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Aprendendo com a experiência

W. R. Bion

Tradução: Felipe Ferreira De Nichile


Aprendendo com a experiência

W. R. Bion

Nota do tradutor

O meu contato com o livro “Aprendendo com a Experiência” de W. R. Bion aconteceu


de forma tardia em minha trajetória dentro do campo psicanalítico, apesar de já ter tido
algumas experiências com os textos do autor e de gostar bastante de algumas de suas
propostas que eu já conhecia um pouco indiretamente, por meio do convívio com outros
analistas pelos quais tenho o mais profundo respeito. Contudo, foi através do convívio
com os colegas das SPBSP e de minha análise pessoal que foi possível verificar o
carinho com o qual estes profissionais, dedicados ao cuidado com o ser humano,
mencionavam as obras deste autor que tanto os impactara e influenciara que foi
surgindo o desejo genuíno de me aprofundar neste pensamento. Este encontro não
poderia ser mais tempestivo.
Ao buscar uma obra inaugural que me permitisse esta primeira incursão, fui levado a
escolher “Aprendendo com a Experiência” como o primeiro passo de minha jornada, ao
mesmo tempo em que fui informado de que se eu desejasse de fato dar vazão ao desejo
de me colocar em contato com este pensamento, que seria necessário buscar fazê-lo por
meio da obra em inglês ou do espanhol, pois a tradução em português disponível
contava com vários problemas de tradução que, segundo os especialistas, tornavam o
texto praticamente ininteligível. Como a tradução de obras da psicanálise tem me sido
uma experiência prazerosa, me coloquei a tarefa de traduzir este livro, pois isso me
proporcionaria a possibilidade de estreitar minha relação com este texto através de uma
leitura deste material em pelo menos três idiomas, bem como de reescrevê-lo na íntegra,
experimentando cada uma de suas palavras, frases, parágrafos e propostas. O resultado
deste encontro é este texto, que eu espero que também possa proporcionar aos leitores,
tal qual ocorreu comigo, uma experiência emocional de profundo conhecimento.
Mesmo porque, afastada a arrogância de tentar escrever um texto definitivo, me sinto
extremamente gratificado de poder me apoiar sobre os ombros dos gigantes que
produziram os dois textos que serviram de base para que eu pudesse produzir esta
humilde versão, e sinceramente gostaria que, de alguma forma, o resultado deste
trabalho possa servir de incentivo para que mais pessoas entrem em contato com a obra.
“Aprendendo com a Experiência” é de fato uma obra prima da literatura psicanalítica, e
justifica todos os festejos e o respeito com os quais foi recebida e vem sendo, ao longo
do tempo, digerida e proporcionando nutrientes para alfabetização de grande parte da
comunidade analítica, mais do que teorias e modelos, esta obra, que eu arriscaria dizer,
(talvez pelo meu momento em minha jornada na psicanálise), é o mais importante livro
com o qual eu até agora tive contato, depois da obra de Freud. Sua potência é a
possibilidade de oferecer uma “bússola” que orienta a nossa escuta enquanto viajamos,
em nossas salas de análise, pelos mais revoltos mares da transferência com nossos
analisandos. Para além de qualquer teoria, aqui é a clínica e consequentemente a vida
que se faz soberana. A singeleza do desafio: conseguiremos aprender com ela ou
restaremos perdidos e surdos diante do impacto de sua força? Enfim, esta obra prima
não é essencial, é vital.

Felipe Ferreira De Nichile 1

1Felipe Ferreira De Nichile: psicólogo clínico, docente e supervisor clínico do curso de Formação em
Psicanálise no Centro de Estudos Psicanalíticos, mestre em psicologia clínica pelo núcleo Formações da
Cultura e Subjetividade pela PUC-SP e membro filiado ao instituto Durval Marcondes da SBPSP.
Consultório: Rua São Carlos do Pinhal, nº124, Bela Vista, São Paulo, CEP 01333-000 fone (11) 99915
8400.
Apresentação da versão em castelhano

Tentar escrever um prólogo para a versão castelhana deste livro de Bion não é uma
tarefa nada fácil. Não que eu me sinta influenciado pela complexidade de seu
desenvolvimento ou pela obscuridade de alguns de seus conceitos. O que mais sinto é a
dificuldade daquele que percebe a transcendência de uma obra de criação, seja artística
ou científica, e não consegue encontrar palavras adequadas para transmitir o enorme
impacto que recebeu. Se sua leitura me sugeriu a comparação com uma obra de arte,
digamos um estranho e ao mesmo tempo fascinante quadro que nos atrai intensamente,
mas que nos deixa meditando largamente para decifrar o seu sentido, não foi por uma
razão fortuita. É a sensação que a leitura de algumas passagens deste livro produziu não
somente em mim, mas também em outros leitores. Contudo, simultaneamente, quando
submergíamos em outros capítulos, sentíamos a admiração que desperta a precisão do
desenvolvimento de um conceito matemático, a profundidade de um pensamento
filosófico que abarca inquietudes básicas da vida, ou o rigor com o qual é exposto
determinado raciocínio lógico. Por alguma razão é um livro que se ocupa das
experiências emocionais que se atêm as teorias do conhecimento.

Este livro dedica-se a estudar os problemas vinculados com a experiência da


aprendizagem. Insiste, especialmente, em que tentar conhecer algo implica um
sentimento doloroso que é inerente à experiência emocional própria do conhecimento, e,
ademais, explica como, de acordo com a capacidade da personalidade de tolerar a
frustração, evade-se ou modifica-se esta dor. Estuda especificamente o processo de
pensar (tema do qual o autor se ocupou em vários trabalhos anteriores), sobre a base da
prática psicanalítica com pacientes que apresentam sintomas severos de transtorno de
pensamento. Levanta a necessidade de reformular as ideias sobre a origem e a natureza
dos pensamentos e sobre os mecanismos mediante os quais “é possível pensar os
pensamentos”. Por outro lado, considera e analisa as funções da personalidade e os
fatores que correspondem a ditas funções.

Bion nos adverte desde o início que utiliza certos termos como “função” e “fatores”
com uma deliberada ambiguidade, ainda que possam se prestar à confusão pelo fato
destas palavras permanecerem associadas com as matemáticas e com a filosofia, seu
propósito, precisamente, é que o leitor recorde e leve em conta estas ciências enquanto
percorre as páginas do livro. Pelo mesmo motivo, frequentemente intercala citações que
correspondem a estas ciências. Assinala, também, que o livro foi estruturado para ser
lido sem nos determos nas partes que resultam obscuras. Com toda honestidade admite
que a obscuridade de alguns pontos deve-se ao fato de não ter tido a capacidade de
esclarecê-los; contudo, estimula o leitor a seguir avançando na leitura “apesar da
penumbra de associações” e a buscar a gratificação do esclarecimento logrado, em
grande parte, pelo próprio esforço.

Bion propõe uma teoria das funções para ser aplicada a teoria e a prática psicanalíticas.
Sustenta que seu uso dará maior flexibilidade a teoria psicanalítica, por poder ser
aplicada às situações analíticas mais diversas, “sem prejudicar a permanência e a
estabilidade da estrutura da qual é parte”. Na prática a teoria das funções e
especialmente o que denomina teoria da função-alpha, possibilitaria formular
interpretações a um paciente para lhe mostrar de que modo tem sentimentos e não
consegue aprender com eles e tem sensações de que tampouco consegue aprender algo.
As interpretações derivadas destas teorias podem operar mudanças na capacidade de
pensar do paciente e, portanto, na sua capacidade de compreensão. A teoria da função-
alpha é apresentada como um instrumento ao trabalho psicanalítico para que seja
possível ao psicanalista trabalhar sem a necessidade de propor novas teorias
prematuramente, a função-alpha opera sobre as impressões sensoriais e as experiências
emocionais produzindo elementos-alpha, que podem ser armazenados e utilizados
posteriormente para criar pensamento onírico.

Se a função-alpha está perturbada, as impressões e emoções permanecem não


modificadas e somente se produzem os elementos-beta, que não são apropriados para
serem usados nos pensamentos oníricos. São vividos como “coisas em si” (Kant) e
utilizados para serem evacuados por meio da identificação projetiva. Os pacientes com
transtornos sérios de pensamento tem sua função-alpha deteriorada, portanto, serão
produzidos elementos-beta que os impulsionam às atuações e ao pensamento “concreto”
em face ao fracasso de sua capacidade de simbolização.

Estas palavras de introdução ao tema desenvolvido por Bion constituem somente um


reflexo bastante pálido da riqueza conceitual condensada em cada um dos capítulos do
livro. Contudo, gostaria de novamente alertar ao leitor acerca não somente da
complexidade de seu conteúdo, como também da complexidade de sua exposição.
Naturalmente acarretou na clareza da tradução. Aqueles de nós que tiveram a
responsabilidade de supervisionar esta tradução nos encontramos diante do dilema de
ter de optar entre uma redação de estilo mais claro e ágil, mas que sacrificaria o sentido
“envolto na penumbra” de muitos dos parágrafos originais, ou apresentar uma tradução
aparentemente menos feliz na sintaxe ou construção de certos giros ou frases, mas
respeitando a "ambiguidade” e “obscuridade” do estilo do autor, sem que isto
significasse em uma tradução literal em um sentido absoluto. Preferimos o segundo,
pela natureza da obra e por desejarmos ser fieis ao espírito com que Bion justificou sua
complexidade. Esta decisão determinou, todavia, que se incrementassem muito mais as
dificuldades inerentes a toda tradução. Apesar de ter sido revisada e corrigida
numerosas vezes, sentimos que, inevitavelmente, deverão ter sobrado erros, nem sempre
passíveis de serem encontrados na tradução, senão dúvidas que tivemos em relação ao
sentido com que foram empregados certos termos ou frases.

Devido à dificuldade de encontrar os equivalentes apropriados em castelhano para


certos termos, decidimos deixar os originais, tais como acting-out, splitting, splitt-off,
background, reverie.

Em um grupo de estudos psicanalíticos sob minha direção dedicamos cerca de dois


anos, cerca de duas horas semanais, para entender, e discutir detalhadamente cada um
dos capítulos do livro de Bion, trocando pontos de vista, comentários, dúvidas e
conclusões acerca dos diversos temas cunhados pelo autor. Sentimos que seria útil
transmitir em algum momento, o que pudemos apreender com o estudo de “Aprendendo
com a experiência” desenvolvido a partir deste livro. O elaboraremos como um projeto
para o futuro.

Antes de terminar, gostaria de agradecer as inestimáveis colaborações dos integrantes


do grupo de estudos, doutores S. Aizenberg, R. Avenburg, E.T. De Bianchedi, J.A.
Carpinacci, L.A. Chiozza, G.S. de Fox, J.A. Granel, P. Grimaldi, S.Lummermann, J.A.
Olivares, H. Pastrana Borrero, R. Polito, E. Rolla e D. Sor; e em especial, aos doutores
R. Avenburg, J.A. Carpinacci, e R. Pollito, por seu valioso aporte na supervisão e
correção da versão castelhana da obra.

León Grinberg
Introdução

1. Como os problemas que são tratados neste livro são fundamentais em relação à
aprendizagem, já faz muito tempo que despertaram um interesse investigativo.
Na prática psicanalítica, particularmente com pacientes que apresentam sintomas
de transtornos de pensamento, observa-se que a psicanálise agregou uma nova
dimensão a estes problemas, quiçá, sua solução.

2. Este livro se refere às experiências emocionais que se relacionam diretamente


tanto com as teorias do conhecimento como com a psicanálise clínica, isto tudo
abordado do modo mais prático possível. O homem que se formou segundo
algum método filosófico geralmente carece da experiência íntima que possui o
analista dos processos que correspondem aos transtornos do pensamento, e
mesmo os psicanalistas poucas vezes afrontam tais casos. Neste sentido eu fui
afortunado, porém, não possuo formação filosófica. Conto, todavia, com a
vantagem de ter estado em análise primeiramente com John Rickman, e em
seguida com Melanie Klein.

3. Tenho experiências que gostaria de transmitir, contudo, tenho dúvidas a respeito


do modo por meio do qual poderia fazê-lo; este livro explica o porquê desta
dificuldade. Em um primeiro momento pensei em me concentrar na análise de
candidatos. Estou de acordo que é o único método realmente efetivo que
possuímos no momento para transmitir a experiência analítica; contudo, limitar
nossos esforços a somente esta atividade teria algo de cunho exotérico. Talvez a
publicação de um livro deste tipo possa parecer prematura. Todavia, creio que
pode servir para dar uma ideia do que se descobre ao buscar entender nossa
compreensão. Se este livro servir para estimular o leitor a seguir em frente, seu
objetivo terá sido atingido.

4. Limitei ao máximo o número de notas e referências: as que, contudo, deixei, são


essenciais para o processo de pensar o pensamento, ao invés de simplesmente ler
o livro. O livro foi estruturado para ser lido de uma única vez, sem que o leitor
se detenha naquelas partes que a princípio possam resultar obscuras. Alguns
pontos obscuros se devem a que não foi possível transcrevê-los sem pressupor
familiaridade com algum aspecto de um problema que logo adiante será tratado.
Se o lê, sem se deter nestes pontos, estes irão se esclarecer na medida em que
avança. Lamentavelmente, subsistem pontos obscuros devido a minha
incapacidade de esclarecê-los. O leitor pode descobrir que é realmente
gratificante esclarecê-los por si próprio, uma tarefa que se impõe não porque eu
a deixei de realizar.

5. Pode parecer que o emprego de modo equivocado de palavras cujo significado já


está estabelecido, como é o caso dos termos função e fatores. Um crítico
assinalou que emprego os termos de modo ambíguo, consequentemente existe o
perigo de que o leitor se confunda em razão das associações que existem entre
estas palavras e as matemáticas e a filosofia. As usei deliberadamente em razão
destas associações e desejo que a ambiguidade persista. É meu propósito que o
leitor recorde as matemáticas, a filosofia e o uso corriqueiro da língua, pois
umas das características da mente humana, à qual me refiro, pode se desenvolver
de tal modo que um estudo posterior pode classificar-se sob estes
encabeçamentos, e outros. Porém, o que interessa aqui não é o que a função
possa vir a ser; meu emprego do termo tem o propósito de assinalar que se a
pessoa que está sob observação, está realizando um cálculo matemático ou um
ato de inveja ou caminhando de um modo peculiar, todas são para mim funções
da personalidade. Se me interesso pela exatidão de suas operações matemáticas
não é porque me interessa medir seus conhecimentos matemáticos, mas porque
estes e a exatidão de suas operações são funções de sua personalidade e eu
desejo saber quais são os fatores.

6. Se o leitor ler o paragrafo anterior novamente comprovará que ao optar pelo uso
do termo função, conservando este sua penumbra de associações, pode supor-se
que usarei o termo segundo as regras e convenções que os matemáticos e
filósofos aceitam, para regular seu uso. Se satisfaço esta expectativa dirão que
emprego o termo “apropriadamente”. Porém, se não correspondo a esta
expectativa (levantada pela penumbra das associações das quais eu não me
ocupo) dirão com razão que emprego o termo de modo equivocado. Fica, então,
em aberto para mim, concordar com o criticismo, ou explicitamente despojar o
termo de sua penumbra de associações, ou, aceitar que a conveniência de seu
uso está implicada nestas associações.

7. Na realidade não optarei por nenhuma das duas. Suponhamos que vejo um
homem caminhando. Posso dizer que seu caminhar é uma função de sua
personalidade e que a partir de uma investigação descubro que os fatores desta
função são seu amor por uma mulher e sua inveja de um amigo desta. Ou que os
fatores nesta função são seu amor por uma mulher e a inveja de um amigo desta.
Se prossigo na investigação, posso determinar que ao seu amor por esta mulher
se agrega a sua inveja do amigo desta, ou F (seu modo de caminhar) = A+C
(F=função, A= amor, C= inveja). Porém, talvez sinta que minhas observações se
aproximam à teoria kleiniana da identificação projetiva e que posso expressar
melhor minha opinião sobre os fatos se digo que a função de caminhar é um
sinal de que o paciente colocou dentro de si uma mulher que deseja e com a qual
se indentifica e um rival de quem tem inveja, mas com o qual também está
identificado, e que ambos os objetos são controlados por estarem presos em suas
pernas. Pouparei ao leitor de uma figura geométrica, expressando esta última
ideia “matematicamente”; contudo, lhe pedirei que reflita se de fato no capítulo
1 emprego os termos “função” e “fator” de modo equivocado. Entendo que este
uso possa confundir, contudo não estou de acordo que se possa afirmar que faço
um mau uso deste termo. No capítulo posterior sustento que o uso de ideias, e os
símbolos que as representam, está menos desenvolvido que o processo mediante
o qual as ideias evoluíram. Por esta razão estou disposto a aceitar o mal emprego
de uma ideia, ou seu símbolo ou ambos, porém, não estou de acordo que exista
um critério definitivo sobre esta questão. Na metodologia psicanalítica o critério
não deve depender de se um determinado uso é correto ou incorreto, se tem
significado ou se é verificável, senão de sua capacidade de fomentar o
desenvolvimento.

8. Não estou sugerindo que esta capacidade de promover tal desenvolvimento nos
provê de um critério absoluto: a teoria psicanalítica e sua prática, nos casos em
que o pensamento apresenta transtornos graves, assinalam a necessidade de uma
reformulação das ideias sobre a origem e natureza dos pensamentos e uma
reformulação paralela das ideias sobre os mecanismos mediante os quais é certo
que é necessário modificar nossos enfoques sobre os pensamentos e os
mecanismos do processo de pensar, é provável que esta modificação, se é tão
importante quanto o creio, também exija a modificação da forma pela qual
produzimos “pensamentos” e os métodos que empregamos ao usá-los. Meu
método de criar “fator” e “função” (e sua capacidade para representar uma
“realização”) não tem por que ser considerado necessariamente equivocado por
diferir dos métodos que são geralmente aceitos como os únicos que
correspondem a uma produção, natureza e uso dos conceitos corretos. Esta claro
para mim que o método não está livre de ser submetido ao exame crítico ao qual
a experiência psicanalítica ensinou que todo pensar deve ser submetido.

9. Os métodos que este livro apresenta não são definitivos. Mesmo quando me dei
conta de que são inadequados, frequentemente não foi possível melhorá-los.
Encontrei-me em uma posição semelhante a de um cientista que segue
empregando uma teoria que sabe que é imperfeita porque ainda não foi
descoberta outra melhor que a pudesse substituir.

SUMÁRIO DE TEMAS

O seguinte plano do livro pode servir de algo próximo a uma guia.

O capítulo I compreende uma explicação preliminar dos termos.

O capítulo II é uma delimitação da área na qual quero usar os termos como parte de meu
equipamento de investigação.
O capítulo III inicia uma descrição estilizada de experiências emocionais, “realizações”,
das quais eu participei, e constituem o estímulo para a criação deste livro. Por
“estilizada” quero dizer que é conscientemente sofisticada, porque a falsificação que
implica empregar este método de apresentação é incomensuravelmente menor que a
produzida por qualquer outro, incluindo os assim chamados registros mecânicos. Estes
últimos oferecem um tipo de verdade que corresponde à fotografia, porém a forma
como este registro é levado a cabo, apesar da superficialidade da precisão no resultado,
já anteriormente levou a falsificação: isto está na própria sessão. A fotografia pode ser o
suficiente como fonte de verdade, contudo é preciso ressaltar que só se trata de um fonte
depois que esta foi captada pelo fotógrafo e seu aparato; de qualquer forma, o problema
de interpretar a fotografia permanece. A falsificação pelo registro é maior porque ele dá
verossimilhança para algo que já foi falsificado.

O capítulo 4 é uma breve descrição de algumas ideias que são discutidas ao longo do
livro.

Os capítulos 5-11 é uma descrição sumária do fenômeno clínico relacionado com o


tema deste livro; este é familiar aos analistas, mas em razão dos termos através dos
quais é cunhado, provavelmente serão mais significativos para analistas formados nas
teorias kleinianas. Esta descrição indica o uso que eu faço do termo função-alpha e
barreira de contato e, no final do capítulo 11, eu assinalo a importância da escolha entre
modificar a frustração ou evadir-se desta.

O capítulo 12 inicia-se com a discussão da identificação projetiva e a sua relação com a


gênese do pensamento. O tema segue para o papel interpretado pela experiência oral e
alimentar em nos fornecer um modelo para o pensamento. Ressaltando aqui as sérias
consequências que podem acarretar para o desenvolvimento da criança o fato de ter uma
mãe incapaz de fazer reverie.

O capítulo 13 trata do problema de gravar as sessões e as teorias usadas pelo analista, e


discute possibilidades que oferecem uma aproximação de um método científico de
notação no capítulo 14.
Os capítulos 14-16 introduzem os sinais L, H e K, para serem utilizados na discussão do
tema deste livro.

Os capítulos 17-18 retorna ao uso da abstração da função alpha para a discussão da


origem do pensamento. Os problemas da abstração ou da generalização e da tendência à
concretização ou particularização são então discutidos.

O capítulo 19 dá início à discussão do uso dos modelos psicanalíticos.

O capítulo 20 é a investigação da abstração mediante a qual se tenta fazer uso de sinais


abstratos para elucidar alguns dos problemas da abstração tais como eles se apresentam
em uma análise.

O capítulo 21 introduz a teoria kleiniana do intercâmbio entre posição depressiva e


posição esquizo-paranóide: sua relação com o aprendizado e a experiência emocional
associada aos termos utilizados nas teorias da causalidade é explorada.

Os capítulos 22-23 analisam a abstração e a construção do modelo no contexto da


prática psicanalítica.

Os capítulos 24-27 seguem com a explicação com ênfase particular no aprendizado


(Vínculo C). O capítulo 28 é uma elaboração do mesmo tema em relação a menos C (-
C).

Capítulo I
1 - Denominar uma ação pelo nome da pessoa da qual se pensa que esta ação é típica;
falar, por exemplo, de spunerismo, como se fosse uma função da personalidade de um
indivíduo chamado Spuner, é bastante comum na linguagem corrente. Aproveito este
uso para deduzir dele uma teoria das funções que resistirá a uma aplicação mais
rigorosa que a empregada nesta frase da linguagem corrente. Supondo que há fatores na
personalidade que se combinam produzindo entidades estáveis que eu denomino
funções da personalidade. O significado que atribuo aos termos “fatores” e “funções” e
o uso que lhes dou em seguida aparecem, contudo, uma explicação preliminar não será
excessiva.

2 – A afirmação: “Um fator que devemos levar em conta na personalidade de X é sua


inveja de seus companheiros”, pode ser feito por qualquer pessoa leiga e pode significar
pouco ou muito; seu valor depende de nossa opinião sobre a pessoa que o diz e o peso
que esta atribui a suas próprias palavras. A força da afirmação se altera se dou ao termo
“inveja” o peso e o significado com os significados com os quais Melanie Klein os
revestiu.

3 – Suponhamos outra afirmação: “A relação de X com seus companheiros é típica de


uma personalidade na qual o inveja é um fator”. Este enunciado expressa a observação
de uma função, na qual os fatores são a transferência e a inveja, senão algo que é uma
função da transferência e da inveja. O que se observa não é a transferência ou a inveja.
É necessário, no curso de uma psicanálise, deduzir novos fatores das mudanças
observadas na função e distinguir diferentes funções.

4 – “Função” é o nome para a atividade mental própria a um número de fatores


operando em consonância. “Fator” é o nome para uma atividade mental que opera em
consonância com outras atividades mentais constituindo uma função. Os fatores são
dedutíveis da observação das funções, das quais são parte e com as quais conservam
uma mútua harmonia. As teorias podem representar teorias ou realidades. Podem
parecer lugares comuns pertencentes ao insight comum: contudo, não o são, pois a
palavra utilizada para designar o fator se emprega de modo científico e, portanto, é mais
rigorosa do que o usual na língua corrente. Os fatores não são deduzidos diretamente,
mas através da observação das funções.
5 – A teoria das funções facilita a correlação da “realização”2 com o sistema dedutivo3
que a representa. Para além, seu uso dá flexibilidade a uma teoria analítica, que deve ser
empregada a situações analíticas da mais diversa índole, sem prejudicar a permanência e
a estabilidade da estrutura da qual faz parte. Ademais, mediante a teoria das funções,
sistemas dedutivos que possuem um alto grau de generalização podem representar
observações na análise de um paciente em particular. Isto é importante porque a teoria
psicanalítica deve ser aplicada a mudanças que se observam na personalidade do
paciente. Se o analista observa funções e deduz destas os fatores com os quais estas
estão relacionadas, a lacuna que separa a teoria da observação pode ser superada sem a
elaboração de novas, e possivelmente, equivocadas teorias.

6 – A função à qual me referi, por sua importância intrínseca, também serve para ilustrar
o uso que se pode dar a uma teoria das funções. Chamo esta função de função-alpha, de
modo que posso me referir a ela sem estar limitado, como estaria se empregasse um
termo mais rico em significados, por uma penumbra de associações que se dariam. Por
outro lado, o significado das teorias que aparecem como fatores devem ser conservados
e empregados o mais rigorosamente possível. Assumo que este significado foi
esclarecido de modo satisfatório pelos autores e demais pessoas que analisaram as
teorias com concepção crítica. A liberdade implícita no uso do termo função-alpha e a
concentração de precisão da expressão e do emprego em tudo o que se relaciona com os
fatores confere flexibilidade sem prejudicar sua estrutura. O uso que faço de uma teoria
que já existe poderia aparecer como se distorcesse o sentido que lhe dá o autor; onde eu
creio que seria necessário que fosse esclarecido, se não os esclareço, deve supor-se que
acredito estar interpretando a teoria do autor corretamente.

2 O termo “realização” é empregado no sentido que teria se disséssemos que a geometria euclidiana das
três dimensões tem as estruturas do espaço ordinário como uma de suas “realizações”. Esta expressão é
empregada de forma facilmente reconhecível em Algebric Proyective Geometry, Semple e Kneebone
(O.U.P., 1956), capítulo1, que trata do conceito de geometria.
Preferimos utilizar o termo “realização” para traduzir realization com o significado de materialização,
objetivação, concretização, ou seja, tornar real uma coisa. Nos apoiamos também de que Freud tenha
utilizado como sinônimos os termos realisierung e objektivierung, este último do alemão em que significa
objetivação.

3A expressão “sistema dedutivo” ou “sistema dedutivo científico” empregada desta forma compreende
qualquer aproximação ou aproximação projetada aos sistemas lógicos descritos, em Scientific
Explanation (C.U.P., 1955) capítulo II e seguintes.
7 – O termo função-alpha está propositalmente desprovido de significado, antes de
assinalar a área de investigação na qual me proponho a emprega-lo, devo considerar um
dos problemas concomitantes nesta investigação. Como o objeto deste termo sem
significado é o de prover à investigação psicanalítica de um equivalente da variável dos
matemáticos, uma incógnita que pode ser revestida com um valor que seu uso ajudou a
determinar, é importante que não se vá empregando prematuramente para comunicar
significados, pois estes significados prematuros podem ser precisamente aqueles que é
essencial excluir. Todavia, o mero fato de que o termo função-alpha seja empregado em
uma determinada investigação inevitavelmente leva a que este seja revestido com os
significados derivados das investigações que já foram levadas a cabo neste campo4.
Portanto, deve manter-se uma vigilância constante com o fim de impedir que isto
ocorra, ou que o valor do instrumento acabe prejudicado desde o início. A área de
investigação é aproximadamente aquela que está coberta pelos trabalhos aos quais irei
me referir no próximo capítulo.

Capítulo II

1 - Ao descrever a instituição do princípio da realidade Freud disse: “A maior


significação da realidade externa elevou também a significação dos órgãos dos sentidos
voltados para o mundo externo e da consciência a eles vinculada, que além das
qualidades de prazer e desprazer, as únicas que até então lhe interessavam, começou a
apreender também qualidades sensoriais”. Destaco o seguinte: “a consciência (...)
começou a apreender”. Presumivelmente, Freud está se referindo a consciência ligada às
impressões sensoriais5. Eu posteriormente discutirei a atribuição de compreensão à
consciência. O que nos interessa neste momento é a função da própria apreensão; a

4 Ver The Logic of Scientific Discovery, K. R. Popper (Hurchinson, 1959), pg 35, na qual se dá um
excelente exemplo deste problema

5 “Observações sobre os dois princípios do funcionamento mental”, S. Freud. O critério com que foram
selecionadas as citações e referências que aparecem neste capítulo não foi tão rigoroso quanto considero
necessário para a aplicação em uma teoria científica ou como um fator em uma teoria das funções. O
propósito que tem aqui é o de limitar a área dentro da qual aplicarei o conceito de função alpha.
apreensão das impressões sensoriais e das qualidades do prazer e do desprazer são
ambas investigadas neste trabalho. Trato as impressões sensoriais, o prazer e o
desprazer como igualmente reais, portanto, descarto a diferenciação que Freud faz entre
o “mundo externo” e o prazer e o desprazer, por considera-la irrelevante ao tema da
apreensão. Refiro-me, todavia, à relação que existe entre o “princípio do prazer” e o
“princípio da realidade” e a escolha que um paciente pode fazer entre a possibilidade de
modificar uma frustração ou evadir-se dela.

2 – O atribuir à consciência a capacidade de apreensão nos leva a contradições que


podem ser evitadas aceitando, para os fins da teoria que desejo propor, uma
conceitualização posterior de Freud: “porém, que papel é ali deixado para ser
interpretado em nosso esquema pela consciência, o que em algum instante foi tão
onipotente e oculto a todos os demais? Simplesmente o de um órgão sensorial para a
percepção de qualidades psíquicas”6 (grifos de Freud).

3 – Seguindo com a citação de “Observações sobre os dois princípios do funcionamento


mental”, de Freud: “constituiu-se uma função especial (a atenção) cujo conteúdo
consistia em indagar periodicamente o mundo externo para que suas informações
pudessem se tornar familiares caso viesse a surgir uma necessidade interna urgente. Esta
atividade sai em busca do encontro de impressões sensoriais, ao invés de esperar que
estas apareçam”. Freud não aprofundou sua investigação sobre a atenção, contudo, pelo
termo que ele utiliza, isso tem o significado de investigar como um fator na função-
alpha.

4 – Seguindo: “provavelmente estabeleceu também, ao mesmo tempo, um sistema de


notação encarregado de depositar os resultados desta atividade periódica da consciência,
uma parte do que chamamos de memória”. A notação e o acúmulo dos resultados da
atenção são também fenômenos que devem ser investigados com a ajuda a teoria da
função-alpha.

6 Freud, S. A interpretação dos sonhos (1900, p. 615).


5 – Serão também levadas em conta algumas teorias de Melanie Klein e seus
colaboradores: as mencionarei aqui. São elas; o splitting7, a identificação projetiva8 , a
transição da posição esquizo-paranóide a posição depressiva e vice versa; a formação do
símbolo9 e alguns de meus trabalhos anteriores sobre o desenvolvimento do pensamento
verbal10. Referi-me a isto somente como fatores modificados por combinações entre
eles em uma função. Isto é tudo no que diz respeito a trabalhos anteriores: darei agora o
exemplo do emprego desta teoria das funções em uma investigação psicanalítica dentro
do campo coberto pelos trabalhos aos quais me referi neste capítulo.

Capítulo III

1 - Uma experiência emocional que ocorra durante o sonho, que elegi por razões que em

seguida veremos, não difere de uma experiência emocional que acontece no estado de
vigília, no qual as percepções da experiência emocional tem, em ambos os casos, que
ser elaborado pela função-alpha antes que possa ser utilizada para os pensamentos
oníricos.

2 – A função-alpha opera sobre as impressões sensoriais, quaisquer que sejam, e as


emoções, quaisquer sejam, que o paciente nota em si. Enquanto a função-alpha opera
com êxito, serão produzidos elementos-alpha e estes elementos são adequados para o
armazenamento e para satisfazer os requisitos dos pensamentos oníricos. Se a função-
alpha está perturbada, o que significa que ela está inoperante, as impressões sensoriais
que o paciente capta e as emoções que ao mesmo tempo está experimentando
permanecem não modificados. Os chamarei de elementos-beta. Em contraposição aos

7Manteremos o termo original splitting ao invés de traduzi-lo por dissociação ou divisão, devido ao fato
de que conceitualmente faz referência a um tipo específico de dissociação, de índole mais regressiva,
como Bion esclareceu em trabalhos anteriores. Seguimos os mesmos critérios para o termo splitt.

8 Klein, M., “Notas sobre alguns mecanismos esquizóides (1962).

9 Klein, M., A importância da formação de símbolos no desenvolvimento do Eu, (1964).

10 Bion, W. R., Diferenciação entre personalidades psicóticas e não psicóticas.


elementos-alpha, os elementos-beta não são sentidos como se se tratassem de
fenômenos, senão como “coisas-em-si”11. Assim mesmo, as emoções são objetos dos
sentidos. Portanto, estamos de frente a um estado anímico precisamente contrastante
com o de um cientista que se ocupa de fenômenos, mas que não tem a mesma certeza a
respeito do fato de que os fenômenos tem uma parte complementar formada de coisas-
em-si.

3 – Os elementos-beta não estão propensos a serem utilizados na identificação projetiva.


Influem na produção do acting-out. São objetos que podem ser evacuados ou
empregados para um modo de pensar que depende da manipulação daquilo que é
sentido como coisas-em-si , buscando substituir esta manipulação por palavras e ideias.
Por exemplo, um homem pode assassinar seus pais e consequentemente se sentir livre
para amar porque por meio deste ato supõe ter evacuado seus pais internos antisexuais.
Tal ato está dirigido a “libertar o psiquismo do acréscimo de estímulos”. Os elementos-
beta são armazenados, porém, diferem dos elementos-alpha em razão de serem menos
recordações do que fatos não digeridos, enquanto os elementos-alpha foram digeridos
pela função-alpha e portanto são convertidos em algo disponível para o pensamento. É
importante estabelecer a diferença entre as recordações e os fatos não digeridos, os
elementos beta (posteriormente veremos o uso dos termos “digerido” e “não digerido”).

4 – Se o paciente não consegue transformar a experiência emocional em elementos


alpha, não consegue sonhar. A função-alpha transforma as impressões sensoriais em
elementos-alpha que se assemelham, e na realidade podem ser idênticos, às imagens
visuais com as quais estamos familiarizados nos sonhos, principalmente os elementos
que Freud considera que deixam transparecer seu conteúdo latente uma vez que o
analista os interpreta. Freud demonstrou que uma das funções do sonho é manter o
sujeito dormindo. O fracasso da função alpha significa que o paciente não pode sonhar
e, portanto, que não pode dormir. Como a função alpha determina que as impressões
sensoriais da experiência emocional sejam acessíveis ao pensamento consciente e ao
pensamento onírico, o paciente que não consegue sonhar, não consegue adormecer e

11 Emprego o termo “fenômenos” para expressar o que Kant denominou de qualidades secundárias e
primárias. A expressão “coisas em si” também coincide com a que Kant emprega para referir-se a objetos
que não são cognoscíveis para o gênero humano.
não consegue despertar. Dai a situação particular que se manifesta clinicamente quando
o paciente psicótico comporta-se como se estivesse precisamente neste estado.

Capítulo IV

1 – Agora levaremos em conta a experiência emocional de modo geral, e não somente


como se dá no dormir. Acentuarei o que foi dito até agora através de uma nova versão
de uma teoria popular do pesadelo. Acreditava-se que um homem tinha um pesadelo
porque estava com um problema digestivo e por isso despertava aterrorizado. Minha
versão é: se o paciente que dorme está aterrorizado: devido ao fato de que se não pode
ter um pesadelo, não consegue despertar nem tampouco adormecer; está sofrendo,
portanto, de indigestão mental.

2 – O princípio mais genérico da teoria é que para aprender com a experiência a função-
alpha deve operar sobre a captação da experiência emocional; os elementos alpha
surgem das impressões da experiência; portanto se convertem em algo estocável e
disponível para os pensamentos oníricos e para o pensamento inconsciente da vigília.
Uma criança que tem a experiência emocional chamada “aprender a caminhar” é capaz,
graças à função-alfa, de estocar esta experiência. Pensamentos que em um primeiro
momento tiveram que ser conscientes se convertem em inconscientes e desta forma a
criança pode realizar todo o pensar necessário para caminhar sem que ainda esteja
consciente disso. A função-alpha é necessária para pensá-lo e para a racionalização
consciente, e para relegar o pensamento ao inconsciente quando é necessário libertar a
consciência da carga de pensamento que decorre da aprendizagem de uma habilidade.

3 – Se existem somente elementos-beta, que não podem ser fatos inconscientes, não
poderá haver repressão, supressão ou aprendizagem. Isto dá a impressão de que o
paciente é incapaz de discriminar. Não pode deixar de captar todo estímulo sensorial;
todavia, tal hipersensibilidade não significa um contato com a realidade.
4 – Os ataques à função-alpha, estimulados pelo ódio ou a inveja, destroem a
possibilidade de que o paciente estabeleça um contato consciente, quer seja consigo
mesmo ou com qualquer outro como objetos vivos. Portanto, se refere a objetos
inanimados, ou ainda a lugares, quando normalmente deveria se referir a pessoas.
Porém, ainda que as descreva na forma verbal, o paciente vive estas pessoas como
presentes na forma material e não simplesmente representadas pelos seus nomes. Este
estado contrasta com o animismo, no qual os objetos vivos são revestidos com atributos
de morte

Capítulo V

1 – Devemos analisar agora o splitting forçado associado a uma relação perturbada com
o seio ou seus substitutos. O lactante recebe do seio leite e outras formas de bem estar
corporais; recebe também amor, compreensão, conforto. Suponhamos que sua iniciativa
é obstruída pelo medo da agressão, a sua própria ou a de outros. Se a emoção é muito
intensa, inibe o impulso do lactente de obter alimento.

O amor no lactente, ou na mãe, ou em ambos, antes incrementa do que debilita a


obstrução, em parte porque não é possível separar o amor da inveja12 que se sente de um
objeto tão amado; e em parte porque se sente que inveja e ciúme são despertados em um
terceiro objeto que fica excluído. O papel que o amor desempenha pode passar
desapercebido porque a inveja, a rivalidade e o ódio podem obscurecê-lo, todavia o ódio
não existe, quando o amor não está presente. A violência da emoção obriga ao reforço
da obstrução, pois não se distingue a violência da destrutividade e as subsequentes culpa
e depressão. O temor à morte por inanição, falta do essencial, obriga a retomar a sucção.
Desenvolve-se um Split (divisão) entre a manifestação material e a psíquica.

2 – Teme-se tanto o medo, o ódio e a inveja que são tomadas as medidas necessárias a
fim de destruir a captação de todos os sentimentos, apesar de que isto não se diferencia

12 O termo inveja é empregado aqui para de modo geral nos referirmos aos fenômenos descritos em
detalhe por Melanie Klein em Inveja e Gratidão
verdadeiramente do ato de destruir a própria vida13. Se um sentido de realidade, forte o
bastante para impedir que as emoções o inundem, obriga o infante a continuar a se
alimentar, a inveja e o ódio experimentados numa situação que estimula o amor e a
gratidão acabam se tornando intoleráveis, e levam a um splitting que se diferencia
daquele splitting que tende a evitar a depressão. Diferencia-se do splitting provocado
por impulsos sádicos nos quais seu objeto e seu efeito é permitir ao lactante o que
posteriormente na vida será denominado de comodidades materiais, não admitindo a
existência de um objeto vivo do qual estes benefícios dependem. A inveja provocada
por um seio que está repleto de amor, compreensão, experiência e saber cria um
problema que encontra solução na destruição da função-alpha. Isto faz com que o seio e
o lactente pareçam inanimados, com as consequentes culpabilidade, temor ao suicídio,
temor ao crime, passados, presentes e iminentes. A necessidade de amor, compreensão e
desenvolvimento mental é desviada da busca pelo bem-estar material, dado que não
pode ser satisfeita. Do mesmo modo que se intensificam os desejos de um maior bem-
estar material, a ânsia por amor permanece insatisfeita, convertendo-se em uma
excessiva e mal dirigida voracidade (ganância).

3. Este Split (divisão) imposto em parte pela fome e o medo da morte por inanição e,
por outro lado, pelo amor, e o medo da inveja criminosa associada ao ódio, produz um
estado mental no qual o paciente procura de modo ganancioso toda e qualquer forma de
comodidade material; é ao mesmo tempo implacável e insaciável em sua busca de
saciedade. Como este estado tem sua origem em uma necessidade de libertar-se das
complicações emocionais que estão implicadas em tornar-se consciente da vida, e da
relação com objetos vivos, o paciente parece ser incapaz de experimentar gratidão ou
interesse, seja em si mesmo ou nos demais. Este estado implica a destruição de seu
interesse pela verdade. Como estes mecanismos fracassam em libertar o paciente de
suas dores e ele sente que isto é decorrente da carência de algo, sua busca pela cura
toma a forma de uma busca de um objeto perdido e termina numa dependência maior da
comodidade material, sendo a quantidade o elemento dominante e não a qualidade. Se

13 Ver paragrafo 4, Cap. IV.


sente rodeado de objetos estranhos14, de modo que mesmo as comodidades materiais
são insuficientes e incapazes de satisfazer suas necessidades. Contudo, carece de
aparelho, a função-alpha, que lhe permitiria compreender sua dificuldade. O paciente
voraz e temeroso vai sequencialmente tomando um elemento-beta atrás do outro,
aparentemente incapaz de conceber qualquer outra atividade que não seja a introjeção
de mais elementos-beta. Quando isto se dá em uma análise, sentimos que o paciente
jamais abandonará a busca por um tipo de ação, de modo que não conseguimos
compreender como não se dá conta da futilidade deste ato. Pensa que as interpretações,
sem exceção, são más, contudo, ainda assim precisa cada vez mais destas. Todavia, o
paciente não sente que está sendo interpretado, dado que isto implicaria em uma
capacidade de estabelecer com o analista uma relação análoga à relação do lactente com
um seio repleto de sabedoria material e amor. Sente-se, porém, capaz somente de
estabelecer uma relação equivalente àquela na qual toda sustentação passível de
obtenção adviria de objetos inanimados; consegue aceitar aquelas interpretações
psicanalíticas que sente que são flatulências ou contribuições que se destacam mais pelo
que não são do que por aquilo que são. O fato de que o paciente utilize um equipamento
adequado para um contato com o inanimado para entrar em contato consigo mesmo
ajuda a explicar a confusão que sente quando capta que na realidade ele está vivo15.
Ainda que não sinta que existam características reconfortantes em seu ambiente,
incluído as interpretações analíticas em seu ambiente, e a sua própria carência de um
equipamento que o permita aprender algo com sua experiência, o paciente, em última
instancia, capta algo do significado daquilo que lhe é dito.

Capitulo VI

14 Preferimos traduzir o termo bizarre por estranho, por ser este o significado mais próximo. Os “objetos
estranhos” (bizarre objects) são o resultado das identificações projetivas patológicas pelas quais o objeto
é percebido como dividido em minúsculos fragmentos, cada qual contendo, porém, uma parte projetada
de si mesmo (self). Estes objetos estranhos são experimentados como carregados de grande agressividade.

15 Ver capítulo VI, paragrafo 2.


1 – As reações do paciente frente ao bem-estar material é observada a partir de suas
reações frente às comodidades do tipo material, o divã ou outras coisas, que existem no
consultório. Por que necessita ter mais e mais destas “comodidades”? Parte da resposta
está no splitting que teve como propósito, ao efetuar uma separação entre o bem estar
material e o psíquico, servir de escape ao temor, à inveja, quer de si mesmo, quer a do
outro.

2 – A intenção de procurar evitar a experiência de contato com objetos vivos, destruindo


a função-alpha, incapacita a personalidade para estabelecer uma relação com qualquer
aspecto de si mesma, que não se assemelhe a um autômato. Somente os elementos-beta
estão disponíveis para qualquer atividade que tome o lugar do pensar e os elementos-
beta são somente apropriados para a evacuação, talvez mediante a intervenção da
identificação projetiva. Estes elementos-beta são tratados por um processo de evacuação
similar aos movimentos da musculatura, mudanças de expressão, etc., que Freud
descreve como tendentes a desincumbir à personalidade dos incrementos de estímulo e
não em criar mudanças no ambiente; um movimento muscular, um sorriso, por
exemplo, deve ser diferentemente interpretado em relação a um sorriso de uma
personalidade não psicótica. Os fenômenos que se dão na análise não coincidem com a
descrição de Freud da forma de atuar da personalidade durante a fase do predomínio do
princípio do prazer, para desincumbir-se dos incrementos de estímulo. Essa
personalidade é, dentro de certos limites, normal: a personalidade que estou
descrevendo é marcadamente anormal. A atividade que encontra lugar sobre o
predomínio do princípio do prazer, que tende a libertar a personalidade de incrementos
de estímulos é substituída, na fase em que predomina o princípio da realidade, pela
expulsão dos elementos-beta indesejados. Um sorriso ou uma frase dita deve ser
interpretada tal qual um movimento muscular de evacuação e não como uma
comunicação de sentimentos.

O homem de ciência, cujas investigações incluem a substância da própria vida,


encontra-se em uma situação semelhante a dos pacientes que estou descrevendo. Um
problema no equipamento de pensar do paciente conduz ao predomínio de uma vida
mental na qual o universo está povoado de objetos inanimados. A incapacidade, mesmo
nos seres humanos mais desenvolvidos, para fazer uso de seus pensamentos, uma vez
que a capacidade de pensar é rudimentar em todos nós, significa que o campo para
investigação, já que em ultima instância toda investigação é científica, está limitado
pela insuficiência humana, àqueles fenômenos que tem as características do inanimado.
Supomos que a limitação psicótica deve-se a uma enfermidade, mas que a do homem da
ciência não. A investigação desta premissa esclarece a enfermidade por um lado e o
método científico por outro. Parece que nosso equipamento rudimentar para “pensar”
pensamentos é adequado para quando os problemas estão associados com o inanimado,
mas que não é assim quando o objeto a ser investigado é o fenômeno da própria vida.
Confrontado com as complexidades da mente humana, o analista deve ser prudente
mesmo seguindo métodos científicos aceitos; sua debilidade pode estar mais próxima da
fraqueza do pensamento psicótico do que a primeira vista poderia parecer.

Capítulo VII

1 – Se um homem tem uma experiência emocional durante o sonho ou a vigília e é


capaz de convertê-la em elementos-alpha, pode permanecer inconsciente desta
experiência emocional, ou chegar a torna-la consciente. O homem que dorme tem uma
experiência emocional, a converte em elementos-alpha e se torna capaz de ter
pensamentos oníricos. Portanto, tem a liberdade para se tornar consciente (ou seja,
acordar) e de descrever a experiência emocional por meio de uma narrativa que
geralmente conhecemos como sonho.

2 – Um homem que conversa com um amigo converte as impressões sensoriais desta


experiência emocional em elementos-alpha; desta forma torna-se capaz de ter
pensamentos oníricos, e portanto, de ter uma consciência não perturbada dos fatos, quer
sejam estes os acontecimentos dos quais participa, ou seus sentimentos sobre estes
acontecimentos, ou ambos. É capaz de permanecer “dormindo” ou inconsciente de
certos elementos que não conseguem ultrapassar a barreira que seu “sonho” oferece.
Graças ao “sonho” pode continuar desperto de modo ininterrupto, ou seja, desperto
diante do fato de que está conversando com seu amigo, porém dormindo para os
elementos que, se pudessem penetrar a barreira de seus “sonhos”, conduziriam a que sua
mente fosse dominada pelo que geralmente são ideias e emoções inconscientes.

O sonho constitui uma barreira contra os fenômenos mentais que poderiam invadir a
percepção que o paciente tem de que está conversando com um amigo e, ao mesmo
tempo, torna impossível que a percepção de que está conversando com um amigo
invada suas fantasias. A busca do psicótico de discriminar um do outro conduz ao
pensamento racional, que se caracteriza por uma peculiar falta de “ressonância”. O que
é dito de forma clara e inteligível tem somente uma dimensão. Não tem matizes de
significação. Convida quem está escutando a dizer: “e, portanto?”. Não tem a
capacidade de sugerir uma linha de pensamento.

3 – O “sonho” tem muitas das funções de censura e resistência. Estas funções não são
resultado do inconsciente, mas instrumentos mediante os quais o “sonho” cria e
diferencia consciência de inconsciência.

Resumindo: “o sonho”, em conjunto com a função-alpha, que possibilita o sonhar, é


fundamental para o funcionamento da consciência e da inconsciência, do qual depende
o pensamento ordenado. A teoria da função-alpha do “sonho” possui os elementos do
enfoque da teoria psicanalítica clássica dos sonhos, ou seja, que a censura e a resistência
são representados por esta. Contudo, na teoria da função-alpha as forças de censura e
resistência são essenciais para a diferenciação de consciente e inconsciente e ajudam a
manter a discriminação entre os dois. Esta discriminação deriva do funcionamento do
“sonho”, que é uma combinação em forma narrativa de pensamentos oníricos e estes
pensamentos, por sua vez, derivam de combinações de elementos-alpha. Nesta teoria a
capacidade para sonhar preserva a personalidade do que virtualmente é um estado
psicótico. Portanto, ajuda a explicar a tenacidade com que o “sonho”, tal qual
apresentado na teoria clássica, defende-se da intensão da tentativa de tornar o
inconsciente, consciente. Talvez possa parecer impossível estabelecer uma distinção
entre dita intenção e a destruição da capacidade para sonhar, na medida em que essa
capacidade está relacionada com a diferenciação entre consciente e inconsciente16 e com
a manutenção da diferenciação assim estabelecida.

Capitulo VIII

1 - Agora irei transpor tudo aquilo que foi dito acerca do estabelecimento de um
consciente e um inconsciente e de uma barreira entre ambos para uma suposta entidade
que eu chamo de “barreira-de-contato”. Freud usou este termo para descrever a entidade
neurofisiológica posteriormente conhecida como sinapse. Neste mesmo sentido, de
acordo com a minha afirmação de que o homem tem que “sonhar” uma experiência
emocional corriqueira, tanto se esta ocorrer durante o dormir, quanto durante a vigília: a
função-alpha do homem, dormindo ou desperto, transforma as impressões sensoriais
relacionadas com uma experiência emocional em elementos-alpha, os quais, ao se
proliferarem, se aderem formando a barreira-de-contato. Esta barreira-de-contato, desta
forma, em contínuo processo de formação, marca o ponto de contato e a separação entre
os elementos conscientes e inconscientes e dá origem a uma distinção entre estes. A
natureza da barreira-de-contato dependerá da natureza da provisão de elementos-alpha e
de como estes se relacionam entre si. Podem aderir-se. Podem estar aglomerados.
Podem estar ordenados em sequência para aparentarem uma narrativa (pelo menos na
forma que a barreira-de-contato pode se apresentar em um sonho). Podem estar
ordenados logicamente. Podem estar ordenados geometricamente

2 – O termo “barreira-de-contato” acentua o estabelecimento do contato entre


consciente, inconsciente e a passagem seletiva de elementos de um para o outro. A troca
de elementos do consciente para o inconsciente e vice versa dependerá da natureza da
barreira-de-contato. Neste sentido, os sonhos nos permitem um acesso direto ao estudo

16 “Diferenciação entre consciente e inconsciente”. Este emprego dos termos é típico da dificuldade de
aplicar termos ambíguos quando não se dispõe de termos mais precisos. Eu não quero dizer “o”
consciente ou “o” inconsciente, pois implicaria que se poderia pedir a um observador que distinguisse os
dois objetos. Contudo, não excluir essa matriz de significado porque quando os elementos são
diferenciados, alguns se convertendo em conscientes e outros em inconscientes, torna-se razoável dizer
que há um inconsciente se este conceito é útil.
da barreira-de-contato, de modo que em psicanálise continuam tendo a posição
fundamental que lhes foi designada por Freud.

A natureza da transcrição de consciente para o inconsciente e, consequentemente, a


natureza da barreira-de-contato e dos elementos-alpha que a compõe afetam a memória
e as características de qualquer tipo de recordação que é dada.

3 – Na prática, a teoria das funções e a teoria de uma função-alpha possibilitam


interpretações que demonstram precisamente como o paciente sente que tem
sentimentos, contudo não consegue aprender com estes, e tem sensações, algumas delas
bastante tênues, com as quais, também, pouco consegue aprender. É possível
demonstrar que juntamente a uma incapacidade de rejeitar ou ignorar qualquer tipo de
estímulo, pode existir uma determinação de nada experenciar. As impressões sensoriais
podem ser vistas como pregnantes de algum significado, contudo, o paciente sente-se
incapaz de saber qual é esse significado.

4 – As interpretações derivadas destas teorias parecem efetuar mudanças na capacidade


de pensar do paciente, e portanto, em sua capacidade de compreensão. Em relação aos
fenômenos que estão sendo investigados, este tipo de resposta é por si tão peculiar que
exige que a expliquemos. Em primeiro lugar, a natureza das dificuldades, se foram estas
realmente corretamente descritas, descartaria a possibilidade de que o paciente pudesse
compreender esta descrição. Esta dificuldade poderia ser superada elucidando as
distintas graduações de incapacidade. Do ponto de vista da técnica, seria satisfatório se
a resposta às interpretações baseadas no uso de uma teoria das funções, função-alpha e
barreira-de-contato, dessem algum elemento de confirmação de que uma realização se
aproxima destes conceitos teóricos. Cientificamente, a validade da teoria estaria baseada
em uma correlação entre a evidência de que a capacidade de pensar foi aumentada como
um efeito da análise e a evidência de que existe uma realização que corresponderia ao
esquema teórico abstrato. Realmente há uma efeito de “eco” quando se dá uma
interpretação que apoia a ideia de que o conceito teórico de barreira-de-contato tem uma
realização correspondente. A análise deste fato está fora do alcance deste trabalho e a
deixarei para outra ocasião.
Nos capítulos de III a VIII utilizei o conceito de função-alpha para preencher algumas
frestas no conhecimento de um estado mental que se encontra em curso na prática
analítica e que desejo descrever. Foi possível, assim, dar continuidade a minha
comunicação sem a necessidade de esperar que os fatos que faltam fossem descobertos
e sem formular enunciados que pudesse dar a impressão que os fatos já fossem
conhecidos.

Daqui para frente quero demonstrar como se usa a teoria das funções como um
instrumento para o trabalho analítico. Darei exemplos de background de experiências
emocionais (“realizações”) das quais a teoria foi abstraída e em seguida darei exemplos
de “realizações”, desconhecidas no momento em que a teoria foi abstraída, e que
posteriormente foi descoberto que se aproximavam desta. Lamentavelmente, o material
não se presta a uma explicação tão lógica sem produzir uma equívoca distorção dos
fatos. No próximo capítulo me dedicarei especialmente ao background da experiência
emocional da qual esta teoria foi abstraída. Trata-se de uma descrição dos elementos dos
quais foi feita a abstração, contudo, estes estão mesclados com tantos outros que é
impossível reclamar para esta descrição qualidades que geralmente são consideradas
essênciais em um trabalho científico.

Capítulo IX

1 – Um pequeno número de pacientes aos quais eu tratei apresentavam


proeminentemente sintomas de perturbação em sua capacidade de pensar. No decorrer
de seu tratamento apresentaram-se oportunidades para interpretações transferenciais
ortodoxas e estas foram aproveitadas, contudo, bastante frequentemente os pacientes
nada aprendiam com elas. A corrente de associações desconectadas continuava. As
interpretações baseadas nas teorias do erotismo anal em suas diversas formas, teorias
sobre a necessidade do paciente de improvisar uma personalidade tomando como base
elementos que ele sentia carecer de valor e que portanto podia dar-se ao luxo de perdê-
las, teorias de splitting, identificação projetiva, defesa frente ataques, etc., tinha somente
um efeito limitado. Havia sinais de confusão, que eu aprendi a associar com a
identificação projetiva. Portanto, supus que eu era o depositário de uma parte de sua
personalidade como sua sanidade ou a parte não-psicótica de sua personalidade. Não
demorou muito para que eu decidisse que era improvável que interpretações posteriores
baseadas nestas teorias pudessem alcançar algum fim útil. Testei a suposição de que eu
continha a parte não-psicótica de sua personalidade, e passei a me dar conta então de
que devia estar consciente de tudo o que estava se passando, enquanto ele não estava.
Eu era (contia) seu “consciente”. Às vezes eu podia visualizar a situação que se
desenrolava na análise como uma situação na qual o paciente era um feto ao qual as
emoções da mãe eram comunicadas, porém para o qual os estímulos das emoções e sua
origem eram desconhecidos (ver “Construção de modelos”, cap. XXII). Em outros
momentos, ele parecia ter uma ideia rudimentar do que estava se passando, contudo,
nenhuma ideia a respeito de como se sentia. Não descreverei aqui as variações sobre
esse tema, dado que não eram substancialmente diferentes das descritas por Melanie
Klein, H. Rosenfeld e outros. O problema que esperava solução, e que agora estou
considerando, era determinar que parte era esta. A teoria das funções oferecia uma
possibilidade de resolver esse problema supondo que eu contia funções desconhecidas
de sua personalidade, e que a partir de então, examinaria a experiência da sessão na
busca de pistas que me ajudassem a descobrir que funções eram estas. Supôs que eu era
a “consciência”. A teoria de Freud de que a consciência é um órgão sensorial da
qualidade psíquica permitia supor que estava havendo uma separação entre a
consciência e qualidade psíquica. Esta suposição resultou proveitosa, porém, somente
por uma ou duas sessões, e logo voltava a me encontrar na mesma situação que antes,
ou quase a mesma. Todavia, continuava a pensar que o problema poderia ser resolvido
em termos de transferência ou identificação projetiva, ou seja, eu assumia que os
pacientes se sentiam observados por mim e pelas partes de sua personalidade das quais
eu ficava depositário. À luz das teorias da transferência e das identificações projetivas o
material poderia ser considerado como um vínculo entre paciente e analista e eu podia
interpretar na forma descrita em Ataques aos elos de ligação17. As interpretações
tiveram certo êxito, contudo eu não sentia que estas mudanças estivessem

17 Bion, W. R., Ataques ao vínculo, 1959.


necessariamente relacionadas com o esclarecimento produzido pelas interpretações.
Ocorreu-me, então, que eu estrava fazendo o que foi anteriormente descrito como
“sonhar” os acontecimentos imediatos na análise, ou seja, transformando impressões
sensoriais em elementos-alpha. Esta ideia às vezes parecia esclarecer, contudo, somente
se tornou dinâmica quando eu a relacionava com funções-alpha defeituosas, ou seja,
quando me parecia que estava sendo testemunha de uma incapacidade de sonhar em
razão da falta de elementos-alpha e portanto, uma incapacidade de dormir ou estar
acordado, de estar consciente ou inconsciente.

2 – Isto poderia explicar porque eu era um “consciente” incapaz de realizar as funções


da consciência e ele um “inconsciente” incapaz de realizar as funções da inconsciência.
(Com o objetivo de simplificar, suponho que esta divisão de funções se manteria
estacionária, porém, na realidade não era assim; os papéis era intercambiáveis).

3 – Neste sentido, esta situação não corresponde ao marco teórico que sugeri, ou seja, a
teoria de uma barreira-de-contato que deve a sua existência à proliferação de elementos-
alpha e que cumpre sua função de uma membrana que, pela natureza de sua composição
e sua permeabilidade, divide os fenômenos em mentais em dois grupos, dos quais um
realiza as funções da consciência e o outro as funções da inconsciência.

4 – Nesta nova situação há uma divisão de coisas, como se estivessem suspensas entre
paciente e analista, mas que não oferece resistência à passagem de elementos de uma
zona para a outra. Esta situação não se presta ao estabelecimento de consciente e
inconsciente e, portanto, pode levar a desenvolvimentos imperfeitos e anômalos de uma
capacidade de recordação e repressão. A diferença nos dois estados deriva das
diferenças entre uma barreira-de-contato composta de elementos-alpha e uma composta,
se é essa a palavra correta, de elementos-beta. Recordemos que estes últimos parecem
carecer da capacidade de se vincularem entre si. Clinicamente esta tela de elementos-
beta se apresenta a observação casual como impossível de ser distinta de um estado
confuso e, em particular, de qualquer uma desta classe de estados confusos que se
assemelham ao sonho, ou seja: 1) Uma produção de frases ou imagens desconectadas
que, se o paciente estiver dormindo, as tomaríamos, certamente como provas de que o
paciente sonhava; 2) Uma produção similar, contudo, expressa de uma forma que sugere
que o paciente simula que sonha; 3) Uma produção confusa que parece ser prova de
uma alucinação; 4) Similar ao anterior, porém sugerindo uma alucinação de sonho; não
há motivo para supor que o paciente sonhava que estava alucinado. Estes quatro estados
estão relacionados com o medo que a posição depressiva produz em um supereu
assassino e portanto, com a necessidade de ter uma experiência emocional na qual isso
pudesse ocorrer na presença do analista. Clinicamente, a tela de elementos beta a que
me refiro guarda uma marcada semelhança superficial com quaisquer destas quatro
classes e poderia supor-se que é idêntica a estas.

5 - Um comparação da tela de elementos beta com os estados confusos semelhantes a


sonhos mostra que a tela de elementos beta é coerente e tem um propósito. Uma
interpretação de que o paciente estava produzindo uma corrente de material que teria
como objeto destruir a potência psicanalítica do objeto não pareceria fora do lugar.
Igualmente apropriada seria uma interpretação de que o paciente estava mais propício a
reter do que a dar informação. Uma peculiaridade da situação é a abundância excessiva
de interpretações que poderiam ocorrer a qualquer um com senso comum. Todavia,
estas não ocorrem ao paciente. Estas interpretações de senso comum tem em geral uma
característica: todas elas são acusatórias ou, alternativamente, laudatórias e rebuscadas
como fim de assegurar ao paciente a respeito de sua bondade, apesar das provas que
indicam o contrário. Isto não é fortuito; seria difícil sustentar frente aos dados de que é.
Um se vê forçado a chegar a uma conclusão que é inesperada e, surpreendentemente, a
saber, que a tela de elementos beta - que no futuro irei denominar de tela-beta para
abreviar – tem uma qualidade que lhe permite provocar o tipo de resposta que o
paciente deseja, ou alternativamente, uma resposta psicanalítica fortemente carregada de
contratransferência. Ambas as possibilidades requerem ser examinadas, dadas suas
implicações.

Capítulo X
1 – Graças à tela-beta, o paciente psicótico tem uma capacidade para provocar emoções
no analista; suas associações são os elementos da tela-beta, que tem o propósito de
provocar interpretações ou outras respostas que estão menos relacionadas à sua
necessidade de receber interpretações psicanalíticas do que com sua necessidades de
envolvê-lo emocionalmente18 . A teoria da contratransferência oferece uma explicação
somente parcialmente satisfatória, porque se ocupa da manifestação somente como um
sintoma dos motivos inconscientes do analista, e, portanto, deixa sem explicar a
contribuição do paciente. Em primeiro lugar, o paciente para os quais estas teorias
foram destinadas não emprega uma linguagem articulada; demonstra com evidente
sinceridade uma incapacidade para compreender seu próprio estado anímico, mesmo
quando este lhe é apontado. O emprego que faz das palavras é mais uma ação destinada
a “libertar o psiquismo de um acréscimo de estímulos”, do que uma linguagem. Em
segundo lugar, não se propõe manipular o analista do mesmo modo que o neurótico. Há
certa coerência nas características dos elementos-beta. A linguagem que devo empregar
para descrever uma situação dinâmica produz uma distorção porque a linguagem é um
método científico idealizado para o estudo do inanimado. Esta deformação afeta minha
afirmação de que certas características da tela-beta são congruentes. Seria mais correto
afirmar que uma situação dinâmica evolui e sua evolução se revela através do
aparecimento de uma característica particular como a que impregna um número cada
vez maior de elementos e lhe dá congruência. A substituição de uma barreira-de-contato
por uma tela-beta é um processo vivo. As observações do analista, por razões
relacionadas à natureza da mudança da posição esquizo-paranóide para a depressiva e
vice versa, traz para a situação analítica um elemento que faz com que seu
desenvolvimento pareça ser uma transição entre uma série descontínua de partículas ou
elementos e uma síntese destes mesmos elementos. Uma substitui à outra de um modo
análogo à substituição de um julgamento pelo outro quando examinamos uma figura
que ilustra a perspectiva reversível.

18 Isto sugere uma capacidade para a intuição que parece ser incompatível com as ideias correntes acerca
da insanidade. No entanto, trata-se de uma conduta intencional, o propósito será controlado, ditado pela
parte psicótica da personalidade.
A provocação inerente a tela-beta, quanto tem êxito, significa que o paciente está faminto de material
terapêutico genuíno, ou seja, de “verdade”, e portanto, aqueles impulsos que tendem à sobrevivência,
trabalham de modo sobrecarregado pela intenção de conseguir uma cura contando com um material
terapeuticamente pobre.
2 – O analisando traz mudanças que estão associadas com a substituição da função-
alpha, pelo que pode ser descrito como uma inversão da direção da função19. Ao invés
de impressões sensoriais sendo convertidas em elementos-alpha, para serem usados em
pensamentos oníricos e no pensar inconsciente da vigília, o desenvolvimento da
barreira-de-contato é substituída por sua destruição. Isto é levado a cabo pela inversão
da função-alpha, de tal modo que a barreira-de-contato e os pensamentos oníricos e o
processo do pensar inconsciente da vigília que constituem a matéria prima da barreira-
de-contato se convertam em elementos-alpha despojados 20 de todas as características
que os separam dos elementos-beta e são posteriormente projetados formando assim a
tela-beta.

3 – A inversão da função-alpha significa a dispersão da barreira-de-contato e é


perfeitamente compatível com o estabelecimento de objetos com as características que
em um momento anterior eu descrevi como objetos estranhos. A compatibilidade
aumentaria muito se, apesar de minha advertência no sentido de que a barreira-de-
contato (uma função) e o Eu (uma estrutura) não sejam considerados termos
intercambiáveis para se referir à mesma coisa, poderíamos considerar que a inversão da
função-alpha na realidade afeta o Eu, portanto, não provoca uma simples retorno dos
elementos-beta, mas de objetos que, em aspectos importantes, diferem dos elementos-
beta originais que não tinham nem sequer traços de personalidade a estes aderido. O
elemento-beta difere do objeto estranho, dado que este último é um elemento-beta

19 A inversão de direção é compatível com o tratamento dos pensamentos por evacuação: ou seja, se a
personalidade carece de um aparelho que lhe permitiria “pensar” pensamentos, porém é capaz de tentar
libertar o psiquismo de pensamentos de modo bastante similar ao modo através do qual liberta a si mesma
do incremento de estímulos, então a inversão da função alpha pode ser o método empregado.

20 Despojar os elementos alpha das características que os diferenciam dos elementos beta é importante.
Um modelo disso nos é dado pela teoria segundo a qual a palavra é o nome de um sistema dedutivo
científico, por exemplo: “papai”. O sistema dedutivo científico consiste em uma série de hipóteses. O
sistema é uma afirmação de que certos elementos estão constantemente unidos. A conjunção e os
elementos conjuntos dependem da preconcepção (o conhecimento a priori do indivíduo) e das
“realizações” que indivíduo teve sucessivamente para aproximar a preconcepção e transformá-las em
concepção. A concepção por sua vez se converte em abstração, ou modelo, ao qual conforme se crê ou se
experimenta aproximam, todavia, mais “realizações”. São estas associações que agora o sistema dedutivo
científico define como constantemente conjuntas (e em decorrência desta afirmação, estão
constantemente conjuntas na mente do indivíduo) as que são despojadas da palavra, que é o nome do
sistema dedutivo científico, de modo que finalmente resta somente o nome “papai”. Não estou me
referindo ao valor social do nome “papai”, nem tampouco à versão social do sistema dedutivo científico
denominado por este nome. O aspecto que estou analisando é o que existe antes da publicação e que é
portanto próprio do indivíduo. É este aspecto de um fenômeno que poderia, para usar os termos de Kant,
ser denominado “qualidade secundária”, ao menos que houvesse provas, dadas pela publicação, da
universalidade que Kant atribuiu às qualidades primárias.
somado de vestígios do Eu e do Supereu. A inversão da função-alpha altera a estrutura
relacionada com a função-alpha.

4 – Repassemos os termos que ate aqui formam empregados: 1) O eu é uma estrutura


que, como Freud a descreve, é um desenvolvimento especializado do Isso que possui a
função de estabelecer contato entre a realidade psíquica e a realidade externa. 2) A
função-alpha é o nome dado a uma abstração empregada pelo analista para descrever
uma função, cuja natureza desconhece, até o momento em que sente que é possível
substituí-la por fatores dos quais acredita ter tido comprovação no curso da investigação
na qual a função-alpha está sendo empregada. Corresponde àquela função de certos
fatores, incluindo a função do Eu, que transforma os dados sensoriais em elementos-
alpha. Os elementos-alpha compreendem as imagens visuais, os modelos aditivos,
modelos olfativos, e são adequados para serem empregados nos pensamentos oníricos, o
pensar inconsciente de vigília, sonhos, barreira-de-contato, memória. A partir do ponto
de vista clínico o objeto-estranho que está impregnado de características supeóicas
aproxima-se a oferecer uma realização que corresponde ao conceito de elementos-beta.
Contudo, o conceito de elementos-beta compreende somente impressões sensoriais, a
impressão sensorial como se fosse uma parte da personalidade que experimenta a
impressão sensorial, e a impressão sensorial como se fosse a coisa-em-si à qual a
impressão sensorial corresponde.

Nota-se que a função-alpha pode ser considerada tal qual uma estrutura, uma parte do
aparelho mental que produz a barreira-de-contato. Por sua vez, a barreira-de-contato
pode ser considerada, tal qual o nome que lhe é dado sugere, como tendo as
características de uma estrutura. Isto é uma repetição do problema implícito na mútua
diferenciação entre o Eu, a consciência, e a função-alpha e vale a pena estudar as
implicações desta peculiaridade da investigação psicanalítica, ou seja, o emprego de
conceitos em relação a objetos que às vezes necessitamos considerar como se
estivessem relacionados com máquinas, ou seja, como se fossem inanimados, e às vezes
como se fossem funções, as quais, posto que estamos tratando com seres humanos e não
com máquinas, seguramente estão impregnados de características vitais. No caso do
emprego da função-alpha como uma incógnita, para que corresponda como uma
“realização” que está modificando o desconhecido em conhecido, os nomes que se dão
a estes objetos deveriam esclarecer se devemos observar o objeto quanto a sua natureza
como uma função, como uma estrutura ou como uma abstração.

Podemos esperar que a barreira-de-contato se manifeste de forma clínica – se é que


chega realmente a se manifestar – como algo que faz os sonhos ressoarem. Como
vimos, a barreira-de-contato possibilita uma relação e a manutenção da crença nesta
como um acontecimento real, sujeito às leis da natureza, sem que este enfoque esteja
afogado por emoções e fantasias que foram originadas endo-psiquicamente. De modo
recíproco, impede que as emoções de origem endo-psíquica acabem oprimidas pela
visão realista. Portanto, a barreira-de-contato é responsável pela manutenção da
distinção entre consciente e inconsciente e sua origem. Deste modo o inconsciente resta
preservado. Abastece-se de elementos-alpha que são administrados pela função-alpha e
que devem ser armazenados, mas que não chegam à consciência naqueles momentos em
que seu impacto na compreensão que a pessoa tem da situação da realidade externa,
fosse sentida fora de lugar ou como um deslocamento na ordem do pensamento.

Capítulo XI

1 – A teoria das funções e em especial a teoria da função-alpha possibilitam novos


aportes para a compreensão dos processos do pensamento. Considerarei a natureza e a
função do pensar em qualquer situação que pareça refletir uma idade infantil na vida do
homem, ou suas profundidades primitivas habituais, nas quais seria possível detectar as
qualidades que associamos com o pensamento. Em seu trabalho sobre Formulações
sobre os dois princípios sobre o funcionamento mental Freud disse: “A suspensão da
descarga motora (da ação), que se tornou necessária, foi arranjada mediante o processo
de pensamento que se formou a partir do imaginar. O pensar foi dotado de
características que permitiram ao aparelho psíquico suportar a elevada tensão dos
estímulos durante a suspensão da descarga. Trata-se, na essência, de uma ação
experimental em que são deslocadas quantidades menores de investimento, com menor
dispêndio (descarga) delas”. Continua: “Isso requeria uma conversão dos investimentos
livremente deslocáveis em investimentos fixos, o que foi alcançado ao se elevar o nível
de todo o processo de investimento”. Continua: “É provável que o pensar fosse
originalmente inconsciente, na medida em que se elevou acima do mero imaginar e se
voltou para as relações entre as impressões de objetos, e apenas através da ligação a
resíduos verbais tenha adquirido novas qualidades, perceptíveis para a consciência”.
Está implícito na afirmação de Freud o papel que a intolerância a frustração passa a ter
na produção de tensão, e posteriormente seu alívio, por exemplo o pensamento para
chegar ao intervalo entre a necessidade de liberar o psiquismo do incremento de
estímulos e a própria liberação. O vínculo entre intolerância e a frustração e o
desenvolvimento do pensamento é fundamental para a compreensão do pensamento e
seus transtornos. A afirmação de Freud sugere que o princípio da realidade segue o
princípio do prazer; uma modificação é necessária para que ambos coexistam. Apesar
do fato de que não me aterei a isso agora, faço a ressalva de que a intolerância a
frustração pode ser excessiva, uma mudança quantitativa que quase se converte em
qualitativa. Suponhamos que a intolerância a frustração se dê junto com a fome;
suponhamos ainda e pensemos que é impossível satisfazer a fome em razão de outros
fatores na personalidade, como o temor, a voracidade ou a inveja não permitirem que o
seio, ou algo que o equivalha logrem satisfazer a pessoa invejosa. Nesta situação a
voracidade seria incrementada, bem como a intolerância a frustração. Teria importância
se a intolerância a frustração, ou qualquer outra característica dinâmica, é primária ou
secundária? A distinção assinala que qualquer tratamento que dê causa a modificações
na personalidade não se limita a fatores secundários, uma vez que os primários não se
modificam.

O testemunho clínico da necessidade do lactente de apoio material e psicológico faz


pensar que provavelmente o lactante não consegue distinguir entre o material e o
psicológico. Na análise, todavia, é possível deduzir se a deficiência foi de qualidade
física, ou psíquica. Ainda que a deficiência pertença a uma etapa muito inicial ou não se
saiba ao que se deve, será sentida como real, exigindo uma solução real, ou seja, uma
que pareça eliminar a doença. Para o psicanalista, a escolha oscila entre procedimentos
que buscam evitar a frustração e os que tendem a modifica-la. Esta é uma opção
decisiva.

Há outros modos de classificar o procedimento adotado, como, por exemplo, aqueles


que estão finalmente destinados a se revelarem como pertencentes à categoria da ação
muscular (geralmente movimento físico) e aqueles destinados a se desenvolverem de
uma forma tal que é possível finalmente classifica-los como pertencentes aos domínios
do pensamento. O fato de que a decisão está relacionada com esta classificação final é
significativo, porém, no momento em que eu quiser me concentrar nos fenômenos
geneticamente relacionados com a coexistência na personalidade de sentimentos de
frustração, intolerância a sentimentos de frustração, emoções conectadas com isto e a
decisão que surge desta concatenação de elementos

Capitulo XII

1 – A atividade que conhecemos como “o pensar” foi em sua origem um procedimento


para descarregar o psiquismo de acúmulos de estímulos, e o mecanismo é descrito por
Melanie Klein como identificação projetiva. De um modo geral esta teoria sustenta a
existência de uma fantasia onipotente de que é possível dissociar temporariamente
partes indesejadas, mesmo que às vezes valorizadas, da personalidade e coloca-las em
um objeto. Na prática é possível, e desejável para os fins de uma terapia proveitosa,
observar e interpretar os fatos que apoiam esta teoria e que esta teoria explica como
nenhuma outra.

2 – É possível, também, e na realidade essencial, levar em conta os fatos que


demonstram que um paciente no qual é possível deduzir a operação desta fantasia
onipotente é capaz de uma conduta que se relaciona na realidade com uma parte
complementar desta fantasia. O paciente, mesmo no início de sua vida, tem contato
suficiente com a realidade para poder agir de modo tal, que possa produzir na mãe
sentimentos que ele quer ou não quer que a sua mãe tenha. Para lograr que a teoria
corresponda as estas descobertas clínicas, sugeri uma versão modificada da teoria do
princípio do prazer de Freud, de modo que poderíamos considerar que o princípio da
realidade opera coexistindo com o princípio do prazer. Um exemplo de uma tentativa de
converter à fantasia onipotente em realidade pode ser vista em um paciente que se sente
impulsionado a obrigar os outros a sentir que ele é capaz de assassinar os pais sexuais
para se sentir capaz de ter uma relação sexual amorosa, livre do temor de que pudesse
assassinar sua companheira e a si mesmo, assim como se sentiria obrigado a fazê-lo se
tivesse prova de que entre ele e sua companheira há uma mútua paixão sexual. Sugeri
que em uma forma extrema isso pode levar ao crime, como método para concretizar no
mundo da realidade a fantasia onipotente da identificação projetiva, que, sem esta ação,
permaneceria apenas como uma fantasia onipotente.

3 – Há exemplos muito menos dramáticos e que ainda assim exigem certa perspicácia
por parte do analista a fim de discerni-los. É importante que o analista os observe. Ou
seja, que deveria observar e interpretar a operação da fantasia como um fenômeno
mental dedutível dos dados e também observar os sinais de que o paciente está
suficientemente adaptado à realidade para ser capaz de manipular o seu ambiente, de
modo que a fantasia da identificação projetiva pareça ser coerente com a realidade.

4 – Quanto mais se coloca em evidência este componente realista e o torna evidente


para o paciente, mais possível será julgar até que ponto um paciente doente e
necessitado de internação tem contato com a realidade, mesmo que com um tipo de
realidade que nem sempre é familiar a indivíduos menos desenvolvidos.

5 – A capacidade do paciente de desencadear sua fantasia onipotente de identificação


projetiva na realidade está diretamente conectada com sua capacidade de tolerância à
frustração. Se não consegue tolerar a frustração, a fantasia onipotente de identificação
projetiva tem proporcionalmente uma contrapartida menos real na realidade externa.
Isto contribui ao estado que Melanie Klein denomina de identificação projetiva
excessiva. Todavia, esse excesso deve ser examinado cuidadosamente. Pode parecer
excessiva em decorrência do fato do analista estar obrigado a dar conta disso através
dos passos realistas que o paciente segue para lograr que o analista de fato experimente
emoções de um tipo que o paciente não quer ter (Melanie Klein). Este excesso deve ser
claramente diferenciado da identificação projetiva excessiva, que representa apelar à
fantasia onipotente como uma fuga da realidade e em particular de sentimentos não
desejados. Contudo, a identificação projetiva não pode existir sem seu mecanismo
recíproco, ou seja, uma atividade introjetiva como uma intenção de acumular bons
objetos internos.

6 – Suponhamos agora que na realidade o seio proporciona ao lactente leite e sensações


de seguridade, calor, bem estar, amor. E suponhamos também que o lactente necessita -
evito deliberadamente dizer “deseja” – tomar posse do leite e as sensações
correspondentes. Podemos distinguir entre o leite e o amor mediante uma classificação
adequada ou podemos destacar, se nos for conveniente, aqueles aspectos em que
pareçam similares. Podemos dizer, então, que o leite é uma substancia material e que
está relacionada à alimentação da qual, presumivelmente, faz cargo o aparelho
digestivo. O amor, por outro lado, pode ser considerado imaterial, ainda que comparável
ao leite no que diz respeito a proporcionar bem estar21 mental à criança pequena.
Podemos implica-lo e uma ou mais diferentes categorias dentro das que brindam a
filosofia, a religião e outras disciplinas. A única razão para limitar nosso aparato de
classificação a uma disciplina é o desejo de lograr a simplicidade. Quer usemos
conceitos filosóficos ou religiosos, endocrinológicos ou conceitos empregados pelo
neurofisiólogo, todos estariam expostos à mesma objeção, a de que descrevem estados
anímicos com os quais estamos familiarizados e que usaremos para descrever
fenômenos, ou as realidades que supomos ser a contraparte destes fenômenos, com a
qual não estamos familiarizados, mas que, porém, acreditamos ter observado de modo
correto e corretamente temos os atribuído ao lactente. Duas pessoas adultas com uma

21 Seria impossível continuar se eu chamasse à atenção do leitor em todos os casos em que emprego
frases nas quais utilizo um modelo de forma implícita ou não explícita. Todavia, pode contribuir para a
elucidação do problema que está me preocupando ao introduzir tal interpretação ocasionalmente, como
faço aqui. O mesmo termo “bem estar” sugere tanto que o desenvolvimento metal quanto o físico
dependem do funcionamento eficiente de um sistema alimentar mental. Do mesmo modo o
desenvolvimento pode sugerir uma externalização oposta ao redobramento que sugere a internalização.
Algum leitor pode acabar inconscientemente afetado pelo termo bem estar, devido ao efeito de
concretização inerente ao modelo implícito, ainda que a teoria não fosse aquela com a qual simpatiza. Por
outro lado, pode não ficar inconscientemente afetado pelo modelo implícito no termo “desenvolvimento”.
Os que leram o livro de Fowler The Kings English estarão familiarizados com o problema, tal que este se
apresenta a quem deseja escrever bem (ver seus comentários sobre a metáfora no capítulo III). Nada
poderia acusar Fowler de tratar o problema de escrever bem com superficialidade; todavia, Fowler se
refere a este problema no cabeçalho de Airs e Graces (hábitos de conduta e linguagem não naturais,
adquiridos, que buscam impressionar e atrair pessoas). Para o psicanalista isto está mais próximo da raiz
ou fonte, ou matriz dos problemas acerca da capacidade de pensar e comunicar o pensamento do que se
relacionam com a possibilidade ou não, de obter qualquer conhecimento real.
mesma palavra, “amor”, podem significar coisas completamente distintas; todavia, esta
é a palavra que eu tenho para descrever parte do que creio que deve ser a experiência de
um lactente (incluindo a carência de amor). Resulta claro, então, que há duas fontes
principais de erro que surgem imediatamente: uma é o abismo semântico que deve ser
superado entre dois adultos que tratam deste problema, e a outra é a propriedade
científica de atribuir à experiência infantil uma experiência similar, modificada, porém,
ainda reconhecível.

7 – No que diz respeito ao leite, nós podemos assumir com certo grau de convicção,
algo que não sentimos em relação ao amor, de que um conduto alimentar o recebe e o
processa. O que recebe e processa o amor? A pergunta pode ser uma formulação
baseada em uma forma de pensar inadequada, e, portanto, passível de nos induzir a
erros, salvo se considerarmos aquilo que está acontecendo com a mãe. Tal qual o
lactente que recebe o leite e o metaboliza por meio do sistema alimentar, a mãe o provê
por meio do sistema glandular: todavia, muitas vezes o leite falta e esta dificuldade tem
sido atribuída às perturbações emocionais. Ainda assim, supõe-se que o lactente sofre de
transtornos digestivos que tem origem em uma perturbação emocional. Pode ser útil
supor que existe na realidade um seio psicossomático e um tubo alimentar
psicossomático infantil ao qual o seio corresponde22. O lactente necessita deste seio para
que possa receber a sua provisão de leite e de bons objetos internos. Não atribuo ao
lactente uma captação desta necessidade; contudo, atribuo a ele a captação de uma
necessidade não satisfeita. Podemos dizer que o lactente se sente frustrado se
supusermos a existência de certo aparelho por meio do qual é possível experimentar a
frustração. O conceito de Freud de consciência como “o órgão sensorial para a
percepção de qualidades psíquicas” nos provê deste aparelho.

8 – Na função de uma analista que trata um paciente adulto, eu consigo estar consciente
de algo que o paciente não está consciente. Do mesmo modo a mãe consegue discernir
um estado anímico em seu bebê antes que ele próprio esteja consciente disso, como, por
exemplo, quando o bebê dá sinais de precisar de comida antes mesmo de dar-se conta
disso. Nesta situação imaginária a necessidade do seio é um sentimento e este

22 O termo seio é aqui empregado com o significado que lhe deu Melanie Klein.
sentimento por si só é um seio mau; o lactente não sente que quer um seio bom, sente
porém que quer evacuar o seio mau 23.

9 – Suponhamos que o bebê é alimentado; a incorporação do leite, amor, calor, pode ser
sentido tal qual a incorporação de um seio bom. Sob a influência do seio mau,
inicialmente não enfrentado, o “incorporar” o alimento pode não se distinguir da
evacuação de um seio mau. Ambos, o seio bom e o mau são experimentados como
tendo o mesmo grau de concretude e realidade que tem o leite. Cedo ou tarde o seio
“desejado” é vivenciado como uma “ideia de um seio ausente” e não como um seio mau
presente. Podemos observar que o seio mau, ou seja, o desejado, porém ausente, é mais
provavelmente reconhecido como uma ideia do que o seio bom, que está associado com
aquilo que um filósofo chamaria de coisa-em-si, ou uma coisa-na-realidade, no sentido
de que um seio bom depende da existência do leite que o bebê realmente tomou. O seio
bom e o seio mau, um associado com o leite real que satisfaz a fome e o outro com a
não existência deste leite, devem ter, portanto, uma propriedade psíquica diferente. “Os
pensamentos são cansativos”, disse um de meus pacientes. “Não os quero”. Um
“pensamento“ é o mesmo que a ausência de uma coisa? Se não há alguma “coisa”,
“coisa nenhuma” é um pensamento que reconhecemos e é graças ao fato de que há
“coisa nenhuma” que reconhecemos que “isso” deve ser um pensamento? Antes de
analisar mais profundamente como é possível estabelecer esta diferença de qualidade,
irei hipotetizar outra situação. Suponhamos que o bebê foi alimentado, mas não se sente
querido. Novamente capta a necessidade de um seio bom e novamente esta
“necessidade de um seio bom” é um seio mau que precisa ser evacuado. Certas
situações diferentes deste tipo apresentariam problemas que exigem situações distintas;
em meu primeiro exemplo era possível supor que o bebê sentisse a necessidade do seio,
seio mau, seria evacuada enquanto defecava durante a mamada; neste caso associaria
um ato físico com um resultado que chamaríamos de uma mudança em seu estado de
animo de insatisfação para satisfação. Se for correto supor que o problema fundamental
está enraizado na discriminação da qualidade psíquica e se a consciência é
legitimamente considerada o órgão sensorial da qualidade psíquica, torna-se difícil
enxergar como surge a consciência. Obviamente, não será suficiente dizer que o bebê

23 Esta ideia pode ser compatível com o pronunciamento de Freud acerca do processo primário.
está consciente da qualidade psíquica e que transforma esta experiência emocional em
elementos-alpha, porque, como já dissemos, a existência de uma consciência e de uma
inconsciência depende de uma produção prévia de elementos-alpha pela função-alpha.
Devemos supor que o seio bom e o seio mau são experiências emocionais. O
componente físico, leite, mal estar produzido pela saciedade ou seu oposto, podem
imediatamente se revelarem aos sentidos e, portanto, devemos emprestar uma
prioridade cronológica aos elementos-beta sobre os elementos-alpha. A intolerância a
frustração pode estar de tal forma marcada pela função-alpha que se veria entorpecida
pela evacuação imediata de elementos-beta. O componente mental, amor, segurança,
ansiedade, diferentemente do somático, requer um processo análogo à digestão. Algo
que pode restar oculto pelo uso do conceito de elemento-alpha, mas ao que as
investigações psicanalíticas poderão valorizar. Por exemplo, quando a mãe ama o filho,
o que ela faz com isso? A partir dos canais físicos de comunicação tenho a impressão de
que o amor se expressa por meio do “ensonhamento” (reverie).

10 – Ainda que seja muito difícil penetrar na mente adulta em análise, é menos difícil do
que penetrar na mente de um lactente através de hipóteses especulativas; a investigação
da reverie no adulto pode nos facilitar um acesso a este problema. Podemos definir
reverie como a fonte psicológica que satisfaz as necessidades da criança de amor e
compreensão, que classe de órgão receptor psicológico é requerida se o lactente é capaz
de se beneficiar da reverie, como de fato é, graças à capacidade digestiva do sistema
alimentar, de beneficiar-se do seio e do leite que ele provê. Em outras palavras, supondo
que a função-alpha permite que o latente disponha daquilo que, de outro modo, somente
poderia ser evacuado como elementos-beta. Quais são os fatores desta função que se
relacionam diretamente com a capacidade de reverie da mãe?

11 – A capacidade de reverie da mãe é considerada aqui como inseparável do conteúdo,


porque claramente depende do outro. Se a mãe que alimenta não possui capacidade de
reverie, ou se a reverie se dá, mas não está associada com o amor à criança ou a seu pai,
este fato será comunicado ao lactante, ainda que resulte incompreensível. Será
ministrada aos canais de comunicação – os vínculos da criança – a qualidade psíquica.
O que irá suceder dependerá da natureza destas qualidades psíquicas da mãe e seu
impacto sobre as qualidades psíquicas do lactente, porque o impacto de um sobre o
outro é uma experiência emocional, suscetível, a partir do ponto de vista do
desenvolvimento da dupla e dos indivíduos que a compõe, de ser transformada pela
função-alpha. O termo reverie pode ser aplicado a praticamente todo o conteúdo. Eu
gostaria, porém, de reserva-lo somente para um conteúdo pleno de amor ou ódio. Se o
usarmos em um sentido restrito, a reverie é aquele estado anímico que está aberto à
recepção de qualquer “objeto” do objeto amado e é, portanto, capaz de receber as
identificações projetivas do lactante, quer seja sentidas pelo lactante como boas ou más.
Resumindo, a reverie é fator da função-alpha da mãe.

12 – Voltamos agora à “necessidade de um seio” que contém 24 o lactante e que é


percebido como o sentimento equivalente a um “seio mau” 25. Este seio mau deve ser
substituído por um seio bom. Um lactante capaz de tolerar frustração pode se permitir

24 “Contém”. Aceito o modelo implícito de “continente”, nesta e em outras partes em que necessário usar
termos como objetos “internos” e “externos”. Emprego este modelo com reticência, pois o considero mais
apropriado para o pensamento científico imaturo do que para o maduro. Todavia, a natureza deste
trabalho e a falta de uma linguagem adequada para um enfoque científico leva ao uso de modelos que as
vezes sabemos e em muitas outras supomos serem inadequados, porém inevitáveis dado não há outros
melhores.

25 “Seio mau”. Um dos problemas de metodologia que busco tratarestá aqui ilustrado, e há muitos outros
do mesmo tipo nestas páginas; todavia, não os assinalarei esperando que o leitor seja indulgente com as
deficiências da exposição.
Se me perguntarem o que quero dizer quando fala de “seio mau” somente posso contestar dizendo que
significa para mim a mesma coisa que significa para o bebê. Se me perguntarem o que é isso, posso dizer
que no curso da experiência empírica de uma análise o paciente demonstra certos sentimentos que eu
creio que ele está tentando me comunicar. Devo, por razões que fazem parte da análise, dizer
quais são estes sentimentos. Para fazê-lo posso recorrer a certo material, cuja a origem logo
descreverei, para construir um modelo. Comparo este modelo com o que está ocorrendo na
habitação e trago minha interpretação de que , entre outras coisas, o paciente sente que contém
um “seio mau”. Posso apresentar a imagem do lactante e do analista com eu assisto: assim, a)
penso que o bebê tem uma experiência emocional desagradável. B) penso que o bebê pensa que
contém um seio mau. A) penso que a experiência emocional dolorosa está associada com o fato
de que se juntam uma preconcepção e um elemento beta. B) dependendo da personalidade do
bebê, pode suceder que o bebê 1) expulse o elemento beta e sinta as bases para a incapacidade
de pensar. 2) aceite o elemento beta justaposto à preconcepção, tolere a frustração intrínseca e
deste modo esteja em processo de função alpha e da produção de elementos alpha. Trato o
problema das preconcepções no capítulo sobre hipóteses definitórias. Na prática analítica de
pacientes com transtornos de pensamento, o analista requer, se possível estabelecer um marco
referencial metodológico para si. Porém, e este é o nó da questão, deve também buscar formar
alguma ideia sobre como o lactante pensa que é um sentimento. Pois é evidente que nos
transtornos de pensamento algum problema ocorreu na vida infantil e que não está resolvido.
Porém, se estamos a um passo do absurdo de atribuir ao lactante ideias, pensamentos e
conceitos acerca do que um adulto chama de “sentimento”, que honrariam a Kant. Talvez a
resposta seja que somente Kant tem este tipo de problema e pode resolvê-los. Os que não são
Kant podem a) não ter esses problemas ou b) ter estes problemas e desenvolver transtornos de
pensamento.
ter um sentido de realidade, de ser dominado pelo princípio de realidade. Se tolerância à
frustração vai além de certo limite, começam a funcionar aos mecanismos onipotentes,
especialmente a identificação projetiva. Isto pode todavia ser considerado realista,
enquanto sugere a captação do valor de uma capacidade de pensamento como um meio
para suavizar a frustração quando predomina o princípio da realidade. Porém, sua
eficácia depende da existência da capacidade de reverie da mãe. Se a mãe falha, então
uma nova carga recai sobre a capacidade de tolerância a frustração do lactante, porque
agora sua capacidade de tolerância à frustração do pensamento em si é colocada a
prova. Estou agora supondo que a identificação projetiva é uma forma primitiva do que
posteriormente será a capacidade para pensar. Um lactante dotado de uma capacidade
marcada pela tolerância à frustração poderá sobreviver à penosa prova de ter uma mãe
incapaz de reverie e, portanto, incapaz de lhe prover com a satisfação de suas
necessidades mentais. Caso contrário, um lactante notoriamente incapaz de tolerar a
frustração não consegue sobreviver sem uma crise mesmo à experiência da identificação
projetiva com uma mãe capaz de reverie; nada que não seja um seio inesgotável poderia
ajudar e isso não é possível, inclusive pela falta de apetite, se não houver outra razão.
Deste modo enfocamos um tipo de vida mental não abarcada pelas teorias elaboradas
para a compreensão das neuroses. Não me proponho a continuar esta investigação
agora, exceto no que tem a ver com a função-alpha.

Capítulo XIII

1 – Para que seu uso seja efetivo, é preciso poder considerar a função-alpha como uma
constante, em virtude de sua posição, como uma incógnita. Ao mesmo tempo em que é
flexível, sua flexibilidade deriva do emprego de variáveis como fatores que podem ser
substituídos, conforme foi anteriormente explicado, por teorias e conceitos de valor
fixo. Os valores atribuídos às variáveis (os fatores) devem ser verdadeiramente
constantes para que, uma vez que seu valor tenha sido fixado, o significado da função-
alpha resulte também fixado. Na prática, uma aproximação da precisão somente seria
possível no sentido de que o fator deve ser claramente descrito ou, no caso de uma
teoria corretamente citada 26.

2 – Como exemplo da busca de uma formulação mais precisa, tomo a função-alpha e


dois fatores, a identificação projetiva excessiva e o excesso de objetos maus.
Suponhamos que no decurso da análise estes dois fatores se impõe de tal modo que
implicam na exclusão de outros fatores que o analista observa. Se a teoria psicanalítica
estivesse racionalmente organizada, deveria ser possível referenciar-se a estes dois
fatores através de símbolos que fossem parte de um sistema de referência aplicado
uniforme e universalmente. Referiremos-nos à teoria kleiniana da identificação
projetiva através da indicação de páginas, parágrafos e iniciais como referência. De
modo similar a visão freudiana sobre a atenção seria substituída por uma referência. Na
realidade mesmo agora isto pode ser feito, ainda que de um modo mais grosseiro,
utilizando referências a página e à linha de uma edição standard. Esta afirmação pode
prestar-se a mera manipulação dos símbolos, mas menos engenhosa de acordo com
regras aparentemente arbitrárias. Sempre que o analista conservar uma noção de
bagagem (background) factual, ao que tal formulação se refere, existem vantagens no
exercício de precisão e rigor de pensamento exigido pela intenção de concentrar
experiência clínica real, para que essa possa ser expressa em notações tão abstratas.
Ainda, o analista pode observar por meio de uma inspeção de suas formalizações quais
as teorias está utilizando e de quais está descuidando. Dos testemunhos de dito descuido
poderia deduzir tanto que sua bagagem psicanalítica está se empobrecendo como que
certas teorias psicanalíticas não resistem bem à prova da utilidade clínica em sua
experiência. Em qualquer dos casos este seria um insight valioso. A fórmula oferece um
resumo taquigráfico das sessões de um período. Seria possível ver quais vínculos
existem entre um resumo e outro para, a partir dali, predizer quais situações analíticas
poderiam se desenvolver por meio de referências aos sistemas dedutivos teóricos nos
quais estes fatores aparecem como hipóteses ou premissas. A função-alpha pode ser uma
preocupação das mais importantes para o analista em uma análise em particular,
contudo, não se deduz disso que isso seguirá sendo assim, ou que, se for, continuará

26Consideramos seu significado prático na análise sobre a antologia das teorias. É possível ter uma ideia
da magnitude do problema estudando o trabalho de J. O. Wisdow A methodological Approach to the
problem of Hysteria, lido na sociedade holandesa de psicanálise, Amsterdam, 16 de dezembro de 1957.
tendo o mesmo valor nas semanas que se seguem. No próximo grupo de sessões pode
tornar-se evidente que a crença de que um objeto mal existe se manifesta como
expressão de uma crítica invejosa a um bom objeto. Neste caso a formulação irá refletir
esta a mudança de fatores. Na semana seguinte a função-alpha pode ter deixado de ter
uma importância fundamental, e outros fatores e alguma outra função ter tomado seu
lugar. O princípio de aplicar a teoria das funções segue sendo o mesmo, qualquer que
seja a função e quaisquer que sejam os fatores dos quais esta é função.

3 – Como método para esclarecer algo para si mesmo, o analista precisa ter seu próprio
livro de teorias psicanalíticas, que ele pessoalmente utiliza com frequência, juntamente
com números de páginas e parágrafos que assegurem sua identificação.

4 - A capacidade para recordar o que o paciente disse deve juntar-se à capacidade de


esquecer, de modo que o fato de que qualquer sessão é uma nova sessão e,- portanto –
uma situação desconhecida que deve ser investigada psicanaliticamente, não se veja
obscurecido por um armazenamento demasiadamente grande de preconceitos e
conceitos errôneos . Todavia, o analista necessita de todo o conhecimento do paciente e
das descobertas e o trabalho de seu predecessor no campo que este possa reunir. Isto
reforça a necessidade de uma estrutura firme, um marco de referência teórica de
psicanálise, e que ao mesmo tempo seja capaz de flexibilidade na ação. Se a rigidez da
estrutura teórica está debilitada por um alheamento da teoria, torna-se fácil detectar
estes alinhamentos. Por exemplo, se se faz referência à transferência por intermédio de
citações específicas, é possível observar que o escritor pensava em algum fenômeno
distinto do que Freud descreveu na passagem a que se faz referência. Confere-se
flexibilidade trabalhando com funções que são variáveis, cujo valor somente se torna
constante quando, para as variáveis das quais é função, há fatores substituídos que são
constantes. Atualmente o mais próximo de uma constante em psicanálise é o uso de uma
referência de página e linha da teoria que está sendo empregada como fator.

5 – Não me ocuparei aqui da deterioração do equipamento teórico e analítico do


analista; basta dizer que um método de formulação ajudaria a torna-lo evidente e
possibilitaria o analista tomar as medidas que considerar necessárias. A queda no uso de
uma teoria psicanalítica poderia demonstrar que esta não conseguiu sobreviver à prova
da prática analítica.

6 – Um registro das sessões que mostrarão de modo sucinto o progresso da análise


representando as teorias empregadas cumprindo deste modo um propósito que é mais
uma ajuda para a memória do analista. Seu valor como testemunha do trabalho feito e
indiretamente do método de trabalho do analista seria enorme, porém o problema
fundamental tem a ver com a necessidade de ter um sistema de notação valioso tanto
para registrar problemas analíticos como para trabalhar sobre eles.

7 – O sistema de notação deve possibilitar ao psicanalista contar com um registro que


ele mesmo possa acessar após certo período, e que possa ser comunicado a outros sem
uma perda de significado. Por mais difícil que seja realizar este propósito, seu
cumprimento não seria suficiente. Para o desenvolvimento da psicanálise devemos
encontrar um sistema de notações que registre o trabalho psicanalítico, do mesmo modo
que a notação matemática registra fatos: porém, assim como a notação matemática
registra fatos e também dá meios para calcular a notação psicanalítica ideal, deve dar
meios para trabalhar sobre o problema que a notação criou para o analista com a
possibilidade de registar.

Capítulo XIV

1 – A função-alpha desempenha um papel fundamental ao transformar uma experiência


emocional em elementos-alpha, porque um sentido da realidade importa ao indivíduo do
mesmo modo que importa a comida, a bebida, o ar, a eliminação de produtos de dejeto.
O fracasso em comer, em beber ou em respirar corretamente tem consequências
desastrosas para a vida em si. O fracasso ao usar a experiência emocional produz um
desastre comparável ao desenvolvimento da personalidade: incluo entre estes desastres
distintos graus de deterioração psicótica que podem ser descritas como morte de
personalidade. Como sempre, o uso de um modelo, como uso aqui o modelo do
aparelho digestivo, se presta aos perigos que menciono no capítulo XXV, parágrafos
2-3-4. Para diminuir esses perigos e fazer com que a discussão seja científica, se requer
uma notação para representar a experiência emocional. Se o analista individual constrói
para si uma antologia de teorias analíticas de trabalho sobre a base de umas poucas boas
teorias básicas bem compreendidas e capazes, individualmente e de modo combinado,
de cobrir uma grande quantidade de situações que este poderia esperar que encontraria,
isto poderia lhe ajudar para criar uma notação. O que se segue é um esboço, que pode
lhe ser útil, para indicar o caminho a seguir a fim de realizar progressos.

2 – Os sentimentos que conhecemos pelos nomes “amor” e “ódio” pareceriam eleições


óbvias se o critério é a emoção básica. Inveja e gratidão, depressão, culpa, ansiedade,
ocupam um lugar dominante na teoria psicanalítica e, juntamente com o sexo, pareceria
que deveriam ser eleitas para coloca-las ao lado do amor e do ódio. Na realidade, prefiro
três fatores que considero que são inerentes ao vínculo entre objetos que se consideram
relacionados entre si. Uma experiência emocional não pode ser concebida isolada de
uma relação. As relações básicas que postulo são: 1) X ama Y; 2) X odeia Y; 3) X
conhece Y. Estes vínculos são expressos por meio dos sinais A, O, C. A que realização
estes vínculos abstratos A, O e C correspondem? Suponhamos uma situação imaginária
de um tipo que é familiar ao analista; o paciente Smith fala livremente, coopera, e se
mostra amistoso; no curso de suas associações menciona que conhece certo
psicoterapeuta, Jones, o qual é muito burro e praticamente nada sabe sobre psicanálise.
O paciente o conhece bem e alega ter boas razões para não gostar dele. Uma vez tratou
um amigo seu, o Sr. May, com um resultado muito ruim. O matrimônio de seu amigo
que sempre fora harmonioso, até que seu amigo começou o tratamento,...etc.
obviamente esta é uma comunicação complexa. Há um vínculo entre o paciente e o
analista, há vários vínculos entre o paciente e o psicoterapeuta, entre o paciente e seu
amigo, entre o paciente e o analista de seu amigo. Para o vínculo entre o paciente e o
analista há um testemunho direto. No que diz respeito à informação do paciente sobre os
outros vínculos, o testemunho é em sua maior parte indireto, ainda quer o testemunho
direto dado pela sessão poderia ser utilizado, se for considerado desejado, para
suplementar as próprias afirmações do paciente. O paciente diz que conhece Jones: isso
deve ser registrado como Smith ou Jones? Disse que não gosta de Jones. Deve ser
registrado como Smith ou Jones? O paciente diz “seu amigo” o Sr. May. Deve ser
registrado então Smith a May? Ou há algum material prévio na análise, ou algum modo
ou entonação possa sugerir um vínculo, Smith a Sr. May? Contudo, é possível que haja
algum material que possa sugerir que há uma relação homossexual entre Smith e o Sr.
May? Não haveria um limite para as perguntas que poderiam surgir de um episódio
imaginário, nem limite para o número de respostas de cada pergunta. Porém, como
quase a mesma razão é possível afirmar o mesmo a cerca de uma sessão verdadeira.
Todavia, a interpretação do testemunho direto sobre a natureza da transferência
dependerá das respostas às perguntas que o analista comece a considerar. Pode parecer,
dado que a situação analítica é complexa, que pode não haver mérito em registrá-las por
meio de um destes três simples sinais. Admitindo que o sinal tenha por fim expressar
somente uma parte da experiência emocional, o vínculo, não mostra o episódio
imaginário que os sinais A, O, C escondem um vínculo complexo, que pode ter
variedades infinitas sob o sinal de simplicidade enganosa ou que estes definem um
vínculo com um grau de rigidez que torna sua aplicação a uma situação analítica real,
uma falsificação para a qual não há remédio?

3 – Não há razão para que nenhuma destas afirmativas seja verdade; os sinais podem se
relacionar com os fatos de tal forma que impede que se tornem símbolos sem sentido, e
ao mesmo tempo podem ser suficientemente abstratos para assegurar que geralmente
são, e não de modo meramente casual, aplicáveis a situações emocionais reais.

4 – O analista deve se permitir apreciar a complexidade da situação emocional que ele


deve esclarecer e, todavia, restringir a sua eleição a estes três vínculos. Decidir quais
são os objetos vinculados e qual destes três representa com maior precisão o verdadeiro
vínculo entre estes.

Se o paciente é amistoso o vinculo pode ser representado por meio de A. não é uma
representação adequada porque é necessário registrar o estado da transferência. Arrogo-
me o esforço de dizer o que quero significar com isso registrando a transferência de
acordo com o sistema sugerido anteriormente (Cap. XIII, paragrafo 6).

Ver-se-á que o uso de A, O e C para forçar o analista a estabelecer a “chave” da sessão


não é o mesmo que o seu uso para registrar uma experiência emocional; ou seja, que é
um uso que provê uma informação, que não chega a ser completa, do que se sabe que
aconteceu. Mas introduzir um elemento que deve ser uma parte essencial de qualquer
sistema de registro antes que este sistema possa ser considerado satisfatório, a saber, o
instrumento de trabalho. Resumir um episódio emocional como C, é produzir um
registro imperfeito, porém um bom ponto de partida para a meditação especulativa do
analista. Neste sentido, o sistema que foi esboçado, apesar de sua imperfeição e
ingenuidade, possui os rudimentos do essencial de um sistema de notação, registro de
fatos e instrumento de trabalho.

Capitulo XV

1 – A finalidade de escolher entre A, O e C é fazer uma única afirmação que é válida de


acordo com aquilo que o analista crê. Não é necessário que seja uma afirmação que
represente com exatidão uma “realização” da qual a afirmação será a contraparte; a
afirmação deve parecer ao analista um reflexo verdadeiro de seus sentimentos e na qual
possa basear-se para um fim especificamente importante, ou seja, atuar como um padrão
ao qual possa referir todas as afirmações que se propõe a fazer. Escolhe-se A, então A
expressa uma qualidade com a qual irá comparar outras qualidades. A também expressa
quantidade e por esta quantidade o analista irá medir todas as outras quantidades que
expressa. Ou seja, se A significa para ele que os dois objetos estão unidos por fortes
sentimentos de amor, então não usará C para um vínculo fortuito como o que poderia se
simplesmente expresso por um impaciente “Sim, já sei”. A escolha A, O e C não é
determinada pela necessidade de representar um fato, senão pela necessidade de
estabelecer uma chave que permitirá a avaliação dos outros elementos que estão
combinados na formulação da afirmação. Em psicanálise, onde o valor de um enunciado
depende de outras afirmações, a necessidade de conhecer este enunciado chave é
imperiosa. Deve ficar claro que o analista está baseando os valores de todos os outros
elementos de seu enunciado neste primeiro enunciado.

Teoricamente, não vejo razão para lhe impedir que opte para este fim por qualquer
elemento de sua escolha, porém, na prática há muito a favor da escolha de um elemento
que tem sua importância derivada de outros aspectos de sua posição na afirmação total.
Obviamente é mais provável que um elemento que já tem tal importância suporte
cargas maiores do que outros que não tem a mesma importância. O vínculo A, O e C é
precisamente um elemento desta classe. Quando o analista escolhe seu sinal, deve sentir
que é o correto e cabe esperar que o mantenha constante. Se, em referência a ele , os
outros elementos pareçam tornar o enunciado incompatível consigo mesmo, os outros
elementos devem ser harmonizados e não alteradas as relações de A, O e C, a menos
que resulte claro de que foram escolhidos erroneamente ou que o analisando mudou;
neste caso toda o enunciado deve ser abandonado e deve-se começar novamente. Ver-
se-á que dou grande importância a eleição de A, O ou C, que prefiro escolher o sinal que
representa o vínculo como o elemento mais apropriado para receber a carga que desejo
que receba, contudo, não tenho dificuldades de conceber que possa haver boas razões
pelas quais um analista prefira construir seu enunciado “verdadeiro” baseado em algum
elemento diferente. Não creio que a escolha seja particularmente difícil para um analista
treinado e que pratica a psicanálise.

2 – A, O ou C devem ser estabelecidos de tal forma que o analista sinta que foi
estabelecido um ponto de referência. Fazendo isso, diminui-se o perigo de produzir um
sistema de abstrações, falta de background e somente sujeito a manipulações
engenhosas e arbitrárias.

Capítulo XVI

O vínculo C

1 – Deixarei de lado A e O para me referir a C, porque é importante para o analista e


porque é pertinente à aprendizagem através da experiência. Ao tratar dele espero
também me referir a outros pontos que se relacionam com o vínculo (linking), mas que
ainda não foram tratados. Penso que A e O podem estar relacionados com C; X C Y, o
analista conhece o analisando, eu C Smith, estes são enunciados que representam uma
experiência emocional. Tal qual A e O, C representa um vínculo ativo e sugere que se X
C Y, logo X faz algo a Y. Isto representa uma relação psicanalítica. Se esta é empregada
como estou propondo, não expressa um sentido de finalidade, ou seja, não significa que
X está de posse de certo conhecimento chamado Y, mas que X está em um estado de
poder chegar a conhecer Y, e que Y está em um estado de chegar a ser conhecido por X.
A afirmação X C Y, na medida do possível, significa que X tem um conhecimento
chamado Y, pertence à categoria de uma relação entre a pessoa que faz o enunciado e a
pessoa sobre a qual o enunciado é feito. Além de uma relação entre X e Y sobre os
quais o enunciado é feito.

2 – No entanto, como este é um enunciado que significa que X se ocupa de conhecer a


verdade em relação a Y, corresponde aos enunciados relacionais que dizem que se
baseiam em informações obtidas dentro de um enfoque científico. As técnicas
empregadas por aqueles que tem uma perspectiva científica tem tido maior sucesso
quando Y é um objeto inanimado. É mais fácil sustentar que o enfoque científico
prevalece em relação a X C Y se Y é inanimado e se X puder ser convertido em algo
que pareça estar mais próximo do inanimado; por exemplo, X usa uma máquina de
escrever. A verdade é sentida como inerente à fita de papel dos tambores do quimógrafo
ou ao registro da voz humana, de modo tal que não conseguimos sentir que seja possível
em um testemunho em um julgamento humano. A simplicidade deste ponto de vista
torna-se evidente quando se pensa que um registro fotográfico não equivale a um
testemunho acessível a uma observação direta.

3 – As dúvidas a cerca da capacidade humana para conhecer algo são à base das
investigações do filósofo da ciência; hoje em dia estas dúvidas são produzidas pela
inesgotável consciência de que a situação representada pelos termos abstratos X C Y é
idêntica a X A Y ou X O Y nas quais um ser animado intrinsicamente existe. Ou seja,
que na medida em que se introduz a maquinaria inanimada para deslocar o elemento
vivo, A O ou C deixam de existir. A psicanálise agregou significação ao problema com
que os filósofos da ciência têm estado associados e isto ocorreu por dois grupos
principais de razões: X tem força e se mostra em detalhe que tem a debilidade da qual
sempre se suspeitou quando se embarca em uma investigação de Y relacionada com a
capacidade de Y para entrar em contato com a realidade. Buscarei não me ocupar dos
problemas filosóficos implícitos, dado que estes já foram tratados por Kant, Hume e
seus sucessores. Quero ressaltar apenas que tudo o que foi dito sobre o problema do
conhecimento pode ser aplicado com a mesma força sobre a psicanálise e que a
psicanálise pode ser aplicada com particular força a estes problemas.

4 – A pergunta: “Como X pode conhecer algo?” expressa um sentimento: este parece ser
doloroso e inerente à experiência emocional que represento por X C Y. Uma experiência
emocional sentida como dolorosa pode dar início a uma tentativa de se evadir ou
modificar a dor de acordo com a capacidade da personalidade para tolerar a frustração.
Evasão ou modificação, de acordo com o ponto de vista expresso por Freud em seu
trabalho “Sobre os dois princípios do funcionamento mental”, tem como fim fazer
desaparecer a dor. Trata-se de realizar a modificação por meio do uso da relação X C Y
para que leve a uma relação em que X possua um conhecimento chamado Y – o
significado de X C Y por mim afastado no parágrafo 1. A evasão, por outro lado, é uma
tentativa de substituir o sentido “X possui um conhecimento chamado Y”, para que X C
Y não mais represente a experiência emocional dolorosa, mas aquela que seria
supostamente indolor.

5 – Tal manobra tem por fim não afirmar, mas negar a realidade, não representar uma
experiência emocional, mas representa-la mal, para que mais parecesse um êxito mais
do que a intenção de alcança-lo. A diferença entre a finalidade da mentira e da verdade
pode assim ser expressa como uma mudança no sentido de X C Y e estar relacionada
com intolerância a dor associada com o sentimento de frustração. O problema de
traduzir o “conhecimento” privado em público é o mesmo que existe ao representarmos
uma experiência emocional de modo distorcido, bem como é problemático representa-la
adequadamente. Na psicanálise de certos pacientes devemos nos interessar por seu
fracasso na tentativa de representar de modo distorcido experiências emocionais, ainda
que perante eles mesmos; é possível aumentar a compreensão do doente mental levando
em consideração seu fracasso para substituir uma representação distorcida dos fatos pela
representação que corresponde à realidade e, portanto, a esclarece. O motivo poderia ser
explicado por meio da afirmação de Freud de que “a alucinação foi abandonada
somente em razão da falta de gratificação esperada”. Será necessário examinar o
problema como se tivesse duas finalidades distintas: a primeira, interessada em
conhecer uma pessoa ou coisa, C na realidade. E a segunda interessada em evadir-se de
C e da experiência emocional que representa. O procedimento que proponho, como
parte de C com o fim de conhecer “X C Y” e o que isso representa, implica, portanto,
identificação com uma pessoa que vem para a análise. Implica, também, a abstração da
“realização” para produzir uma formulação que represente a “realização” e que portanto
poderia corresponder a “realizações” atualmente desconhecidas, e, portanto, representa-
las.

Capítulo XVII

1 – Ao ocupar-me da atividade C, ou seja do conhecimento, devo estar consciente de


minha experiência emocional e ser capaz de abstrair dela uma afirmação que represente
esta experiência de modo adequado. Esta abstração inspira confiança se logo, assim que
é realizada, dá representação a outras experiências desconhecidas. Esta sensação de
confiança é similar àquela que se experimenta quando uma crença é respaldada pelo
senso comum. A confiança é concomitante do saber que existe correlação entre os
sentidos (ver parágrafos seguintes) ou de que mais de uma pessoa em um grupo leva em
consideração o que parece ser a mesma afirmação da mesma representação de uma
experiência emocional. A confiança é uma representação que está associada com: 1) a
crença de que a representação se apoia no senso comum e 2) de que não somente
representa a experiência emocional da qual foi abstraída, mas que também representa
outras “realizações”, desconhecidas quando foi efetuada a abstração. Assim, uma
formalização abstrata que emprega os sinais A, O ou C usados para a avaliação de uma
experiência emocional pode em si ser avaliada se considerarmos que serve como uma
representação abstrata de uma experiência emocional distinta.
2 – Logo, podemos considerar à abstração como uma passo na difusão que facilita a
correlação ao comparar a representação que foi abstraída e várias “realizações”
diferentes, nenhuma das quais é a “realização” da qual a representação foi originalmente
abstraída. A concretude, por contraste, pode ser considerada uma forma de difusão que
facilita a correlação por senso comum: ou seja, afirmando algo de tal modo que é
possível reconhece-lo como objeto de um sentido e que pode todavia ser experimentado
como objeto de outro sentido, o critério que devemos levar em conta para o enunciado
deve ser o seu valor para facilitar a comprovação de um sentido ou pelos sentidos de
mais de uma pessoa. (Em astronomia correlações são feitas ainda que somente se conte
com o sentido da visão e suas datas, porque quem faz a descoberta pode tornar pública
sua experiência pessoal para que seja comprovada por outros observadores
contemporâneos ou posteriores. A debilidade própria a uma incapacidade de fazer uso
do testemunho de mais de um sentido foi compensada pelo capacidade de abstrair um
enunciado de uma experiência emocional original com tanto rigor que as “realizações”
da representação podem ser buscadas, encontrarem-se ou acidentalmente se
reconhecerem muitos anos depois. A intuição de Aristarco sobre a heliocentripicidade
pode ser reconhecida alguns séculos mais tarde por Kepler). A formulação matemática
todavia não é possível para a psicanálise, apesar das sugestivas possibilidades neste
sentido.

3 – As razões para fazer um enunciado abstrato são estas: 1) o analista se sente impelido
a formular suas hipóteses básicas. 2) o analista pode detectar a partir do registro que tal
abstração possibilita qualquer tendência pela qual a bagagem teórica na qual se baseia
resulte inoperante; 3) evita-se que o analista perca de vista de onde provém seu
equipamento teórico dentro história da disciplina científica; 4) os que praticam a análise
estarão mais dispostos a ver que certas teorias consideradas até então como consagradas
de fato de converteram em redundantes ou foram desvirtuadas pela comprovação da
experiência; 5) se torna possível à correlação do enunciado abstrato com as
“realizações” das quais não derivou; 6) ajuda a estabelecer um padrão ao qual podem
ser referidas todas as outros enunciados, conforme exemplificaremos nas páginas
seguintes.
O processo de abstração ao qual conscientemente recorreu-se é essencial à experiência
emocional X C Y e não um procedimento acessório que possa ser simplesmente
descartado.

4 – Uma vez que tenha sido dada prioridade ao vínculo e acordado limitar sua
representação aos três sinais A, O e C, torna-se possível focalizar o problema da
representação considerando quais medidas seriam necessárias para estabelecer um
método exitoso para a representação distorcida. Como o processo de abstração não é
fortuito e não pode ser simplesmente descartado, devem ser tomadas medidas positivas
para que um indivíduo alcance o estado mental, que é observado em alguns psicóticos,
nos quais a capacidade para a abstração foi destruída. O valor, por exemplo, da palavra
cachorro, quando não se refere a um animal específico senão a classe, como método
para alcançar uma abstração e generalização, fica anulado, de modo que já não pode
mais ser usado como o nome de uma coisa, senão como a coisa-em-si, “as palavras são
coisas”. Em um sistema estruturado para representar o vínculo C é necessário à
introdução de elementos que possam representar a representação distorcida. Isto pode
ser feito simplesmente tomando emprestado da geometria algébrica o procedimento
pelo qual uma mudança de sinal, digamos de uma linha AB, representa uma mudança
no sentido da linha. C representa o vínculo que foi anunciado: -C representa o vínculo
constituído para NÃO compreender, ou seja, compreensão distorcida
(misunderstanding). Compreenderemos melhor as implicações disso se notarmos que -
A não é o mesmo que O, nem que – O é o mesmo que A.

5 – Pelo momento os fatores devem ser representados por uma referência de página e
linha àquela parte da literatura que proporciona a melhor definição do fator ao qual se
faz referência. A busca de sinais para representar fatores seguindo assim o procedimento
que foi adotado com A, O e C é prematuro, porque a substituição de um sinal por um
termo correntemente aceito produz um sistema formalizado, tão divorciado de seu
background que perde o significado, enquanto que conservando uma sistema de
referência de página e linha de background da “realização” do qual derivam as teorias
nunca se perde completamente de vista. Por outro lado, a formalização e a abstração
tem o efeito de eliminar aspectos que obscurecem a importância de relação de um
elemento com outro, ao eliminar o concreto e o particular. O uso de termos específicos
notáveis pela concretude de seus pensamentos, mesmo que conservando o background
do qual derivam, obscurecem o fato de que os termos concretos são variáveis cujo valor
depende do contexto no qual estão alocados. Isto significa que o essencial é encontrar
um grupo de sinais que representem uma “realização” de modo adequado e que
possibilitem mostrar a relação de um sinal com o outro - seu contexto.

Capítulo XVIII

1 – No trabalho aqui realizado (a atividade C) recorri à abstração em contraste com o


processo inverso de concretização pelo qual as palavras deixam de ser signos abstratos
para se converterem em coisas em si. Para demonstrar uma relação adequadamente são
essenciais a abstração e a formalização.

2 – O problema não reside somente no uso de palavras já investidas com uma penumbra
de associações para descrever uma situação sem precedentes, senão que esta penumbra
de associações foi adquirida na busca do estabelecimento de uma relação mental com
objetos concretos. Esta busca, no desenvolvimento do indivíduo, é muito menos árdua
que a intenção de estabelecer uma relação mental com uma personalidade, quer seja a
do próprio indivíduo ou a de outra pessoa. Os sentidos apresentam à personalidade o
material sobre o qual irá trabalhar para produzir o que Freud chama de “captação
consciente ligada a estes”, ou seja, os dados sensoriais. Porém, torna-se difícil crer que
os dados sensoriais, como os entendemos de modo ordinário, pudessem aportar tão
valioso material quando o objeto dos sentidos é uma experiência emocional de uma
personalidade (a quem quer que possa pertencer). Os sentidos podem, em um estado de
temor ou ira, contribuir com dados que concernem às batidas do coração e fatos
similares, que nós costumamos entender como periféricos a um estado emocional.
Porém, não há dados sensoriais diretamente relacionados com a qualidade psíquica,
enquanto há dados sensoriais diretamente relacionados com objetos concretos. Os
sintomas hipocondríacos, portanto, podem ser sinais de uma intenção de estabelecer
contato com uma qualidade psíquica, substituindo a sensação física por dados sensoriais
de qualidade psíquica que estão ausentes. É possível que foi em resposta à captação
desta dificuldade que Freud sentiu-se disposto a postular a consciência como órgão
sensorial de qualidade psíquica. Não tenho qualquer dúvida acerca da necessidade de
algo na personalidade que faça contato com a qualidade psíquica.

3 – Para as personalidades que parecem ser incapazes de um sonhar verdadeiro, o


psicótico fronteiriço e as partes psicóticas da personalidade, a teoria da consciência
como o órgão sensorial da qualidade psíquica não é satisfatória; para os padrões da
prática clínica, as contradições surgem e se superam quando se focalizam os problemas
com uma teoria distinta. A debilidade desta teoria da consciência se manifesta na
situação para a qual foi proposta a teoria de que a função-alpha faz proliferar elementos-
alpha , produzindo assim uma barreira de contato, uma entidade que separa elementos
de modo que os que estão de um lado são e formam o consciente e os que estão do outro
lado são e formam o inconsciente. A teoria da consciência é débil, não falsa, porque ao
modifica-la para afirmar que o consciente e o inconsciente deste modo constantemente
produzidos funcionam juntos como se fossem binoculares e, portanto, capazes de
correlação e auto-observação. Devido à forma que se dá sua gênese, fica excluído o ter
um registro imparcial da qualidade psíquica do self: a “visão” de uma parte pela outra é,
por assim dizê-lo, “monocular”. Por estas razões e outras que surgem da experiência
clínica da psicanálise desta classe de pacientes nos quais a parte psicótica da
personalidade aparece de forma obstrutiva, acredito que a teoria dos processos
primários e secundários é insatisfatória. Esta teoria é insatisfatória em face da
necessidade de postular dois sistemas no lugar onde, na minha teoria da função-alpha,
uma experiência emocional é transformada em elementos-alpha 27 para tornar possível o
pensamento onírico, o pensamento em vigília inconsciente e o armazenamento na mente
(memória). Atribuo ao fracasso da função-alpha a aparição de elementos-beta
estreitamente associados e sérias perturbações geralmente associadas com uma intrusão
marcada dos elementos psicóticos da personalidade.

27 É importante diferenciar a natureza das teorias, a teoria da função alpha é introduzida para que seja
possível ao analista trabalhar sem propor prematuramente uma teoria nova; a teoria de Freud da
consciência como órgão sensorial para a causalidade psíquica é parte da teoria psicanalítica reconhecida.
Capítulo XIX

1 – Atribuir um valor ao termo função-alpha é uma tarefa da psicanálise e algo que de


nenhum outro modo pode ser alcançado. Conforme considero aqui, sua posição é de
uma variável desconhecida que foi empregada para satisfazer a necessidade de um
sistema de abstração que se adeque às exigências da psicanálise. Este e outros
problemas conexos são os objetos da investigação; também são instrumentos através
dos quais a investigação se realiza28. Devemos distinguir entre o conceito de função-
alpha e a “realização”, que acreditamos aproximar-se suficientemente da teoria na qual
este conceito é empregado, para justificar a apropriação do termo função-alpha como
um nome, ainda que temporário, para a realização.

2 – Para o propósito da investigação analítica, supõe-se que a função-alpha seja a


gênese de toda abstração. Dita hipótese é compatível com o associar um colapso na
função-alpha com o predomínio de elementos-beta que se distinguem pela sua
concretude; a tal ponto que alguns pacientes consideram às palavras não como nomes de
coisas, mas como coisas em si. Esta hipótese deve ser confrontada com as experiências
emocionais, que são uma parte do problema clínico de estabelecer um valor para
função-alpha. Primeiro necessitamos saber ao que equivale uma impressão sensorial na
relação de uma pessoa com uma experiência emocional. Os órgãos sensoriais, o grau de
captação que possuem e suas “realizações” derivam da experiência sensorial de objetos
concretos. O que é que se ocupa daquilo que equivale a uma impressão sensorial em
uma experiência emocional? Como posteriormente se transforma estes equivalentes da

28 O processo que o analista está ativando nos casos em que investiga perturbações do pensamento é
pensado para investigar o mesmo processo no paciente. O que os analistas chamam de fantasias são, pelo
menos em alguns casos, o que restou do que em algum momento foram os modelos quo analisando
formou para dar correspondência às suas experiências emocionais. Neste sentido o mito de Édipo é a
sobrevivência de um modelo idealizado para que correspondesse à experiência emocional de um lactante.
Se o caso apresenta uma perturbação do pensamento notar-se-á que o modelo jamais se formou
adequadamente. Como resultado disso, a situação edípica aparecerá mal estruturada ou não existirá. A
análise de tal paciente, se esta progredir, revelará intenções de formar este modelo.
impressão sensorial em elementos-alpha? Seria útil postular29 impressões sensoriais de
uma experiência emocional análogas às impressões sensoriais de objetos concretos. Se
tais impressões existem, devemos considerar se os elementos-alpha nos quais a função-
alpha transforma as impressões sensoriais em uma experiência emocional diferem dos
elementos-alpha nos quais a função-alpha transforma os dados sensoriais em um objeto
concreto, e sendo assim, em que radica a diferença. Freud sugeriu que o modelo para os
processos primários e secundários era o aparelho reflexo; a aplicação da teoria das
funções exige que primeiro se forme o modelo e posteriormente que se prove que pode
ser representado pela abstração teórica que foi chamada de vínculo, e se este pode
representar, e como, a “realização” que estimulou a produção do modelo. A função-
alpha representa algo que existe quando certos fatores operam em consonância. Supõe-
se que há fatores que operam em dita consonância , ou se não que, se por alguma razão
não o fazem, ou seja, se os fatores dos quais se dispõe não tem função-alpha, então a
personalidade é incapaz de produzir elementos-alpha e, portanto, incapaz de
pensamentos oníricos, consciência ou inconsciência, repressão ou aprendizagem da
experiência. Este fracasso é sério, porque para além dos prejuízos óbvios que a
incapacidade de aprender com a experiência acarreta, existe a necessidade da captação
de objetos concretos que se faz através das percepções sensoriais, porque a ausência de
tal captação implica em não ter verdade, e a verdade parece ser essencial para a saúde
psíquica. O efeito que dita privação pode ter na personalidade é análogo ao efeito que a
inanição pode ter no físico.

3 – Recorrendo à abstração e seus produtos, à função-alpha e seus fatores, me foi


possível estudar incógnitas psicanalíticas. Continuo concretizando, ou seja, usando
termos que se aproximam àqueles usados no nível de dados empiricamente verificáveis,

29 A postulação destes objetos pode ser objetada segundo expressa Frege, opondo-se a postulação de
“objetos lógicos”, pag 55, 56 em Grunlagen der Arithmetik. O psicanalista deve confiar que a experiência
emocional da análise revele os elementos que considere fatores da função alpha. Se pensa que alguns
destes fatores merecem ser descritos como análogos às impressões sensoriais de objetos concretos seria o
momento de formular as hipóteses definitórias corretas ou de lhes assinalar os termos já existentes que
pareçam ser o nome de tais hipóteses.
O analista está então na situação de alguém que , graças ao poder da percepção “binocular” e a
consequente correlação quer a posse de uma capacidade para o pensamento consciente e inconsciente lhe
confere, é capaz de formar modelos e abstrações que servem para elucidar a incapacidade do paciente
para fazer o mesmo.
Uma descrição mais detalhada disso corresponde à descrição da psicanálise clínica, na qual não posso
entrar aqui, exceto no que for necessário para ilustrar meu tema, ou seja, o problema do método do
analista na aprendizagem pela experiência.
para especular em que parte o aparelho psíquico atual se deflexiona para prover o
aparelho que é preciso para pensar. Freud, ao descrever o pensamento como o que provê
um método de restrição da descarga motora que havia se tornado necessária, diz
simplesmente que se desenvolveu da ideação. Ao referir-se à Interpretação dos sonhos,
Freud, influenciado pelo valor do aparelho reflexo como modelo para o aparelho
psíquico implicado no sonhar, desenvolveu sua teoria dos sistemas primário e
secundário à luz deste modelo 30.

Eu sugiro que o pensar é algo que se impõe, pelas exigências da realidade, a um


aparelho que não é adequado para este propósito e que é contemporâneo ao predomínio
do princípio da realidade, conforme afirma Freud. Uma analogia moderna nos é
entregue pelo fato de que as exigências da realidade não somente impuseram a
descoberta da psicanálise, senão que também levaram a deflexão do pensamento verbal
de sua função original de prover restrição da descarga motora às tarefas de
conhecimento de si mesmo, para o qual é inadequado e para cujo propósito deve sofrer
mudanças drásticas.

4 – Ver-se-á que não compreendo a natureza da função-alpha e que a deixo como uma
abstração para ser usada como uma incógnita à qual é dado um valor somente no curso
da investigação psicanalítica31. Para isso, estou tratando se um problema diverso do que
foi investigado por Freud com suas teorias da ideação e seu modelo de um arco reflexo.
Estou supondo que existe um aparelho e que teve e tem, todavia, que sofrer a adaptação
às novas tarefas implícitas no enfrentamento com as exigências da realidade,
desenvolvendo uma capacidade para o pensamento. O aparelho que tem que sofrer esta
adaptação é aquele que originalmente toma conta das impressões sensoriais
relacionadas com o tubo digestivo.

Neste sistema, conforme pude compreender e expressar, nas palavras que pude deduzir,
ocorre o seguinte: o lactente capta a existência de um seio muito mau dentro de si, um
seio que “não está ali” e que por não estar provoca sentimentos dolorosos. Sente-se que

30 Freud, S. A interpretação dos sonhos, cap.VII.

31Um processo similar aquele por meio do qual a preconcepção e a experiência de uma realização se
unem para estimular a gênese de uma concepção
este objeto é evacuado pelo sistema respiratório ou pelo processo de “engolir” um seio
que satisfaça. Este seio que se engole não se distingue de um “pensamento”, porém o
“pensamento” depende da existência de um objeto que seja efetivamente colocado
dentro da boca. Em certas condições que dependem de fatores da personalidade, o
processo de mamar e as sensações que o acompanham equivalem à evacuação de um
seio mau. O seio, a coisa em si, não se distingue de uma ideia na mente. A ideia de um
seio na mente, reciprocamente, não se distingue de uma coisa em si na boca. Estamos
nos circunscrevemos somente a duas situações, uma das quais é um seio real, que não se
distingue de um experiência emocional, que por sua vez é coisa em si, e o pensamento,
mas em um estado indiferenciado, e a outra, a terrível “necessidade-de-um-seio”, seio
mau que também é um objeto composto de experiência emocional e coisa em si, os dois,
todavia, indiferenciados, fica claro que nos aproximamos de um objeto que se parece
bastante com um elemento-beta. A “realização” e sua representação na mente não foram
diferenciadas. As características desta condição podem ficar mais claras se extraio
algumas de suas manifestações. Para isso, o lactante que tem uma “necessidade-de-um-
seio”, seio mau, pode evacuá-lo ao mamar. É obvio que isso requer uma relação
topograficamente próxima de um seio real. Pode evacuá-lo mediante o sistema
respiratório: não é necessário que haja sensações táteis para isso. Pode evacuá-lo ao ver
o seio real; por isso é necessário que o seio real esteja à vista, ou seja, em uma posição
na qual estar à vista é igual a estar no olho da mente e ambos são o mesmo que estar na
boca. Se todos estes fatos são evacuações da “necessidade-de-um seio”, seio mau, fica
claro que não se dispõe nem de um seio, o ”não seio” será vivido não somente como
mau em si mesmo, senão como pior, porque podemos dizer que é um testemunho
concreto de que este seio mau foi evacuado com êxito. Nesta situação, o termo correto
para descrever o objeto que o lactente vivencia seria um “objeto estranho ” mais do que
um elemento beta.

Capítulo XX
1 – Quando a evacuação de um seio mau leva a sentir sua presença externamente,
quando a evacuação ocorre, aparente pela sucção se um seio verdadeiro, as
consequências da evacuação não são dolorosas, tal qual aos métodos respiratórios e
outros. Isto estimula a inteiração entre o princípio da realidade e o princípio do prazer-
desprazer. Podemos sintetizar: 1) o processo de diferenciação entre a representação de
sua correspondente “realização”, o processo pelo qual a coisa em si pode ser distinta da
ideia (Bradey, 1,148), ou 2) os efeitos da correspondência entre a alimentação e o
pensar. O primeiro caminho leva diretamente a que tratemos a importância da abstração,
a qual, neste contexto, pode ser considerada como um aspecto da transformação, pela
função-alpha, de uma experiência emocional em elemento-alpha.

2 – A teoria kleiniana de que o lactante sente que evacuou seu mau objeto no seio,
combinada com a teoria de que a satisfação de uma necessidade possa ser sentida como
um aspecto da evacuação de uma necessidade, sendo esta necessidade um seio mau
(para empregar termos concretos) ou o que é denominado de elemento-beta (para
empregar uma abstração), representa um sentimento do lactante de que o seio é na
realidade um objeto mau evacuado e que, portanto, não pode distinguir-se de um
elemento-beta. Contudo, algo deve ocorrer se o bebê continua se alimentando. Está
implícito no processo descrito que a situação não pode ser reconhecida como objetiva.
Se existe um seio bom, um objeto doce, é porque este foi evacuado, produzido; o
mesmo ocorre com o seio mau, o seio do qual se precisa, o seio amargo, etc. Não pode
ser considerado nem como objetivo, nem como subjetivo. Destes objetos doces,
amargos, ácidos, se abstrai a doçura, o amargor e a acidez. Uma vez abstraídos podem
ser novamente aplicados; a abstração pode ser utilizada em situações nas quais uma
“realização”, não a “realização” original da qual foi originalmente abstraída, se
aproxima desta. Por exemplo, uma experiência emocional é associada com o seio, na
qual o lactante sente que há um objeto que existe independentemente dele mesmo e do
qual sente que pode depender para satisfazer seus sentimentos de fome; supondo uma
capacidade para abstração, o lactante pode sentir que pode separar um elemento da
experiência total, que é a crença de que existe um objeto que possa satisfazer suas
necessidades. A afirmação concreta poderia ser: existe um seio do qual é possível
depender para satisfazer sua fome de alimento; a abstração disso poderia ser: há algo
que pode e é dado a ele, quando ele o quiser.

3 – Pode ser feito um número qualquer de enunciados para representar, desde a


perspectiva de um observador considerado imparcial, até o que sente o lactante quando
sente que foi amamentado. Dessa experiência emocional e o enunciado que a
representa, e de todos os outros enunciados que poderiam ser considerados seus
representantes de forma igualmente razoável, pode ser abstraída uma série de
enunciados posteriores. Dado que podem ser feitos uma grande quantidade de
enunciados, o significado disso para o procedimento científico, com uma referência
particular na passagem precedente, logo será tratada. Presumivelmente, o lactante
também “pode fazer vários enunciados”, mas é a natureza destes enunciados que em
última instância interessa ao analista. O primeiro nível de enunciados é singular,
derivado de um episódio real e concreto; as abstrações se afastam cada vez mais do
concreto e do específico, na medida em que sua origem se perde de vista. As abstrações
assim produzidas podem então serem novamente aplicadas a uma “realização” quando
encontra uma “realização” que aparentemente aproxima-se à abstração.

4 - As situações que aparecem em análise são: 1) um paciente incapaz de abstrair luta


para existir com um aparelho mental que se ocupa da introjeção e projeção de
elementos-beta; 2) um paciente capaz de abstração produz sistemas teóricos muito
estranhos ao background de “realizações” do qual foi abstraído, contudo proliferam
estes sistemas de acordo com as regras que tornam as abstrações de qualquer sistema
congruentes entre si; 3) um paciente capaz de produzir abstrações prolifera sistemas que
parecem responder a sistemas de regras que não são passíveis de averiguação. Ainda
que a “realização” original não seja conhecida (assemelhando-se, neste sentido, ao que
foi mencionado em; 2) e do mesmo modo o sistema de regras sobre o qual as abstrações
foram manipuladas, ainda pode encontrar “realizações” que se aproximam de seus
enunciados abstratos; 4) um paciente capaz de abstração e formação de sistemas de
acordo com regras que asseguram que o sistema não é incompatível consigo mesmo é
todavia incapaz de encontrar uma “realização” a qual os sistemas abstratos possam ser
aplicados; 5) um paciente capaz de abstração e de combinar estas abstrações formando
um sistema de acordo com regras (cuja natureza pode ser demonstrada) que asseguram
que os sistemas são incompatíveis entre eles. Pode ser possível deduzir qual era a
“realização” original da qual a abstração foi derivada. Verificamos que “realizações”
posteriores aproximam-se dos sistemas dedutivos, ainda que possamos não saber que as
últimas “realizações” existiam quando a abstração que os representa foi primeiramente
rascunhada.

5 – Eu devo ignorar que: 1), dado que é um enunciado cujos sistemas abstratos
derivados foram representações de “realizações” que geralmente se sente que são de
uma classe distinta das “realizações” que correspondem a 2, 4, 5 e ; 3 representa uma
“realização” que logo teremos que levar em conta. É peculiar, no entanto que as “as
realizações” que se aproximam desta relação tem uma similaridade superficial com as
realizações que se aproximam das representações derivadas de 1.

6 – Através da discussão de 1, 2, 3, 4 e 5, a abstração pode ser investigada como um


fator da função-alpha. Há duas tarefas nas quais agora devemos embarcar. A primeira é
elucidação das primeiras “realizações” da abstração. A segunda tarefa é elucidar a
relação do modelo (tal qual Freud utiliza o termo na passagem em que se refere ao
aparelho reflexo como modelo para o aparelho implicado no sonhar) com a “realização”
da qual a abstração e os sistemas dedutivos foram derivados: até que ponto e em quais
circunstâncias é possível observar que esta “realização” original é, ou pode ser utilizada
como modelo para a abstração que deriva dela? Pode muito facilmente ser utilizada
como um modelo assim sem o saber ou o querer. Por exemplo, foi dito que certas
locuções são testemunho não de recordações, mas “fatos indigestos” (parag. 7).
Implícito nesta afirmação está o uso do sistema digestivo como um modelo para o
processo de pensamento. Há razões para crer que as experiências emocionais associadas
com a alimentação são aquelas das quais alguns indivíduos abstraíram elementos e
posteriormente os integraram para formar sistemas teóricos dedutivos que são usados
como representações de “realizações” de pensamento. Há razões para utilizar o sistema
digestivo como um modelo para demonstrar e compreender os processos implícitos no
pensamento. Não há objeção, exceto no que diz respeito à ineficiência, que possa ser
levantada contra este procedimento, como sendo aquele por meio do qual a primeira
“realização” e a experiência emocional que lhe deu origem são transformadas para
prover representações para “realizações” que parecem se aproximar destas. Ainda, a
imagem concreta da primeira “realização” pode ser usada como um modelo para a
“realização” subsequente. A distinção entre a representação, formada com elementos-
alpha combinados para produzir um sistema dedutivo teórico abstrato, e um modelo
formado por imagens concretas combinadas de acordo com o que havia sido pensado
que fossem as relações entre os componentes da primeira “realização”, é importante e
deve ser preservada para evitar confusões. O que, porém, dizer a favor de utilizar nosso
conhecimento do sistema digestivo para formar um modelo, não para os processos
implicados no pensamento, senão para os processos implicados no pensamento acerca
do pensamento?

7 – Os problemas associados com as desordens de pensamento nos obrigam a pensar


acerca do pensamento, e isto apresenta uma questão técnica. Como podemos pensar
acerca do pensamento? Qual o método correto? Está claro que podemos utilizar nosso
conhecimento do tubo digestivo, involuntariamente, quando estamos interessados em
elucidar desordens do pensamento e, portanto, fenômenos que estão relacionados com a
atitude do paciente, e sua capacidade para, pensar sobre o pensamento. A importância
deste problema reside no fato de que certos pacientes estão influenciados pela crença
de que podem digerir pensamentos e que as consequências de fazê-lo são similares a
digestão do alimento. Ou seja, de que se trata de fazer aquilo que poderia geralmente ser
considerado como meditar acerca de uma ideia, creem que os pensamentos tratados
desta forma sofrem uma mudança similar à sofrida pela comida, que é convertida em
fezes; algumas ideias, ou suas representações verbais, sobrevivem, e se as expressa,
emergem como o testemunho da posse de uma ideia, senão como testemunho,
incrustrada em uma matriz de geringonça, de que seus sentimentos foram destruídos e
privados de sentido, do mesmo modo que as fezes e suas partículas sem digestão podem
ser consideradas como comida 32 que foi destruída e privada de seu valor como comida,
as interpretações dirigidas a tal paciente devem ser expressas em termos que evitem
palavras nas quais o modelo do sistema digestivo esteja implícito. Na prática, se a
dificuldade é reconhecida pelo analista, é possível tomarmos medidas que evitem a
criação de uma confusão ainda maior que está que já existe. Porém o problema estimula
o pensamento de que o emprego inconsciente deste modelo pode estar criando
dificuldades não somente para o psicótico, mas também para o filósofo da ciência
dedicado a problemas envolvendo métodos para um pensar claro. O termo “pensar
claramente” que acabo de empregar é por si só testemunha de até que ponto o
vocabulário filosófico e psicanalítico, que pode ser considerado como tendo uma
relação com a filosofia análoga à relação das matemáticas com as matemáticas
aplicadas, está saturada de modelos derivados de impressões sensoriais de objetos
materiais. Podemos, assim, recorrer sem nos darmos conta aos mesmos métodos de
compreensão, e isso inclui o representar “realizações” no domínio do pensamento
através de modelos empregados na primeira “realização”. É verdade que o modelo que
o conhecimento atual do tubo digestivo nos dá será muito distinto do modelo que o
conhecimento do sistema digestivo do lactante dá a este. Uma diferença similar se
aplica aos sistemas construídos sobre a base de elementos-alpha derivados como parte
do processo de abstração; as abstrações do lactante não são as do adulto.

Capítulo XXI

1 – A utilização de um modelo é eficaz por devolver um sentido de concretude a uma


investigação que pode ter perdido o contato com seu background por meio de sua
abstração e dos sistemas dedutivos teóricos a estes associados. Seu mérito neste sentido

32 O significado deste fenômeno varia de acordo com a emoção que acompanha a experiência. O paciente
pode crer que sua ação é uma evacuação, porém a natureza da crença depende de se ele se sente
agressivo, deprimido ou perseguido. Se sua ação é considerada pelo analista uma comunicação verbal
normal, o paciente não sabe “o que sente”, aparentemente a conduta do paciente se assemelha muito a um
estado onírico como o que descrevi no capítulo IX, par.4. é na verdade uma tela beta e não consegue
efetuar uma divisão dos pensamentos em conscientes e inconscientes. Se for um sonho verdadeiro a
situação analítica proporcionará uma prova da separação entre consciente e inconsciente, como a que
existe quando o paciente de identifica com o inconsciente e o analista com consciente ou vice-versa.
é equiparável ao que tem uma aproximação primitiva à abstração na qual a experiência
completa, por exemplo, o alimentar-se, pode ser usado como modelo para um problema
posterior. O defeito do modelo como instrumento reforça a necessidade de produzir
abstrações.

2 – Um modelo tem também qualidades que o capacitam para o cumprimento de


algumas das funções da abstração. Capacita o investigador para utilizar uma experiência
emocional a aplicando como uma totalidade a uma experiência posterior ou a algum
aspecto desta. Estes méritos contém em si os mesmos os elementos que fazem com que
o modelo acabe caindo nas graças do público. Nenhuma experiência equivale
exatamente a uma experiência passada; o sistema dedutivo científico e suas abstrações,
o modelo e suas imagens associadas, somente podem ser uma aproximação da
“realização” e vice-versa.

3 – Distingo entre o modelo e a abstração reservando o termo modelo para uma


construção na qual se combinam imagens concretas entre si; o vínculo entre imagens
concretas frequentemente produzem o efeito de uma narrativa que implica que alguns
elementos na narrativa são causas de outros. É construído de elementos do passado do
indivíduo, enquanto a abstração está, para assim dizer, impregnada com preconcepções
do futuro33 do indivíduo. Sua similaridade com o modelo reside em sua origem que
advém de uma experiência emocional e a sua aplicação a uma nova experiência
emocional, sua diferença reside no logro de uma flexibilidade e capacidade de ser
aplicado que é obtido pela perda de imagens concretas particulares; os elementos na
abstração não estão combinados por uma narrativa, senão por um método que tem por
finalidade revelar a relação melhor do que os objetos relacionados. Este sistema
dedutivo abstrai de uma experiência emocional aquelas qualidades que mostram a
relação entre os elementos nessa experiência emocional. Os elementos reais
relacionados têm menos importância. O modelo acentua os elementos reais, as imagens
visuais, contudo o modo como estão unidos é menos significativo.

4 - O fato de que qualquer “realização” somente se aproxima da representação, seja esta


abstração ou modelo, é o estímulo para posteriores abstrações e construções de

33 Ver capXXII, parágrafo 8


modelos. Se a pessoa que está aprendendo não consegue tolerar a frustação essencial de
apreender, irá se permitir fantasias oniscientes e uma crença em um estado em que as
coisas se sabem. Saber algo consiste em “ter certo” conhecimento, e não no que foi
chamado C.

A descrição da construção de modelos e abstração nos cap. XX e XXI é em si um


exemplo de construção e modelos de abstração empregados em C (o “conhecer” no
sentido de “chegar a conhecer” algo). Se a construção de modelos e abstrações implica
uma capacidade para a função-alpha, estes são compatíveis com todos os estados
mentais mencionados na página 90, exceto: 1) Se há testemunho de 1), a
incompatibilidade de 1) com os outros significa que 1), 2), 3), 4), etc., coexistem, porém
estão dissociados entre si.

Capítulo XXII

1 – O ato de escrever este livro é uma “realização” de C. As dificuldades do paciente


que sofre de um “transtorno de pensamento” são similares àquelas que preocupam aos
cientistas e outros interessados no estabelecimento de fatos, na medida em que surgem
em decorrência do fracasso ao lidar com a determinação dos fatos e, portanto, implicam
em uma investigação da natureza do fracasso. O fracasso dos pacientes que sofrem de
transtornos de pensamento se encontra de modo flagrante dentro de sua personalidade.
A psicanálise deste fracasso é impossível se não compreendermos o problema do
filósofo da ciência e inversamente seu problema está enunciado de modo incompleto
sem a ajuda da experiência psicanalítica dos transtornos do pensamento 34. A
investigação da abstração como parte da bagagem do psicanalista se fara com este duplo
enfoque. Tratarei primeiro a abstração como um fator da função-alpha em um vínculo
C.

34 Ver E. Money-Kirle, Man’s Picture of his World, cap.IV. o problema que ali se trata é o mesmo que se
discute aqui no campo restrito do método psicanalítico. Money-Kirle mostra que o homem tem que
enfrentar o problema nas tarefas que realiza através de sua vida.
2 – Suponhamos que o lactante repita uma experiência emocional na qual os elementos
seguintes estão constantemente unidos; ao ver um homem, a sensação de ser amado por
este, a sensação de necessitar deste homem, uma captação de que a mãe repita uma
frase: “Esse é o papai”. “Pa, pa, pa”, repete então a criança. “Este é o papai”, diz a mãe.
Da experiência emocional a criança abstrai certos elementos e quais estes são irá
depender em parte do lactante; estes elementos abstraídos recebem o nome de “papai” e
outras situações nas quais os mesmos elementos parecem estar unidos: assim se
estabelece um vocabulário. Esta não é uma descrição dos fatos; dou-lhe o status de um
modelo do qual abstraio uma teoria e espero descobrir que é uma representação a qual
corresponda alguma “realização”. A teoria que abstraio é “Papai” é o nome de uma
hipótese35. A hipótese chamada “Papai” é uma afirmação de que certos elementos estão
constantemente unidos.

3 – A criança agora encontra outra pessoa que também diz “pa-pa-pa”, contudo em
circunstancias que aparentemente não correspondem com as circunstâncias a que “pa-
pa-pa” está associado. Há um homem, porém, não é aquele que deveria ser. Todavia,
alguns elementos nesta nova situação correspondem a elementos em situações que a
criança considera “realizações” que correspondem à hipótese cujo nome é “Papai”. A
hipótese deve ser revisada para que represente as “realizações”. Pode ser abandonada
em favor de outra ou converter-se em um sistema de hipóteses, um sistema dedutivo
científico. As experiências continuam e o sistema dedutivo científico denominado
“Papai” se torna progressivamente mais complexo. Usando o modelo para abstrair uma
teoria, o indivíduo deve ser capaz de abstrair de uma experiência emocional elementos
que pareçam estar unidos, incluindo um elemento que é, ao mesmo tempo o nome da
teoria, ou hipótese ou sistema dedutivo científico; é também o nome da realização que
se crê se aproxime da teoria. Assim, “poltrona” é: 1) o nome dado a alguma coisa em si
como se supõe que exista na realidade: isto seguindo Kant, não pode ser conhecido36
por nós. 2) o nome dado ao fato selecionado. 3) o nome dado a uma seleção de

35 Ver Rosenfeld, H., On drug addiction, Jornal de psych-anal. Vol XLI, p.472, para obter um exemplo
que esclarece o problema que foi ilustrado por meio do modelo do uso do lactante do “papa”. Mesmo que
a apresente como ocorrida em um sonho, é típico de uma atitude mental não restrita ao sonho.

36 Kant, E., Crítica da razão pura.


sentimentos, impressões, etc., que são experimentados, em decorrência do fato
selecionado, como relacionados e coerentes. 4) o nome da hipótese definitória, que diz
que estes elementos estão constantemente unidos. 3) e 4) correspondem às qualidades
secundárias e primárias de Kant. Estas distinções da natureza do conteúdo do termo
“poltrona” são de importância prática para os psicanalistas que enfrentam a necessidade
e a dificuldade da comunicação dentro do grupo.

Até aqui somente foram utilizadas as palavras “Papai” e “poltrona”, como exemplos de
nomes de hipóteses; ou seja, de elementos abstraídos de uma situação emocional e aos
quais é dada coerência por meio de um nome.

4 – O uso do termo hipótese como um nome para o objeto que será descrito mais
frequentemente como um conceito é a expressão do problema apresentado por 3),
segundo emerge quando é investigado psicanaliticamente. O problema apresentado pela
teoria psicanalítica é a falta de uma terminologia adequada para descrevê-la, e neste
sentido se assemelha ao problema que Aristóteles solucionou supondo que as
matemáticas tratam de objetos matemáticos. É conveniente supor que a psicanálise trata
com objetos psicanalíticos e que o psicanalista deve se interessar na detecção e
observação de certos objetos ao conduzir uma análise. 3) descreve um dos aspectos
destes objetos. O emprego do termo “hipótese” provisoriamente, porque o significado
associado com o uso científico destes termos tem aspectos que são compartilhados pelo
objeto psicanalítico. A identificação de tal objeto depende de: a) a possibilidade de
encontrar um meio através do qual possa ser comunicado a natureza do objeto. Isto
implica o emprego dos próprios métodos que são objetos desta investigação e; b) o
equipamento mental que o observador possa sustentar; a) e b) são, portanto, esboços de
problemas sobre os quais estas investigações devem convergir.

5 – Dos elementos de uma “realização” somente alguns têm como seus correspondentes
dados sensoriais vinculados entre si como estando constantemente unidos. Estes
elementos e seus correspondentes dados sensoriais podem, portanto, ser considerados
como abstraídos da totalidade dos elementos na “realização”. Uma abstração posterior
tem lugar quando se dá aos elementos um nome que é percebido como diferente da
“realização” que representa. A abstração somente pode ocupar a função de uma
preconcepção. A generalização deve, portanto, poder particularizar; a abstração deve
poder concretizar. Implícito no termo “dar concretude a” está o modelo do qual deriva.
O modelo provê um background de significado que pode evitar que minha afirmação
esteja tão apartada da realidade de modo que se torne pouco apropriado para dar a
aparência de uma “realização’. Porém, a implicação, que é sua força, se torna uma
debilidade quando emprega um participante numa relação na qual o vínculo é menos C.
(Mais adiante o escreveremos “ – C”. Isso é analisado em detalhe no Cap. XXVIII).
Esta debilidade e seu aproveitamento em – C se torna evidente na análise do paciente
que parece incapaz de abstrair, o paciente para o qual as palavras são coisas – as coisas
que a palavra supõe representar, mas que este não consegue distinguir de seu nome e
vice-versa.

6 – Os problemas associados com a abstração podem ser esclarecidos se os


considerarmos de um modo inverso, como o problema do movimento do geral ao
particular, do abstrato ao concreto. Quando falo de tendência a concretizar, emprego, e
espero que se entenda, que emprego uma metáfora. Esta classe de paciente não
entenderia isso. Para este a palavra seria um pedaço de concreto37. Isto seria igualmente
verdadeiro se este tratasse, como eu estou tratando, de expressar claramente o que quero
dizer mediante o emprego da expressão “tendência a concretizar”. Posso me dar conta
do fracasso para expressar claramente o que eu quero dizer, porém, não creio que minha
dificuldade se deva a que estou passando pedaços de concreto, quando na verdade o que
quero é conversar.

7 – A teoria de que o conceito é um enunciado de que certos elementos estão


constantemente unidos e de que a palavra é o nome deste enunciado pode ser usado
como modelo para formular uma teoria mais abstrata que possa abarcar muito mais. A
“realização” de toda a situação emocional é uma aproximação a um sistema dedutivo
teórico que a representa, ainda que este sistema dedutivo científico ou representação
ainda não tenha sido descoberto.

37 H. Segal, Notes on Symbol Formation, int. J. Psych-anal, 1957, a propósito da concretização e


abstração ver seu comentário sobre equação.
8 – Agora é possível formular mais facilmente a natureza de um objeto psicanalítico.
Suponhamos que ϕ representa uma constante, {ε} um elemento não saturado que

determina o valor da constante uma vez que este tenha sido identificado. Podemos
utilizar a constante desconhecida ϕ para representar uma preconcepção inata.

Empregando um modelo para dar um sentido temporário ao termo “preconcepção


inata”, vou presumir que um lactante tem uma percepção inata de que existe um seio
que satisfaz sua própria natureza incompleta. A “realização” do seio provê uma
experiência emocional. Esta experiência corresponde às qualidades secundárias e
primárias de um fenômeno, segundo Kant. As qualidades secundárias determinam o
valor do elemento não saturado e, portanto, o valor de ϕ {ε}. Este sinal representa agora

uma concepção. O elemento previamente não saturado {ε} junto com a constante
desconhecida ϕ compartilham um componente, que é o caráter inato da personalidade.

Representamos isso por meio de (M). O objeto psicanalítico pode então ser representado
através de ϕ {ε} (M). O valor de (M), como o de {ε}, será determinado pela experiência

emocional estimulada pela “realização”, ou seja, no modelo que foi apresentado como o
encontro com o seio. O valor do objeto psicanalítico ϕ {ε} (M) será então determinado

pela identificação de {ε} (M) precipitada por uma “realização”.

9 – Isso não é tudo. A extensão do conceito de um objeto psicanalítico, bem como as


extensões de todos os conceitos biológicos, inclui fenômenos conectados com o
crescimento. O crescimento pode ser considerado positivo ou negativo. O representarei
por meio de (±Y). Os sinais mais ou menos são empregados para dar sentido ou direção
ao elemento que precedem de uma forma análoga ao seu modo de emprego na
geometria coordenada. Para indicar este aspecto de sua extensão representarei o objeto
psicanalítico por meio de {(± Y) ϕ (Μ) (ε)}. Se (Y) for precedido do sinal de mais ou de

menos, este será determinado somente pelo contato com uma “realização”. A abstração
do objeto psicanalítico estará relacionada com a resolução das exigências do narcisismo
e social-ismo em conflito. Se a tendência é social, a abstração (+Y) estará relacionada
com o isolamento de qualidades primárias. Se a tendência é narcisista a abstração (-Y)
será substituída pela atividade apropriada a – C, que, todavia não foi tratada.
10 – C, ao que o analista está restrito, implica em abstração do objeto psicanalítico
representado por meio de {(Y) ϕ (ε) (Μ) }. A abstração deve poder servir como a

constante para que possa ocupar a função de uma incógnita e, ainda, em virtude do
objeto psicanalítico do qual se deriva, ter os atributos de uma preconcepção que tem,
diferentemente da preconcepção inata, uma penumbra de significado. Segue sendo uma
incógnita, contudo a variedade de valores que podem ser a ela empregados pela
identificação de (ε) é restrita. O termo conhecimento a priori somente pode ser aplicado
a objetos psicanalíticos onde ϕ é uma incógnita cujo valor pode ser determinado através

da identificação de (ε) sem restrição.

É necessário e deveria ser possível, encontrar hipóteses que possam ser utilizadas em
sistemas dedutivos científicos tanto como premissa, como hipóteses derivadas.
Podemos então concluir que estes sistemas dedutivos científicos abstraídos de
experiências emocionais podem acabar representando outras experiências emocionais
das quais não foram derivadas, mas as quais é possível observar que se aproximam do
sistema dedutivo científico representativo em questão. O sistema dedutivo científico
pode ser ainda mais abstraído para que se produza o equivalente a um cálculo algébrico
que o representaria.

Capítulo XXIII

1 – H. Poincaré descreve o processo de criação de uma formulação matemática do


seguinte modo: “Se um novo resultado há de ter algum valor, deve unir elementos por
muito tempo conhecidos, mas que estiveram até agora dispersos e que tenham sido
aparentemente estranhos entre si, e subitamente introduzir ordem onde antes vigorava a
aparência de desordem. Então isto nos permite atingir uma visualização da posição que
cada um destes elementos ocupa na totalidade. Não somente o novo fato é valioso por si
só, senão que ele que agrega valor aos fatos anteriores que ele une. Nossa mente é
frágil, como nossos sentidos; ela se perderia na complexidade do mundo se esta
complexidade não fosse harmoniosa, e, tal quais aqueles de visão curta, somente
poderia ver os detalhes, e seria obrigada a esquecer de cada um destes detalhes antes de
examinar o seguinte, porque seria incapaz de entender a totalidade. Os únicos fatos que
merecem nossa atenção são aqueles que introduzem ordem nesta complexidade e o
fazem de modo acessível a nós”.

2 – Esta descrição tem uma grande semelhança com a teoria psicanalítica das posições
esquizo-paranóide e depressiva esboçada por M. Klein. É usado o termo “fato
selecionado” para descrever o que o psicanalista deve experimentar no processo de
síntese. O nome de um elemento é utilizado para particularizar o fato selecionado, ou
seja, o nome daquele elemento na “realização” que parece vincular elementos que até
agora não haviam sido percebidos como conectados. As representações dos fatos
selecionados podem então ser vistas como tendo uma coerência similar se for possível
encontrar a representação apropriada para um numero selecionado de fatos. Os fatos
selecionados, juntamente com o fato selecionado que parece dar coerência a um número
de fatos selecionados, emergem de um objeto psicanalítico ou series de tais objetos, mas
não podem ser formulados de acordo com os princípios que regem um sistema dedutivo
científico. Deve-se trabalhar sobre os fatos selecionados através de processos racionais
conscientes antes que se possa criar tal sistema. Somente então é possível formular a
representação que reunirá os elementos de fatos selecionados coerentes em um sistema
dedutivo científico. No sistema dedutivo científico as hipóteses do sistema devem se
manter unidas por regras, porém estas não correspondem com aquilo que na
“realização” parece vincular os elementos cuja relação aparece revelada pelo fato
selecionado. Neste sentido, as regras que mantém as hipóteses unidas no sistema de
hipóteses, ou seja, o sistema dedutivo científico, são as regras da lógica. A relação entre
as hipóteses de um sistema dedutivo científico, ou seja, a conexão lógica entre estas que
se fez notar através do sistema dedutivo, é característica do pensamento consciente
racional, mas não da relação entre os elementos de uma “realização”, na qual os
fenômenos parecem se unir como resultado da descoberta de um fato selecionado. O
fato selecionado é o nome de uma experiência emocional, a experiência emocional de
um sentido de descoberta da coerência; sua significação é, portanto, epistemológica e
não devemos presumir que a relação de fatos selecionados é lógica. Os elementos que se
pensa estarem relacionados têm na realidade uma contraparte coisas em si. Devemos
supor que fatos relacionados representam uma coisa em si e de maneira similar que a
relação, a saber a relação lógica, entre os elementos no sistema dedutivo tem também
uma contraparte na realidade, uma coisas em si que se aproxima da lógica dedutiva?

De fato a formulação matemática tem algumas das características da intenção de


formular um sistema de relações entre objetos matemáticos, na qual alguma
“realização” de relações pudesse se aproximar. Em outras palavras, não há razão pela
qual as regras que regem a manipulação lógica dos elementos de um sistema dedutivo
científico devam ter alguma “realização” correspondente. Disso se depreende que os
elementos em um objeto analítico podem se relacionarem entre si de um modo
totalmente distinto daquele ao qual suas representações estão vinculadas em um sistema
dedutivo científico. O progresso na elucidação do campo de relação dependerá
provavelmente do esclarecimento por meio de C ou –C, e os objetos psicanalíticos
próprios daquele.

3 – A rede de relações que se pode distinguir em um sistema dedutivo científico ou seu


cálculo correspondente pode não ter qualquer “realização” pelas seguintes razões.
Certas investigações exitosas foram associadas com objetos inanimados que o objeto
animado compartilha com o inanimado. Em tais casos a estrutura lógica do sistema
dedutivo científico e o calculo algébrico que a representa parecem ter uma “realização”
que lhe corresponde, provavelmente porque é abstraída de uma “realização” parecida.
Ou seja, que há uma “realização” que parece corresponder aproximadamente à
verdadeira rede de relações que é inerente ao mesmo sistema dedutivo científico. A
investigação de elementos que são essencialmente animados não condiz com
semelhante correspondência. A forma de associação entre os elementos ligados por um
relato se distingue da forma de associação discernida através da transição da posição
esquizo-paranóide para a depressiva.

4 – A forma narrativa está associada à teoria da causalidade e a outra com as posições


depressivas e o fato selecionado. Pode não haver “realização” que corresponda a estas
duas teorias.

5 – Qualquer experiência pode ser utilizada como “modelo” para alguma experiência
futura. Este aspecto da aprendizagem por meio da experiência está conectado e pode ser
idêntico ou a função que Freud atribui à atenção quando diz que esta deve “indagar
periodicamente o mundo exterior para que seus dados já lhes seja familiar quando surgir
uma necessidade interna urgente”. O valor de um modelo consiste em que seus dados
familiares estão disponíveis para satisfazer qualquer necessidade urgente, interna ou
externa. O fato selecionado precipita o modelo. Sente-se então que a coerência dos
elementos no modelo identificado com a “realização” pertence aos elementos da
“realização”.

6 – Antes que uma experiência emocional possa ser utilizada como modelo, seus dados
sensoriais devem ser transformados em elementos-alpha para serem armazenados e
tornarem-se disponíveis para a abstração. (Em – C o significado é abstraído, deixando
uma representação desnudada). A construção de modelos durante a experiência está
relacionada com o modelo necessário para essa experiência; a função-alpha durante a
experiência provê os elementos necessários para a construção de modelos em uma
experiência posterior; o modelo é precipitado durante a experiência para a qual o
modelo é necessário. Retiram-se elementos de seu arquivo mental para prover um
modelo que é uma aproximação ao acontecimento que ele irá esclarecer. A
personalidade abstrai da experiência os elementos que espera que se repitam e forma
sobre a base destes elementos o modelo que preservará algo da experiência original,
mas com flexibilidade suficiente para permitir a adaptação a experiências novas, mas
que se supõe similares. Abstrai elementos para construir um modelo, uma abstração ou
ambos. Usarei o termo modelo onde a construção é forjada para satisfazer uma
“necessidade urgente” de concretude. (Construção, forjar, o concreto. Estas três palavras
tem implicações dos modelos dos quais as palavras foram abstraídas. Deixou a
passagem como um exemplo da influência latente, ainda que notória nesse caso, do
modelo). Se um modelo for necessário, aqueles elementos serão abstraídos do arquivo
de elementos-alpha que têm, como as imagens visuais, uma reminiscência da
experiência emocional durante a qual se formou o elemento-alpha. Quanto mais são
empregados tais elementos, mais rígido se torna o modelo e mais restrita a sua
aplicação; a restrição é modificada se o modelo formado por uma combinação destes
elementos se submete então a posterior abstração. As abstrações necessitam, então,
serem combinadas de acordo com as regras da lógica. Este sistema de abstrações é o
sistema dedutivo científico.

Capítulo XXIV

1 – Suponhamos que o paciente tenha produzido varias associações e outro material. O


analista tem a sua disposição; 1) observações do material do paciente; 2) diversas
experiências emocionais próprias; 3) conhecimento de uma ou mais versões do mito de
Édipo; 4) uma ou mais versões da teoria psicanalítica acerca do complexo de Édipo; 5)
outras teoria psicanalíticas fundamentais.

Alguns aspectos da sessão resultarão familiares, lhe recordará experiências analíticas


anteriores e de outros tipos. Outros aspectos parecerão guardar certa semelhança com a
situação edípica. O analista pode formar um modelo partindo destas fontes: o problema
radica em decidir se o analista está sendo confrontado por uma “realização” da teoria de
Freud sobre o complexo de Édipo. A teoria não corresponde exatamente ao que um
físico chamaria de um sistema dedutivo científico, porém pode ser formulada de modo
tal que possamos incluí-la nesta categoria. Sua fraqueza como membro desta classe
provavelmente seja sua carência de abstração e a estrutura peculiar segundo a qual seus
elementos se relacionam entre si. Em parte isso se deve ao fato de que quanto mais
concretos os elementos, menos se prestam a variação de combinações.

2 – Ademais dois fatores, a) a verdadeira natureza da rede de relações na qual os


elementos se encontram e b) a derivação dos elementos de um mito contrastam com os
elementos de um sistema dedutivo científico tal como os usa um físico. O último
pretende derivar de uma “realização” e ser capaz de representar outra enquanto que a
formulação psicanalítica é derivada e expressa mediante a experiência emocional de
uma narrativa folclórica e se diz que representa uma “realização” que surge na
psicanálise. Freud derivou sua teoria da experiência emocional da indagação
psicanalítica, porém sua descrição não pode ser comparada com as formulações que
geralmente se supõe que representam descobertas científicas. Gostaria de considerar
somente duas debilidades metodológicas na teoria freudiana na teoria do Édipo, e que
são: 1) a teoria tal qual é, é tão concreta que não pode ser equiparada com sua
“realização”, ou seja, que não se consegue encontrar nenhuma “realização” que se
aproxime de uma teoria cujos elementos, concretos em si mesmos, estão combinados
em uma rede narrativa de relações que é intrínseca e essencial. Sem a narrativa os
elementos perdem o seu valor. Por outro lado: 2) se os elementos se generalizam, a
teoria se converte em uma engenhosa manipulação de elementos segundo regras
arbitrárias: a mais conhecida formulação desta suspeita acerca da teoria é a crítica de
que o analista e o analisando gostam de fazer uso de um jargão.

3 – Uma formulação teórica que parece ser demasiado concreta e, ainda assim
demasiadamente abstrata tem que ser generalizada de tal modo que suas “realizações”
sejam mais facilmente detectadas, sem a companhia da debilidade, que muitas vezes se
dá nas matemáticas, de parecer uma arbitrária manipulação de símbolos. É possível
reter seus elementos concretos sem perder a flexibilidade tão essencial para a aplicação
psicanalítica? Se for possível fazê-la mais abstrata, ainda que talvez não encontremos
uma formula algébrica para representar um sistema dedutivo científico. Posteriormente
direi algo mais acerca desta possibilidade.

4 – Estou convencido da força da posição científica na prática psicanalítica. Creio que a


prática dos analistas ao fazer da psicanálise uma experiência essencial para a formação,
se ocupa das dificuldades fundamentais do momento porque torna o consciente e o
inconsciente disponíveis para uma correlação; mas não por isso considero que seja
menos imperiosa a necessidade de investigar a debilidade que surge de uma construção
teórica imperfeita, carência de anotações, e a falta de cuidado com o ponto de vista
metodológico, e a falta de manutenção do equipamento psicanalítico. (“Cuidar”,
“manter”, “equipamento”, outra vez o modelo implícito.)

Capítulo XXV
1 – Podemos considerar o modelo como uma abstração de uma experiência emocional
ou como a concretização de uma abstração. Este último se assemelha à transformação
de uma hipótese em termos de dados empiricamente verificáveis. No grupo o mito pode
com direito ser considerado como algo que desempenha o mesmo papel na sociedade
que o modelo desempenha no trabalho científico do indivíduo.

2 – Como um exemplo de modelo tomo a história de uma criança que aprende a palavra
“papai”. Esta história não pretende ser um fato. É derivada da experiência de pacientes
em análise, observação de crianças, leituras dispersas, algumas delas filosóficas e de
outras fontes, em resumo, é derivada da experiência, minha experiência. É um artefato
composto de elementos que foram selecionados por mim por meio de meu arquivo de
experiências. Porém, foi formado para um propósito específico; a seleção e combinação
de elementos não é “fortuita”, mas feita para “explicar” ou esclarecer o problema da
abstração. Portanto, não tem valor como testemunho: seu valor reside na facilidade com
que pode ser comunicado e comparado com fatos. Por contraste, meu relato do paciente
que sente que as palavras são coisas não é um modelo, senão um exemplo: o que eu
descrevo pretende ser uma “realização”. Potencialmente, cada “realização” se aproxima
de uma abstração ou de um sistema dedutivo científico, mesmo quando aquele ao qual
corresponde ainda não tenha sido, todavia descoberto (Capítulo 20 [4,5,6]). Quando
confronto um modelo com uma “realização” pode acontecer de que eu obtenha o
esclarecimento que desejo; ou pode resultar tão pouco proveitoso que supõe que o
modelo não serve e o descarte. Os modelos são efêmeros e a este respeito diferem das
teorias; não tenho qualquer problema em descartar um modelo quer ele tenha cumprido
o meu propósito ou fracassado neste. Se um modelo resulta útil em várias ocasiões
diferentes, chega o momento de contemplar a possibilidade de transformá-lo em uma
teoria.

3 – O psicanalista pode construir tantos modelos quantos queira eleger do material à sua
disposição. É importante não confundir estas estruturas efêmeras com “realizações” por
um lado, ou teorias, do outro. O modelo cumpre uma função valiosa sempre que é
possível reconhece-lo pelo que ele é. Se o analista crê que está descrevendo um
acontecimento real, deve deixar isso claro, e não deve permitir que a distinção entre um
acontecimento, sobre cuja autenticidade existem testemunhos, e um modelo se torne
confusa. O mesmo vale para a distinção entre um modelo e uma teoria. Irei me referir às
dificuldades peculiares que perturbam o analista na tarefa de evitar a confusão ao fazer
a distinção entre teoria e modelo e entre modelo e a forma particular de uma teoria
conhecida como interpretação psicanalítica.

4 – O processo de abstração de uma “realização” pode proceder diretamente de uma


“realização” para um sistema dedutivo científico por meio de uma fase intermediária de
construção de modelo. Os elementos são selecionados do modelo e usados como
elementos em um sistema dedutivo científico. A necessidade deste procedimento se
impõe quando um modelo é utilizado para esclarecer uma realização que supostamente
se aproxima do modelo e o modelo logo se mostra não ser suficientemente similar a
realização a ponto de esclarecer o problema cuja solução é buscada. Deixo de lado a
contingência que surge quando a “realização” é equiparada com o modelo de modo
equivocado; resolve-se este fracasso criando um novo modelo. Um fracasso sério é o
que ocorre quando se considera o modelo como a aproximação mais próxima possível
da “realização”, contudo falha em refletir desenvolvimentos na “realização” pelo
movimento em sua própria estrutura interna. Este fracasso pode acontecer cada vez que
utiliza a construção de um modelo; porém, o risco de que ocorra aumenta quando, como
na psicanálise, nos ocupamos do crescimento e falamos de “mecanismos mentais”. Falar
de “mecanismos” sugere que, qualquer que seja o fenômeno que assim se descreve, é
provável que o modelo implícito seja mais adequado para a máquina inanimada do que
para um organismo vivo. É provável que destaque aqueles aspectos do organismo vivo
que compartilha com o inanimado. Este é um defeito grave pois nós precisamos de
modelos quando o problema é mais complexo, ou seja quando o principal são as
características do crescimento e isto é o que geralmente ocorre. O termo mecanismo
implica o modelo de uma máquina que é precisamente o que uma “realização” não é. Os
perigos de uma abstração maior não admitem uma solução simples, como seria a de
desejar o emprego de modelos. Portanto, os psicanalistas seguramente conheceram a
situação na qual o modelo utilizado para evitar os perigos da teorização, na qual incluo
a interpretação, padece do defeito complementar de estar mais próximo da “realização”
da qual derivou, que é correspondente muito difícil de manejar quando se necessita que
represente uma “realização” da qual está separado por sua própria qualidade de
concretude. Este defeito se assemelha ao defeito do elemento-beta como um elemento
no pensar. A transformação que deve sofrer o modelo para permitir o seu emprego como
uma generalização é análoga ao processo mediante o qual os dados sensoriais se
transformam em elementos-alpha. A alternativa de encontrar ou construir um modelo
novo é recorrer a uma abstração maior. Se substitui então o modelo pelo sistema
dedutivo científico. Tomarei como um exemplo dos problemas implicados o enfoque
clínico do problemas das relações C.

Capitulo XXVI

1 – Os termos “amor”, “ódio” e “conhecimento” tem modelos precedentes. Vínculo


pode implicar um modelo ou uma abstração. O fracasso do paciente para resolver um
problema pode depender em alguns casos do fato de que emprega mal os modelos. Em
tais casos ao construir seu próprio modelo o analista precisa se dar conta de qual é o
modelo utilizado pelo paciente e esclarecê-lo. O modelo do analista deve ser tal que lhe
permita chegar a uma interpretação dos fatos e apresentá-lo para exame. Se o analista
supõe que o processo de pensar do paciente não está correto e que isso é a origem de
seus problemas, precisará de um modelo e uma teoria próprios ao processo de pensar;
necessitará de um modelo para o modo de pensar do paciente e, deste modo terá que
deduzir qual é o modo de pensar do paciente. Então poderá comparar seu modelo e
abstração com os do paciente. O paciente que pensa que as palavras são coisas em si
não sente que está fazendo o mesmo que nós pensamos que ele faz quando afirmamos
que ele está pensando. Para comparar a ideia comum sobre o pensar com a de um
paciente deste tipo, é preciso encontrar um modelo e uma teoria apropriados. Como
vimos, um modelo tem uma ampla distribuição; por exemplo, o derivado da experiência
emocional do sistema digestivo. No geral não há necessidade de descartar este modelo,
ainda que seus defeitos sejam óbvios; pode, todavia, ajudar falar de “fatos não
digeridos”. Porém, é inadequado para uma investigação psicanalítica do processo de
pensar e necessitamos de algum outro modelo. Esta necessidade se tornou evidente na
investigação psicanalítica dos transtornos de pensamento. A investigação do
desenvolvimento mental mostra que alguns indivíduos se comportam como se seu
modelo de pensar não fosse o do sistema digestivo salvo se, talvez, o de um sistema
digestivo absoluto. Portanto, é necessário descobrir qual o seu modelo.

2 – Freud afirma que o pensamento provê um meio para restringir a descarga motora
(Sobre o Funcionamento); o pensamento já não estava dedicado para a liberação de um
acréscimo de estímulo, mas sim à adequada alteração da realidade. De acordo com isso ,
o pensamento é um substituto da descarga motora, mesmo que ele não determine que a
descarga motora cesse de funcionar como método de liberação do psiquismo de
acréscimos de estímulos. Porém, através da identificação projetiva, o pensamento
mesmo adquire a função que previamente havia sido confiada à descarga motora – ou
seja, liberar o psiquismo de acréscimos de estímulos; como a “ação” pode dirigir-se a
alterar o meio, dependendo da possibilidade da personalidade dirigir-se para a evasão da
frustração ou a sua modificação. “Pensar” pode ser considerado como o nome dado a
um modelo ou a uma abstração derivado de uma “realização”; com um paciente real o
problema é determinar o que é que representa para ele o termo pensar. Um indivíduo
pode querer dizer que estão usando os pensamentos e um pensamento é um seio que não
é bom, um seio “necessidade de seio”. O problema então seria enxergar como este
utiliza este “objeto”, especialmente se o paciente se sente incapaz de evacuá-lo, de
libertar-se destes acréscimos de estímulos internos.

3 – O problema se simplifica se considerarmos os “pensamentos” como


epistemologicamente anteriores ao pensar e que o pensar tem que ser desenvolvido
como um método ou aparelho que se ocupa dos “pensamentos”. Se este é o caso, então
muito dependerá de se “os pensamentos” devem ser evadidos ou modificados, ou
utilizados como parte de uma intenção de evadir ou modificar outra coisa. Se sentirmos
que são acréscimos de estímulos, então podem ser similares ou idênticos aos elementos-
beta e como tais se prestariam ao tratamento por meio de descarga motora e a ação da
musculatura para efetuar a descarga. Portanto, conversar deve ser considerado
potencialmente como duas diferentes atividades, uma como um modo de comunicar
pensamentos e outra como o emprego da musculatura para livrar a personalidade de
pensamentos.

4 – Deve ser produzido um aparelho que possibilite o pensar o pensamento já existente.


Como um “modelo” de pensamento, tomo uma sensação de fome que está associada
com uma imagem visual de um seio que não satisfaz, mas que é de um tipo do qual se
necessita. Este objeto do qual se necessita é um objeto mal. Todos os objetos dos quais
se necessita são maus objetos porque tantalizam (criam suplício). Se necessitamos deles
é porque na realidade não os possuímos; se os possuíssemos não haveria carência.
Como não existem, são objetos peculiares diferentes dos objetos que existem. Os
pensamentos então, ou estes elementos primitivos que são protopensamentos, são
objetos maus, que são necessários e dos quais devemos nos libertar exatamente porque
são maus. É possível nos libertarmos destes por meio da evasão ou da modificação. O
problema se resolve por meio da evacuação se a personalidade é dominada pelo impulso
de evadir-se da frustração, ou pensando os objetos, se a personalidade é dominada pelo
impulso de modificar a frustração. Na prática analítica surge a confusão a complicação
para o analista porque ambos os tipos de personalidade empregam o mesmo nome para
objetos que são essencialmente dissimilares. A diferença pode acentuar-se por
comparação. Se a evasão domina, o nome denota um elemento-beta, ou seja, uma coisa
em si e não o nome que a representa. A coisa em si não existe e portanto, é
tantalizadora. A tratamos por meio do despojo (evacuação). Se a modificação
predomina, o nome denota um elemento-alpha , ou seja, o nome é da representação de
uma coisa em si. É o nome de uma coisa em si que existe e que, portanto está
potencialmente disponível para ser utilizada com o fim de buscar satisfação. A
complicação maior se produz porque não é provável que um paciente seja coerente, e
ademais, não esclarece quais objetos estão sendo denotados pelos nomes que utiliza.

5 – Se o paciente não pode “pensar” com seus pensamentos, isto significa que tem
pensamentos, mas que carece de um aparelho para “pensar” que lhe permitiria usar seus
pensamentos, pensa-los, por assim dizê-lo, o primeiro resultado é uma intensificação da
frustração porque falta o pensamento que deveria tornar “possível para o aparelho
mental suportar uma tensão incrementada durante a espera no processo de descarga”. As
medidas que o paciente toma para livrar-se dos objetos, os protopensamentos ou
pensamentos que são para ele inseparáveis da frustração, levaram então precisamente à
crise que desejava evitar, ou seja, a tensão, a frustração não aliviada pela capacidade de
pensamento. A falta de uma capacidade para o pensamento implica, portanto, em um
duplo fracasso. Deve-se a ausência de elementos-alpha e a falta de um aparelho para
utilizar os elementos-alpha quando estes existem. Este duplo fracasso adquire
significação na psicanálise do psicótico quando o paciente reestabelece a função-alpha e
portanto, sua capacidade de sonhar e, todavia, segue sendo incapaz de pensar. Portanto,
recorre à identificação projetiva como um mecanismo que se ocupa dos “pensamentos”.
Porém, se a função-alpha pode desenvolver-se há um aumento correspondente ao
predomínio do princípio da realidade e uma mudança correspondente à identificação
projetiva que perde algo de sua qualidade de fantasia onipotente e ganha através da
habilidade do paciente para lhe dar consistência.

6 – Clinicamente isto se observa em um aumento do sentimento de perda no paciente


quando este está falando. O sentimento de perda parede ter origem em uma captação de
que os pensamentos que estão sendo perdidos são pensamentos bons, ou valiosos,
diferentes neste sentido dos elementos-beta. Do mesmo modo o analista capta uma
mudança no impacto que tem as manipulações do paciente.

7 – O “pensar”, no sentido de se dedicar à atividade que se ocupa do uso dos


pensamentos, é embrionário mesmo no adulto e, todavia, deve ser completamente
desenvolvido pela raça humana. Há esforços muito conscientes dirigidos a este fim.
Apreende-se e investiga o problema com maior exatidão quando se observa que
depende de: 1) ”pensamentos” e 2) “pensar” que se desenvolve em resposta ao desafio
apresentado pela existência de “pensamentos”. Na psicanálise dos “transtornos de
pensamento”, a investigação psicanalítica deve dirigir-se ao desenvolvimento e natureza
dos “pensamentos”, elementos-alpha e beta e logo à natureza do aparelho utilizado para
lidar com os “pensamentos”. Somente então pude dedicar a investigação e averiguar que
conteúdo ou que outro fator contribuiu para o colapso. A divisão em duas classes e a
atribuição de prioridade aos “pensamentos” está sujeita às limitações próprias da relação
existente em todo trabalho científico entre a “realização” e a teoria representativa a qual
se crê que se aproxima. A divisão e a prioridade são epistemológica e logicamente
necessárias, ou seja, que a teoria de que o pensamento é anterior ao pensar é ela mesma
anterior, na hierarquia de hipóteses no sistema dedutivo científico, a hipótese de pensar.
Uma prioridade correspondente é epistemologicamente necessária na “realização”
correspondente à teoria do pensar aqui esboçada.

8 – O sistema dedutivo científico é necessário porque o modelo construído durante a


experiência emocional que será esclarecida não é suficientemente abstrato. Seus
elementos derivam de experiências emocionais prévias através da operação, em
simultâneo com a experiência emocional, da função-alpha. Se forma o modelo mediante
o exercício de uma capacidade similar àquela que se emprega quando os dois olhos
operam em visão binocular para correlacionar duas visões do mesmo objeto. O uso em
psicanálise de consciente e inconsciente para visualizar um objeto psicanalítico é similar
ao uso dos dois olhos na observação ocular de um objeto sensível a visão. Freud atribui
esta função, o órgão sensorial da qualidade psíquica, somente a consciência. O sistema
dedutivo científico é elaborado de modo alheio à experiência emocional, e é um ato
consciente de construção no curso do qual se elegem sinais e se formulam regras para
sua manipulação. Pode tal procedimento adaptar-se com proveito à investigação
psicanalítica do desenvolvimento dos pensamentos e do aparelho que os emprega?
Tentarei responder a este interrogatório no meu último capítulo e, incidentalmente,
resumirei este livro.

9 – O primeiro requisito para o uso de uma teoria é que as condições sejam adequadas
para a observação. A mais importante destas condições é que o observador esteja
psicanalisado, para assegurar que suas próprias resistências e tensões internas tenham
sido reduzidas ao mínimo, pois, de outro modo, interfeririam na sua visão dos fatos,
tornando impossível a correlação por meio consciente e inconsciente. O próximo passo
do analista é fazer uso de sua atenção. Darwin assinalou que o juízo interfere na
observação. Todavia, o psicanalista deve intervir com interpretações e isso implica em
um exercício de julgamento. Um estado de reverie condizente com a função-alpha,
intromissão do fato selecionado e construção de modelos junto a uma bagagem limitada
a poucas teorias essenciais que tornem menos provável uma ruptura brusca da
observação, do tipo que Darwin pensava. Podem ocorrer várias interpretações ao
analista com um mínimo de perturbação da observação.

10 – O “fato selecionado”, ou seja, o elemento que dá coerência aos objetos da posição


esquizo-paranóide e dá início, assim, a posição depressiva, o faz em virtude de seu
caráter de pertinência a um número de diferentes sistemas dedutivos em seu ponto de
intersecção. A intromissão de um fato selecionado é acompanhada por uma emoção tal
qual a que se experimenta ao observar o objeto em uma perspectiva reversível. O
processo total depende de uma atenção relaxada, esta é a matriz para a abstração e a
identificação do fato selecionado. Uma teoria especial, a interpretação psicanalítica
deve ser abstraída do modelo construído deste modo e sua correspondência com a
“realização”. Esta abstração implica a diferença entre uma teoria associada com um
sistema dedutivo científico e uma interpretação psicanalítica. O analista deve se
interessar pelos dois modelos, um que é aquele que ele deve fazer e outro implícito no
material produzido pelo paciente.

11 – Considerarei primeiro o modelo que deve ser construído pelo analista. O modelo é
produzido pelo analista como uma parte da construção de teorias e não é em si mesmo
uma interpretação exceto no sentido corrente do termo, do que está ocorrendo. A teoria
pertinente pode ser a teoria do Édipo; o analista deve determinar, a partir do material do
paciente, porque o está produzindo e qual deveria ser a interpretação correta. O modelo
faz a sua parte na determinação, permitindo ao analista equiparar o que o paciente está
dizendo realmente com a teoria ou teorias conhecidas pela psicanálise, tal como o
complexo de Édipo. O modelo coloca em relevo dois grupos de ideias, aquelas
relacionadas com o material do paciente e aquelas relacionadas com o corpo da teoria
psicanalítica.

12 – A construção de modelos torna possível reter a estrutura da teoria sem a perda da


flexibilidade necessária para fazer frente às necessidades da prática psicanalítica que
surge a cada momento. Por um lado a teoria pode demonstrar-se demasiado rígida de
tão concreta que é, e por outro lado, pode tornar-se mais suscetível à proliferação
interminável porque os analistas, encontrando-se em um impasse, podem preferir criar
uma nova teoria ad hoc, do que passar pelo árduo trabalho de usar a teoria existente de
modo adequado. A vantagem da teoria das funções e do desenvolvimento da construção
de modelos como parte essencial destas é que o analista tem um grande campo para
convencer a si mesmo, e, portanto ao seu paciente, de que são os problemas deste, como
homem ou mulher real, os que estão sendo examinados, e não simplesmente supostos
mecanismos mentais de um manequim. Ao mesmo tempo, a particularização necessária
para isto não implica teorias que se proliferam. O modelo torna possível encontrar a
correspondência entre o pensar do paciente e o corpo principal de teoria crítica por meio
de interpretações que estão fortemente relacionadas tanto com a teoria, como com as
manifestações, afirmações e conduta do paciente. A construção de modelos aumenta
assim o número de contingências a que se pode fazer frente e diminui o número de
teorias psicanalíticas que o psicanalista precisa como material de trabalho. Se todos os
analistas se dessem a tarefa de construir uma lista mínima de teorias psicanalíticas
fundamentais, das quais pudesse deduzir uma grande quantidade de teorias secundárias,
creio que não se reuniriam mais de seis teorias fundamentais. O mérito psicanalítico
reside não no número mínimo de teorias com as quais pudesse fazer frente a qualquer
contingencia que se apresentasse. O alcance de tal equipamento teórico depende do
método de aplicação e este do procedimento da construção de modelos. Haverá menos
tendência a formulação de novas teorias, senão de nenhuma, quando se mantém clara a
distinção entre modelo e teoria. O perigo reside em estar travado por um sistema teórico
frustrante, não porque seja inadequado, senão porque este não está sendo usado
corretamente.

Capítulo XXVII

Este capítulo irá se dedicar a construção de algumas teorias que achamos úteis. Tem
também por objetivo servir como exemplo do uso das teorias das funções e outras ideias
que foram apresentadas, e assim, se arrogar como um resumo dos pontos principais
tratados no livro.
O vínculo C

1 – A teoria das funções e a função-alpha não são parte de uma teoria psicanalítica. São
instrumentos de trabalho para que o psicanalista praticante possa facilitar problemas de
pensamento sobre algo desconhecido.

2 – O termo “função” utilizado no sentido de uma função da personalidade, não tem o


sentido que possui para o matemático ou o lógico matemático, ainda que tenha
características que participam do sentido de ambos. O proponho como um termo para
ser utilizado na prática da psicanálise; sua designação completa se houver alguma
dúvida, é “função psicanalítica da personalidade”, porém de outro modo deveria
designá-la simplesmente como “função” e lhe dar o símbolo ω. A função-alpha é um

fator de ϕ.

3 – O termo “fator” é o nome do elemento de qualquer função. Pode ser representado


pelo elemento não saturado (ε) em ω(ε) e deve haver uma “realização” que nos

aproxime dele. Qual a “realização” que satisfaz isso, no sentido matemático de


satisfazer os termos da equação, é algo que deve ser determinado pela investigação
psicanalítica.

4 – A teoria das funções e a função-alpha, em particular, não diminui nem aumenta as


teorias psicanalíticas já existentes. Nisto se diferencia dos argumentos que se seguem.

5 – Melanie Klein descreveu um aspecto da identificação projetiva relacionado com a


modificação dos medos infantis; o lactante projeta uma parte de seu psiquismo, ou seja,
seus sentimentos maus, em um seio bom. Posteriormente, a seu tempo, estes são
extraídos e reintrojetados. Durante a sua estada no seio bom, é sentido que o objeto foi
de tal forma modificado que ao ser reintrojetado tornou-se tolerável para a psique do
lactante.

6 – Desta teoria que descrevi, abstrairei, para usar como modelo, a ideia de um
continente no qual o objeto é projetado e o objeto que pode ser projetado no continente,
designarei este último como contido. A natureza pouco satisfatória de ambos os termos
assinala a necessidade de posterior abstração.

7 – O continente e o conteúdo são suscetíveis de serem unidos e permeados pela


emoção. Assim unidos ou impregnados, ou ambas as coisas ao mesmo tempo se
modificam de um modo geralmente descrito como crescimento quando estão separados
ou despojados de emoção diminuem em sua vitalidade, ou seja, se aproximam dos
objetos inanimados. Tanto o continente quanto o conteúdo são modelos de
representações abstratas de “realizações” psicanalíticas.

8 – O próximo passo na abstração é ditado pela necessidade de uma designação. Usarei


o sinal ♀ para a abstração que representa o continente e ♂ para o conteúdo.

9 – Estes sinais denotam e representam ao mesmo tempo. São variáveis e incógnitas


enquanto substituíveis. São constantes em quanto são somente substituíveis por
constantes. Com o fim de síntese os chamaremos de “functores”.

10 – Reconsiderando C a luz da análise anterior, ainda que C seja essencialmente uma


função de dois objetos, pode considerar-se como uma função de um.

A primeira e mais primitiva manifestação de C ocorre na relação entre mãe e lactante.


Como uma relação de objetos parciais, pode enunciar-se como uma relação entre a boca
e o seio. Em termos abstratos é entre ♂ e ♀ (como propus o uso destes sinais).

Em C, ao serem A e O fatores e portanto subordinados ♂ é projetado em ♀ e segue uma


abstração que descreverei através do termo comensal. Com comensal quero dizer que ♂
e ♀ dependem entre si para o benefício de ambos e sem dano para nenhum. Em termos
de um modelo, a mãe tira proveito e logra crescimento mental através da experiência: o
lactante também tira proveito e logra crescer.

11 – A atividade aqui descrita como compartilhada por dois indivíduos se torna


introjetada pelo lactante de tal forma que o aparelho ♂ ♀ se instala no lactante como
parte do aparelho da função-alpha. A ideia do lactante que explora um objeto
colocando-o em sua boca proporciona um modelo. Que conversação foi originalmente
utilizada pela mãe, talvez uma função designatória do tipo rudimentar, é substituída pelo
próprio falar infantil da criança.

12 – Levando em conta o exposto no parágrafo anterior como se fosse um modelo do


qual se pode abstrair uma teoria para representar a “realização” do desenvolvimento de
pensamentos, proponho os seguintes termos: a) “preconcepção” – com este termo
queremos dar significado a um estado de expectativa. O termo é o equivalente a
“variável” na lógica matemática ou da “incógnita” em matemática. Tem a qualidade que
Kant dá a uma “ideia vazia” que pode ser pensada, mas não conhecida. b) “Concepção”
– é aquilo que resulta quando uma preconcepção se une com as impressões sensoriais
apropriadas. Eu uso para a frase na qual o modelo implicado é óbvio. A abstração da
relação da preconcepção e impressões sensoriais é ♀ a ♂ (não ♂a ♀).

13 – Para resumir: a relação entre a mãe e o lactante descrita por Melanie Klein como
identificação projetiva é internalizada para formar um aparelho para a regulação de uma
preconcepção com os dados sensoriais da realização apropriada. Este aparelho é
representado por um modelo: o acasalamento da preconcepção com as impressões
sensoriais para produzir uma concepção. O modelo é por sua vez representado por ♂♀.

14 – A repetição do acasalamento da preconcepção e de dados sensoriais, que resulta na


abstração comensal, promove o crescimento em ♂ e ♀, ou seja, a capacidade de adquirir
impressões sensoriais se desenvolve junto à capacidade de captar os dados sensoriais. O
crescimento de ♂ e ♀ pode ser representado graficamente através dos modelos
descritos nos parágrafos 16 e 17.

15 – Como modelo para o crescimento de ♀ tomarei emprestado o conceito de retículo


de Elliot Jacques (ao fazê-lo não proponho alterações em seu conceito, nem acredito
que meu uso esteja justificado pelas qualidades intrínsecas do conceito. A relação de seu
conceito com o uso que eu faço deste como um modelo deve ser determinado no curso
do desenvolvimento da psicanálise). O modelo que proponho é o que se segue.

♀ se desenvolve por adição para produzir uma série de suportes que estão unidos. O
resultado é um retículo no qual os espaços são os suportes e os elos que formam as
malhas do retículo são emoções. Tomando emprestado de Tarski (Introdução à lógica:
Oxford, 1956, p.5) seu modelo de questionário com lacunas que devem ser preenchidas,
os suportes podem ser comparados com as lacunas do questionário. A estrutura do
questionário tem como seu equivalente os fios conectores do retículo.

16 – O modelo para o crescimento de ♂ é um meio em que ficam em suspensos os


“conteúdos”. Os “conteúdos” devem ser concebidos como brotando de uma base
desconhecida. A parábola provem de uma imagem bidimensional. O meio é uma relação
comensal de ♂ e ♀ como dúvida tolerada. Ou seja, na qual o ♂ que está se
desenvolvendo pode ser visualizado como similar aos elementos da posição esquizo-
paranóide, contudo sem a sensação de perseguição. É o estado descrito por Poincaré e
citado por mim, como aquele no qual não se enxerga que os elementos se unem.

17 – Descrevendo 15 e 16 de modo abstrato temos por um lado (♀≠♀+♀...) por outro


lado (♂, ♂, ♂...), onde os sinais + representam variáveis que podem ser substituídas por
sinais que representam emoções e os sinais, equivalem a uma constante que representa
dúvida.

18 – O conjunto crescente ♂ ♀ provê a base de um aparelho para aprender com a


experiência. A reconsideração dos parágrafos de 5 a 17 mostra que dos pensamentos e
do desenvolvimento dos pensamentos surge o aparelho para pensar os pensamentos.
Agora considerarei a natureza e a operação deste aparelho. Não pode ter a estrutura
rígida e bem definida que esta intenção de exposição implica, em parte porque a
intenção é um esclarecimento e em parte porque tenho que utilizar termos como
aparelho e estrutura como algo animado. Denotarei o conjunto crescente ♂ ♀ usando os
sinais ♂” e ♀”. Os sinais não tem uma significação lógica uma vez que sua finalidade é
somente ganhar tempo.

19 – A aprendizagem depende da capacidade de ♀” para permanecer integro, sem,


todavia, perder rigidez. Esta é a base do estado mental do indivíduo que pode reter seus
conhecimentos e experiências e todavia, estar preparado para reconstruir experiências
passadas de um modo que lhe permita ser receptivo para uma nova ideia. Usando esta
última afirmação como um modelo do qual se podem abstrair, os elementos (♀) de ♀”
devem ser mantidos por uma constante + que pode ser substituído, em outras palavras,
deve funcionar como uma variável. Somente então pode representar um aparelho capaz
de modificar a emoção. A capacidade de reaprendizagem, e, portanto, de receptividade,
de ♀” depende da substituição de uma emoção, representada por +, por outra emoção,
também representada por +. De modo similar a penetrabilidade dos elementos ♂ em ♂”
depende do valor de “.”. O valor de “+” e “.” é determinado pelo mesmo fator, ou seja, a
emoção, e a emoção é uma função da personalidade.

20 – Até aqui descrevi uma abstração que denominei comensal; C depende deste tipo de
vínculo entre objetos através de todas as fases de atividade e crescimento mentais. Dado
que “+” e “.” representam emoções, é evidente que precisamos saber quais emoções são
compatíveis com uma relação comensal e, portanto, com C. O problema se esclarecerá
um pouco mais no capítulo posterior, em que tratarei de –C.

21 – O padrão ♀♂ representa uma “realização” emocional associada com a


aprendizagem que se torna progressivamente mais complexa na medida em que aparece
de modo constante no desenvolvimento mental. Tratarei de esclarecer este
acontecimento recorrente e crescente representado por ♀” e ♂” descrevendo um de seus
aspectos em seus estágios mais desenvolvidos e complexos, por meio de uma descrição
mais complexa.

“♀” representa um estágio avançado em uma serie de estágios que começa com umas
poucas preconcepções relativamente simples e indiferenciadas, provavelmente
relacionadas com a alimentação, com a respiração e com a excreção.

22 – As abstrações do acasalamento comensal de ♀ com ε incluem a formação de

palavras que são nomes para várias hipóteses que enunciam que certos dados sensoriais
estão completamente unidos. De começos relativamente tão simples o ♀” e ♂” abstrai
sucessivamente hipóteses mais complexas e finalmente sistemas de hipóteses completos
que são conhecidos como sistemas científicos dedutivos. Estes sistemas extremamente
complexos, ainda que dificilmente reconhecíveis em suas origens, retém, todavia, as
qualidades receptivas denotadas do ♀. Os fenômenos relacionados com as “realizações”
se multiplicam ao mesmo tempo em que as “realizações” ainda que limitadas ao
progresso da experiência de um homem, são, todavia, suficientemente multiplicadas
para revelar um universo em expansão ao que presumivelmente corresponde uma
“realização” em expansão. ♀” deve ter, portanto, um equivalente fenomenológico
representado pelo conceito de infinito.

Os elementos dos muitos sistemas científicos dedutivos podem ser recombinados – o


uso de uma hipótese de um sistema dedutivo como premissa de um sistema dedutivo
distinto é um exemplo familiar. Na teoria aqui apresentada, a liberdade necessária para
estas recombinações depende de emoções que penetram o psiquismo, porque estas
emoções são o conectivo nos quais estes sistemas dedutivos e os elementos de ♂” estão
inseridos. A tolerância à dúvida e a tolerância a um sentido de infinito são o conectivo
essencial em ♂” se C for possível.

Capitulo XXVIII

1 – A alguns pacientes que tem o interesse em provarem sua superioridade sobre o


analista fazendo fracassar a sua intenção de interpretar, é possível lhes mostrar que
entendem as interpretações de um modo distorcido para demonstrar que uma habilidade
para entender distorcida é superior a uma habilidade para entender adequadamente. As
interpretações baseadas neste insight podem conduzir a um posterior desenvolvimento
da análise. Se o paciente sofre de um transtorno de pensamento, as interpretações sobre
a compreensão distorcida conduzem a certo esclarecimento, contudo, não parecem
conduzir as coisas muito mais longe. É necessário um conceito mais amplo para este
problema.

2 – Usando os procedimentos aqui esboçados recorro primeiramente à abstração


representada pelo sinal C e então inverto o sinal e o converto em –C. supondo que os
sinais de todos os fatores em C são também invertidos, uso as teorias que representam
fatores em C como preconcepções para ajudar na minha busca de fatores – C. Aqueles
fatores agora empregados, como são empregadas as preconcepções, podem ser
representados por seu novo emprego em ♀. Pode ser que este conceito consiga
esclarecer algo quando digo que estou em um estado de observação receptiva em
oposição a um estado no qual expresso uma opinião acerca do que observo. Posso
descrevê-lo ainda mais apropriadamente dizendo que me deixo absorver por minha
tarefa de observação, ou que estou absorto nos fatos. Resumindo, há muitos modos de
descrever minha atividade mental; todos estes podem contribuir para compreensão
daquilo de que me ocupo, porém, nenhum o faz com a precisão que considero
necessária para comunicar o procedimento analítico. A vantagem de empregar o sinal ♀
para designar o novo papel dos fatores em C reside em que pelo menos indica que a
compreensão do leitor de minha significação deveria conter um elemento que
permanecerá insatisfeito até que encontre a “realização” apropriada, um elemento que
pode ser representado pelo sinal ϕ (ε), sendo (ε) o sinal para um elemento não saturado.

3 – Os parágrafos que seguem são uma busca de descrever os resultados de observações


nas quais as preconcepções estão equipadas para a tarefa de descoberta e não são
tratadas como predileções para serem eliminadas se é possível, porque, em todo caso
isto não é possível.

4 – Inevitavelmente, em momentos distintos da investigação alguém se pergunta por


que tem de existir um fenômeno como o representado por –C. A resposta a essa
pergunta de ser buscada no trabalho psicanalítico com pacientes individuais.
Considerarei somente um fator: inveja. Com este termo me refiro ao fenômeno descrito
por Melanie Klein em Inveja e Gratidão.

5 – Foi descrito o papel da identificação projetiva em C como uma relação comensal


entre ♀ e ♂. Em – C como seria, exemplificado em uma paciente, representado pelo
signo ω (ε) na qual a investigação preliminar revela que é provável que a inveja seja um
dos fatores que são necessários para satisfazer a (ε), a relação de ♀ e ♂ é representada

por meio de ♀ + ♂, onde + pode ser substituído por inveja. Empregando esta
formulação para representar o lactante e ao seio (para usar sinais menos abstratos) e
usando como modelo uma situação emocional na qual o lactante sente medo de estar
morrendo, o modelo que construí é o seguinte: o lactante dissocia e projeta seus
sentimentos de medo no seio, juntamente com a inveja e ódio pelo seio imperturbável. A
inveja impossibilita uma relação comensal. O seio em C moderaria o elemento do medo
no medo de morrer que havia sido projetado neste e o lactante, há seu tempo,
reintrojetaria uma parte de sua personalidade, agora tolerável e consequentemente
estimulante de crescimento. Em –C sente-se que o seio remove o elemento bom ou
valioso contido no medo de morrer e insere dentro do lactante o resíduo sem valor. O
lactante que começou com medo de estar morrendo acaba contento um terror sem nome.

6 – A violência da emoção que se associa com a inveja e que pode ser um dos fatores na
personalidade em que –C está em evidência, afeta os processos projetivos de tal forma
que se projeta muito mais que o medo de morrer. Na verdade, é como se virtualmente
toda a personalidade tivesse sido evacuada pelo lactante. O processo de despojo descrito
no parágrafo 5 é, portanto, mais grave por ser mais extensivo, que o que está implicado
no simples exemplo da projeção de um medo de morrer. Esta gravidade se transmite
melhor quando dizemos que a vontade de viver, necessária antes que possa existir o
medo de morrer, é parte é parte do bom que o seio invejoso removeu.

7 - Dado que a projeção realizada pelo lactante é também impedida pela inveja, à
projeção é sentida como um despojo invejoso do psiquismo da qual, em C, somente se
separaria o medo de morrer. Portanto, praticamente não há lactante que possa re-
introjetar ou no qual se possa inserir o medo de morrer que foi despojado. Em C, ♀ ♂
pode encontrar um habitat porque o lactante pode re-introjetar o par relacionado.
Contudo, -♀ e -♂ são devolvidos a um objeto que os encoberta com um pouco mais que
a aparência de um psiquismo.

8 - O objeto que descrevi como sendo ré-introjetada como ♀ ♂ em C era o aquele no


qual a relação dos elementos era comensal. Em -C é invejoso e portanto, é necessário
levar em consideração -♀ e -♂ e - [♀♂] com mais detalhes. Há uma quantidade de
características peculiares que é difícil de conciliar em uma teoria coerente. Portanto,
inicialmente os descreverei sem tentar explicá-los.
9 - Em primeiro lugar, somente posso descrever sua característica predominante como
um "estado de falta" (without-ness). É um objeto interno sem exterior. Um tubo
digestivo sem um corpo. É um Supereu que praticamente não tem qualquer das
características do Supereu, tal como o entende a psicanálise: é um "super" eu. É uma
afirmação Invejosa de superioridade moral sem qualquer moral. Resumindo, é um
resultado do desnudar ou despojar o invejoso de todo o bom, estando esse destinado a
continuar o processo de desnudamento descrito no parágrafo 5, como existente, em sua
origem, entre duas personalidades. O processo de despojar ou privar segue até que -♂ e
-♀ represente pouco mais que uma superioridade - inferioridade vazia, que por sua vez
se degenera em nulidade.

10 - No que diz respeito à sua semelhança com o Supereu, -[♀♂] se mostra como um
objeto superior, que afirma sua superioridade encontrando falhas em tudo. A
característica mais importante é seu ódio a qualquer novo desenvolvimento na
personalidade, como se o novo desenvolvimento fosse um rival que deve ser destruído.
Portanto, o aparecimento de qualquer tendência a buscar a verdade, a estabelecer
contato com a realidade e, em resumo, ser científico, ainda que de uma forma bastante
rudimentar, é recebida por ataques destrutivos à tendência e pela reafirmação dá
superioridade "moral". Isso implica na afirmação da superioridade daquilo que, em
termos mais complexos, se chamaria de uma lei moral e um sistema moral sobre a lei
científica e o sistema científico.
11 - Enunciando o parágrafo anterior de outro modo, se é possível vê-lo como
implicando em uma intenção de manter um poder de despertar a culpa como uma
capacidade essencial. O poder de despertar a culpa é essencial e apropriado para a
operação da identificação projetiva na relação entre o lactante e seio. A peculiaridade
desta culpa radica em sua associação com a identificação projetiva primitiva implica na
culpa carecer de sentido. O -[♀♂] contrasta, portanto, com a consciência de que não se
presta a atividade construtiva.

12 – Em contraste com a função C, inerente a ♀♂ de aprender, -(♀♂) se ocupa de


reunir elementos ♂ significativos para serem submetidos a –♀ de modo tal que estes
elementos que somente mantém o resíduo sem valor, ficam privados de seus sentidos.
As interpretações do analista são parte dos elementos ♂ que são assim tratados, com o
efeito de que assim são despojados de sentido. Esta extração invejosa deve contrastar
com o processo de abstração própria de ♂♀ em C. A função semelhante ao Eu de –♀♂
difere da função egóica na qual melhor destrói que promove conhecimento. Esta
atividade destrutiva está matizada com qualidades “morais” derivadas da qualidade do
supereu de –(♀♂). Em outras palavras –♂♀ afirma a superioridade moral e a
superioridade em potencial de “NÃO” aprender.

13 – A operação exitosa de –(♀♂) tem como consequência o crescimento em


desenvolvimento e poder de – ♀ e um acréscimo sempre crescente de elementos ♂ para
serem convertidos em elementos – ♂. Em outras palavras, os elementos-alpha, como
quer que tenham sido obtidos, são adquiridos para serem convertidos em elementos-
beta. Na prática isso significa que o paciente se sente cercado não por objetos reais,
coisas em si, mas por objetos estranhos que somente são reais enquanto resíduos de
pensamentos e concepções que foram privados de sentido e eliminados.

14 – A relação de C com – C pode ser resumida dizendo que em C a particularização e a


concretização do abstrato e genérico é possível, porém –C não o é, porque o abstrato e o
genérico, ao mesmo tempo em que existem, são sentidos com se se tornassem coisas em
si. Ao contrário, em C o particular pode generalizar-se e se tornar abstrato, contudo, em
– K o particular é despojado de qualquer qualidade que tenha: o produto final é o
despojo e não a abstração.

15 – Finalmente, ainda que eu não vá desenvolver isso ainda, as teorias nas quais usei
os sinais C e – C é possível enxergar que representam “realização” em grupos. Em C o
grupo cresce pela introdução de novas ideias ou pessoas. Em – C a nova ideia (ou
pessoa) está privada de seu valor, e o grupo por sua vez se sente desvalorizado pela
ideia nova. Em C o clima é contundente à saúde mental. Em – C nem o grupo nem a
ideia podem sobreviver, em parte devido à destruição resultante da privação e em parte
devido ao produto do processo de despojar ou privar.

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