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FACULDADE DE DIREITO
ESCOLA DE LISBOA
Trabalho Final
DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA:
CC – Código Civil;
CCP – Código dos Contratos Públicos;
CPA – Código do Procedimento Administrativo;
CPC – Código do Processo Civil;
CPTA – Código do Processo nos Tribunais Administrativos;
CRP – Constituição da República Portuguesa;
ETAF – Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais;
STA – Supremo Tribunal Administrativo;
TAF – Tribunal Administrativo e Fiscal.
ÍNDICE
I. INTRODUÇÃO............................................................................................................................4
D. DOS ACTOS IMPUGNÁVEIS, POR PARTE DOS PARTICULARES, NO ÂMBITO DE UM PROCEDIMENTO PRÉ-
CONTRATUAL................................................................................................................................ 33
V. CONCLUSÃO............................................................................................................................49
I. INTRODUÇÃO
1 - Relativa ao Concurso Público de Trabalhos de Concepção para Elaboração dos Projectos Base
para Quatro Centros Educativos a construir no Concelho de Torres Novas – Assentiz, Pedrógão,
Santa Maria – Negréus e Olaia, tendo como entidade adjudicante a Câmara Municipal de Torres
Novas.
2 - Este conceito é bastante lato, mutável ao longo dos tempos e de difícil definição. Encontra-se
plasmado no n.º 1 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 4.º do
Código do Procedimento Administrativo. Nas palavras de MARCELO REBELO DE SOUSA,
“O interesse público, que vincula sempre a Administração Pública, é, assim, um interesse
colectivo concreto, definido por lei (ou secundário, para distinguir do interesse primário,
estabelecido na Constituição), traçado amiúde com recurso a conceitos indeterminados.” (V.
“Lições de Direito Administrativo”, Volume I, LEX, pág. 114). Quanto ao interesse público veja-
se também MARIA JOÃO ESTORNINHO, “A Fuga Para o Direito Privado”, Colecção Teses
Almedina, pág. 167 e ss, assim como JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, “Os Princípios
Constitucionais da Administração Pública”, in “Estudos sobre a Constituição”, Livraria
Petrony, Lisboa, Volume 3, págs. 661 e ss.
3 - Alínea que permitia a anulação do procedimento quando razões supervenientes e de manifesto
interesse público o justificassem.
Sendo que, em virtude de, na primeira instância, o TAF de Leiria não ter acedido ao
pretendido pela Empresa X, a mesma interpôs o já referido recurso per saltum perante o
STA.
Deste modo, importará agora resumir as alegações apresentadas ao STA por ambas as
partes, de forma a obtermos uma visão completa da problemática que foi levantada no
caso sub judice (sem prejuízo de, na análise subsequente, discutirmos e levantarmos
outros problemas, apenas indirectamente relacionados com estes acórdão).
a) A Empresa X alegou que a decisão do TAF fez errada interpretação e aplicação da lei,
especificamente dos artigos 103.º do CPA e 58.º e 164.º e ss do Decreto-Lei n.º
197/99, de 8 de Junho – afastando-se assim do imposto no n.º 2 do artigo 659.º do
artigo 664.º, ambos do CPC.
b) Assim foi pois, na acção em causa, a ora Recorrente pediu que fosse anulada a decisão
do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Torres Novas de 18 de Junho de 2007,
ratificada pela Câmara Municipal em 24 de Julho de 2007, de anulação do concurso
processo n.º 22/07, por padecer de vícios de violação de lei (artigo 100.º e ss. do CPA
e 58.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho), ordenando-se de seguida o
prosseguimento do respectivo procedimento concursal.
f) Ainda, o artigo 108.º, aplicável por força do artigo 168.º, ambos do Decreto-Lei n.º
197/99, de 8 de Junho, reduz as possibilidades de não realização da audiência prévia,
com factualidade que não esteve presente na fundamentação do acto em causa.
g) Quanto ao segundo vício para o qual a Recorrente pediu a atenção do TAF – falta de
suporte legal para anulação do concurso público – reflecte a sentença recorrida que o
entendimento tardio pelo Recorrido da ilegalidade da exigência contida no ponto 21
n.º 1 alínea d) do Programa do Concurso – que colocava na fase de apreciação da
proposta (no caso, análise e classificação dos projectos), requisitos de avaliação dos
concorrentes – configurou uma razão superveniente de interesse público justificativa
da anulação.
h) De facto, aquele ponto do Programa do Concurso violava o disposto no artigo 55.º n.º
3 do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho.
j) Isto porque, no entender da Empresa X, o artigo 58.º n.º 1 alínea b) do Decreto-Lei n.º
197/99 não contempla como razões supervenientes lapsos ou erros das entidades
adjudicantes, sobretudo se já conhecidos e só são reconhecidos tardiamente. Tal é
justificado pela Recorrente com o facto de a ratio legis subjacente a esta norma ser, na
sua opinião, relativa a circunstâncias e factos antes imprevisíveis e, portanto,
desconhecidos das entidades adjudicantes e que, posteriormente, ponham em causa o
próprio interesse público que se persegue na contratação que um concurso público.
Não caindo a situação em concreto neste âmbito, na medida em que a Câmara
Municipal já deveria ter conhecimento da ilegalidade do sub-critério de adjudicação já
referido.
k) É dito, por conseguinte, que a sentença recorrida viola o artigo 58.º n.º 1 alínea b) e,
consequentemente, também os artigos 135.º e 136.º do CPA, ao não anular um acto
ferido de violação de lei. Assim, e pelo exposto, ao interpretar e aplicar a lei da forma
incorrecta como o fez, a sentença recorrida mostrou-se desconforme com o exigido no
n.º 2 do artigo 659.º e no artigo 664.º, ambos do CPC. Devendo por conseguinte ser
mantido o procedimento em causa.
b) Assim, não colheu provimento a tese partilhada pela Administração e pela sentença
recorrida, que defendia a legitimidade do acto em causa com fundamento em razões
de manifesto interesse público, fundamentando a anulação do procedimento em causa
através da já referida alínea b) do n.º 1 do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8
de Junho.
4 - O conceito de “Administração”, para efeitos deste trabalho, terá de ser entendido em sentido
lato, abrangendo o universo das entidades adjudicantes para efeitos do regime jurídico da
contratação pública.
f) Adiantando desde já a conclusão do STA, foi entendido que, da conjugação dos artigos
51.º n.º 3 e 100.º n.º 2, a Administração poderia, até ao decurso do prazo de
impugnação do acto final do concurso, proceder à revogação do mesmo, com
fundamento em invalidade de algum dos elementos conformadores do concurso,
previstos no artigo 100.º n.º 2 do CPTA.
g) Assim, o STA procedeu a uma harmonização do artigo 101.º do CPTA (que prevê o
prazo de um mês para a instauração de processos do contencioso pré-contratual) com
o já referido artigo 51.º n.º 3 do mesmo diploma.
h) Terminou o tribunal por dizer que o próprio princípio do interesse público exige que o
concurso se realize de forma legal, não fazendo assim sentido que se exija o seu
prosseguimento apesar da ilegalidade de que enferma, como pretende a recorrente,
pois, em virtude da mesma, tem uma grande probabilidade de vir a ser anulado.
5 - Questão relevante, e que o STA entendeu não ser de apreciar, pois deu como assente que o
Programa de Concurso enfermava do vício de violação de lei, e por conseguinte seria legítima a
sua anulação por parte da Administração.
a) Quanto a este vício, também invocado pela Recorrente, o STA acolheu a tese exposta
pelo TAF (6), desvalorizando a argumentação da Recorrente.
6 - Quanto a este tema, marginal em face do problema a que nos dispomos a analisar, somos da
opinião que o STA optou pela via mais fácil, contudo raramente a mais correcta. Assim,
relativamente à questão de saber se foi legitima a não realização da audiência dos interessados
quando em face de um acto de anulação do procedimento pré-contratual em causa, a
argumentação do STA cingiu-se à mera impossibilidade de identificação dos interessados neste
procedimento, o que, por si só, não é razão suficiente para impedir a realização da referida
audiência, porventura possível através de edital ou anúncio nos locais adequados. O STA
procedeu também à não caracterização do acto em causa como acto final, e por isso não sujeito à
aplicação do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho. Em nosso entender, tal
argumentação enferma de algumas deficiências. Primeiro, mesmo que não se aplique o referido
artigo 58.º, sempre se aplicaria o preceituado nos artigos 100.º e ss do CPA, em particular o artigo
103.º, que prevê os casos de inexistência e dispensa da audiência dos interessados. Deste modo, e
na medida em que não se encontra nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 103.º do CPA nenhuma
justificação para a inexistência da referida audiência, dado que o acto administrativo em causa
apenas pode ser justificado com base na ilegalidade do acto anulado (vide artigo 141.º n.º 1 do
CPA), somos da opinião que a referida audiência deveria ter-se verificado, através de edital ou
anúncio nos locais adequados. Isto apesar de o artigo 101.º n.º 1 especificar a necessidade de
notificar os interessados no procedimento em causa, parece-nos que, na medida em que o
procedimento decorria sob anonimato, deveria ter sido aplicado o regime da audiência prévia,
com as necessárias adaptações, notificando-se através de edital ou anúncio os potenciais
interessados, como já referido. Caso assim não fosse, os concorrentes, apesar de à altura ainda
sob a capa do anonimato, não se poderiam pronunciar sobre o acto administrativo em causa,
frustrando-se assim o seu direito ao contraditório, frustrando-se também a aplicação do previsto
no n.º 4 do artigo 268.º da CRP. Logo, parece-me que o STA não andou bem ao não dar razão ao
Recorrente nesta matéria, pois deveria ter sido realizada audiência dos interessados em relação ao
acto de anulação do procedimento em causa.
Relativamente a esta questão, apenas marginal à face da temática deste trabalho, que,
apesar de fundado numa decisão jurisprudencial, se pretende de âmbito geral e abstracto,
suportamos o mesmo entendimento do STA, de que o acto do Presidente da Câmara não
encontrava previsão normativa no artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho,
mas sim no CPA. Assim, o STA, ao reconduzir o acto do Presidente da Câmara a um acto
revogatório de acto administrativo inválido, partiu dessa qualificação para problematizar
toda a questão, procurando aferir da legitimidade da actuação do Administração em
anular o procedimento.
Em acrescento, e resolvendo de imediato a questão material com que se deparava,
deu como adquirida a invalidade da norma concursal em análise, apenas procedendo à
análise atinente ao próprio acto administrativo de anulação do concurso em causa,
procurando verificar se o mesmo estaria “em tempo”, e se respeitaria o legalmente
admitido nesta matéria.
Não haverá pois dúvidas em qualificar o acto administrativo em causa como uma
revogação anulatória, em que a Administração faz uso da sua função de controlo para
eliminar da ordem jurídica uma ilegalidade por si cometida.
Nessa medida, determinada a natureza e o fundamento do acto administrativo em
causa, será necessário analisar o regime jurídico respeitante à revogação de actos
administrativos inválidos, articulando-o com o regime concernente à actividade pré-
contratual administrativa, ou contratação pública, de forma a verificarmos, e criticarmos
se necessário, a decisão tomada pelo STA, assim como o regime jurídico-administrativo
aplicável à problemática que ora se analisa, em particular em sede do CPA.
8 - V. PAULO OTERO, “Acto Administrativo”, pág. 498, citado por FREITAS DO AMARAL
em “Curso de Direito Administrativo”, Almedina, pág. 438.
9 - V. JOSÉ ROBIN DE ANDRADE, “A Revogação dos Actos Administrativos”, Biblioteca
Jurídica Atlântica, 1969, pág. 214.
10 - Idem…
11 - Diploma que estabelecia o regime da realização de despesas públicas com locação e
aquisição de bens e serviços, bem como da contratação pública relativa à locação e aquisição de
bens móveis e de serviços.
contrato celebrado em sequência. Aliás, nem o teria de fazer, pois o CPA seria sempre
aplicável, nomeadamente à imputação de vícios à decisão de contratar.
De facto, nesta matéria, o regime legalmente aplicável é o constante do CPA, artigos
141.º e ss.
Apenas se previa, no Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, através do seu artigo
58.º, a possibilidade de anulação do procedimento quando, por circunstância
imprevisível, fosse necessário proceder à alteração dos elementos fundamentais dos
documentos que servissem de base ao procedimento (12), ou em virtude de outras razões
supervenientes e de manifesto interesse público que o justificassem. Existindo, no citado
diploma, a marcada distinção entre anulação da adjudicação (artigo 56.º), causas de não
adjudicação (artigo 57.º) e anulação do procedimento (artigo 58.º).
No novo regime constante do CCP, quanto às causas de anulação de adjudicação, as
mesmas passaram a estar previstas pelo conceito de caducidade da adjudicação (13):
artigo 86.º, quando em causa esteja a não apresentação dos documentos de habilitação por
parte do adjudicatário; artigo 91.º, quando em causa esteja a não prestação de caução;
artigo 93.º, quando não sejam confirmados os compromissos previstos no artigo 92.º, se
existentes; e artigo 105.º, se o adjudicatário não comparecer no dia, hora e local fixados
para a outorga do contrato ou se o adjudicatário for um agrupamento e os seus membros
não se tenham associado nos termos previstos no n.º 4 do artigo 54.º.
Em relação às causas de não adjudicação que, no artigo 57.º do Decreto-Lei n.º
197/99, diziam respeito às situações onde todas as propostas apresentadas fossem
consideradas inaceitáveis pela entidade competente para autorizar a despesa ou quando
houvesse forte presunção de conluio entre os concorrentes, no CCP estas situações foram
introduzidas em sede de exclusão das propostas, no n.º 2 do artigo 70.º. Sendo que só não
haverá adjudicação quando todas as propostas tenham sido excluídas, nos termos da
alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP.
Deste modo, no âmbito do CCP, encontram-se actualmente elencadas nas diversas
alíneas do n.º 1 do artigo 79.º as razões legitimadoras de “não adjudicação”, de entre as
12 - Sendo obrigatório, neste caso, que a administração inicie um novo procedimento do mesmo
tipo, no prazo de seis meses a contar do despacho de anulação (cfr. n.º 2 do artigo 58.º do mesmo
diploma).
13 - Levando, em caso de efectiva caducidade da adjudicação inicial, à adjudicação da proposta
ordenada em lugar subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 86.º, do n.º 2 do artigo 91.º, do n.º 2
do artigo 93.º e parte final do n.º 2 do artigo 105.º, todos do CCP.
à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em
conformidade com os finas para que os mesmo poderes lhes foram conferidos.”
Daí a aceitação da fundamentação invocada para a referida anulação, pois, e nas
palavras de ROBIN DE ANDRADE, “...deve entender-se que a revogação de actos
ilegais é um acto administrativo com autonomia substancial, irredutível à revogação de
actos discricionários na medida em que envolve um juízo sobre o acto e sua ilegalidade e
não um juízo sobre os seus efeitos e sua conveniência” (17).
Em concreto, o fundamento para a revogação de actos administrativos válidos é,
tipicamente, a “inconveniência actual” para o interesse público, tal como a entidade
adjudicante o configura, da manutenção dos efeitos do acto que é revogado, enquanto na
fundamentação da revogação anulatória é a própria ilegalidade do acto que,
objectivamente, impede a sua manutenção na ordem jurídica (18).
Apesar de, obviamente, também ser prejudicial para o interesse público a
subsistência na ordem jurídica de um acto ilegal, o fundamento para a sua anulação é
meramente objectivo, fundando-se num estrito juízo de legalidade (ou mera fiscalização),
e não discricionário.
Na medida em que o motivo em causa é baseado num juízo de mérito a emitir por
parte da Administração, há que, forçosamente, distinguir entre os actos administrativos
nulos e os actos administrativos anuláveis.
Isto é, de acordo com o regime do CPA, apenas poderão ser alvo de revogação
anulatória os actos anuláveis, na medida em que os actos nulos podem ver a sua nulidade
declarada a todo o tempo, nos termos infra a desenvolver.
Feita esta destrinça, e em momento prévio a enveredarmos nas diversas críticas a
fazer ao regime jurídico aqui em análise, cumpre chamar a atenção para o seguinte.
Ainda em momento anterior à entrada em vigor do CPA era defendida por ROBIN
DE ANDRADE (19) a possibilidade de um qualquer acto administrativo inválido poder
ser constitutivo de direitos. Assim, a invalidade do acto, na medida em que gera a sua
anulabilidade, não afecta a eficácia jurídica do mesmo, em consequência não impedindo a
produção de efeitos.
não lhes sendo por isso aplicável a imposição do prazo previsto no n.º 1 do artigo 141.º
do CPA, para a Administração poder proceder à sua revogação anulatória (22).
Por conseguinte, e dado que o CPA, através do n.º 2 do artigo 134.º, estipula que a
nulidade relativa a acto administrativo nulo é invocável pelos particulares a todo o tempo,
e também sendo declarado nulo pela Administração a todo tempo, mantêm-se a paridade
de instrumentos de actuação entre a Administração e os particulares (ver infra).
Pelo contrário, não sendo um acto administrativo nulo, terá de ser impugnado no
prazo de um mês em todos os casos.
Assim, e nas palavras de MARIA JOÃO ESTORNINHO (23), “em nome da certeza e
segurança jurídicas justifica-se o prazo único de um mês, o qual condiciona, não apenas
a susceptibilidade de impugnação, mas também a revogação anulatória.”
Em acrescento, e a este propósito, PEDRO GONÇALVES (24) defende que “a
interpretação segundo a qual os actos administrativos referidos no artigo 100.º, n.º 1, se
tornam inimpugnáveis e irrevogáveis (com fundamento em ilegalidade) após o prazo
(curto) de um mês, permite a realização efectiva do interesse público em obter uma
estabilização rápida e definitiva dos procedimentos pré-contratuais. Ora, o objectivo da
realização desse interesse marca claramente a legislação comunitária que está na
génese do processo urgente de contenciosos pré-contratual.”
Quanto ao supra sustentado por PEDRO GONÇALVES, para além da necessária
restrição da aplicação do artigo em causa apenas aos actos administrativos anuláveis,
parece-nos bastante redutor o entendimento que a única faceta do interesse público aqui
em presença seja a de obter uma estabilização rápida e definitiva dos procedimentos pré-
contratuais.
Até porque é perfeitamente plausível que, apesar de decorrido o referido prazo de um
mês, seja do interesse público proceder à revogação anulatória do acto administrativo em
causa, por variadíssimas razões. Em momento posterior, iremos abordar situações onde
entendemos dever ser admissível a actuação administrativa, de forma a eliminar da ordem
jurídica eventuais actos administrativos inválidos.
Outra questão, e que será de conclusão única e necessária, em face da lógica inerente
ao regime em causa, é relativa ao facto de, não obstante determinado acto administrativo
ser inválido, essa invalidade não poder implicar que o acto em causa seja insusceptível de
ser revogado nos termos gerais (fazendo uso do disposto no artigo 140.º do CPA), isto é,
de ser afastado com fundamento no juízo administrativo que conclua pela sua
inconveniência ou inoportunidade para o interesse público.
Assim, mesmo aos actos inválidos insusceptíveis de revogação anulatória com
fundamento na sua invalidade (por ter decorrido o prazo do respectivo recurso
contencioso ou a entidade recorrida já ter respondido), será aplicável o regime constante
do artigo 140.º do CPA (25), levando a Administração a fundamentar a revogação do acto
nos termos do supramencionado artigo.
Isto é, do ponto de vista prático, o acto administrativo inválido, ainda que mantendo a
sua invalidade, consolidou-se na ordem jurídica, sendo por conseguinte tratado como se
de um acto válido se tratasse, nessa medida susceptível de revogação nos termos
previstos para os actos administrativos válidos (26).
Outra questão aqui relevante é a necessária ponderação de interesses que deveria ser
admitida, de forma a assegurar um equilíbrio entre os diversos interesses, direitos e
princípios aqui em presença. Assim, e nas palavras de VIEIRA DE ANDRADE (27), na
revogação anulatória “…os interesses conflituantes são, de um lado, o interesse da
restauração da legalidade, sempre implicado na anulação, e, porventura, o interesse
público substancial que o acto visa prosseguir, e, do outro lado, a estabilidade das
situações jurídicas e a protecção da confiança associada aos direitos adquiridos e, em
geral, às expectativas dos particulares interessados.”
Sendo que, na opinião do supramencionado autor, o artigo 141.º do CPA não procede
a uma adequada ponderação dos valores em jogo, pois opta por uma solução meramente
temporal, admitindo-se em qualquer caso a revogação anulatória dos actos inválidos
dentro do prazo para o recurso contencioso (28) ou até a resposta da entidade recorrida, e
deixando-se pura e simplesmente de admitir a mesma possibilidade após o decurso deste
prazo (29).
Ora, tal solução resulta em algumas situações bastante complexas. Enquanto que no
regime da revogabilidade de actos válidos se procede a uma ponderação entre os diversos
valores jurídicos em presença, estipulando que os actos constitutivos de direitos ou
interesse legalmente protegidos não poderão ser objecto de livre revogação (30), do
regime do artigo 141.º não consta a mesma preocupação.
Partilhamos da opinião do supramencionado autor (31), ao defender que deveria ter
sido considerada, nesta matéria, a diferença entre actos administrativos constitutivos de
direitos e actos administrativos não constitutivos de direitos, estendendo porventura o
prazo para a revogação anulatória quando em causa estivesse um acto administrativo
desprovido da constituição de direitos a um ou mais particulares, e impedindo a
revogação quando dela resultasse a lesão de direitos ou expectativas legítimas por parte
de particulares, ainda que dentro do prazo que a tornaria admissível.
Assim, quando em causa estivesse um acto administrativo favorável ou constitutivo
de direitos, e se o particular estivesse de boa fé e confiante na manutenção na ordem
jurídica do acto em causa, deveria ser restringida a possibilidade da administração
revogar o acto em causa, ainda que, em razão do não decurso do prazo (constante da parte
final do n.º 1 do artigo 141.º), a Administração se encontrasse legitimada para o fazer.
Deste modo, o legislador tratou por igual todas as situações, negligenciando
diferenças essenciais na valoração casuística do caso concreto, tais como legítimas
expectativas dos particulares ou, em contraponto, fundado interesse público em proceder
28 - Sendo que nos casos relativos ao contencioso pré-contratual, o prazo para a intentar a
respectiva acção administrativa é de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não
havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto (cf. artigo 101.º do CPTA).
29 - V. VIEIRA DE ANDRADE, “Revogação…”, págs. 58 e 59.
30 - Ainda que a inserção da palavra “livremente” pareça algo estranha aqui, na medida em que
se poderá entender esta revogação como não necessitando de fundamentação adequada (exigível
em regra relativamente a todos os actos administrativos). Em contraponto, a colocação desta
palavra neste preceito pode-se interpretar no sentido de traduzir a possibilidade da Administração
revogar actos administrativos constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos,
embora nestes casos sendo necessária, e mesmo essencial, a competente fundamentação, e
também inevitavelmente a constituição de eventuais obrigações indemnizatórias por parte da
Administração, como forma de compensar o particular lesado no seu direito em virtude da
revogação em causa.
31 - V. VIEIRA DE ANDRADE, “Revogação…”, pág. 59.
Tal reconhecimento da ilegalidade cometida, ainda que tardio, surgiria como forma
de garantia da prossecução do interesse público (aqui sim unicamente respeitante à defesa
da legalidade), ainda que necessariamente limitado também pela defesa dos direitos dos
particulares, assim como das expectativas legítimas dos mesmos, procurando adequar e
limitar ambos os princípios, em vez de pura e simplesmente proteger o princípio da
legalidade em detrimento da defesa dos interesses dos particulares, até ao termo de certo
prazo, e após o termo desse prazo proteger na totalidade os interesses dos particulares em
detrimento do interesse público.
Contudo, a argumentação supra exposta terá de ser percebida à luz do entendimento
por nós advogado, não unânime na doutrina (34), e porventura contrário à corrente
dominante na jurisprudência portuguesa, de que o decurso do prazo referido na parte final
do n.º 1 do artigo 141.º não implica a validação do acto administrativo inválido, mas
apenas impede a impugnação jurisdicional do acto anulável, não podendo, contudo,
transformá-lo num acto válido, mas apenas inimpugnável (35).
Aliás, no nosso entender, o decurso do prazo em causa apenas impede a
Administração de agir no sentido de revogar o acto em causa com fundamento na sua
invalidade (não querendo com isto dizer que o vício em causa desapareceu, apenas se
tornou insusceptível de arguição). E, contudo, abrindo desta forma a porta à possibilidade
de revogar o mesmo acto já com fundamento no artigo 140.º do CPA, nos termos supra
expostos, não se entendendo como razoáveis as limitações constantes das alíneas do n.º 1
do artigo 140.º. Deste modo, não se percebe como é que os limites citados não poderão
ser eles mesmos limitados, em virtude de ponderosas razões de interesse público,
passíveis de invocação pela Administração.
Até porque, no caso concreto, poder-se-á dar o caso de determinado acto ser
constitutivo de direitos ou de interesses legalmente protegidos e, mesmo assim, em
virtude do imperativo de interesse público, a Administração pretender revogar o acto em
causa.
Parece-nos que assim terá de ser, até em virtude da eventual necessidade do superior
hierárquico revogar actos ilegais praticados pelo seu inferior, surgindo como garante da
legalidade.
Nesta questão, parece-nos pertinente analisar o regime atinente à revogação de acto
administrativo praticado por órgão incompetente.
Assim, quanto à eventual necessidade de revogar um acto praticado por um órgão
incompetente, e segundo FREITAS DO AMARAL (36), há quem entenda que, no caso de
acto praticado com o vício de incompetência, tanto o autor do acto como o órgão
competente para decidir sobre aquela matéria têm competência revogatória. Assim tanto
o autor do acto, porque a lei, ao abrigo do princípio do autocontrolo de legalidade, lhe dá
competência revogatória e não exclui os casos de incompetência, como o órgão
competente, por possuir competência dispositiva sobre a matéria, sendo o verdadeiro
dominus da competência (37). Contudo, o citado autor não partilha do mesmo
entendimento, ao defender que só o autor efectivo do acto tem competência para revogá-
lo (38), sustentando a sua posição no facto de, ao se aceitar a competência revogatória do
titular da competência dispositiva sobre os actos praticados por órgãos incompetentes
equivaleria a admitir um poder de superintendência que não existe, conferido a cada
órgão da Administração sobre os demais (39).
Apesar de jurisprudência do STA (40) sustentar o entendimento de FREITAS DO
AMARAL, somos de opinião contrária, pois não fará sentido que o órgão competente
possa ratificar um acto administrativo que padeça do vício de incompetência (de acordo
com o n.º 3 do artigo 137.º do CPA), e não possa por contraponto revogar o mesmo acto,
se essa for a sua opção.
Outra das questões que colocamos, quanto ao regime em causa, é a de saber porque é
que o legislador não permitiu, especificamente nos casos de revogação anulatória, com
fundamento em invalidade do acto administrativo, a capacidade do superior hierárquico,
mesmo quando não tenha competência para praticar determinado acto, para o anular, com
fundamento exclusivo na sua desconformidade com a ordem jurídica.
Isto porque a função que o superior hierárquico estaria aqui a exercer seria
meramente fiscalizadora, de controlo de legalidade, logo de admitir numa administração
pública que se pretende auto-controlável, à luz do princípio da legalidade.
Faz-se aqui menção relativa ao artigo 147.º do CPA, que diz respeito às situações nas
quais seja necessário alterar ou substituir actos administrativos. Neste artigo é dito que,
“na falta de disposição especial, são aplicáveis à alteração e substituição dos actos
administrativos as normas reguladoras da revogação” (sublinhado nosso).
Em concreto, e relativamente à contratação pública, teremos de ponderar se, em que
termos, é que será possível proceder à alteração, designadamente de peças
procedimentais, quando estejamos em face de uma qualquer invalidade no procedimento,
tendo em atenção também que fase é que nos encontraremos.
O CCP abre a porta à possibilidade de rectificação das peças do procedimento, nos
termos do n.º 3 do artigo 50.º, ainda que apenas até ao termo do segundo terço do prazo.
Assim, se for o caso de, nas peças procedimentais constar algum erro ou omissão,
ainda que consubstancie uma ilegalidade, cremos que a mesma poderá ser sanada de
acordo com a disposição supra referida, não havendo necessidade de recorrer à
revogação anulatória prevista no artigo 141.º do CPA, pois existe disposição especial, no
âmbito da contratação pública, que regula esta matéria.
Contudo, coloca-se a questão de saber qual deverá ser a actuação da administração
se, após o termo do prazo em causa, verifica a existência de determinada ilegalidade (41).
Poder-se-ia ainda tentar enquadrar eventuais situações na previsão do artigo 148.º do
CPA, levando a Administração a defender a utilização do instrumento da rectificação dos
actos administrativos, como forma de evitar a revogação e já não podendo utilizar o
regime previsto no artigo 147.º. Contudo, tal argumentação seria bastante frágil, até por o
citado preceito apenas se aplica a erros de cálculo e a erros materiais por parte da
Administração, e apenas quando sejam manifestos. Sendo por conseguinte de aplicação
bastante restrita, e dificilmente admissível nesta matéria.
Ressalva-se aqui a possibilidade da Administração fazer uso da faculdade que lhe é
conferida através do artigo 137.º do CPA, ou seja, ratificando o acto administrativo
inválido. Exemplificando, se o acto administrativo decisão de contratar padecer de um
qualquer vício susceptível de inquinar todo o procedimento, a Administração poderá
41 - Terá sempre de reagir, se possível, atento o princípio da legalidade, que deverá imperar na
actividade administrativa.
o principio do aproveitamento dos actos administrativos, que deve ser utilizado sempre
que possível, de forma a evitar actividade administrativa desnecessária.
Contudo, faz-se a ressalva do entendimento por nós sustentado, de que apenas no
caso concreto se poderá fazer uma correcta ponderação dos diversos princípios e direitos
em presença, servindo de pouco a análise abstracta aos mesmos. Deste modo, apenas em
face de um determinado acto administrativo pré-contratual que padeça de uma qualquer
invalidade, anulável, na medida em que uma nulidade pode ser invocada a todo o tempo,
é que poderemos efectuar a ponderação em causa.
Faz-se aqui uma pequena nota relativa aos actos administrativos nulos,
nomeadamente à possibilidade de arguição, a todo o tempo, da sua nulidade.
A jurisprudência, nomeadamente do STA, tem-se inclinado a considerar que o artigo
101.º consagra um regime especial, que não contempla qualquer excepção, e, como tal, o
prazo aí previsto se torna aplicável, que a actos meramente anuláveis, que a actos nulos
(acórdão do STA, de 13 de Outubro de 2006, Processo n.º 598/06; acórdão do TCA Sul
de 12 de Janeiro de 2006, Processo n.º 121/05 (42).
Nós, em contraponto ao STA, partilhamos o entendimento seguido por MÁRIO
AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA (43), de que
“os actos nulos, quando proferidos no procedimento pré-contratual, mantêm a sua
característica de inaptidão intrínseca para a produção de quaisquer efeitos jurídicos,
com as consequências que lhe são próprias, designadamente no plano da invocabilidade
a todo o tempo por qualquer interessado: cfr. artigo 134.º, n.º 2, do CPA.”
Sendo o entendimento do STA a única explicação para a parte final do n.º 1 do artigo
283.º do CCP (“ou possa ainda sê-lo”), o qual parece ter sido previsto na linha daquele
entendimento do STA sobre o artigo 101.º do CPTA, introduzindo no nosso entender uma
séria perturbação no sistema.
Feita esta nota, sustentamos que deveria ser adoptada uma solução legal que, em face
de um determinado acto administrativo pré-contratual que padeça de uma qualquer
invalidade, anulável, admitiria a possibilidade da Administração recorrer a uma
ponderação análoga à existente no referido n.º 4 do artigo 283.º do CCP.
PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL
Efectivamente, nos termos do artigo 51.º n.º 1 do CPTA, “ainda que inseridos num
procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia
externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou
interesses legalmente protegidos.”
Assim, a solução legal exposta, plasmada no n.º 2 do artigo 100.º do CPTA, permite
que os particulares impugnem directamente, através da tramitação do procedimento pré-
contratual urgente, todos os actos administrativos relativos à formação dos contratos de
empreitada e concessão de obras públicas, prestação de serviços e fornecimento de bens,
bem como dos actos equiparados de entidades privadas (55).
Sendo que a impugnação do próprio contrato encontra a sua previsão nos termos do
n.º 4 do artigo 102.º do CPTA, através da ampliação do objecto do processo à
impugnação do contrato que venha a ser celebrado na pendência da acção de impugnação
de um acto do procedimento de formação do mesmo contrato.
Procurando o legislador, desta forma, aproveitar o impulso processual levado a cabo
pelo particular em sede de contencioso pré-contratual, para assim proceder à análise da
validade do dito contrato, decidindo na mesma acção ambas as questões, sendo que, em
princípio, para tal ser possível será necessário que o contrato em causa tenha assentado a
sua celebração no acto procedimental inválido (de acordo com os números 1 e 2 do artigo
283.º do CCP, a analisar subsequentemente).
Teremos de concluir, por conseguinte, que ao particular assiste uma ampla margem
de impugnação relativamente aos actos administrativos pré-contratuais
Ressalva-se que o particular, para reagir contenciosamente, terá de se verificar um
conjunto de pressupostos necessários. Por conseguinte, parece-nos adequado fazer uma
sucinta referência aos diversos pressupostos necessários para o exercício do direito de
acção relativamente à validade, interpretação ou execução dos contratos administrativos.
De acordo com MARCELO REBELO DE SOUSA (56), os pressupostos do exercício do
direito de acção são: i) a competência do tribunal; ii) a ocorrência de contrato
administrativo; iii) a legitimidade das partes e iv) oportunidade daquele exercício.
Nestes termos, quando em causa estejam actos administrativos pré-contratuais,
teremos que verificar se, mutatis mutandis, os pressupostos necessários se encontrarão
ocorrer, na medida em que a nulidade será invocável a todo tempo, nos termos supra
referidos. Será certamente influência da tendência dominante na jurisprudência, já
referida, de considerar aplicável o prazo de um mês previsto no artigo 101.º do CPTA
também às situações de nulidade.
Sendo certo que o n.º 3 do mesmo artigo ressalva a possibilidade de atribuição de
certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do
simples decurso do tempo, em harmonia com os princípios gerais de direito.
Quanto ao n.º 2 do artigo 283.º do CCP, o mesmo mais não faz senão repetir o
disposto no número anterior, embora “mutatis mutandis”, dizendo agora respeito aos
actos administrativos anuláveis (57) determinando igualmente que os contratos são
anuláveis se tiverem sido anulados ou se forem anuláveis os actos procedimentais em que
tenha assentado a sua celebração.
Contudo, à luz do n.º 3 do artigo 283.º, deixar-se-á de aplicar o n.º 2 do mesmo
artigo, se o acto procedimental anulável em que tenha assentado a celebração do contrato
se consolide na ordem jurídica (nomeadamente decorrendo o respectivo prazo para
impugnação judicial), se convalide ou seja renovado, sem reincidência nas mesmas
causas de invalidade (designadamente quando em causa estejam situações de invalidade
formal, sanáveis através da repetição da prática do acto, agora legalmente correcto).
Em acrescento, e atendendo ao constante do n.º 4 do mesmo artigo, o efeito
anulatório previsto no seu n.º 2 poderá ser afastado por decisão judicial ou arbitral,
quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença (58) e a gravidade (59)
da ofensa geradora do vício do acto procedimental em causa, a anulação do contrato se
revele desproporcionada (60) ou contrária à boa fé (61) ou quando se demonstre
57 - Cfr. Artigo 135.º do CPA: “São anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa
dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação a lei não preveja outra
sanção.”
58 - Finalmente fazendo uma ponderação entre os diversos valores jurídicos em jogo, nos termos
por nós já defendidos neste trabalho.
59 - Não se compreende em que termos é que poderá ser aferida esta “gravidade”, na medida em
que no CPA temos apenas a distinção entre actos nulos e actos anuláveis, não existindo, no nosso
entender, margem de discricionariedade para se determinar o que é um acto administrativo
anulável de média gravidade e o que seja um acto administrativo anulável de muita gravidade. A
introdução desde conceito indeterminado não veio trazer certeza aos particulares, mas sim uma
maior insegurança, na medida em que uma coisa seria confrontar os interesses em jogo, tendo de
um lado o interesse público e do outro o interesse dos particulares, outra coisa seria determinar o
grau de invalidade de determinado acto administrativo.
60 - No nosso entendimento, correcta aplicação do principio da proporcionalidade, procurando
fazer uma ponderação efectiva das consequências da anulação do contrato em causa,
inequivocamente (de forma clara, sólida e objectiva) que o vício não implicaria uma
modificação subjectiva (62) no contrato celebrado nem uma alteração do seu conteúdo
substancial (63).
Cumpre aqui referir de novo a alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF, que estipula
que, de forma a saber quais os actos prévios à celebração do contrato cuja invalidade gera
a invalidade do próprio contrato, será necessário demonstrar, no plano substantivo, que a
celebração do contrato se fundou no acto inválido. Ou seja, a invalidade do acto em causa
repercutir-se-ia negativamente na validade do contrato quando se pudesse concluir, com
certeza, que se não fosse a ilegalidade cometida no procedimento, o respectivo contrato
não teria sido celebrado com os mesmos sujeitos, ou nos mesmo termos.
Alias, como por nós adiantado, e de acordo com o exposto por MARIA JOÃO
ESTORNINHO (64), faz sentido que nem todas as invalidades procedimentais acarretem
necessariamente a invalidade do contrato (65). Sendo inclusivamente vantajoso
proporcionar ao juiz a forma e a ocasião adequada para ponderar os diversos aspectos em
jogo, articulando os vários princípios em presença.
Aliás, PEDRO GONÇALVES (66) estabelece uma “dupla restrição” para que a
invalidade em causa se verifique: em primeiro lugar, considera dever haver uma certa
relação ou conexão entre o acto prévio e o contrato, em termos de o primeiro poder
considerar-se causa e o segundo efeito; em segundo lugar, o acto prévio há-de ser
invalidado por causa de um vício de natureza material que impeça a Administração de
praticar um novo acto com o mesmo conteúdo (sem repetir o vício).
Ou seja, este autor conclui que se, no respeito pela eventual sentença, a
Administração pode praticar o acto com idêntico conteúdo, não há invalidade derivada.
61 - Tendo aqui em atenção não só a boa fé dos particulares, mas também a boa fé por parte da
Administração, que deve presidir sempre à sua actuação, ainda que inserida num procedimento
que se pode chamar negocial.
62 - Quer isto dizer que o adjudicatário escolhido, caso o vício não tivesse existido, seria o
mesmo que resultou apesar da existência do referido vício.
63 - Em concreto, o conteúdo essencial do contrato manteve-se o mesmo, apesar do vício de que
padecia o acto procedimental em causa.
64 - “Direito Europeu…”, pág. 423 e ss.
65 - Neste sentido, PEDRO GONÇALVES, in “O Contrato Administrativo…”, pág.141, onde
defende que “não pode aceitar-se o princípio segundo o qual a invalidação de qualquer acto
prévio a um contrato gera sempre e em qualquer caso a invalidade do próprio contrato.”
66 - “O Contrato Administrativo…”, pág.141.
MARIA JOÃO ESTORNINHO (67) tece várias críticas ao defendido por PEDRO
GONÇALVES nesta matéria, nomeadamente quando em causa estejam casos de vícios
formais que gerem a nulidade do acto procedimental. Isto é, fará sentido preservar intacta
a validade do contrato, quando em causa esteja um acto administrativo pré-contratual
nulo? Neste ponto subscrevemos as críticas feitas.
Quanto aos restantes casos relativos a anulabilidades, MARIA JOÃO
ESTORNINHO (68) defende que faria sentido atribuir à instância judicial a possibilidade
de ponderar de forma global os diversos aspectos em presença e decidir qual a solução a
prosseguir. Esta solução foi entretanto plasmada no CCP, e já for por nós analisada.
Assim, e após a análise às causas legitimadoras de anulação do procedimento, quer a
iniciativa parta do particular, através da via contenciosa, quer a iniciativa parta da
Administração, através dos diversos mecanismos que a mesma tem ao seu dispor,
importará, de seguida, no âmbito da problemática subjacente a este trabalho, proceder à
análise relativa aos diversos princípios jurídicos em jogo, nomeadamente fazendo a
necessária articulação entre o princípio da legalidade, o princípio da prossecução do
interesse público e a defesa dos direitos e legítimas expectativas adquiridas pelos
particulares em virtude da sua interacção com a Administração.
PROCEDIMENTAIS
De facto, ao estipular o n.º 2 do artigo 283.º, do CCP, que apenas serão anuláveis
contratos se tiverem sido anulados ou se forem anuláveis os actos procedimentais em que
tenha assentado a sua celebração, está-se implicitamente a consagrar um regime algo
restritivo.
Explicando melhor, apenas na medida em que o contrato celebrado, ou a celebrar,
tenha como base um acto administrativo pré-contratual inválido, é que o mesmo poderá
ser anulado com esse fundamento.
Ora, nestes termos facilmente se compreende então a dicotomia que procuramos
adoptar. Em acrescento, e de novo referindo o sustentado por PEDRO GONÇALVES,
que caminha no mesmo sentido, ao defender a impossibilidade de se aceitar que qualquer
invalidade de um acto prévio a um contrato gere sempre a invalidade do próprio contrato
(69).
Aliás, é este o regime que acaba por ser consagrado no CCP, um pouco em
concretização relativamente ao que já estava exposto na parte final da alínea b) do n.º 1
do artigo 4.º do ETAF, ao colocar na jurisdição administrativa a competência para a
verificação da invalidade de quaisquer contratos que directamente resultem da invalidade
do acto administrativo no qual se fundou a respectiva celebração.
Em acrescento, pense-se em exemplos de vícios formais e vícios materiais,
nomeadamente situações de incompetência para prática de determinado actos.
Quando à concretização de exemplos, nesta matéria já nos pronunciamos em
momento anterior neste trabalho.
De seguida, e como ponto final dste trabalho, procederemos à análise relativa à
responsabilidade civil pré-contratual da Administração, de forma a podermos determinar
em que situações, e em que medida, é que eventuais particulares lesados podem ser
legitimamente indemnizados.
Isto é, procuraremos sucintamente analisar de que forma é que, em face de um acto
administrativo pré-contratual inválido, que causou danos a um particular, esse mesmo
particular poderá ser compensado.
Desde já fazemos notar ao leitor que o tema que nos ocupa neste ponto é bastante
vasto, complexo e denso, e por conseguinte manifestamente impossível de tratar nestas
parcas páginas. Não obstante, procuraremos, sucintamente, demonstrar em que termos é
que recairá sobre a Administração o dever de indemnizar um particular, em resultado de
incumprimento de deveres em sede pré-contratual.
Nos termos gerais de direito (70), sobre aquele que faz uma proposta contratual
impende a obrigação de se certificar de que se encontram preenchidos todos os
pressupostos de validade do contrato, comunicando à contraparte qualquer omissão, pelo
que a obrigação de indemnizar, efeito secundário derivado do contrato, constituir-se-á
necessariamente se uma das partes tiver procedido de modo culposo, sendo a diligência
exigível aquela que o seria no cumprimento do contrato (71). Mais assim terá de ser
quando a proposta em causa é feita (72) pela Administração, susceptível de
responsabilização nos termos do artigo 22.º da CRP, sob a epígrafe “Responsabilidade
das entidades públicas”, com a seguinte redacção: “O Estado e demais entidades
públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus
órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das
suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades
e garantias ou prejuízo para outrem.”
Isto também porque, sobre a actividade administrativa, impende o dever de
subordinação à CRO e à lei, na prossecução do interesse público.
Em concreto, a Administração deve pautar, a todo o tempo, a sua actuação pelo
princípio da boa fé, concretizado através do princípio da tutela da confiança.
70 - V. Artigo 227.º do CC, que, sob a epígrafe “Culpa na formação dos contratos” estipula no
seu n.º 1 que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos
preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de
responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.”
71 - Cfr. ANA PRATA, “Notas sobre responsabilidade pré-contratual”, Almedina, 2005, pág.
10.
72 - Englobando aqui uma multiplicidade de actuações administrativas, desde o mero convite a
contratar até à abertura de um concurso público internacional. Em concreto, o comum entre todas
estas actuações é a iniciativa da Administração em “negociar” com os particulares, chamando-os
à sua esfera negocial, e com eles interagindo, em última análise na prossecução dos objectivos da
“causa pública”.
Assim, o particular, após ter sido solicitado pela Administração para com ela
contratar, passa a ser titular de expectativas jurídicas (73) que, uma vez frustradas pela
Administração, darão necessariamente origem à correspondente indemnização.
De forma a podermos analisar em que termos é que a Administração deverá
compensar os particulares por danos decorrentes da sua actividade pré-contratual,
deveremos proceder à análise do princípio da tutela da confiança.
O conceito inerente ao princípio da tutela da confiança explica a maior parte das
situações jurídicas que, para certos autores, são contempladas pelo chamado princípio da
materialidade subjacente (74).
Em simultâneo, a tutela da confiança projecta-se, em termos abstractos, ligada ao já
citado princípio da boa fé, em situações que na doutrina foram sendo tratadas no âmbito
quer da “culpa in contrahendo”, quer do abuso de direito (75).
De acordo com MARCELO REBELO DE SOUSA (76), assumem as características
de pressupostos essenciais da protecção jurídica da confiança os seguintes pontos:
1.º Uma actuação da parte de um sujeito de Direito, público ou privado, no caso
vertente criando a confiança no possível celebração ulterior de um contrato;
2.º Uma situação de confiança justificada do destinatário da actuação de outrem no
desiderato último dessa actuação, constituindo na conclusão do contrato;
3.º A efectivação de um investimento de confiança, isto é, o desenvolvimento de actos
ou omissões na base da situação de confiança;
4.º O nexo de causalidade entre a actuação geradora de confiança e a situação de
confiança, por um lado;
5.º O nexo de causalidade entre a situação de confiança e o investimento de
confiança.
Deste modo, assumindo a Administração a prática de um acto administrativo ilegal,
enquadrado num procedimento pré-contratual, terá de ser responsabilizada em
73 - Poderão ser da mais variada espécie e intensidade, tendo nomeadamente em atenção a fase
em que o procedimento se encontra, o número de concorrentes em causa e quais as efectivas
expectativas que o particular terá, à luz da actuação concreta da Administração.
74 - Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA, “O Concurso Público na Formação do Contrato
Administrativo”, Edições Jurídicas LEX, 1994, pág. 27. Quando a desenvolvimentos mais
extensos no que a este princípio diz respeito, v. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, na sua obra
“Teoria Geral do Direito Civil”, pág. 389.
75 - Idem…, pág. 27.
76 - Idem…, pág. 27.
V. CONCLUSÃO