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Revisitando o conceito

de resumos

Anna Rachel Machado

No final da década de 70 e nos anos oitenta, inúmeros pesquisadores, do


exterior e do Brasil, concentraram-se na questão da sumarização e do ensino
da produção de resumos como sendo essenciais para o desenvolvimento da
compreensão de leitura. A grande maioria dos trabalhos tinha como inspiração
pressupostos teóricos oriundos da Lingüística Textual (como por exemplo,
de van Dijk (1976 e ss.) ou van Dijk & Kintsch, 1983).
Atualmente, entretanto, poucos estudos têm-se dedicado a essa questão,
que continua sendo de primeiríssima necessidade no campo didático. Uma
vez que admitimos que os usos sociais dos resumos de texto, tanto em con-
texto escolar quanto não escolar, são os mais diversos e em quantidade signi-
ficativa, eles se constituem como um objeto de ensino pertinente e, para que
esse ensino seja eficaz, é necessário que aprofundemos nossas reflexões sobre
sua produção. É esse o objetivo deste capítulo, no qual buscaremos retomar
algumas das posições da Lingüística Textual sobre o processo de sumarização
e de produção de resumos, mas buscando dar a elas uma nova perspectiva,
lançando mão, para isso, da noção bakhtiniana de gênero.
Particularmente em relação ao ensino, julgamos necessário distinguir cla-
ramente entre processo de sumarização desenvolvido durante a leitura e os
textos produzidos como resumos; examinar a confusão terminológica que os
cerca, definindo claramente a que nos referimos ao usar o termo, discutir a
possibilidade de tratá-los como gênero distinto dos demais e analisar as carac-
terísticas do seu contexto de produção.
Assim, para alcançarmos nossos objetivos, exporemos, em um primeiro
momento, os pressupostos teóricos que guiam nossa discussão, particular-
mente~ _noção de gênero e de contexto de produção, assim como faremos
uJIL_brew--i:e-&Y-me-c;ias-r.egras_(ou estratégias) de redução de informação se-
mântica propostas por dife~ntes autores que trataram da questão. A seguir,
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exporemos e discutiremos os resultados de análise das ocorrências de resumos


na revista VEJA, de 06/02/2002, e nas páginas da Web, para, finalmente,
chegarmos às conclusões de ordem didática daí decorrentes.

1. Pressupostos teóricos
Como base teórica nuclear, tomamos as posições do chamado
interacionismo sócio-discursivo, tal como exposto por Bronckart (1997), em
obra-síntese dos fundamentos teóricos desenvolvidos pela eq_uipe do Serviço
de Didática de Línguas da Universidade de Genebra, na qual se destacam os
trabalhos de Dolz e Schneuwly (1998), além dos do próprio Bronckart1 .
Tal como posta por esse autor, assumimos a noção bakhtiniana de gênero
do discurso, segundo a qual as diferentes esferas das atividades humanas, no
decorrer da história, elaboram "tipos relativamente estáveis de enunciados"
(Bakhtin,1992:279), os gêneros de discurso, que se caracterizam por apresen-
tarem tema, construção composicional e estilo específicos. Retomando a afir-
mação de Bakhtin de que sempre nos comunicamos com base em um gênero
e que, sem eles, a comunicação humana seria praticamente impossível,
Schneuwly (1994:160-162) defende a tese de que, nas atividades de linguagem,
os gêp~ros se constitu.em CQIDO verdadeiras ferramentas semióticas complexa~
que n9s permi!em a produção e a compreensão de textos._
Em decorrência, defende-se a t ese de que o ensino de produção e compreen-
são de textos deve centrar-se no ensino de gêneros, sendo necessário, para
isso, -que s.e. cÕnstru~previamen.E, um modelo didático do gên~r?, que
defin_~_CO!!l clareza, tanto para o professor quanto g_ara o aluno, o objeto
q~ está send~ enslnadC?~ gajando a s-s!m, as interVeilÇÕ~S~ djdáti~S .
O primeiro passo seria, obviamente, identificar os gêneros existentes em
nossa sociedade. Para isso, podemos servir-nos de uma de suas particularidades,
que é o fato de que são mais ou menos conhecidos e nomeados socialmente.
Compreendendo essa característica, podemos iniciar com esse primeiro critério
para sua identificação. Por exemplo, não encontraremos afirmações como "Es-
tou lendo uma narração.", mas sim, "Estou lendo um romance, um conto, uma
notícia, o resumo de um texto etc. 11 1 o que nos assinala que esses últimos são
socialmente reconhecidos como gêneros, enquanto as narrações não, de modo
especial fora do contexto escolar. Nesse último, evidentemente, poderíamos
encontrar uma afirmação como "Estou lendo as narrações da prova"2 •

1
Para maior desenvolvimento, ver Machado (1998 e ss.). Seguem essa mesma orientação teórica, os
capítulos de Abreu, Cristovão, Lousada e Vasconcelos, neste mesmo volume, integrantes de grupo
de pesquisa do LAEL, da PUC/SP, voltado para a análise de diferentes gê.neros com objetivos
didáticos, assim como para a formação de professores (Liberalli, 1999; Magalhães, 1999).
2
Para aprofundamento da distinção entre gênero e tipo de texto, ver Marcuschi, neste mesmo volume.
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Entretanto, essa nomeação nem sempre é sistemática e homogênea. Po-


demos encontrar, por exemplo, um mesmo gênero com nomes diversos, gê-
neros novos para os quais ainda não há um nome estabelecido etc. Portanto,
a identificação dos gêneros apenas pelos nomes que lhes são socialmente
atribuídos é problemática, não é transparente, não está aí pronta ou dada de
forma indubitável ao analista e/ou ao professor, o que comprovaremos ao
examinar nossos dados referentes aos resumos.
Outra dificuldade para o analista e o professor na id~ntificação e caracte-
rização de um determinado gênero reside na relação entre os gêneros e os
textos que os materializam. Embora sejam definidos como "formas mais ou
menos estáveis de enunciados", os textos pertencentes a eles podem apre-
sentar-se com uma notável heterogeneidade, sobretudo quando pertencentes
a gêneros que permitem uma maior liberdade do produtor.
Fundamental para sua identificação e caracterização parece-nos ser a análi-
se cuidadosa da situação de ação de linguagem, definida por Bronckart (1997)
como um conjunto de repre""S"e"ITtaçõ~irrtetiorizadas-pelos agentes, de de-
terminadas rep!_eJ>entações_J_s>ciais sobre o mundo físico e sócio-suojetívo,
que por eles são mobilizadas di~nte da necessidaaeae-produzirem um texto
oral ou escrit9. u~-iri~eiroconjuntoderepresentaço-es se- constitui como
o c_~m~xto da produção e um segundo constituirá o conteúdo temático.
O con:-~xto de produção é constituído pelas representações sobre o local
e o momento da produção, sobre o emissor e o receptor considerados do
ponto de vista físico e de seu papel social, sobre a instituição social onde se
d;i a interação e sobre o(s) objetivo(s) ou efeitos que o produtor quer atingir
em relação ao destinatário. Como veremos mais tarde, a análise desses
parâmetros pode se constituir em um poderoso auxiliar na classificação de
um texto como pertencente a um ou outro gênero.
Dados esses pressupostos maiores, vejamos a seguir um breve resumo sobre
o processo de redução de informação semântica ou sumarização, tal como
concebido fundamentalmente nos trabalhos de van Dijk (1976 e ss.) e de
Sprenger-Charolles (1980). Trabalhando com uma tipologia textual, cujo cri-
tério básico era a estrutura textual, postulava-se que, durante o processo nor-
mal de leitura com compreensão, ocorreria um processo de sumarização, por
meio do qual o leitor construiria uma espécie de resumo mental do texto,
retendo as informações básicas e eliminando as acessórias, chegando, ao final
desse processo, à significação básica do texto.
Os leitores utilizariam uma série de regras mais ou menos constantes (pos-
teriormente tratadas como estratégias), que já t eriam interiorizado e que apli-
cariam, de forma inconsciente, no decorrer da leitura. Assim, buscava-se iden-
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tificar essas regras /estratégias que regeriam o processo de sumarização dos


diferentes tipos de textos: descritivos, narrativos, expositivos, argumentativos.
Assim, chegou-se, basicamente, a dois conjuntos de regras/estratégias: de
apagamento e de substituição. As primeiras seriam seletivas, pois, por m eio
delas, selecionam-se os conteúdos relevantes do texto, com o apagamento de
informações desnecessárias à compreensão de outras proposições ou de in-
formações redundantes. Já as regras/estratégias de substituição seriam cons-
trutivas, pois exigem a construção de novas proposições, ausentes do texto
original, mas que englobam informações expressas ou pressupostas no texto.
Essas regras ainda podem ser divididas em dois tipos: as de generalização e as
de construção.
Pela primeira delas, a de generalização, o leitor substitui uma série de
nomes de seres, de propriedades e de ações por um nome de ser, propriedade
ou ação mais geral, que nomeia a classe comum a que esses seres, propriedades
e ações pertencem. Por exemplo, cães, gatos, coelhos são denominações parti-
culares de seres que pertencem a uma mesma classe, a dos mamíferos, que é,
portanto, o termo mais geral que pode englobá-los. Do mesmo modo, lavar
pratos, passar roupa, limpar tapete são ações que pertencem à classe comum
trabalhar em serviços domésticos.
Por meio da regra/estratégia de construção, substitui-se uma seqüência de
proposições, expressas ou pressupostas, por uma proposição que é normal-
mente inferida delas, através da associação de seus significados. Assim, se
tivermos uma seqüência como: "João tomou um táxi, desceu na rodoviária,
comprou uma passagem, esperou o ônibus, entrou, tomou o lugar reservado
a ele etc.", podemos inferir que "João viajou", podendo essa proposição subs-
tituir toda a seqüência.
Todas essas regras/estratégias teriam um caráter recursivo, podendo ser
reaplicadas para a obtenção de um grau maior de sumarização, o que poderia
gerar resumos maiores ou menores. Além disso, sua aplicação seria guiada
pelo esquema superestrurural típico de cada tipo de texto, que o leitor teria
internalizado. Assim, por exemplo, o resumo de um texto narrativo deveria
contemplar as categorias do esquema superestrutural desse tipo de texto, que
seriam, basicamente, a situação inicial, o conflito e a sua resolução.
Finalmente, tratadas como estratégias e não como regras, atribuiu-se à sua
utilização um caráter flexível e não rígido e homogên eo, levando-se em conta
que sua aplicação estaria condicionada ao objetivo da leitura, ao conjunto de
conhecimentos prévios do leitor, ao tipo de situação em que se processa a
leitura; enfim, a uma série de fatores contextuais. Entretanto, não se levava
em consideração ainda a questão dos gêneros, nem em relação ao processo
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de sumarização, nem em relação ao texto que era resumido, nem em relação


aos resumos produzidos.
As pesquisas teóricas levadas a cabo nessa direção logo tiveram repercussão
nos trabalhos voltados para a intervenção didática, (Kleiman, 1989 e ss.) ad-
mitindo-se que práticas que se voltassem para o ensino e conseqüente
interiorização dessas regras/estratégias possibilitariam o desenvolvimento da
compreensão em leitura e da capacidade de produção de resumos (Brown &
Day, 1983; Sprenger-Charolles, 1980; Paes de Barros, 1989 e 1991). Acredita-
mos que os trabalhos didáticos que se desenvolvem ainda hoje, tomando a
elaboração de resumos como objetivo, seguem ainda essa mesma orientação,
mesmo que se trabalhe apenas intuitivamente com essas estratégias.
A nosso ver, rever esse posicionamento e essas intervenções com base na
noção de gênero pode e deve ser feito para uma melhor compreensão tanto
do processo de sumarização quanto da produção de resumos, tendo em vista
um trabalho didático mais eficaz. Para discutirmos essa afirmação, vejamos
alguns exemplos das ocorrências de resumos na mídia impressa e digital.

2. Os resumos na mídia impressa e digital


Com uma rápida leitura da revista VEJA on-line (edição de 06/02/2002),
que tomamos como nossa primeira fonte de dados, mesmo sem uma análise
mais detalhada, logo verificamos a grande quantidade de textos ou de partes
de textos, pertencentes a diferentes gêneros, cuja produção implica a gestão
eficaz de operações diversas de sumarização, as quais incidem sobre diferentes
objetos verbais e não-verbais, como é o caso dos títulos e subtítulos de matérias
ou a apresentação concisa de conteúdos de filmes ou de peças teatrais.
Mas, para definirmos com mais precisão o que poderemos identificar como
resumos autônomos de textos e, portanto, como exemplares do gênero
resumo, mister se faz que tenhamos uma definição inicial com a qual possamos
efetuar um levantamento pertinente. Tomando o verbete do "Novo Aurélio
- Dicionário de Língua Portuguesa" on line, temos o seguinte:

resumo. [Dev. de resumir.] S. m. 1. Ato ou efeito de resumir(-se). 2. Exposição


abreviada de uma sucessão de acontecimentos, das características gerais de alguma
coisa, etc., tendente a favorecer sua visão global: síntese, sumário, epítome, sinopse:
O repórter fez um bom resumo das últimas ocorrências. 3. Apresentação concisa,
do conteúdo de um artigo, livro, etc., a qual, precedida de sua referência bibliográfica,
visa a esclarecer o leitor sobre a conveniência de consultar o texto integral. Ao
contrário da sinopse (2) (q. v.), o resumo aparece em publicação à parte e é redigido
por outra pessoa que não o autor do trabalho resumido. 4. Recapitulação em poucas
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palavras; sumário: Esta gramática tem um resumo claro n o fim de cada capítulo. 5.
Fig. Compêndio (3).
(http://www.uol.eom.br/aurelio)

Como podemos verificar, o próprio termo pode gerar confusão no ensino,


pois ele serve tanto para indicar o processo mesmo de sumarização (1) quanto
o texto produzido que é resultado textual desse processo (3). Veja-se também
que, na acepção (3), o resumo é visto como um texto autônomo, com con-
teúdo específico ("apresentação concisa de um artigo, livro, etc."), com obje-
tivo definido ("esclarecer o leitor sobre a conveniência de consultar o texto
integral"), com uma restrição em relação ao enunciador ("outra pessoa que
não o autor do trabalho resumido") e ainda com uma restrição em relação a
seu plano global ("precedida de sua referência bibliográfica"), configurando-
se aí a possibilidade de que o resumo possa ser identificado, de direito, como
um gênero.
Curiosamente, entretanto, ao examinar a revista VEJA, a primeira obser-
vação interessante é a de que não há nenhuma matéria com o título de resumo,
o que poderia nos levar a uma conclusão inicial de que não existiria o gênero
resumo na mídia impressa. Contudo, indo mais além, verificamos que
aparecem matérias com o título de resenha, na seção "Artes e Espetáculos -
Livros", que apresentam as características estabelecidas pelo "Aurélio" em
seu verbete sobre resumo. Entretanto, como resenhas, evidentemente tra-
zem mais que uma simples apresentação concisa dos conteúdos de outro
texto. Exemplo típico é a resenha do livro "A 600 Graus Celsius". Se há aí
partes claramente identificáveis de resumo, também aparece muita informação
sobre o contexto geral da produção e da divulgação da obra. Não se trata,
pois, de um texto pertencente a um possível gênero resumo, mas de uma
parte do gênero resenha, tal o definimos em trabalho recente (Machado, no
prelo).
Com as mesmas características, mas trazendo informações sobre a obra
ainda mais concisas e com interpretações e avaliações mais explícitas sobre
os livros em pauta, na seção "VEJA recomenda", aparecem duas pequenas
matérias sobre livros recomendados pela revista. Esses dois textos podem,
portanto, ser classificados como pertencentes ao gênero resenha e o resumo
que neles aparece, como uma parte constitutiva desse gênero, como pode-
mos ver abaixo:

Mulher de Pedra, de Tariq Ali (tradução de Maria Alice Máximo; Record; 320
páginas; 32 reais)- Romancista paquistanês radicado naInglaterra, Tariq Ali dedica-
.--- - - - - - - - - - -- -----Anna Rachel Machado
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se ao que chama de "desafiar os preconceitos do leitor oddental" em relação à cultura


islâmica. Calma. Não se trata de literatura com objetivos doutrinários. Dono de um
belo texto, o escritor apenas conta histórias do ponto de vista de personagens muçul-
manos - e não deixa de denunciar tradições caducas. Mu/11er de Pedra fala da opressão
feminina, mas também revela a notável influência que mulheres podem ter no âmbito
familiar do Islã. O livro mostra a decadência de uma familia turca no fim do século
XIX. A mulher de pedra do título é uma estátua à qual a narradora Nilofer se dirige,
como tantas de su as ancestrais, para contar sua história.
(Veja on-line: http://www2.uo/.eom.br/veja/ - Edição 1737 - 06/02/02)

Em outras seções da revista, vão surgindo matérias que, implícita ou expli-


citamente, trazem trechos com resumos de livros ou artigos. Tal é o caso de
inúmeros boxes, que, com a utilização de recursos gráficos distintos, geral-
mente trazem mais informações sobre conteúdos do corpo das matérias ou
informações adicionais, como por exemplo, um dos boxes da reportagem 11 A
síndrome da casa da sogra", que, tratando da investigação sobre o assassinato
da morte do prefeito de Santo André, traz um resumo do Plano de Segurança
Nacional lançado pelo governo. Fazendo parte das reportagens e estando
subordinados ao objetivo mais geral das reportagens, a nosso ver, esses resumos
não se configuram como pertencentes a um gênero distinto.
Em outras matérias, ainda aparecem vários trechos resumidores de textos
orais ou escritos, no corpo mesmo das ma~rias. Às vezes, esses trechos
resumidores n ão abrangem todo o texto resumido, mas apenas parte(s), em
uma clara utilização da estratégia de seleção, que é utilizada de acordo com o
objetivo geral da matéria. Esse é o caso da matéria intitulada "De volta aos
anos 60", sob a rubrica "Reportagem internacional" . Apesar de chamada de
reportagem, a m atéria se configura como um autêntico artigo de opinião
sobre o discurso de posse do presidente Bush, enfocando, de forma resumida,
algumas das partes desse discurso, que servem para o cientista político Sérgio
Abranches defender sua tese sobre esse discurso, sintetizada no próprio título
da matéria. De novo, o objetivo não é o de "esclarecer o leitor sobre a conve-
niência de ler" o referido discurso, ficando o resumo subordinado ao objetivo
geral da matéria.
Se até aqui não encontramos resumos com autonomia, vamos encontrá-
los, entretanto, na seção "Para usar" que, à primeira vista, aparenta não contê-
los. Nela, en contram-se quatro pequenos textos, independent es um do outro,
que, p elos títulos, parecem ser pequenas notícias ou "fait divers" ("Álcool
mata mais mulheres", "Menos rugas" "Alerta para o uso do piercing'' , "Para
contar no bar: o fim da barriga de cerveja"). Leves, e chamando a atenção do
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leitor, por tratarem de temas correntes em nossa sociedade, eles não nos
índices precisos sobre as pesquisas científicas que sumarizam, como pode-
mos ver, por exemplo, no texto transcrito abaixo:

Álcool mata mais mulheres


Pesquisa da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, publicada pela revista
Neuropsychology, da Associação Americana de Psicologia, revela que as doenças de-
correntes de alcoolismo matam proporcionalmente duas vezes mais mulheres que
homens que têm o mesmo vício. O trabalho atribuiu essa diferença de
vulnerabilidade das mulheres ao fato de o organismo feminino ser menos eficiente
que o dos homens na rnetabolização do álcool. O álcool afeta especialmente as
funções motoras, a memória e o raciocínio.
('1ttp://www2.uol.com.br/veja/060202/para_usar.html)

Temos aí um texto cujo conteúdo é a apresentação concisa de um artigo,


com uma indicação bibliográfica, mesmo que feita de forma genérica, sem a
indicação do nome da pesquisa resumida, de seus autores e do número da
revista em que ela aparece. Verificamos ainda que não se apresentam dados
adicionais nem avaliação do texto resumido. Do ponto de vista das caracte-
rísticas discursivas, o texto é constituído por um segmento de discurso teórico
(cf. Bronckart, 1997/1999) com uma linguagem em que há ausência de marcas
enunciativas e predomínio do presente genérico (matam, têm, afeta), que lhe
dão uma "objetividade'1 aparente, típica dos gêneros jornalísticos.
Esse caráter jornalístico ainda se mostra no objetivo, não de "esclarecer o
leitor sobre a conveniência de consultar o texto integral", mas no de "tornar
o leitor ciente de novas informações científicas que lhe possam ser úteis",
utilidade essa salientada no próprio título da seção, "Para usar". Assim, o que
temos é o resumo de texto subordinado ao objetivo informativo mais geral
dos gêneros jornalísticos, o informativo, e ao contexto de produção desses
gêneros, adequando-se a linguagem científica aos destinatários visados, que,
para a revista VEJA, são leitores de razoável cultura geral, mas não necessaria-
mente especialistas da área do texto resumido. Constituindo-se como um
texto autônomo e não como parte de outro, podemos considerar que temos
aí exemplo de um texto pertencente a um gênero específico, o resumo
jornalístico de textos, mesmo que não venha rotulado como tal e não apre-
sente alguma das características sugeridas pelo "Aurélio".
Passando para o meio digital, consideramos que esse meio serve às mais
variadas formas de atividade existentes na sociedade e que podemos, portanto,
com o levantamento dos resumos que nele estão presentes, termos uma boa
. - - - - - - - - - - -- - - - - - - - A n n a Rachel Machado
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amostra de sua utilização atual. Assim, com o uso de uma ferramenta de busca,
o RADAR UOL (http://radaruol.uol.com.br/?q=resumos), apenas com a intro-
dução da palavra resumo, encontramos nada menos que 82 300 páginas.
Visitando as páginas indicadas pela ferramenta de busca, a primeira
constatação é que uma diversidade muito grande de textos circula com o
nome de resumos, apontando-nos uma confusão terminológica, já sugerida
na seção Pressupostos Teóricos. A segunda constatação é que, desse conjunto,
há uma quantidade significativamente maior de textos que se referem a obras
literárias. Entretanto, sob esse rótulo comum, encontramos textos que consi-
deramos pertencer a gêneros diferentes, tais como:

• resumos tipicamente escolares, que têm os estudantes como seus destinatá-


rios explícitos, nos quais há o predomínio nítido da apresentação do con-
teúdo completo de uma obra, de forma concisa, com pouca ou nenhuma
interpretação ou comentário crítico. Reproduz-se o discurso de narração da
obra resumida, assim como a sua estrutura narrativa, com todas as caracte-
rísticas típicas desse discurso e dessa estrutura, mas com uma sintaxe e um
léxico claramente facilitadores. Veja-se o exemplo abaixo:

REsUMOS Escolas Lit~rárias 1 Biografias 1 Resumos


LITERÁRIOS Fotos 1 Links 1 Fale conosco 1 Home
Felicidade Clandestina - Clarice Lispector
A narradora recorda sua infância no Recife. Ela gostava de ler. Sua situação finan-
ceira não era suficiente para comprar livros. Por isso, ela vivia pedindo-os emprestados
a uma colega filha de dono de livraria. Essa colega não valorizava a leitura e incons-
cientemente se sentia inferior às outras, sobretudo à narradora. Certo dia, a filha do
livreiro informou à narradora que podia emprestar-lhe "As Reinações de Narizinho",
de Monteiro Lobato, mas que fosse buscá-lo em casa. A menina passou a sonhar com
o livro. Mal sabia a ingênua menina que a colega queria vingar-se: todos os dias,
invariavelmente, ela passava na casa e o livro não aparecia, sob a alegação de que já
fora emprestado. Esse suplício durou muito tempo. Até que, certo dia, a mãe da
colega cruel interveio na conversa das duas e percebeu a atitude da filha; então,
emprestou o livro à sonhadora por tanto tempo quanto desejasse.
Essa foi a felicidade clandestina da menina. Fazia questão de "esquecer" que
estava com o livro para depois ter a "surpresa" de achá-lo. "Não era mais uma
menina com um livro: era uma mulher com seu amante."
(http:/Jwww.catar.org.com.br/hg/cultura/literatura/feli.htm)

• resenhas críticas, nas quais, ao lado dos resumos das obras literárias,
apresentam-se interpretações e avaliações;
Revisitando o conceito de resumos--------------~
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• contracapas 3 de livros, como é o caso dos textos de um site em que,


conforme explicitado na informação da ferramenta de busca "são trans-
critos do resumo feito pela Europa-América na contracapa do respectivo
livro", cujo objetivo, evidentemente, é o de incitar o leitor a comprar e
ler o livro e que, com esse objetivo, só traz conteúdos parciais da obra
resumida, como se pode ver no texto abaixo:

A Estrela-de-Batalha Galactka
Título Original: "Battlestar Galactica"
Ano: 1978
Escrito por: Glen A. Larson, Robert Thurston
Baseado no episódio: A Estrela-de-Batalha Galactica
Ver Capa
Resumo:

Da frota de guerra dos Doze Mundos só restava a estrela-de-batalha "Galactica".


Gerações após gerações ela tinha sido a nave almirante que liderava a guerra de mil
anos contra os alienígenos Cylon. Era imensa como um planeta e o seu poder de fogo
só era ultrapassado pelos exames de caças que podia lançar das suas entranhas.
A "Galactica" iniciava agora a sua derradeira missão: romper o anel de fogo da
frota estelar cylon e mergulhar nas profundezas do espaço em busca da última espe-
rança: uma esperança baseada na lenda duma pedra filosofal do universo - o lendário
planeta perdido a que os antigos microfilmes ch amavam Terra.
(http://www.terravista.pt/PortoSanto/1735/resumos-outros.html)

O que nos parece ser mais evidente nesses textos referentes a obras literárias
é que é apenas nos resumos tipicamente escolares que aparece o resumo da
obra completa. Nos outros casos, objetivando-se realmente incitar o leitor a
. ler a obra, apenas alguns se apresentam de seus elementos centrais.
Além desses resumos de obras literárias, encontramos inúmeras páginas dirigidas
a diferentes comunidades científicas e que trazem, sob o rótulo de resumo:

• resumos de artigos ou obras científicas, produzidos por autor que não o


da obra resumida, como podemos ver abaixo:

REBOUÇAS, Aldo da C. Água na região Nordeste:


desperdício e escassez.
Estudos Avançados, São Paulo, v.11, n.29, p.127-154, jan./abr.1997.

3 Sobre contracapas ou quarta-capas, ver Cristovão, neste mesmo volume.


. - - - - - - -- - -- - - - -- - - --Anna Rachel Machado
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Resumo: Segundo o autor, o estudo da água de uma dada região não pode se
restringir ao balanço entre oferta e demanda, deve abranger os inter-relaciona-
mentos entre os seu s recursos hídricos e as demais peculiaridades geoambientais e
sócio-culturais, tendo em vista alcançar e garantir a qualidade de vida da sociedade,
a qualidade do desenvolvimento sócio-econômico e a conservação das suas reservas
de capital ecológico. Recusa o determinismo físico-climático que tem servido de
justificativa à cultura da crise da água no mundo ou no Brasil, bem como a cultura
da seca na região Nordeste. Acrescenta que o que mais falta no semi-árido do Nor-
deste brasileiro não é água, mas determinado padrão cultural que agregue confiança
e melhore a eficiência das organizações públicas e privadas envolvidas no negócio
da água. Dentro destes prinápios o autor aborda as peculiaridades geoambientais e
as potencialidades hídricas da região Nordeste e traz um histórico das formas de
combate às secas.
(http://200.219.132.4/íntemet/infdoc/Falando%20nisso(Transposi%C3%A7%C3%A3o/
resumos.htm)

• abstracts de artigos científicos e resumos de teses, que originalmente se


constituem como. parte destes textos e que, portanto, são produzidos
por seus próprios autores, em primeira ou terceira pessoa.
O que podemos salientar a respeito desses abstracts e resumos de teses é
que, sendo eles originalmente produzidos em meio impresso, eles guardam as
mesmas características que apresentam nesse meio, mas começam a se fixar
como gêneros autónomos, uma vez que aí aparecem desligados dos gêneros a
que pertenciam originalmente. Entretanto, sendo seu produtor o próprio autor
da obra resumida, acreditamos que.podemos considerá-los como pertencentes
a uma dasse (ou subdasse) diferente da dos resumos até aqui considerados
como tais, principalmente quando tratamos de seu enfoque didático.
Uma das características mais diferenciadoras desses abstracts e resumos é
que estão rigidamente subordinados a normas acadêmico-cient íficas,
freqüentemente explicitadas, por exemplo, nas normas de apresentação de
resumos de diferentes congressos, em que se pede que os resumos apresentem
os objetivos, os pressupostos teóricos, a metodologia, os resultados e as con-
clusões a que se chegou.
Fora da área científica, encontramos ainda resumos completos de diferentes
documentos e publicações, dirigidos a membros de variadas comunidades,
jurídicas, comerciais, empresariais, com o claro objetivo de servirem como
ferramentas operacionais para os profissionais, diante da enorme quantidade
de informações a que deveriam acessar e que deveriam dominar no exercício
de sua profissão.
Revisitando o conceito de resumos------------- ---,
149

Toda essa confusão terminológica acaba por gerar confusão no ensino, o


que podemos exemplificar com alguns trechos de texto produzido para a orien-
tação de elaboração de resumos em um site educacional:
O resumo deve destacar: (... )
•Tipo de texto, o gênero a que se filia (literário, didático, acadêmico).
•Resumo do conteúdo: assunto do texto, objetivo, métodos, critérios utilizados,
conclusões do autor da obra resumida.
O resumo deve salientar o objetivo, o método, os resultados e as conclusões do
trabalho. Não é desejável que se esqueça de apresentar os objetivos e os assuntos
do texto original, bem como os métodos e técnicas de abordagem, mas sempre de
forma concisa. Também será objeto do resumo a descrição das conclusões, ou seja,
as conseqüências dos resultados.
(http://www. rainhadapaz/projetos/produçaotextos/resumo.htm)

Tomando-se como fonte básica das informações sobre resumos, a Norma


NBR 6028, da Associação Brasileira de Normas Técnicas, acaba-se por tomar
exclusivamente os resumos científicos como modelo, dando-se aos alunos a
falsa impressão de que os destinatários de resumos são apenas os membros de
uma comunidade científica.
Afirma-se, por exemplo, que" o resumo abrevia o tempo dos pesquisadores ... "
e que "deve salientar o objetivo, o método, os resultados e as conclusões do
trabalho". Entretanto, ao se afirmar que o resumo deve indicar qual é "o tipo
de texto (resumido), o género a que se filia (literário, didático, académico)",
implicitamente considera-se que ele pode atravessar os muros dessa comuni-
dade, mas reiterando-se que deve conter "assunto do texto, objetivo, métodos,
critérios utilizados, conclusões do autor da obra resumida", norma evidente-
mente relacionada apenas aos resumos científicos.
O estudo que fizemos visou exatamente colaborar para dirimir essa confusão,
o que buscaremos com a apresentação de nossas conclusões, que vêm a seguir.

3. Conclusões
O levantamento e análise - ainda que parcial - de nossos dados, leva-nos
a concluir que:

• O processo de sumarização de textos é condição fundamental para a


mobilização de conteúdos pertinentes para a produção de textos perten-
centes a diferentes géneros, como resenhas, contracapas e reportagens.
• Em alguns desses géneros, o resumo parcial ou integral de textos consti-
tui-se como parte constitutiva de seu plano global, como é o caso das
resenhas e das contracapas.
~-----------------Anna Rachel Machado
150

• A produção do resumo como parte de outro texto é orientada pelas


representações sobre o contexto de produção do texto em que está
inserido; portanto, sobre os destinatários, a instituição social, os objetivos
típicos do gênero a que pertence etc.
• Quando aparecem de forma autônoma, os resumos guardam todas as
características definidoras dos textos em geral.
• Textos autônomos que, dentre outras características distintivas, fazem
uma apresentação concisa dos conteúdos de outro texto, com uma orga-
nização que reproduz a organização do texto original, com o objetivo
de informar o leitor sobre esses conteúdos e cujo enunciador é outro
que não o autor do texto original, podem legitimamente ser considerados
como exemplares do gênero resumo de texto.
• Subgêneros de resumos de textos podem ser identificados, de acordo
com a instituição social em que são produzidos e em que circulam e,
portanto, de acordo com seus destinatários, o que nos permite distinguir
entre resumos jornalísticos, científicos etc.
• Em decorrência, as características discursivas e lingüístico-discursivas
dos resumos de textos estão sujeitas a grande variação, diretamente rela-
cionada ao seu próprio contexto de produção.
• Dentre essas características, o plano global de organização dos resumos parece-
nos estar ligado, não a um possível esquema superestrutural típico do texto
resumido, mas ao plano global típico do gênero a que ele pertence.

Como implicações didáticas logicamente derivadas dessas conclusões,


podemos afirmar que, distinguindo claramente entre processo de sumarização
durante a leitura e a produção de diferentes gêneros que o pressupõem, poderemos
deixar mais claro para os alunos qual é o objeto específico de ensino que estaremos
enfocando. Além disso, o ensino desses diferentes gêneros será enriquecido com
a produção de resumos que se constituem como partes de um determinado gê-
nero, como por exemplo, para a inserção de boxes em reportagens.
Em suma, o ensino de resumos stricto sensu deve ser visto como o ensino
de um gênero e, como tal, relacionado a uma situação concreta de comuni-
cação, o que, implica, para seu enfoque didático, a especificação clara dessa
situação. Em qualquer caso, podemos, evidentemente, trabalhar de forma
eficaz com as chamadas estratégias de redução de informação semântica, mas
tomando a precaução de não tratá-las de forma genérica, mas sim, como
parte de um processo de sumarização que é contextualizado, tanto quanto a
produção de textos.

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