em contínuo desenvolvimento. A problematização, a mediação pedagó-
gica e a preocupação com a aprendizagem significativa (AUSUBEL, 1968; MOREI-
RA, 2000) passaram a fazer parte dos discursos e da organização de situações
de ensino. O construtivismo é considerado por muitos educadores como uma
“revolução pedagógica”, mas ainda persistem dúvidas sobre a real compreensão
dos seus aportes teóricos.
As diferentes perspectivas epistemológicas sobre a construção do conheci-
mento científico constituem referenciais para análise e reflexão; são componen-
tes de uma história que deveria estar presente na formação de professores, e ser
analisada na sua pertinência temporal e contextual, tanto no desenvolvimento
da sua prática docente quanto na leitura e compreensão de epistemologias que a
evolução do pensamento apresenta na contemporaneidade.

A PERSPECTIVA SISTÊMICA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO


Reconhecer a perspectiva da complexidade significa realizar a educação em
bases contextualizadas, entender que cada ator deve participar com suas especifi-
cidades do trabalho pedagógico e social, e contribuir efetivamente para a tessitura
de redes que constituem alternativas para a superação de problemas e otimização
de iniciativas que promovem a melhoria da vida em todas as suas dimensões.
Essas dimensões, interconectadas e interdependentes, são definidas mutua-
mente nas relações estabelecidas e estão em permanente processo de autoprodu-
ção e reorganização.
As concepções sistêmicas permitem perceber a significativa oposição às vi-
sões fragmentadas e compartimentadas sobre o indivíduo e sobre os processos de

145
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

aprendizagem. Aprender, numa perspectiva sistêmica, é conviver com incertezas,


questionar “verdades” reproduzidas acriticamente, é produzir história e saberes
que promovam meios de vida e a plena realização da natureza humana. Ser ator
nesse processo é ser criativo, compromissado e tolerante; é aprimorar linguagens
e considerar culturas.
A aproximação da perspectiva sistêmica com as ciências da natureza enca-
minha para a necessidade de “substituir um pensamento que isola e separa por
um pensamento que distingue e une” (MORIN, 2004, p. 89). Essa reforma do pen-
samento foi preparada pela física quântica, pela queda do dogma determinista e
pela introdução da incerteza no conhecimento científico. Além disso, passaram a
ser considerados os sistemas e abandonada a ideia reducionista (ibidem).
No contexto do ensino de ciências, numa perspectiva sistêmica, Morin (2004,
p. 88) considera que há necessidade de um pensamento “que compreenda que o
conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e que o conhecimen-
to do todo depende do conhecimento das partes”.
Na tarefa de adotar uma visão sistêmica sobre os processos de ensino e de
aprendizagem, o autor sugere que no ensino fundamental deve ser preservada a
curiosidade natural da criança, apoiado num programa interrogativo durante o
qual o ser humano descobre sua natureza biológica e cultural. O “ensino poderia
ser o veículo entre os conhecimentos parciais e um conhecimento do global” (MO-
RIN, 2004, p. 75) e os diferentes componentes das ciências podem ser tratados de
formas distintas, mas não isoladas; sempre inscritas em seu contexto.
A autocrítica e o autoexame devem ser ensinados desde cedo, acompanhados
pela identificação dos modos de produção da cultura midiática. Entender como a
mente processa os conhecimentos e como as imagens filmadas ou televisiona-
das podem arbitrariamente formar uma impressão de realidade é uma prática de
aprendizagem da vida inerente à visão sistêmica (ibidem).
O ensino médio é o momento de estabelecer um diálogo entre a cultura das
humanidades e a cultura científica, como por exemplo: a filosofia, que estuda a
condição humana através do mundo físico e biológico e orienta a reflexão sobre o
“conhecimento científico e não científico e sobre o papel da tecnociência, maximi-
zado em nossas sociedades” (MORIN, 2004, p. 79). Segundo o autor, a história deve
ter um espaço significativo no ensino médio, pois permitiria ao estudante situar-se
no momento histórico e entender as características multidimensionais das reali-
dades humanas. Ao professor, cabe o dever de educar-se sobre o mundo e a cultura
dos adolescentes e discutir os temas que povoam a realidade dos mesmos.
A universidade, segundo Morin (2004, p. 82-83), deve “adaptar-se às necessi-
dades da sociedade contemporânea e realizar sua missão transecular de conser-

146
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

vação, transmissão e enriquecimento de um patrimônio cultural, sem o qual não


passaríamos de máquinas de produção e consumo”. Como nos demais níveis de
ensino, o autor volta a destacar a necessidade de realizar uma reforma que leve
em conta a aptidão para pensar e afirma que “a reforma de pensamento exige a
reforma da Universidade”.
Para a instauração dessa aptidão, o autor apresenta um “dízimo epistemoló-
gico” destinado “ao conhecimento dos determinantes e pressupostos do conheci-
mento, ao pensamento matemático, à relação entre o mundo humano, o mundo
vivo, o mundo físico-químico, o próprio cosmo”, entre outros princípios pertinen-
tes à literatura, às artes, às comunicações, à cultura, às ciências humanas, à ética,
à política (ibidem, p. 84-85).
Checkland (1981) ratifica a necessidade da abordagem sistêmica como uma
forma de procedimento voltada ao exame de problemas do mundo real, e Capra
(1996, p. 49) considera que os critérios do pensamento sistêmico “são todos inter-
dependentes” e que a “a natureza é vista como uma teia interconexa de relações
[...]. Essa teia de relações é descrita por intermédio de uma rede correspondente
de conceitos e de modelos, todos igualmente importantes”.
A compreensão e o desenvolvimento do ensino de ciências, com a perspec-
tiva sistêmica, podem ainda representar um desafio para muitos docentes, entre-
tanto, pela pertinência com as características do mundo em que vivemos, merece
ser incluído nos estudos sobre a organização curricular do ensino.

AS DIMENSÕES DO APRENDER EM CIÊNCIAS


Na tessitura da rede de relações entre conceitos, princípios, valores e emo-
ções para o ensino de ciências, é preciso considerar que “a ciência deve ser ensina-
da como um saber histórico e provisório, tentando fazer com que os alunos par-
ticipem, de algum modo, no processo de elaboração do conhecimento científico”
(POZO, 2009, p. 21).
O pensamento de Pozo e suas perspectivas sobre as dimensões da apren-
dizagem são inseridos nesta reflexão como conceitos ou fios de uma abordagem
sistêmica. Ao considerar que “as formas de aprender e ensinar são uma parte da
cultura que todos devemos aprender” (ibidem, p. 23), o pensamento do autor forta-
lece a perspectiva cultural da construção do conhecimento.
A cultura da aprendizagem enunciada pelo teórico considera que estamos
diante da “sociedade da informação, do conhecimento múltiplo e do aprendizado
contínuo” (POZO, 2002, p. 24). Argumenta que a informação deve ser assimilada
de maneira crítica, organizada e analisada, para lhe dar sentido; o estudante deve
aprender a buscar, selecionar e interpretar as informações.

147
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

É no conhecimento múltiplo que o posicionamento de Pozo se encontra


com a perspectiva sistêmica, de forma mais evidente. Ao propor que devemos
aprender a conviver com a diversidade em todas as suas formas, a conviver com
as incertezas e a entender que a evolução do pensamento científico vem descen-
tralizando e desconstruindo saberes e questionando verdades acabadas, o autor
se aproxima de três dos Sete Saberes Necessários para a Educação do Futuro, sele-
cionados por Morin (2002), ou seja: “As cegueiras do Conhecimento, Os princípios
do conhecimento pertinente e Enfrentar as Incertezas”.
Em relação ao aprendizado contínuo, Pozo (2009) cita um dos pilares da
educação enunciados por Delors (1996), aprender a aprender, e aponta o currículo
de ciências como uma das alternativas de aquisição de estratégias e capacidades
que permitam reconstruir conhecimentos. Esse propósito exige a renovação de
conteúdos, objetivos e práticas pedagógicas, inserindo nessa perspectiva o tra-
balho com conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais (ZABALA, 1998;
POZO, 2009) como demandas do currículo de ciências que o sistema educacional
deve satisfazer na direção da formação científica.
Os conteúdos conceituais referem-se ao desenvolvimento do raciocínio cien-
tífico e de habilidades cognitivas a serem mobilizadas na resolução de problemas.
A evolução dos conceitos constitui uma transição qualitativa da ação prática para
a abstração e pode suscitar um processo metacognitivo, de investigação dos pró-
prios conceitos e de suas relações com outras dimensões do conhecimento.
Os conteúdos procedimentais no ensino de ciências envolvem o educando na
sua aprendizagem, tornando-o participante “dos próprios processos de construção
e apropriação do conhecimento científico” (POZO, 2009, p. 28). A natureza proces-
sual dos conteúdos procedimentais remete ao aprendizado de técnicas, destrezas
e estratégias que evidenciam e podem (re)construir o pensamento.
Mesmo sendo uma parte constitutiva do ensino de ciências, os conteúdos ati-
tudinais “praticamente não têm sido objeto [...] de ensino explícito” e “justamente
porque não são ensinadas, as atitudes constituem uma das principais dificuldades
para o ensino e a aprendizagem das ciências” (ibidem, p. 30). Os conteúdos ati-
tudinais envolvem interesse, comprometimento, superação de desafios, postura
investigativa e também solidariedade, autocrítica, auto-organização e autonomia.
Na teia das aprendizagens, tecem os fios da compreensão, da identidade terrena e
da ética da condição humana (MORIN, 2002).

O ENCONTRO DE (ALGUNS) FIOS


Delimitar abordagens num tema tão amplo e complexo exige escolhas e to-
mada de decisão. O encontro de alguns fios da teia de relações e reflexões tem o

148
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

propósito de inseri-los com maior evidência no espaço das contribuições para o


ensino de ciências e, abri-los para novas possibilidades de estudo, nas quais as
singularidades e identidades são preservadas e integradas a um projeto coletivo
que transforma realidades.
É possível considerar que os equívocos e fragilidades da educação científica,
percebida e relatada por professores que atuam nesta área, tenham sérios reflexos
sobre o como um estudante percebe disciplinas e conteúdos da área de ciências.
A falta de clareza sobre a construção científica, ou até a inexistência da postura
investigativa, questionadora, coloca o estudante diante do desafio de utilizar uma
lógica que ele não construiu.
Cabe aos professores, mais do que em qualquer tempo, aprofundar a reflexão
teórica acerca daquilo que pode tornar possível o discernimento das concepções
que orientam suas práticas, identificando as visões e perspectivas em que se ins-
crevem, questionar sua pertinência ao ensino de ciências no contexto atual e dis-
por-se a problematizá-las, relacioná-las e reconstruí-las permanentemente.
A educação científica pressupõe a superação das epistemologias conserva-
doras, o diálogo sobre questões cruciais do ensino e da aprendizagem e a busca
incessante de formas de pensar e repensar a qualificação da vida.

REFERÊNCIAS
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Winston, 1968.

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Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

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150
O QUE “ENSINAR” EM UM CURSO DE FÍSICA?

Moacyr Marranghello1

N uma manhã de domingo eu estava parado na minha sacada, em


Gramado, com meu horrível vício entre os dedos, olhando para o
verde que tinha à minha frente. Fazia frio. A neblina ainda não tinha se dissipado,
apesar de o dia já ter nascido com céu limpo, e tudo indicava que o Sol seria exu-
berante. Como é de costume, comecei a divagar, sobre as necessidades humanas,
sobre as especulações sociais, sobre possibilidades. Sempre que tenho oportuni-
dade, fujo para o meu cantinho onde encontro paz e silêncio para conversar com
Saramago, Sartre, Gabriel Garcia Marquez, Erico Verissimo, Schopenhauer, entre
tantos outros. Parece estranho como conseguimos observar um pequeno gafanho-
to verde no meio das folhagens, também verdes, quando se está desprendido (ou
será que é apenas a imaginação que permite que os olhos admirem coisas? Sei
lá!). Nesse momento, fiz a seguinte ponderação: “Há uma grande distância entre a
vida que se sonha e a vida que se leva” (“and I think to myself, what a wonderful
world…”, Louis Armstrong).
Não que essa ponderação seja algo extraordinário, ao contrário, várias pes-
soas já constataram isso. Muitos, inclusive, levando mais ao pé da letra, resolve-
ram dar uma volta de 180o em suas vidas, largando empregos, altos cargos em
empresas conceituadas, família, dinheiro etc., para tentar outras oportunidades,
administrar outros conceitos. O que me intriga, e aqui não há resultados de proce-
dimento científico, pesquisa ou mesmo um questionamento sistemático, apenas
observações pessoais, é que essas pessoas, de um modo geral, eram esclarecidas,
isto é, com alto grau de instrução ou, no máximo, escoladas pela própria vida,
autodidatas em viver. Mesmo assim, todas elas mantiveram uma única coisa em
comum: seus valores.

1
Graduado em Física pela PUCRS, Mestre em Engenharia pela ULBRA, Professor de Física da ULBRA desde
1989.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Você poderia argumentar: “Como assim mantiveram seus valores? Foi exata-
mente o que modificaram em suas vidas”. Vou tentar argumentar. Independente-
mente de eles terem trocado “dinheiro” por “capim”, os valores intrínsecos dessas
pessoas sempre foram o respeito por si mesmos. Enquanto eles mantinham apa-
rências, havia um conflito interno que os corroia. Há alguns que nunca se deixam
ser levados por esses sentimentos, passam a vida toda trancando essas sensações
e acostumam-se com isso. Outros dizem que isso é natural: “a vida é uma coisa e
nossos sentimentos são outra e, por mais que queiramos, eles nunca se encontra-
rão”. Será? Teria sentido uma vida sem valores verdadeiros? Digo isso, pois não me
espanta que essas pessoas sejam academicamente esclarecidas.
A meu ver, a proposta é justamente colocar “pulgas” onde elas não existiam.
Parto do princípio que todos, independentemente de credos, cores ou gostos pes-
soais, são capazes de nortear suas vidas (aqui vai um breve comentário: a cultura
europeia é tão dominante em nosso meio que, nortear passou a ser sinônimo de
dar rumo, porque não inventamos o verbo “sulear” – mais um devaneio). Apesar
de toda essa introdução, não é meu “métier”, e consequentemente, não é minha
intenção escrever um tratado filosófico e/ou psicológico sobre os seres humanos.
Kant, Schopenhauer, Nietzsche, e tantos outros nos ajudaram com isso. Pretendo
utilizar algumas dessas considerações em minhas explanações a respeito do ato
de escolher uma profissão e, no caso específico, ministrar aulas de física.
Desculpem-me, mas vou voltar para Gramado. Onde eu estava mesmo? Ah!
Sim. Sacada, gafanhoto, verde, neblina, Sol. Bem, àquele gafanhoto que eu via na-
quele momento nunca lhe foi oferecido oportunidade de escolha. Vocês devem es-
tar pensando, mas que imbecil, é óbvio que a ser algum é dado essa possibilidade.
Nem mesmo aos humanos lhes é perguntado se querem nascer, ou qual o sexo
gostariam de ter, porque esse espermatozoide, e não o seguinte? (Isso me lembra
um ditado popular que diz: “se um dia te sentires inútil ou deprimido, lembra-te
que já houve um dia em que foste o espermatozoide mais rápido do grupo!” So-
mente ao homem é dado o livre-arbítrio e, mesmo assim, apenas com o tempo e
em algumas situações. Ao gafanhoto, a natureza impõe apenas necessidades, não
lhe é dada a oportunidade de optar entre carnívoro ou vegetariano, apaixonar-se
por uma linda “grilinha” ou experimentar mergulhar em mares profundos. Já nós,
depois que crescemos e passamos a decidir os nortes para a nossa própria vida e,
quem sabe até, de pessoas dependentes de nós, nos deparamos com uma infini-
dade de possibilidades. Se tivermos de ponderar todas, não sobraria tempo para
optarmos por alguma. Aprendemos, desde muito cedo, que uma das mais impor-
tantes decisões de nossa vida será nossa profissão.
Lembro-me do dia em que cheguei em casa e avisei aos meus pais que o que

152
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

eu queria mesmo era ser professor. Puxa! Que decepção! Meu pai tinha apostado
várias fichas no “filhinho” que se tornaria um bem-sucedido médico, como ele.
Quem sabe até seguiria a mesma especialidade. Nada disso. O “querido” iria dar
aulas. Observe que eu, propositadamente, escrevi “dar” aulas. Pois é. No Brasil é
exatamente o que se faz. No máximo, se “vende barato” em vez de “dar”. Meu pai,
com toda a calma que possuiu, sentou e disse: “se, apesar de saberes de todas as
dificuldades econômicas que vais passar pelo resto da vida, queres isso para ti e
para os teus, vai em frente”. Lembro também que, na época em que fiz esse comu-
nicado, existia um adesivo, diga-se de passagem, de mau gosto, que algumas pes-
soas colocavam em seus veículos com os seguintes dizeres: “Vou vencer na vida,
mesmo sendo professor”. Nunca me arrependi dessa escolha. Posso ter me arre-
pendido de tantas outras, mas dessa não (se bem que não foram tantas assim).
Olhando meus 30 anos de magistério, fiz amizades, cresci, tanto intelectual como
psicologicamente, procurei exercer minha paciência da melhor maneira possível
e, principalmente, aprendi muito com todos, colegas de profissão e alunos.
Depois de lecionar física para o ensino médio, durante 10 anos, em insti-
tuições públicas e privadas de Porto Alegre, fui convidado para lecionar em uma
Instituição de Ensino Superior. Era um novo desafio que se impunha em minha
vida. No início, eram estudantes de engenharia e de outros cursos, principalmente
lecionar física para cursos da área da saúde (fonoaudiologia, radiologia, optome-
tria, educação física e outros). De certa forma, confortava-me trabalhar com esses
cursos, pois parecia que eu estava realizando um pouquinho o sonho do meu pai.
Com o passar do tempo e com o crescimento da Universidade, houve a necessi-
dade de implementar novos cursos. Como o único curso de licenciatura que não
existia nesta instituição era o de física, resolvemos propor a sua criação. No ano de
2002, houve a primeira entrada de alunos que queriam graduar-se em física.
Pensem comigo: “como é que a gente pode ensinar alguém a ensinar os ou-
tros?” Acho que este era o maior dos desafios que tínhamos. Não bastava ensinar
física, era preciso que os acadêmicos aprendessem a ensinar. Segundo Meirieu [1], o
aprender consiste em compreender e se apropriar de uma parcela do mundo exte-
rior e construir um novo sistema de representações, cada vez mais aprimoradas, e
que permitam certas ações sobre esse mundo. O próprio Meirieu [2] fala sobre o ato
de ensinar, concordando com Freire [3], quando aponta que ensinar não é transmitir
conhecimentos, mas criar as possibilidades para a produção do saber. O engraçado é
que se olharmos em dicionários da língua portuguesa [4], o verbete ensinar tem al-
guns sinônimos, como: habituar a fazer alguma coisa; adestrar, doutrinar, castigar,
escarmentar. Ao mesmo tempo, o verbete aprender é definido como: “ficar sabendo”,
“reter na memória”, “tomar conhecimento de”. Complicado isso não?

153
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Assistindo a uma formatura do Curso de Licenciatura em Matemática da


ULBRA (Universidade Luterana do Brasil – Campus Canoas – RS), o paraninfo, pro-
fessor Rodrigo Dalla Vecchia, fez o seguinte discurso, utilizando uma frase muito
interessante. Ela dizia mais ou menos assim: “O papel do professor é motivar seus
alunos para o ensino da matemática”. O que me chamou mais atenção foi a con-
tinuidade do discurso dada pelo paraninfo, quando ele se disse completamente
contrário à afirmação da frase. Em seu comentário, ele coloca que um educador (e
não professor como aparece na frase) não deve motivar seus alunos para alguma
coisa, mas sim motivar-se. Imediatamente concordei com o que ele estava dizendo
para seus afilhados. No meu entender, a própria motivação do professor para com
a sua aula ou o assunto que está sendo trabalhado em sala de aula é que será o
trampolim capaz de motivar o aluno. Isso me lembrou várias coisas já lidas, pen-
sadas, ou apenas rasuradas na minha memória. Existe uma máxima em cursos de
RH e afins que afirma: “ninguém motiva ninguém”. Não sei se consigo concordar
com isso. O que quero dizer é que acredito, sim, que podemos ser motivados por
outras pessoas. O problema é que não existem ações diretas ou atividades básicas
que possam produzir uma motivação externa em alguém, haja vista que a moti-
vação é uma coisa pessoal.
Acredito que se faz necessário uma disponibilidade interna para que qual-
quer ação externa venha a nos motivar. Lembro de uma passagem no livro Solo de
Clarineta [5], volume I, de Erico Veríssimo, quando ele diz ter mostrado o primeiro
texto que ele escreveu, ainda criança, em Cruz Alta, no interior do Rio Grande do
Sul, a um vizinho, que fez o seguinte comentário: “que filho da puta!” Segundo o
próprio Erico, foi o maior elogio que ele recebeu em toda a sua extensa carreira de
escritor e foi exatamente o que o motivou a continuar escrevendo.
Voltemos para a sala de aula. O professor é alguém que passa um bom tempo
com os mesmos alunos. Reciprocamente, o aluno também permanece um longo
período com o professor. Será que nesse tempo todo o aluno está predisposto a
receber estímulos, de tal forma a aprender algo? Será que nesse tempo todo o
professor está tranquilo para propiciar esses estímulos para ensinar? A resposta
mais óbvia para essas perguntas é: “claro que não”. Há dias e dias em nossa vida.
Porém quero chamar atenção para o que foi escrito um pouco acima: professor e
aluno são pessoas que convivem um bom tempo juntos.
Creio, com muita convicção, que é esse tempo que vai produzir os estímulos
necessários, tanto para o professor como para os alunos. Esses estímulos podem
ser bons ou não, depende da relação entre professor e aluno. Para que surtam efei-
tos positivos, é fundamental que o professor esteja motivado. Será essa motivação
(a do professor) que poderá motivar o aluno. Há um livro que nunca li (e não sei

154
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

se tenho a intenção de lê-lo), nada contra Roberto Freire [6], o autor, ou contra os
livros de autoajuda, mas ele foi tão feliz no título, que não sinto necessidade de ler
o que está escrito dentro do mesmo: “Sem tesão não há solução”.
Acredito e tento viver dessa forma. Tudo o que fazemos deve ser feito com
muito tesão, pois senão, não valerá a pena. Atire-se de corpo e alma em todos os
projetos que aparecerem na sua frente, pois só assim eles darão certo. Espere, isso
está parecendo papo de livro de autoajuda. Como assim, diz que não gosta desse
tipo de livro e vem pregar as mesmas coisas? Bem, não sou daqueles que acham
que se a “coisa” for feita com vontade dará certo por esse único motivo. Não, é pos-
sível, sim, que as coisas feitas com muita excitação também possam dar errado.
Não estou dizendo que uma coisa depende da outra, isto é, o sucesso é dependente
da vontade ou o insucesso da falta de vontade. Creio, sim, que a probabilidade de
ter sucesso quando há muita vontade canalizada para aquilo é bem maior.
Sempre digo para os meus alunos, assim como para os meus filhos, que as
atitudes de uma pessoa ensinam muito mais do que as palavras. Portanto, moti-
vem-se para dar uma boa aula. É mais importante que os alunos sintam que vocês
estão gostando da aula de vocês do que entendam o que vocês estão dizendo. Já fiz
várias vezes o seguinte comentário em sala de aula: “não sei se vocês estão enten-
dendo uma só palavra do que eu estou falando, mas eu estou adorando dar essa
aula pra vocês”. Concordo, em parte, quando os pedagogos dizem que o conteúdo
é supérfluo. Concordo, pois também acho que o conteúdo pode ser aprendido em
outras circunstâncias que não uma sala de aula. Discordo, pois sem conteúdo nos-
sas discussões não tem sentido, isto é, ninguém consegue teorizar qualquer coisa
sem conteúdo. Mesmo quando se fala sobre o vazio é necessário muito conteúdo.
Outra coisa que costumo afirmar para meus alunos, independentemente de
serem do ensino médio ou de cursos de graduação é: “leiam tudo que vocês pude-
rem, mesmo que não gostem, até para poderem dizer – não gostei”. Isso significa
que tu estás adquirindo conteúdo para poder discutir. Então, afinal de contas, o
que é mais importante “ensinar” para um aluno de graduação em física do que
como e o quê ele deve “ensinar” para um aluno de ensino médio? Na minha hu-
milde opinião, em primeiríssimo lugar: “tenham tesão pela profissão que vocês es-
colheram, pela vida, pelas pessoas…, sejam criativos, inventem, brinquem muito
com essa profissão e com seus alunos, não levem a vida e a sala de aula a ferro
e fogo (como diria minha filha: pensem que a vida é um morango), sejam leves,
flutuem, sejam competentes e cativem os outros”.
Bem, tentando ser um pouco mais prático, além do “tesão”, o que se deve “en-
sinar” (melhor seria dizer “trabalhar”) para acadêmicos de um curso de graduação
em física, para que eles possam “ensinar” para seus alunos do ensino médio? Se

155
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

me fizessem essa pergunta sem que eu tivesse tempo para pensar, com certeza a
resposta seria: “não faço a menor ideia”, ou então: “tudo”. Mas, tendo um pouco
mais de tempo para ponderar coisas a respeito do assunto, creio que teria outras
opções. Segundo Postman [7], o conhecimento humano é limitado e construído
através da superação do erro. O método científico, por exemplo, é a correção sis-
temática do erro. Basta dar uma olhada na história da ciência: “sabemos coisas,
mas muito do que sabemos está errado, e o que o substituirá poderá também es-
tar errado. Mesmo aquilo que é certo e parece não necessitar correção é limitado
em escopo e aplicabilidade”. Costumo brincar com meus alunos dizendo que o
conhecimento é construído em cima dos erros cometidos. Por exemplo, quando
a menina é pequeninha e chega perto do fogão, a mãe ralha com ela para evitar
acidentes, porém, depois que ela cresce, a mãe manda-a para o fogão para fazer a
comida (brincadeirinha machista, que explicita a visão da nossa sociedade – tam-
bém faço este comentário com eles).
Outro exemplo que costumo utilizar com alunos que estão iniciando o cur-
so de graduação em física é o conceito de massa. Lembro que quando eles eram
crianças não tinha a menor importância a confusão existente entre os conceitos
de massa e de peso. Posteriormente, eles aprendem um conceito mais químico
que afirma que massa “é a quantidade de matéria de um objeto”. Mais adiante, no
ensino médio, massa passa a ser definida como “a medida quantitativa da inércia
de um corpo”. Mais ou menos no meio do curso de física, massa será relacionada
à energia e ao momento, como “um ente físico que corresponde ao inverso da de-
rivada segunda da energia em relação ao momento”. Finalmente, se vocês chega-
rem ao final do curso de licenciatura em física tendo absoluta certeza de que “não
sabem qual a definição para a grandeza massa”, podem considerar-se formados
em física. Em outras palavras, o erro faz com que aperfeiçoemos nossos conceitos
e aprimoremos a forma como trabalhamos.
Então, que tal começarmos um curso de graduação discutindo os erros. Não
a matemática deles, não os conceitos, mas: Qual a necessidade de cometermos
esses erros? Quando eles devem ocorrer? Qual a utilidade desses erros quando
estamos lidando com os alunos? Foi essa a nossa proposta de trabalho para uma
introdução ao ensino de física. Dentro de um laboratório, fazendo experiências
muito simples, sem nenhum material sofisticado, inicialmente fazendo com que
os alunos cometam erros absurdos e sem fazer qualquer comentário sobre esses
erros. Somente na terceira ou quarta semana de aula, paramos para uma conver-
sa, que deverá nortear nosso curso ao longo dos semestres seguintes: qual a im-
portância do erro na nossa vida? Em 2005, quando da comemoração do Ano Inter-
nacional da Física, o Professor Dr. Bernard Marie Maréchal [8], do Departamento

156
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

de Física Nuclear da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), concedeu uma


entrevista onde, falando sobre erros em uma sala de aula, afirmou:
O problema é se as pessoas aprendem a lucrar com o erro. Primeiro, não
se pode rejeitar o erro, ele faz parte da vida. A questão é saber se temos a capa-
cidade de analisar o erro… Não se trata de castigar o erro. Mas nós, professores,
sempre castigamos, de alguma forma, não é? Se o aluno erra muito, o que faze-
mos? Damos uma nota baixa para ele, para o aluno ter que estudar mais e não
ser reprovado. Mas o problema para o professor é pensar por que o aluno está
tirando uma nota baixa.

A partir dessa discussão, analisando o erro como uma coisa normal da vida,
mesmo nos mais precisos instrumentos de medida que o homem já conseguiu
inventar, como, por exemplo, o relógio atômico com um único átomo de alumínio,
que é atualmente o relógio mais preciso do mundo (segundo o Physical Review
Letters [9], publicado em 25 de junho de 2010, este relógio vai atrasar 1 s a cada
3.700.000.000 de anos). Com isso, tento mostrar que, por mais preciso que tenta-
mos ser, mesmo assim, continuaremos cometendo erros. Dessa forma, passa a
ser mais importante tentarmos minimizar os erros, discutindo-os, analisando-os,
refazendo-os, do que o próprio acerto, se é que este existe!
Outra coisa que li, em um artigo de Ostermann et alli [10], é que a maioria das
produções nacionais recentes (2000 a 2007) sobre ensino de física, concentram-se
na temática ensino-aprendizagem, com o claro intuito de subsidiar professores do
ensino médio para a melhoria do desempenho de seus alunos. Melhorar as “no-
tas” dos alunos. Segundo o mesmo artigo, essas pesquisas mais instrumentalistas
e tecnicistas do processo educativo, não observam a complexidade dos diversos
aspectos que envolvem a educação. Como se o resultado da educação de uma
pessoa estivesse restrita apenas a expressão de um conceito. Em consonância com
uma sociedade onde a supremacia das tecnologias supera a beleza do conheci-
mento científico. Esta visão reforça o que Gérard Fourez [11] comenta ao afirmar
que: “a ideologia dominante dos professores é que as tecnologias são aplicações
das ciências. Quando as tecnologias são assim apresentadas, é como se uma vez
compreendidas as ciências, as tecnologias se seguissem automaticamente”.
Acredito fortemente que é preciso mostrar para acadêmicos graduandos
de cursos de licenciatura em física que há necessidade de encantar os alunos
do ensino médio com a física. Se continuarmos reproduzindo o que a sociedade
tecnicista e imediatista nos impõe, continuaremos a enfrentar resistências pelos
próprios alunos do ensino médio, sobretudo quanto à utilização excessiva de cál-
culos. É preciso agregar poesia, arte, história e tudo o que for possível e necessário,
com a intenção de mostrar que o mundo não é compartimentalizado, mas sim

157
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

inter-relacionado, como numa teia, onde um deve auxiliar o outro. Para mim, o
fim da educação em física deve ser a busca pela beleza. Pode ser que esteja sendo
muito romântico, com uma visão muito sonhadora, mas por que não? Vivemos em
uma sociedade onde os cargos são perfeitamente substituíveis, mas por que não
podemos mostrar para nossos alunos que as pessoas são insubstituíveis? Afinal
de contas, Sartre [12] dizia que a vida é uma eterna esperança. Já imaginaram
começar uma aula de eletricidade dizendo a um(a) aluno(a) “eu pensei que você
fosse uma manhã de natal”?
Quero terminar lembrando que Einstein disse certa vez que “a imaginação é
mais importante que o conhecimento”, e dizendo que não faço a menor ideia se
você leitor vai gostar ou não, concordar ou não, com o que está escrito aqui, mas,
primeiro, sugiro que você o leia até o final, mesmo que seja para dizer que não
gostou, e segundo, eu me diverti bastante ao escrever.

REFERÊNCIAS
[1] MEIRIEU, Philippe. Aprender... Sim, Mas Como?, Porto Alegre – RS: Artmed, 1998.

[2] MEIRIEU, Philippe. Carta a um jovem professor. Porto Alegre – RS: Artmed, 2006, 96 p.

[3] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 35ª ed. São Paulo – SP: Paz e Terra, 2008, 152 p.

[4] Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/>.

[5] VERISSIMO, Erico. Solo de Clarineta. Vol. I. São Paulo – SP: Companhia das Letras,
2005, 344 p.

[6] FREIRE, Roberto. Sem tesão não há solução. Artur Nogueira – SP: Paradigma, 2004, 164 p.

[7] POSTMAN, Neil. The end of education: redefining the value of school. New York: Vintage
Books/Random House, 1996, 208 p.

[8] Disponível em: <http://www.educacaopublica.rj.gov.br/jornal/materias/0217.html>.

[9] Disponível em: <http://focus.aps.org/story/v25/st24>.

[10] OSTERMANN, Fernanda; REZENDE, Flavia; FERRAZ Gleice. Ensino-aprendizagem


de física no nível médio: o estado da arte da produção acadêmica no século XXI. Revista
Brasileira de Ensino de Física, v. 31, n. 1, 1402 (2009).

[11] FOUREZ, Gerard. Crise no ensino de ciências? Revista: Investigações em Ensino de


Ciências – V8(2), pp. 109-123, 10955 (2003) – Disponível em: <http://www.if.ufrgs.br/
ienci/artigos/Artigo_ID99/v8_n2_a2003.pdf>.

[12] SARTRE, Jean Paul. A idade da razão. 4ª ed. Bonsucesso – RJ: Nova Fronteira,
2005, 342 p.

158
METODOLOGIAS E TEORIAS DE APRENDIZAGEM NO
COTIDIANO ESCOLAR DO ENSINO DE FÍSICA

Rosângela Centuário Pastorini1

É preciso ensinar os alunos a pensar, e é impossível aprender a pensar


num regime autoritário. Pensar é procurar por si próprio, é criticar livremente
e é demonstrar de forma autônoma. O pensamento supõe então o jogo livre
das funções intelectuais e não o trabalho sob pressão e a repetição verbal (Jean
Piaget, 1998, p. 14).

Por que muitos alunos não gostam da disciplina de física? Por que a física é
considerada difícil e tem alto índice de reprovação e rejeição? Por que a procura
por cursos universitários de física é tão baixa? Em palavras simples e objetivas,
baseadas em nossa experiência no magistério público e particular, a imagem que
nossos alunos têm da disciplina de física no ensino médio inspira medo e despre-
zo. Muitos são os fatores que produzem este fenômeno, e aqui vamos explorar dois
deles: o primeiro são as metodologias ultrapassadas ainda aplicadas por alguns
professores, e o segundo é a falta de identidade ou o desconhecimento dos docen-
tes sobre uma teoria de aprendizagem que fundamente sua ação pedagógica.
Muitos colegas professores ainda aplicam uma metodologia ineficiente, e se
posicionam na sala de aula como se fossem proprietários do saber, aqueles que
transmitem conhecimentos, enquanto o aluno se mantém meramente passivo,
memorizando e reproduzindo o que recebeu, em uma pedagogia que caracterizou
a escola do passado e que já não surte efeito no século XXI. Essa pedagogia fun-
cionou bem apenas enquanto uma ínfima parcela da população tinha acesso aos
estudos de nível médio, que àquela época representava já uma garantia de bom
posicionamento social e econômico.
Ora, a aprendizagem é um processo de relacionamento com o conhecimento
que implica transformação e que ocorre devido a uma experiência de reajuste
entre o saber novo e o saber anterior, pelo menos na perspectiva ausubeliana.
Isso acontece constantemente, em função das vivências de cada pessoa, e todos
os seres humanos, ao aprenderem, modificam-se. Como a física está envolvida na
1
Professora de Física em escolas públicas e privadas de Porto Alegre, Licenciada em Física pela ULBRA,
Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela FACINTER, Mestranda em Educação em Ciên-
cias e Matemática pela PUCRS.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

descrição desde os mais singelos movimentos até o funcionamento dos equipa-


mentos tecnológicos que caracterizam a contemporaneidade, não parece evidente
o motivo pelo qual aprender física na escola recebe uma carga emocional tão ne-
gativa. O que acontece nas aulas de física que parece fazer com que os estudantes
não queiram compreender como funciona fisicamente o nosso mundo? Esse não
é um comportamento tipicamente humano, que se caracteriza pelo desejo de co-
nhecer. Será que o que está ocorrendo em nossas escolas realmente não é uma
resposta ao anseio natural pelo conhecimento, fazendo com que os estudantes
desejem qualquer coisa, menos aprender física?
De pronto, qualquer professor compreende que uma educação escolar ba-
seada na reprodução do que foi visto em aula garante apenas que um aluno com
boa memória conseguirá tirar uma nota suficiente na avaliação, e ser aprovado no
final do ano. Mas a capacidade de reprodução de pouco vale no mundo real, fora
da escola, que permite acesso imediato a praticamente qualquer informação já
registrada pela humanidade, em quase qualquer lugar que se esteja. O que conta
mesmo é a capacidade de usar a informação de forma criativa e útil, e isso parece
não estar sendo ensinado nas aulas de física. Mas o conhecimento das teorias de
aprendizagem pode auxiliar o professor no uso de estratégias para estimulação do
desenvolvimento cognitivo e do processo de aprendizagem dos estudantes, favo-
recendo a habilidade de utilizar práticas de ensino mais adequadas aos fins atuais
da educação formal. Elas não são como uma manual de procedimentos, mas são
bons pontos de partida para novas reflexões sobre a atividade docente. A reflexão
sobre elas, que fazemos aqui, devem ser vistas apenas como um incentivo à con-
tinuidade dos estudos de cada professor.

UM POUCO SOBRE TEORIAS GERAIS DA APRENDIZAGEM


Segundo Ana Maria Lakomy (2007), o processo de aprendizagem tem sido
estudado, de modo direto ou indireto, por teóricos que se dividem basicamente em
dois grupos: os teóricos comportamentais (behavioristas) e os teóricos cognitivis-
tas (interacionistas). Para os teóricos comportamentais, o resultado da aprendiza-
gem é uma mudança de comportamentos observáveis, causadas por fatores exter-
nos ou estímulos ambientais ou reforços (punição ou recompensa). Para Skinner
(2000), o melhor método de ensinar seria um método mecânico, isto é, o ensino
programado, que parte de dois pontos importantes: o primeiro é a necessidade de
programar, de maneira eficiente, os reforços oferecidos ao aluno para manter a in-
tensidade do seu comportamento. Para obter esse resultado, o autor propõe dividir
a matéria da aprendizagem em passos muito pequenos, diante dos quais o aluno
deve responder constantemente, com o objetivo de argumentar para receber os

160
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

reforços necessários e, assim, reduzir ao mínimo os erros, surgindo, assim, o pro-


grama que consiste em uma série ou sequência ordenada de partes pequenas dos
conteúdos, apresentadas em um grau de dificuldade crescente. O segundo ponto
importante é a necessidade do uso de máquinas de ensinar, programadas para
estimular a aprendizagem. Cabe às máquinas corrigir as respostas dos alunos,
reforçando-os negativa ou positivamente. Portanto, para Skinner, as máquinas de
ensinar devem apresentar sistematicamente o conteúdo de ensino, seguindo uma
ordem lógica e de dificuldade crescente, estimulando a resposta do aluno e corri-
gindo-a imediatamente, num processo de avaliação constante.
As teorias cognitivistas formam conjuntos de proposições que procuram
explicar o processo de construção do conhecimento humano e desenvolvimen-
to da inteligência e, consequentemente, geram informações que nos levam a co-
nhecer como se processa interiormente a aprendizagem. Albert Bandura (1980)
desenvolveu a teoria cognitiva social, que procura enfatizar a interação de vários
fatores que não só influenciam, mas também são influenciados uns pelos outros
no processo de aprendizagem de um novo comportamento. Seria necessário con-
siderar os processos cognitivos que não podem ser observados diretamente, como
fatores pessoais, ambientais e comportamentais. Para Bandura, estão envolvidos
no processo de modelagem da aprendizagem os seguintes fatores:
– Atenção: a aprendizagem requer estímulos de atenção do aluno, por exem-
plo, por meio de uma apresentação dramática do conteúdo. Fatores como sono,
nervosismo, mal-estar ou um estímulo competitivo têm o poder de interferir no
nível de atenção do aluno, devendo ser considerados pelo professor.
– Retenção: o aluno precisa lembrar-se daquilo que aprendeu. Cabe ao pro-
fessor incentivar o aluno a estabelecer relações entre o conteúdo da aula com
imagens mentais ou descrições verbais. Quando essas relações se interiorizam, o
aluno é capaz de trazer à mente a imagem ou descrição e, assim, reproduzir aquilo
que foi aprendido.
– Reprodução: a reprodução de um comportamento ou aprendizagem requer
prática e observação constantes.
– Motivação: cabe ao professor motivar o aluno, seja por meio do tradicional
método reforço/punição, seja por meio de incentivos futuros, sendo que, na opinião
do autor, o reforço tende a provocar resultados mais positivos que a punição.
Os trabalhos de Skinner e Bandura contribuíram para uma compreensão do
processo de ensino-aprendizagem, mas são consideradas atualmente como in-
completos, pois não focam os processos interiores que ocorrem durante a apren-
dizagem. Para os teóricos cognitivistas a maturação biológica, o conhecimento
prévio, o desenvolvimento da linguagem, o processo de interação social e a desco-

161
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

berta da afetividade são fatores de grande importância no processo de desenvolvi-


mento da inteligência e, consequentemente, da aprendizagem.
O teórico cognitivista Jean Piaget (1982) enfatiza a importância do conhe-
cimento no desenvolvimento da inteligência, a ponto de ter dedicado sua vida
a estudá-lo por meio de várias pesquisas que fundamentam o desenvolvimento
de uma das mais importantes e influentes teorias cognitivas da aprendizagem: o
construtivismo psicogenético. Para ele, o desenvolvimento cognitivo compreende
quatro estágios, que se desenvolvem a partir das estruturas cognitivas construídas
nos estágios anteriores. Os estágios são: sensório-motor (0-2 anos), pré-operatório
(2-7 anos), operações-concretas (7-13 anos) e operatório-formal (13 anos em dian-
te). Neste quarto estágio, o adolescente passa a pensar de modo lógico, mesmo
quando o conteúdo do pensamento é incompatível com a realidade. A linguagem
passa a ser instrumento da elaboração de hipóteses e pesquisas. Piaget privilegia
a maturação biológica em que o desenvolvimento humano segue uma sequência
fixa e universal. Para ele, os conhecimentos são elaborados espontaneamente pela
criança, do campo individual para o campo social. O pensamento é anterior à lin-
guagem que, por sua vez, é apenas uma forma de expressão da criança, já que a
aprendizagem é subordinada ao desenvolvimento cognitivo.
Vários estudiosos, entre eles Emília Ferreiro (2001), desenvolveram o cha-
mado método construtivista de ensino-aprendizagem. Essa concepção oferece ao
docente um referencial para reflexão e a fundamentação das decisões que toma
no planejamento de uma aula, e critérios para compreender o que se passa em
sala de aula. Pressupõe que a aprendizagem requer do aluno reflexão, criatividade,
participação e auto-organização das informações recebidas, cabendo ao professor
permitir que os alunos coloquem suas próprias perguntas, gerem suas próprias
hipóteses e testem a sua validade. O desequilíbrio facilita a aprendizagem, sendo o
erro percebido como resultado de concepções do aluno, não podendo ser minimi-
zado ou ignorado. O professor precisa criar situações desafiadoras em contextos
significativos ao aluno, permitindo que ele explore várias possibilidades, mesmo
que sejam falsas. As contradições são, depois, esclarecidas, exploradas e discuti-
das, proporcionando ao aluno discussões, experiências e execução de projetos que
podem auxiliar no desenvolvimento do raciocínio abstrato e concreto.
Os estudos de Bruner (1999) influenciaram o desenvolvimento do método
de aprendizagem por descoberta. Este método é uma forma de aprendizagem na
qual os alunos são estimulados pelo professor, por meio de perguntas que geram
estudos e pesquisas. Na busca por respostas, podem descobrir sozinhos algumas
ideias ou princípios básicos relacionados com a questão colocada. Essa forma de
aprendizagem baseia-se em uma distinção feita entre a maneira expositiva e a

162
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

maneira hipotética de conduzir uma aula. A maneira expositiva de dar aulas se


caracteriza pelo professor que já traz o conteúdo pronto e pelo aluno passivo no
processo de ensino-aprendizagem. Na maneira hipotética, o professor traz o con-
teúdo sob a forma de problemas a serem resolvidos de forma ativa pelo aluno,
por meio de investigações, perguntas, pesquisas e experimentações. Com isso, o
professor ajuda o estudante a resolver os problemas, discutindo com ele as alter-
nativas apresentadas pelo próprio aluno.
Defensor das teorias cognitivistas, David Ausubel (1985) apresenta a teoria
da aprendizagem significativa, que prioriza a organização cognitiva dos conteú-
dos aprendidos de forma ordenada, possibilitando ao aluno uma gama de opções
de associações de conceitos, de modo a levar à consolidação do aprendizado ou
a um novo aprendizado. Para Ausubel, cognição é o processo por meio do qual o
mundo dos significados tem origem. À medida que se situa no mundo, o estu-
dante estabelece relações de significação, isto é, atribui significados aos fatos que
presencia. Esses significados não são entidades estáticas, mas pontos de partida
para a atribuição de outros significados. Tem origem, então, a estrutura cognitiva
(os primeiros significados), constituindo pontos básicos de ancoragem, dos quais
derivam outros significados.
Ausubel também enfatiza a diferença entre aprendizagem mecânica e apren-
dizagem significativa. Pela aprendizagem mecânica somos capazes de absorver
novas informações sem, no entanto, associá-las a conceitos já existentes em nos-
sa estrutura cognitiva, enquanto na aprendizagem significativa relacionamos um
novo conteúdo, ideia ou informação com conceitos existentes na nossa estrutu-
ra cognitiva (pontos de ancoragem para aprendizagem). Quando isso ocorre, essa
nova informação é assimilada pela nossa estrutura. Assim, um professor de física
do terceiro ano pode incentivar o contato do aluno com materiais diversificados,
como fios, resistores e geradores. Esses contatos podem estimular a aprendizagem
fazendo com que o aluno alcance condições cognitivas de compreender a essência
de um circuito elétrico e, assim, elaborar as noções de corrente elétrica e tensão.
Com a aquisição dessas noções básicas (pontos de ancoragem), os alunos serão
capazes de aprender um significado de intensidade de corrente elétrica e tensão
(novos conhecimentos) mais adequado ao conhecimento científico contemporâ-
neo. Para que a aprendizagem significativa ocorra, é necessário que o material a
ser assimilado seja potencialmente significativo, de forma que o aluno possa esta-
belecer os pontos de ancoragem. Também é importante que o professor seja capaz
de identificar as estruturas cognitivas que o aluno já consolidou, para priorizar
a utilização de um método de ensino que privilegie a associação de conceitos da
matéria estudada.

163
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Henri Wallon (2005) desenvolveu uma teoria psicogenética em que a dimen-


são afetiva ocupa lugar central no processo de aprendizagem, chamada de teoria
da afetividade. Sua teoria auxilia tanto no desenvolvimento pessoal quanto no
desenvolvimento cognitivo do indivíduo. Sua maior contribuição consiste na ideia
de que a construção da inteligência está intimamente relacionada ao desenvolvi-
mento de nossa afetividade, pois ambas estão a serviço da construção de um ser
afetivo, individual, concreto e social. Para ele, a escola é a instituição que tem por
finalidade prover atividades para desenvolver esses aspectos. A função da educa-
ção é interagir na formação da pessoa para permitir sua adequada inserção na
sociedade e, assim, assegurar sua plena realização. Cabe à educação, dessa forma,
formar indivíduos autônomos, pensantes, ativos, capazes de participar da cons-
trução de uma sociedade melhor.
Howard Gardner (1997) propôs a teoria das inteligências múltiplas. Esta teo-
ria propõe que possuímos capacidades diferentes, ou várias inteligências, às quais
criamos para utilizar algo, resolver problemas, criar projetos e contribuir para o
entendimento do nosso contexto cultural. Gardner realizou pesquisas nas quais
detectou pelo menos oito inteligências (linguística, lógico-matemática, musical,
espacial, corporal-cinestésica, interpessoal, intrapessoal e naturalista). Para Gard-
ner, as inteligências podem ser desenvolvidas mediante a estimulação do contexto
social, em particular, da escola. Todos nós nascemos com essas inteligências, mas
a maneira como elas vão se desenvolver ou se combinar varia de pessoa para
pessoa, em combinações únicas para cada indivíduo, como nossas impressões di-
gitais. No entanto, as inteligências são um conjunto de habilidades que interagem
e, portanto, não podem ser medidas, mas interagem constantemente nas ativida-
des de solução de problemas, criação, elaboração e produção. Por exemplo, para
solucionar um problema de física pode ser necessário utilizar as competências
linguísticas, espaciais e matemáticas.
Gardner vislumbrou uma educação escolar diferente da atual. Para ele, a
escola deveria ter por objetivo desenvolver várias inteligências dos alunos, bem
como auxiliá-los a encontrar seu próprio equilíbrio no espectro de suas compe-
tências, para que se sintam mais capazes e, portanto, mais inclinados a servir a
sociedade de forma construtiva. Ele sugere que o professor faça um trabalho inter-
disciplinar usando incentivos à participação em projetos individuais ou coletivos,
trabalhos em grupo, jogos pedagógicos, dramatizações, leitura e interpretação de
livros, produção e leitura de textos, além de ações comunitárias, para que os alu-
nos realizem atividades extracurriculares. Dessa forma, o autor propõe o encora-
jamento para a utilização de conhecimentos adquiridos na realização de tarefas

164
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

fora da escola e orientação para que os alunos sejam capazes de documentar seu
trabalho e, assim, compreender seu processo de aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A teoria da afetividade, a teoria da aprendizagem significativa e a teoria das
inteligências múltiplas mostram uma concepção de aprendizagem em que o aluno
é o centro do processo de ensino-aprendizagem e construtor do seu conhecimento
e desenvolvimento global. O professor assume um papel importante de mediador
no desenvolvimento desses aspectos, em situações contextualizadas nas quais a
teoria é tomada junto à prática, realizando uma aprendizagem significativa.
Cada teoria de aprendizagem tem seus pontos positivos e negativos e são
mais ou menos adequados à época na qual foram propostas e mais ou menos apli-
cáveis em sala de aula. Mas todas elas podem contribuir para que nossas aulas de
física sejam diferenciadas e para que possamos observar os alunos como um todo,
como afirma a teoria cognitiva social e para que o erro possa ser percebido como
resultado de percepção do aluno, não mais nem menos que isso, como propõe o
método construtivista. Compreendê-las e aplicá-las pode ajudar-nos a fazer com
que nossas aulas sejam mais dinâmicas, que os alunos possam ser estimulados
por meio de perguntas que gerem estudos e pesquisas, como no método da apren-
dizagem por descoberta e não apenas por aulas de quadro e livros. Elas podem au-
xiliar-nos a atribuir significado à realidade por meio de nossos conteúdos, fazendo
com que o conhecimento construído em nossas aulas possa ser relacionado ao
cotidiano, como orienta a teoria da aprendizagem significativa, mas principalmen-
te elas podem ajudar-nos a criar laços de afeto com nossos alunos, como prega a
teoria da afetividade.
Mas o que se espera do professor de ensino médio de física é, mais do que
tudo, força de vontade para criar aulas dinâmicas e significativas, e resistência ao
atribuir somente ao aluno a culpa da não aprendizagem. Se os professores conhe-
cessem e aplicassem os métodos e pressupostos de uma das teorias de aprendi-
zagem, qualquer que seja ela, certamente o sucesso no ensino desta ciência seria
maior. A física está aí para ser aprendida, amada, e não para ser odiada e pensada
como algo distante do cotidiano.
Sabemos que o reflexo dos professores que tivemos ainda está impregnado
em nossas almas, como diz Rubens Alves (2000, p. 45): “Ensinar é um exercício de
imortalidade, de alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos apren-
deram a ver o mundo pela magia da nossa palavra e, o professor assim, não morre
jamais”. É importante refletir sobre o ensino que tivemos e o ensino que queremos
ter. Temos que ser felizes em nossas aulas, pois os alunos nos pedem isso.

165
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Escutamos o relato de muitos estudantes dizendo que não gostam das aulas
de física e de seus professores. Nesses relatos, muitos alunos alegam que os pro-
fessores não têm paciência, não explicam direito, oferecem aulas sempre iguais,
irritam-se com facilidade, os ameaçam com provas e reprovação, os expõem ao ri-
dículo, não têm domínio de turma, fazem comparações entre as turmas, faltam às
aulas, trocam de conteúdos sem que a maioria tenha aprendido a matéria, não sa-
bem os nomes dos alunos e ensinam uma física que lhes parece matemática. Pes-
quisas sérias que vão até os alunos, recolhem invariavelmente essas reclamações,
o que sugere que temos que mudar esta visão, e podemos iniciar com uma reflexão
de nossas próprias aulas, de como os alunos as percebem e nos percebem. O mais
admirável é que temos a capacidade de reconhecer a verdade por detrás destas
críticas e realizar a mudança necessária, pois, conforme Vasconcellos (1998, p. 24),
“Ser agente de transformação, implica, com efeito, a capacidade de criar condições
para a mudança da realidade... é justamente aí que o professor tem possibilidade
de recuperar sua dignidade e assumir seu papel transformador”.
E, por fim, não podemos deixar de reforçar a importância dos laços afetivos.
Temos que estabelecer laços emocionais com nossos alunos para que ocorra em-
patia recíproca, para que o respeito entre ambos sempre prevaleça, e nossas aulas
possam ser mais prazerosas, dinâmicas e de real significado para a construção
efetiva do conhecimento. É um desafio diário para todos nós, que queremos plan-
tar sonhos com nossa prática pedagógica.

REFERÊNCIAS
ALVES, Rubem. A alegria de ensinar. São Paulo: Papirus, 2000.

BANDURA, A. Modificações de comportamento através de procedimentos de modelação.


In: KRASNER, L. (org). Pesquisas sobre modificações de comportamento. São Paulo: Herder,
1980.

BRUNNER, J. O processo de educação. São Paulo: Edições 70, 1999.

FERREIRO, E. Atualidades de Jean Piaget. Porto Alegre: Artmed, 2001.

GARDNER, H. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre:


Artmed, 1997.

LAKOMY, A. M. Teorias cognitivas da aprendizagem. Curitiba: Ibepex, 2007.

MOREIRA, M.; MASININI, E. A aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São


Paulo: Moraes, 1996.

PEREIRA, G. A. Limites e afetividade. Canoas: Ulbra, 2004.

166
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

PIAGET, J.; INHELDER, B. A psicologia da criança. São Paulo: Difel, 1982.

_______. Sobre a Pedagogia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.

SKINNER, F. Sobre behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 2000.

VASCONCELOS, C. S. Para onde vai o professor? São Paulo: Libertad, 1998.

WALLON, H. A evolução psicológica da criança. São Paulo: Edições 70, 2005.

167
DESPERTAR PARA CIÊNCIAS: A IMPORTÂNCIA
DA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA NAS SÉRIES
INICIAIS E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR

Suzana Maria Coelho1


Juliana Mariani Santos2
Gisele Ramires Machado3
Cristiane Rodrigues de Rodrigues4

Ensinar é acreditar em sua capacidade de poder sempre ajudar o outro a


se aproximar do saber (Jean Pierre Astolfi).

DIMENSÕES DOS PROCESSOS EDUCATIVOS


E O DESPERTAR PARA AS CIÊNCIAS
A educação brasileira enfrenta diversos problemas e desafios que envolvem
não só o professor, mas a comunidade escolar como um todo, as políticas educa-
cionais e a sociedade. Em meio a esses aspectos a serem considerados, o ensino
de ciências carece de professores motivados e capazes de contribuir na constru-
ção de um pensamento científico. As questões pedagógicas, tendo o sujeito como
construtor da aprendizagem, as ações docentes, as instituições, a formação do
professor e as políticas educacionais merecem uma reflexão aprofundada e pes-

1
Doutora em Didática das Disciplinas Científicas, opção Física, (Universidade de Paris VII, 1993), Mestra em
Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais (UFGRS, 1978) e Graduada em Licenciatura em Física (UFR-
GS, 1974). Atualmente, é Professora Titular da PUCRS, responsável pelo GPDC, desenvolvendo trabalhos na
área de Educação em Ciências, com ênfase no ensino-aprendizagem e na formação de professores.
2
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática, da Pontifícia Univer-
sidade Católica do Rio Grande do Sul, em 2009, possui Licenciatura Plena em Ciências Biológicas pela
mesma instituição, em 2006, e desenvolve trabalhos principalmente na área da Educação Científica e
Tecnológica e de Formação de Professores de Ciências. Atualmente, participa do Grupo de Pesquisa em
Didática das Ciências – GPDC, na Faculdade de Física (FAFIS) da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul.
3
Graduada em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, participa do Grupo de
Pesquisa em Didática das Ciências, enfocando a Informática Educativa para séries inicias e Atividades
Experimentais em Física.
4
Graduanda em Psicologia (PUCRS), Pedagoga Multimeios e Informática Educativa (PUCRS), Mestre em
Educação em Ciências e Matemática (PUCRS), Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Didática das Ciên-
cias – GPDC.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

quisas, visando melhorias no ensino e na aprendizagem de ciências. Essas dimen-


sões estão interligadas, sendo importantes para a educação científica.
É necessário despertar o interesse do aluno desde o início de sua vida esco-
lar, em especial pela física, disciplina em relação a qual os alunos constroem, em
geral, uma imagem que não condiz com a verdadeira natureza dessa ciência. A
alfabetização científica nas séries iniciais exige ações na formação de professores
deste nível de escolaridade, pois os cursos de pedagogia contemplam raramente
conteúdos científicos. O contato com as ciências em séries iniciais pode favorecer
o gosto pelas ciências e apresentar uma repercussão na vida estudantil futura des-
ses alunos. Essa repercussão é possível tanto em nível de ensino e aprendizagem,
como nas escolhas profissionais, incluindo a opção por cursos de licenciatura.
Segundo Piaget (2007), o caráter interdisciplinar das ciências e seu ensino
pré-escolar, assim como em níveis iniciais na escola, é importante para o futuro
da educação e do desenvolvimento da criança e do adolescente, considerando-se
os níveis psicocognitivos do aluno. Mesmo que a aprendizagem de conceitos cien-
tíficos ainda represente um desafio a professores de séries iniciais, é indispensável
que esses ousem experimentar, permitindo-se compreender, reinventar e recriar
significados, para que, dessa forma, sintam-se confiantes e aptos a estimular a al-
fabetização científica em sala de aula, despertando a criatividade e desenvolvendo
diferentes aptidões em seus alunos.
A Figura 1, abaixo, ilustra dimensões da educação científica a serem conside-
radas, a fim de despertar o interesse para as ciências, em especial para a física. A
articulação dessas dimensões e sua inter-relação são essenciais para os processos
de ensino e aprendizagem como um todo.
Contemplar essas dimensões da educação, desmistificando alguns dos pre-
conceitos relacionados ao ensino e aprendizagem dos conteúdos científicos, é
fundamental para o futuro da educação e a formação dos alunos como cidadãos
conscientes e atuantes na sociedade. Considerando os diversos aspectos discu-
tidos acima, este artigo foca, em especial, as dimensões referentes à formação e
prática docentes e à aprendizagem do aluno, relevantes no despertar do interesse
pelas ciências.

170
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

Dimensão do Sujeito
Desenvolvimento
psicocognitivo em nível
conceitual, atitudinal
e metodológico

Dimensão Institucional
Comprometimento da Dimensão Docente
universidade, integração Despertar o intesse Transposição didática,
escola/universidade, pelas Ciências. atividades interdisciplinares,
formação inicial e Despertar o aluno consideração do sujeito,
continuada, formação para a possibilidade contextualização, inclusão
pela pesquisa, ações de ser professor de da experimentação e da
interdisciplinares integrando Ciências/Física. Informática Educativa no
professores de Pedagogia, ensino de Ciências
Ciências e Física

Dimensão das Políticas


Educacionais
Não compartimentalização
do ensino, valorização do
ensino de Ciências nos
cursos de Pedagogia,
valorização do professor

Figura 1. Representação de dimensões de processos educativos relevantes para despertar o


interesse pelas ciências.

METODOLOGIAS COM PRESSUPOSTOS CONSTRUTIVISTAS


É necessário para o ensino e aprendizagem de ciências, na óptica de epis-
temologias construtivistas, levar em consideração o sujeito como construtor de
sua aprendizagem, seus conhecimentos prévios e seu nível operacional no plano
psicocognitivo. No caso da educação infantil, o desenvolvimento psicocognitivo
envolve aspectos de ordem conceitual, atitudinal e metodológica. Do ponto de
vista conceitual, torna-se imprescindível a adequação das ações pedagógicas ao
universo infantil, buscando-se sensibilizar a criança aos fenômenos físicos. Ativi-
dades de cunho científico são capazes de despertar a curiosidade, o espírito crítico,
a iniciativa e a criatividade. No plano metodológico, é possível a adoção de estra-
tégias que instiguem os processos de observação, de levantamento de hipóteses,
de explicação, de argumentação e de generalização. A confrontação entre as con-

171
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

cepções dos alunos e as observações experimentais é também uma estratégia im-


portante por suscitar o desenvolvimento do pensamento divergente e o exercício
do falseamento no sentido popperiano, visando a superação do obstáculo relativo
ao egocentrismo infantil.
O desenvolvimento desses processos cognitivos contribui para a elaboração
de um pensamento científico. Além disso, favorece a aquisição da linguagem e da
alfabetização em língua portuguesa, uma vez que oportuniza aos alunos a comu-
nicação de forma oral, escrita e por meio de desenhos, permitindo-lhes expressar,
assim, suas ideias.
Desse modo, a construção de metodologias com esses atributos exige uma
transposição didática na realização de atividades interdisciplinares, na consi-
deração do sujeito com suas necessidades e interesses, seus conhecimentos
disponíveis e seu nível psicocognitivo, na contextualização dos conteúdos, na
escolha de abordagens experimentais e na inclusão de tecnologias como ferra-
mentas educacionais.
Seguem dois exemplos de atividades de pesquisa que levam em consideração
pressupostos construtivistas, o primeiro tratando-se de uma proposta de unidade
didática para alfabetização científica nas séries iniciais e o outro de uma experiência
de formação pela pesquisa, considerando os conhecimentos prévios dos alunos.

EXEMPLO DE UNIDADE DIDÁTICA APLICADA


CONFORME PRINCÍPIOS DO CONSTRUTIVISMO
Os aspectos mencionados anteriormente no processo de transposição didáti-
ca permeiam o planejamento e aplicação da unidade didática (Figura 2), denomi-
nada “Raios Relâmpagos e Trovões”, destinada a alunos de séries iniciais, que será
apresentada a seguir.

172
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

Figura 2. Princípios epistemológicos, conteúdos e atividades integrantes da unidade didática


“Raios, Relâmpagos e Trovões”.

A realização da transposição didática, na busca de estratégias para adequar


o conteúdo ao universo infantil, exige o conhecimento dos sujeitos envolvidos no
processo de ensino e aprendizagem. O conceito de transposição didática, introdu-
zido por Chevallard em 1985 (apud COELHO, 1991), coloca em pauta questões sobre
a diferença entre o conhecimento científico e o conhecimento escolar. A ideia de
renovação do ensino de ciências precisa considerar os processos cognitivos especí-
ficos do aluno, que diferem daqueles do professor, assim como suas necessidades
de aprendizagem. O conhecimento científico do físico, o modo como a ciência pre-
cisa ser ensinada pelo professor e qual o conhecimento adquirido pelo aluno são
questões tratadas pela transposição didática: a transformação adaptativa de um
objeto de conhecimento, o saber científico, para um objeto a ser ensinado, o saber a
ensinar, até chegar ao objeto ensinado, o saber ensinado (COELHO, 1991). Resta, ao
professor, o papel de buscar estratégias que viabilizem a passagem do saber científi-
co ao escolar. Nesse sentido, não podemos introduzir a física com tudo que sabemos
na atualidade sobre ela, por questões de finalidade e de nível de complexidade.
Na unidade didática em questão, buscou-se considerar o conhecimento pré-
vio dos alunos, utilizando métodos para identificação das concepções prévias e
possíveis obstáculos de aprendizagem. As atividades em que os alunos expressam
oralmente seus conhecimentos acerca do tema, como seus desenhos e relatórios
escritos, permitem obter indícios de suas concepções e de seus níveis psicocogni-
tivos. É possível, então, confrontar as ideias dos alunos entre si, com as oriundas

173
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

de fontes textuais de informação e/ou dos próprios resultados obtidos nos experi-
mentos, visando a superação dos obstáculos detectados.
Como exemplo de estratégia para identificar as concepções dos alunos, rea-
lizou-se uma atividade experimental investigativa com um eletroscópio lúdico, na
qual um canudo, atritado com papel, eletriza por contato um boneco de cartolina
com gravata de papel de bala (Figura 3a). Os alunos elaboraram hipóteses, consi-
derando o calor gerado pelo atrito, ou a existência de um imã escondido no canu-
do, as razões do fenômeno observado. Ao expressarem suas concepções, eviden-
ciaram-se dificuldades na diferenciação entre as forças elétrica e magnética e na
identificação do fenômeno eletrostático, pela atribuição ao frio e ao calor a causa
do fenômeno observado. Tais obstáculos são relatados na história da eletrostática
(CARVALHO, 1973) e também em pesquisas realizadas com alunos de quatorze e
vinte anos, num contexto de atividades experimentais concretas (COELHO, 2000).

Figura 3a. Aluno manuseando o eletroscópio lúdico no plano concreto.


Figura 3b. Representação do eletroscópio lúdico no jogo de montagem no plano virtual.

É importante levar em conta os obstáculos encontrados pelo caminho, tra-


balhando com o erro de forma que este venha a contribuir para a aprendizagem
do aluno. É comum encontrar dificuldades ao abstrair, a partir de uma realidade
não conhecida. Nesse sentido, segundo Barth (1994, p. 17), é necessário o auxílio do
professor: “Se ninguém o ajuda (o aluno), ele não pode ter êxito na determinação
dos elementos significativos”. Os alunos não devem ser penalizados devido às suas
dificuldades, visto que essas servem como indicadores de processos mentais, já
que estes não são diretamente observáveis.
Os aspectos cognitivos da aprendizagem significativa podem ter bases em
saberes anteriores aos saberes científicos. Existe um consenso quanto a isso na
comunidade científica ao considerar que a aprendizagem envolve, dentre muitos
aspectos, a relação com algo que já existe. Este conceitual preexistente do aluno

174
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

“serve de sistema de explicação eficaz e funcional para o docente” (ASTOLFI, DE-


LEVAY, 2009, p. 35).
Para fissura dos obstáculos é necessário propor ações em que os alunos
confrontem suas concepções. Nesse caso, uma das atividades foi a realização de
experimentos, nos quais o canudo é aquecido com um fósforo e aproximado do
eletroscópio e ímãs são aproximados do eletroscópio. Esses obstáculos são difí-
ceis de serem superados, pois alguns alunos não levam em conta o resultado do
experimento para refutar uma ideia que consideram correta, como, por exemplo,
ao continuarem afirmando que é o calor a causa dos fenômenos eletrostáticos
observados, mesmo após a realização de experimentos que permitiriam negar a
influência do calor no fenômeno em questão. Entretanto, foi possível aos alunos
perceberem que a gravata não levantava, alguns tomando consciência de que as
hipóteses anteriormente lançadas não eram válidas para a situação. Esses alunos
começaram, então, a sensibilizar-se para a existência e manifestações da eletrici-
dade. Partindo do concreto, os sujeitos começam a fazer suas primeiras represen-
tações acerca dos fenômenos elétricos.
Admite-se uma separação das operações mentais no sentido epistemológico,
para fins de observação, que permite aprofundar a compreensão dessas opera-
ções. Esse procedimento repercute no planejamento de atividades que visam de-
senvolver os processos de abstração e de generalização do aluno. Partindo de uma
realidade conhecida e considerando que os conhecimentos anteriores influenciam
na forma com que aprendemos (BARTH, 1994), ocorrem processos cognitivos fun-
damentais no desenvolvimento intelectual que, por sua vez, tem como elemento
essencial a linguagem para modelar o pensamento.
Segundo Barth (1994), o que é percebido passa por um julgamento rudimen-
tar baseado na analogia com uma imagem mental construída anteriormente. A
capacidade de percepção é influenciada pelo nível psicocognitivo do indivíduo,
as representações utilizadas para a apreensão e o armazenamento de informa-
ções dependendo, primeiramente, do modo sensório-motor, baseadas na percep-
ção dos sentidos durante a ação e a manipulação do objeto. Posteriormente, as
imagens, na dimensão visual ou iconográfica, passam a fazer parte da natureza
perceptiva do sujeito, sendo identificadas, mas sem que lhe sejam atribuídos
significados. Por último, há o nível simbólico de percepção, por meio do qual,
segundo Barth (1994, p. 111), “pode-se comunicar um pensamento a si próprio e
aos outros, dizer o que se faz e o que se pensa fazer”. Assim, o desenvolvimento
dos três níveis, gestos, imagem dos gestos e explicação verbal dos gestos, é res-
ponsável pela construção da aprendizagem.

175
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Levando em consideração esses níveis para o desenvolvimento cognitivo,


procurou-se integrar atividades nos planos concreto e virtual, descritas a seguir.
Após a realização concreta dos experimentos, ocorreu sua transposição para o
plano virtual (Figura 3b). Percebe-se a passagem do nível sensório-motor para o ní-
vel iconográfico, propiciada pela utilização da informática educativa como recurso
auxiliar de aprendizagem. No plano concreto, os alunos montaram e personaliza-
ram seus bonequinhos – eletroscópios lúdicos. Após colocarem o mesmo na base,
passaram o canudo atritado com o papel sobre sua cabeça, até que a gravatinha
subisse, e depois tocaram o eletroscópio com a mão, observando o movimento da
gravata. No plano virtual, o experimento referente ao eletroscópio lúdico inicia-se
com um jogo de montagem de peças, no qual é possível arrastar a base e a gravata
com o mouse e personalizá-lo, mudando a cor do bonequinho ao clicá-lo. Quando
montado e personalizado, surge na tela um botão que, ao ser clicado, mostra uma
animação, na qual são representados o procedimento de atrito do papel com o ca-
nudo, o processo de eletrização do bonequinho com o canudo, a subida da gravata
e, por fim, o contato com a mão e o aterramento do eletroscópio. A imagem no
plano virtual adquiriu significado, pois as alunas conseguiram identificar a experi-
ência vivenciada no plano concreto com o eletroscópio lúdico, abstraindo do con-
creto para uma imagem mental, relacionando-a ao anteriormente manipulado.
Conforme uma das alunas, “Ah, é que nem aqueles bonequinhos que a gente fez
não é? Tem que montar a gravatinha, agora entendi”. Em atividade experimental
no plano virtual, não vivenciada no plano concreto, as alunas, apesar de se inte-
ressarem pela interatividade propiciada pela animação interativa, não atribuíram
significado às imagens. A integração de atividades nos planos concreto e virtual
auxilia o processo de aprendizagem dos sujeitos, possibilitando a passagem do
nível sensório-motor para o nível iconográfico. A diversidade de atividades, como
a chuva de ideias, leitura de textos e escrita de relatórios, nas quais o aluno pode
comunicar-se, desenvolvendo sua linguagem, permite-lhe manipular, visualizar e
identificar os fenômenos e expressar suas concepções, propiciando-lhe avançar
no plano operatório.
A análise das representações dos alunos permite a compreensão dos pro-
cessos de aprendizagem, assim como a identificação de obstáculos. A dificuldade
de rupturas desses obstáculos alerta que, para sua superação, é preciso, além de
uma conscientização acerca dos processos de aprendizagem, a criação de mode-
los alternativos para explicação dos fenômenos físicos. Essa conscientização está
relacionada ao pensar reflexivo sobre a ação que permite identificar o que foi feito
para poder alterar planos, de acordo com a situação de aprendizagem. As estra-

176
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

tégias de ensino precisam ir além da cognição, é preciso aprender como aprender


para aprender como ensinar.
Na realização dessa unidade didática, houve a preocupação com o aluno em
vários momentos, como ao considerar o contexto social em que ele está inserido,
levando-se em conta, para elaboração das atividades, fatos do seu cotidiano. Con-
sequentemente, a partir de uma realidade conhecida facilita o entendimento de
atividades propostas, o conteúdo adquirindo significado para a vida do aluno. A
contextualização, não só com o cotidiano, mas também com a história das ciên-
cias, vem auxiliar a compreensão da evolução do conhecimento científico, acre-
ditando-se que esse conhecimento possa contribuir para desenvolver no aluno a
ideia de que a ciência é algo em construção, não acabada, e também para expandir
seu universo, no que se refere à noção de tempo e de fatos históricos envolvidos
na concepção de conceitos.
Assim, a interdisciplinaridade é outro fator importante para o desenvolvi-
mento cognitivo do aluno, envolvendo, na temática abordada, além das ciências
físicas, disciplinas como biologia, ao tratar os efeitos das descargas elétricas no
corpo humano, história, ao contextualizar os fatos no tempo e na sociedade da
época, geografia, na localização dos lugares, mensurando distância e tempo, e por-
tuguês, durante a leitura de textos e escrita de relatórios.

EXEMPLO DE INICIAÇÃO À PRÁTICA DA PESQUISA E SUA IMPORTÂNCIA


NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR-PESQUISADOR: A CONSIDERAÇÃO
DO SUJEITO E DE SEUS CONHECIMENTOS PRÉVIOS
A pesquisa pelo professor pode ir além de materiais didáticos e conhecimen-
tos conceituais, incluindo a investigação dos conhecimentos dos alunos acerca
dos assuntos científicos a serem trabalhados em aula, a fim de considerar suas
necessidades e interesses. Isso permite que o professor perceba novas formas de
considerar as ideias dos alunos e a importância delas na construção de novos co-
nhecimentos e na superação de obstáculos. Assim, a prática da pesquisa durante
o curso de formação não pode ser negligenciada, sob o risco de formarem-se pro-
fessores que não conduzam atividades de pesquisa em sua prática docente.
Considerando a importância desse tipo de formação, apresenta-se um exem-
plo de prática de pesquisa, realizada em nível de mestrado em uma disciplina
de didática das ciências, visando o exercício da coleta e da análise de dados com
alunos do ensino fundamental. Escolheu-se um tema interdisciplinar, relevante
para conscientização ambiental dos alunos e, devido ao caráter exploratório da
pesquisa, optou-se pela entrevista como instrumento de coleta de dados, buscan-

177
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

do-se conhecer os conhecimentos prévios dos alunos a respeito do meio ambiente.


A preferência pela entrevista semiaberta deu-se pelo fato de a mesma basear-se
em um roteiro, mas permitindo o desenvolvimento de novas perguntas e ideias pe-
los sujeitos. Como exemplo, seguem três das nove questões do roteiro: O que você
entende por meio ambiente?; Há alguns meses atrás foi ao ar uma propaganda
da Petrobrás que dizia: “A natureza é fonte de recursos inesgotáveis”. O que você
pensa sobre essa ideia? Desenha o meio ambiente. O que ele é, o que representa
para você, como você enxerga o meio ambiente? A pesquisa possibilitou, com as
questões elaboradas, de forma simples e aberta, que aflorassem alguns aspectos
culturais e sociais ligados ao meio ambiente, como a posição social, moral e atitu-
dinal dos sujeitos.
Procedeu-se, após a coleta de dados com a entrevista registrada em grava-
dor, a análise textual discursiva (MORAES, GALIAZZI, 2007), para obtenção dos
resultados. Essa metodologia envolveu leitura, releitura e interpretação dos da-
dos transcritos, unitarização e categorização das informações, culminando com
os resultados. Foi possível observar que os sujeitos mantinham uma preocupa-
ção característica que se manifesta em aula, a de acertar as respostas, procuran-
do a aprovação ou satisfação do questionamento e do questionador. Isso porque,
conforme Astolfi e Delevay (2009, p. 40), a resposta ao experimentador vai “situ-
ar-se em relação às supostas expectativas” deste. Essa valorização do acerto é
perceptível, mas muitas vezes passa desapercebida por um olhar menos atento
em sala de aula. A entrevista permitiu uma nova reflexão sobre esse e outros
aspectos relacionados aos alunos e à aprendizagem, que somente foi possível
com a realização da mesma.
Seguem exemplos das cinco categorias elaboradas de acordo com as simila-
ridades no discurso dos sujeitos, indicadas por letras de “A” a “E”. Nas primeiras ca-
tegorias, Atitudes cotidianas (A) e Elaboração de soluções (B), ficam evidenciados
dois aspectos importantes na fala destes alunos. Em nível de sua consciência a
respeito do meio ambiente, de acordo com os resultados, os sujeitos discutem so-
bre atitudes cotidianas (exemplos indicados por “A”), como descaso com o ambien-
te e da sujeira, referindo-se às ações que testemunham no dia a dia, como falta de
cuidados e desperdício em relação à água e ao lixo. Outro aspecto é a elaboração
de soluções (exemplos “B”) para alguns dos problemas do cotidiano, envolvendo
questões de valores, ética e fiscalização, admitindo ainda a informação como fator
relevante para a conscientização e educação ambiental da população:
M – Por que vocês acham que tantas pessoas não cuidam ou não se preocu-
pam com o meio ambiente?

178
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

2 – Acho que não dão valor para as coisas. (A)


1 – [...] A televisão tem que falar mais sobre isso que está acontecendo. (B)
M – E vocês acham que se as pessoas tivessem esse conhecimento elas cui-
dariam?
1 – Se tivesse alguém para ficar em cima, tipo, se uma pessoa joga o lixo no
chão, a outra pedisse para juntar, acho que melhoraria muito. (B)
1 – Para a garrafa de vidro o tempo é indeterminado; a pet leva de 500 a 600
anos. (A)
A terceira categoria foi denominada importância atribuída à preservação do
meio ambiente para o ser humano – questão antropocêntrica (C). É possível iden-
tificar que os alunos mencionam a importância do cuidado com o meio ambiente,
com a natureza e com os recursos naturais, como forma de preservar a saúde, o
bem-estar e a existência do ser humano. Demonstram uma visão antropocêntri-
ca acentuada nesse sentido, pois não falam sobre a preservação de outras espé-
cies, ou a preservação do ambiente ou da vida como um todo. Para desenvolver a
consciência ambiental e praticar a sustentabilidade, é necessário que se questione
essa premissa de o ser humano ter direitos sobre os outros seres vivos e o meio.
A última das categorias diz respeito à Diferença entre desenho e linguagem
oral (E). Quando convidados a desenhar o meio ambiente, criaram imagens de pai-
sagens limpas e sem a presença humana (Figura 4), em contraste com a fala que
é carregada pelas ações humanas prejudiciais à preservação do meio ambiente,
como o desmatamento, o descaso, falta de cuidado e as atitudes observadas no dia
a dia. Um dos resultados mais relevantes da análise dos dados foi esta diferença
identificada entre a linguagem gráfica e oral no que se refere à representação do
meio ambiente. Assim, surgiram questionamentos a respeito das razões dessas di-
ferenças entre as representações que se apresentaram na fala e no desenho, sendo
esse resultado considerado relevante para futuras investigações.

Figura 4. Representações do meio ambiente por alunos de ensino fundamental.

179
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

A professora-pesquisadora percebeu o caráter interdisciplinar dos conheci-


mentos prévios dos alunos e a importância de um trabalho desta natureza, a fim
de contemplar essa característica das ciências, para evitar sua compartimentali-
zação. Entendeu que manter-se neutra em uma pesquisa é impossível, mas tentar
ser imparcial e não direcionar os alunos ao que se quer ouvir é algo que requer
muita prática. Quanto ao “aprender a aprender”, a mestranda passou por diversos
processos que estimularam sua autonomia como professora e pesquisadora, apli-
cando teoria na prática ao “contraler, reelaborando a argumentação; refazer com
linguagem própria, interpretando com autonomia; reescrever criticamente; elabo-
rar texto próprio” (DEMO, 2005, p. 29). Essa experiência promoveu a construção de
uma visão inovadora com o desafio da intervenção e manejo de novas técnicas na
pesquisa, como o exercício de entrevistar.
Ainda foi possível perceber que, de acordo com o tipo de pesquisa, admitem-se
diferentes atitudes por parte do pesquisador e dos sujeitos, o que somente é com-
preendido com a prática de técnicas diversificadas. Essa importante faculdade do
professor como pesquisador também pode ser despertada cedo nos cursos de for-
mação e, com isso, possibilitar que o professor-pesquisador crie espaço para ques-
tionamentos, criatividade, reflexão, autoavaliação, criticidade e construção coletiva
e, dessa maneira, oportunize meios para a aprendizagem significativa pelo aluno.
A atitude de pesquisa requer prática e poderia ser contemplada durante a
formação inicial nos cursos de licenciatura. No entanto, na maioria das vezes é so-
mente nos cursos de pós-graduação que é possível reconhecer a prática da pesquisa
em sala de aula como epistemológica e parte essencial da docência, sendo o ques-
tionamento reflexivo sobre os processos de ensino e aprendizagem requisitos para o
crescimento profissional, mediante uma atitude de busca para incentivar e instigar
os alunos à aprendizagem de ciências. Admitindo que a educação pela pesquisa é
premissa para a educação escolar e acadêmica (DEMO, 2005; COELHO; SANTOS;
TIMM, 2009, 2010), o professor torna-se pesquisador de sua própria prática docente,
de sua aprendizagem, e desenvolve um novo olhar em relação a seus alunos, assu-
mindo, desse modo, uma visão diferenciada, tornando-se professor-pesquisador.
Por essas razões, evidencia-se a necessidade dessa prática na formação de
professores de ciências e física, considerando-se que, ao vivenciarem novas meto-
dologias, utilizarem técnicas diferentes e realizarem pesquisa durante os cursos
de formação, professores ou futuros professores estarão mais bem preparados
para articular a transposição de um saber teórico para um saber prático, ou seja,
para fazer algo semelhante com seus alunos.

180
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

FORMAÇÃO PEDAGÓGICA E ENSINO DE CIÊNCIAS


Pesquisadores das áreas científicas vêm demonstrando preocupação com a
inclusão do ensino de ciências desde os primeiros anos escolares, buscando al-
ternativas que contemplem uma aprendizagem significativa, possibilitando o de-
senvolvimento de habilidades, atitudes e valores nas crianças. Diversos autores
(OSTERMANN, MOREIRA, 1990; LIMA, ALVES, 1995; SCHROEDER, 2004; ZIMMER-
MANN, EVANGELISTA, 2007; RODRIGUES, 2008; RODRIGUES, COELHO, AQUINO,
2009) apresentam resultados de pesquisas realizadas nesse âmbito, focalizando o
ensino de ciências na educação fundamental.
A legislação brasileira não estabelece barreiras para a educação em ciências
neste nível de escolaridade, deixando em aberto essa possibilidade. A Lei de Dire-
trizes e Bases da Educação Nacional (LDB – BRASIL, Lei 9.394/96), ainda que não
aborde questões relacionadas a disciplinas e conteúdos, regulamenta os níveis
educacionais, prescrevendo, em seu artigo 32, que o ensino fundamental tem por
objetivo a formação básica do cidadão mediante:
II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da
tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista
a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores
(BRASIL, Lei 9.394/96).

Considerando-se os objetivos apontados pela LDB, quanto à formação de ha-


bilidades e atitudes, para a formação de um cidadão conhecedor do ambiente
social e natural em que vive, torna-se evidente o papel e a importância do ensino
de ciências nas séries iniciais.
Tratando-se de um referencial direcionado às ciências naturais e à cida-
dania e elaborado de forma flexível, podendo ser adaptado à realidade de cada
região, os Planos Curriculares Nacionais (PCNs), Livro 4, têm o intuito de auxi-
liar professores no processo de melhoria do ensino na educação fundamental,
servindo de base para discussões pedagógicas na elaboração de projetos, plane-
jamento, reflexão e análise de materiais didáticos. Em linhas gerais, esse refe-
rencial adota, como base para educação em ciências nas séries iniciais, temas
como o estudo do ambiente, ser humano, saúde e recursos tecnológicos, não
demonstrando preocupação direta com o estudo das ciências físicas. Entretanto,
os fenômenos físicos, estando diretamente ligados à natureza, fazem parte do
cotidiano dos alunos, sendo, seguidamente, trazidos e questionados por eles em
sala de aula e, portanto, assumindo igual relevância para a aprendizagem nessa
etapa escolar. Para Schroeder (2007, p. 1):

181
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Adotando-se uma perspectiva mais ampla a respeito dos propósitos do


ensino e da física, pode-se identificar nesta uma oportunidade singular para
que as crianças desenvolvam sua autoestima através da vivência de situações
ao mesmo tempo desafiadoras e prazerosas.

Porém, para que o ensino de física passe a fazer parte da realidade escolar,
primeiramente, torna-se necessária sua incorporação nos cursos de pedagogia.
Pesquisas realizadas nesta área (RODRIGUES, 2008; RODRIGUES, COELHO, AQUI-
NO, 2009) indicam uma deficiência ou ausência de disciplinas de ciências nos cur-
sos de formação de professores, apontando a falta de vivência com atividades
experimentais e conhecimentos elementares em física, como obstáculos identi-
ficados na formação pedagógica. Atividades desenvolvidas por professores de sé-
ries iniciais têm se destinado, quase exclusivamente, ao letramento e primeiras
noções numéricas. Em pesquisa realizada (RODRIGUES, 2008), foram constatadas
algumas reflexões de futuros professores, comparando o ensino tradicional com o
ensino experimental de ciências, conforme ilustra o excerto abaixo.
Sujeito D: o conhecimento de física que a gente tem, normalmente não
é uma parte muito prática. [...] É que o professor normalmente trabalha o lado
tradicional. É quadro e sem experiência... e aqui a gente pode olhar, a gente foi
formulando os conceitos. Houve a parte prática, que é importante [...] traba-
lhar assim é bem interessante, tu construir. Às vezes, a gente pode construir o
conhecimento... tem como construir, só não sabe como... e tendo alguém para
mediar essa construção é interessante o método de trabalho. [...] tu podes apro-
veitar o que foi utilizado aqui, é uma forma de se trabalhar.

A tomada de consciência expressa anteriormente mostra que o futuro pro-


fessor admite a importância da atividade experimental em sala de aula, de tra-
balhar com o aluno as dimensões do concreto e do abstrato, nas quais se podem
formular os conceitos com consideração do conhecimento prévio. Nesse sentido,
destaca-se ainda a preocupação deste futuro professor com as competências de
um professor em sala de aula, com a ideia do “não saber fazer” (ASTOLFI, DEVE-
LAY, 2009) ou como mediar a construção dos conhecimentos dos alunos e de saber
selecionar e utilizar diferentes metodologias em sua prática docente (RODRIGUES,
COELHO, AQUINO, 2009).
Nessa perspectiva, observa-se também que a interação entre professores
com diferentes formações pode favorecer relações entre o conhecimento discipli-
nar de física e o conhecimento pedagógico, permitindo aos sujeitos realizar uma
transposição didática para a aprendizagem de conhecimentos científicos, em nível
de séries iniciais. O exemplo, a seguir, destaca a tomada de consciência de uma
professora de física sobre o papel da interação com uma professora de educação

182
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

infantil, articulando seus conhecimentos, no intuito de facilitar a apropriação de


conceitos científicos por meio de analogias:
Sujeito E: Mas como eu nunca tive contato com crianças assim, eu tive
que me remeter ao passado, fingir que eu era uma criança [...] é que no momen-
to em que eu tive dificuldades de expressar algumas coisas, recorri a minha
querida colega, que falou da areia, que eu gostei muito [...]. Então assim, vou
ser bem sincera, eu já parti do pressuposto que a criança já teria a sã consciên-
cia da diferença do que é uma carga, uma descarga, o porquê atrai e repele, já
pensando nos eletroscópios.

Assim, a ideia é que professores e futuros professores das séries iniciais do


ensino fundamental possam conhecer e “multiplicar” a alfabetização científica,
utilizando-se da formação em ciências para auxiliar nas mudanças de pensa-
mento e de atitude. Sabe-se que o ensino de física vai além da memorização dos
conceitos descritos em livros, e que somente quando o sujeito investiga e compre-
ende o que ocorre em cada fenômeno é que será impregnado pelo conhecimento
científico. Nesse sentido, dá-se a importância do trabalho experimental, do ma-
nuseio dos materiais, da necessidade do teste de hipóteses e da importância do
questionamento para a compreensão dos fenômenos envolvidos em cada dispo-
sitivo, construído em atividades experimentais. É interessante ressaltar, que não
se aprende física da noite para o dia, mas que essa alfabetização científica é um
processo lento, que vai sendo construído gradativamente. Nesse sentido, vários
autores (COELHO, NUNES, WIEHE, 2008; GIORDAN, VECCHI, 1987; SCHROEDER,
2007; SCHIEL, 2008) defendem a importância da formação em ciências, visando-se
à alfabetização científica dos sujeitos. Dessa maneira, o processo da educação por
meio da experimentação encontra um desafio em sua proposição. Mas, através da
integração da pedagogia com a educação em ciências, os questionamentos, refle-
xões, discussões e investigações irão articulando o caráter científico ao pedagógi-
co. Essa articulação poderá proporcionar aprendizagens do ponto de vista concei-
tual, científico e metodológico, permitindo ao professor uma construção cognitiva
baseada na pesquisa, na investigação, no diálogo e na argumentação.
Os obstáculos evidenciados apontam para a deficiência e para a falta de for-
mação em física nos cursos de formação inicial e continuada, bem como em insti-
tuições de ensino superior, nos cursos de pedagogia, remetendo à necessidade de
uma formação nesse sentido, proporcionando uma alfabetização científica para
professores de séries iniciais. O ensino de ciências, aberto à vida como um todo, é
possível desde as séries iniciais, exigindo a construção de saberes contextualiza-
dos, respeitando as peculiaridades do aluno como sujeito e seu nível operacional,
possibilitando a solução criativa de problemas, o pensamento crítico e preparando

183
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

o aluno e o professor para o futuro. Ainda que, em nível de séries iniciais, a criança
não tenha desenvolvido plenamente suas estruturas cognitivas, a educação em
ciências poderá oportunizar um trabalho de sensibilização científica, por meio de
atividades investigativas e desafiadoras, visando a aquisição de atitudes, habilida-
des e valores, assim como o desenvolvimento psicocognitivo.

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185
O ENSINO DE FÍSICA MEDIADO PELA AVALIAÇÃO

Valderez Marina do Rosário Lima1


Rosana Maria Gessinger2

A estreita relação existente entre ensino, aprendizagem e avaliação


propicia que a escolha pelo professor dos procedimentos ou ins-
trumentos para obter informações sobre a aprendizagem do aluno revele suas
concepções sobre ensinar, aprender e, também, sobre o conhecimento e o seu
papel na vida do indivíduo. Tais concepções estão relacionadas ao como, para
que e por que avaliar. Assim, se ele tem uma prática orientada pela pedagogia
tradicional e acredita que o conhecimento é algo acabado, que pode ser trans-
mitido, adquirido e medido, tenderá a selecionar instrumentos para averiguar
se os conhecimentos por ele supostamente “transmitidos” foram apreendidos
pelo aluno e, com muita frequência, esse instrumento é uma prova, por haver o
entendimento de que tal dispositivo é mais preciso para constatar e mensurar
resultados de aprendizagem.
A difusão dessa ideia leva a uma imprecisão terminológica em relação a
conceitos como prova, nota e avaliação, os quais acabam sendo utilizados como
sinônimos. Tal fato provoca, de um lado, uma inversão, pois a atribuição de nota
torna-se mais importante do que a aprendizagem e, por outro lado, uma redução
na função do ato avaliativo, que deixa de cumprir seu principal objetivo, o de iden-
tificar progressos e fragilidades na aprendizagem do estudante, elementos impor-

1
Graduada em Licenciatura em Ciências, Primeiro Grau, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (1977), graduada em Licenciatura em Ciências, Habilitação em Biologia, pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (1980), mestra em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Gran-
de do Sul (1998), e doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2003).
Atualmente, é professora adjunta da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
2
Graduada em Licenciatura em Matemática, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1986), mes-
tra em Educação, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2000), e doutora em Educa-
ção, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2007). Atualmente, é professora adjunta
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

tantes para orientar as futuras ações do professor e do aluno, através do diálogo


estabelecido entre eles.
Pavanello e Nogueira (2006, p. 36) criticam a avaliação centrada nos conhe-
cimentos específicos e na contagem de erros, ainda muito utilizada, “que não só
seleciona os estudantes, mas os compara entre si e os destina a um determinado
lugar numérico em função das notas obtidas”. De fato, mesmo que a nota nada
informe sobre a aprendizagem, apenas nivele o aluno, fazer uma prova e atribuir
uma nota ainda é, para alguns, sinônimo de avaliar. Nesta perspectiva, avaliar
assume o caráter de classificação, seleção, hierarquização, e tanto aluno quanto
professor passam a se preocupar mais com a nota do que com a aprendizagem.
Por conta dos equívocos de terminologia, faz-se necessário explicitar a diferen-
ça entre teste, medida e avaliação. Testar é verificar o desempenho através de uma
situação previamente organizada. Medir significa descrever o fenômeno do ponto
de vista quantitativo e avaliar é interpretar dados quantitativos e qualitativos, com
base em indicadores claros, a fim de realizar um julgamento de valor (HAIDT, 2003).
Por meio de uma prova, o professor testa o aproveitamento do aluno; ao corrigir a
prova e atribuir uma nota, ele mede esse aproveitamento; ao comparar os resulta-
dos do aluno com os critérios estabelecidos – e também com outros resultados já
demonstrados – o professor formula um juízo de valor sobre o progresso do aluno,
e, por consequência, está avaliando. Cabe ressaltar que a avaliação não se restringe
à aplicação de provas, conforme será apresentado mais adiante.
Quando se entende o conhecimento como um bem que se acumula, avaliar
torna-se uma tarefa simples, podendo estar associada à ideia de medir. No entan-
to, a substituição da ideia de conhecimento como algo que se constrói linearmen-
te, pela ideia de uma rede, ou seja, de uma teia de significações, contribui para que
a avaliação seja pensada de modo diferente, enfraquecendo-se a associação entre
avaliar e medir, e aproximando-se às noções de avaliação e valor. Etimologicamen-
te, avaliar é estimar o valor (MACHADO, 2005).
Avaliação, entendida como meio de esclarecer as ações pedagógicas reali-
zadas, é um fenômeno de natureza qualitativa, embora, no conjunto de dados
coletados, algumas informações sejam do âmbito quantitativo e outras, do âmbito
qualitativo. Os dois tipos de dados precisam ser interpretados a partir de critérios
claramente formulados, devendo ser ressaltado que os de ordem qualitativa nem
sempre são passíveis de atribuição de grau numérico, por possuírem caráter atitu-
dinal. Não é possível definir, por exemplo, quanto vale uma participação em aula
ou o comprometimento do estudante com as tarefas solicitadas.
Em contraposição à pedagogia tradicional, um professor que orienta sua
prática pela pedagogia progressista, ao reunir dados sobre a aprendizagem dos

188
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

alunos, exerce uma avaliação formativa com a finalidade precípua de regular


os processos de ensino e de aprendizagem. Por isso, na maioria das vezes, tende
a deslocar seu interesse do produto para o produtor (HADJI, 1994), adotando
múltiplos dispositivos de coleta de dados, de modo a abranger todas as facetas
do desempenho do estudante consideradas importantes. Significa dizer que não
serão avaliados somente aspectos cognitivos, mas também aqueles de ordem
procedimental e atitudinal, cuja contribuição auxiliará na construção das com-
petências pretendidas.
Os dados coletados não servem apenas para constatar o que o aluno não
sabe e simplesmente encaminhá-lo para aulas de reforço, monitorias ou solicitar
que revise seus erros. Servem, ainda, para repensar as estratégias de ensino, aju-
dar o aluno a reorientar seu percurso quando necessário e fazer intervenções para
que ele se sinta desafiado a ampliar seus conhecimentos.
O erro, nesta perspectiva, em vez de ser visto como algo estático, negativo
e que deve ser punido, passa a ser reconhecido como algo provisório, como um
momento do processo de aprendizagem que fornece importantes pistas para que
o professor possa rever seu ensino e criar situações que possibilitem ao aluno
superar suas dificuldades. Trata-se de uma mudança de enfoque importante, já
que tradicionalmente, segundo Gusmão e Emerique (2000), o processo avaliativo
na área das ciências exatas é um dos fatores que contribui para que o erro seja
concebido como falha que deve ser punida. Trata-se de uma concepção associada
à ideia culturalmente transmitida de que as ciências exatas são difíceis e não ad-
mitem meio termo: ou se está certo ou errado, o que reforça a ideia de que se trata
de uma coleção de verdades a serem supostamente “transmitidas” pelos professo-
res e “absorvidas” pelos alunos.
Reconhecida a importância do caráter formativo da avaliação e de se utiliza-
rem diversos instrumentos para coletar informações sobre a aprendizagem, cabe,
agora, apresentar alguns procedimentos e instrumentos capazes de auxiliar na
obtenção de dados. Dentre as muitas possibilidades, destacam-se, neste artigo, a
produção escrita, a exposição oral, as situações-problema, a prova individual e os
trabalhos coletivos.

PRODUÇÃO ESCRITA
Associa-se, de modo geral, a produção escrita a áreas como língua portu-
guesa, literatura, história, entre outras. No entanto, a importância da escrita vem
sendo defendida também na área das ciências exatas, por autores como Smole
e Diniz (2001), que destacam a importância da produção de textos nas aulas de
matemática, para a aprendizagem do aluno, pois, ao escrever, o aluno reflete

189
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

sobre seu pensamento e conscientiza-se sobre aquilo que realizou e aprendeu,


avaliando, assim, seus próprios caminhos. Para D’Ambrosio (1998), a escrita é
particularmente importante em disciplinas como a matemática, pois dependem
de um sistema de códigos e símbolos e a escrita é importante para a decodifica-
ção. Tais entendimentos aplicam-se também à física e às demais disciplinas da
área das ciências exatas.
Embora seja um momento importante de aprendizagem, já que requer a or-
ganização do próprio pensamento, tarefas que envolvem a escrita geralmente são
deixadas de lado nas aulas de física. Nessas, priorizam-se a resolução de proble-
mas, a memorização e aplicação de fórmulas, a realização de cálculos, exploran-
do-se, assim, apenas o seu lado instrumental.
A resolução de tarefas envolvendo a escrita pode fornecer dados importantes
sobre o processo de aprendizagem do aluno, que poderá orientar o processo de
ensino por parte do professor. No entanto, as opções de solicitação não se esgotam
por aí e devem ser incentivadas, pois favorecem que os alunos organizem as ideias
em distintos momentos do processo de aprendizagem e fortaleçam os argumentos
construídos, num movimento favorecedor da apropriação dos conhecimentos cir-
culantes na sala de aula. Dada a importância desta atividade, apresentam-se aqui
algumas sugestões para inclusão da produção textual na rotina das aulas.
Conforme Lowman (2004), é possível dividir as solicitações em tarefas escri-
tas informais e tarefas escritas formais, sendo que as primeiras têm por objetivo
oportunizar ao aluno a sistematização das aprendizagens realizadas sobre os te-
mas trabalhados em aula. Em vez de o professor fornecer material impresso, ele
pede que o aluno, mediante orientações claras, escreva um texto expondo o que
aprendeu sobre o assunto abordado. As redações breves, efetuadas em aula, po-
dem ser lidas aos colegas para que eles promovam comentários – orais ou escritos
– ou, ainda, entregues ao professor para que, após a correção, indique os pontos
que precisam de aprofundamento. São ainda modalidades de produção escrita
informal a organização de ideias sobre um texto lido, o fichamento de leituras re-
alizadas com a finalidade de complementar estudos em aula, um resumo esque-
mático, a criação de situações-problema, o texto explicativo sobre a melhor forma
de resolver uma situação problema ou sobre um determinado conceito, um mapa
conceitual, entre outros.
Entre as tarefas escritas formais encontram-se relatos de visitas realizadas,
relatórios e projetos de pesquisa desenvolvidos na disciplina, relatórios de expe-
riências científicas e também resumos gerados pela busca de informações sobre
assuntos que o professor considere importantes.

190
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

D’Ambrosio (1998) propõe o relatório-avaliação, no qual o aluno escreve


uma síntese do conteúdo trabalhado na aula, a bibliografia e as referências per-
tinentes, não repetindo as sugeridas pelo professor, comentários e sugestões so-
bre a aula, o tema e a disciplina. Além de fornecer dados sobre a aprendizagem
do aluno, a proposta permite ao professor conhecer seu desempenho através do
relato de seus alunos, o que permitirá qualificar cada vez mais sua prática. O
autor sugere, também, um resumo analítico semelhante às fichas de leitura, que
devem ser estimuladas, pois ajudam a desenvolver uma prática de leitura e de
relato de experiências. Neste caso, leitura inclui assistir a filmes, vídeos ou peças
de teatro, assistir a um jogo, enfim qualquer experiência que mereça ser anali-
sada e interpretada. Um resumo analítico pode conter o título, o(s) autor(es), os
dados da publicação, as palavras-chave, a descrição do trabalho, o objetivo do
trabalho, as fontes utilizadas pelo autor, a metodologia de trabalho, as conclu-
sões, além dos comentários pessoais do aluno. Trata-se de uma prática que pode
ser adotada nas aulas de física.
Independentemente do caráter da atividade, seu sucesso reside na clareza
que professor e alunos têm sobre os propósitos de sua realização e na percepção
do texto elaborado como um objeto de estudo, auxiliar e provisório.

EXPOSIÇÃO ORAL
As aulas de física ainda são fortemente influenciadas pela pedagogia tra-
dicional, onde prevalece o silêncio do aluno em oposição às explicações do pro-
fessor. No entanto, é preciso superar a ideia de que o aluno aprende ouvindo as
explicações detalhadas do professor, pois a fala dos alunos traz importantes dados
para avaliação.
A exposição oral, que consiste na comunicação pública de saberes específi-
cos de uma área de conhecimento, é reconhecidamente uma competência indis-
pensável para que o sujeito participe de forma plena da vida social. Neste sentido,
seu exercício durante a formação é importante e desejável. A exposição oral é uma
competência que coloca em ação saberes de ordem conceitual, procedimental e
atitudinal. Dentre os de natureza conceitual, encontram-se os fatos, conceitos e
princípios afetos à temática comunicada. A busca de informações em diferentes
fontes, selecionando-as conforme o propósito da tarefa, a gestão do conteúdo infor-
mativo, a estruturação adequada e coerente do tema a ser comunicado, são saberes
procedimentais acionados na atividade de exposição oral. A autocrítica, a partir das
sugestões e observações efetuadas pelo professor e pelos colegas e a tomada de po-
sição sustentada por argumentos são algumas aprendizagens de caráter atitudinal
envolvidas em tarefas de comunicação oral (SCHNEUWLY, DOLZ, 2004).

191
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Explicação da resolução de um determinado exercício ou problema, apresen-


tação em seminário, divulgação de resultado de pesquisa de campo e comentários
ou síntese de um determinado tema são, ao mesmo tempo, estratégias para os
estudantes exercitarem a oralidade e oportunidade para os professores obterem
informações sobre as aprendizagens dos estudantes.

SITUAÇÕES-PROBLEMA
Incluir a resolução de problemas como uma das estratégias de ensino ca-
paz de contribuir com a aprendizagem distancia-se da ideia de utilizar proble-
mas para exemplificar os conteúdos conceituais trabalhados. Woods (1987 apud
LOWMAN, 2004), ao estudar o uso de problemas em curso de engenharia, aponta
que os estudantes, durante os quatro anos do curso, observam os professores
resolverem mil problemas e eles próprios resolvem mais de três mil. O autor do
estudo alerta que o número expressivo de problemas resolvidos durante a for-
mação não assegura a aprendizagem nem dos conteúdos conceituais nem dos
conteúdos procedimentais envolvidos na tarefa. O mesmo pode ser constatado
nos níveis fundamental e médio de ensino, em que milhares de problemas e
exercícios são resolvidos pelo aluno, ou são resolvidos pelo professor e copiados
pelo aluno, sem que isso resulte em aprendizagem significativa. Trata-se de uma
visão mecanicista que reduz o conteúdo a um conjunto de regras, técnicas e al-
goritmos. Segundo Fiorentini (1995), a finalidade do ensino desta natureza seria
desenvolver habilidades e atitudes computacionais, capacitando o aluno apenas
para resolver exercícios ou problemas-padrão. O ensino através da resolução de
problemas emerge em contraposição à concepção de física como um conjunto
de fatos e de procedimentos algorítmicos ou, ainda, como um conhecimento que
se obtém por repetição ou por exercício mental.
O objetivo da resolução de problemas é levar o estudante a mobilizar conhe-
cimentos construídos, aplicando-os em novas situações, mas para que a ativida-
de cumpra esta função é importante que a escolha dos mesmos leve em conta
algumas condições. Em primeiro lugar a situação proposta necessita ser factível,
apresentando dados relevantes e riqueza de informações, que de fato auxiliem a
encontrar soluções adequadas. Em segundo lugar, parte dos conceitos envolvidos
precisa estar sendo teoricamente trabalhada no momento da proposição, pois é
lançando mão da teoria em estudo que o aluno encontrará as soluções ao desa-
fio proposto (WASSERMANN, 1994). Em terceiro lugar, depois de sua resolução, os
problemas devem ser amplamente discutidos, tornando-se, para aqueles que não
obtiveram êxito na resolução, uma oportunidade de perceberem os pontos frágeis
– ou inadequados – de seu raciocínio.

192
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

A resolução de problemas para ser estratégia de ensino eficiente, requer,


ainda, a formulação de boas perguntas; é preciso que os questionamentos levem
o aluno a refletir profundamente sobre o problema apresentado. Perguntas bem
elaboradas são aquelas que convidam “em lugar de exigir; são claras e inequí-
vocas; não são abstratas demais e nem, tampouco, sugestivas demais; evitam a
escolha entre o sim e o não além de evitar o uso excessivo do porquê” (WASSER-
MANN, 1994, p. 80).
Em todas as ocasiões estas atividades podem ser utilizadas para obter infor-
mações sobre a aprendizagem dos alunos e, em alguns momentos específicos, elas
podem conduzir à atribuição de grau, desde que não seja a primeira vez que os
estudantes entram em contato com exercícios dessa natureza e que o professor
tenha claros os critérios a serem avaliados.

PROVA INDIVIDUAL
A prova individual, que pode ser oral ou escrita e, neste caso, objetiva ou
dissertativa, também constitui um válido instrumento de coleta de informações
sobre a aprendizagem dos estudantes quando utilizada em combinação com ou-
tros procedimentos.
Seja qual for a modalidade escolhida, é fundamental que o professor domi-
ne a técnica de elaboração de questões, formulando-as de modo a comunicar de
forma clara e precisa a tarefa a ser realizada. Em questões objetivas, por exemplo,
há apenas uma solução correta, não havendo interferência de critérios pessoais
nas respostas (MEDEIROS, 1981). Nas questões dissertativas, a solicitação deve ser
enunciada com exatidão, explicitando o que se espera que o aluno faça: análise,
descrição, crítica etc. Igualmente, para a elaboração da prova oral existem reco-
mendações específicas. Ressalta-se aqui a necessidade de o professor construir
um instrumento escrito, com critérios bem definidos, a fim de registrar as infor-
mações sobre o desempenho do aluno.
Cabe alertar, ainda, que as questões reflexivas devem prevalecer sobre aque-
las que demandam memorização, sendo desejável que, para atribuição de grau, o
tipo de questão apresentada seja de amplo conhecimento do estudante, já viven-
ciado por ele em outras situações.
No entanto, mesmo em questões nas quais é solicitada apenas a resolução
de um exercício, é possível considerar, além da resposta, o modo como o aluno in-
terpretou a sua resolução, as escolhas que fez para dar conta da tarefa, os conhe-
cimentos que utilizou e sua capacidade de comunicar-se. Além disso, os erros dos
alunos não devem ser apenas destacados, mas devem ser objeto de um trabalho
específico do professor com o estudante (PAVANELLO, NOGUEIRA, 2006).

193
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

TRABALHOS COLETIVOS
Outro aspecto a explorar, quando se pensa em formas de obtenção de dados
para avaliação, refere-se aos trabalhos coletivos. As atividades em grupo, quando
bem encaminhadas, são valiosíssimas para a formação do estudante por permi-
tirem que ele vivencie situações de trabalho em equipe, aprenda a partilhar ta-
refas e negociar consensos, desenvolvendo, ainda, o senso de comprometimento
e responsabilidade. Salienta-se que as atividades em grupo não prescindem da
coordenação do professor na orientação da tarefa e no acompanhamento durante
as etapas de desenvolvimento. A avaliação do trabalho em grupo requer o estabe-
lecimento prévio de critérios, sendo de fundamental importância que os alunos
estejam suficientemente esclarecidos sobre suas atribuições na atividade.
Uma dúvida comum quando se propõe trabalho em grupo diz respeito às
aprendizagens efetuadas e ao grau de envolvimento de cada integrante do gru-
po. Dentre as estratégias que auxiliam o professor a compreender melhor esses
pontos destaca-se a solicitação de uma breve manifestação individual do aluno
ou produção escrita, se a tarefa de aprendizagem conclui naquele mesmo perío-
do de aula. Outra possibilidade é a organização da atividade de modo a reservar
algumas aulas para a realização da mesma em classe, dedicando momentos, em
diferentes etapas do processo, para o grupo expor oralmente os avanços realiza-
dos até ali. Para coletar informações sobre a aprendizagem de cada componente
do grupo, é adequado solicitar relatórios individuais ou, ainda, realizar um teste
individual sobre o tema estudado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todos os dispositivos aqui apresentados podem fornecer dados sobre a
aprendizagem de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, devendo
o professor estabelecer, previamente, o tipo de informação que deseja coletar e o
momento ideal para proceder a coleta.
Cabe ressaltar que, para fazer uso dos exemplos citados, o professor precisa
identificar qual é o objeto da avaliação e reconhecer que esta definição não ocorre
no momento da elaboração do instrumento, mas na ocasião em que é delineado o
planejamento de ensino. Quais são os conteúdos importantes de serem avaliados?
A resposta a essa pergunta reflete as concepções acerca da física e do seu
papel na vida das pessoas, dá o rumo da ação docente e, por decorrência, da sele-
ção e da organização dos instrumentos de coleta de informações sobre a aprendi-
zagem. É no momento de identificar e selecionar os conteúdos representativos de
uma área de conhecimento que o professor decide sobre os tópicos essenciais a

194
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

serem aprendidos pelos alunos, e esta decisão direciona a escolha dos instrumen-
tos mais adequados.
Numa área como a física, na qual muitas vezes avaliar a aprendizagem se
confunde com comparar respostas, classificar, hierarquizar e, consequentemente,
excluir estudantes, faz-se necessário repensar o processo avaliativo, percebendo
a sua importância como um meio para compreender melhor a relação do aluno
com o conhecimento. Assim, a compreensão do caráter formativo da avaliação
torna-se fundamental para que o professor possa qualificar sua prática pedagógi-
ca e o aluno possa ampliar cada vez mais seus conhecimentos.

REFERÊNCIAS
D’AMBROSIO, U. Educação matemática: da teoria à prática. 4. ed. São Paulo: Papirus,
1998.

FIORENTINI, D. Alguns modos de ver e conceber o ensino de matemática no Brasil. Zetetiké,


São Paulo, ano 3, n. 4, p. 1-35, 1995.

GUSMÃO, T C. R. S.; EMERIQUE, P. S. Do erro construtivo ao erro epistemológico: um espaço


para as emoções. Bolema, Rio Claro, ano 13, n. 14, p. 51-65, 2000.

HADJI, C. A avaliação, as regras do jogo. Porto: Porto Editora, 1994.

HAIDT, C. C. Curso de didática geral. São Paulo: Ática, 2003.

LOWMAN, J. Dominando as técnicas de ensino. São Paulo: Atlas, 2004.

MACHADO, N. J. Epistemologia e didática: as concepções de conhecimento e inteligência e


a prática docente. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

MEDEIROS, E. Provas objetivas: técnicas de construção. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio


Vargas, 1981.

PAVANELLO, R. M.; NOGUEIRA, C. M. I. Avaliação em matemática: algumas considerações.


Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, v. 17, n. 33, p. 29-42, jan./abr. 2006.

SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. e colaboradores. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas:


Mercado de Letras, 2004.

SMOLE, K. S.; DINIZ, M. I. (Org.). Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para
aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2001.

WASSERMANN, S. El estudio de casos como método de enseñanza. Buenos Aires:


Amorrortu, 1994.

195
HISTÓRIA DA CIÊNCIA NO ESTUDO DA TERMODINÂMICA

Margarete J. V. C. Hülsendeger1
Regina Maria Rabello Borges2

Se a história fosse vista como um repositório para algo mais do que ane-
dotas ou cronologias, poderia produzir uma transformação decisiva na imagem
de ciência que atualmente nos domina (KUHN, 2000, p. 19).

Este texto tem como base uma dissertação de mestrado (HULSENDEGER,


2004), cujo objetivo geral foi investigar como a história da ciência pode contribuir
à aprendizagem dos conceitos estudados na termodinâmica, por meio de uma
abordagem vinculada ao contexto histórico, a fim de compreender as diferentes
visões de mundo que, de alguma forma, influenciaram no aperfeiçoamento das
máquinas térmicas.
É possível que muitos professores de física, assim como os de ciências em ge-
ral, apresentem os conteúdos sem abordar o seu desenvolvimento histórico, sem
considerar o quanto “o conhecimento reflete os limites humanos” (PAVIANI, 2003,
p. 27). Mas, como comenta Rubem Alves (2002, p. 105), “Quem não está convicto
está pronto a escutar – é um permanente aprendiz”.
Lançando um olhar sobre a história da ciência, é possível perceber como a
construção do conhecimento não é isenta das mais diversas interferências. A físi-
ca é bem mais do que equações ou fórmulas, é uma fração do conhecimento hu-
mano que, fazendo parte do nosso dia a dia, tem importância para a forma como
percebemos o mundo. Por isso foi trabalhada a termodinâmica sem desvincular
os conceitos físicos do seu contexto histórico e social. Em um trabalho interdisci-
plinar, os alunos tiveram contato com diferentes visões de mundo que, de alguma
forma, influenciaram no desenvolvimento da termodinâmica e no aperfeiçoamen-
to das máquinas térmicas.
Entre as diversas áreas de atuação da física, a termodinâmica é especial-
mente complexa. Nela encontramos as leis “que governam quanta energia está

1
Mestre em Educação em Ciências e Matemática pela PUCRS, leciona a disciplina de Física em escolas
particulares.
2
Licenciada e Bacharel em História Natural, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(1970), Mestra em Educação, linha de pesquisa Educação e Ciências, pela Universidade Federal de Santa
Catarina (1991) e Doutora em Educação, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1997).
Atualmente, é professora adjunta da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

disponível [...] e envolvem um conceito chamado entropia para processos termo-


dinâmicos irreversíveis” (FEYNMAN, 1999, p. 136).
Tentando tornar esses conceitos mais compreensíveis para os alunos, foram
desenvolvidas atividades com caráter interdisciplinar, acompanhadas e avaliadas
mediante pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e
Matemática da PUCRS, resumida neste capítulo.

DELINEAMENTO E METODOLOGIA DA PESQUISA


O caminho seguido por essa pesquisa foi vincular os conceitos trabalhados
na termodinâmica ao contexto histórico no qual surgiram, leia-se Revolução In-
dustrial e máquina a vapor. Apesar de parecer uma decisão simples, sua aplicação
não foi destituída de dificuldades, pois, para muitos alunos, história e física são
temas diferentes, não guardando entre si qualquer tipo de relação.
Uma maneira encontrada para tentar modificar essa situação foi possibi-
litar a realização de uma pesquisa em sala de aula sobre o surgimento e desen-
volvimento da máquina a vapor, procurando valorizar, por meio de debates e
discussões, as informações reunidas pelos alunos e, ao mesmo tempo, as ideias
abordadas na termodinâmica, estabelecendo ligações com os conceitos físicos
em estudo. Foram então organizados três grupos, acompanhados em atividades
realizadas em aulas de história e de física. As atividades envolveram professores
das áreas de física, história e redação e alunos da 1ª série do ensino médio de
uma escola particular de Porto Alegre.
Como procedimentos para obter informações, foram feitos registros sistemá-
ticos ao longo do trabalho e, ao final, foram entrevistadas as coordenadoras dos
grupos. Os seus depoimentos foram analisados mediante uma análise de conteú-
do (BARDIN, 1977).

DESENVOLVIMENTO
O trabalho exigia uma constante retomada de ideias, com a finalidade de auxi-
liar os alunos a estabelecerem conexões entre o que eles liam e o que trabalhavam
em sala de aula. Uma das dificuldades enfrentadas pelos alunos foi a de conseguir
relacionar o que estava sendo dito na aula com o que pesquisavam fora dela.
Assim, por exemplo, ao discutir que a primeira lei da termodinâmica foi pos-
terior à construção das primeiras máquinas, convém esclarecer que, se por um lado
o desconhecimento dessas leis não impediu a sua construção, talvez isso tenha difi-
cultado o entendimento dos processos que explicam o seu funcionamento.
E qual seria o propósito de todo esse raciocínio, dentro do contexto da física
e, consequentemente, dos fenômenos termodinâmicos? Construir, por exemplo,

198
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

junto com os alunos, o conceito de energia interna e sua relação com a tempera-
tura. A ideia do que seja energia interna é um daqueles conceitos “complicados”
da termodinâmica, pois não pode ser medido diretamente e deve-se conhecer um
pouco do comportamento da estrutura molecular. Assim, o aluno se vê diante de
um conceito abstrato e, portanto, de difícil compreensão e até de aceitação.
Mesmo que se procure estabelecer analogias e utilizar exemplos, essas ideias
não são fáceis de ser percebidas, e seria inadequado tratar as dúvidas dos alunos
como se fossem absurdas ou ilegítimas. Contudo, a inserção desses conceitos den-
tro do contexto histórico e social no qual eles surgiram, realizando constantes
paralelos entre o abstrato – conceito de energia – e o concreto – funcionamento de
uma máquina – de alguma forma auxiliou os alunos a estabelecerem essas rela-
ções, principalmente quando, concomitantemente a isso, estavam realizando uma
pesquisa que exigia a compreensão dessas ideias. Foi constatado que, na história
do progresso dessas máquinas, a não compreensão desses conceitos levou à ocor-
rência de incidentes e equívocos, mas também permitiu que pudessem relacionar
a teoria científica com a tecnologia desenvolvida.
Muitos alunos se surpreenderam quando souberam que já existia um pro-
tótipo da máquina a vapor na antiguidade, pois acreditavam que a primeira má-
quina a vapor teria sido a de James Watt. Ficaram ainda mais surpresos quando
foram gradualmente percebendo que as máquinas térmicas se desenvolveram
na base da tentativa e do erro, fazendo-se ajustes, introduzindo-se melhorias e
aperfeiçoando-se os sistemas. Os conceitos abordados em sala de aula passaram
a ter mais significado, porque estavam associados a todo um trabalho realizado,
não por uma única pessoa, mas por várias que, ao longo da história, buscaram as
respostas a inúmeros questionamentos. E puderam perceber, assim, que também
podem tornar-se parte disso, saindo do papel de espectadores para tornar-se agen-
tes/atores nesse processo de elaboração e construção do conhecimento.
Abordando a termodinâmica e as conexões possíveis com a história da ci-
ência, chega-se a conceitos relacionados com a segunda lei da termodinâmica.
Assunto complexo, pois nele se encontra um dos conceitos mais modernos es-
tudados na física, o de entropia. Os alunos geralmente consideram esse tema,
além de difícil, muito “chato”, pois representa apenas a apresentação de novas
equações sem muito significado. Então, como em tantas outras situações de
aprendizagem na sala de aula, “o aluno enfrenta um ‘pseudoproblema’, já que
não se sente envolvido na sua solução, de forma que o resultado obtido lhe é
indiferente, tendo pouco significado para ele e, logicamente, não fazendo sentido
algum” (POZO, CRESPO,1998, p. 74).
No estudo da segunda lei, é válido destacar-se papel de Sadi Carnot na histó-

199
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

ria da termodinâmica. Carnot demonstrou os limites de uma máquina, pois, inde-


pendentemente das modificações introduzidas, o seu rendimento estará sempre
limitado às temperaturas das fontes – quente e fria –, podendo apenas ser melho-
rado. Além disso, com o objetivo de melhor compreender o funcionamento das
máquinas a vapor, acabou por descobrir o segundo princípio da termodinâmica,
sendo, inclusive, o precursor do princípio da conservação de energia.
Contudo, na maioria dos livros didáticos, a figura de Carnot aparece ligada
apenas a mais equações e ao gráfico que descreve a máquina idealizada por ele,
sendo a figura humana completamente ignorada, como se seu único mérito fosse
ter criado as equações que se encontram em todos os livros de física. Situação que
Kuhn (2000, p. 175) critica:
É característica dos manuais científicos conterem apenas um pouco de
história, seja um capítulo introdutório, seja, como acontece mais frequente-
mente, em referências dispersas aos grandes heróis de uma época anterior. [...],
os manuais científicos (e muitas das antigas histórias da ciência) referem-se so-
mente àquelas partes do trabalho de antigos cientistas que podem facilmente
ser consideradas como contribuições ao enunciado e à solução dos problemas
apresentados pelo paradigma dos manuais.

É possível minimizar esse problema se insistirmos nas conexões entre o que


é discutido em sala de aula e o que a história da ciência pode ensinar. A importân-
cia dessas conexões reside no fato de isso poder auxiliar o aluno a perceber que
tudo se relaciona: física, história, conceitos, ideias e aqueles que as pensaram.

ANÁLISE E RESULTADOS
Nessa pesquisa, ao abordar o desenvolvimento da termodinâmica desde o
surgimento das primeiras máquinas térmicas até o segundo princípio, muitos
alunos começaram a romper com a visão ingênua de que a máquina “surgiu do
nada”, passando a compreender que ela, como qualquer outro produto do conhe-
cimento humano, resulta do esforço e da pesquisa, não de uma única pessoa, mas
de várias ao longo do tempo.
Houve, inclusive, alunos que chegaram a afirmar, no final do trabalho, que
James Watt não havia inventado nada, como diziam os livros, mas aperfeiçoado, e
que essa ideia, existente já na antiguidade, não foi adiante devido a uma visão de
mundo diferente. Todos os grupos, ao mencionarem, por exemplo, a máquina de
Heron, explicaram que ela foi considerada apenas um brinquedo, pois a visão de
mundo da época, sendo cíclica, não trazia em si uma ideia de progresso.
Assim, quando o professor de história procurou traçar um paralelo entre a
visão de mundo circular da Antiguidade e a visão linear do mundo moderno, ele

200
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

não só buscou confrontar o aluno com dois pensamentos diferentes, mas também
com duas realidades diferentes, e a consequência disso sobre como o conhecimen-
to é construído. E, quando questionados sobre como o ser humano percebia sua
própria história, uma aluna chegou a dizer que “a ideia de história do século XX
era descontínua, e no século XIX eles pensavam que uma coisa era consequência
da outra”, percebendo que até mesmo o conceito de história pode ter definições
diferentes, conforme o contexto cultural e social. Isso coincide com a expectativa
de que, ao entrar em contato com outras realidades, o aluno passe a compreender
melhor a sua própria e a percebê-la como parte de um contexto maior e mais
complexo. Segundo Morin (2002, p. 24-25), “O desenvolvimento da aptidão para
contextualizar tende a produzir a emergência de um pensamento “ecologizante”,
no sentido em que situa todo o [...] conhecimento em relação de inseparabilidade
com seu meio ambiente – cultural, social, econômico, político e, é claro, natural”.
Ao entrevistar as coordenadoras de grupo, designadas como Morgana, Es-
trela e Cristal, e ao questioná-las sobre a validade desse trabalho para a compre-
ensão dos fenômenos físicos tratados na termodinâmica, as opiniões se dividiram.
Estrela, apesar de achar o trabalho interessante, principalmente a tarefa de ter
que produzir um texto “mais elaborado”, não via a física no contexto da pesquisa,
o mesmo ocorrendo com Morgana. Já Cristal, aparentando ter uma visão mais cla-
ra da proposta, chegou a afirmar que, “se a gente lembrar a máquina vai entender
as leis da termodinâmica”, e que tudo se relaciona, não só à pesquisa propriamen-
te dita, mas também aos assuntos que estão sendo desenvolvidos em aula.
Essa situação ficou bastante clara quando, ao entrevistar Morgana, coorde-
nadora de um dos grupos, e que estava pesquisando e estudando a Revolução
Industrial, ela declarou não conseguir ver com clareza a influência da máquina a
vapor dentro do contexto histórico. Da mesma forma, Estrela, outra coordenadora
de grupo, afirmou entender o que estava sendo explicado em aula, mas não en-
xergava as relações disso com o aperfeiçoamento da máquina a vapor. No entanto,
quando insistia em perguntar sobre influências ou relações, elas reconheciam que
existiam, mas não se mostravam muito confiantes.
Isso faz pensar o quanto é importante possibilitar ao aluno uma compre-
ensão maior dos fenômenos abordados na disciplina e, como consequência, um
maior envolvimento com a dinâmica da sala de aula. Pois, como afirma Rubem
Alves, “ensina-se, nas escolas, muita coisa que a gente nunca vai usar, depois, na
vida inteira” (2002, p. 65). Segundo Morin (2002, p. 33), “a cultura das humanidades
favorece a aptidão para a abertura a todos os grandes problemas, para meditar
sobre o saber e para integrá-lo à própria vida, de modo a melhor explicar, correlati-
vamente, a própria conduta e o conhecimento de si”. Mas é importante lembrar as

201
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

palavras Koyré: “cometeríamos um engano se desprezássemos o estudo dos erros;


é através deles que o espírito progride em direção à verdade” (KOYRÉ, 1991, p. 337).
Portanto, apesar dos possíveis erros cometidos, uma reflexão sobre as experiências
aqui narradas permitirá que cada um avalie a relevância dessa pesquisa e a sua
importância, não só para o ensino de física, mas para o processo de ensino-apren-
dizagem como um todo.
No contexto do ensino de física, é importante que se evite apresentar “o co-
nhecimento físico como se ele fosse totalmente objetivo. A pretensão a essa ob-
jetividade absoluta está na origem de um dos mitos mais persistentes acerca da
física” (ROBILOTTA, 1988, p. 13). Oportunizando-se ao aluno o questionamento,
pode ser compreendido que “somente pode ser científico o que for discutível. A
ciência tem compromisso iniludível de ser crítica e criativa” (DEMO, 2000, p. 21). Há
necessidade de discussões e debates nos quais possamos contextualizar o conhe-
cimento, buscando os vínculos com a realidade social na qual ele foi estruturado.
Isso talvez auxiliasse a compreender melhor algumas perguntas feitas pelos alu-
nos, como, por exemplo, a de uma aluna que, não conseguindo entender por que
Heron não levou adiante o seu protótipo de máquina térmica, questionou se seria
“porque eles não queriam evoluir”.
Torna-se, portanto, essencial que o aluno compreenda que “hipóteses e teo-
rias do passado, embora possam parecer esquisitas e incoerentes nos dias de hoje,
eram perfeitamente lógicas diante de conhecimentos e visões de mundo disponí-
veis em suas respectivas épocas” (BASTOS, 2001, p. 46). Assim,
Quando um aluno chega ao ponto de interrogar o objeto de estudo em
sua gênese, buscando as razões ou os motivos que o engendraram, [...] quando
ele discute de onde vieram certas ideias, como evoluíram para chegar onde es-
tão ou mesmo questiona os caminhos que geraram tal evolução, de certa forma
ele nos dá indícios de que reconhece tais conceitos como objeto de construção
e não como conhecimentos revelados ou meramente passíveis de transmissão
(CASTRO, CARVALHO, 1992, p. 232).

No contexto do trabalho interdisciplinar desenvolvido em aula, o professor


de história argumentou que a máquina de Heron não seria fruto de um raciona-
lismo, mas de uma tentativa de explicação do movimento e da origem do mundo.
Conceitos como tecnologia e progresso, na antiguidade, não tinham o mesmo sig-
nificado que têm hoje, pois acreditava-se num eterno recomeço, e essa visão só
passa a ser rompida quando se conhece um novo mundo, a partir das descobertas
de novas terras. Mas “Não existem novidades absolutas. O novo em geral são as-
pectos esquecidos de verdades antigas” (PAVIANI, 2003, p. 88), e, assim, essa ruptu-
ra nunca é total. Segundo Bachelard, “Para o espírito científico, todo conhecimento

202
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver conhecimento


científico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído” (2001, p. 18). E não
sendo evidente, cabe ao professor abrir o debate para que o aluno tenha a oportu-
nidade de questionar e, assim, alcançar maior compreensão dos contextos em que
os conceitos abordados na física foram construídos e se desenvolveram. Então,
é importante insistir nos questionamentos, para que os alunos tenham consci-
ência de que a ciência está inserida dentro de um contexto humano e, portanto,
histórico. Só é válido criticar e analisar determinado conhecimento científico se
passarmos a compreender o contexto social, econômico e político no qual ele foi
gerado (KUHN, 2000), pois só assim entenderemos as motivações daqueles que
auxiliaram no seu desenvolvimento. O conhecimento sobre ciência e tecnologia
“[...] só faz sentido no contexto humano” (FOUREZ, 1995, p. 88).
Essa abordagem favorece a compreensão das dificuldades que os cientistas,
em todos os tempos, tiveram que ultrapassar para terem suas ideias aceitas den-
tro de um determinado contexto histórico e também auxilia o aluno a compreen-
der suas próprias dificuldades. O reconhecimento dessa realidade levou a aluna
Estrela a comentar que, apesar das dificuldades, o trabalho foi interessante, jus-
tamente porque permitiu o entendimento de como surgiu a máquina que estava
sendo estudada na aula, deixando o assunto mais claro e compreensível. Segundo
ela, o trabalho permitiu que se relacionasse “uma matéria com a outra, um as-
sunto com o outro. E isso é para o resto da vida, a gente sempre vai ter de saber
relacionar uma coisa com a outra, não é só física, ou só história, misturou e eu
achei isso interessante”.
Assim, ao interligar algo que nunca esteve separado, a não ser em nossas
mentes e nos livros escolares, houve maior compreensão dos fenômenos que es-
tavam sendo tratados em sala de aula. Ao longo dessa pesquisa, o trabalho com
a história da ciência tornou-se uma ferramenta importante para auxiliar o aluno
não só na compreensão dos fenômenos estudados na física, mas principalmente
como uma forma de possibilitar o entendimento de que a divisão instaurada pelas
disciplinas é mera ilusão, podendo ser superada, se for compreendido que
o trabalho dos homens e mulheres de ciências – como qualquer outra ativi-
dade humana – não tem lugar à margem da sociedade em que vivem, e se vê
diretamente afetado pelos problemas e circunstâncias do momento histórico,
do mesmo modo que sua ação tem uma clara influência sobre o meio físico e
social em que se insere (CARVALHO, GIL-PÉREZ, 2000, p. 24).

Entretanto, durante as apresentações finais dos trabalhos, apesar da inten-


ção de apresentar a termodinâmica de forma mais contextualizada, isso não foi

203
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

compreendido totalmente pelos alunos. E como o nosso ensino tem privilegiado a


separação em detrimento da ligação e a análise em detrimento da síntese (MORIN,
2002), a física, que poderia ter sido mais bem explorada pelos alunos quando dis-
cutiram sobre as máquinas, foi deixada em segundo plano, pois não conseguiram
estabelecer as devidas relações.
Os grupos que tinham como objetivo entender o desenvolvimento das máqui-
nas a vapor não aprofundaram os conceitos físicos envolvidos no processo, perma-
necendo mais na história das máquinas. Ao explicarem, por exemplo, a máquina
de James Watt, não aproveitaram para justificar melhor a necessidade da presença
de uma fonte quente e fria para melhorar o rendimento dessa máquina. Da mesma
forma, ao falarem das outras máquinas, não explicaram a necessidade dos aperfei-
çoamentos que nelas foram introduzidos. Essa dificuldade transpareceu na fala de
Estrela, quando, ao analisar o trabalho, comenta não ter percebido muita relação
entre o que estava pesquisando (máquinas térmicas) e a primeira lei da termodi-
nâmica, e como a física lhe pareceu muito complexa, optou por trabalhar exclu-
sivamente com a história, que era, na opinião do grupo, mais simples. Mas, nesse
contexto, o professor de história argumenta que “a inserção da história dentro do
conteúdo de física é essencial, pois assim o conhecimento se estruturará mais”.
Mas o trabalho evidenciou que, apesar de os alunos terem demonstrado ca-
pacidade de interação entre as disciplinas, isso não ficou explicitado na apresen-
tação final e nem nos trabalhos escritos. O foco da maioria esteve centrado na
história, não aparecendo quase nada da física e, quando abordaram a história, não
conseguiram abstrair. Somente alguns procuraram estabelecer uma relação entre
os eventos e uma visão de tempo, os demais se limitando ao tradicional, fazendo
apenas uma relação econômica e social. A filosofia e a história das ideias, essas
não apareceram.
O objetivo de integrar os diferentes saberes é de longo prazo e deve ser cons-
tantemente remodelado, a fim de que as resistências ou “obstáculos epistemológi-
cos da psicologia do conhecimento que separaram a física da história” sejam su-
perados, como argumentou o professor de história. Entretanto, ele reconheceu ser
esse um processo complicado não só para os alunos, mas também para os profes-
sores, pois não há preparação em lado algum. Então, ele apontou um caminho em
que os alunos passem a estudar física com uma abordagem não só histórica, mas
também filosófica, pois ela lhes dará uma visão de mundo mais clara e coerente.
O interessante é que os alunos envolvidos perceberam a importância dessa
ligação, não só entre as disciplinas, mas dentro do próprio conteúdo que estava
sendo trabalhado. Reconheceram que se ele tivesse sido dividido, para facilitar,

204
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

por exemplo, a pesquisa realizada por eles, isso poderia ter comprometido o en-
tendimento e muito teria se perdido. Isso ficou claro na fala de uma aluna quando,
questionada sobre a validade do trabalho, reconheceu:
Apesar de o trabalho ter sido extenso, eu acho que se ele tivesse sido
fragmentado, um grupo não iria aprender uma parte direito. Por exemplo, se tu
tivesses dado um trabalho sobre Termodinâmica e dividido, o meu grupo pode-
ria entender o Primeiro, mas não iria conseguir entender o Segundo Princípio.
Sem contar que esse ramo da física surgiu pela evolução da máquina, então a
primeira parte é mais teórica.

Segundo os professores envolvidos, se o aluno passar a trabalhar interdisci-


plinarmente, compreenderá que não existe a minha ou a tua disciplina, e que até
a avaliação pode ser em conjunto e não mais isolada, demonstrando que somos
totalmente interligados e amalgamados. O aluno começará, então, gradualmente
a compreender que se estuda separadamente física, ou qualquer outra disciplina,
por uma questão didática.
Entre os aspectos predominantemente positivos desse trabalho está uma pos-
sibilidade de se vivenciarem situações que permitem a professores e alunos perceber
a realidade à sua volta com novos olhos, como refere Kuhn (2000, p. 157) quando fala
do cientista: seria como se o aluno passasse a usar “lentes inversoras”, pois encontra
os mesmos objetos “totalmente transformados em muitos de seus detalhes”.
Foi assim que uma das alunas, que inicialmente não via muita relação da
história com a física, com o decorrer da pesquisa foi percebendo estarem as cau-
sas da Revolução Industrial, foco do seu trabalho, diretamente ligadas, como a
máquina se desenvolveu, permitindo, inclusive, que passasse a compreender me-
lhor como começou a termodinâmica. Ela encerra seu comentário afirmando:
“Essa tem sido uma oportunidade de ficar sabendo coisas que a gente não tinha
nenhuma ideia e de entender melhor muitas coisas. A gente teve sorte”.
Da mesma forma, outra aluna reconheceu que, ao pesquisar e ler os textos
oferecidos durante as aulas, pode compreender melhor a relação existente entre
as leis da termodinâmica e o desenvolvimento das máquinas térmicas. Compre-
endeu, inclusive, que “os homens, mexendo na máquina, descobriram coisas im-
portantes que influenciaram bastante nas leis da termodinâmica”.
Todas essas falas são um exemplo da ideia de que, enquanto para o aluno
a familiarização com os mecanismos da ciência pode permitir-lhe adquirir “uma
postura mais cientifica em relação à realidade, havendo, portanto, uma aproxima-
ção em nível metodológico entre o ensino da ciência e a pesquisa cientifica” (CAS-
TRO, CARVALHO, 1992, p. 233), para o professor, poderá tornar-se um lugar onde ele

205
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

irá buscar “inspiração para definir conteúdos essenciais, sequências de conteúdos,


atividades de ensino (incluindo aulas práticas), exemplos, perguntas e problemas
a serem estudados pelos alunos etc.” (BASTOS, 2001, p. 46).
Cabe aos professores, não só os de física, explorar diferentes possibilidades
da utilização da história da ciência, tendo entre os seus objetivos a superação da
ideia da ciência como a fonte de certezas inquestionáveis e absolutas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa aqui comentada indica a importância de que o aluno tenha a
oportunidade de desenvolver um olhar crítico em relação à realidade que o cerca
e em relação a si, e possa, gradualmente, ir percebendo que física e história são
faces diferentes da mesma realidade – não antagônicas, mas complementares.
Mas esse é um processo que se desenvolve ao longo do tempo, não trazendo resul-
tados imediatos. Ao final do trabalho, constatamos que muitos alunos ainda têm
dificuldades para: distinguir diferenças entre os conceitos de calor e temperatura;
lembrar, um ano depois, as equações que descrevem os fenômenos termodinâmi-
cos; estabelecer conexões entre o que estudam na física e na história.
Entretanto, apesar dessas dificuldades, os resultados da investigação indi-
cam que o trabalho com a história da ciência pode ser válido, não só para auxiliar
o aluno a compreender os fenômenos estudados na física, mas, principalmente,
como uma forma de possibilitar o entendimento de que todo o conhecimento está
interligado, e que a divisão instaurada pelas disciplinas é ilusória, podendo, com
um pouco de esforço, ser superada.

REFERÊNCIAS
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa, Edições 70, 1977.

FEYNMAN, Richard P. Física em seis lições. 3. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.

HÜLSENDEGER, Margarete J.V.C. Termodinâmica e revolução industrial: contribuições da


História da Ciência ao Ensino de Ciências, 2004.

KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. 5.ed. São Paulo: Perspectiva, 2000.

PAVIANI, Jayme. Ensinar: Deixar Aprender. Porto Alegre: EDIPUCRS (coleção Filosofia:
154), 2003.

ROBILOTTA, M. R. O Cinza, o Branco e o Preto – da relevância da História da Ciência no


ensino da Física. Caderno Catarinense do Ensino de Física, v.5 (número especial): p.
07-22, jun 1988.

206
AS ORIGENS DO ENSINO EXPERIMENTAL
DE FÍSICA NO BRASIL

Ana Maria Marques da Silva1

OS PRIMÓRDIOS DO ENSINO DE FÍSICA NO BRASIL


A história mundial entre os séculos XVI e XVIII registrou fantásticos eventos
em todos os campos do conhecimento humano. Completa-se a descoberta das
Américas, Austrália, e a redescoberta do Oriente, da Índia, China, Japão; trazendo
uma nova visão do mundo. No Renascimento florescem as artes, as ciências e a
tecnologia. Com o aparecimento da máquina a vapor, começa a Primeira Revolu-
ção Industrial, provocando profundas alterações nas estruturas políticas e sociais
da Europa. As reformas religiosas e a Revolução Francesa modificam os ideais de
liberdade e a filosofia da época.
O Brasil-Colônia passa ao largo desse processo e somente com a vinda da
família real, em 1808‚ realmente começa a se esboçarem os contornos de um
Estado, forçando a oligarquia dominante a pensar mais realisticamente nos pro-
blemas do país.
Todo o período compreendido entre a implantação da primeira escola – uma
escola jesuítica, na Bahia, em 1549 – e a chegada da família real portuguesa, em
1808, é marcado pelo predomínio absoluto do ensino de humanidades, salvo raras
iniciativas ou tentativas de introdução do ensino de ciências naturais.
Em Portugal, um país marcado pelo dogmatismo e estagnação, a ciência não
encontrava espaço para se desenvolver, sendo essa tendência exportada e agra-
vada para as suas colônias. Enquanto o resto da Europa se abria ao movimento
renascentista, iniciando um processo de superação do mercantilismo, Portugal e
Espanha se achavam presos à exploração depredadora de suas colônias. Ao con-
trário de novas tecnologias, a estratégia de lucros se baseava na mão de obra es-
crava e no controle total da produção e seus mecanismos, incluindo o necessário
isolamento econômico e cultural com outras metrópoles (AZEVEDO, 1951).
1 Graduada em Física – Licenciatura e Bacharelado, pela Universidade de São Paulo, Mestra em Física
– Ênfase em Ensino de Física, pela Universidade de São Paulo (1991), e Doutora em Física Nuclear, pela
Universidade de São Paulo (1998). Atualmente, é professora adjunta da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, Diretora da Faculdade de Física e Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Imagens
Médicas.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Segundo Azevedo (1971), "Nas suas linhas esquemáticas, a cultura colonial,


estratificada em fórmulas rígidas, mantinha um clima de todo desfavorável a
qualquer movimento de interesse pelas Ciências". E mais adiante:
Para dezenas de academias literárias que se sucederam na Colônia, não
se encontra até 1770 uma só academia de ciências: a primeira desse gênero, a
Academia Científica, que se fundou em 1771, no Rio de Janeiro, teve duração
efêmera (1771-1779), [...] não exerceu nenhuma influência na evolução do pen-
samento nacional.

No entanto, na França revolucionária, no final do século XVIII, começam a


ser criadas estruturas necessárias para a fundação de uma nova cultura técnica. A
École Polytechnique em Paris serviria de modelo para outras escolas de formação
tecnológica e também para a formação científica dos outros graus de ensino do
nascente sistema francês (NUNES, 2000).
Uma iniciativa de introdução de disciplinas de ciências no ensino brasileiro
foi conduzida pelo bispo D. Azeredo Coutinho, com a fundação do Seminário de
Olinda, em 1800, que introduziu cadeiras de física, química, mineralogia, botânica
e desenho (ALMEIDA JÚNIOR, 1979). Segundo Alves (2005), o Seminário de Olinda
privilegiava o ensino de uma filosofia natural, incentivando os alunos a observa-
ções, experimentações e estudos sobre a natureza e os princípios de funciona-
mento das máquinas.
O Seminário de Olinda permitiu a divulgação de conhecimentos científicos
no nordeste brasileiro, chegando a contribuir para a Revolução Pernambucana de
1817. Entretanto, esse período de divulgação dos princípios positivistas da cultura
científica encerrou-se com o sufocamento da Revolução Pernambucana e a retira-
da de D. Azeredo Coutinho para Portugal (ALMEIDA JÚNIOR, 1979).
No Brasil, a instalação da corte portuguesa provoca uma reorganização ge-
ral da estrutura administrativa e cultural do País. Criam-se a Imprensa Régia
(1808), a Biblioteca Pública (1810), o Jardim Botânico do Rio (1810) e o Museu
Nacional (1818), entre outros. Circulam os primeiros jornais e revistas, e inten-
sificam-se os contatos com outros povos, como a Inglaterra e a França, após a
queda de Napoleão Bonaparte.
Quanto ao campo educacional, o Governo, preocupado em formar a elite
dirigente do País, cria alguns cursos superiores: no Rio de Janeiro, a Academia
de Marinha (1808), os cursos de Anatomia e Cirurgia (1808), a Academia Real
Militar (1810), o curso de Agricultura (1814) e a Escola Real de Ciências, Artes
e Ofícios (1816); na Bahia, o curso de Cirurgia (1808), a cadeira de Economia
(1808), o curso de Agricultura (1812), o curso de Química (1817) e o curso de
Desenho Técnico (1817) (PILETTI, 1990).

208
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

Nesses primeiros estabelecimentos de ensino superior é que começariam a


ser lecionadas as ciências físicas, visando principalmente suas aplicações técnicas.
A Imprensa Régia publicaria os primeiros livros didáticos de física: em 1810, o "Tra-
tado Elementar de Physica", do Abbade Hauy; em 1812, o "Tratado Elementar de
Mechanica", de Francoeur, traduzido por José Saturnino da Costa Pereira; em 1813, o
"Tratado de Optica", de La Caille, traduzido por André Pinto (HALLEWELL, 1990).
Segundo Ribeiro (1951), a cadeira de física, como disciplina autônoma, só foi
criada em 1832 nos cursos médicos e nas academias militares em 1858.
Tem-se registro de que o primeiro laboratório de física e química organizado
no Brasil foi instalado no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 1823. Foi nesse
laboratório que se ministraram as primeiras aulas práticas de física e química dos
cursos médicos e das academias militares do Rio de Janeiro (RIBEIRO, 1951).
Até meados do século XIX, nas escolas secundárias do País, que recebiam no-
mes diferentes (liceus, colégios, ateneus, ginásios), o ensino limitava-se ao estudo
das línguas modernas mais usuais e línguas mortas. A física, a química e outras
ciências praticamente não eram ensinadas.
Em 1837 é criado no Rio de Janeiro o Colégio Pedro II, a primeira escola públi-
ca secundária, mantida pelo governo central, com a finalidade de constituir-se em
um modelo de ensino para os demais estabelecimentos.
No entanto, o ensino científico nos estudos secundários encontrava fortes
resistências no confronto com o ensino clássico humanista. Dos avanços e recuos
que os estudiosos do ensino secundário no Império apresentam, pode-se observar
que a estratégia era preparar uma mudança geral a partir de modificações intro-
duzidas no Colégio Pedro II. Essas alterações visavam enriquecer os currículos
secundários, de forma indireta, ou seja, pela ampliação de matérias científicas
exigidas nos exames preparatórios para as universidades.
Apesar do anúncio de uma nova orientação na política educacional, sob
a influência dos ideais da Revolução Francesa, que defendia o "desenvolvimen-
to do espírito científico", nos planos de estudos do Colégio Pedro II predomina-
vam os estudos literários e humanísticos. A presença das ciências era mais forte
na prática discursiva do que na prática pedagógica do próprio Colégio Pedro II.
A matemática e as ciências reunidas atingiam, na totalidade dos planos, um
percentual médio de 21,7%; mas se excluirmos a matemática, as ciências da
natureza, mesmo incluindo disciplinas como "Zoologia Filosófica", tinham uma
frequência inferior a 10% (CHAGAS, 1980).
Podemos observar o desprestígio das ciências no relatório de Justiniano José
da Rocha, apresentado em 1851, após uma inspeção nas escolas do município, en-
comendado pelo governo: "Também me pareceu que, em dano do estudo principal,

209
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

base indispensável da educação literária, o latim, são escusadamente desenvolvi-


dos os estudos matemáticos e científicos, que aliás pouco aproveitam os alunos
que os não compreendem e os repelem vencidos pela sua aridez" (LORENZ, 1982).
Com a proclamação da república, mudanças educacionais se fizeram neces-
sárias. Mesmo com as reformas, o Colégio Pedro II continuou sendo a instituição
de maior influência no sistema educacional brasileiro. Durante a Primeira Repú-
blica, o Colégio Pedro II assumiu diversas denominações: em 1889, Instituto Na-
cional de Educação Secundária; em 1890, Ginásio Nacional; e em 1911, voltando a
ser chamado de Colégio Pedro II (DIOGO, GOBARA, 2008).
As mudanças realizadas durante os primeiros anos de república possuem
influência dos adeptos da escola positivista, representados pelo ministro da ins-
trução, Benjamin Constant, responsável pela primeira reforma do ensino público
da República, em 1890 (ALMEIDA JÚNIOR, 1980). Esta reforma extinguiu os exames
preparatórios, tornou obrigatória a seriação dos estudos, tornando o Colégio Pedro
II o padrão do ensino secundário brasileiro, permitindo a equiparação de estabe-
lecimentos de ensino ao Colégio Pedro II, instituindo os exames de suficiência, os
exames finais e os de madureza, que habilitavam para o ingresso no ensino supe-
rior (DIOGO, GOBARA, 2008).
A influência dos positivistas pode ser mais bem percebida por dois pontos: na
reforma de 1890, pela inclusão do conteúdo das ciências fundamentais, de acordo
com a ordem lógica do positivismo, a saber, matemática, astronomia, física, quí-
mica, biologia e sociologia; e, na constituição de 1891, que determinou o ensino
laico nas escolas públicas (ALMEIDA JÚNIOR, 1980). Esses dois pontos representa-
ram progresso em relação aos períodos colonial e imperial, pois instituíam as dis-
ciplinas científicas como parte do currículo e afastavam, ao menos oficialmente, a
influência da Igreja na educação.

OS GABINETES DE FÍSICA
O primeiro registro do esforço de implantação de uma abordagem experi-
mental no ensino de ciências é observado no decreto de criação do Colégio Pedro
II: "Haverá no colégio gabinete de física, laboratório de química, uma coleção ele-
mentar de produtos dos três reinos..." (MOACYR, 1938).
Os gabinetes de física constituíam-se de uma série de máquinas e complica-
dos aparelhos prontos, destinados à manipulação exclusiva do professor ou ins-
trutor de laboratório, por meio de experimentos de demonstração. As instalações
do laboratório, no qual os equipamentos se encontravam, em geral, armazenados
em salas anexas a um grande anfiteatro, o que já se constituía por si um obstáculo
à participação do aluno no trabalho experimental.

210
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

Na realidade, não existe documentação escrita sobre o modo de utilização


de equipamentos experimentais no ensino de física no Brasil do final do século
XIX, mas a situação do ensino de modo geral no País era extremamente crítica,
principalmente no que se refere ao ensino das ciências. Um pequeno núme-
ro de escolas possuía algum material experimental; mesmo aquelas equipadas,
enfrentavam grandes dificuldades para encontrar professores que soubessem
manipulá-los adequadamente.
Mesmo na Europa, a fabricação de tais objetos era feita artesanalmente, por
algumas poucas empresas que supriam os laboratórios das universidades e aca-
demias científicas, nos quais tais equipamentos eram utilizados tanto para o en-
sino como para a pesquisa científica. Apenas as escolas secundárias com grandes
recursos financeiros conseguiam adquirir este tipo de material.
A primeira referência explícita da aquisição de materiais por parte do Go-
verno, para a utilização no ensino experimental de física do País, encontra-se no
Artigo 24 do Decreto nº 981, de 08/11/1890. O Governo Provisório da República, pre-
ocupado com o ensino e o preparo de professores, determina: "O governo manterá
na Capital Federal um estabelecimento de ensino sob o nome de "Pedagogium",
destinado a oferecer ao público e aos professores, em particular, os meios de ins-
trução profissional de que possam carecer, a exposição dos melhores métodos e do
material de ensino mais aperfeiçoado". Em abril de 1892, Meneses Vieira, diretor
do "Pedagogium", incluía, entre outros materiais existentes no estabelecimento,
um gabinete de física; em oito armários envidraçados acham-se classificados
e cuidadosamente conservados os instrumentos e aparelhos para as noções de
Mecânica, Gravitação, Hidrostática, Calor, Eletricidade, Magnetismo, Acústica e
Óptica. Objetos fabricados pelos Ch. Noé e A. Picart, fornecedores das escolas
normais e dos liceus da França (MOACYR, 1938).

O incentivo à utilização dos gabinetes de física é evidenciado na regulamen-


tação do ensino secundário de 1893, em São Paulo, na qual o Artigo 248 diz:
Para base dos trabalhos práticos, auxiliares do ensino nos ginásios, cada
um deles será provido de gabinete de física, laboratórios de química, coleções
de história natural, bibliotecas e todos os materiais que forem julgados neces-
sários pelas congregações para tal fim.2

No mesmo ano de 1893 são criados, em todas as escolas normais sob a res-
ponsabilidade do Estado, os cargos de "preparadores de física e química", preen-
chidos por alunos dos cursos superiores, nomeados pelo Governo. O Artigo 336
estabelece:
2
Leis e Regulamentos sobre Instrucção Publica – Typographia do Diario Official, São Paulo, 1893, p. 49-
71.

211
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Aos preparadores de física e química incumbe: Parágrafo 1o - Ter sob sua


guarda e vigilância, conservando na melhor ordem possível, todo o material
pertencente aos gabinetes e laboratórios, não consentindo na retirada de tais
objetos, salvo à requisição dos professores [...] Parágrafo 3º - Executar as expe-
riências que forem determinadas pelos professores, preparando os aparelhos e
os recursos necessários com a precisa antecedência.

Em São Paulo, no relatório apresentado pelo diretor da Escola Caetano de


Campos, em 1894, está documentada a chegada de material para o "Gabinete de
Physica", importado da França. Contando na época com um total de 254 aparelhos
de barologia, hidrostática e hidrodinâmica, pneumostática, acústica, óptica e ele-
trologia. O colégio Caetano de Campos, privilegiado em suas instalações, possuía
todo o material de física conservado em uma sala de aproximadamente 20 m2,
em grandes vitrines, em uma sala anexa ao anfiteatro, no qual eram realizadas as
demonstrações (Figura 1).

Figura 1. Reprodução da planta baixa do Colégio Caetano de Campos em 1895, na qual é


identificado o ambiente destinado à instalação do “Gabinete de Physica”, ao lado do Anfiteatro.
(Documento original na E. E. Caetano de Campos, São Paulo, SP).

Apesar de o Colégio Caetano de Campos representar uma exceção entre as


escolas secundárias brasileiras neste período, o tipo de equipamento encontrado
é característico do final do século XIX e início do século XX. Os mesmos tipos de
equipamentos, em condições variáveis de conservação, podem ser encontrados

212
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

ainda hoje em algumas escolas confessionais centenárias, como o Colégio Arqui-


diocesano de São Paulo, inaugurado em 1856, ou no Colégio Sevigné e Colégio
Rosário, em Porto Alegre, fundados em 1900 e 1904, respectivamente. A Figura 2
mostra uma máquina eletrostática de Ramsden, encontrada em uma escola con-
fessional, e o catálogo original do fabricante francês, Les Fils D’Emile Deyrolle
(1907), no qual aparece o mesmo modelo, seguido por uma descrição.

Figura 2. Página do catálogo do fabricante Les Fils D’Emile Deyrolle (1907), apresentando a
máquina eletrostática de Ramsden, armazenada em escola em Porto Alegre.3

Os equipamentos dos gabinetes de física brasileiros eram importados de em-


presas francesas, como Les Fils D’Emile Deyrolle, Radiguet & Massiot, ou alemãs,
como Max Kohl. O alto custo e a necessidade de preparo do professor e dos prepara-
dores de laboratório limitavam o acesso e uso destes instrumentos na maioria das
escolas do País. Mesmo assim, os grandes colégios particulares, ligados às congre-
gações religiosas europeias, e algumas escolas públicas privilegiadas, importavam
estes equipamentos para suas escolas, sempre resguardados por grandes vitrines de
vidro, como mostra a Figura 3, extraída de um catálogo da Max Kohl, de 1911.

3
Catalogue méthodique: Physique: instruments de précision, matériel de laboratoire: Cabinets de Phy-
sique et de Chimie: Aout 1907 / Les Fils d'Émile Deyrolle, 46 rue du Bac, Paris 7. - [S.l.: S.n.], 1907, 160 p.
Disponível em: <http://www.astropa.unipa.it/biblioteca/Strumenti/frameset.html>.

213
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Figura 3. Catálogo de fabricante de instrumentos de física, mostrando arranjo de


armazenamento.4

Em dezembro de 1896, através do Artigo no 2 da Lei 420, o "Pedagogium" é


extinto como instituição, tendo as suas coleções distribuídas pela Biblioteca Na-
cional, Escola Normal e Museu Nacional. Extinguia-se, assim, um dos poucos lo-
cais públicos nos quais professores e alunos podiam entrar em contato com os
equipamentos utilizados nos gabinetes de física.
A abordagem do ensino secundário de física pode ser inferida através da aná-
lise dos livros desta disciplina no Colégio D. Pedro II (LORENZ, 1982) no período im-
perial. A seguir estão listados os livros adotados para o ensino secundário de física:
– 1838 – Barruel, É. – "La physique, réduíte en tableaux raisonnés". – 1856 – Guerin,
R. T. (Guerin-Varry) – "Nouveaux eléments de chimie théorique et pratique à l'usage
des établissements de l'université, précédés des notions de physique nécessaires la
intelligence des phenoménes chimiques". – 1858 – Meirelles, Saturnino Soares de
– "Lições elementares de Physica". sd. – 1877 – Pouillet, C. M. – "Notions générales de
physique et de météorologie l'usage de la jeunesse". sd. – 1850 – Existem dúvidas so-
bre o autor e a obra, devido à falta de dados nas referências. – 1881 – Ganot, Adolphe
– "Traité élémentaire de physique expérimentale et appliquée et de météorologie".

4
Max Kohl, Physikalische Apparate, Germany, Chemnitz: 190-, p. 23. Disponível em: <http://www.sil.
si.edu/digitalcollections/trade-literature/scientific-instruments/files/51636/>.

214
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

– 1892 – Drion, A. e Fernet, É. – "Traité de physique élémentaire suivi de problemes".


Sd. – 1898 – Ganot, Adolphe – "Cours de physique purement expérimental, à l'usage
des personnes étrangeres aux connaissances mathématiques".
Para Wuo (2003), os livros didáticos de física utilizados no Brasil durante o
século XIX podem ser enquadrados em dois grupos: aqueles que abordavam o
corpo teórico-conceitual da física e o seu desenvolvimento, predominantes nos
livros da primeira metade do século XIX; e aqueles distanciados do corpo teórico-
conceitual da física e focados nas aplicações tecnológicas, predominantes a partir
da segunda metade do século XIX.
Dentre as características mais marcantes nos textos listados anteriormente
estão: a predominância dos textos de autores franceses; uma acentuada predomi-
nância da descrição de aparelhagens e instrumentos, assim como suas técnicas de
utilização; um reduzido formalismo matemático; e um pequeno número ou total
ausência de exercícios ou problemas.
Observa que tais livros possuem capítulos de tópicos de física aplicada, tais
como a meteorologia e hidráulica, e a existência de tópicos de física "moderna",
que traziam os recentes avanços da tecnologia e da técnica.
As descrições minuciosas de aparelhos de uso em meteorologia e atividades
industriais, tais como aerômetros, barômetros, manômetros, bombas hidráulicas,
máquinas a vapor e máquinas eletrostáticas, entre outras, eram predominantes.
No livro de Ganot (edição de 1872), no capítulo de eletricidade estática, são descri-
tas detalhadamente sete tipos de máquinas eletrostáticas, e as experiências que
poderiam ser realizadas com as mesmas. As descrições, eminentemente qualitati-
vas, praticamente não discutem os conceitos físicos envolvidos no funcionamento
dos equipamentos, detendo-se em requintes da técnica.
Desde a instituição do ensino secundário público no Brasil, em 1838, até o pe-
ríodo anterior a 1950, os livros didáticos utilizados no Brasil “refletiam o que havia
de melhor no pensamento europeu sobre o ensino de ciências” e “não só estabe-
leciam os conteúdos a serem ensinados como também influíam na metodologia
empregada pelos professores na sala de aula [...] e constituíam-se em traduções
ou adaptações dos mais populares manuais europeus de física, química e biologia”
(BARRA, LORENZ, 1986). A obediência cega aos livros adotados fazia com que, em
1856, nos programas de geologia, por exemplo, se estudassem as particularidades
do terreno parisiense e não o solo brasileiro (HAIDAR, 1972).
As poucas obras para o ensino de física em língua portuguesa eram forte-
mente influenciadas pelos autores franceses, ocorrendo inclusive a prática da
tradução resumida. O livro "Tratado de Physica Elementar" (1896), de Francisco
Ribeiro Nobre, utiliza as mesmas gravuras de Ganot (1872) e Drion (1880) dos equi-

215
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

pamentos e instrumentos existentes nos gabinetes de física.


O maior número de registros de importações de materiais de laboratório
para as escolas brasileiras encontra-se no início do século XX, acompanhando
uma tendência nas escolas europeias e norte-americanas, devido à exigência de
"habilidades experimentais" para o ingresso nas grandes universidades europeias,
principalmente nos cursos médicos. Este aumento deve-se a um projeto de lei de
1903 que tentou estabelecer a implantação de laboratórios para o ensino prático
das ciências naturais, para que uma instituição de ensino fosse reconhecida ofi-
cialmente (ALMEIDA JÚNIOR, 1980).
Entretanto, as reformas do ensino secundário não trouxeram resultados con-
cretos para a educação científica secundária, pois não foi colocada efetivamente
em prática na maioria das escolas. Almeida Júnior (1980, p. 59) destaca:
Todas as reformas do ensino secundário, no primeiro período republica-
no, mostraram grande hesitação além de absoluta falta de espírito de continui-
dade no estudo e nas soluções dos problemas fundamentais de organização
educacional, quando não ofereciam diretrizes e quadros esquemáticos exces-
sivamente rígidos que cerceavam a liberdade das escolas organizarem seus la-
boratórios e desenvolverem seus próprios métodos. A educação ilusoriamente
científica de inspiração comteana ficou longe de realizar uma legítima forma-
ção de cientistas por meio de profundos estudos das ciências exatas, sem detri-
mento da parte experimental.

Este panorama continuou praticamente estagnado até o início da década


de 20 do século XX. Essa década marca um período de grandes modificações eco-
nômicas, políticas e sociais do Brasil, destacando-se: a instalação do capitalismo
industrial; a transição entre o sistema econômico agrário-comercial e o urbano-
industrial; a urbanização das cidades; o surto de industrialização; a aceleração
do processo de divisão social do trabalho; e a retomada dos princípios do libera-
lismo (NAGLE, 1974).
É neste clima de entusiasmo que o ensino de conteúdos científicos foi enca-
rado como o “mais rico, vigoroso e atual padrão de ensino e cultura, o único capaz
de colocar a Nação à altura do século e dar bases sólidas ao desejado progresso
econômico do País” (NAGLE, 1974, p. 119).
As tentativas de reestruturação do ensino secundário não se concretizaram
no primeiro período da república, pois a escola ainda correspondia às necessida-
des e expectativas da sociedade a que servia, continuando a ser um instrumento
a serviço da elite agrária dominante (ALMEIDA JÚNIOR, 1980). Assim, ao fim da
Primeira República, o ensino de física ainda se mantinha fiel às características que
apresentava desde o período colonial.

216
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

O DECLÍNIO DA EXPERIMENTAÇÃO EM FÍSICA


A década de 30 do século XX é marcada pela ascensão do capitalismo ur-
bano e início do processo de consolidação capitalista industrial, com um grande
aumento da concentração populacional nas cidades.
Se antes apenas a camada de maior poder econômico tinha acesso à escola-
rização, a nova ordem social exige uma flexibilização deste paradigma educacio-
nal. Neste contexto de valorização e aumento da demanda pela educação, surgem
dois grupos, representantes de interesses opostos, que disputariam entre si os ru-
mos da educação entre 1930 e 1964 (ROMANELLI, 1987):
Os liberais ou renovadores, que defendiam a escola pública, gratuita e
obrigatória, o ensino público laico e a coeducação; sua ideologia está expressa
no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, e; os católicos ou conservadores,
que defendiam a manutenção da escola tradicional preparatória e da ordem
social, política e econômica da Primeira República.

O período situado entre 1930 e 1945 pode ser considerado como marcado
pela luta entre as influências das concepções humanista tradicional, representada
pelos católicos, e humanista moderna, representada pelos renovadores.
A Reforma Francisco Campos, entre 1931 e 1932, determina uma nova or-
ganização do ensino superior, secundário, comercial e da Universidade do Rio de
Janeiro (ROMANELLI, 1987).
O ensino secundário tem seu currículo seriado e passa a se constituir de dois
ciclos: o primeiro ciclo, ou fundamental, com duração de cinco anos, comum a to-
dos os estudantes, com o objetivo de preparar o homem para a vida em sociedade,
formando o cidadão como um todo; o segundo ciclo, ou complementar, com dura-
ção de dois anos, com o intuito de preparar o indivíduo para os exames de ingresso
nos cursos superiores, assumindo, assim, um caráter eminentemente propedêu-
tico. Nesta nova organização do ensino secundário, além do caráter propedêutico
e dualista, institui-se um currículo enciclopédico e um sistema avaliativo extre-
mamente rígido e massacrante. O aluno, ao fim do ano letivo, era submetido a
aproximadamente “80 arguições ou provas mensais, 40 provas parciais e 10 provas
finais, num total de 130 provas e exames” (ROMANELLI, 1987, p. 137).
Assim, o ensino da física volta-se unicamente à preparação para o exame
de admissão ao ensino superior, mantendo a obsolescência dos seus métodos de
ensino – superficial, generalista e expositivo (DIOGO e GOBARA, 2008).
Dois fatores adicionais concorrem para uma modificação da abordagem do en-
sino de física nas escolas secundárias: o início da formação de físicos para atuação
como professores no ensino secundário, pelas faculdades de Filosofia, em substitui-

217
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

ção aos engenheiros; e o desenvolvimento marcante da física teórica neste período.


A nova orientação no ensino de física abole as descrições de equipamen-
tos dos livros didáticos e institui o estudo através do formalismo matemático e
uma grande quantidade de exercícios numéricos. O ensino experimental somente
é mencionado no caso de aquisição de dados e comprovação de leis físicas.
Os livros didáticos de física passam a apresentar um conteúdo estruturado,
com a utilização de figuras geométricas e uma forte linguagem matemática. O
desenvolvimento algébrico tem como objetivo apresentar as fórmulas que envol-
vem o fenômeno físico, não abordando, em nenhum momento, uma relação com
outros contextos que sirvam de exemplo ou ilustração. Quando comparados aos
livros do século XIX, não apresentam as figuras e descrições de experimentos e
aparatos físicos (NICIOLI JÚNIOR, MATTOS, 2008).
Nos livros de física de dois autores brasileiros, Dias (1920) e Romano (1928),
pode-se observar a introdução de exercícios como parte da explicação dos con-
ceitos. Os exercícios são aplicações das fórmulas deduzidas no desenvolvimento
do conteúdo. Nicioli Júnior e Mattos (2008) destacam que esse modelo não é iden-
tificado em nenhum livro estrangeiro do mesmo período, sendo essas inclusões
exclusivas dos autores brasileiros.
A Lei Orgânica do Ensino Secundário (BRASIL, 1942), publicada por meio do
Decreto Lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942, reestrutura o ensino secundário, man-
tendo sua estrutura em dois ciclos, com as seguintes mudanças: o ciclo funda-
mental, ou ginasial, passa a ter quatro anos de duração; o ciclo complementar, ou
colegial, passa a ter três anos de duração. O sistema de avaliação exagerado e o
currículo enciclopédico mantêm a ênfase no ensino propedêutico, destinado aos
mais favorecidos economicamente (ALMEIDA JÚNIOR, 1980).
O ciclo colegial subdivide-se em dois cursos, o clássico e o científico, ambos
de caráter preparatório para os exames de admissão ao ensino superior. Cen-
trando a análise na disciplina de física no ciclo colegial, verifica-se que não havia
uma diferença substancial entre os dois cursos. No clássico, a disciplina de física
era abordada no segundo e terceiro anos, enquanto no científico, ela estava pre-
sente nos três anos.
No art. 17, Lei Orgânica do Ensino Secundário (BRASIL, 1942) estabelece que:
As disciplinas comuns aos cursos clássico e científico serão ensinadas de
acordo com um mesmo programa, salvo a matemática, a física, a química e a bio-
logia, cujos programas terão maior amplitude no curso científico do que no curso
clássico, e a filosofia, que terá neste mais amplo programa do que naquele.

Mesmo no curso científico, não havia referência à prática ou à experimenta-

218
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

ção na disciplina de física. Nos planos de desenvolvimento dos programas míni-


mos de conteúdos e suas respectivas instruções metodológicas, instituídos através
da Portaria no 1.045, de 14/12/1951, observa-se, em relação ao ensino experimen-
tal, a seguinte instrução:
Todas as vezes que o curso comportar a presença dos alunos no gabinete
de física em horas extracurriculares ser-lhes-á facultado o uso de aparelhos, bem
como a execução dos seguintes trabalhos: Primeira Série: a) práticas com o Ver-
nier retilíneo e curvilíneo; b) práticas com o paquímetro, pálmer, para uso micro-
métrico e esferômetro; c) medidas de comprimento e espessuras; d) medidas de
áreas por pesagens; e) medidas de volumes dos sólidos; f) medidas de ângulos; g)
medida de capacidade de um vaso por pesagem; h) densidade de sólidos e líqui-
dos; i) práticas com a prensa hidráulica; j) práticas com o barômetro.
Segunda Série: a) determinação da altura de um som; b) medidas de tem-
peraturas; c) verificação dos pontos fixos de um termômetro; d) determinação
do calor específico de um sólido; e) estabelecimento do gráfico de uma fusão;
f) medida do estado higrométrico do ar. Terceira série: a) determinação da dis-
tância focal de um espelho esférico côncavo; b) determinação de um índice de
refração; c) distância focal de uma lente; d) revelação e impressão fotográfica;
e) prática com o microscópio; f) prática com o espectroscópio; g) comparação
de intensidades luminosas; h) prática com a bússola; i) montagem e associação
de pilhas; j) medida de uma resistência elétrica.

Nas recomendações para execução do programa, expedidas na mesma Por-


taria de 1951, os seguintes pontos são destacados:
Na execução do programa de física é aconselhável observar: a) que o es-
tudo das ciências físicas é baseado no método experimental; b) que sendo a
experiência fundamental, o método deve ser praticado todas as vezes que o
assunto da aula comportar; c) que o professor para proceder a experiências
não é indispensável possuir o gabinete; é suficiente ter os aparelhos fundamen-
tais [...] material esse que deve existir obrigatoriamente nos estabelecimentos
que ministrem o curso colegial, nada impedindo que alguns deles possam ser
confeccionados por mestres ou alunos [...]; [...] o) que o método experimental
se completa com os exercícios práticos, pelo que há necessidade de reservar
uma hora por semana, no mínimo, para os alunos se empregarem, em número
reduzido, de acordo com as condições do laboratório, aos trabalhos práticos de
física; p) que nesses trabalhos práticos devem ser preferidos por serem mais
educativos, os que tratam das investigações das leis e das propriedades gerais
dos fenômenos aos que visam à determinação de constantes físicas, que de-
vem, no entanto, na 3a série do Curso Científico, ser considerados, tendo em
vista a exigência dos vestibulares; [...].

A comparação entre as recomendações e a lista de experiências de labo-


ratório em cada série mostra uma grande incoerência. A quase totalidade das ex-

219
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

periências se referia a medidas de grandezas físicas, que levariam o aluno, quando


muito, ao domínio das técnicas de medição ou à confirmação de algumas leis, mas
não ao entendimento de conceitos físicos envolvidos nos fenômenos. A colocação
do laboratório em "horas extracurriculares", fatalmente levava o professor a não o
utilizar continuamente e sistematicamente.
Os cursos de física, em sua maioria, seguiam esta nova tendência, apresen-
tada nos livros didáticos, tais como Freitas (1948) e Marciano (1946): apresentação
de fenômenos, leis, hipóteses, definições e propriedades gerais da matéria; ênfase
na formulação matemática, resolução de exercícios; inexistência de referências a
situações do cotidiano do aluno; atividades experimentais voltadas à determina-
ção de constantes físicas e domínio de técnicas de medição.
O colégio Caetano de Campos, em 1946, transfere para um "museu" os ob-
jetos "antigos" da escola, entre os quais os equipamentos do gabinete de física. A
sala de ciências passa a ser dominada por modelos de animais e partes do cor-
po humano. Em relatório de 1946, a planta do laboratório do Colégio Caetano de
Campos mostra uma sala de aula para 50 alunos, com uma pequena sala anexa
destinada às preparações.
Em 1946 surge o IBECC (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura),
apontado por pesquisadores (NARDI, 2005; MOREIRA, 2000; KRASILCHIK, 2000)
como um dos marcos importantes na constituição da área de pesquisa em ensi-
no de ciências, ao implantar diversos projetos de ensino no País. O IBECC toma a
liderança e começa a produzir materiais didáticos para o ensino de ciências, além
de implantar projetos tais como feiras de ciências, clubes de ciências e museus,
incentivo a pesquisas e treinamento de professores. Em 1952 surgem os primeiros
kits de química para o ensino médio, produzidos pelo IBECC. Em 1955 desenvol-
ve-se um projeto de iniciação científica para a criação de kits de física, química e
biologia, que seriam dirigidos aos cursos primários e secundários, com o apoio da
Fundação Rockefeller e do Ministério da Educação.
Na década de 60, o ensino de ciência é profundamente afetado por acon-
tecimentos internacionais, entre os quais o sucesso do lançamento do primeiro
satélite artificial Sputnik pelos russos. Preocupados com a aparente superioridade
dos soviéticos, organizações internacionais realizaram encontros que discutiram
a necessidade de melhorar o ensino de ciências, de forma a diminuir a defasagem
do domínio científico-tecnológico, evidenciada pela conquista do espaço.
Esse investimento deu início a grandes projetos de inovação curricular no
ensino de física nas décadas de 60, tais como: o projeto Nuffield, na Inglaterra; e o
projeto do Physical Science Study Commitee (PSSC) nos EUA.
Entre esses projetos, o PSSC alcançou a maior repercussão no Brasil, che-

220
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

gando a ter uma versão traduzida para o português. Ao longo da década de 60 e


70, pesquisadores brasileiros desenvolveram projetos nacionais para o ensino de
física, entre os quais destacam-se o FAI (Física Autoinstrutiva), pelo Grupo de Es-
tudos em Tecnologia de Ensino de Física (Getef), o PEF (Projeto de Ensino de Física)
pelo Instituto de Física da USP e o PBEF (Projeto Brasileiro de Ensino de Física) pela
Fundação Brasileira de Educação e Cultura (Funbec).
Todos esses projetos buscavam a incorporação de atividades experimentais
desenvolvidas pelos próprios alunos, e a substituição dos métodos expositivos de
aula por métodos mais participativos. A mudança do referencial de ensino, cen-
trada no livro didático, passaria a ser o ensino por projetos, vinculando o processo
intelectual à investigação científica e incorporando o método científico no desen-
volvimento da disciplina de física.
Essas propostas, entretanto, não se revelaram de implementação simples,
encontrando muitos obstáculos, tais como a existência dos programas oficiais, o
reduzido número de aulas de física, a falta de preparação dos cursos de formação
de professores, a falta de recursos, o sucateamento dos laboratórios, a forte influ-
ência dos livros didáticos, e o despreparo prático-experimental dos professores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante todo o período analisado, de 1808 a meados da década de 60, di-
versos fatores determinaram a abordagem do ensino de física e a importância
dada ao uso da experimentação. Observa-se que o ensino de física é fortemente
influenciado pelo contexto econômico, social e político do País. Esta retrospectiva
revela que o ensino de física enfrentou dificuldades relacionadas às condições de
cada momento histórico, destacando-se, no período entre 1808 e o início da déca-
da de 20, o predomínio do ensino de humanidades, a forte influência dos exames
de admissão ao ensino superior, o ensino expositivo, baseado na memorização,
o número insuficiente de aulas e a excessiva dependência dos livros didáticos. O
uso da experimentação nesse período, apoiado em gabinetes de física, era desti-
nado à manipulação exclusiva do professor ou instrutor de laboratório, por meio
de experimentos de demonstração. Os equipamentos se encontravam, em geral,
armazenados em salas anexas a um grande anfiteatro, o que já se constituía em
uma dificuldade para a participação do aluno na atividade experimental.
Em um movimento que atingiu não somente a física, mas também outras
disciplinas, a partir da década de 30, o formalismo matemático é introduzido com
grande força no ensino, com a introdução de exercícios numéricos e de aplicação
de fórmulas nos livros didáticos. O ensino da física volta-se unicamente à prepa-
ração para o exame de admissão ao ensino superior. O ensino experimental perde

221
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

o pequeno espaço conquistado nas escolas com maiores recursos, sendo relegado
a uma atividade extracurricular, somente utilizado no caso de aquisição de dados
e comprovação de leis físicas.
Assim, esta análise leva à conclusão de que o ensino de física vem sendo
sistematicamente prejudicado pelas reformas educacionais implementadas pelos
governos. Atualmente, entre os problemas apresentados anteriormente, apenas o
predomínio do ensino de humanidades teve sua influência amenizada em função
da emergência de uma sociedade eminentemente tecnológica.
Todos esses fatores, no entanto, não impossibilitaram o surgimento de um
movimento em busca da superação do quadro precário em que se encontrava o
ensino de física, capitaneado por pesquisadores em ensino de física, que culmi-
nou com a realização do primeiro Simpósio Nacional de Ensino de Física (SNEF),
realizado em 1970. Esse primeiro evento possibilitou a criação de um espaço de
discussão e divulgação de pesquisas, relatos e propostas de experiências no ensino
de física, que permanece até hoje. Por meio da aproximação entre os pesquisado-
res em ensino de física nas universidades e os professores que atuam na realidade
escolar espera-se superar a lacuna existente entre as pesquisas acadêmicas e a
sala de aula de física nas escolas secundárias. Acreditamos que apenas o trabalho
integrado entre a academia e a escola, particularmente na formação inicial de
professores, permitirá superar essa distância e promoverá a efetiva melhoria do
ensino de física.

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223
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

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224
ENSINO DE FÍSICA – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Carmo Heinemann1

O ENSINO DE FÍSICA
Atribui-se a George Bernard Shaw a afirmativa de que o homem razoável
adapta-se ao mundo e o homem não razoável adapta o mundo a si. Assim, todo o
progresso se deve aos homens não razoáveis...
Se fôssemos classificar os problemas de nosso País, certamente a questão
educacional estaria incluída entre as mais graves e, certamente, figuraria como
a raiz de muitos dos demais problemas atualmente citados (e não citados). Se o
analfabetismo aparece sempre como aquele aspecto mais conspícuo, é evidente,
também, que todo o sistema educacional brasileiro, do nível mais elementar até
os cursos de pós-graduação, encontra-se com evidentes falhas, seja no aspecto
quantitativo (número de vagas), seja no aspecto qualitativo.
O ensino no nível médio, em particular, sofre de vários problemas... a começar
pela sua própria vocação. Quais seriam os objetivos do ensino no nível médio?
A formação do indivíduo no seu aspecto mais amplo, qual seja, o do desen-
volvimento de suas dimensões humanas, deveria ser colocada como a finalidade
do ensino do nível fundamental e médio, acrescido da educação formal. Entre-
tanto, o caráter pragmático de nossa sociedade, aliado aos outros problemas, tem
falhado na execução deste propósito.
O que dizer a respeito do ensino de ciências, em particular, o de física? Come-
cemos pelo número de físicos formados pelas escolas superiores do Brasil. Com-
parado com outras profissões, verifica-se que é extremamente pequeno. Assim, a
maioria das aulas de física, nos cursos de nível médio, é ministrada por pessoas/
profissionais advindos de outras áreas: matemática, biologia, economia, engenha-
rias, veterinária, medicina etc... Esses profissionais de outras áreas, por sua vez,
assumem as aulas, na maioria dos casos, para complementarem os seus salários,
seja de profissionais da indústria e do comércio, como, também, do já sofrido salá-
rio de professor de outras matérias.

1
Graduado em Ciências – Licenciatura Curta, Matemática – Licenciatura Plena e Física – Licenciatura
Plena, pela UNISINOS, Especialista em Energia e Meio Ambiente, pela UFRGS, Mestre em Engenharia Me-
talúrgica, pela UFRGS. Coordenador do Curso de Licenciatura em Física da Universidade do Vale do Rio
dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo, RS.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Acrescentam-se, aí, outros aspectos sérios: o salário do professor de nível


médio, muitas vezes, é bem inferior ao de uma bolsa de pós-graduação de mestra-
do ou doutorado. A disponibilidade dessas bolsas de pós-graduação, nos últimos
anos, desviou muitos talentos do magistério, incorporando estes físicos de boa
formação nos projetos de pesquisa das universidades e outros setores. Há que se
mencionar, ainda, a par desta situação preocupante que, muitas vezes, as próprias
instituições que formam físicos não possuem todos os recursos de tempo (por se
tratar de ensino noturno) ou de recursos materiais (principalmente laboratórios)
para fornecer uma formação adequada ao futuro mestre.
Como mencionado anteriormente, os problemas começam já pelo profes-
sor, prosseguem pelo salário, esbarram com a falta de definição de propósitos e,
seguramente, prosseguem numa sequência cruel.
As consequências são mais do que conhecidas: professores, muitas vezes
com sérias deficiências na formação, são convocados para ministrar um número
elevado de aulas, em escolas mal equipadas em termos de laboratório, sem pes-
soal técnico de apoio, com bibliotecas reduzidas (quando existem!) e carentes de
recursos audiovisuais.
Na tentativa desesperada de se desincumbir de sua tarefa, o professor se
propõe a motivar aqueles alunos que possuem perspectiva de ingresso no nível
superior e passa a orientar as suas aulas. Essa orientação concentra-se, muitas
vezes, no ato de decorar “fórmulas matemáticas” para “resolver os problemas
de física”. O aspecto do método científico, a visão da física como uma forma de
se interpretar o mundo, a relação das leis físicas com os fatos do dia a dia de-
saparecem. A física se tornou uma “ferramenta” para resolver “problemas que
aparecem no vestibular”.
O aluno sai do nível médio com uma séria deficiência em sua cultura: perdeu
a oportunidade de travar conhecimento com um dos mais importantes campos do
conhecimento humano. É até possível que ele entre numa faculdade/universida-
de, faça um curso superior, mas sempre verá a física com noção distorcida. Os de-
mais alunos, que constituem a maioria, e que encerram sua jornada educacional
no nível médio, que noções de física levarão para o seu dia a dia?
A ciência vem evoluindo com velocidade crescente. O número de informa-
ções disponíveis aumenta exponencialmente com o tempo. Mais rapidamente
cresce a aplicação da ciência e de seu impacto na vida diária, tornando cada vez
maior o problema do ensino básico de ciências aos jovens. Este grave problema foi
relegado ao homem de ciências até bem recentemente. O ensino de ciências, tanto
no nível fundamental como no nível médio e, com o tempo, até nos cursos supe-

226
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

riores, nem sempre foi entregue aos profissionais mais capacitados. “Educadores”
infiltraram-se (ou foram infiltrados!) no ensino de ciências e, nada conhecendo de
ciências, de sua evolução e estrutura, tornaram este ensino o mais eficiente méto-
do de limitar a evolução cultural e técnica de um povo.

O QUE É FÍSICA?
A física é a ciência fundamental da natureza. A física nos conta o que a hu-
manidade já aprendeu deste mundo, como os homens descobriram o que conhe-
cemos e como e o quê ainda está sendo descoberto nos dias de hoje.
Quando um clarão de um relâmpago corta a escuridão, os seus olhos ficam
ofuscados por alguns segundos. Passado um intervalo de tempo, ouve-se o es-
trondo do trovão e uma vidraça solta estremece. Numa estação meteorológica, a
milhares de quilômetros de distância, um sensor pode acusar o relâmpago. Um
meteorologista, ao analisar e conjugar diversos dados atmosféricos (temperatura,
umidade do ar, pressão atmosférica, direção e velocidade do vento etc.), ao ouvir
o estrondo distante fica satisfeito pelo acerto que fez na previsão e no alerta que
emitiu referente à chegada de uma tempestade.
Eis uma sequência de fenômenos, de acontecimentos diversos, ocorrendo em
locais e instantes diferentes, mas que estão todos encadeados. A questão é: como
eles estão interligados e, mais especificamente, como eles ativam a vista, o ouvido,
os sensores/medidores e alteram a própria atmosfera?
Os homens, antigamente, temiam a “doença do Sol”, situação em que o Sol
desaparecia e a Terra escurecia. Após compreender o movimento complexo da
Lua em torno da Terra, pode-se prever a ocorrência de eclipses com maior preci-
são do que as condições do tempo de um dia para outro. A Lua gira em torno da
Terra desde muito antes do primeiro dinossauro aparecer na mesma. Atualmente,
o homem consegue colocar satélites em órbita, como se fossem minúsculas luas e
utiliza estes satélites para uma infinidade de aplicações.
A física possibilita a obtenção de respostas para uma grande variedade de
questões. Ela permite a capacidade de prever, de planejar, de compreender e de
se aventurar. Novas coisas são produzidas, e novos conhecimentos são gerados a
partir do que se aprendeu na física. Com as respostas da física, novas perguntas
são formuladas, perpetuando a evolução do conhecimento científico e o desen-
volvimento tecnológico.
A partir da construção do telescópio astronômico por Galileu e da descoberta
das luas de Júpiter, surgiram questões como a tentativa de explicações dos movi-
mentos complexos de corpos celestes. Isso desencadeou um grande desenvolvimen-
to de um ramo matemático especial denominado mecânica. O novo conhecimento

227
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

de mecânica levou a um melhor planejamento e construção de máquinas. Vê-se,


pois, que sem o telescópio a mecânica teria tido um desenvolvimento mais lento.
Posteriormente, com o início do entendimento do átomo, bombas de alto
vácuo foram desenvolvidas e possibilitaram a realização de novas experiências,
desembocando na energia atômica.
Atualmente, o foco é o estudo das propriedades das nanopartículas e o de-
senvolvimento das nanotecnologias.
Assim, a ciência vai evoluindo e se desenvolvendo. É como um grande edifício
em construção. Não uma estrutura terminada. Não é algo que alguém (o aluno)
somente deve visitar, levado por um guia (o professor). Deve, sim, incorporar este
“fazer ciência” em sua vida. Ainda que algumas estruturas estejam satisfatoria-
mente concluídas e sejam úteis e belas, outras ainda estão em fase de execução e
outras mais estão a recém sendo planejadas. É função do ser humano completar
estruturas já iniciadas, iniciar novas estruturas e descartar outras não mais sufi-
cientemente seguras para novas ampliações.
Este é o arcabouço da física. Estudar física significa conhecer os sólidos ali-
cerces (que permanecem inalterados) do conhecimento científico e sobre os quais
continuam ocorrendo mudanças. É ver a planta do edifício, conhecer o que os
construtores fizeram e observar partes nas quais ainda estão trabalhando e ficar
alerta nos pontos em que o projeto ainda está incompleto.
E o que, em última análise, um físico faz? Um físico pode planejar e realizar
experiências. Neste caso, ele é chamado físico experimental. Por outro lado, se é
perito no emprego da matemática para resolver problemas de física, então é cha-
mado físico teórico. No trabalho, geralmente os físicos trabalham em equipe, junto
com engenheiros e técnicos. Na equipe, são os físicos que determinam quais os
objetivos a serem atingidos. Os engenheiros concentram seu interesse no projeto
e manejo dos instrumentos, das máquinas ou dos processos. O físico está mais
interessado no que ele pode descobrir com o emprego desses dispositivos.

A FÍSICA EM OUTRAS ÁREAS: ENGENHARIA, POR EXEMPLO


A tecnologia, isto é, o conjunto integral de recursos e equipamentos que o
homem criou para a melhoria da condição de vida no planeta, tem sua base na
ciência. Todas as ciências contribuem para a tecnologia e, a física, por certo, mui-
to frequentemente. Depois que os físicos compreendem e aprendem a controlar
um determinado tipo de fenômeno, ondas de rádio, por exemplo, surge um novo
grupo de especialistas cuja função é tornar útil e proveitosa a nova aquisição. A
engenharia de rádio e a eletrônica surgiram deste modo, como um ramo especial
da física e, atualmente, são estudadas com mais afinco e por um número maior de

228
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

especialistas do que a própria física. Isso se repetiu várias vezes em outras áreas
do conhecimento: na eletricidade, na aviação, na hidrodinâmica etc. Mais recen-
temente, a liberação da energia nuclear, criação da física no século vinte, tornou-
se uma importante e fascinante atividade técnica, especializada e independente,
chamada engenharia nuclear.
Esse é o caminho da física. A física dá origem a outras ciências e a suas
proveitosas aplicações, denominadas tecnologias. Essas ciências, tal como filhas
agradecidas, retribuem, com frequência, dando à física novos materiais, novos
instrumentos e novas ideias. Muitos dos equipamentos desenvolvidos tornam-se
indispensáveis para novos avanços na física. Tanto a pesquisa moderna como a in-
dústria da televisão são subordinadas à eletrônica que, por sua vez, é descendente
direta do que há um século pareciam fenômenos obscuros e sem importância nos
laboratórios de física.

POR QUE SE FAZEM EXPERIÊNCIAS EM FÍSICA?


O principal objetivo da ciência: descrever, com precisão, o comportamento dos
sistemas naturais, bem como os mecanismos que governam tal comportamento.
Processo de investigação científica: inicia com a observação de um fenômeno
natural, isto é, de um evento que ocorre com um sistema físico.
Exemplo: balanço de um pêndulo. Ao observá-lo, tem-se a impressão de
que as oscilações se completam em intervalos de tempo regulares. Para não es-
tabelecer um juízo definitivo baseado numa única observação, pode-se medir,
com um cronômetro, o tempo de oscilação várias vezes, até ter certeza da vera-
cidade do julgamento.
Observação: para que uma observação desencadeie a reação de prosseguir
uma pesquisa científica do fenômeno observado, pelo menos duas condições
são necessárias: a) o observador deve ter espírito científico; b) aquilo que foi
observado deve se relacionar com algum pensamento, sentimento, dúvida ou
necessidade do observador.
Nem sempre uma observação desencadeia uma pesquisa científica. Artistas
plásticos e poetas retratam a natureza através de imagens e versos, e a grande
maioria observa os fenômenos com tamanha naturalidade que não chega a esbo-
çar qualquer reação.
Ao final da experiência do pêndulo, conclui-se que o período de oscilação
é uma característica do mesmo, e ao qual é possível, inclusive, associar um
número (e uma unidade). Completam-se, assim, os procedimentos e a medida
do período do pêndulo.

229
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Primeira finalidade da experiência: medir uma grandeza, ou seja, associar


um número a uma das propriedades de um determinado sistema físico.
A investigação certamente não para por aí. Questões a serem formuladas:
a) todos os pêndulos têm o mesmo período? b) qual é a influência do compri-
mento? c) e da massa? d) e do ângulo que o fio forma com a vertical (seu deslo-
camento lateral)?
Para responder tais perguntas, o pesquisador deve ampliar suas observações
e, para tal, deve construir pêndulos análogos, no laboratório, de modo a poder al-
terar os valores dessas grandezas.
Segunda finalidade da experiência: obter leis empíricas (que são relações de
dependência ou independência) entre as grandezas envolvidas no fenômeno, que
servem para descrever, com precisão, o seu desenvolvimento.
LEIS:
- O período de um pêndulo não depende da amplitude de oscilação;
- O período de um pêndulo não depende da sua massa;
- O período de um pêndulo é diretamente proporcional à raiz quadrada de
seu comprimento.
Importância da matemática: permite expressar as relações entre grandezas
físicas através de equações ou fórmulas. A matemática é a única linguagem ca-
paz de expressar quantitativamente e suficientemente precisa as relações entre
grandezas físicas.
EQUAÇÃO: T = 2(L/g)1/2
Para entender melhor o funcionamento do sistema, este será interpretado em
termos do conhecimento já existente. Assim, para deslocar o pêndulo da sua posi-
ção de equilíbrio foi realizado trabalho e houve aumento na energia potencial. Li-
berando o pêndulo, a energia potencial gravitacional será transformada em energia
cinética. Por inércia ele passa pela posição de equilíbrio e o processo se repete numa
sequência de conversões de energia cinética em potencial e vice-versa.
Assim, resulta um modelo para descrever o funcionamento do pêndulo.
Deve-se confrontar o valor de “g” com valores obtidos em outras diferentes
experiências.
Terceira finalidade da experiência: necessidade de confrontar as previsões
teóricas feitas a respeito de determinado sistema físico com o seu comportamento
real. Na verdade, a concordância com resultados experimentais é um critério irre-
corrível para a aceitação ou rejeição de uma teoria, no todo ou em parte.
Outras tendências:
- Os pêndulos reais não oscilam indefinidamente. Qual é a razão?
- Como são as oscilações amortecidas dos pêndulos?

230
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

- Como compensar o amortecimento em pêndulos reais?


- Quais são as aplicações tecnológicas dos pêndulos?

UM LABORATÓRIO DE FÍSICA E INSTRUMENTAÇÃO


Há consenso entre todos aqueles que se preocupam com a educação em re-
lação à má qualidade de ensino nas escolas brasileiras, especialmente as escolas
públicas. Muito se tem discutido e ouvido a respeito do sucateamento das institui-
ções de ensino do Estado e da falta de uma política que privilegie o ensino básico
no Brasil. Poucas soluções têm sido propostas com vistas a sanar as dificuldades
existentes, a não ser o eterno e raramente atendido pedido de aumento de verbas,
apregoado de forma não muito objetiva. Obviamente que há falta de verbas. Mas
será que apenas o incremento de recursos materiais resolveria o problema?
Quem sabe, também, a procura de novos métodos de ensino, com mínimos
recursos materiais, desenvolvidos por pessoal capacitado, não seria uma alterna-
tiva a ser tentada?
E as perspectivas futuras que o aluno possui constituem motivação para o
estudo? A garantia da democratização do acesso ao ensino não basta. Além da
qualidade que este ensino deve ter, deve ser frequentado por alunos dispostos
a aprender.
Outro aspecto de nossa realidade, em que certamente há unanimidade, é a
existência do chamado “jeitinho brasileiro”, hoje mais vinculado à afamada lei de
Gerson, de levar vantagem em tudo, do que às soluções encontradas pelo povo
para sobreviver com as mínimas condições de saúde, educação e moradia, presen-
tes no dia a dia de grande parte da população brasileira.
Será que esse famoso jeitinho não poderia ser usado para tentar melhorar as
condições de vida e, mais especificamente, as condições de ensino nas escolas?
No curso de licenciatura em física da Unisinos, os alunos são incentivados a
tentar soluções alternativas baseadas no jeitinho brasileiro para, a partir da ima-
ginação, criatividade e inovação, criar e desenvolver experimentos simples para o
ensino de física no nível médio.
Acredita-se que o manuseio de aparelhos simples, desenvolvidos com mate-
riais que fazem parte do dia a dia do aluno, facilita a introdução de alguns con-
ceitos básicos de física, especialmente por permitir a visualização dos fenômenos
que, se tratados somente de forma teórica, tornam-se relativamente abstratos e
irreais. Os recursos, se disponíveis, em termos de simulações computacionais, fil-
magens de experimentos etc. complementariam este contato inicial.
Paulo Freire, em sua conhecida proposta de alfabetização, mostra a impor-
tância de um aprendizado a partir da realidade vivida pelo aluno, isto é, a criança

231
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

deve ser ensinada a partir de seu meio ambiente.


Cabe assinalar que trabalhar em uma escola com equipamentos sofisticados
– na suposição de sua existência numa escola menos privilegiada como as da rede
pública – é tirar o aluno da sua realidade, mostrando-lhe um mundo fantasioso do
qual ele não participa, não diz respeito às suas vivências. Normalmente, são ma-
teriais que precisam de muito cuidado e habilidade para serem manuseados, pois
podem estragar/danificar, e a reposição ou conserto, pelo custo, torna-se inviável
para a escola. Dessa forma, quando utilizados, transformam o professor em mero
demonstrador, e o aluno permanece em seu papel coadjuvante.
Faz-se, então, necessário um trabalho com o licenciado, ao longo de todo
o curso e mais especificamente em algumas disciplinas focadas nesta visão, da
importância da presença do experimento como parte inseparável do conteúdo de
física e que, futuramente, irá desenvolver com seus alunos.
O despertar da curiosidade e do espírito de investigação de uma criança é,
talvez, o caminho correto, mas certamente não o mais curto, para se atingir a ex-
celência científica e tecnológica. No entanto, o despertar do interesse científico em
uma criança não pode estar desvinculado de sua realidade. Este despertar pode
ocorrer sem que a criança se dê conta de que está estudando. O aluno, dessa for-
ma, não recebe a formação para ser um pesquisador no futuro, mas sim vivencia
a pesquisa desde o início, enquanto estuda ciências.

UM EXEMPLO DE EXPERIMENTO FEITO COM MATERIAL SIMPLES


TÍTULO: Índice de Refração do Vidro.
OBJETIVO: Determinar o índice de refração do vidro em relação ao ar.
MATERIAL: uma folha de papel (sem pauta), uma chapa de isopor (do tama-
nho da folha de papel, no mínimo), um lápis, uma régua milimetrada, alfinetes,
bloco de vidro e fita adesiva.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: Ao estudar a refração da luz você deve ter
aprendido que um feixe de luz, propagando-se no ar, ao incidir obliquamente num
bloco de vidro ou na superfície da água, propagar-se-á nesses meios numa direção
diferente da direção incidente.
Assim, a luz se refrata ao passar do ar para o vidro ou do vidro para o ar por-
que sua velocidade de propagação, nos dois meios, é diferente. O índice de refração
do vidro em relação ao ar é dado por:

232
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

PROCEDIMENTOS:
1. Fixe a folha de papel sobre a placa de isopor. Deite o bloco de vidro sobre
a folha de papel e, com o lápis, trace seus limites. Enfie dois alfinetes em A e B,
conforme mostrado na figura.
2. Olhe através do bloco, do lado oposto aos alfinetes. Alinhe a régua com as
imagens dos dois alfinetes e trace a linha DF. Observe que, aparentemente, os pon-
tos A, B, D e F estão sobre a mesma linha reta, vista através do bloco de vidro.
3. Trace, agora, paralelamente a AB, a linha A’C’ e enfie alfinetes em A’ e C’.
Alinhe novamente a régua, no outro lado do bloco de vidro, com as imagens dos
dois alfinetes e trace a linha E’F’, conforme mostrado na Figura 1.
4. Remova o bloco de vidro. Trace as linhas BD e C’E’. Esses são os caminhos
da luz no interior do bloco de vidro, provenientes dos alfinetes colocados em AB e
A’C’, respectivamente.
5. Trace BB’ perpendicular a A’C’ e CC’ perpendicular a BD. O segmento B’C’ é
a distância que a luz se propaga no ar no mesmo intervalo de tempo em que ela
se propaga, no vidro, o correspondente ao segmento BC.
6. Meça as distâncias B’C’ e BC e anote-as.
7. Calcule o índice de refração do vidro em relação ao ar a partir da expressão
acima, onde

Resulta, portanto:

233
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Figura 1. Montagem do experimento para medição do índice de refração.

REFERÊNCIAS
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1996.

BLACKWOOD, O.H. et al. Física na Escola Secundária. Rio de Janeiro, Companhia Editora
Nacional, 1958.

PHYSICAL SCIENCE STUDY COMMITTEE. Física. 2a ed. São Paulo: EDART, 1966.

234
A IMPORTÂNCIA DAS EXPERIÊNCIAS DOCENTES DESDE
O INÍCIO DA LICENCIATURA DA ÁREA CIENTÍFICA PARA UMA
FORMAÇÃO QUALIFICADA DE PROFESSORES

Maurivan Güntzel Ramos1

O presente texto trata da relação teoria-prática na formação de pro-


fessores da área científica (biologia, física, química e matemática),
com destaque para o exercício da prática docente na realidade escolar desde os
semestres iniciais do curso. Neste texto pretende-se apresentar algumas respos-
tas à questão: Como a vivência do ambiente escolar, planejando, executando e
avaliando aulas de disciplinas científicas, desde os semestres iniciais do curso de
licenciatura, contribuem para uma formação qualificada de professores?
Para responder a essa questão, foram coletados dados teóricos, mas princi-
palmente, dados da vivência de muitos anos na orientação de estágios. Também
contribuíram para o texto depoimentos de licenciandos de química coletados ao
longo dessa trajetória.
Os resultados da análise dos depoimentos de licenciandos contribuem para
a apresentação de argumentos em prol da tese de que a experiência pedagógica
concreta no ambiente escolar e na sala de aula real é relevante para a formação
inicial do professor, quando é realizada desde os primeiros níveis do curso.

CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
Integra a matriz curricular do curso de Licenciatura em Química da PUCRS,
desde 1999 as disciplinas de Tutoramento em Prática de Ensino I, II, III e IV e Está-
gio Supervisionado, bem como as disciplinas de Projetos de Ensino de Química e

1
Graduado em Química – Licenciatura Plena e Bacharelado, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, Mestre em Educação, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Doutor em Educa-
ção, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente, é professor titular da PUCRS,
atuando no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática e na Licenciatura em
Química, na Faculdade de Química da PUCRS.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Metodologia de Ensino de Química. Essas disciplinas de caráter pedagógico são vin-


culadas à Faculdade de Química e foram criadas como solução para atender às exi-
gências da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) e dos
demais documentos legais do Conselho Nacional de Educação sobre esse tema.
As disciplinas de Tutoramento em Prática de Ensino têm o caráter de estágio,
pois ocorrem no campo real de trabalho, que é o ambiente escolar, com a orientação
dos docentes da Universidade em diálogo com os demais colegas licenciandos.
Para complementar essa formação, a disciplina denominada de Estágio Su-
pervisionado faz uma síntese desse processo, consistindo em regência de classe,
durante um semestre letivo.
O conceito de “tutoramento”, que perpassa as várias disciplinas de formação
em Educação Química, pode ser definido como “o processo de aprender com o outro,
numa relação de reciprocidade, no espaço/tempo da escola e da Universidade” (RA-
MOS, MORAES, 2006, p. 7). Esse processo envolve saberes relacionados: à formação
profissional (saberes profissionais), associados aos conhecimentos docentes adqui-
ridos durante o curso de licenciatura; à área específica ou disciplina (saberes disci-
plinares) de Química, que emergem da tradição cultural e da comunidade científica
dessa ciência; ao currículo (saberes curriculares), associado à organização do ensino
(objetivos, conteúdos, métodos), concretizando-se sob a forma de programas esco-
lares, os quais os professores aprendem planejar e a colocar em ação; experiência
docente cotidiana (saberes experienciais), associada à prática docente, aos hábitos
de cada professor e ao conhecimento de seu meio (TARDIF, 2006).
Portanto, o ensino nas disciplinas de formação pedagógica da Faculdade de
Química são realizadas com base na ação-reflexão-ação (SCHÖN, 1983, 1992), for-
temente vinculadas ao contexto e à realidade escolar. Com isso, busca-se superar
a racionalidade técnica em favor de uma racionalidade prática e crítica.
Além disso, as disciplinas de formação pedagógica mencionadas têm entre
seus pressupostos teóricos o educar pela pesquisa (DEMO, 1998; MORAES, GALIA-
ZZI, RAMOS, 2004), que se apoia no questionamento, na reconstrução da argu-
mentação e em processos de comunicação para divulgação e validação dos conhe-
cimentos reconstruídos, tendo como pano de fundo a abordagem sociocultural da
aprendizagem e do desenvolvimento humano (VYGOTSKY, 1996; WERTSCH, 1998,
1999; WELLS, 2001; SCHNEUWLY, BRONCKART, 2008).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa tem natureza qualitativa, pois, de acordo com Flick (2004, p. 28),
“é orientada para a análise de casos concretos em sua particularidade temporal e
local, partindo das expressões e atividades das pessoas em seus contextos locais”.

236
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

Participaram da investigação dezessete alunos do curso de Licenciatura em Quí-


mica da PUCRS, os quais responderam a um questionário, contendo o seguinte
questionamento: 1. Você concorda que é importante para o futuro professor pla-
nejar, executar aulas e refletir sobre os resultados logo no início do curso? 2. Se
afirmativo, apresente três argumentos para sustentar a sua resposta, incluindo
fatos ou exemplos de sua experiência adquirida, principalmente, nas disciplinas
de Tutoramento de Prática de Ensino. 3. Se negativo, apresente três argumentos
para sustentar a sua resposta, incluindo fatos ou exemplos de sua experiência.
Após a reunião dos dados em um único arquivo, com a devida codificação,
procedeu-se à Análise Textual Discursiva (MORAES, GALIAZZI, 2007). Esse proces-
so constituiu-se dos seguintes passos: desconstrução dos textos em unidades de
significado; análise de cada unidade, escrevendo sobre ela, com destaque, uma
frase que expressasse o seu significado; reunião das unidades em grupos de signi-
ficado similar, que os autores (ibid) denominam de categorias iniciais, originando
16 dessas categorias; reunião dessas categorias, por temas semelhantes, originan-
do três categorias finais. Com base nessas categorias foi redigido o texto de modo
interpretativo, em diálogo com autores que contribuíram para a compreensão do
conteúdo e do discurso explícito e implícito no corpus de análise, bem como para a
construção de respostas à questão de pesquisa.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS


Pelas respostas à pergunta sobre a importância, para a formação do pro-
fessor, de planejar, executar aulas e refletir sobre os resultados, desde o início do
curso, todos os sujeitos concordam explicitamente com essa tese.
A análise dos argumentos dos sujeitos, em relação à afirmação anterior, origi-
nou três categorias finais: o estágio desde o início do curso como oportunidade de
reflexão; a importância do contato com a realidade escolar desde o início do curso;
implicações do estágio desde o início do curso na constituição do “ser professor”.
A seguir, são detalhadas as categorias encontradas. Os enunciados dos sujei-
tos são apresentados em itálico para diferenciar das citações de autores.

OS ESTÁGIOS DESDE O INÍCIO DO CURSO


COMO MOMENTOS DE REFLEXÃO
Em relação a essa categoria, os sujeitos de pesquisa manifestam-se sobre a
reflexão que os estágios oportunizam, dando destaque ao diálogo com os orienta-
dores, ao espaço para relatar as experiências de estágio, a possibilidade de exercer
a crítica, a importância e a necessidade da autoavaliação e da reflexão para qua-
lificar a prática docente.

237
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Essas evidências estão de acordo com o que tem sido mencionado por vários
autores que tratam da formação de professores. A reflexão é ação fundamental de
transformação do profissional docente em professor pesquisador, conforme Zei-
chner e Pereira (2003) e Stenhouse, Rudduck e Hopkins (1987). O professor torna-
se profissional diferenciado quando assume a reflexão e a crítica como base para
modificar e qualificar a sua prática docente de modo autônomo.
Assim, os licenciandos citam que é importante dialogar com os orientadores
sobre a experiência na escola, pois o diálogo com docentes mais experientes pode
contribuir para a reconstrução da concepção sobre ensino e aprendizagem, que
eles trazem de sua formação, tendo por base a prática na escola. Essa reconstru-
ção ocorre, principalmente, pela análise com o orientador sobre as dúvidas dos
licenciandos. São as dúvidas e questionamentos dos alunos estagiários que são
matéria-prima para o diálogo com o orientador.
Também é um importante objeto de análise e de diálogo os planos que os
licenciandos elaboram para as suas aulas. Analisar esses planos e devolvê-los aos
alunos com proposições e críticas gera subsídios para o diálogo, conforme indica o
sujeito A: “Realizar planejamentos com prévia correção antes da execução das au-
las, nos ajuda a perceber erros, corrigi-los e muitas vezes melhorá-los” (sujeito A).
No entanto, para poder dialogar com os orientadores é necessário ter argu-
mentos consistentes e relevantes, conforme refere o sujeito L: “Ter argumentos é
importante para concordar com o que é apresentado em sala de aula ou discordar
com o professor tutor de que não é daquela maneira, que isso, por exemplo, de-
pende atualmente em sala de aula, com as condições de cada escola” (sujeito L).
Os sujeitos também destacam que as disciplinas de Tutoramento em Prática
de Ensino são espaços para relatar as experiências vivenciadas nas escolas, que
servem de objeto de reflexão. O simples fato de poderem falar sobre as experiên-
cias possibilita encontrarem sentido no que fazem. Isso fica evidente nos enun-
ciados do sujeito F.
O espaço que temos para discutirmos nossas experiências nas escolas é mui-
to importante, pois às vezes outros colegas ou o professor pode nos auxiliar com
resolução de problemas ou melhorar nossa maneira de fazer a aula. Dessa for-
ma, ao falarmos, vamos simultaneamente refletindo e também analisando com o
grande grupo o que poderia ter sido diferente ou melhorado (sujeito F).
Para que ocorra a tomada de consciência sobre o papel do professor durante
essa etapa inicial da formação em química, é importante esse espaço no qual os
licenciandos podem exercer a crítica, pois é por meio da crítica que os futuros
professores podem questionar a própria prática, identificando “como agir, qual o
caminho a ser seguido, que postura ter perante situações atípicas em sala de aula

238
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

etc.” (sujeito I). É nessa situação de questionamento que podem analisar “se o mé-
todo proposto é realmente o adequado para aquele tipo de conteúdo, por exemplo”
(sujeito I). Além disso, “discursos existentes precisam ser dissolvidos e desconstru-
ídos para poderem emergir novos” (MORAES, GOMES, 2006, p. 211).
Contribuem também, para a análise da própria prática, as observações, que
fazem das aulas dos professores, principalmente na disciplina de Tutoramento
em Prática de Ensino I, o primeiro contato com a sala de aula e com a escola. So-
bre isso, afirma o sujeito M que “é nessa situação que podemos perceber com um
olhar mais crítico como nós pretendemos lecionar, o que devemos e não devemos
fazer em sala de aula” (sujeito M).
Quando ingressa na sala de aula nas primeiras vezes e, quiçá isso ocorra
sempre, é importante fazer uma autoavaliação do que foi realizado para qualificar
essa prática. Sobre isso, o sujeito J afirma que “há a necessidade de se avaliarem as
aulas para poder aprimorá-las e torná-las menos monótonas, buscando metodo-
logias e recursos para alcançar o objetivo maior que é o aprendizado” (sujeito J).
Em relação a isso, para Demo (1998, p. 48), “saber avaliar-se, teorizando cons-
tantemente sua prática e assumindo-se como orientação instigadora do desempe-
nho criativo do aluno” é iniciativa indispensável para combater o fracasso escolar.
Portanto, refletir sobre a ação pedagógica é necessário quando o objetivo é
o aperfeiçoamento, principalmente, dos licenciandos que iniciam a sua trajetória
rumo a constituição do “ser professor”. É necessário que o futuro professor comece
a pensar o que fazer, por exemplo, quando os alunos não mostrarem interesse.
Como questiona Arroyo (2007, p. 56), “o desinteresse dos alunos por nossa docên-
cia não questiona nossa docência?”
A reflexão após a aula contribui para rever a prática pedagógica. Dos dezes-
sete sujeitos, onze referiram algo diretamente sobre a importância da reflexão
para a qualificação das aulas. Apontam que essa qualificação se dá pela “oportu-
nidade de rever a prática pedagógica” (sujeito B) e “pela possibilidade de melhorar
o plano para as próximas aulas” (sujeito C).
Outro aspecto que é referido pelos sujeitos, é o fato de terem bastante tempo
para a reflexão na escola, com a possibilidade de compartilhar com os colegas e
professores orientadores, os quais ajudam na formação. No entanto, observam
que os professores das escolas têm pouco tempo para essa reflexão, como refere
o sujeito B, quando afirma: “Acredito fielmente na importância do planejamento
e da reflexão pós-aula, mas também tenho observado que os professores não têm
tempo para fazer esta reflexão final. Muitas vezes pelo fato de darem aulas em
vários lugares” (sujeito B).

239
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

A reflexão também conduz à consciência da incompletude e é exatamente a


consciência desse inacabamento que torna o ser humano educável (FREIRE, 2001).
Por isso, é importante que os licenciandos entendam que, por mais que busquem
fazer bem uma aula, “este é o momento de errar” (sujeito I).
Para Schön (1983), o professor precisa analisar, problematizar e refletir so-
bre a sua prática para que obtenha suas próprias teorias e com isso venha a
qualificar sua prática. Em outras palavras, é importante realizar pesquisa a par-
tir do conhecimento tácito, que está apoiado nas ações de sua própria prática. A
reconstrução desse conhecimento profissional é que contribuirá para a transfor-
mação da prática e do sujeito.
Para tanto, conforme afirmam Zeichner e Pereira (2003), Tardif (2007) e Za-
balza (2004), é importante que o professor reflita sobre a sua prática, realizando
pesquisa. Para Tardif (2005, p. 14), o saber dos professores é um processo em
construção ao longo da carreira profissional, “na qual o professor aprende pro-
gressivamente a dominar seu ambiente de trabalho, ao mesmo tempo em que
se insere nele e interioriza por meio de regras que se tornam parte integrante de
sua ‘consciência prática’”.
Desse modo, se esse processo iniciar durante o curso de formação inicial,
desde os primeiros níveis, é muito provável que os futuros professores assumam
essa atitude questionadora e crítica, passando a transformar e a qualificar a sala
de aula. Sobre isso, é importante lembrar o que afirma Cury (citado por BRASIL,
2005, p. 13), que “a formação inicial é a pedra de toque e o momento em que se dá
efetivamente a profissionalização”.

A IMPORTÂNCIA DO CONTATO COM A


SALA DE AULA DESDE O INÍCIO DO CURSO
Nesta categoria é destacada a importância, para o processo formativo do
professor, de conhecer cedo a realidade escolar para conviver com os professores
e criar vínculos com a escola, de mostrar a necessidade de planejar o ensino para
uma situação concreta e real de sala de aula, o que pode ser base para a posterior
reflexão, bem como de compreender o que significa ser professor.
“É importante familiarizar-se com a organização de um plano de aula,
dos objetivos... Pois, quando entramos na faculdade, não temos noção do que
realmente está envolvido, de todo o trabalho que foi realizado para se preparar
uma aula” (sujeito H).
Dentre os sujeitos de pesquisa, oito mencionaram, de algum modo, como foi
importante iniciar cedo a prática na escola, para conhecer essa realidade.

240
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

A vivência da escola desde o início do curso permite perceber a realidade e


o ambiente da profissão escolhida, bem como conhecer pessoas importantes do
meio profissional. É uma oportunidade de entrar em contato com a profissão.
No entanto, não basta observar aulas. É necessário assumir todas as ta-
refas do professor. “Só observar não é o bastante, é necessário participar das
aulas como professor, assumir uma turma para poder sentir como é conduzir
uma aula” (sujeito O).
Um dos principais aspectos associados ao contato dos licenciandos com a
sala de aula foi a oportunidade de planejarem as aulas e submeterem os planos à
crítica do orientador. Onze dos dezessete sujeitos fizeram alguma referência sobre
a importância do planejamento para o sucesso da aula, o que também mostra
uma das características do curso. Destacam que planejar as atividades e subme-
ter ao orientador “ajuda a perceber erros, corrigi-los, e muitas vezes melhorá-los”
(sujeito A); “diminui o nervosismo e a possibilidade de erro, pois organiza as ideias
e consequentemente a aula” (sujeito C); “são essenciais nesta fase e compensam
a falta de experiência ‘prática’ do professor em início de carreira” (sujeito E). Isso
tem relação ao outro da aprendizagem e à zona de desenvolvimento proximal
(zdp), que, para Vygotsky (1984), é a distância entre o que o sujeito pode fazer por
si só e o que pode fazer com a ajuda e orientação adequada de um adulto ou de
colegas mais capacitados. Isso significa também que o que hoje alguém necessita
de ajuda para realizar, amanhã poderá fazer sozinho.
Em relação ao contato com ambiente escolar, os licenciandos destacam o
vínculo com a escola que vai se constituindo ao longo dos tutoramentos. Esse
vínculo parece contribuir para a qualidade do trabalho dos licenciandos, pois, na
medida em que frequentam o espaço escolar, tornam-se íntimos, reduzindo bar-
reiras na sua formação profissional. Por ser uma preocupação dos licenciandos
a construção deste vínculo, grande parte dos licenciandos, ao buscarem a escola
para a realização dos estágios, prioriza a própria escola na qual ocorreu a forma-
ção em nível fundamental e médio.
A reação ao iniciarem o trabalho nas escolas assemelha-se aos graduandos
de outros cursos, quando passam a se ver e, principalmente, quando passam a se-
rem vistos como profissionais em formação. “Quando vamos para uma escola, não
mais como alunos e sim como ‘professores’, é realmente gratificante (experiência
própria)” (sujeito N). Assim, o sentimento de um aluno ingressante, por exemplo,
no curso de Medicina, que coloca seu jaleco e circula pelo hospital é muito pró-
ximo de um licenciando que circula pela escola e começa a ser chamado pelos
alunos de professor.

241
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

Sobre a importância do estágio final para a formação do professor, dois li-


cenciandos sugeriram que tenham essa experiência durante dois semestres, pois
é momento de mais interação com a escola, com o professor e com os alunos.
Opinam também pela redução dos tutoramentos de quatro para três. Essa moda-
lidade será contemplada no novo currículo do curso.
A análise dessa categoria mostra, essencialmente, que os licenciandos valo-
rizam o contato com a realidade da escola e da sala de aula desde o início da sua
formação na licenciatura. Nesse contato, destaca-se, principalmente, a possibilida-
de que tiveram de planejar e executar as aulas. No entanto, embora as perguntas
possam ter levado a isso, evidencia-se uma relação com a escola, mais de adaptação
do que de transformação. Isso pode estar relacionado às crenças e certezas de que
refere Arroyo (2000). Das “certezas múltiplas que protegem nossas tranquilidades
profissionais” (ibid, p. 171). Isso conduz à reflexão sobre a necessidade de ampliar
nos cursos de formação de professores ações que contribuam para desenvolver a
ousadia para duvidar em prol de uma transformação da escola.

IMPLICAÇÕES DO ESTÁGIO DESDE CEDO


NA CONSTITUIÇÃO DO “SER PROFESSSOR”
Nesta categoria, são identificadas algumas consequências da experiência
pedagógica concreta desde o início do curso para a formação do professor, como
maior clareza sobre o perfil profissional, a motivação para o estudo e preparação
do futuro professor, a construção da segurança em atuar na sala de aula e para
ingressar no mercado profissional, a melhoria da comunicação dos sujeitos e o
amadurecimento profissional.
Um aspecto importante referido pelos sujeitos é que as vivências de sala
de aula desde o início do curso contribuem para uma tomada de decisão sobre a
própria profissão. Ajudam a decidir se ser professor é o caminho a seguir.
Auxilia àqueles alunos que ingressam no curso, ainda sem definir qual
o perfil profissional (químico industrial ou professor de Química) (sujeito E).
Quando dei minha primeira aula no tutoramento I, me senti realizada e, con-
forme foi indo no decorrer dos tutoramentos, fui decidindo cada vez mais que
era isso que queria para minha vida: ser educadora (sujeito F).

As oportunidades de atuar em sala de aula desde o início do curso também


possibilitam melhor preparação do professor, tanto em relação às questões pe-
dagógicas quanto em relação ao aprofundamento do conhecimento da área es-
pecífica. Neste sentido, uma das principais preocupações dos licenciandos é não
terem conhecimentos consolidados para dar respostas às perguntas dos alunos.
Também é citado que a experiência de sala de aula, pelo maior conhecimento que

242
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

gera, contribui para que o professor trabalhe com mais exemplos do cotidiano, o
que, em geral, é uma preocupação dos licenciandos.
Um aspecto bastante citado pelos licenciandos foi o desenvolvimento da se-
gurança durante os estágios nas disciplinas de Tutoramento e no próprio Estágio,
com mais segurança na realização da aula. Dos dezessete sujeitos, nove fizeram
alguma referência a esse aspecto. Nesse sentido, um dos aspectos que contribui
para essa segurança é colocar-se diante dos próprios medos e dificuldades e co-
nhecer a rotina da sala de aula. Isso contribui para que o licenciando adquira con-
fiança e autocontrole, reduza a sua timidez e desenvolva a capacidade de aceitar e
conviver com a crítica. Alguns depoimentos ilustram esse aspecto.
Esta aula me auxiliou e as demais também, pois com a experiência fui
perdendo esta minha insegurança, timidez e foi melhorando cada vez mais mi-
nha prática educativa (sujeito F). Nos coloca diante de medos, expectativas que
certamente no dia a dia da profissão se apresentarão (sujeito P). Iniciar as ativi-
dades em sala de aula no início do curso nos torna mais críticos, seguros, enfim,
desenvolve habilidades para lidar com o dia a dia de "ser professor" (sujeito M).

A segurança que os licenciandos vão adquirindo contribui para a afirmação


diante do mundo do trabalho.
Outro aspecto citado pelos licenciandos tem relação com a importância
das vivências de sala de aula para a melhoria da comunicação pessoal, pois apren-
dem a falar diante de muitas pessoas e a lidar com situações difíceis nessa rela-
ção, bem como a lidar com as próprias dificuldades.
Finalmente, os sujeitos da pesquisa afirmam a importância da prática
pedagógica desde o início do curso para o seu amadurecimento pessoal e profis-
sional. Isso pode ser exemplificado pelo enunciado do Sujeitos D:
A gente vai amadurecendo, perdendo o medo e formando o "ser profes-
sor" a cada trabalho que é amadurecido e aplicado através dos tutoramentos!
Acho extremamente importante e muito válido, pois hoje o que sou como "qua-
se" professora, dou graças as minhas experiências vividas nos tutoramentos
desde o 3° semestre (sujeito D).

Dentre as implicações apresentadas neste tópico, destaca-se a busca de se-


gurança e de certezas pelos licenciandos, a qual tem relação com o domínio do
conhecimento e com a capacidade de resolver problemas no cotidiano da sala de
aula. Os licenciandos têm como principal preocupação, em relação a essa catego-
ria responder às questões dos alunos, sem errar. De certo modo, isso vai na con-
tramão do que se discute atualmente em relação à ação docente. Portanto, há um
paradoxo, pois, de um lado, propugna-se a pesquisa na sala de aula (DEMO, 1998),
o que implica o professor não ter todas as respostas, pesquisar e aprender junto

243
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

com os alunos; de outro, os licenciandos não querem ficar mal diante dos alunos,
caso não saibam responder às suas perguntas. Isso tem a ver com as crenças e va-
lores. Essas “não se discutem, se praticam com fiel religiosidade” (ARROYO, 2000, p.
171). Como vamos educar para a incerteza, se não abrimos mão das certezas? Essa
é uma reflexão necessária nos cursos de formação de professores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente texto pretendeu apresentar algumas respostas à pergunta:
Como a prática de planejar, executar e avaliar aulas de química, no ambiente
escolar, desde os semestres iniciais do curso de licenciatura, é percebida por
licenciandos que vivenciaram essa experiência? Pretendeu fazê-lo com base em
depoimentos de quem teve essa vivência. Nessas respostas os sujeitos de pes-
quisa, alunos de um curso de formação de professores de química, mostram-se
satisfeitos com a experiência e com a consciência da importância de iniciar a
prática docente em escolas reais, com alunos reais. Os principais argumentos
para sustentar essa adesão são os seguintes: os estágios são oportunidades de
reflexão a partir do diálogo com os docentes que têm mais experiência, pois
são espaços para relatar as experiências vivenciadas nas escolas, onde se pode
exercer a crítica e proceder a autoavaliação sobre o que foi realizado; a reflexão
contribui para a melhoria do planejamento e da ação docente, bem como para
tomar consciência da incompletude, o que conduz à busca da melhoria e do
aperfeiçoamento; o contato com a realidade escolar e com a sala de aula con-
tribui para conhecer o significado do “ser professor” e para o sentir-se professor,
o que é estimulante para dar sequência ao curso; o exercício do planejamento
ao longo de vários semestres contribui para a organização interna, do sujeito, e
externa, da ação pedagógica; defrontar com problemas reais da escola e da sala
de aula contribui para que o sujeito aprenda modos de lidar com situações di-
fíceis; conhecer as situações problemáticas do ensino de química e as próprias
fragilidades estimula e encaminha para o estudo tanto dos temas específicos
dessa área quanto para o estudo das questões pedagógicas; atuar na sala de
aula, desde o início do curso, proporciona segurança ao futuro professor, pois são
reduzidos os medos de enfrentar as situações que emergem na prática docente
e de propor e experimentar situações novas e, por isso, conduz a um amadureci-
mento profissional, já durante curso de formação inicial do professor; é também
uma forma de mostrar ao licenciando se é essa a profissão que deseja seguir.
Essas evidências, que podem ser teses relacionadas à formação inicial de
professores, podem contribuir para o aperfeiçoamento dos cursos de formação de

244
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

professores de química, mas também das áreas de biologia, física e matemática,


pela semelhança dos processos de formação do professor.
Fica evidente, também, nos depoimentos dos licenciandos, a necessidade de
um porto seguro, o que, de certo modo, se contrapõe com o mundo de incertezas
que os futuros professores terão que enfrentar.
Finalizando, recomenda-se ampliar as pesquisas relacionadas a esse tema,
pois a prática dos licenciandos desde os primeiros níveis do curso é recente, prin-
cipalmente, a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases de 1996, necessi-
tando maior compreensão a partir das experiências emergentes.

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246
A FÍSICA COMO ELEMENTO DE
MOTIVAÇÃO PARA GOSTAR DE FÍSICA

Délcio Basso1
Maria do Carmo B. Lagreca2
Maria Eulália Pinto Tarragó3

A lgumas situações vividas nas escolas e universidades nos fazem


crer que as aulas de física não despertam o interesse dos alunos,
pelo menos não da maneira como nós professores gostaríamos. Ao olharmos tan-
to para a baixa procura por cursos de física como para os altos índices de evasão
nos cursos de física das universidades brasileiras, em comparação aos de outros
cursos, constatamos que algo desestimulante deve estar acontecendo com a físi-
ca. De fato, os motivos que levam os alunos a não se interessar pela física e, até
mesmo a evadirem, são os mais diversos, dentre eles a dificuldade de desenvolver
raciocínio lógico e a dificuldade em relacionar os conceitos físicos e a linguagem
matemática que os representam.
Como sabemos, a física é apresentada sempre por meio de duas linguagens:
a gramatical e a matemática. A primeira permite uma descrição qualitativa e
1
Graduado em Licenciatura Plena em Física, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(1966), Bacharel em Física, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1966), Mestre em
Engenharia Metalúrgica e de Materiais, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1980). Atualmen-
te, é professor titular na Faculdade de Física da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e
integrante do Grupo de Pesquisa em Ensino e Aprendizagem Conceitual em Física.
2
Mestra em Física, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1997), Graduação em Licenciatura em
Ciências, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1986), e Graduação em Licenciatura
em Ciências-Habilitação em Física, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1988).
Atualmente, é professora assistente da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e integrante
do Grupo de Pesquisa em Ensino e Aprendizagem Conceitual em Física.
3
Graduada em Física, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1983), Mestra em Física
Aplicada à Medicina e Biologia, pela Universidade de São Paulo (1994), Doutora em Física Aplicada à Me-
dicina e Biologia, pela Universidade de São Paulo (2003). Atualmente, é professora adjunta da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul e integrante do Grupo de Pesquisa em Ensino e Aprendizagem
Conceitual em Física.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

conceitual dos fenômenos; a segunda, a elaboração de modelos matemáticos que


permitem fazer previsões. O sucesso na apresentação da física para os alunos
do ensino médio reside na dosagem adequada destas duas linguagens. Devemos
enfatizar os aspectos qualitativos e conceituais, mostrando que os modelos mate-
máticos são realmente importantes, mas que eles podem, inicialmente, ser sim-
plificados e adequados ao conhecimento de matemática dos alunos. Empregar
demasiadamente modelos matemáticos, ainda que simplificados, passa para os
alunos a ideia de que a física é um amontoado de equações e que sua linguagem
é apenas “formulística”, fazendo com que a beleza advinda do entendimento dos
fenômenos se perca.
Nenhum cientista pensa com fórmulas. Antes que o físico comece a cal-
cular deve ter resolvido o raciocínio lógico. Esses últimos, na maioria dos casos,
podem ser expressos com simples palavras. Os cálculos e as fórmulas consti-
tuem o passo seguinte (Albert Einstein).

Não se pode esperar que um conjunto de equações, por exemplo, como as


que descrevem a queda livre, motivem o aluno, com pouco conhecimento mate-
mático, a perceber a beleza e os mistérios intrínsecos a esse fenômeno.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), é espe-
rado que o ensino de física, no ensino médio, permita ao aluno “a interpretação dos
fatos, fenômenos e processos naturais, situando e dimensionando a interação do
ser humano com a natureza como parte da própria natureza em transformação”.
O ensino de física com a apresentação de conceitos, leis e fórmulas, de forma de-
sarticulada, desconectado do mundo dos alunos e dos professores e, por isso, sem
significado, não desperta o interesse do aluno. Por isso destacamos que, quando a
abordagem de um fenômeno ocorre a partir da sua descrição qualitativa e concei-
tual, um modelo mental do mesmo pode ser construído com mais facilidade.
Não temos a pretensão de dar uma solução para a questão de como tornar a
física mais atrativa. Queremos aqui compartilhar algumas experiências de ensino
vivenciadas por nós, como docentes universitários de níveis iniciais, nos quais os
alunos apresentam problemática semelhante àquelas do ensino médio. Para tal,
faremos inicialmente algumas colocações que nos parecem procedentes e, após,
mostraremos alguns exemplos que podem ser abordados em determinados tópi-
cos, e que venham a servir de motivação para a aprendizagem da física.

A FÍSICA E A VISÃO DE MUNDO


Um dos aspectos fascinantes da física é o fato de ela tentar descrever uma
realidade. Outro aspecto é que ela própria, por ser ciência, ainda não está conclu-

248
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

ída e nunca será. A história tem mostrado que a percepção humana da realidade
muda junto com os paradigmas que a física utiliza na suas descrições. Por exemplo,
tanto para a física clássica como para a relativística, tempo e espaço são realidades
físicas: absolutas e imutáveis na visão clássica, mutáveis e interdependentes na
visão relativística. Quando este paradigma for substituído, a percepção humana da
realidade será modificada e certamente teremos uma visão mais abrangente dos
fenômenos, inclusive (e finalmente) entenderemos por que inércia e gravidade são
equivalentes, sem a necessidade de essa equivalência ser postulada.
Também é fascinante a contribuição decisiva da física para o entendimento
de nossa inter-relação com o que chamamos de universo. A observação do univer-
so, quer a olho nu ou com telescópio, acarretou mudanças nas concepções cosmo-
lógicas e nas físicas que lhes davam suporte. Por exemplo, a cosmologia e a física
aristotélicas acabaram sendo substituídas por uma cosmologia heliocêntrica.
Esta nova concepção cosmológica de colocar o Sol no centro e a Terra como
planeta gerou uma nova física, com as leis do movimento e a lei da gravitação,
a qual serviu de ponto de partida para o desenvolvimento de outras áreas da
física, como a termodinâmica e o eletromagnetismo. Estas, por sua vez, levaram
ao aperfeiçoamento das máquinas térmicas que propiciaram a Revolução Indus-
trial e o surgimento da era da eletricidade, que levou até a era das telecomuni-
cações e da telemática.
Devido ao fato de a ciência estar sempre em construção, provavelmente, es-
tamos na iminência de uma nova revolução advinda, novamente, da observação
do céu. Como se sabe, diversos fenômenos astronômicos só podem ser explicados
se admitirmos que uma parte significativa da massa do universo apresenta-se em
uma forma desconhecida para nós, e devido ao fato de não podermos detectá-la,
senão apenas por seus efeitos gravitacionais, é chamada matéria escura. Quando
este mistério for desvendado, uma nova física, com certeza, surgirá.
Qualquer mudança que venha a ocorrer na física deverá vencer o dogmatis-
mo atual, que pode ser exemplificado na última definição do metro. Lembramos
que a penúltima definição do metro (de acordo com a XI Conferência Geral de
Pesos e Medidas, ocorrida em 1960) era baseada no comprimento de onda da luz
emitida por um gás excitado por descarga elétrica. Tal definição caducou com o
surgimento da tecnologia do laser, na qual se empregam ressonadores ópticos
constituídos por espelhos (ou semiespelhos) que devem estar distanciados de um
número inteiro de comprimentos de onda da luz que será emitida. Viu-se aí uma
limitação: a definição do metro baseada num comprimento de onda comprometia
qualquer medida linear da ordem de comprimento de onda. No estado da arte

249
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

atual, os relógios são mais precisos do que as réguas mais precisas, que são os
interferômetros, que permitem medir frações de comprimentos de onda.
No intuito de apresentar uma definição mais precisa para o metro, os físicos
transformaram um princípio da Teoria da Relatividade em um dogma, pois na
XVII Conferência Geral de Pesos e Medidas, ocorrida em 1983, o metro foi definido
como a distância que uma onda eletromagnética percorre no vácuo, no tempo de
segundos, com a exata velocidade de 299792458m/s. A esse respeito, Basso (2005)
faz o seguinte comentário:
Quando consultamos uma tabela com as constantes fundamentais da fí-
sica encontramos os valores com suas respectivas incertezas. Para a velocidade
da luz no vácuo não há incerteza, pois seu valor é exato, uma vez que este é o
desejo dos físicos, respaldados pela Relatividade, que assim definiram o metro.
A natureza irá concordar com isso?

NO QUE OS FÍSICOS ACREDITAM?


A física nos mostra, com frequência, que a ciência parece contradizer o senso
comum e não estar relacionada com fatos aparentemente óbvios. Isso não deve
ser um dilema que frustre os nossos alunos, mas ao contrário, que lhes indique a
possibilidade da existência de algo além do que nossos olhos podem ver.
Uma experiência que a maioria dos alunos realiza no ensino fundamental
e que poderia ser melhor aproveitada, servindo inclusive para uma introdução ao
atomismo, é a de observar o germinar de um grão de feijão envolto em algodão
umedecido. A criança repõe a água no algodão e, após alguns dias, já pode notar
o surgimento de pequenas folhas na plantinha que está se desenvolvendo. Nesse
momento, poderia ser perguntado para a criança, como a água e o ar transfor-
mam-se em folha?
Isso ilustra o fato de que para fazer física é preciso, antes de tudo, estar
disposto a educar o olhar para ver, pois como diz Chalmers (1993): “[...] o que um
observador vê é afetado pelo seu conhecimento e experiência”.
Verifica-se de forma recorrente na história da ciência que os cientistas pro-
põem teses nas quais acreditam, sem muitas vezes poder prová-las, vindo a prova
um tempo depois (quando vem!). Foi o caso de Copérnico, quando propôs que era
a Terra que girava em torno do Sol, e não o contrário, como se supunha na época;
baseado apenas numa visão mística:
No meio de todos encontra-se o Sol. Ora quem haveria de colocar neste
templo, belo entre os mais belos, tal luzeiro em qualquer outro lugar melhor
do que aquele donde ele pode alumiar todas as coisas ao mesmo tempo? (CO-
PÉRNICO, 1566)

250
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

Posteriormente, Kepler, utilizando as atualizadas tabelas astronômicas de


Brahe, teve que abandonar seu também místico modelo dos sólidos pitagóricos,
que implicavam órbitas circunferenciais, e render-se à realidade expressa fria-
mente pelos dados das tabelas, que o levaram às órbitas elípticas e às leis que hoje
recebem seu nome.
No entanto, existem crenças que são comuns a todos os físicos. Por exemplo,
os físicos acreditam que existe uma realidade a ser descrita e que o universo é
regido por leis, às quais tentamos compreender.
“Os físicos também acreditam que a natureza pode ser compreendida e des-
crita quando examinada em níveis suficientemente simples. Isso justifica nossos
procedimentos quando fazemos física” (SMOLIN, 2004), então analisamos situa-
ções extremamente simplificadas que, obviamente, são idealizadas.
Concordamos, pela nossa vivência em sala de aula, que são as situações que
dão sentido ao conceito (BARAIS, VERGNAUD, 1990) e que um conceito torna-se
significativo por meio de uma variedade de situações. Portanto, cabe a nós, pro-
fessores, a utilização de situações potencialmente significativas. Apresentamos a
seguir um conjunto dessas situações que, acreditamos, podem exemplificar o que
queremos propor.

O QUE É MAIS DENSO, O AR SECO OU O AR ÚMIDO?


Gases e vapores, ou misturas desses, quando se encontram afastados de seus
pontos de liquefação, apresentam um comportamento comum que é descrito pela
equação geral dos gases (pV= nRT = NkT). Como consequência, nas mesmas con-
dições de pressão e temperatura, iguais volumes de gases e vapores, que seguem a
equação geral, apresentam a mesma quantidade de matéria e, portanto, o mesmo
número de partículas. Assim, quando uma molécula de água (18 u.m.a.) aparece
em um determinado volume de ar, outra molécula, de oxigênio (32 u.m.a.) ou de
nitrogênio (28 u.m.a.), deverá sair desse volume, fazendo com que a massa especí-
fica do ar (agora mais úmido) diminua. A atmosfera está longe de ser um sistema
homogêneo e encontra-se repleta de “bolhas” de ar úmido e mais aquecido que o
ar circundante; isso pode ser percebido nas turbulências que afetam os aviões. Na
medida em que o ar úmido e menos denso sobe para maiores altitudes, a redução
de sua temperatura faz com que o vapor condense em gotículas de água que ficam
em suspensão, originando as nuvens. Aqui se pode destacar que, efetivamente, o
que se enxerga são gotículas de água e não o vapor, que é constituído por molécu-
las isoladas e distantes umas das outras.
Como se percebe, a utilização de um modelo simplificado na descrição do
comportamento de gases e vapores pode possibilitar conclusões corretas.

251
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

O QUE TEM A VER O ANIQUILAMENTO DO PAR


MATÉRIA-ANTIMATÉRIA E O AFASTAMENTO DA LUA?
O sucesso das aplicações das leis de conservação nos dá uma confiança muito
grande, pois essas podem ser usadas tanto no micro como no macrocosmo. Den-
tre muitos fenômenos, a aplicação da conservação da quantidade de movimento
(linear e angular) permite descrever tanto o surgimento de dois fótons gama de
momentos simétricos, no aniquilamento de um par elétron-pósitron, como o afas-
tamento da Lua, na medida em que a Terra, devido à ação das forças de maré, tem
sua rotação reduzida. Dois fenômenos que, aparentemente, não teriam nada em
comum são descritos pela mesma lei.
O aniquilamento elétron-pósitron é uma síntese dos princípios de conserva-
ção que a física utiliza: a conservação da carga elétrica, da energia e da quantida-
de de movimento. Como se sabe, o fóton gama não tem carga elétrica e transporta
unicamente energia e quantidade de movimento. Isso parece contradizer a con-
servação da carga elétrica. No entanto, devemos lembrar que o elétron sozinho
não se autoaniquilaria, o que vale também para o pósitron. É necessário que ambos
constituam um sistema de carga inicial nula (+1,61,6)x1019C e que, após o ani-
quilamento, continuará nula.
Em função de seu tamanho desproporcional em relação ao tamanho da Ter-
ra, a Lua, nosso satélite natural, está mais para um planetoide. O raio médio da
Terra é de 6.371km e o centro de massa do sistema Terra-Lua fica a 4.661km do
centro da Terra.
Na realidade, é o centro de massa desse sistema que executa a elipse em
torno do Sol, enquanto os centros da Terra e da Lua ficam girando em torno desse
centro de massa, como numa valsa “observada” a distância pelo Astro Rei. Como
decorrência do movimento de rotação do centro da Terra em torno do centro de
massa do sistema Terra-Lua, aparecem em nosso planeta forças inerciais, as quais,
somadas às também desiguais forças gravitacionais que a Lua exerce nas diferen-
tes partes da Terra, constituem as forças de maré.
As deformações na Terra não se restringem às duas protuberâncias em opo-
sição que aparecem nos oceanos, a crosta terrestre e a atmosfera também se de-
formam. Na medida em que a Terra gira em torno de si mesma, vai acontecendo
o avanço das protuberâncias nas superfícies dos oceanos e a “conta” dessa movi-
mentação será “paga” pela energia cinética de rotação da Terra.
O aumento do período de rotação da Terra é da ordem de 1,5ms por século,
um aumento extremamente pequeno, mas que é facilmente detectado pelos re-
lógios atômicos. Realizando a observação de fósseis, os geólogos estimaram que

252
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

a cerca de quatro bilhões de anos a duração do dia na Terra recém-formada (a


idade da Terra é de 4,5x109 anos) era de apenas seis horas, a Lua estava aproxima-
damente na metade de sua distância atual, e as forças de maré deveriam originar
protuberâncias quase mil vezes mais altas que as atuais. A constatação de que a
Lua está se afastando da Terra pôde ser confirmada pela instalação na superfície
lunar de espelhos refletores, ao longo das missões Apolo 11, 14 e 15, que refletem
de volta para a Terra intensos pulsos de laser mandados daqui. Atualmente, o
afastamento da Lua é de 3,8cm por ano (COMINS, KAUFMANN III, 2010).
A diminuição da quantidade de movimento de rotação da Terra é compensa-
da pelo ganho dessa quantidade pela Lua, mantendo constante a quantidade de
movimento angular do sistema Terra-Lua.

POR QUE OS ASTRONAUTAS EXPERIMENTAM


A IMPONDERABILIDADE NUMA ESTAÇÃO ORBITAL?
Quando estamos de pé sobre um piso, ou sentados numa cadeira, podemos
perceber que nosso corpo está sendo deformado pelas forças desiguais que sobre
ele estão atuando: a força peso, de origem gravitacional, e as forças de reação
exercidas pelo piso e pelo assento da cadeira, que são de origem eletromagnética.
Quando apenas a força peso estiver atuando de forma igual em cada porção
que constitui nosso corpo, estaremos em queda livre num campo gravitacional
uniforme, ou que pode ser considerado como tal. Nessa situação, nosso corpo não
estará sendo deformado e a sensação que teremos será de imponderabilidade.
Um elevador despencando em queda livre, ou um avião em “mergulho” quase
vertical, podem proporcionar a seus passageiros, ainda que por breves momentos, a
sensação de estarem sem peso: a condição é que todos (elevador, avião e passagei-
ros) estejam movendo-se com a mesma aceleração proporcionada pela gravidade.
Os astronautas numa estação orbital terrestre, assim como a própria estação
orbital, são mantidos em órbita por uma força de mesma origem, gravitacional, e
por isso estão submetidos à mesma aceleração. Como consequência, é inevitável
a sensação de imponderabilidade: é como se a estação orbital e os astronautas
estivessem em permanente queda livre.
Como se sabe, muitos alunos erroneamente acreditam que essa imponde-
rabilidade deve-se a uma pequena aceleração da gravidade, g, onde os astronau-
tas se encontram. Sugere-se que eles mesmos calculem o valor de g no nível do
mar e na Estação Espacial Internacional (ISS – International Space Station), que
se encontra em órbita a uma altura média de aproximadamente 341km. Então, se
torna mais fácil derrubar este argumento, mostrando-se que na ISS a aceleração

253
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

da gravidade (8,85m/s2) não é muito diferente da que experimentamos ao nível do


mar (9,81m/s2), pois seu valor é apenas 11% menor do que aquele a que estamos
acostumados no dia a dia.

QUAL O VALOR DO PERÍODO DE ROTAÇÃO DA TERRA?


Usualmente, quando se pretende calcular a velocidade angular da Terra,
utiliza-se, para seu período de rotação, o valor de 86.400s (ou 24x60x60s), o que
origina uma velocidade angular de 7,2722x105rad/s; no entanto o valor do pe-
ríodo de rotação da Terra é de 86.164s, o que resulta numa velocidade angular
de 7,2921x105rad/s. A diferença entre esses valores de velocidade angular parece
pequena, uma vez que ambos levam a 7,3x105rad/s. Porém, se utilizarmos o valor
para a velocidade angular de 7,2722x105rad/s para posicionar, por exemplo, um
satélite estacionário terrestre, ele não ficará na órbita onde foi colocado.
Afinal, o que representam os valores 86.400s e 86.164s? Inicialmente, deve-
mos lembrar que, além de girar em torno de si mesma, a Terra também gira ao
redor do Sol. Na Figura 1, pode-se constatar que a Terra, após ter efetuado um nú-
mero inteiro de rotações em torno de si mesma, ainda deve girar mais um ângulo 
para deixar o Sol alinhado com a marca de referência. Meio ano após, na posição C,
os acréscimos angulares para deixar a marca alinhada com o Sol já somam 180.
Assim, quando a Terra tiver completado uma volta ao redor do Sol, em 365,2422
dias, terá efetuado em torno de si mesma uma volta a mais, totalizando 366,2422
voltas. Portanto, de um dia para outro, a Terra deve dar uma volta completa e mais
o ângulo de . Como consequência, no intervalo de tempo de 86.400s, a Terra gira
em torno de si mesma 360,98565. Assim, o tempo que a Terra leva para completar
uma volta (360º) em torno de si mesma é , que é seu período de rotação.

254
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

Figura 1. Representação, não em escala, da Terra em três posições na sua órbita ao redor
do Sol.

Como a órbita da Terra ao redor do Sol não é uma circunferência, mas


sim uma elipse de pequena excentricidade, sua velocidade orbital não é constan-
te, sendo máxima (30,2km/s) no periélio e mínima (29,3km/s) no afélio. Esse fato
implica que no periélio a Terra tenha que girar um pouco mais do que 360,98565º
de um dia para o outro, para deixar o Sol alinhado, e no afélio deve girar um pouco
menos do que aquele valor angular.
Pode-se concluir, então, que 360,98565º é o valor angular médio que a Terra
deve girar de um dia para o outro para deixar o Sol num mesmo plano de referência,
por exemplo, o plano que contém o meridiano do local. Quando o Sol está passando
pelo plano do meridiano local, ocorre o que chamamos de meio-dia solar e, nesse
instante, o Sol encontra-se no ângulo de altitude máxima. Concluindo, o tempo de
86.400s é o tempo médio (medido ao longo de um ano) entre duas passagens suces-
sivas do Sol pelo meridiano local. Por isso é chamado de dia solar médio.
O valor de um ano, então, pode ser calculado como 365,2422dias x 86400s/
dia = 366,2422voltas x 86164s / volta = 3,15569 x 107s. A medida do período de ro-

255
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

tação da Terra, 86.164s, pode ser feita utilizando-se como referência qualquer
outra estrela que não seja o Sol, por isso, este intervalo de tempo é também
chamado de período sideral.
Hiparco de Nicea (190-120 a.C.) foi um astrônomo e matemático grego
que, entre outras façanhas na instrumentação astronômica, conseguiu medir o
deslocamento extremamente lento dos equinócios, o qual atualmente atribui-se
ao movimento de precessão do eixo de rotação terrestre. Hiparco certamente co-
nhecia a discrepância entre o período sideral e o período solar médio, e poderia ter
utilizado a mesma como um contundente argumento para justificar a rotação da
Terra em torno do Sol. Não o fez, por que estava por demais impregnado pelo ge-
ocentrismo e, principalmente, pelo dogma do movimento circular uniforme (acre-
ditava-se, então, após uma decisiva “contribuição” de Platão para a astronomia,
que os movimentos dos planetas deveriam ser composições de perfeitos movi-
mentos circulares e uniformes). Nem mesmo Copérnico, que desencadeou o helio-
centrismo, valeu-se daquele argumento, preferindo uma justificativa mística para
colocar o Sol na região central e, ainda mais, acabou empregando uma quantidade
de movimentos circulares e uniformes maior do que havia utilizado Ptolomeu, na
sua grande síntese do geocentrismo.

REFERÊNCIAS
BARAIS, A.W.; VERGNAUD, G. Students' conceptions in physics and mathematics: biases
and helps. In CAVERNI, J.P.; FABRE, J.M.; GONZALEZ, M. (Eds.). Cognitive biases. North
Holland: Elsevier Science Publishers, 1990.

BASSO, D. O mito da Relatividade. Revista do Museu de Ciência e Tecnologia da PUCRS, Porto


Alegre, n.10, p. 3-14, out. 2005.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília:


MC/SEF, 1998.

CHALMERS, A.F. O que é Ciência, Afinal? São Paulo: Ed. Brasiliense (1993).

COMINS, N.F; KAUFMANN III, W.J. Descobrindo o Universo. Porto Alegre: ARTMED EDITORA
S.A., 2010.

COPÉRNICO, N. As Revoluções dos Orbes Celestes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian


(A edição utilizada foi a da 1566, Basiléia), 1566.

SMOLIN, L. A Vida do Cosmos. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2004.

256
ENSINAR E APRENDER

Vicente Hillebrand1

E stou envolvido com Educação, Ensino e Aprendizagem há 40 anos e,


durante esse tempo, tive o privilégio e oportunidades de participar de
muitos encontros educacionais e conviver com pessoas de alto nível nessas áreas
do conhecimento.
Certamente não há unanimidade de pensamento, e controvérsias podem cons-
tituir ricas oportunidades de crescimento e aprimoramento da ação educativa.
No texto a seguir, apresento reflexões sobre ensino, aprendizagem, métodos
e orientações para estudar e condições para aprender, motivação, sensibilidade e
atitudes do professor, dificuldades e recompensas na vida de um professor.

ENSINAR X APRENDER
Ensinar é ação de professor e aprender é um processo desenvolvido pelo es-
tudante. Há quem defenda ferrenhamente que se o aluno não aprendeu é porque
o professor não ensinou ou não ensinou corretamente. Não consigo concordar
com essa ideia, pois é possível aprender sem que haja ensino formal, e com frequ-
ência o aluno não aprende apesar de ter havido um bom ensino por parte do pro-
fessor. Pode-se aprender muitas coisas por iniciativa própria, pela observação de
fenômenos, por meio de leituras, buscas em sites da internet, e por muitas outras
maneiras, sem haver a intervenção direta de um professor. De nada servirá, no en-
tanto, uma brilhante ação do professor se o aluno não fizer sua parte: ESTUDAR!
Muitos alunos não sabem como estudar ou tentam sem um método e uma
determinada disciplina comportamental. Neste sentido, é importante que o pro-
fessor oriente seus alunos para o estudo. Costumo fazer isso dizendo-lhes:
Se vocês desejam aprender, lembrem-se que:
1 - Conhecimento não se transmite; constrói-se. Pode-se transmitir informa-
1 Professor de física da Faculdade de Física da PUCRS. Professor do magistério público estadual. Mestre e
doutor em Educação.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

ções. Essas precisam ser processadas pelo indivíduo que deseja aprender. Apren-
der é um processo interior e não ocorre de fora para dentro. Portanto, não esperem
por seu professor; ele não pode “transmitir” o conhecimento que ele já construiu
processando as informações que obteve de alguma forma. O professor, os colegas,
os livros, a internet, o meio... podem auxiliar no processamento das informações
que chegam a vocês de alguma forma.
2 - Vocês são os principais responsáveis por sua aprendizagem. Se vocês não
fizerem sua parte no processo, de nada adiantará que o professor faça a parte dele,
por mais brilhante que seja.
3 - Não basta “assistir às aulas”. Fora do ambiente da aula vocês precisam reto-
mar os conteúdos abordados em aula, relendo suas anotações e realizando leituras
complementares em livros (disponíveis na biblioteca) ou em sites disponíveis na in-
ternet (há inúmeros... – basta utilizar os sites de busca). Se possível, façam isso com
algum colega interessado e tentem explicar a ele o que entenderam.
4 - É altamente recomendável ler a respeito dos conteúdos ANTES de serem
abordados pelo professor. Isso facilita a compreensão por ocasião da explicação
do professor na sala de aula. Se nunca fizeram isso, experimentem fazê-lo pelo
menos uma vez para sentirem a diferença na compreensão dos conteúdos.
5 - Vocês não podem restringir-se a um único autor. Estudem o mesmo as-
sunto em diversos autores. O que vocês não entenderam em determinado autor,
podem entender em outro, pelo simples fato de esse usar outra linguagem ao
explicar o mesmo tema.
6 - É imprescindível que vocês prestem o máximo de atenção às explicações
do professor em aula. Durante a explicação do professor, vocês não devem dar
nem pedir explicações ao seu colega, pois dessa forma, vocês e ele (e mais outros
colegas...) perderão a explicação do professor. A discussão com colegas é impor-
tantíssima, mas não ao mesmo tempo em que ocorre a explicação do professor...
7 - Fazer resumos (sínteses) é extremamente importante. Quando vocês es-
crevem, conseguem memorizar melhor do que quando apenas leem. Exercícios
precisam ser repetidos até que vocês consigam realizá-los sem se atrapalhar e até
serem capazes de explicá-los a um colega. “A prova de que se sabe alguma coisa é
saber explicá-la.” (Frase atribuída a Aristóteles.)
8 - É importante manter-se em dia com os conteúdos já explicados em aula.
Será muito difícil revisar todo o conteúdo no dia antes de uma prova, por isso,
revisem permanentemente os conteúdos já estudados.
9 - É importante desenvolver a “autonomia intelectual”. Não esperem que o
professor mande fazer algo. Tenham iniciativa: busquem informações por conta
própria. A internet é uma ferramenta extraordinária para isso.

258
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

10 - Vocês são capazes! Acreditem em suas capacidades! Não desanimem


diante das dificuldades! Poderá acontecer que vocês acordem de manhã com a
solução do problema que não conseguiram resolver antes de ir dormir... Vocês
simplesmente estavam cansados. Descansar também é muito importante.
Orientações como essas e outras são importantes e necessárias porque, em
geral, os estudantes não têm hábitos de estudo.

APRENDER: O QUE SIGNIFICA E O QUE É NECESSÁRIO


Em certa ocasião, foi-me solicitado participar de uma pesquisa e responder a
três perguntas. A seguir, as perguntas e como as respondi.
1 - O que significa para você aprender? Aprender pode significar: compreen-
der o significado de algo que não se sabia (aprendo o que é a refração da luz, o que
é o índice de refração de um meio em relação a outro, aprendo o que é empuxo...);
desenvolver a habilidade de fazer algo (aprendo a usar uma ferramenta ou um
aparelho, aprendo a jogar um jogo, aprendo a nadar, aprendo a andar de bicicle-
ta...); desenvolver atitudes (aprendo a me comportar em público, aprendo a ser
compreensivo, aprendo a conviver com situações e com pessoas...).
2 - No seu entendimento, de que modos você aprende? O que você necessi-
ta fazer para aprender? Necessito querer aprender. Necessito me empenhar para
aprender. Isso supõe buscar os meios para aprender e esses meios, geralmente, re-
querem esforço, que pode ser físico, mental ou psicológico, de acordo com o que se
quer aprender e de acordo com o que entendo por aprender, expresso na resposta
à primeira pergunta. Os modos como aprendo dependem do que quero aprender.
Se quero desenvolver uma habilidade, como, por exemplo, nadar, preciso exercitar
essa ação; o mesmo vale para aprender a usar uma ferramenta ou praticar um
esporte. Para desenvolver atitudes, preciso conviver com situações e pessoas e
estar disposto a me controlar e me esforçar para agir de acordo com a atitude que
quero desenvolver. Se quero compreender algo, preciso ler sobre o assunto ou bus-
car explicações de alguém que já conhece o assunto e a partir do lido e ouvido vou
elaborar a minha compreensão. Mais uma vez, preciso ir em busca do que quero
aprender; em outras palavras, é preciso esforço pessoal. Tudo isso falta à maioria
dos “alunos” entre os quais há alguns “estudantes”.
3 - Como os outros o ajudam a aprender? Como suas aprendizagens se relacio-
nam com os outros? Os outros podem ajudar muito a aprender. Se o aprendizado é
intelectual, no sentido de compreender o significado de um conceito ou de resolver
um problema de Física ou de outra disciplina, a discussão sobre o tema pode me fa-
zer enxergar o que sozinho não consigo ver ou pode me fazer ver mais rapidamente.
O debate sobre um tema pode me fazer mudar o ponto de vista e isso pode repre-

259
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

sentar crescimento e maior capacidade de compreensão do tema. Na aprendizagem


como desenvolvimento de habilidades, os outros são importantes quando me apon-
tam falhas no exercício que estou realizando e me indicam estratégias mais eficien-
tes para alcançar os resultados desejados. Não saber não é algo grave. Na verdade,
sempre ignoraremos muitas coisas; muito mais do que o pouco que conseguimos
aprender durante a vida. Não saber e não saber que não se sabe, isso já me parece
grave. Mais grave ainda é não saber e achar que se sabe. Igualmente grave é não ter
ideia do quanto não se sabe. Isso equivale a achar que se sabe muito.
Gosto muito de um poema (atribuído a diversas origens) e que meu pro-
fessor de inglês da 4ª série ginasial (algo equivalente à atual 8ª ou 9ª série do
Ensino Fundamental) nos propôs para que o memorizássemos. Até hoje gosto
de citá-lo. É o seguinte:
He who knows not, and knows not that he knows not, is a fool – shun him.
He who knows not, and knows that he knows not, is a child – teach him.
He who knows, and knows not that he knows, is asleep – wake him.
He who knows, and knows that he knows, is a wise man – follow him.
Aquele que não sabe, e não sabe que não sabe, é um tolo – evite-o.
Aquele que não sabe, e sabe que não sabe, é uma criança – ensine-a.
Aquele que sabe, e não sabe que sabe, está adormecido – acorde-o.
Aquele que sabe, e sabe que sabe, é um sábio – siga-o.

Gosto desse poema porque descreve reais situações do quotidiano de qual-


quer pessoa, e em especial do dia a dia de um professor. Encontramos facilmente
pessoas, alunos ou não, em todas as categorias mencionadas no poema.
Na resposta à segunda pergunta, fiz referência a “alunos” e a “estudantes”.
Faço uma distinção clara entre alunos e estudantes: ALUNOS são pessoas matri-
culadas em algum curso; ESTUDANTES são pessoas que estudam!!! Nem todos os
alunos são estudantes... Em determinadas escolas há muitos alunos e poucos es-
tudantes! O aluno só terá sucesso se for ESTUDANTE!!! Não pode aprender quem
não presta atenção em aula, vai para casa e volta no dia seguinte sem ter revisto
os conteúdos abordados na aula anterior. Também é imprescindível, ao aluno, pre-
parar a aula que virá, lendo algo sobre o assunto. Preparar a aula não é tarefa só
do professor; é também tarefa do ALUNO ESTUDANTE.
A imagem do mau aluno (o aluno não estudante) é reforçada por certos pro-
gramas de televisão. É simplesmente ridícula e maléfica a representação que a
maioria dos programas de televisão faz das salas de aula: alunos de uma turma
jogando papéis uns nos outros e um personagem fazendo o papel de professor.
Será que um dia alguém será capaz de apresentar na televisão uma representação
de uma VERDADEIRA sala de aula?

260
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

Aprender requer disciplina mental, não comum entre os jovens que costu-
mam ter uma atenção múltipla, alternada e com pequena duração: dizem que são
capazes de estudar ao mesmo tempo em que escutam música, às vezes cantam
junto, assistem a programas de TV, comunicam-se com os amigos por meio de
sites de relacionamento etc. Aprender requer atenção continuada (não alternada)
e profunda (não superficial).
A distinção entre alunos e estudantes e o fracasso escolar remetem nova-
mente à questão do ensino, tema alardeado em jornais e na televisão.

ENSINO FRACO! (?) – MELHORAR O ENSINO?


As notícias nos jornais e na televisão só falam que o ensino é fraco. Ensino fra-
co é também o tema recorrente nos meios educacionais. Ora, ensinar é ação de pro-
fessor... Há muitos excelentes professores que fazem um trabalho sério com grande
dedicação, mas isso não é suficiente para que o aluno tenha sucesso. Este deve fazer
sua parte: ESTUDAR! Quem fala em ESTUDAR (ação do aluno-estudante...)?
O ensino não é fraco; o fracasso escolar não é consequência de mau ensino
ou incompetência dos professores; a causa do fracasso escolar é a falta de estudo
por parte de muitos alunos. Não é possível aprender sem envolvimento pessoal,
processando as informações obtidas nas aulas ou por outros meios.
Não se aprende apenas "assistindo" a aulas (atitude passiva). É preciso envol-
vimento e esforço pessoal (atitude ativa). PARA APRENDER É PRECISO ESTUDAR!
Aqui entra a questão da motivação!

MOTIVAÇÃO: INTRÍNSECA E EXTRÍNSECA


Fala-se muito que o professor deve motivar seus alunos e de certa forma
responsabiliza-se o professor pelo insucesso do aluno, alegando que este não foi
adequadamente motivado pelo professor ou de que este não soube tornar suas
aulas interessantes ou “atraentes”.
Transcrevo, a seguir, um trecho de Segerstrom (2007, p. 200-201), distinguindo
motivação intrínseca e extrínseca.
Quando um objetivo tem como origem valores e identidade próprios de um
indivíduo, é chamado de “autodeterminado” (por isso o nome teoria da autode-
terminação). Objetivos autodeterminados fornecem suas próprias recompensas e
motivação porque atendem a necessidades de autonomia (você está agindo livre-
mente ao adotar um determinado objetivo). Ou seja, objetivos que você escolhe
por si mesmo são inerentemente recompensadores.
A mesma autora continua:

261
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

A busca de objetivos cuja motivação não é intrínseca – que surgem da


busca de recompensas ou punições externas, para evitar culpa ou vergonha, ou
devido a regras (reais ou imaginárias) – nunca oferecem a mesma recompensa.
Além disso, as pessoas progridem mais quando buscam objetivos cuja motiva-
ção é intrínseca, além de se sentirem melhor. Os alunos que são inerentemente
motivados aprendem mais do que os motivados por causas externas. Frequen-
tadores de igrejas inerentemente motivados apresentam um bem-estar maior
do que os que não o são. Entre os universitários do curso de direito, a expecta-
tiva é de que os que decidiram pelo curso por motivos intrínsecos (gostam de
direito, querem ajudar as pessoas) adaptem-se melhor e sejam mais bem-su-
cedidos do que os que foram cursar direito por motivos externos (meu marido
quer que eu ganhe mais, meu avô queria que eu fosse advogado).

Quando se diz que o professor deve motivar os alunos a estudarem, está se


falando de motivação EXTRÍNSECA e, conforme a autora citada, é menos eficaz
que a motivação INTRÍNSECA (a que o aluno procura ou se propõe a si próprio).
Felizmente, nunca precisei que alguém me motivasse para estudar. Sem-
pre tive minhas próprias motivações (INTRÍNSECAS). Quis ser professor de Física
desde a época do Ensino Médio (o saudoso curso CIENTÍFICO, incomparável com
qualquer curso médio atual) e por isso sempre estudei o máximo que podia, pois
tinha sempre a seguinte preocupação: Como vou ensinar se eu não tiver plena
compreensão do que estou estudando? Com essa preocupação, estudava muito e
debatia os assuntos com colegas que também queriam ser professores. Estudáva-
mos em dois ou três livros de autores diferentes, discutíamos e demonstrávamos
teoremas. Aprendíamos porque tínhamos MOTIVAÇÃO INTRÍNSECA!
Com tudo o que eu disse até aqui, não estou, de modo algum, livrando o pro-
fessor de responsabilidades. Suas atitudes têm grande influência na maneira de
ser e de agir dos alunos.

A SENSIBILIDADE E A INSENSIBILIDADE DO PROFESSOR


“É perceptível que não somente quem é o professor, mas também o que diz
e como o diz fazem uma diferença em como os alunos se comportam academica-
mente e como se sentem a respeito de si mesmos e de seu trabalho” (HAMACHEK,
1979, p. 198). Segundo esse autor, “o professor é um fator importante no campo de
forças interpessoal que influenciam o ‘self’ em desenvolvimento do aluno” (p. 197).
Isso ocorre porque os professores são, para a maioria dos alunos, pessoas significa-
tivas ou por se constituírem em avaliadores de seu desempenho ou por serem, às
vezes, as únicas pessoas por quem os alunos se sentem valorizados.
Há casos, no entanto, em que professores não têm a sensibilidade necessária
para perceberem que seus alunos são seres com sentimentos e os tratam com frieza

262
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

ou autoritarismo, ignorando o aspecto humano, suas dificuldades e suas angústias.


Relativamente ao autoritarismo, Morais (1988) o considera como uma doen-
ça da autoridade, a qual é um valor e garantia da liberdade, mas quando hiper-
trofiada torna-se um antivalor. Considera-o também um tapume atrás do qual se
esconde a incompetência. Hamachek (1979) menciona pesquisas sobre os tipos de
retroalimentação do professor, revelando que frases personalizadas produziam
efeitos mais significativos do que simples dizeres padronizados, e mesmo estes
levavam a melhoras perceptíveis no rendimento.
Por essa razão, a retroalimentação do professor desempenha um papel fun-
damental no rendimento escolar do aluno, pois uma frase de encorajamento es-
crita na prova, além da nota ou conceito, fazem o aluno acreditar mais em si
mesmo, levando a rendimento superior, conforme as referidas pesquisas.
A sensibilidade para perceber as necessidades e peculiaridades dos alunos é,
sem dúvida, umas das qualidades mais importantes de um professor, sem a qual
não poderá desenvolver uma prática pedagógica adequada e nem perceberá a ne-
cessidade de adequar-se a novas situações.
Antes de chamar a atenção de um aluno, convém que o professor se informe
sobre as causas de determinado procedimento, como faltar às aulas ou chegar
atrasado. Em certa ocasião, um professor relatou ter chamado a atenção de um
aluno por ter faltado durante semanas e foi muito rude em sua manifestação, de
certa forma até humilhando o aluno. Este, muito triste e cabisbaixo, disse: “Profes-
sor, o senhor me desculpe por ter faltado tanto tempo, acontece que minha mãe
estava muito doente e eu tinha que ficar em casa com ela; eu estou voltando só
agora porque ela faleceu”. O professor relatou que não sabia o que fazer e tinha
vontade de “sumir” de tanta vergonha que sentiu por ter sido rude e indelicado
com o aluno, sem saber a causa de suas ausências.
A relação professor-aluno envolve um aspecto de extrema importância que
são os sentimentos. Em relação a esses, Viscott (1982, p. 11) afirma que
são nossa reação ao que percebemos e, por sua vez, eles colorem e definem
nossa percepção de mundo. Na verdade, os sentimentos são o mundo em que
vivemos. [...] Mais do que qualquer outra coisa, os sentimentos nos tornam hu-
manos. Os sentimentos nos tornam todos parentes uns dos outros.

Os sentimentos, como reações às percepções, são abordados de forma bri-


lhante por Viscott (ibidem), considerando-os a maneira como nos relacionamos
conosco mesmos; sem essa comunicação conosco mesmos é impossível a comu-
nicação com os outros.
Referindo-se a seu tempo de estudante, uma professora a quem entre-
vistei recorda-se da dificuldade em expor suas dúvidas em sala de aula, pois seu

263
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

professor constrangia e humilhava publicamente os alunos e relata:


Na minha formação, o professor que mais me marcou foi o professor [...].
Foi traumatizante ter aula com ele; eu levava dúvidas para casa mas não pergun-
tava. Para cada pergunta que tu fazias ou ele largava uma charadinha ou dizia
uma piada com a qual te constrangia diante da turma inteira. Eu ficava muito
angustiada, pensando: “Meu Deus, pergunto ou não pergunto! E se eu perguntar,
o que é que ele vai responder?” Então as dúvidas iam para casa e ficavam.

Fica, assim, evidenciada a importância da sensibilidade do professor no


sentido de estar atento a suas atitudes e a seus procedimentos para não melin-
drar ou traumatizar os alunos, fato capaz de bloqueá-los para toda e qualquer
aprendizagem.
A importância dos sentimentos ainda é destacada por Viscott (ibidem, p. 17)
ao afirmar:
Os sentimentos são a maneira como nos percebemos. São nossa reação
ao mundo que nos circunda. São a maneira pela qual percebemos que estamos
vivos. [...] Sem sentimentos não há existência, não há vida. [...] cada um de nós é
os sentimentos que tem. [...] Compreender nossos sentimentos é compreender
nossa reação ao mundo que nos circunda.

No dia a dia da sala de aula, é importante o professor se vigiar para não,


mesmo sem se dar conta, bloquear a participação dos alunos devido a constran-
gimentos provocados por suas atitudes. Segundo Hamachek (1979, p. 220), “Uma
criança ridicularizada no quadro de giz, na frente de todos os seus companheiros,
por um professor insensível, pode aprender que é melhor não levantar a mão para
ser chamada, ou talvez que ela não é tão inteligente como as outras crianças”.
A questão dos elogios aos alunos já foi objeto de investigação de Degroot e
Thompson (1949), mostrando a tendência de os professores elogiarem mais os
alunos bem-sucedidos e censurarem mais os menos privilegiados e, segundo Ha-
macheck (1979), os alunos elogiados apresentam resultados superiores aos cen-
surados, e estes obtêm resultados melhores que os ignorados, denotando ser a
censura um sinal de atenção mais significativo que nenhum reconhecimento. Por
outro lado, Hamacheck (1979) alerta para as diferentes consequências dos elogios,
salientando serem sem efeito se forem obtidos de modo muito fácil e indiscrimi-
nado, podendo, nesse caso, até vir a ser nocivos à motivação.

DIFICULDADES E RECOMPENSAS NA VIDA DE UM PROFESSOR


Ser professor envolve conviver com muitas pessoas diferentes, fato que ine-
vitavelmente implica lidar com contratempos; há, no entanto, também situações

264
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

de grandes recompensas. A formatura é um desses momentos, importante e mui-


to significativo para o formando e seus familiares, mas não só para esses. É tam-
bém muito importante para o paraninfo e para os homenageados oficiais (aqueles
que constam no convite de formatura). É também muito importante para os ho-
menageados não oficiais, quero dizer, aqueles professores que são reconhecidos
como tendo sido importantes na vida acadêmica de alguns alunos em particular.
Assim me senti na formatura de uma turma da Engenharia Civil para a qual fui
convidado por um ex-aluno.
Continuar sendo lembrado depois de vários anos (pois fui seu professor no
1º semestre do curso) é muito gratificante. Também foi muito gratificante ser ro-
deado por outros colegas do ex-aluno, na festa da turma, na qual relembraram
minhas aulas e até expressões que os marcaram na suas vidas estudantis e certa-
mente não esquecerão durante suas vidas profissionais.
Infelizmente, ninguém consegue agradar sempre a todos... Nem os professores
conseguem agradar sempre a todos os seus alunos e, algumas vezes, são criticados
sem piedade por diversos alunos. Uma coisa, porém, é certa: BONS PROFESSORES
TÊM MAIS RECONHECIMENTO POR PARTE DE BONS ALUNOS E NÃO SÃO BEM RE-
CONHECIDOS POR ALUNOS NÃO TÃO BONS. Na mesma linha de raciocínio, nos
colégios em geral (e nas universidades), bons alunos não geram problemas e mal-
estar entre professor e aluno; os problemas sempre são gerados por alunos que não
cumprem suas obrigações, ou são desrespeitosos com colegas e professores. Todo
professor tem prazer em trabalhar com alunos educados, respeitosos, aplicados,
interessados, porém, alunos relapsos costumam gerar mal-estar e encontram moti-
vos para se queixar do professor e responsabilizá-lo por seus insucessos. É isso que
tenho constatado ao longo dos meus já 40 anos de magistério.
Assim, aprender a conviver com os dissabores da profissão é necessário,
e isso fica mais fácil quando pensamos nas recompensas e na repercussão que
nossas boas ações e ensinamentos podem proporcionar aos nossos alunos, tor-
nando o mundo melhor.

TORNANDO-NOS MELHORES!
Podemos melhorar o mundo, tornando-nos melhores e tornando melhor o
ambiente em que estamos, quer estejamos na rua, numa loja, num parque, numa
fábrica, num elevador, numa escola ou numa universidade. Às vezes basta um
sorriso para quem nos olha ou um elogio sincero para uma pessoa que fez algo
que mereceu nossa admiração ou a admiração de outra pessoa.
Ultimamente está me chamando muito a atenção o fato de como pequenos
gestos podem ter grandes significados e grandes repercussões. Gestos compreen-

265
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

dem também palavras. Esses pequenos gestos ou palavras de que estou falando,
podem repercutir tanto positiva quanto negativamente. É, portanto, muito impor-
tante estarmos atentos ao que dizemos e ao modo como o dizemos, sobretudo em
uma sala de aula. Por outro lado, é bom não nos furtarmos a fazer elogios sinceros
quando alguém faz algo merecedor desse elogio, pois esse gesto fará bem a quem
o recebe e a quem o realiza.
Vigiar as próprias atitudes é uma forma de nos tornarmos melhores e, para
isso, é interessante perguntar-nos com frequência: – Hoje, já fiz algo que deu ale-
gria a alguém? Se não, talvez ainda haja tempo... – Hoje, fiz algo que magoou
alguém? Se não houver tempo hoje para pedir perdão, faça-o tão logo que possa e
você se sentirá melhor.

REFERÊNCIAS
DEGROOT, A. F.; THOMPSON, G. G. A study of the distribution of teacher approval and
disapproval among sixth-grade pupils. Journal of Experimental Education, n. 18, p. 51-75,
1949.

HAMACHEK, D. E. Encontros com o self. Rio de Janeiro: Interamericana, 1979.

MORAIS, R. de (Org.). Sala de aula. Que espaço é esse? Campinas: Papirus, 1988.

SEGERSTROM, Suzanne C. Desmitificando a lei de Murphy: os segredos dos otimistas


para atingir seus objetivos na vida (altamente recomendado para pessimistas). Rio de
Janeiro: BestSeller, 2007.

VISCOTT, D. A linguagem dos sentimentos. São Paulo: Summus, 1982.

266
O ESTÁGIO CURRICULAR COMO
DESAFIO NA FORMAÇÃO DOCENTE

Raquel Silva Thomaz1

O presente trabalho teve início a partir da observação de diferentes


trajetórias percorridas por estagiários de licenciatura no decor-
rer de suas práticas, resultando no sucesso maior ou menor em sua formação,
assim como na competência do futuro profissional da educação. Dessa forma,
buscou-se compreender os fatores que influenciam o processo inicial da forma-
ção prática dos professores.
Tendo como pressuposto o compromisso da educação com a formação do
homem por inteiro, do cidadão crítico, capaz de agir e interagir num mundo em
constante transformação, o estágio curricular deve ser um momento rico na for-
mação dos futuros profissionais. Por isso a responsabilidade pelo andamento do
estágio está a cargo da instituição formadora, da instituição escolar e também do
estagiário, sujeito que deve utilizar o estágio como modo de afirmar-se conscien-
temente como futuro profissional.
Nessa perspectiva, o estágio curricular deve ser concebido como um proces-
so de ação-reflexão entre o meio acadêmico e a instituição escolar, dirigido à cons-
trução de novos posicionamentos para o sistema escolar. Segundo Delors (2001),
essa mudança de postura deve estar alicerçada em quatro pilares: 1) aprender a
conhecer; 2) aprender a viver juntos; 3) aprender a fazer; 4) aprender a ser.
Uma educação que vai além de falar para o outro ou sobre o outro, mais vol-
tada à construção da relação com o outro, construída nas interlocuções entre os
sujeitos. Interlocuções essas em que se entrecruzam níveis de ensino e instâncias
de formação que se complementam (GUEDES-PINTO, FONTANA, 2001). Assim, na
troca entre professor, estagiário e universidade, dá-se a possibilidade de constru-

1
Mestranda em Engenharia e Tecnologia de Materiais, Bacharel em Física Médica e Licenciada em Física
pela PUCRS, Professora da Escola Técnica em Saúde, do HCPA, e do Colégio Santa Dorotéia.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

ção de práticas voltadas para uma educação na qual ocorra aprendizagem em


toda sua transversalidade. E é por meio dessas ações pensadas conjuntamente
que acontece o entrelaçamento dos saberes, viabilizando uma prática que se es-
trutura de forma coletiva num novo discurso capaz de ser consolidado no dia a
dia (PEDRINE, 2003).
Pensando em uma educação voltada para o ensino de ciências, aquela deve
ainda fazer com que o aluno compreenda o desenvolvimento científico de forma
crítica e investigativa, apropriando-se do mesmo e relacionando-o com as trans-
formações naturais e sociais, tornando-se assim capaz de intervir na realidade de
forma politicamente comprometida, consciente de sua responsabilidade para com
o meio do qual faz parte. Nesse sentido, o docente deve ir além da necessidade de
conhecer o conteúdo a ser ensinado, o que, segundo Silva e Schnetzler, implica
Conhecimentos profissionais relacionados à história e à filosofia das ci-
ências, às orientações metodológicas empregadas na construção de conheci-
mento científico, às interações Ciência/Tecnologia/Sociedade e às limitações e
perspectivas do desenvolvimento científico. Tais conhecimentos é que podem
embasar um processo de ensino no qual o conteúdo teórico não venha a ser
abordado como pronto, verdadeiro, estático, inquestionável, neutro e descon-
textualizado social, histórica e culturalmente (2008, p. 175).

Essas dimensões transversais criam uma identidade entre o sujeito e o objeto


de investigação e, assim, tornam significativo o conhecimento adquirido, pois “não
basta conhecer e interpretar o mundo (teórico); é preciso transformá-lo (práxis)”
(PIMENTA, 1995, p. 61), porque a educação tem por objetivo fazer do homem parte
do processo de construção da sociedade, acreditando ser possível, a partir da sua
intervenção consciente, transformar o mundo em que vive e a si mesmo, pois “nada
é fixo para aquele que alternadamente pensa e sonha...” (BACHELARD, 1991. p. 95).

IMPORTÂNCIA DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO


O estágio supervisionado é uma atividade imprescindível à formação profis-
sional, sendo que esse permite aos acadêmicos conhecerem a realidade das es-
colas. Porém, o estágio curricular, definido pela primeira vez pelo parecer 292/62,
do Conselho Federal de Educação, como um componente obrigatório no curso de
formação inicial de professores, é significativo apenas quando possibilita a cons-
trução de aprendizagens relevantes, a partir da aproximação da prática pedagó-
gica nas escolas-campo (LISOVSKI et al., 2005). A importância do estágio se firma
no fato de que é na escola que está compreendida uma complexa teia de relações
entre sujeitos envolvidos no processo de aprender, de compartilhar experiências e
legitimar conhecimentos (MORIN, 2002).

268
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

O estágio deve constituir-se de um momento oportuno para o início de uma


prática reflexiva, pois em conjunto com o trabalho realizado na escola há disciplinas
no âmbito universitário que oportunizam aos alunos e professores um espaço de
debates coletivos, enriquecidos por diferentes interpretações e análises, e o estagiá-
rio pode ainda confrontar a teoria que lhe é ensinada com as realidades vivenciadas,
questionar, dialogar e problematizar (PIMENTA, 1995). Dessa forma, são elaboradas
reflexões, conduzindo o estagiário à reformulação de suas ações e a novos conheci-
mentos. Examinando constantemente seus objetivos, seus procedimentos, seus sa-
beres, o estagiário ingressa num ciclo permanente e contínuo de aperfeiçoamento,
o que pede do professor disponibilidade para a aprendizagem (SILVA, 2002). Assim,
a vivência do estágio contribui para a identificação do licenciando com o trabalho
docente, como uma afirmação em relação à escolha da profissão.
A obrigatoriedade de um estágio supervisionado constitui fator potencial em
benefício do estagiário, que centrado na pretendida reflexão sobre a prática do-
cente experimenta hipóteses de trabalho, recria estratégias e inventa procedimen-
tos e recursos (SILVA, SCHNETZLER, 2008). Nessa etapa, o futuro docente ainda
não adquiriu vícios, buscando continuamente sua própria metodologia de ensino
e de aperfeiçoamento permanente. No entanto, mais tarde, sem uma educação
continuada alguns professores podem deixar de acompanhar o desenvolvimento
da sociedade e as novas necessidades educacionais, tornando-se metódicos e re-
petitivos, gradualmente mais e mais inaptos para a tarefa educativa. Em situações
como essa, porém, os professores raramente conseguem perceber que a causa
primária dos insucessos não pertence à esfera dos alunos, dos pais ou das polí-
ticas públicas, embora cada uma dessas partes contribua de certa forma para o
problema, mas pertence justamente na falta de aperfeiçoamento continuado. O
estágio pode ser, também, uma oportunidade para que o licenciando planeje sua
formação continuada.
A troca entre o professor regente da turma na qual o estagiário realiza sua
prática e o próprio estagiário deve estar presente nesse processo de formação do
futuro profissional, o que se mostra de grande valia tanto para o professor titular
quanto para seu estagiário. Contudo, a escola raramente tem concebida a ideia de
responsabilidade compartilhada no acompanhamento do estagiário, consideran-
do essa responsabilidade como sendo exclusiva da instituição de ensino superior.
Um acompanhamento em conjunto com a universidade e a escola, que envolva os
conhecimentos didáticos metodológicos, os saberes fundamentais à prática edu-
cativa e os diferentes instrumentos avaliativos é um caminho de articulação entre
a escola, seus docentes, a universidade e os futuros profissionais.

269
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

O tutor deve levar o estagiário, envolvido no ambiente escolar, a valorizar o


compromisso do profissional com a escola. E, também, por meio dessa relação,
o estagiário deve retornar à comunidade o saber construído na universidade. A
partir desse vínculo criado entre esses dois níveis de ensino, deve-se reconhecer
a não supremacia de uma instituição sobre a outra, valorizando e aceitando as
contribuições de cada instituição.
A parceria entre universidade e escola materializa o relacionamento entre
a teoria e a prática na formação docente, pois contextualiza o ensino na Univer-
sidade, enriquecendo-o com a problemática do cotidiano escolar, e orientando o
ensino na escola, de forma que a prática não seja apenas baseada no senso co-
mum, ou pautada pela rotina, reprodução ou repetição de ações, mas produto de
(re)elaborações pedagógicas à luz de conceitos científicos (SANTOS, 2005).
A construção de parcerias, assim planejadas, somente se torna possível por
meio da cooperação dos diversos profissionais envolvidos nesse processo. Assim,
novos significados são aplicados à relação escola-universidade, defendendo a es-
cola como local “onde se realize, com êxito, a interligação entre três dimensões da
realização humana: a pessoal, a profissional e a social. E onde se gerem conheci-
mentos e relações, comprometimentos e afetos” (ALARCÃO, 2001, p. 12).
Para dar significação aos espaços de formação e suas relações, é importante
objetivar a formação de profissionais docentes que pautem sua prática na inves-
tigação reflexiva sobre a ação, constituindo o diálogo “elemento essencial para
sua tarefa comunicativa, na qual estão implicados sentimentos e conhecimentos”
(PEDRINE, 2003, p. 29). Nesse cenário, o tutor, como aquele que vela o estagiário
dentro da escola, necessita acompanhar a prática do mesmo, de forma que ambos
planejem as aulas, trocando experiências e metodologias (LISOVSKI et al., 2005).
Esse período de estágio deve oportunizar reflexões sobre uma prática criativa e
transformadora, possibilitando a reconstrução de teorias que sustentem o tra-
balho do professor, pois a educação precisa de professores que reflitam sobre a
própria prática educativa. O papel dessa formação conjunta, sendo inicial ou con-
tinuada, é duplo: “familiarização com os saberes básicos e iniciação a uma prática
refletida, a uma ‘re-flexão’ na ação” (PERRENOUD, 2001, p. 74).
A prática do estagiário dentro da escola contribui com sua formação a partir
da vivência com os professores em situações do cotidiano escolar. Na observação
da prática do professor, e posteriormente refletindo sobre sua própria prática, o
estagiário pode ampliar suas concepções. Dessa forma, dá-se a inserção do es-
tagiário no contexto escolar como sujeito de aprendizagem e em afirmação de
seu saber, enquanto profissional. Esta é a importância de pensar este momento

270
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

em que a universidade e a escola colaboram para a formação de um profissional


engajado com seu trabalho, e que acredite na importância de um fazer exigente,
investigativo/reflexivo. Assim, formar um profissional que não esmoreça e se aco-
mode diante das dificuldades que certamente surgirão, sendo forjada neste futuro
professor a paixão de ensinar e aprender (FREIRE, 1996).

CONSTRUINDO UM LUGAR ESTRATÉGICO


O estagiário ora encontra-se em condição de aluno, ora de professor em for-
mação, não dispondo de um lugar assegurado dentro da escola (GUEDES-PINTO,
FONTANA, 2001). Assim, o estagiário não se coloca no lugar de poder do professor,
aquele que detém o saber de uma forma absoluta e indiscutível. Dessa forma, a
relação existente entre o estagiário e os alunos não é distante ou de superioridade,
pois é vista com menos tabus e complexos (ALARCÃO, 2001).
Pode-se dizer, também, que é por meio desse entrecruzamento de incerte-
zas vivenciadas, tanto pelo estagiário quanto pelos alunos, que são construídos
caminhos de comunicação entre esses. Desse modo, oportunizam-se momentos
de escuta que possibilitam diálogos e trocas entre os sujeitos. Esses momentos,
se bem aproveitados, tornam-se preciosos, capacitando o professor a enxergar o
aluno como ser humano, onde palavras e olhares são carregados de significados,
favorecendo, assim, o processo educativo (SILVA, SCHNETZLER, 2008).
A prática do professor deve estar baseada num processo intelectual e cria-
tivo que desenvolva no aluno a vontade de aprender. Assim sendo, o estagiário
dedicado busca novas metodologias e estratégias pedagógicas, visando o pleno
sucesso das atividades que organiza. No estágio, o acadêmico tem espaço de refle-
xão privilegiado para dialogar, problematizar, trocar experiências, construir novos
conhecimentos (PIMENTA, 1995). Portanto, a partir da reflexão sobre a prática, o
estagiário aproveita suas experiências para o aperfeiçoamento das ações poste-
riores, pois o conhecimento deve ser entendido como um processo em constante
evolução, onde “os sujeitos aprendem mediante um processo aberto, especulati-
vo e irreversível de reorganização contínua de seus sistemas de ideias” (GARCÍA,
PORLÁN, 2000, p. 22).
Os futuros professores têm à sua disposição, nesse processo de ação-refle-
xão-ação, os professores formadores, assim como o professor da escola em que
atuam, para prestar assessoria pedagógica à sua prática docente mediante reu-
niões, seminários, assistência e análise crítica das aulas. Os formadores deveriam
fazer uso do período de estágio, no qual os alunos estão mais propensos a serem
questionadores, sensíveis e receptivos a sugestões (ALARCÃO, 2001), para orientá-

271
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

los de forma adequada. Uma orientação de qualidade pode contribuir de maneira


definitiva na formação desse profissional (LISOVSKI et al., 2005).

CONCLUINDO
Durante a formação inicial, surgem diversos questionamentos entre a teoria
aprendida na universidade e a prática vivenciada nas escolas, e é preciso haver
convicção de que a busca por uma educação ideal passa por um pensar e repen-
sar constante, muitas vezes utópico, e que sem este ir e vir não são construídas
as competências necessárias ao futuro educador, que estará compelido a tomar
decisões diariamente numa realidade complexa, para além da sala de aula.
Os formadores devem contemplar certas necessidades formativas, em par-
ticular, a problemática da (re)elaboração pedagógica de conceitos científicos e o
desconhecimento sobre a complexidade da prática docente, pois a sala de aula
é um espaço complexo, sendo impossível caracterizá-la sem levar em conta tal
complexidade (SILVA, SCHNETZLER, 2008). O trabalho coletivo, aprendido desde
a formação profissional, permite aos sujeitos a construção de significados e o de-
senvolvimento do sentimento de cooperação, tão necessários ao trabalho docente.
Essa parceria entre os diferentes níveis de ensino oportuniza o trabalho em grupo,
a descontração e a possibilidade de discussão (DINIZ, CAMPOS, 2004). Nessa pers-
pectiva, o estagiário e os professores envolvidos podem ser estimulados a continu-
ar refletindo sobre suas práxis, sem acomodar-se e sem cair na mediocridade, pois
a formação deve ser encarada como um processo permanente. Assim, os estagiá-
rios são desafiados a configurarem-se como "decisivos tempos de metamorfose na
formação docente" (SILVA, SCHNETZLER, 2008, p. 183).

REFERÊNCIAS
ALARCÃO, I. (Org.) Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.

BACHELARD, G. O direito de sonhar. Rio de Janeiro: Bertrand, 1991.

DELORS, J. (org.) Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a Unesco da Comissão


Internacional sobre a Educação para o século XXI. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC,
UNESCO, 2001.

DINIZ, R. E. DA S.; CAMPOS, L. M.L. Formação Inicial Reflexiva de Professores de Ciências


e Biologia: Possibilidades e Limites de uma Proposta. Revista Brasileira de Pesquisa em
Educação em Ciências. v.4, n. 1, p. 27-39, 2004.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:


Paz e Terra, 1996.

272
João Bernardes da Rocha Filho (Org.)

GARCÍA, J.E.; PORLÁN, R. Ensino de ciência e prática docente: uma teoria do conhecimento
profissional. Caderno pedagógico, UNIVATES n. 3, jul. 2000, p. 7-42.

GUEDES-PINTO, A. L.; FONTANA, R. A. C. Professoras e estagiários – sujeitos de uma


complexa e "velada" relação de ensinar e aprender. São Paulo. v. 12, n. 2/3[35-36], p. 141-
151, nov., 2001.

LISOVSKI, L. A et al. Estágio pré-profissional: concepções e práticas de professores de ensino


médio. IV Encontro ibero-americano de coletivos escolares e redes de professores que
fazem investigação na sua escola, 2005.

MORIN, E. O método. – As idéias: habitat, vida, costumes, organização. 2. ed. Porto Alegre:
Sulina, 2001-2005. v.4, 2002.

PEDRINE, M. Estágio docente: uma experiência compartilhada. Dissertação (Mestrado em


Educação) – Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 2003.

PERRENOUD, P. Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza. 2. ed. Porto Alegre:


Artmed, 2001.

PIMENTA, S. G. O estágio na formação de professores: unidade entre teoria e prática.


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SANTOS, H. M. O estágio curricular na formação de professores: diversos olhares.


UNIVAP. In.: ANPED – GT 8 de Formação de Professores, 2005, Caxambú/MG. Disponível em
http://www.anped.org.br/inicio.htm.

SILVA, A. F da. Significado das vivências no estágio em pedagogia – séries iniciais. Dissertação
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Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002.

SILVA, R.M.G.; SCHNETZLER, R.P. Concepções e ações de formadores de professores


de química sobre o estágio supervisionado: propostas brasileiras e portuguesas. Quím.
Nova v.31, n.8. p. 2174-2183. São Paulo, 2008.

273
CONSIDERAÇÕES FINAIS

João Bernardes da Rocha Filho1

O livro Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções foi elaborado como uma
tentativa de contribuir para a solução do grave problema da falta
de professores de física no País, apresentando elaborações de quarenta autores
expertises no tema, concatenadas pelo organizador. O eixo comum de todos os
capítulos foi, assim, a melhoria da atuação profissional dos professores em ativi-
dade, pois depende disso a solução desta crise que enfrenta a educação.
Neste livro, financiado pelo CNPq e distribuído gratuitamente a todos os
professores de física da Região Metropolitana de Porto Alegre pelos sindicatos dos
professores locais – CPERS e SINPRO, foi oferecido aos professores uma ampla re-
lação de reflexões e resultados de pesquisa. Com essas contribuições, esperamos
que os professores atuais consigam tocar o espírito de seus alunos, incentivando-
os a seguirem carreira na licenciatura em física.
Como pôde ser visto nos três capítulos resultantes das pesquisas financia-
das pelo CNPq e pela FAPERGS, dos quais o organizador colabora como coautor,
os estudantes de ensino médio apontam a atuação equivocada de um grupo sig-
nificativo de professores como o principal agente responsável pelo esvaziamen-
to da carreira docente. Simultaneamente, os estudantes universitários de física
apontam os professores que tiveram como os principais responsáveis por suas
escolhas. Fica claro que não se tratam dos mesmos professores e que aqueles
que conseguem ensinar física despertando o interesse pela ciência são os que le-
vam seus alunos a seguirem a carreira docente. Os outros, porém, aparentemen-
te em muito maior número, contribuem opostamente para afastar os estudantes
desta opção profissional.
Também está evidente, embora este tópico não tenha sido abordado nas
pesquisas, que atingiram apenas estudantes, que a melhora na atuação dos pro-

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Organizador deste livro.
Física no Ensino Médio: Falhas e Soluções

fessores de física depende também da instauração de uma política de salários mais


justa. Especialmente quanto ao magistério público estadual, cujos salários servem
como baliza inferior para os salários praticados pelas instituições privadas locais.
Sem um salário que permita ao professor realizar integralmente sua vocação, como
poderá ele investir em educação continuada, em leituras, em materiais didáticos
próprios? Os salários precisam melhorar porque, em última análise, correspondem
aos meios que o professor utiliza para benefício de seus próprios alunos.
Dessa forma, fica o agradecimento a todos que colaboraram na construção
do projeto que conduziu a este livro, incluindo os autores dos diversos capítulos e
os órgãos que o financiaram e distribuíram.

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