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Escola

Estado &
Sociedade
T EDIÇÃO

h
CENTAURO
E DITORA
B arbara F r e it a g
Centauro Editora
Sempre um bom título
■ Anticristo (O) - Nietzsche
■ Capital (O) - Edição Compacta - Marx
■ Capítulo VI Inédito de "O Capital" - Marx
■ Conceitos Básicos de Sociologia - Weber
■ Conscientização - Freire
■ Desenvolvimento do
Psiquismo (O) - Leontiev
■ Dezoito Brumário de Louis
Bonaparte (O) - Marx
■ Dicionário de Símbolos - Cirlot
■ Direito à Cidade (O) - Lefebvre
■ Eclipse da Razão - Horkheimer
■ Ensaios sobre a Teoria das Ciências
Sociais - Weber
■ Ensino e Aprendizagem - Moreira
■ Escola, Classe e Luta de Classes - Snyders
■ Escola, Estado e Sociedade - Freilag
■ Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo (A) - Weber
■ Eu e Tu - Buber
■ Ideologia Alemã (A) - Marx e Engels
■ Imperialismo (O) - Fase Superior do
Capitalismo - Lenine
■ Introdução ao Pensamento
Sociológico - Marx, Parsons
■ Livro do Filósofo (O) - Nietzsche
■ Luta pelo Direito (A) - Ihering
■ Memória Coletiva - Halbwachs
■ Minha Luta - Hiller
■ Miséria da Filosofia - Marx
■ Origem da Familia, da Propriedade
Privada e do Estado - Engels
■ O que é a Fenomenologia? - Dartigues
■ Origem da Tragédia (A) - Nietzsche
■ Papa Negro (O) - Mezzabotta
■ Personalismo (O) - Mounier
■ Pedagogia e as Grandes Correntes
Filosóficas (A) - Suchodolski
■ Príncipe (O) - Maquiavel
■ Protocolos dos Sábios de Sião (Os)
■ Psicologia e Pedagogia - Vygotski, Luria
■ Questão Judaica (A) - M arx
■ Razão na História (A) - Hegel
■ Salário, Preço e Lucro - Marx
■ Subsídio para Redação de Dissertação de
Mestrado e Tese de Doutorado - Martins
■ Textos sobre Educação e
Ensino - M arx e Engels
■ Três Fontes do Marxismo (As) - Kautsky

Todos os títulos publicados pela


Centauro Editora estão disponíveis

www.centauroeditora.com.br
Escola
Estado &
Sociedade
©2007 by Barbara Freitag
Todos os direitos reservados.
7a edição revista
I a reimpressão

D iretor editorial: Adalmir Caparros Faga


Preparação: Leila Prado
Revisão: Casa de Idéias
Projeto gráfico: Renato Xavier / Casa de Idéias
Capa: Guilherm e Xavier / Casa de Idéias
Impressão: São Paulo, Brasil

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Freitag, Barbara
Escola, Estado e Sociedade / Barbara Freitag
7" ed. rev. — São Paulo : Centauro, 2005.

ISBN 978-85-88208-63-6
1. Educação e Estado - Brasil 2. Política e educação 3.
Sociologia educacional - Brasil I. Título.

05-0514______________________________________________ F935e

índices para catálogo sistemático:

1. Brasil: Educação e Estado 379.81 (17. e 18.)


2. Brasil: Educação e sociedade 370.190981 (17. e 18.)
3. Brasil: Política educacional 379.81 (17. e 18.)
4. Educação e política 379 .(17) 379.201 (18.)
5. Política: Influencia na educação 379 (17.)
379.201 (18.)

2007
Proibida a reprodução total ou parcial.
Os infratores serão processados na forma da lei.
Direitos exclusivos para o Brasil
cedidos à Centauro Editora

C e n t a u r o E d it o r a
Travessa Roberto Santa Rosa, 30 - Freguesia do Ó
02804-010 - São Paulo - SP
Tel. (11) 3 9 7 5-2 2 0 3 / email: editoracentauro@ terra.com .br
www.centauroeditora.com.br
Para A driana, Jasmin e Camilla
Sumário

Prefácio à 3a ed ição ....................................................................9


Prefácio à 4a ed ição ..................................................................17
Prefácio à 7a ed ição ..................................................................21
In tro d u ção ................................................................................. 29
Q uadro teó rico ......................................................................... 33
Política educacional: Uma retrospectiva h istó rica........... 79
O prim eiro perío d o ..................................................................81
O segundo período - A fase de 1930-1945.......................... 87
A fase de 1945-1964................................................................ 95
A realidade educacional gerada pela LDB de 1961......... 105
Conclusões...............................................................................115
A política educacional de 1964 a 1975.............................. 127
A política educacional no nível da legislação.................. 139
A legislação do ensino na constituição de 1967......... 140
A lei da reform a do ensino s u p e rio r............................143
A institucionalização do M o b ral.................................. 156
A reform a do ensino de Io e 2o graus (lei 5.692/71)... 159
O ensino supletivo............................................................ 165
A política educacional no nível de p la n ejam en to .......... 169
O plano decenal de 1967-1976...................................... 170
O plano setorial de 1972-1974....................................... 172
O plano qüinqüenal de 1975-1979............................... 174
O plano nacional de pós-graduação ...........................177
A política educacional em face da realidade.................... 185
A reform a universitária................................................... 187
O M obral e o supletivo................................................... 200
Conclusões...............................................................................209
Bibliografia..............................................................................231
Prefácio à 3 a edição

A PRIMEIRA EDIÇÃO DESTE LIVRO DESTACAMOS A IM POR-

N tância que os órgãos oficiais vinham atribuindo à


educação nas últim as duas décadas. G rande parte do nosso
trabalho consiste em analisar de que maneira este interesse
se refletia ao nível da sociedade política (política educa­
cional) e da sociedade civil (realidade educacional). O que
deixam os de destacar é o grande interesse que a educação
despertou não como um bem de consum o para as amplas
cam adas da população, mas com o um tem a teórico, ideo­
lógico e prático que vem sendo debatido e in terp retad o em
amplos círculos de intelectuais e pedagogos. Este interes­
se reflete-se tan to na m ultiplicidade de publicações sobre
problem as educacionais quanto na leitura e recepção am ­
pla que tais trabalhos vêm encontrando, com o dem onstra
o rápido esgotam ento das sucessivas edições.
Barbara Freitag

Em que sentido o debate geral e mais concretam ente o de­


bate sobre este livro impõe correções, emendas ou revisões?
Em que sentido as contribuições valiosas de autores
com o M anfredo Berger (Educação e D ependência), Wag­
ner G onçalves Rossi (Capitalism o e Educação), M irian
Jorge W arde (Educação e Estrutura Social), Sílvia Maria
M anfredi (Política: Educação Popular), Carlos Roberto J.
C ury (Ideologia e Educação Brasileira) e m uitos outros
publicados sim ultaneam ente ou depois do lançam ento de
Escola, Estado e Sociedade modificam os pressupostos, as
análises ou as conclusões aqui desenvolvidas?
D e form a m uito genérica podem os afirm ar que todas
essas contribuições fundam entam , com pletam e reforçam
os nossos argum entos. Alguns trabalhos m encionados dão
destaque a certos períodos históricos, como o que p rece­
de o Estado Novo (Carlos R. J. C ury), outros enfatizam
um aspecto da educação, a popular (S. M. M anfredi), ou
um aspecto da nova legislação, a profissionalização (M irian
J. W arde), e outros ainda, com o os de M anfredo Berger
ou de W agner G . Rossi, buscam um a análise globalizan-
te, sem elhante à nossa. É surpreendente que todas essas
contribuições, elaboradas in d ep en d en tem en te um as das
outras, atinjam um grau tão elevado de concordância e de
consenso: tan to em sua argum entação teórica quanto em
sua elaboração empírica.
U m tal consenso, longe de gratificar-nos e de confirm ar
de um a vez por todas a validade de nossas análises, nos

10
Escola, Estado e Soc i e d a d e

im põe m aior severidade no julgam ento e mais autocrítica,


tanto em relação ao nosso próprio trabalho quanto em re ­
lação aos trabalhos citados. Pois, essencialm ente, não é o
consenso que estim ula o progresso do conhecim ento, e sim
o rigor da análise e a constante preocupação de enriquecê-
la com novas investigações que podem levar, inclusive, à
problem atização desse consenso.
É dentro desse espírito que consideram os valiosas m ui­
tas observações feitas a este livro, sobretudo em debates
informais. Entre elas, figura a crítica de que o livro con­
tinha um a lacuna im portante. Nossa análise, com efeito,
se lim itara a estudar a escola como a instituição estratégi­
ca que, dentro da sociedade civil, desem penha de forma
mais direta a função de reproduzir a força de trabalho e as
relações de produção, mobilizando, para isso, a ideologia
da educação com o form a de ascensão social e de dem o­
cratização de oportunidades. Mas se o livro representava,
assim, um a contribuição ao estudo da ideologia da escola,
era omisso quanto ao tem a da ideologia na escola, ou seja,
o funcionam ento desta como instrum ento de socialização
secundária e com o veículo de transm issão dos valores ideo­
lógicos dom inantes.
E certo que a crítica não invalida o quadro teórico nem
as conclusões a que chegamos neste livro. Nesses term os,
ele não precisa ser alterado. Mas a crítica aponta para a ne­
cessidade de suplem entar as análises macro nele contidas
com investigações adicionais que ponham em evidência,

11
Barbara Freitag

por m eio de análises em píricas, a função da escola como


“correia de transm issão” da ideologia global.
É por isso que nos parece útil antecipar, neste prefácio,
as linhas diretrizes de um projeto em que estam os em p e­
nhados desde o lançam ento deste livro, e que se destina,
precisam ente, a suprir essa lacuna.
U m a pesquisa desse gênero poderia recorrer a um a m ul­
tiplicidade de técnicas, ou pelo menos escolher entre certo
núm ero de estratégias teóricas. Se definíssemos a ideolo­
gia com o um conjunto de idéias, representações e valores,
que preenchem uma função de coesão social - cimento, diria
- G ram sci em benefício da classe dom inante, o trabalho p o ­
deria limitar-se a usar técnicas empíricas ortodoxas (ques­
tionários padronizados, entrevistas individuais, análises de
conteúdo etc.) para medir, por exemplo, o maior ou m enor
grau de absorção desses valores por parte dos estudantes,
diferenciando-os por classes sociais. O ptam os por outro ca­
minho: não consideramos a ideologia apenas um repertório
semântico, mas tam bém uma grade epistemológica - mais
que um conjunto de idéias já estruturadas, é um filtro que
condiciona a capacidade de estabelecer conexões, de utili­
zar categorias lógicas, de realizar determ inadas operações de
abstração e de generalização. A ideologia impõe à consciên­
cia um a norm atividade óptica: o que pode ou não ser visto
depende de um a sintaxe, de um conjunto de regras, cuja
com preensão rigorosa é necessária para uma Ideologiekritik
que pretenda ir além da superfície dos fenômenos.

12
Escola, Estado e Sociedade

E por isso que escolhemos como foco desse estudo a ca­


tegoria da linguagem. P o isela funciona exatam ente como
filtro do que pode ser percebido e pensado, dem arcando
em parte o horizonte da ação possível.
O ponto de partida dessa tese é o pressuposto de que
existiria um a vinculação entre, por um lado, a teoria dos
códigos lingüísticos, de Bernstein, que descreve a im por­
tância da socialização lingüística na m anutenção das desi­
gualdades sociais, e, por outro lado, a epistem ologia gené­
tica, de Piaget, que m ostra como o indivíduo desenvolve
sua inteligência num processo ontogenético em que a lin­
guagem funciona com o fator coadjuvante fundam ental, e
em que certas fixações e retardam entos são possíveis, em
função dos condicionam entos sociais e lingüísticos.
D entro desse quadro teórico, procurarem os investigar
em que sentido a escola brasileira, através da socialização
lingüística, fortalece ou dissolve códigos lingüísticos ("res­
trito ” e “elaborado”) arraigados na estrutu ra de classes e
em parte responsáveis pela reprodução da estru tu ra e da
ideologia de classes. A atuação da ideologia na escola não se
daria tan to na transm issão de conteúdos ideológicos, mas
sim através do próprio instrum ento de transm issão (de
quaisquer conteúdos), ou seja, da linguagem.
O código que prevalece na escola, a flexibilidade ou ri­
gidez em seu uso, perm itindo (ou não) um a com unicação
real com todos os estudantes, tam bém ou prioritariam en­
te com aqueles oriundos das classes baixas (código restri­

13
Barbara Freitag

to ), decidirá sobre o futuro desem penho lingüístico (como


m ostram Vygotski e outros psicolingüistas), sobre a capa­
cidade de reflexão e crítica dos futuros m em bros da socie­
dade. A escola, pelo simples manejo da linguagem, indis­
pensável na com unicação e interação escolar, poderia estar
“ideologizando”, sem, talvez, te r consciência deste fato, os
futuros adultos.
Mas essa análise ficaria incom pleta se não incluíssemos a
dim ensão do desenvolvim ento psicogenético da criança. O
período escolar corresponde à fase decisiva desse desenvol­
vim ento, e é exatam ente a linguagem que vai condicionar o
acesso mais ou m enos rápido à fase das operações formais,
que parece te r várias analogias com o tipo de pensam ento
que segundo Bernstein caracterizaria as crianças socializa­
das no código elaborado.
Em suma, a pesquisa investigaria a validade de três hi­
póteses: a prim eira é a de que a linguagem pode ser usada
com o form a de investigar o acesso à ideologização dom i­
nante, ou da ideologização pela linguagem; a segunda é a de
que as teorias de Piaget e de Bernstein podem com plem en-
tar-se para fundam entar a existência de um a socialização
lingüística diferenciada por classes sociais; e a terceira é a
de que o AIE escolar tem im portância estratégica no p ro ­
cesso de socialização lingüística, com o instância pela qual
a linguagem “cu lta” é ou não transm itida, o “código ela­
b orado” é ou não aprendido, e, portanto, as categorias de
percepção e reflexão são ou não introjetadas.

14
Escola, Estado e Soc i edade

Nossa pesquisa se encontra na fase prelim inar dos le­


vantam entos empíricos. Rem etem os o leitor interessado
a publicações futuras sobre o assunto. A leitura de Esco­
la, Estado e Sociedade, em sua versão original, constitui,
porém , o quadro m acro sem o qual nossas novas análises
perm aneceriam fragmentárias.

Z u riq u e , ja n e iro d e 1979.

15
Prefácio à 4 a edição

TEM A DA PO LÍTIC A E D U C A C IO N A L C O N TIN U A SEN D O UM

O tem a central da teoria e da prática educacional b ra­


sileira. Tanto é, que ele foi eleito tema geral da I C o n fe­
rência Brasileira de Educação, realizada em São Paulo na
prim eira sem ana de abril de 1980, e onde foi debatido
em diferentes painéis e m esas-redondas. C om o a própria
C onferência dem onstrou, o diálogo, a discussão e a refle­
xão sobre este tem a são insatisfatórios quando ficam lim i­
tados a esses encontros fortuitos, m uitas vezes polêm icos
e inacabados. S om ente publicações subseqüentes e refor­
m ulações de te x to s já publicados fariam jus à exigência
de continuid ad e e profundidade nos questionam entos à
política educacional.
A referida Conferência, tendo cum prido sua missão de re­
avivar o debate, levou-me à forte tentação de usar a 4a edição
Barbara Freitag

de Escola, Estado e Sociedade para realizar um trabalho de


aprofundam ento, com plementação e crítica dos múltiplos
aspectos abordados, procurando integrá-los no quadro ma-
croteórico por m im já esboçado.
U m a série de razões levaram -m e a desistir d e ste plano
original. P rim eiro, a m era reform ulação de alguns asp ec­
tos do livro não co rresp o n d eria à exigência feita a n terio r­
m e n te. U m a m udança substancial do te x to p ressu p õ e a
integração de todos os d eb ates da C o n ferên cia, a serem
ainda publicados, b em com o a análise e revisão de li­
vros e artigos sobre o terna, publicados nos ú ltim o s anos.
Segundo, a política educacional governam ental traçad a
pelo M E C d e n tro do c o n tex to da "abertura" do governo
Figueiredo, que se p ro p õ e a voltar para as áreas caren ­
tes das periferias urbanas e das zonas rurais, ainda não
p e rm ite um a avaliação conclusiva. U m q u estio n am en ­
to p re m a tu ro de suas intenções explícitas e im plícitas,
da form a com o é receb id a p o r p arte dos o u tro s setores
da sociedade, das alterações que sofrerá d e n tro e fora
das in stitu içõ es b urocráticas, dos seus efeito s práticos
e tc., nem sem p re beneficia aqueles em cujo no m e se faz
o q u estio n am en to . E, finalm ente, ainda um a razão de
o rd em prática m e levou a d esistir da ten tação . O s tr a ­
balhos de cam po de m inha pesquisa sobre “Códigos lin ­
güísticos e estilos cognitivos", m encionada na 3 a edição
d este livro, já estão concluídos, e a fase de avaliação que
se segue não co m p o rta um a in terru p ção maior. Esta se­

18
Escola, Estado e Sociedade

ria inevitável para realizar, n este m o m en to , u m trab alh o


sério de reflexão, reavaliação e fu n d am en tação da atual
política educacional.
Pelas razões mencionadas anteriorm ente, este trabalho
precisa ser adiado e terá que ser objeto de futuras e novas
publicações. Por isso mesm o tam bém m e abstive de um a
reform ulação ou atualização apressadas da presente edição.
Sei que o livro teve ampla aceitação não só por suas
qualidades, mas tam b ém por seus defeitos. Ele contribuiu
para divulgar e transform ar em senso comum, com todas
as am bigüidades e contradições que isso encerra, concei­
tos sofisticados com o os de “sociedade civil” e “sociedade
p olítica” de G ram sci, ou análises concretas da realidade
educacional, com o, por exem plo, o ensino pago de segun­
da categoria para as classes subalternas. D esta form a, o
livro, além de contribuir para o esclarecim ento e a re ­
flexão crítica de conceitos e tem as centrais da educação
brasileira, com o era m inha intenção, abriu cam inho para
um a banalização e vulgarização destes m esm os aspectos,
não prevista e indesejada.
A pesar disso, creio ser lícito relançar o livro, sim ples­
m en te com as revisões técnicas necessárias, porque sua
m ensagem teórica, crítica e política preserva sua validade,
desde que devidam ente com preendida e assimilada. G os­
taria de enfatizar, portanto, que não estão em questão o
quadro teórico utilizado, os pontos de vista defendidos e as
críticas form uladas, nem vejo inconveniente em sua ampla

19
Barbara Freitag

divulgação e discussão. Tenho minhas reservas quanto à sua


distorção, banalização e apropriação equivocadas, apesar de
saber que tam b ém estas fazem parte do processo político
no qual estam os envolvidos.

São P a u lo , 22 de a b ril d e 1980.

20
Prefácio à 7 a edição

I a EDIÇÃO REVISTA DA CENTAURO EDITORA E DISTRIBUIDORA


( são pa u lo )

"enta u ro E d it o r a d is p ô s - se a l a n ç a r u m a n o v a e d i-

ão de Escola, Estado e Sociedade com revisão da au­


tora, com digitação e capas novas, e um novo prefácio. Os
originais do livro foram concluídos em 1977 e a prim eira
edição foi de responsabilidade da EDART de São Paulo,
que lançou um a segunda edição. Já sob a responsabilidade
da Editora C ortez & Moraes saiu um a nova edição (a 3a).
C om a separação entre a C ortez e a Moraes, as novas ed i­
ções (até a 6a) e novas reim pressões ficaram sob a respon­
sabilidade da Editora Moraes, que acabou vendendo todos
os seus estoques à C entauro Editora.
Ao receber a solicitação dos responsáveis dessa Edito­
ra de lançarm os um a 7a edição, fiquei em dúvidas se tal
em preendim en to valeria a pena para o editor e os m eus
leitores. D epois de reler e revisar a 6a edição optei pelo re ­
Barbara Freitag

lançam ento, mas sem m exer no corpo do livro, lim itando-


m e a fazer algumas ponderações e ressalvas neste prefácio,
para esclarecim ento do leitor.
Q ue validade pode te r um livro escrito e reeditado no
final da ditadura m ilitar (1964-1986), vinte anos depois do
seu lançam ento? Q ual a atualidade dos tem as abordados?
Q ual a validade das tendências apontadas e dos diagnósticos
feitos? N ão se trataria de um livro "datado” cujo conteúdo
estaria superado com o fim da ditadura militar?
Algumas partes do livro podem oportunam ente ser con­
sideradas ultrapassadas. Penso aqui nos dados estatísticos
ou nos estudos em píricos, que som ente têm validade para
a época a que se referem . O utras partes, com o seu quadro
teórico, sua crítica ao m odelo político im plantado pelos
m ilitares, seu diagnóstico da realidade educacional criada
pela legislação dos anos 70 para as décadas futuras, conti­
nuam tendo plena validade e subsidiam, em parte, as m u ­
danças sugeridas na C onstituição de 1988 e na nova LDB
de 1995, e im plem entadas parcialm ente nos programas de
governo do Brasil redem ocratizado.
Q uero cham ar a atenção do leitor para o fato de que
o foco crítico da análise repousa essencialm ente sobre o
período de 1965-1986, ou seja, sobre duas décadas em
que a política educacional do governo m ilitar reform ulou
toda a legislação educacional brasileira (nos três níveis de
ensino), introduziu o planejam ento escolar (apresentando
planos decenais, trienais e setoriais) para obter resultados

22
Escola, Estado e Soc i ed a d e

im ediatos e eficazes com relação às novidades sugeridas e


interferiu d iretam en te no funcionam ento do sistem a ed u ­
cacional brasileiro, desconstruindo-o e reconstruindo-o em
novas bases.
N esse período, a teoria educacional que subsidiou as
reform as abandonou a epistem e européia, em especial o
m odelo francês, e orientou-se pela epistem e am ericana,
mais pragm ática e utilitária, com ênfase em um a educa­
ção m enos hum anista e mais tecnocrática e econom icista
(tratados M E C /U SAID). Assim a pedagogia do oprim ido
e a educação para a liberdade (Paulo Freire), foram subs­
tituídas pela institucionalização do M obral, e o ensino de
prim eiro grau, até então obrigatório por 4 anos, passou a
ser obrigatório por 8, sem os necessários recursos m ate­
riais. O ensino de segundo grau passou a ser orientado para
a profissionalização e a term inalidade. Tam bém aqui o le­
gislador não previu os preparativos necessários para essa
m udança. Algo sem elhante aconteceu com os cursos suple­
tivos. O ensino universitário foi reestruturado de m odo a
ser mais seletivo (no que diz respeito ao ensino público) e
mais perm eável e tolerante (no que diz respeito ao ensino
privado pago) que se proliferou pelo País, via de regra com
cursos m enos exigentes (pedagogia, literatura, ciências so­
ciais, adm inistração, econom ia). Os cursos mais exigentes,
com o m edicina, engenharia, biologia, m atem ática, quím i­
ca, física, continuavam sendo m inistrados nas universida­
des públicas, gratuitas, caracterizando-se por serem de boa

23
Barbara Freitag

qualidade e altam ente seletivos. A nova legislação universi­


tária introduzida pelos m ilitares visava despolitizar as uni­
versidades brasileiras públicas dificultando os vestibulares,
introduzindo o jubilam ento e elim inando os universitários
com m édias m uito baixas. Ainda para o ensino superior
foram introduzidos os cursos de m estrado, doutorado e
pós-doutorado, afunilando a formação acadêm ica e esta­
belecendo a titulação e a produção (textos e obras publi­
cadas, alunos orientados e aprovados) com o critérios para
o plano de carreira (e níveis de rem uneração).
Boa p arte dessas inovações foi m antida na reform ulação
da legislação educacional, m esm o que seus nom es tives­
sem sido alterados depois da C onstituição de 1988, nos
governos subseqüentes ao período militar. Essas inovações
que estru tu ralm en te m udaram pouco, mas foram ideolo­
gicam ente significativas, não são tem atizadas neste livro.
O leitor interessado na política educacional (e seus efei­
tos) do período pós-1986 não encontrará uma análise desse
período. C ontudo, treinado teoricam ente pelo debate das
mais variadas teorias da educação apresentadas na prim eira
parte, poderá fazer um exercício teórico, procurando apli­
car os conceitos apresentados para esse novo período da
política educacional que envolve basicam ente o governo de
F H C e de Lula.
Se na estru tu ra do sistem a educacional pouco foi alte­
rado (aboliram-se a idéia e a prática da profissionalização
obrigatória para todos os estudantes do segundo grau), m o­

24
Escola, Estado e Sociedade

dificaram -se bastante os núm eros absolutos e relativos dos


analfabetos, das crianças em idade escolar escolarizadas (e
não-escolarizadas) no prim eiro e segundo grau, bem como
os núm eros absolutos e relativos dos estudantes universitá­
rios por área e região.
A celerou-se o crescim ento do núm ero de vagas ofereci­
das pelas faculdades e universidades particulares que hoje
atendem a \ da clientela universitária. N ão houve um cres­
cim ento com parável ao núm ero de vagas oferecidas no en ­
sino universitário público e gratuito. Para introduzir mais
justiça na distribuição das vagas, os governos tê m subsi­
diado faculdades e universidades particulares, auxiliando-
as em sua expansão e proliferação, oferecendo ainda um
sistem a de bolsas (totais e parciais) para assegurar o paga­
m ento de cursos em faculdades privadas para universitá­
rios de origem hum ilde.
Mais recentem en te a questão de quotas (para afro-des-
cendentes e/o u egressos de escolas públicas de segundo
grau) tê m gerado debates acirrados en tre professores. Para
ficar a par desses debates o leitor deverá acom panhar p u ­
blicações outras, mais recentes, e inform ar-se sobre as vo­
tações sobre o assunto no Congresso Nacional.
Ainda gostaria de cham ar a atenção do leitor a um efeito
negativo da dem ocratização do ensino que se im plem entou
nos sindicatos de professores de todos os níveis de form a­
ção, mas que atingiu excessos nas Instituições de Ensino
Superior (IES): a politização m al-com preendida. O u seja,

25
Barbara Freitag

os sindicatos passaram a ser os porta-vozes do que ficou co­


nhecido com o “o baixo clero” entre os professores univer­
sitários, geralm ente com pouca formação (sem titulação) e
que se tornaram presas fáceis em votações e reivindicações
salariais, geralm ente traduzidas em greves longas, "por p e ­
ríodo ilim itado” que podiam chegar a três m eses ou até
m esm o cem dias úteis de aulas. Essa seqüência interm iná­
vel de greves desacreditou as universidades públicas, fez
que pais rem atriculassem seus filhos em faculdades priva­
das, facilitando sua proliferação. A política universitária do
governo foi dura com os grevistas e dura com professores
e alunos contrários às greves, abrindo espaço para o que
ficou conhecido com o “sucateam ento” das universidades
públicas. Basta fazer um a pequena visita à UFRJ, à UnB,
aos vários cam pi das Universidades Federais, para en ten ­
der que a deterioração material, física da infra-estrutura,
das salas de aula, laboratórios, bibliotecas acom panha os
processos de dem ocratização e m ovim entos grevistas. A
crise dificilm ente se resolverá com a privatização integral
das universidades brasileiras e a imposição pelos governos
federal, estadual e municipal de um sistem a de quotas de
caráter demagógico e populista.
Para finalizar este prefácio, gostaria de cham ar a ate n ­
ção do leitor para o fato de que depois da publicação de
Escola, Estado e Sociedade não abandonei a tem ática ed u ­
cacional, mas dei ênfase a diferentes aspectos que m e p a­
reciam im portantes.

26
Escola, Estado e Sociedade

Assim, ressaltei a im portância da escola de boa quali­


dade para a form ação das estruturas de consciência (cog­
nitiva, lingüística e m oral) através de exaustivos estudos,
hoje todos publicados, com o Sociedade e Consciência: um
estudo piagetiano na escola e na favela (1984, 1994). D e­
fendi a im portância da alfabetização de adultos em m eu
livro D iário de um a Alfabetizadora (1987). Em o utro es­
tudo, analisei a im portância e os riscos do uso do livro di­
dático em sala de aula, como instrum ento de form ação e
ideologização dos alunos de prim eiro e segundo graus com
duas colegas, Valéria R. M otta e W anderly F. da C osta (O
Livro D idático em Questão, 1989, 1991). Finalm ente, en­
volvi-me com a questão da “ensinabilidade” das virtudes e
da m oral em um trabalho interdisciplinar, publicado sob o
titulo O s Itinerários de Antígona, que acaba de ser lançado
em 4 a edição, revista.
D este m odo, gostaria de incentivar .o m eu leitor cativo
a retom ar a leitura de Escola, Estado e Sociedade para d e­
pois acom panhar a m inha argum entação em outras publi­
cações que em sua origem foram inspiradas nos problem as
levantados, mas não resolvidos, neste livro, no qual ten tei
conceptualizar e criticar os processos educativos do Brasil
em diferentes períodos históricos, com foco especial no
período en tre 1965 e 1985.

27
Introdução

M N EN H U M PERÍODO DA H lS T Ó R IA DA E D U C A Ç Ã O N O BRASIL

as iniciativas governam entais desenvolvidas no cam po


educacional foram tão intensas quanto na últim a década
(1965 a 1975). Convocam -se C onferências Nacionais de
Educação e Colóquios Regionais sobre os Sistem as Esta­
duais de Educação; desenvolvem-se planos (trienais, qüin­
qüenais e decenais) globais e setoriais em que a educação
é destacada com o fator estratégico do desenvolvim ento;
redefinem -se as leis para os três níveis de ensino; refor­
m ulam -se os currículos e instrum entos de avaliação dos
alunos; e o próprio conceito de educação é revisto e rein-
te rp re tad o sob um novo enfoque: o econôm ico.
A im portância que os órgãos oficiais vêm re c e n te m e n ­
te atribuindo à educação com o um fator básico do d e­
senvolvim ento brasileiro m erece especial atenção, já que
Barbara Freitag

d u ran te longos períodos da história brasileira a educação


com o fato r do desenvolvim ento foi to tal ou p arcialm ente
negligenciada.
C abem então as perguntas: por que na últim a década
passa-se a valorizar a educação, desenvolvendo-se um a p o ­
lítica em que ela é vista com o um dos agentes de institucio­
nalização e fortalecim ento do m odelo brasileiro? Q uais as
causas mais profundas dessa "valorização”? Q uais as in ten ­
ções (explícitas e im plícitas) que tal política persegue?
S om en te um a análise e stru tu ra l m ais am pla das co n d i­
ções econôm icas, políticas e sociais da sociedade brasileira
p e rm ite resp o n d er satisfato riam en te a essas perguntas.
A inda assim ficaria em ab erto um a série de q u estõ es que
d e sp e rta m nossa curiosidade quando p ro cu ram o s ap ro ­
fu n d ar a análise do tem a: até que p o n to as proposições
da política educacional oficial se efetiv am na realid ad e
social e econôm ica brasileira? Q ue efeito as m ed id as go­
vernam en tais estão te n d o sobre a e s tru tu ra do ensino e
sobre a e s tru tu ra global (econôm ica, social e política)
da socied ad e brasileira? N o in teresse de que grupos e
classes sociais as m udanças educacionais (incluindo o b ­
jetivos, e s tru tu ra e fu n cio n am en to do ensino) estão sen ­
do feitas?
U m enfoque sociológico mais am plo do co n tex to em
que se inserem as novas m edidas educacionais da últim a
década certam en te poderá abrir o cam inho para a resposta
a essas m últiplas perguntas.

30
Escola, Estado e Sociedade

O presente trabalho p reten d e contribuir para um a in­


terp retação desse gênero,, procurando identificar um a
perspectiva crítica tan to aos fatores condicionantes da
educação quanto às modificações por eles geradas na es­
tru tu ra da sociedade brasileira.

31
Quadro teórico

s tu d a r a e d u c a ç ã o n o c o n te x to d a r e a l i d a d e b ra s i-

E leira recente, a partir de um enfoque sociológico, exige


um referencial teórico que pode ser encontrado em parte
na sociologia e na econom ia da educação.
N ão tentarem os aqui uma revisão de todas as posições
teóricas existentes; basta-nos, para justificar a posição por
nós adotada, recapitular os lim ites e as vantagens das teo ­
rias mais conhecidas. Q uanto à conceitualização de educa­
ção e sua situação num contexto social, existe, em quase
todos os autores, concordância em dois pontos:
1. A educação sem pre expressa um a doutrina pedagó­
gica, a qual im plícita ou explicitam ente se baseia em uma
filosofia de vida, concepção de hom em e sociedade;
2. N um a realidade social concreta, o processo educacio­
nal se dá através de instituições específicas (família, Igreja,
Barbara Freitag

escola, com unidade) que se tornam porta-vozes de um a


determ inada doutrina pedagógica.
Essa posição foi p rim eiram ente sistem atizada p o r Emi-
le D u rk h e im 1, que não especifica os conteúdos ed u ca­
cionais, m as que p arte do conceito do hom em egoísta
que precisa ser m oldado para a vida societária. As novas
gerações apresentam um a flexibilidade para assimilar, in­
ternalizar e, finalm ente, reproduzir os valores, as norm as
e as experiências das gerações mais velhas. O processo
educacional é m ediatizado basicam ente pela família, mas
tam b ém por instituições do Estado com o escolas, univer­
sidades. As gerações adultas suscitam na criança, através
dessas instituições, certo núm ero de estados físicos, in te­
lectuais e morais, reclam ados pela sociedade política no
seu conjunto e pelo meio especial a que a criança p articu­
larm ente se destina2.
A filosofia de vida implícita nessa teoria educacional
pressupõe que a experiência das gerações adultas é indis­
pensável para a sobrevivência das gerações mais novas. A
transm issão da experiência de uma geração a outra se dá no
interesse da continuidade de um a dada sociedade. Também
transparece aqui a posição do sociólogo que se opõe a qual­
quer form a de reducionism o. A educação é um fato social.
Portanto, im põe-se coercitivam ente ao indivíduo que, para
o seu próprio bem , sofrerá a ação educativa, integrando-se
'Veja: DU RKHEIM , Émile. Educação e Sociologia. São Paulo: 8 ed., M elhoram en­
tos, 1972.
2 Ibid., p. 41.

34
Escola, Estado e Sociedade

e solidarizando-se com o sistem a social em que vive. Os


conteúdos da educação são' independentes das vontades
individuais; são as norm as e os valores desenvolvidos por
um a certa sociedade (ou grupo social), em determ inado
m om ento histórico, que adquirem certa generalidade e
com isso um a natureza própria, tornando-se assim “coisas
ex terio res” aos indivíduos3.
É no processo educacional que essas coisas, ao m esm o
tem p o em que são im postas de fora ao indivíduo, são por
ele “internalizadas” e com isso reproduzidas e p e rp e tu a ­
das na sociedade. O indivíduo que originalm ente ap re­
sentava um a natureza egoísta, depois de educado, adquire
um a segunda natureza, que o habilita a viver em socieda­
de dando prioridade às necessidades, do todo, antes das
necessidades pessoais. A educação é para D u rk h eim o
processo através do qual o egoísmo pessoal é superado
e transform ado em altruísm o, que beneficia a sociedade.
Sem essa m odificação substancial da natureza do hom em
individual em ser social, a sociedade não seria possível. A
educação se torna assim um fator essencial e constitutivo
da própria sociedade.
Talcott Parsons, absorvendo em seu The Social System 4
parte substancial das idéias de D urkheim , vê na educação
(em sua term inologia apresentada como "socialização”) o

3 Para a conceitualização de "fato social" em Durkheim, confira: DURKHEIM , Émi-


le. A s Regras do M étodo Sociológico. São Paulo: Editora Nacional, 6 ed., especial­
m ente os Capítulos I e II, 1971.
‘‘ PARSONS, Talcott. The Social System. The Free Press of G lencoe. Londres: 1964
(1 ed. paperback).

35
m ecanism o básico para a constituição de sistem as sociais
e de m anutenção e perpetuação desses sistem as em forma
de sociedades. Sem a socialização o sistem a social é incapaz
de m anter-se integrado, preservar sua ordem , seu equilí­
brio e conservar seus lim ites5.
Para q u e o sistem a sobreviva, os novos indivíduos que
nele ingressam precisam assim ilar e intern alizar os valo­
res e as norm as que regem o seu fu n cio n am en to . Parsons,
ao co n trário de D u rk h eim , não d estaca ta n to o aspecto
coercitivo do sistem a face ao indivíduo, m as ressalta a
c o m p lem e n tarid a d e dos m ecanism os em atuação a fim
de satisfazer os req u isito s do sistem a social e do sistem a
de perso n alid ad e. Assim com o o sistem a te m n ecessi­
dade de socializar seus m em bros in teg ran tes, ta m b é m o
indivíduo te m necessidades que so m en te o sistem a pode
satisfazer.
Há, portanto, no processo educativo um a troca de equi­
valentes em que tan to o indivíduo quanto a sociedade se
beneficiam . A fim de maximizar as gratificações e m inim i­
zar as privações o indivíduo se sujeita a certas exigências
im postas pelo sistema, que concede ao indivíduo certas
gratificações para am enizar as tendências disruptivas do in­
divíduo e garantir assim o equilíbrio e a harm onia do todo.
O equilíbrio do sistem a de personalidade, por sua vez, é
requisito do equilíbrio do próprio sistem a social. A criança,
necessitada de am or e carinho m aterno, aceita as normas
5 Ibid. Confira especialm ente o Capítulo. VI.

36
Escola, Estado e Sociedade

e as proibições form uladas no interesse da ordem social. A


própria satisfação desses interesses do sistem a, m ediatiza-
das pelos pais, vai sendo experim entada com o gratificação
(reflexo condicionado) pela criança. Reforçada pelo siste­
m a em elogios, carinho, sorrisos, ela não percebe que as
necessidades do sistem a estão se tornando suas próprias
necessidades. É assim que o indivíduo passa a atuar no sis­
tem a com o um elem ento funcional.
C om o D urkheim , Parsons não fixa quais seriam os va­
lores e as norm as específicas de cada sistem a. Mas, como
D urkheim , Parsons deixa claro que valores genéricos como
continuidade, conservação, ordem , harmonia, equilíbrio
são os princípios básicos que regem o funcionam ento do
sistem a societário com o um todo e de seus subsistemas,
aos quais os indivíduos se sujeitam no seu próprio in te­
resse. E por essa razão que tanto D urkheim com o Parsons
têm sido criticados por seus pressupostos conservadores,
que os levam a exorcizar, com auxílio de um a teoria educa­
cional, o conflito, a contradição, a luta e a m udança social
de seus sistem as societários. Os dois autores não vêem na
educação um fator de desenvolvim ento e de superação de
estruturas societárias arcaicas, mas sim o know-how neces­
sário, transm itido de geração em geração, para m an ter a
estru tu ra e o funcionam ento de um a dada sociedade.
D ivergem substancialm ente dessa posição autores com o
D ew ey ou M annheim . Ambos vêem na educação, não um
m ecanism o de correção e ajustam ento do indivíduo a es­

37
Barbara Freitag

tru tu ras societárias dadas, mas um fato r de dinamização


das estru tu ras, através do ato inovador do indivíduo. No
processo educacional o indivíduo é habilitado a atuar no
co n tex to societário em que vive, não sim plesm ente re ­
produzindo as experiências anteriores, transm itidas por
gerações adultas, mas em vista de tais experiências, sua
análise e avaliação crítica, ele se torna capaz de reorgani­
zar seu co m portam ento e contribuir para a reestruturação
e reorganização da sociedade m oderna. Tanto o indivíduo
com o a sociedade são vistos num co ntexto dinâm ico de
constantes m udanças.
U m a análise mais detalhada da posição desses autores
m ostra, porém , com o tam bém a sua posição encerra li­
m ites intransponíveis. D ew ey6 exige que não se faça um a
separação entre educação e vida. “Educação não é prepara­
ção, nem conform idade. Educação é vida, é viver, é desen­
volver-se, é crescer.”7
Ao viver sua própria vida o indivíduo é forçado a atuar e
sua ação se transform a em processo educativo. Isso porque
D ew ey parte do princípio de que o indivíduo se dispõe
para novas ações depois de avaliar e reorganizar suas ex­
periências. O ato educacional consiste, pois, em dar a esse
indivíduo os subsídios necessários para que essa reorganiza­
ção de experiências vividas se dê em linhas mais ou m enos

l’ DEWEY, John. Vida e Educação. São Paulo: Melhoramentos, 1971 (7 ed.).


7 Ibid. Veja a introdução de Anísio Teixeira: A Pedagogia de Dewey - Esboço da
Teoria de Educação de John Dewey, p. 3 1 ,

38
Escola, Estado e Sociedade

ordenadas e sistem atizadas. Ora, para que isso se efetive,


o m eio em que se dá o pfocesso educacional tem de ser
organizado e reestru tu rad o para que haja um a seqüência
adequada de experiências que possam ser avaliadas e alar­
gadas de form a mais ou menos sistem ática.
Para D ew ey este meio é a escola, que deve assumir as
características de um a pequena com unidade dem ocrática.
Aqui a criança aprenderia pela própria vivência as práticas
da dem ocracia, habilitando-se a transferi-las, futuram ente,
em sua vida adulta, à sociedade dem ocrática com o tal. Ain­
da mais, a vivência dem ocrática na escola, onde ficariam
excluídos os m om entos perturbadores do estilo dem ocrá­
tico de vida, fortaleceria na criança e no futuro adulto as
regras do jogo dem ocrático. Pois os cursos dessas escolas
estariam aptos a reestru tu rar e reorganizar a sociedade
global, que m uitas vezes apresenta desvios em relação aos
princípios da dem ocracia, seja no cam po econôm ico, polí­
tico ou ideológico.
Assim vista, a educação exigida por D ew ey vem a ser
um a doutrina pedagógica específica da sociedade dem o­
crática. Educação não é sim plesm ente um m ecanism o de
perpetuação de estruturas sociais anteriores, mas um m e­
canismo de im plantação de estruturas sociais ainda im per­
feitas: as dem ocráticas. Educação não se reduz aos valores
e norm as form uladas por D urkheim e Parsons, de caráter
extrem am ente form al e conservador, mas está incondi­
cionalm ente ligada aos valores e norm as da dem ocracia.

39
Barbara Freitag

Pressupõe indivíduos que tenham chances iguais, d entro


de um a sociedade livre e igualitária, na qual com petem por
diferentes privilégios. A com petição se dá m ediante regras
de jogo claram ente fixadas, aceitas e internalizadas pelos
indivíduos e em vigor e funcionam ento nas diferentes ins­
tituições dem ocráticas. Pode haver diferenças de nível e de
qualidade en tre os indivíduos, mas eles as aceitam com o
justas porque foram adquiridas democraticamente pelos
diferentes indivíduos. O m odelo societário subjacente é o
da igualdade das chances, não o da igualdade en tre os h o ­
m ens. Essa igualdade das chances é reconhecida e aceita
pelos indivíduos que se adm item e aceitam com o diferen­
tes quanto a certos dons da natureza (força, inteligência e
habilidade). As desigualdades na sociedade não são perce­
bidas com o diferenças geradas histórica e socialm ente pelo
sistem a social estabelecido, mas com o justas, decorrentes
das diferenças naturais en tre os homens.
Por isso este m odelo societário tam bém não é questio­
nado, criticado ou modificado. Reina nele a ordem regu­
lam entada pela com petição: os conflitos são dem ocratica­
m en te solucionados. As m udanças adm itidas nesse sistem a
societário se resum em no aperfeiçoam ento das estruturas
dem ocráticas. U m a vez im plantado esse sistem a societário,
todos os m ecanism os funcionarão para a conservação do
mesm o. A divergência inicial constatada en tre a concepção
de D urkheim e Parsons se apaga ao com pararm os os resul­
tados a que ambos os processos educacionais levam.

40
Escola, Estado e Sociedade

Em M annheim tem os um a versão am pliada da teoria


de Dewey.
O jovem sociólogo de formação hegeliana, depois de ex­
p erim entar o caos do fascismo e da II G uerra M undial na
A lem anha, emigra para a Inglaterra onde se deixa seduzir
pelo m odelo dem ocrático da sociedade britânica. Em seus
trabalhos, a partir de então, torna-se advogado de um a so­
ciedade dem ocrática planejada8. A natureza e a história do
hom em e da sociedade precisam ser controladas de forma
racional e dem ocrática. Para tal se oferecem uma série de
técnicas sociais e en tre elas, estrategicam ente, a educação.
Essas técnicas precisam ser manipuladas de tal form a que
im peçam a repetição do caos e garantam a m anutenção de
um a ordem social essencialm ente dem ocrática.
Para que as sociedades m odernas alcancem esse objetivo
suprem o da dem ocracia, precisam educar os seus m em bros
nas regras do jogo, valores e normas dem ocráticos a partir
das bases e desde o início da vida do indivíduo em socie­
dade. A educação assume aqui claram ente uma conotação
política. A educação vem a ser o processo de socialização
dos indivíduos para um a sociedade racional, harmoniosa,
dem ocrática, por sua vez controlada, planejada, m antida e
reestruturada pelos próprios indivíduos que a com põem .
A pesquisa é um a das técnicas sociais necessárias para que
se conheçam as constelações históricas específicas. O pla­

s Veja: M ANNHEIM , Karl. Freedom, Power and Democratic Plannitig. N ew York,

41
Barbara Freitag

nejam ento é a intervenção racional controlada nessas cons­


telações para corrigir suas distorções e seus defeitos. O
instrum en to que por excelência põe em prática os planos
desenvolvidos é a educação9.
A educação, com preendida no sentido mais am plo como
socialização, encontra agentes nas mais variadas form as e
instituições. As mais fundam entais são a família (mas ta m ­
bém grupos de referência, vizinhança etc.), a escola e o
lugar de trabalho (incluindo sindicatos, partidos, clubes,
o boteco da esquina etc.). Nessas instituições, as práticas
dem ocráticas são adquiridas, fortalecidas e reproduzidas.
N o com plexo societário um a e outra instituição exercem
um controle recíproco sobre os indivíduos que a integram .
Assim, M annheim , apesar de partir do objetivo final de
um a sociedade dem ocrática em pleno funcionam ento, re ­
vela-se com o um teórico na linha das reflexões de Dewey.
E na própria experiência da vida em instituições de cunho
dem ocrático que se dá a educação para a dem ocracia. Res­
ta perguntar para ambos os autores o que vem prim eiro:
a dem ocracia ou o indivíduo dem ocrático? Pois, por um
lado, a educação deve produzir indivíduos dem ocráticos,
capazes de criar e m anter em funcionam ento instituições e
estruturas dem ocráticas. Mas, por outro lado, esses indiví­
duos só virão a ser dem ocratas convictos se as próprias ins­
tituições em que vivem lhes transm itirem as regras do jogo

Veja: M ANNHEIM , Karl. Freedom, Power and Democratic Planning. New York,
1950.

42
Escola, Estado e Sociedade

dem ocrático. Ambos partem do pressuposto que tan to os


indivíduos com o as instituições são, do ponto de vista dos
valores básicos da democracia, im perfeitos. Essa im perfei­
ção deve ser corrigida pela educação. Mas a própria educa­
ção se efetiva em estruturas sociais concretas, as quais, por
sua vez, são im perfeitas.
Surge o impasse. Dewey, que se lim ita ao nível da ins­
titucionalização da educação em escolas, propõe que essas
escolas assum am o caráter de com unidades dem ocráticas
artificiais que reproduzam de maneira perfeita as com uni­
dades im perfeitam ente dem ocráticas da sociedade global
envolvente. Os alunos que deixam essas escolas-m odelo
serão fu tu ram en te capazes de aperfeiçoar as instituições
deficitárias da sociedade. M annheim recorre à ciência e aos
hom ens que a praticam : a intelligentsia.
Treinados pela inteligência e pela razão, conhecendo as
estruturas em que vivem e os m ecanism os históricos que
as regem , os intelectuais se libertam com auxílio da refle­
xão consciente, dos condicionam entos e das deform ações
de classe, tornando-se aptos a planejarem e executarem o
m odelo da sociedade dem ocrática racionalm ente planeja­
da e controlada10. São eles, portanto, um a elite rarefeita
que im porá aos demais m em bros da sociedade os princí­
pios da organização da vida dem ocrática. Os dem ais indi­
víduos, m em bros da sociedade, assimilarão, de bom grado,

'"M A N N H E IM , op. cit.

43
Barbara Freitag

essas im posições, porque nelas aprendem a reconhecer sua


própria felicidade. A dem ocracia se transform a assim no
autoritarism o dem ocrático consentido pelo povo. Também
nesse m odelo se visa a im plantação do sistem a perfeito,
ao qual os indivíduos precisam se adaptar. Os conflitos são
controlados racionalm ente e erradicados no longo prazo
pelo com portam ento dem ocrático inculcado em cada um .
Tam bém aqui, na doutrina educacional de M annheim ,
descobrim os, subjacente, o m odelo da ordem , da harm o­
nia, da ausência de conflitos e contradições de um a socie­
dade sem classes em que as diferenças horizontais e verti­
cais en tre os indivíduos são justificadas por um a ideologia
dem ocrática. A dm ite-se, porém , que, para chegar a esse
m odelo, m uitos esforços ainda precisam ser feitos, espe­
cialm ente através da educação, para criar nos indivíduos as
consciências adequadas de aceitação e reprodução do novo
statu quo proposto. Apesar de a educação ser um a “técnica
social” de dinamização, superando velhas estruturas pela
sugestão do novo m odelo dem ocrático, tal m odelo um a vez
im plantado não perm ite novas mudanças. A educação passa
a ser um processo rotineiro de constante reprodução desse
m odelo: estruturas sociais supostam ente dem ocráticas que
de fato p erp etu am desigualdades sociais e históricas, in ter­
pretadas com o naturais e devidas a diferenças individuais,
com auxílio do postulado da igualdade de chances.
Além dessas restrições feitas ao m odelo teórico proposto
por M annheim perm anece sem resposta a pergunta levan­

44
Escola, Estado e Sociedade

tada por Marx: quem educa os educadores, quem planeja


os planejadores, quem forma a intelligentsia que decidirá
(dem ocraticam ente) sobre o destino dos hom ens na socie­
dade planejada de Mannheim?
As teorias educacionais até agora revistas pecam por seu
alto grau de generalidade e seu extrem o form alism o. As­
sim, referem -se a indivíduos e sociedades históricas, de ca­
racterísticas universais. Todos os indivíduos são sujeitos ao
m esm o processo de socialização em um a sociedade, carac­
terizando-a por seu funcionam ento global, sua harm onia e
ordem interna.
D urkheim e Parsons, negando a dim ensão histórica, e
com isso a possibilidade de m udança do contexto socie­
tário em que vivem os indivíduos, negam tam bém a con­
cepção do hom em histórico que seria p roduto dos condi­
cionam entos socioeconômicos, ao m esm o tem p o que ator
consciente dentro das estruturas que o condicionam .
N egam ainda a dim ensão inovadora e em ancipatória
da educação, que em suas teorias é reduzida a um instru­
m ento de m anutenção e apologia do statu quo. N ão se fala
nos conteúdos educacionais específicos e no interesse de
grupos em nom e dos quais esses estão sendo transm itidos
de geração em geração. Isso porque não partem de um a
concepção de sociedade estruturada em classes ou grupos
com interesses e aspirações distintas, já que a sociedade é
concebida com o um todo sistêm ico com posto por elem en­
tos (os indivíduos) interligados que garantem o funciona­

45
Barbara Freitag

m ento harm onioso do todo. Os referidos autores expelem


os conflitos e as contradições de seus m odelos teóricos,
escondendo com isso as diferenças sociais existentes. Ain­
da mais, postulam ser o sistem a educacional o m ecanism o
de ajustam ento por excelência en tre hom em (indivíduo)
e sociedade. Som ente se aquele falhar, podem em ergir os
conflitos, concebidos com o disfunções do sistema.
D ew ey e M annheim parecem , ao contrário, ver na ed u ­
cação um instrum ento de m udança social, já que é através
dela que se im porá e realizará a sociedade dem ocrática. A
educação, em verdade, é concebida como agente de dem o­
cratização da sociedade.
À teoria dos dois autores está subjacente a concepção
de sociedades em piricam ente im perfeitas, contraditórias,
conflituosas, não (perfeitam ente) dem ocráticas. N o caso
de Dewey, a dem ocratização global será alcançada pela ação
da escola “que educará para a vida”. Q uanto a M annheim ,
essa dem ocratização se dará m ediante estudo científico
m eticuloso das condições societárias vigentes (tarefa da
ciência). À base dos resultados desse estudo entra em
ação o planejam ento social que recorrerá à educação com o
um dos seus in strum entos estratégicos para encam inhar e
garantir a dem ocratização.
O objetivo final, no caso de ambos os autores, é a socie­
dade dem ocrática harm oniosa, em que reina a ordem e a
tranqüilidade, na qual conflitos e contradições encontram
seus m ecanism os de solução e canalização. Assim sendo,

46
Escola, Estado e Sociedade

D ew ey e M annheim não diferem quanto aos resultados


finais de suas teorias da posição a priori conservadora de
D urkheim e Parsons. Pois, um a vez im plantada a socieda­
de dem ocrática, a função da educação se reduzirá à sua
m anutenção.
D ivergem fun d am en talm en te dessa concepção do p ro ­
cesso educativo autores com o Passeron e Bourdieu. Eles
tê m um a visão histórica da sociedade e do hom em . Par­
tem da análise e crítica da sociedade capitalista (especifica­
m en te da sociedade francesa do século X X )11. A caracte­
rística fundam ental dessa sociedade é a sua e stru tu ra de
classes, d eco rren te da divisão social do trabalho, baseada
na apropriação diferencial dos meios de produção.
O sistem a educacional é visto com o um a instituição
que p reenche duas funções estratégicas para a socieda­
de capitalista: a reprodução da cultura (nisso os autores
coincidem com as colocações feitas p o r D urkheim ou
Parsons) e a reprodução da estru tu ra de classes. U m a das
funções se m anifesta no m undo das “rep resen taçõ es sim ­
bólicas” (Bourdieu) ou ideologia, a o utra atua na própria
realidade social.
Ambas as funções estão intim am ente interligadas, já
que a função global do sistem a educacional é garantir a re­
produção das relações sociais de produção. Para que essa
reprodução esteja totalm ente assegurada, não basta que

11 BOURDIEU, Pierre e PASSERON, Jean C lau d e ./l Reprodução - Elementos para


uma Teoria do Sistema de Ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.

47
Barbara Freitag

sejam reproduzidas as relações factuais que os hom ens es­


tabelecem en tre si (relações de trabalho e relações de clas­
se), precisam tam bém ser reproduzidas as representações
simbólicas, isto é, as idéias que os hom ens se fazem dessas
relações. D urkheim , Parsons, D ew ey e M annheim pratica­
m en te reduziram a função das instituições escolares a essa
últim a, ou seja, à reprodução de cultura, deixando de lado
o que Bourdieu cham a de reprodução social, isto é, a fun­
ção de p erp etu ar a própria estrutura social hierarquizada,
im posta por um a classe social a outra. Assim, nas palavras
de Bourdieu, o sistem a educacional garante a “transm issão
hereditária do poder e dos privilégios, dissim ulando sob a
aparência da neutralidade o cum prim ento desta função”12.
D aí deriva um a nova conceituação de sociologia da educa­
ção, que segundo Bourdieu “configura seu objeto particular
quando se constitui como ciência das relações entre a repro­
dução cultural e a reprodução social, ou seja, no m om ento
em que se esforça por estabelecer a contribuição que o sis­
tem a de ensino oferece com vistas à reprodução da estru ­
tu ra das relações de força e das relações simbólicas entre as
classes, contribuindo assim para a reprodução da estrutura
da distribuição do capital cultural entre as classes”13.
O sistem a educacional consegue reproduzir as relações
sociais, ou seja, a estru tu ra de classes, reproduzindo de m a­

12 BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva,


1974, Capítulo. 7 "Reprodução Cultural e Reprodução Social”, p. 296.
11 Ibid., p. 295.

48
Escola, Estado e Soc i ed a d e

neira diferenciada a "cultura”, isto é, a ideologia da classe


dom inante. C om o D urkheim , Bourdieu considera o p ro ­
cesso educativo um a ação coercitiva, definindo a ação p e­
dagógica com o um ato de violência, de força14.
N este ato são im postos aos educandos sistem as de p en ­
sam ento diferenciais que criam nos m esm os habitus di­
ferenciais, ou seja, predisposições de agirem segundo um
certo código de normas e valores que os caracteriza como
p ertencentes a um certo grupo ou um a classe15.
Bourdieu e Passeron m ostram que o sistem a educacional
francês m oderno consegue, desta m aneira, desem penhar,
de form a mais ajustada que o sistem a tradicional, a sua
dupla função de reprodução (cultural e social). Se o siste­
m a tradicional se caracterizava por dois tipos de escolas: as
escolas da classe dom inante (de “elite”) e as escolas “para
o povo", hoje, o m oderno sistem a educacional não ostenta
mais essa dualidade. A parentem ente unificado, ele “culti­
va” certos sistem as de pensam ento que perm item por um
lado a retenção do indivíduo no sistem a escolar, garantin­
do-lhe a ascensão aos níveis superiores do ensino. Para os
dem ais, que vão sendo excluídos, oferece outros sistem as
com o justificativa de sua exclusão. Dessa m aneira, o siste­
ma educacional não reproduz estritam en te a configuração
de classes, com o o fazia o anterior, mas consegue, im pondo

14 BOURDIEU, P. e PASSERON, J. C. op. cit., p. 20.


15 BOURDIEU, P. op. cit. Veja especialmente o Capítulo. Sistemas de Ensino e Siste­
mas de Pensamento, publicado originalmente em: Revue Internationale des Sciences
Sociales, Vol. XIX, 3, 1967, p. 367-88.

49
Barbara Freitag

o habitus da classe dom inante, cooptar m em bros isolados


das outras classes.
Tendo conseguido êxito segundo os padrões fixados pela
ação pedagógica e estando por isso fam iliarizados com os
esquem as e rituais da classe dom inante, os cooptados vão
d efen d e r e im por de m aneira mais radical à classe d o m i­
nada os sistem as de pensam ento que a fazem aceitar sua
sujeição à dom inação. Ao m esm o tem p o que o sistem a
educacional promove aqueles que, segundo seus padrões
e m ecanism os de seleção, se dem onstram aptos a p a rti­
ciparem dos privilégios e do uso da força (do p o d er), ele
cria, sob a aparência de neutralidade, os sistem as de p e n ­
sam entos que legitim am a exclusão dos não-privilegiados,
convencendo-os a se su b m eterem à dom inação, sem que
percebam que o fazem.
Em geral, a exclusão é explicada em term os de falta de
habilidades, capacidades, m au desem penho etc., colocan-
do-se o sistem a educacional como árbitro neutro. C om o
m ostra Bourdieu, a própria escola canaliza e aloca os indi­
víduos que a percorrem ou deixam de percorrer em suas
respectivas classes, facilitando-lhes a justificação desse
fato, através de sistem as de pensam ento que ela m esm a
transm ite. Assim a escola cum pre, sim ultaneam ente, sua
função de reprodução cultural e social, ou seja, reproduz as
relações sociais de produção da sociedade capitalista.
Mas seria ela som ente isso? Suas funções realm ente se li­
m itam à reprodução cultural e social das relações sociais?

50
Escola, Estado e Sociedade

Se assim fosse, com o se justificariam as investidas e


interferências das em presas e do Estado na esfera ed u ca­
cional com a intenção de aprim orar recursos hum anos e
refuncionalizar o sistem a educacional?
Parece óbvio que a sociologia da educação te m negli­
genciado o aspecto econôm ico da educação, dando origem
a disciplinas paralelas com o planejam ento educacional e
econom ia da educação que procuram preencher as áreas
não consideradas pelas teorias educacionais até aqui reca-
pituladas. B ecker15, Schultz17, Edding18 e Solow19 são os
pais dessas novas disciplinas que hoje orientam as decisões
de m uitos governos na área educacional.
Partem eles de um a constatação em pírica que funda­
m enta suas reflexões teóricas: a alta correlação en tre cres­
cim ento econôm ico e nível educacional dos m em bros de
um a dada sociedade. Partindo de uma abordagem econô­
mica, não eles encontravam um a explicação satisfatória do
crescim ento econôm ico do m undo ocidental dos últim os
decênios que seguem a II G uerra Mundial. Os fatores input
da função de crescim ento capital e trabalho não bastaram

l<’ BECKER, Gary S. Hum an Capital. New York: National Bureau of Economic Re­
search, 1964.
17 SCHULTZ, T heodore W. O Capital Humano - Investim entos em Educação e
Pesquisa. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.
Is E D D IN G , Friedrich. Internationale Tendenzen in der Entwicklung der Ausgaben
fuer Schulen und Hochschiâeii, Kieler Studien, Kiel, 1958; e E D D IN G , F. Qekono-
mie àes Bildungswesens. Lehren und Lerner ais Haushalt und Investiiion, Freiburg
i. Br., 1965.
il' SOLOW, Robert M. Capital Theory and the Rate of Reíurn. Amsterdã: N orth
Molland Publishing Company, 1963.

51
Barbara Freitag

para justificar o output (taxa de crescim ento) registrado.


D u ran te m uito tem p o essa grandeza residual foi atribuída
a um “terceiro fator", fator desconhecido que para alguns
era a técnica, para outros a measure o f ignorance, da p ró ­
pria econom ia. Becker e Schultz procuravam desvendar o
m istério, atribuindo à educação a causa do crescim ento ex­
cedente. A ceita com o válida essa hipótese, os investim en­
tos econôm icos "rentáveis” seriam aqueles que se concen­
trassem no aum ento quantitativo e qualitativo da educação
form al da população ativa. D esde então se vem falando
em investim ento em recursos humanos, de capital humano,
form ação de manpou/er.
O planejam ento educacional só vem a ser um a conse­
qüência lógica das colocações anteriores.
Já que a form ação educacional é considerada direito e
dever de todos e o Estado tem a obrigação de criar as con­
dições para que todos estudem , será o próprio Estado o
autor dos investimentos e do planejam ento educacional. A
econom ia da educação lhe fornece o em basam ento te ó ri­
co e, portanto, a justificativa tecnocrática para tal. Com o
o investim ento é feito em nom e do desenvolvim ento da
nação, produzindo um a taxa de crescim ento que beneficia
a todos, os cofres públicos podem e devem arcar com as
despesas. A m aior produtividade dos indivíduos não b e ­
neficia, porém , som ente esse crescim ento econôm ico da
nação. Segundo os teóricos da economia da educação há
um a “taxa de retorno social e individual”. Isto significa em

52
Escola, Estado e Sociedade

outros term os que a taxa de lucro criada com a m aior pro­


dutividade dos indivíduos devida ao seu mais em educação
é repartida de m aneira justa entre o indivíduo e o Estado.
A quele porque investiu esforço, energia e tem po, p erd en ­
do potencialm ente salários se tivesse utilizado esse tem p o
para seguir um trabalho rem unerado. O Estado receberia
de volta, sob form a de taxas e im postos, os investim en­
tos originais mais a parcela da taxa de lucro, ju stam en te
repartida entre ele e o indivíduo. N um a análise ideológi-
co-crítica a taxa de retorno se desmascara com o a taxa de
mais-valia que em verdade não beneficia o trabalhador que
a produz, nem um a entidade abstrata com o a nação, rep re­
sentada pelo Estado, mas sim o em presário capitalista, que
em pregou a força de trabalho.
Toda concepção da educação como investim ento é válida,
desde que conscientizada como investim ento lucrativo para
as em presas privadas. A política educacional que adota essa
concepção garante o crescim ento da taxa de lucro para essas
em presas. A ltvater20, um dos críticos da econom ia da ed u ­
cação, reinterpreta e traduz para uma terminologia marxista
a versão econom icista dos investimentos educacionais. Para
ele, há de fato um a socialização dos gastos educacionais,
m ediatizada pelo Estado, no interesse da em presa privada e
do capital monopolístico. Os investimentos feitos para apri­

2" ALTVATER, Elmar. Krise und Kritik - Zum Verhaeltnis von O ekonom ischer
Entwicklung, Bildungs - und W issenschaftspolitik. In: LEIBFRIED, Stephan (ed.):
W ider die Untertanfabrik - Handbuch zur Demokratisierung der Hochschulen,
Koeln, 1967, p. 52-6.

53
Barbara Freitag

m orar a força de trabalho, sob a forma declarada da "qua­


lificação da m ão-de-obra”, “aperfeiçoam ento dos recursos
hum anos”, precisam ser vistos no contexto da produção ca­
pitalista. A força de trabalho não é qualificada, no interesse
do trabalhador, para que m elhore sua vida, se independen-
tize e se em ancipe das relações de trabalho vigentes, mas
sim, para aprim orar e tornar mais eficazes essas relações,
ou seja, a dependência do trabalhador em relação ao capi­
talista. Os investim entos educacionais vistos no contexto
da reprodução ampliada precisam ser com preendidos como
investim entos em capital variável, que tornará mais eficien­
tes investim entos em capital constante, aum entando com
isso a produtividade do processo de produção e reprodução
capitalista. A economia da educação, baseada nos princípios
da econom ia neoclássica, nada mais faz que explicar "o cres­
cim ento econôm ico” por manipulações feitas com auxílio
da intervenção estatal na composição orgânica do capital. E
mais, através do seu manpower approach torna-se uma dis­
ciplina normativa. Ela propõe ao Estado as formas de inves­
tim entos. Os gastos educacionais devem ser feitos com um
mínimo de desperdício e desajustam entos entre o output
do sistem a educacional e as necessidades do m ercado de
trabalho. Essas são, em verdade, as necessidades das em p re­
sas privadas em te r um a força de trabalho adequadam ente
treinada. A força de trabalho devidamente treinada, como
m ostra Altvater, funciona como capital variável, no processo
produtivo, sendo o verdadeiro produtor da mais-valia.

54
Escola, Estado e Sociedade

A fim de cum prir com essa tarefa, a economia da educa­


ção recorre ao planejam ento educacional. Os dois modelos
clássicos da economia da educação o m odelo do investim en­
to (input ou rate o freturn) e o m odelo da dem anda (output,
manpower ou social dem and approach) se com plem entam
servindo ao m esm o tem po como modelos explicativos e
norm ativos do processo econômico. N o prim eiro, a unidade
de cálculo é o dinheiro. Aqui se procura responder às per­
guntas de como otimizar os gastos estatais, como alocar da
maneira mais adequada os meios disponíveis (escassos) para
alcançar maior rentabilidade. No segundo modelo, a unida­
de considerada é a pessoa qualificada, form ada pelo siste­
ma educacional, a ser alocada adequadam ente na estrutura
ocupacional. Se o prim eiro m odelo enfatiza a racionalidade
(meios escassos ajustados a fins cuidadosam ente pondera­
dos), o segundo se preocupa com o equilíbrio entre oferta
e procura de m ão-de-obra no m ercado de trabalho. No pri­
m eiro m odelo há uma manipulação do orçam ento público
que vai beneficiar ou negligenciar certos ramos de ensino
ou tipos de escolas. N o segundo, a manipulação do sistema
educacional e dos educandos é direta, procurando-se fazer
da escola um a fábrica de mão-de-obra. Na quantidade e qua­
lidade de seu output, ela precisa considerar a dem anda (e as
oscilações dessa dem anda) do m ercado de trabalho. Com o
são os interesses da em presa privada que se m anifestam nes­
te m ercado, o m odelo negligencia os interesses da sociedade
global e os interesses individuais, a favor daqueles.

55

Li
Barbara Freitag

O planejam ento educacional executa na prática o que


os dois m odelos propõem em teoria. Ele, além de ajudar
a alocar os m eios escassos de m aneira ótim a a fim de ga­
rantir o o u tp u t quantitativo e qualitativo necessário para
cobrir a dem anda do m ercado, funciona com o m ecanism o
corretivo en tre o sistem a educacional e o m ercado de tra ­
balho. N aquele a lei da oferta e da procura não funcionam
plenam ente, pelo fato de a norma da maximização de lu­
cros não lhe ser aplicável. N o m ercado de trabalho tan to a
lei quanto a norm a atuam sem restrições. O planejam ento
educacional vem, pois, preencher a lacuna das leis de m er­
cado inoperantes.
Segundo H uisken21, os modelos da econom ia e do plane­
jam ento educacional nada mais fazem que ajustar o pessoal
form ado pelas escolas aos ciclos e às crises geradas pela
econom ia capitalista. Criam eles um a certa flexibilidade
do sistem a capitalista face a tais crises. Sob a ideologia do
desenvolvim ento e do crescim ento continuado da econo­
mia e alegando ao m esm o tem po assegurar em pregos dura­
douros à força de trabalho disponível, defendem , em ver­
dade, os interesses da maximização dos lucros da em presa
privada, pois m an têm em reserva um potencial de trab a­
lhadores que constantem ente são reciclados em função das
novas dem andas geradas pela dinâmica e irracionalidade do
m odo de produção. O planejam ento educacional constitui

21 HUISKEN, Freerk. Zur K ritik Buergerlicher D idaktik und Bildungsoekonomie,


ListVerlag, M uenchen, 1973.

56
Escola, Estado e Sociedade

assim um a m aneira de m anipular "o exército industrial de


reserva”, dando-lhes sua plena funcionalidade: fornecer a
cada m om ento a força de trabalho necessária à expansão
ou contenção da produção e degradar os salários.
O s m odelos da econom ia da educação não divergem, em
seus pressupostos básicos, das colocações de D urkheim e
Parsons. Podem os dizer que os econom istas da educação
reassentaram o m odelo sistêm ico de Parsons em suas bases
econôm icas, pois a teoria do papel nele form ulada consiste
num a aparente troca de equivalentes. Ego define suas ex­
pectativas e suas ações em vista de alter e vice-versa; e ego
satisfaz as expectativas de alter porque espera que tam bém
alter satisfaça as suas. Por isso não se podem definir, no
sistem a, papéis isolados, mas sem pre com plem entar es. O
papel do pai só está com pletam ente circunscrito vis-à-vis
do papel do filho (dos filhos) etc. Tam bém a m ercadoria
A só consegue expressar seu valor num equivalente de B
(um a unidade de A = duas unidades de B), o valor deste
só se configura em sua plenitude quando expresso em A. A
maximização das gratificações por parte de indivíduos cor­
responde em Parsons à maximização dos lucros am biciona­
da pelos capitalistas. A harmonia e o equilíbrio do sistem a
social dependem da livre e igual com petição dos indivídu­
os atom izados (portadores de papéis), por posições sociais
(poder e prestígio) que têm diferentes valores na hierar­
quia social. O cupa a posição quem para ela estiver mais
habilitado. Isso corresponde perfeitam ente à lei da oferta

57
Bárbara Freitag

e da procura no m ercado em que diferentes vendedores


e com pradores de m ercadorias com petem na fixação dos
preços, dando equilíbrio ao sistema. A mão invisível que
regulam enta a harm onia e a ordem dessas diferentes for­
mas de com petição é a mesma. Ela tam bém é responsável
pela “igualdade de chances” garantida a cada um , tan to no
m odelo social (de adquirir posições de prestígio e poder)
com o no m odelo econôm ico (de adquirir m ercadorias). As
recompensas e gratificações correspondem ao quantum de
m ercadorias disponíveis ou compráveis. As perturbações
do sistem a nunca se originam de conflitos internos, mas são
sem pre p roduto de intervenções externas.
A econom ia da educação ju stam en te ajuda a disfarçar
a essência do problem a subjacente a estas ideologias da
igualdade de chances e da troca de equivalentes. M arx
m ostrou em sua teoria do valor que de fato pode haver
equivalência en tre duas m ercadorias desde que m edidas
com um a unidade padrão que seja com um a ambas: o
tem p o m édio socialm ente necessário absorvido para a sua
produção. Por isso se pode trocar um saco de arroz por
dois de feijão. A única m ercadoria disponível no m ercado
em que a equivalência não funciona é em relação à p ró ­
pria força de trabalho. O seu valor de uso diverge do seu
valor de troca. Pois ela, ao ser com prada no m ercado por
um valor, quando usada no processo de trabalho, produz
mais valor do que custou ao com prador, o capitalista. Os
indivíduos ou o Estado, investindo, pois, na qualificação

58
Escola, Estado e Sociedade

da força de trabalho, e ju stam en te para aqueles setores e


ram os em que há necessidade de trabalhadores mais ou
m enos qualificados, criam um valor. Esse valor, no ato da
troca, recebe seu equivalente (tem po socialm ente necessá­
rio para produzi-lo) em salário. Mas na hora que essa força
de trabalho é em pregada no processo produtivo, ela gera
mais valor do que o salário percebido. Este ex ced en te não
retorna ao indivíduo ou ao Estado que nele investiram
para qualificá-lo, mas é apropriado pelo comprador, o em ­
presário capitalista.
A tese da econom ia da educação de que há um a taxa de
retorno individual e social, mascara esse problem a da dife­
rença de equivalentes. Nos salários que os indivíduos rece­
bem , de fato se troca equivalente por equivalente. O salário
corresponderá, em seu valor, ao tem po m édio socialm ente
necessário para a produção e reprodução da força de trab a­
lho, o que inclui sua qualificação para o trabalho. Mas esse
salário é bem m enor que o valor que o trabalhador cria no
tem p o pelo qual vendeu sua força de trabalho. Sua maior
produtividade face à sua maior qualificação não beneficia
a ele, aum entando gradativam ente seu salário, mas ao seu
em pregador que se apropria da diferença, a mais-valia.
Assim com o Parsons e os econom istas perm aneceram ,
em sua análise dos mecanismos de troca, na superfície
dos fenôm enos, assim tam bém o faz, necessariam ente, a
econom ia da educação. Mais especificam ente, ela procura
m ascarar a exploração e alienação da força de trabalho com

59
Barbara Freitag

sua teoria do crescim ento e das taxas de retorno indivi­


duais. A “taxa de reto rn o social e individual" corresponde
exatam en te à taxa de lucro, apropriada pela em presa priva­
da para assegurar o processo de acum ulação do capital.
O s m odelos teó rico s sistêm icos ta n to de Parsons com o
de B ecker ou S chultz descrevem , p o rtan to , o aspecto
ex te rio r do fu n cio n am en to dos sistem as sociais. N ão re ­
velam os v erdadeiros m ecanism os que p ro d u zem e m a n ­
tê m as estru tu ra s de desigualdade, m as os esco n d em
atrás de ap aren tes igualdades e equivalências. S o m en te
um a análise rad icalm en te crítica pode d esm ascarar o ca­
rá te r ideológico dessas teorias e da realid ad e que elas
alegam descrever.
Essa análise é feita pela prim eira vez de form a exaustiva
e explícita por A lthusser22, Poulantzas23 e E stablet24.
Estes autores não analisam som ente funções isoladas p re­
enchidas pela educação, escola ou sistem a escolar (com o foi
o caso dos teóricos até agora exam inados), perm anecendo
em um nível m eram en te descritivo, mas te n tam chegar à
essência do fenôm eno, através de um a análise crítica da
sociedade capitalista com o um todo, nas instâncias econô­
mica, política e social. É A lthusser que, pela prim eira vez,

22 ALTHUSSER, Louis. Idéologie et Appareils Idéologiques d ’Etat, Pensée, Paris,


jun. 1970.
23 POULANTZAS, Nicos. Escola em Questão, Tempo Brasileiro, n° 35, Rio de Ja­
neiro, 1973, p. 126-37.
24 ESTABLET, Roger. A Escola, Tempo Brasileiro, nü 35, Rio de Janeiro, 1973, p.
93-125.

60
Escola, Estado e Sociedade

caracteriza a escola com o "aparelho ideológico do E stado”


(AIE). Localizada no pontò de intersecção da infra-estru­
tura e dos aparelhos repressivos e ideológicos do Estado, a
escola preenche a função básica de reprodução das relações
m ateriais e sociais de produção. Ela assegura que se repro-
duza a força de trabalho, transm itindo as qualificações e
o savoir faire necessários para o m undo do trabalho: e faz
com que ao m esm o tem p o os indivíduos se sujeitem à es­
tru tu ra de classe. Para isso lhes inculca, sim ultaneam ente,
as form as de justificação, legitimação e disfarce das dife­
renças e do conflito de classes. Atua, assim, tam b ém ao
nível e através da ideologia.
“A rep ro d u ção da força de trabalho exige não so m en te
um a rep ro d u ção da sua qualificação, rnas ao m esm o te m ­
po um a rep rodução de sua subm issão às regras da ordem
estabelecida, isto é, um a reprodução da sua subm issão à
ideologia d o m in an te para os operários-e um a rep ro d u ção
de sua capacidade de bem m anejar a ideologia d o m in an ­
te para os agentes da exploração e da repressão, a fim de
assegurar, tam b ém pela palavra, a dom inação da classe
d o m in a n te ”25.
A escola contribui, pois, de duas formas, para o processo
de reprodução da formação social do capitalismo: por um
lado reproduzindo as forças produtivas, por outro lado, as
relações de produção existentes.

25 ALTHUSSER, Louis. op. cit., p. 6.

61
Barbara Freitag

Se em Bourdieu em certos m om entos se tinha a im pres­


são de a escola ser não som ente instrum ento, mas ta m ­
bém causa da divisão da sociedade em classes, E stablet26
e Poulantzas27 deixam bem claro que tanto a escola com o
outras instituições de socialização (os AIE de A lthusser),
com o a Igreja, meios de com unicação de massa, família,
“não criam a divisão em classes, mas contribuem para esta
divisão, e, assim, para sua reprodução am pliada”28.
Nisso se apóíam no próprio Marx, que deixou bem claro
que a sociedade de classes não só é gerada, mas tam b ém
reproduzida na própria esfera da produção. "A produção
capitalista..., em si m esm a reproduz a separação en tre a
força de trabalho e os meios de trabalho. R eproduz e p er­
petua, assim, as condições de exploração do trabalhador...
O processo de produção capitalista considerado em seu
contexto global, ou seja, com o um processo de reprodução,
não produz apenas m ercadorias ou mais-valia, m as produz
e reproduz, igualm ente, a relação capitalista: de u m lado o
capitalista, de outro o trabalhador assalariado”29.
A escola vem a ser, portanto, um m ecanism o de reforço
dessa própria relação capitalista.
A contribuição de Althusser, Establet e Poulantzas à teoria
da educação não consiste som ente em perceber a m ultifun-
cionalidade do sistema educacional na complexa sociedade
26 ESTABLET, Roger. op. cit., p. 107.
27 POULANTZAS, Nicos. op. cit., p. 129.
2S Ib id .,p . 129.
2'' MARX, Karl. Das Kapital. Vol. I. Berlin: D ietz Verlag, 1958, p. 606-7.

62
Escola, Estado e Sociedade

capitalista. Longe de verem nessas funções um m ero soma­


tório, revelam a dialética interna das mesmas, no contexto
da estrutura global-da sociedade. Assim, a escola, na m edida
em que qualifica os indivíduos para o trabalho, inculca-lhes
um a certa ideologia que os faz aceitar a sua condição de clas­
se, sujeitando-os ao m esm o tem po ao esquem a de dom ina­
ção vigente. Essa sujeição é, por sua vez, a condição sem a
qual a própria qualificação para o trabalho seria impossível.
É, pois, a escola que transm ite as formas de justifica­
ção da divisão do trabalho vigente, levando os indivíduos a
aceitarem , com docilidade, sua condição de explorados, ou
a adquirirem o instrum ento necessário para a exploração
da classe dom inada.
Im portante nessa explicação é o fato de que o cam inho
que garante a reprodução da força de trabalho, e com isso
das relações m ateriais de produção, precisa ser prepara­
do pelos aparelhos ideológicos. A reprodução m aterial das
relações de classe depende da eficácia da reprodução das
falsas consciências dos operários. Essas são criadas e m anti­
das com auxílio da escola. A reprodução da ideologia vem a
ser um a condição sine qua non da reprodução das relações
m ateriais e sociais de produção. A escola, com o AIE mais
im portante das sociedades capitalistas m odernas, satisfaz
plenam ente essa função30.
A escola atua no interesse da estrutura de dom inação es­
tatal e, em últim a instância, no interesse da dom inação de

30 Cf. as exposições sobre Gramsci no texto a seguir.

63
Barbara Freitag

classe. Essa dominação não se dá por via direta, através da


aplicação explícita da violência, mas de m aneira disfarçada,
com o consentim ento dos indivíduos que sofrem a violên­
cia da “ação pedagógica”. A escola tem , pois, um a função
básica de reprodução das relações de produção. Para sa­
tisfazê-la, ela age de diferentes maneiras, ao nível das três
instâncias. As diferentes form as de atuação, em seu des­
dobram ento m últiplo, vistas dialeticam ente no contexto
estrutural global, acabam por se reduzir a um a essencial: a
da m anutenção e perpetuação das relações existentes.
A lthusser, Poulantzas e Establet fornecem um referen ­
cial teórico que realm ente perm ite analisar, explicar e cri­
ticar o funcionam ento da escola nas m odernas sociedades
capitalistas.
A té aqui, porém , ainda não foram esclarecidas quais as
condições históricas e estruturais que perm itiram o for­
talecim ento dos AIE, em geral, e da escola, em especial,
com o m ecanism os hoje indispensáveis da reprodução m a­
terial e social das relações de produção. Em outras palavras,
A lthusser não revela com o surgiram esses m ecanism os que
procuram bloquear a tom ada de consciência da classe ope­
rária, na intenção de anular os dinamismos que segundo
M arx levariam inevitavelm ente à luta de classes. N ão q u e­
rem os com isso insinuar que os althusserianos vejam nos
AIE, e especialm ente na escola, os m ecanism os exclusivos
de form ação e perpetuação da falsa consciência, im pedindo
a luta de classes e paralisando a história. Mas se aceitarm os

64
Escola, Estado e Sociedade

as colocações dos autores no nível puram ente descritivo,


então as coisas se passam na sociedade capitalista como
se de fato a escola tivesse esse poder. Essa dedução seria
falsa, já que os dinamismos que criam o conflito e a luta de
classes se localizam fora da escola, m anifestando-se ta m ­
bém nos AIE, m as não só neles. O peso da escola não pode,
portanto, ser sobreestim ado. A escola não é nem a causa da
falsa consciência nem o único fator que a perpetua.
Em últim a instância, a causa d eterm in an te da condição
de classe e da falsa consciência é a infra-estrutura econô­
mica. Nas condições concretas das sociedades capitalistas
m odernas há, porém , um a sobredetermínação em que a
escola assume um papel fundam ental na m anutenção e re ­
produção das falsas consciências e, com isso, das relações
m ateriais e sociais de produção.
Falta, na análise dos althusserianos, a gênese desse m o­
m ento da sobredeterm ínação, bem com o uma análise es­
tru tu ral global detalhada que revele a conjunção de todos
os fatores (adicionais ao da educação) que perm item que
esta, institucionalizada em um AIE, assuma um papel estra­
tégico na m anutenção do statu quo, procurando bloquear
a história.
Falta tam bém a explicitação de um a estratégia que per­
m ita, no nível da superestrutura e dentro dos AIE, a supe­
ração desse m om ento de sobredeterm ínação. U m a teoria
da educação realm ente dialética teria que incluir em seu
quadro teórico os elem entos da prática que possibilitassem

65

É
Barbara Freitag

a superação de um determ inado statu quo. Essa teoria d e­


veria m ostrar o cam inho para um a ação em ancipatória da
educação no contexto estrutural analisado.
Althusser se limita a admitir que os AIE e, com eles, a
escola, não devem ser encarados somente como objetos de
estudo, mas sim como o lugar em que se manifesta a luta
de classes. O autor não desenvolve, porém, reflexões sobre a
possibilidade de a classe oprimida assumir o controle dos AIE
e através deles efetivar a luta de classes nas outras instâncias.
Althusser, apesar de adm itir a im portância estratégica
da educação com o instrum ento de dom inação nas mãos
da classe dom inante, não vê nela im portância estratégica
com o instrum ento de libertação por parte da classe dom i­
nada. Falta-lhe aqui, a nosso ver, a visão histórica e dialética
dos AIE e da escola.
Sua visão de m udança em geral e refuncionalização da
escola com o AIE de um a nova formação social segue o es­
quem a clássico de Marx.
A luta de classes se trava e se decide ao nível das outras
duas instâncias, a econôm ica e a política. E aqui que se d e­
cide o destino da superação das estruturas capitalistas, não
na instância dos AIE. Essa constatação vem a ser um tan to
paradoxal, já que a im portância dos AIE e da ideologia para
a m anutenção e reprodução dessas estruturas havia sido
claram ente reconhecida.
G ram sci vai ser o autor que atribui à escola e a outras ins­
tituições da sociedade civil (ou seja, aos AIE de A lthusser)

66
Escola, Estado e Sociedade

essa dupla função estratégica (ou seja, a função dialética)


de conservar e m inar as estruturas capitalistas.
A preocupação central de G ram sci31 não é a escola e sua
função específica na sociedade capitalista, e por isso não
pode ser considerado um teórico explícito da educação.
G ram sci te m sido caracterizado, dentro da tradição do
pensam ento m arxista, com o o "teórico das superestrutu-
ras” e é nessa qualidade que ele fornece os elem entos que
perm item pensar um a teoria dialética da educação.
U m a contribuição im portante de G ram sci à teoria do
pensam ento m arxista consiste na revisão do conceito de
Estado. Se M arx o considerava m om ento exclusivo da coa­
ção e da violência, G ram sci propõe sua subdivisão em duas
esferas: "a sociedade política, na qual se concentra o poder
repressivo da classe dirigente (governo, tribunais, exército,
polícia) e a sociedade civil, constituída pelas associações
ditas privadas (Igreja, escolas, sindicatos, clubes, meios de
com unicação de massa), na qual essa classe busca o b ter o
consentim ento dos governados, através da difusão de um a
ideologia unificadora, destinada a funcionar com o cimento
da form ação social”32.
A sociedade civil assum e aqui um sentido novo, ta n ­
to em relação a M arx com o a Hegel. H egel confundia o
conceito com o de Estado, caracterizando nele ao m esm o

31 GRAMSCI, Antonio. II M aterialismo Storico. Roma: Editori Riuniti, 1973.


32 ROUANET, Sérgio Paulo. Imaginário e Dominação. Rio de Janeiro: Editora Tempo
Brasileiro, 1978, p. 69.

67

A
Barbara Freitag

te m p o a dom inação e hegem onia burguesa. M arx o situa


na in fra-estru tu ra com o expressão da própria relação de
produção capitalista.
Para G ram sci a sociedade civil expressa o m o m en to
da persuasão e do consenso que, c o n ju n tam e n te com
o m o m en to da repressão e da violência (sociedade p o ­
lítica), asseguram a m an u ten ção da e s tru tu ra de p o d er
(E stado). N a sociedade civil a dom inação se ex pressa
sob a form a de hegem onia, na sociedade p o lítica sob a
form a de d itad u ra.
Os conceitos de sociedade civil e de hegem onia p erm i­
te m pensar o problem a da educação a partir de um novo
enfoque: perm item elaborar um conceito em ancipatório
de educação, em que um a pedagogia do oprim ido pode
assum ir força política, ao lado da conceituação da educação
com o instrum ento de dominação e reprodução das rela­
ções de produção capitalistas.
Isso porque G ram sci adm ite que na sociedade civil cir­
culam ideologias. N ela a classe hegem ônica procura im por
à classe subalterna sua concepção do m undo que, aceita
e assimilada por esta, constitui o que G ram sci cham a de
senso com um .
“É nesse sentido que G ram sci diz que 'toda relação de
hegem onia é necessariam ente um a relação pedagógica’: no
caso da hegem onia burguesa, trata-se essencialm ente do
processo de aprendizado pelo qual a ideologia da classe do­
m inante se realiza historicam ente, transform ando-se em

68
Escola, Estado e Sociedade

senso com um . E um a pedagogia política, que visa a tran s­


missão de um saber, com intenções práticas”!í.
A função hegem ônica está plenam ente realizada, quando
a classe no poder consegue paralisar a circulação de contra-
ideologias, suscitando o consenso e a colaboração da classe
oprim ida que vive sua opressão como se fosse a liberdade.
N esse caso houve um a interiorização absoluta da norm ati-
vidade hegemônica.
Para realizar essa função hegemônica, a classe dom inan­
te recorre ao que G ram sci chama de instituições privadas
(que na term inologia de A lthusser seriam ao AIE), entre
elas a escola.
É por isso que na luta de classe o controle das instituições
privadas pode assumir um papel estratégico e, dependendo
da constelação histórica, prioritário diante do controle das
instituições repressivas ou dos m ecanism os de produção.
Pois a dominação das consciências, através do exercício da
hegemonia, é um m om ento indispensável para estabilizar uma
relação de dominação, e com isso as relações de produção.
Por isso a estratégia política da classe oprim ida deve vi­
sar tam bém o controle da sociedade civil, com o objetivo
de consolidar um a contra-hegem onia.
Mas como assumir o controle, se a classe dominante, no
exercício de sua hegemonia, monopoliza as instituições priva­
das, para através delas difundir sua concepção de mundo?

53 Ibid., p. 72.

69
Barbara Freitag

E nesse contexto que assume im portância a concepção


da sociedade civil com o o lugar da circulação (livre) de
ideologias. Só não haverá essa circulação num a situação di­
tatorial, em que a sociedade política invade o terren o da
sociedade civil, transform ando o que A lthusser cham ou de
aparelhos ideológicos em aparelhos repressivos. D esde que
um a classe p reten d a assegurar seu dom ínio pela hegem onia,
precisa conceder, m esm o ilusoriam ente, um m o m en to de
liberdade, insinuando à classe oprim ida que ela livrem ente
opta por sua concepção de m undo. A contradição que aqui
se expressa pode ser explorada de maneira consciente pela
classe oprim ida. M ediante seus intelectuais orgânicos ela
pode lançar no âm bito da sociedade civil sua contra-ideo-
logia, que procurará realizar-se através das próprias in sti­
tuições privadas, os AIE, refuncionalizando-os; ou criando
contra-instituições que divulguem a nova concepção do
m undo, procurando corroer o senso com um . É óbvio que
dentro dessa visão a escola e as doutrinas pedagógicas as­
sum em um a im portância estratégica. Mas tam b ém é óbvio
que tal estratégia só terá chances de êxito quando a classe
hegem ônica oscilar no poder, delineando-se a corrosão do
bloco histórico que garantia a sua hegemonia, e dando-se a
em ergência de um novo bloco. É evidente que as chances
de êxito de um a pedagogia do oprim ido e de um a educação
em ancipatória dependem da erosão das relações de p ro ­
dução capitalista nas três instâncias que com põem o bloco
histórico. Nisso G ram sci não diverge dos althusserianos.

70
Escola, Estado e Sociedade

Mas eles, ao reform ular na teoria dos AIE o tem a grams-


ciano da hegemonia, om itiram o essencial da contribuição
de G ram sci a tese de que a luta política pode, e no contex­
to do capitalism o avançado deve, travar-se prioritariam ente
na instância da sociedade civil. O que não exclui que em
outras sociedades em outros estágios de desenvolvim ento
histórico o papel decisivo possa caber à infra-estrutura ou
à esfera estatal (sociedade política).
D en tro desse esquem a gramsciano se torna possível p en ­
sar dialeticam ente no problem a da educação e no funcio­
nam ento da escola.
S om ente ele p erm ite a conceituação de um a pedagogia
do oprim ido e um a educação em ancipatória institucionali­
zada. Isso porque o referencial teórico não se lim ita à aná­
lise, explicação e crítica de um a sociedade historicam ente
estabelecida (com o a sociedade do capitalism o avançado),
mas oferece tam bém os instrum entos para pensar e reali­
zar, com o auxílio da escola e das demais instituições da
sociedade civil (e em certos m om entos históricos, eventu­
alm ente, a partir deles), um a nova estru tu ra societária. Os
dinam ism os que regem como revelou Bourdieu e den u n ­
ciaram os althusserianos o funcionam ento da escola capi­
talista com o reprodutora das relações m ateriais, sociais e
culturais de produção dessa formação histórica podem ser
explorados em sua contradição interna, para corroer não só
sua própria funcionalidade, mas a da própria estru tu ra ca­
pitalista em questão. A contra-ideologia, na form a de uma

71
Barbara Freitag

“pedagogia do oprim ido", pode apoderar-se do AIE escolar,


corroendo-o, refuncionalizando-o, destruindo-o, ao m esm o
tem p o em que a nova pedagogia nele se institucionalizava
para divulgar sua nova concepção de m undo.
É por isso que, para Gramsci, “toda relação de hegem o­
nia é necessariam ente um a relação pedagógica”34. E toda
conceituação de educação é necessariam ente um a estraté­
gia política. Isso explica por que o controle do sistem a ed u ­
cacional constitui um m om ento decisivo na luta de classes.
N u m a form ação social h isto ricam en te realizada, esse
co n tro le sem p re é exercido pela classe d o m in an te, mas,
d ep en d e n d o da sociedade e da co n ju n tu ra h istórica es­
pecífica, o Estado pode intercalar-se com o m ediador,
com o é o caso do capitalism o m oderno. Sob a aparência
de d e fe n d e r um a concepção de m undo universal, ju sta e
n e u tra em relação a todos os m em bros da sociedade, o
E stado capitalista in tro d u z ao nível da sociedade política
e civil a concepção do m undo da classe hegem ônica, da
burguesia, usando a escola com o um dos elem en to s de
sua divulgação, inculcação e p enetração. C o m o d estac a­
ram E stab let, Poulantzas e A lthusser, essa in terv en ção
estatal não se lim ita às instâncias da su p e re stru tu ra . O
E stado cap italista m o d ern o in te rfe re d ire ta m e n te na in ­
fra -e stru tu ra , criando com as escolas “fábricas de m ão-
de-obra qualificada”35.

3,1 GRAMSCI, A. op. cit., pág. 30.


15 Ibid, Idem

72
Escola, Estado e Sociedade

É por isso que o m odelo gramsciano, explicitado em cer­


tos aspectos pelos althusseriànos, fornece o quadro teórico
referencial mais adequado para a nossa análise da política
educacional brasileira. C om o nesta análise nos propusem os
tra ta r basicam ente da política oficial, a conceituação de Es­
tado e as funções a ele atribuídas tê m peso fundam ental.
A diferenciação desse conceito, introduzida por Gramsci,
demonstra-se neste contexto extrem am ente frutífera. Pois,
podemos inserir, na nova tipologia criada sociedade política,
sociedade civil e infra-estrutura todas as ações do Estado con­
cernentes à educação focalizando-as a partir de um novo pris­
ma. Se conceituarmos política educacional como a ação estatal,
no sentido lato de Gramsci, essa política abrange as atividades
educacionais tanto da sociedade política çomo da civil.
Sendo a sociedade política o lugar do direito e da vigilân­
cia institucionalizada, será ela a encarregada de form ular a
legislação educacional, de impô-la e fiscalizá-la. Ao fazê-lo,
ela absorve a concepção do m undo da classe dom inante, a
in terp reta e a traduz para um a linguagem adequada, para
que seja legalm ente sancionada. Assim, em um certo sen­
tido, a legislação educacional já é um a das form as de m ate­
rialização da filosofia form ulada pelos intelectuais orgâni­
cos da classe dom inante. Toda classe hegem ônica procura
concretizar sua concepção de m undo na form a do senso
com um , ou seja, fazer com que a classe subalterna interio­
rize os valores e as normas que asseguram o esquem a de
dom inação por ela im plantado. U m dos agentes m ediado­

73
Barbara Freitag

res en tre a transform ação da filosofia da classe hegem ônica


em senso com um da classe subalterna é o sistem a educa­
cional; dirigido e controlado pelo Estado.
O lugar do sistem a educacional é a sociedade civil. É aqui
que se im plantam as leis. Se estas já representavam um a
form a de materialização da concepção do m undo, a sua ver­
dadeira concretização som ente se dá quando for absorvida
pelas instituições sociais que com põem a sociedade civil.
Essas, por sua vez, a inculcam aos dominados de tal maneira
que estes a transform am em padrões de orientação de seu
próprio com portam ento. O “senso com um " é, pois, a form a
mais adequada de atuação das ideologias. A escola é um dos
agentes centrais de sua formação. A im plantação da legis­
lação educacional na sociedade civil significa criar ou rees­
tru tu rar o sistem a educacional no “espírito da lei”, ou seja,
de acordo com os interesses da classe dom inante traduzidos
em sua concepção de m undo e reinterpretadas na lei.
Portanto, o Estado, depois de form ular as leis ao nível da
sociedade política, se encarrega tam bém de sua m ateriali­
zação na sociedade civil, fazendo com que haja as condições
m ateriais e pessoais de sua im plantação e que a m esm a
concepção do m undo absorvida em lei agora se reflita nos
conteúdos curriculares, na seriação horizontal e vertical de
inform ações filtradas, na imposição de um código lingüísti­
co (o das classes dom inantes), nos m ecanism os de seleção
e canalização de alunos, nos rituais de aprendizagem im ­
postos ao corpo discente pelo corpo docente etc.

74
Escola, Estado e Sociedade

A política educacional estatal procurará alcançar a hege­


monia, sem pre na defesa dos interesses da classe dom inan­
te. Por isso seu domínio não se pode dar pela violência (seria
o caso da ditadura), mas precisa criar as condições para que
os indivíduos das classes subalternas façam suas opções de
form a aparentem ente livre. Por isso o Estado não pode, por
exem plo, im por rigidam ente a escolha das profissões, limi­
tar as leituras dos estudantes, privá-los ostensivam ente do
direito à reflexão. O pequeno grau de liberdade que neces­
sariam ente precisa haver na sociedade civil, para conseguir a
dominação pelo consenso e garantir a hegemonia da classe no
poder, é a chance de liberação da classe subalterna. Q uando
esse grau de liberdade é utilizado para propagar um a con-
tra-ideologia, ou se cria um a nova situação hegem ônica ou o
Estado interfere com seus mecanismos corretivos, tan to ao
nível da sociedade civil como da política, para im pedir a con­
cretização dessa contra-ideologia. Também há interferência
estatal quando, no processo de transform ação da concepção
de m undo em senso comum, ocorrem , na realidade efeti­
va, defasagens em relação às intenções originais da classe
reform ulando leis (reforma do ensino), reestruturando a
organização interna do sistema educacional, reorganizando
currículos etc. Os corretivos da política educacional visam
ou um ajustam ento perfeito do funcionam ento da realida­
de efetiva aos postulados inerentes à concepção do m un­
do, ou reform ulam essa própria concepção do m undo sob
forma de leis, programas, planos etc., quando a realidade,

75
Barbara Freitag

especialm ente a esfera da produção, apresenta alterações


substanciais, que modificam a constelação de interesses da
classe detentora dos meios de produção, forçando-a a rever
sua concepção de m undo.
Podem os dizer que isso ocorreu em relação à escola e à
valorização da educação com o força produtiva no justo m o ­
m ento em que a reprodução am pliada passou a dep en d er
da força de trabalho cada vez mais qualificada.
A política educacional estatal age e se m anifesta acima
de tu d o na superestrutura; de fato, porém , sua ação visa
a infra-estrutura: aqui ela procura assegurar a reprodução
am pliada do capital e as relações de trabalho e de produção
que a sustentam .
Por isso a política educacional se m anifesta, direta ou
indiretam ente, tam bém na infra-estrutura. A sua atuação
é direta quando visa transform ar a escola nos centros de
qualificação da força de trabalho. C om isso o Estado p ro ­
cura ativar as forças produtivas em nom e de um projeto de
desenvolvim ento da sociedade global, de fato, porém , no
interesse dos detentores dos meios de produção. Também
no caso específico desta política educacional o Estado fun­
ciona com o corretivo da própria economia capitalista.
A análise crítica da escola ou do sistem a educacional
com o AIE, isto é, com o mecanism o de dom inação pelo
consenso, realm ente só aparece em todas as suas dim en­
sões quando dem onstrada sua vinculação dialética com a
política educacional do Estado. Som ente a atuação desta

76
Escola, Estado e Sociedade

nas três instâncias através da manipulação do AIE escolar


torna com preensível a m ultifuncionalidade do sistem a de
ensino nas diferentes instâncias da form ação capitalista. O
Estado, através de sua política educacional, só é o ator e a
causa central do funcionam ento do m oderno sistem a de
educação capitalista, aparentem ente. Em verdade seu pa­
pel é o de m ediador dos interesses da classe dom inante.
Esses interesses se concentram na base do sistem a, a
produção de mais-valia, ou seja, m anter as relações de ex­
ploração da classe subalterna.
É este o quadro referencial teórico den tro do qual p ro ­
curarem os desenvolver nossa análise da política educacio­
nal brasileira da últim a década.

77
I
Política educacional:
Uma retrospectiva histórica

E QU ISERM OS COM PREENDER AS MEDIDAS GOVERNAM ENTAIS

S tom adas no setor educacional na últim a década, não


basta inserir as inform ações em píricas desse período no
quadro teórico anteriorm ente elaborado. Para realm ente
poderm os avaliar o peso e a funcionalidade dessas m edi­
das, torna-se necessário vê-las no contexto mais am plo da
sociedade brasileira, o que pressupõe um a retrospectiva
histórica. C aracterizando de maneira mais adequada o p e­
ríodo que antecede às reform as e iniciativas na área educa­
cional en tre 1965-1975, conseguiremos elaborar com mais
precisão os critérios de avaliação das novas m edidas.
O referencial teórico que elaboramos no capítulo an­
terior, usado de maneira flexível, nos ajudará a fazer essa
análise. Para isso precisamos adaptá-lo às conjunturas his­
tóricas e à especificidade da sociedade em questão. Para o
Barbara Freitag

caso brasileiro essa especificidade im põe a reflexão do p ro ­


blem a educacional dentro da perspectiva da dependência.
D e acordo com os diferentes m om entos históricos, essa
assume características bem específicas.
Procurarem os ver se nos diferentes m om entos da reali­
dade brasileira a problem ática educacional tam bém assume
traços específicos, fazendo-se sentir na política educacional,
na estrutura e no funcionam ento do sistema educacional.
A caracterização a que aqui nos propusem os só pode ser
feita em seus traços m uito genéricos, servindo m eram ente
de pano de fundo para a elucidação do período que analisa­
remos de forma mais detalhada: a década de 1965 a 1975.
Para facilitar o nosso trabalho introduziremos um a periodi­
zação que contém seus elementos de arbitrariedade, mas que
satisfaz plenam ente às nossas intenções. A essa periodização
correspondem três modelos específicos da economia brasi­
leira1. O prim eiro abrange o Período Colonial, o Império e a
I República (1500-1930). Para esse período é característico o
modelo agroexportador de nossa economia. Ao segundo perío­
do, que vai de 1930 a 1960 aproximadamente, corresponde
0 modelo de substituição das importações. O terceiro, no
qual justam ente nos deterem os mais, vai de 1960 aos nossos
dias e foi caracterizado como o período da “internacionaliza­
ção do m ercado interno”2.

1 Veja especialmente: TAVARES, Maria da Conceição: Da Substituição de Importa­


ções ao Capitalismo Financeiro, Zahar, Rio de Janeiro, 1973, (2a ed.). Mas também:
FURTADO, Celso. Análise do Modelo Brasileiro. 3n ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1972.
2 CARDOSO, Fernando Henrique e FALETTO, Enzo. Dependencia y Desarrollo en
América Latina. 3a ed. México: Siglo Veintiuno Editores, 1971.

80
0 primeiro período

S CARACTERÍSTICAS DA POLÍTICA ED U CA CIONA L D O PRIM EI-

A ro período precisam ser vistas à luz da organização da


econom ia e da especificidade da form ação social brasileira
com o um todo. O m odelo agroexportador, im plantado já
na época da colônia, fundam entava a organização da eco­
nomia na produção de produtos primários, p redom inante­
m ente agrários, destinados à exportação para as m etró p o ­
les. D urante séculos essa econom ia se assentava em um só
pro d u to de exportação (açúcar, ouro, café, borracha), ra­
zão pela qual o m odelo agroexportador era ex trem am ente
vulnerável. D ependia das oscilações do m ercado dos países
de econom ia hegemônica. Esse m odelo perdurou até a cri­
se do café, gerada pela crise econôm ica m undial em 1929.
Podem os dizer que nesse período um a política educa­
cional estatal é quase que inexistente. Basta ressaltar que
Barbara Freitag

o prim eiro M inistério de Educação é criado pelo governo


de G etúlio Vargas em 1930. Isso não quer dizer, porém ,
que o sistem a educacional correspondente aos diferentes
m om entos desse período fosse to talm en te inoperante. De
fato, durante o Brasil-Colônia, funcionou aqui um sistem a
educacional m ontado pelos jesuítas que cum pria com um a
série de funções, tam bém im portantes para a coroa p o rtu ­
guesa (Estado).
O quadro teórico fornecido por G ram sci possibilitaria a
seguinte interpretação: a fase colonial caracterizava-se pela
inexistência de instituições autônom as que com pusessem a
sociedade política. Essa se reduzia às representações locais
do poder da m etrópole. A sociedade civil era com posta
quase que exclusivam ente pela Igreja. A in fra-estrutura
correspondia ao que acabamos de caracterizar com o eco­
nom ia agroexportadora.
Q u e im portância poderia te r a educação d en tro de tal
form ação social? A m onocultura latifundiária exigia um
m ínim o de qualificação e diversificação da força de tra ­
balho. Essa se com punha quase que exclusivam ente de
escravos trazidos da África. Portanto, não havia nenhum a
função de reprodução da força de trabalho a ser p reen ch i­
da pela escola. A estru tu ra social tam bém se encontrava
pouco diferenciada: além dos escravos (classe trabalha­
dora), a com punham os senhores das “casas grandes”, ou
sejam, os latifundiários e donos de engenho; os adm inis­
tradores portugueses representantes da Coroa na Colônia

82
Escola, Estado e Sociedade

e o clero (na m aioria jesuítas). A reprodução dessa e stru ­


tu ra de classes era garantida pela própria organização da
produção. A escola, com o m ecanism o de re-alocação dos
indivíduos na estru tu ra de classes, era, p o rtanto, dispen­
sável. Restavam -lhe ainda duas funções: a de reprodução
das relações de dom inação e a de reprodução da ideolo­
gia dom inante. As escolas de jesuítas, especialm ente os
colégios e sem inários em funcionam ento em to d a a C o ­
lônia, preenchiam p erfeitam en te essas funções, ajudan­
do e assegurando dessa m aneira a própria reprodução da
sociedade escravocrata. Os jesuítas, além de preparar os
futuros bacharéis em belas-artes, direito e m edicina, tan to
na C olônia com o na M etrópole, fornecendo assim os qua­
dros dirigentes da adm inistração colonial local, form avam
ainda os futuros teólogos, reproduzindo os seus próprios
quadros hierárquicos, bem com o os educadores, recru ta­
dos quase que exclusivam ente do seu m eio. C om isso a
Igreja C atólica não só assumia a hegem onia na sociedade
civil, com o penetrava, de certa forma, na própria socieda­
de política através dessa arm a pacífica, que era a educa­
ção. Os colégios e sem inários dos jesuítas foram desde o
início da colonização os centros de divulgação e inculcação
do cristianism o e da cultura européia, ou seja, da ideologia
dos colonizadores. D eclaradam ente sua função consistia
em subjugar pacificam ente a população indígena e tornar
dócil a população escrava. Assim, a Igreja, utilizando-se
tam bém da escola, auxiliou a classe dom inante (latifundiá­

83
Barbara Freitag

rios e represen tan tes da coroa portuguesa), da qual p arti­


cipava, a subjugar de form a pacífica as classes subalternas
às relações de produção im plantadas.
Apesar da expulsão transitória dos jesuítas do Brasil no
fim do século XVIII, a Igreja preservou sua força na socieda­
de civil ainda nas fases do Império e da Primeira República.
É ela que, basicamente, continuava a controlar as institui­
ções de ensino, encarregando-se ainda por m uito tem p o da
função de reprodução da ideologia. Aliás, são poucas as m u ­
danças sofridas pela sociedade colonial durante o Im pério
e a Primeira República. A economia continuava sendo
agroexportadora. Da m onocultura açucareira passava-se
para a cafeeira. A força de trabalho escrava era substituí­
da parcialm ente pela força de trabalho dos imigrantes, que
vêm ainda em maior escala quando, no fim do Império, se
passava ao regime do trabalho livre. Mas a estrutura social
de dom inadores e dominados perm anece, em sua com po­
sição básica, a mesm a. Não há necessidade de qualificação
da força de trabalho imigrante pela escola brasileira, pois
ela já vem qualificada para o tipo de tarefas que a esperam .
A dependência econômica, agora em relação à Inglaterra,
perm anece a mesm a, apesar da independência política do
Brasil. Surge, porém , a necessidade da formação de quadros
técnicos e adm inistrativos novos, razão pela qual se m an­
tê m e se ampliam as inovações introduzidas por D. João VI
por ocasião da transferência da corte portuguesa ao Brasil
em 1808 (fundação de escolas técnicas, academias, insta­

84
Escola, Estado e Sociedade

lação de laboratórios etc.). Com a independência política,


torna-se necessário fortalecer a sociedade política, o que
justifica o surgimento de uma série de escolas militares, de
nível superior, ao longo do território nacional. As instituições
de ensino não-confessionais passam, assim, a assumir par­
cialm ente a função de reprodução dos quadros dirigentes. A
função de reprodução ideológica, necessária à submissão das
classes subalternas às relações de dominação e às condições
do trabalho explorado, continua sendo desem penhada, para­
lelamente, pela Igreja e suas escolas confessionais.
Concluindo, poderíam os dizer que no fim do Im pério e
com eço da República se delineiam os prim eiros traços em ­
brionários de um a política educacional estatal. Ela é fruto
do próprio fortalecim ento do Estado, sob a form a da so­
ciedade política. A té então a política educacional era feita
quase que exclusivam ente no âm bito da sociedade civil,
por um a instituição todo-poderosa, a Igreja.
0 segundo período
A fase de 1930-1945

FORTALECIMENTO DAS INSTITUIÇÕES DA SOCIEDADE POLÍTICA

O decorria, por sua vez, da importância que os aparelhos


jurídico e repressivo do Estado adquiriam como mediadores
do processo econômico. Este se limitava, para a fase em ques­
tão, praticam ente à produção do café para o mercado inter­
nacional. Por isso, a atuação do Estado vai.se dar praticam ente
entre este mercado e os interesses dos cafeicultores paulistas.
Era o Estado que avalizava os investimentos no setor ferroviá­
rio, contratava os empréstimos para a expansão da produção
cafeeira nos países de economia hegemônica e incentivava
(financiando-a, parcialmente) a imigração da força de traba­
lho necessária, em decorrência da expansão das lavouras.
Foi, finalmente, este Estado quem se encarregou da “so­
cialização das perdas"1, durante a crise de superprodução

1 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Editora N a­


cional 1961.
Barbara Freitag

cafeeira no início da década de 1920. O Estado passou a


com prar o produto excedente com auxílio de créditos adqui­
ridos no exterior, dentro de sua política de “valorização”2.
U m a das conseqüências dessa política foi o aum ento ili­
m itado da dívida externa, por sua vez já bastante elevada
pela custosa im portação de bens de consumo.
A crise m undial de 1929 encam inha as m udanças estru ­
turais que vão caracterizar o m odelo de substituição das
im portações, correspondente ao segundo período que nos
propusem os a analisar nessa retrospectiva histórica.
Esse m odelo foi decorrência im ediata da crise cafeeira
provocada pela crise m undial. A conseqüente baixa dos
preços do café fez com que capitais de investim ento se
deslocassem para outros setores produtivos.
A falta de divisas impôs a restrição da im portação de
bens de consumo. Todos esses fatores contribuíram para
o fortalecim ento da produção industrial no Brasil, p rim ei­
ram ente concentrada na produção dos bens de consum o
anteriorm ente im portados. Essa substituição das im p o rta­
ções, além de produzir um a diversificação da produção, re-
lativizou o p oder econôm ico dos cafeicultores e fortaleceu
outros grupos econômicos, especialm ente um a nova b u r­
guesia urbano-industrial. Essas m udanças provocaram um a
reestruturação global do poder estatal, tan to na instância
da sociedade política como da sociedade civil.

2 Ibid., p. 218 e segs.

88
Escola, Estado e S oc i edade

A classe até então hegem ônica dos latifundiários cafei-


cultores é forçada a dividir'O poder com a nova classe bur­
guesa em ergente. Em conseqüência dessa nova situação,
há um a reorganização dos aparelhos repressivos do Esta­
do. C om auxílio de certos grupos m ilitares (tenentes) e
apoiado pela classe burguesa, Vargas assum e o p oder em
1930, im plantando, em 1937, o Estado Novo, com traços
ditatoriais. Isto significa que a sociedade política invade
áreas da sociedade civil, subordinado-as ao seu controle. E
o que ocorrerá com as instituições de ensino. Percebe-se
um a intensa atividade do Estado em ambas as instâncias da
superestrutura. E criado pela prim eira vez3, em 1930, um
M inistério de Educação e Saúde, ponto de partida, segun­
do Valnir Chagas4, para m udanças substanciais na educa­
ção, en tre outras, a estruturação de um a universidade. De
fato, só então são fundadas no Brasil, as prim eiras univer­
sidades, pela fusão de um a série de instituições isoladas de
ensino superior5.
Estabelece a nova Constituição de 1934 (Art. 150, a) a
necessidade da elaboração de um Plano Nacional da Edu­
cação que coordene e supervisione as atividades de ensi­
no em todos os níveis. São regulam entadas (tam bém pela

3 Essa afirmação só é válida se negligenciarmos como tal o “Ministério de Instrução,


Correios e Telégrafos", criado em 1890 e dissolvido depois de dois anos.
4 CHAGAS, Valnir. A Luta pela Universidade no Brasil, Revista Brasileira de Estu­
dos Pedagógicos, Vol. 48, jul./set. 1967, p. 48.
5 Remontam a essa época a fundação das universidades do Rio de Janeiro, de São
Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre.

89
Barbara Freitag

prim eira vez) as form as de financiam ento da red e oficial


de ensino em quotas fixas para a Federação, os Estados e
M unicípios (Art. 156), fixando-se ainda as com petências
dos respectivos níveis adm inistrativos para os respectivos
níveis de ensino (Art. 150).
Im planta-se a gratuidade e obrigatoriedade do ensino
prim ário. O ensino religioso torna-se facultativo.
Parte substancial dessa legislação do ensino é absorvida
pela nova C onstituição de 1937. Aqui aparecerão dois no­
vos parágrafos de extrem a im portância para a refuncionali-
zação do sistem a escolar em vista das m udanças macro-es-
truturais ocorridas na infra-estrutura e na organização do
poder. E introduzido o ensino profissionalizante, previsto,
antes de mais nada, para as classes “m enos privilegiadas”
(Art. 129). Dispõe ainda este Artigo de Lei que é obrigação
das indústrias e dos sindicatos criarem escolas de aprendi­
zagem na área de sua especialização para os filhos de seus
em pregados e m em bros.
D eclaram -se obrigatórias as disciplinas de educação m o­
ral e política (Art. 131).
Tanto G etú lio Vargas com o seu M inistro da Educação,
G ustavo C apanem a, reforçam em discursos e iniciativas
essas colocações políticas6 da Constituição.
D e fato, já um ano após a promulgação da lei, são im ­
plantadas, por ordem do governo central, escolas técnicas

'' Cf. Ministério de Educação e Saúde (ed.). Panorama da Educação Nacional, Rio de
Janeiro, 1937, p. 9 e segs. Veja tam bém: PEREIRA DA SILVA, J. (org.). /Is Melhores
Páginas de Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1940.

90
Escola, Estado e Sociedade

profissionalizantes (liceus) em Manaus, São Luís, Vitória,


Pelotas, Goiânia, Belo H orizonte e Rio de Janeiro, destina­
das a criar, nas palavras do próprio M inistro C apanem a, na
m oderna juventude brasileira, um “exército de trab alh o ”,
para o “bem da nação”7.
Temos, pois, no início do período que caracterizava o
m odelo econôm ico da substituição de im portações, uma
tom ada de consciência por parte da sociedade política, da
im portância estratégica do sistem a educacional para asse­
gurar e consolidar as mudanças estruturais ocorridas tanto
na infra com o na superestrutura. Por essa razão a jurisdição
estatal passa a regulam entar a organização e o funciona­
m ento do sistem a educacional, subm etendo-o, assim, ao
seu controle direto. A Igreja passa a te r influência cada vez
m enor sobre ele. Isso se com prova por um lado pela tran s­
form ação do ensino confessional em facultativo e por ou­
tro pela redução da participação das escolas confessionais
no ensino prim ário. Assim, em 1933, as escolas prim árias
contavam com 21.726 estabelecim entos de ensino oficiais
(reunindo os estatais e municipais) e 6.044 particulares
(incluindo, portanto, os confessionais). Em 1945 essas
cifras se haviam alterado respectivam ente para 33.423 e
5.908. Q uanto à m atrícula geral, ela assum e as seguintes
proporções: em 1933 se registraram 1.739.613 matrículas
na rede oficial face a 368.006 na rede particular. Em 1945

7 M inistério de Educação e Saúde M EC/SEEC (ed.): Panorama da Educação N acio­


nal, op. c i t p . 30 e segs.

91
Barbara Freitag

esses dados se haviam alterado para 2.740.755 na rede ofi­


cial e 498.085 na particular8. A partir da década de 1960
essa tendência tam bém se faz sentir no ensino m édio, se
bem que não de m aneira tão radical9. Esses dados ilustram
bastante bem como o Estado a partir da sociedade política
tom a conta progressiva do sistem a educacional, transfor­
m ando-o gradualm ente de instituição outrora privada da
Igreja em um perfeito “aparelho ideológico do E stado”.
A política educacional do Estado Novo não se lim ita à
simples legislação e sua implantação. Essa política visa,
acima de tudo, transform ar o sistem a educacional em um
instrum ento mais eficaz de m anipulação das classes subal­
ternas. O utrora to talm en te excluídas do acesso ao siste­
ma educacional, agora se lhes abre generosam ente um a
chance. São criadas as escolas técnicas profissionalizantes
(“para as classes m enos favorecidas"). A verdadeira razão
dessa abertura se encontra, porém , nas m utações ocorri­
das na infra-estrutura econôm ica, com a diversificação da
produção. Especialm ente o trabalho nos vários ram os da
indústria exige m aior qualificação e diversificação da força
de trabalho, e, portanto, um maior trein am en to do que o
trabalho na produção açucareira ou do café. O Estado, p ro ­
curando ir ao encontro dos interesses e das necessidades

a Cf. Sinopse Retrospectiva do Ensino no Brasil. Principais Aspectos Estatísticos, Rio


de Janeiro, sem data e página. Se estamos tomando particular como confessional isto
só é lícito porque o confessional pelo menos é uma parte do particular. Assim que
reduções neste tam bém afetam aquele.
11 Veja M EC /IB G E (ed.): Brasil - Séries Retrospectivas, 1970, Rio de Janeiro, p.
2 4 9 e 254.

92
Escola, Estado e Sociedade

das em presas privadas, se propõe a assumir o treinam ento


da força de trabalho de que elas necessitam . Essa m edi­
da política é tom ada no interesse do desenvolvim ento das
forças produtivas (veja-se o pronunciam ento do então M i­
nistro C apanem a de querer “criar um exército de trabalho
para o bem da nação”), mas beneficiando diretam en te os
diferentes setores privados da indústria.
A nova força de trabalho precisa ser recrutada dentro
da nova configuração da sociedade de classes. E vidente­
m en te não será fornecida pela classe dom inante, na qual
continuam figurando, m esm o com seu poder reduzido, a
velha aristocracia rural, a burguesia financeira e a nova bur­
guesia industrial em ascensão. Preocupada em form ar seus
quadros dirigentes em escolas de elite (na maioria ainda
particulares) esta classe não revela interesse pelo ensino
técnico. A força de trabalho adicional tam bém não poderá
ser buscada nos setores médios e baixos da burguesia e da
pequena burguesia ascendente, preocupada em ocupar as
vagas do ensino propedêutico, a fim de alcançar um título
acadêm ico (um a das formas de ascensão). Pelo grande d é­
ficit educacional nas áreas rurais, tam bém não será o cam ­
pesinato que fornecerá os elem entos que, qualificados pela
escola, prom overão o desenvolvim ento industrial. Resta a
reduzida classe operária, form ada parcialm ente pelos tra ­
balhadores urbanos e rurais imigrados ao Brasil nas déca­
das anteriores, bem como populações nacionais migradas
para os centros urbanos, semi e desqualificadas, ou seja, "o

93
Barbara Freitag

exército industrial de reserva”. Assim, as escolas técnicas


vão ser “a escola para os filhos dos o u tro s”, ou m elhor, a
única via de ascensão perm itida ao operário. Q ue essa via
é falsa e se revela um beco sem saída, está im plícito na
especificidade dessa escola. Sendo de nível m édio, ela não
habilita seus egressos a cursarem escolas de nível superior.
Criou-se a dualidade do sistem a educacional que, além de
produzir e reproduzir a força de trabalho para o processo
produtivo, garante a consolidação e reprodução de um a so­
ciedade de classes, mais nitidam ente configurada que no
período anterior.
O sistem a educacional do Estado Novo reproduz em sua
dualidade a dicotom ia da estrutura de classes capitalista
em consolidação. Tal dicotom ia é cam uflada atrás de um a
ideologia paternalista. As chances educacionais oferecidas
pelas escolas técnicas (para "os m enos favorecidos”) pare­
cem te r caráter de prêm io.
D e fato, elas criam as condições para assegurar maior
produtividade do setor industrial. Em outras palavras,
criam a possibilidade de extrair parcela m aior de mais-valia
dos trabalhadores mais bem treinados. As condições para
essa exploração são criadas e financiadas pelo E stado10.

10 Se em 1933 havia som ente 133 estabelecim entos de ensino técnico industrial, no
fim do Estado Novo (1945) são registrados 1.368 estabelecim entos. A matrícula
para esse ramo de ensino perfazia 14.693 alunos em 1933 e 65.485, em 1945. Os
dados foram retirados de um a tabela apresentada por Lourenço Filho em: Alguns
Elementos para o Estudo dos Problemas do Ensino Secundário, Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos, Vol. XIV n° 40, set./out. 1950, p. 80.

94
A fase de 1945-1964

E C O N O M IA DE SU B ST ITU IÇ Ã O DE IM PO RTA ÇÕ ES IN IC IA D A

A em 1930 e fortalecida pela conjuntura internacional


decorrente da II G uerra M undial produziu o “deslocam en­
to do centro de decisões de fora para d e n tro ”1. Em outras
palavras, se antes o desenvolvim ento da econom ia agro-
exportadora dependia do m ercado m undial e, portanto,
de decisões que escapavam aos produtores internos, essas
decisões passaram a ser tom adas internam ente, quando o
setor produtivo passou a satisfazer as necessidades do m er­
cado interno, produzindo bens de consum o que antes eram
im portados.
Vimos que foi a crise econômica internacional que desen­
cadeou todos esses processos de mudança. Mas este processo

1 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil, op. cit., p. 218 e, do mesmo au­
tor, A Dialética do Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Editora Nacional, 1961, p. 118.
Barbara Freitag

foi reforçado e assegurado pela II G uerra Mundial. As eco­


nomias dos países beligerantes passaram a produzir material
bélico e a limitar a produção de bens de consumo para a ex­
portação. Dessa forma a indústria nacional teve chances de
desenvolver-se, sem a com petição de produtos estrangeiros.
Sem esse m om ento puram ente conjuntural, a substituição
das im portações não teria tido grandes êxitos. Prova disso, é
que, finda a guerra, essa situação m udou fundam entalm en­
te. Os laços de dependência que durante o período de 1930
a 1945 foram se afrouxando, agora se restabelecem 2.
A fase que vai de 1945 até o início dos anos 1960 corres­
ponde à aceleração e diversificação do processo de subs­
tituição de im portações. N o nível político, sua expressão
mais perfeita é o Estado populista-desenvolvim entista, que
representa um a aliança mais ou m enos instável en tre um
em presariado nacional, desejoso de aprofundar o proces­
so de industrialização capitalista, sob o am paro de b arrei­
ras protecionistas, e setores populares cujas aspirações de
participação econôm ica (maior acesso a bens de consumo)
e política (m aior acesso aos mecanismos de decisão) são
m anipuladas tacitam ente pelos prim eiros, a fim de gran-
jear seu apoio contra as antigas oligarquias. Surge, nessa
fase, um novo protagonista do processo de substituição de
im portações: o capital estrangeiro que, pelo m enos na fase
de euforia desenvolvim entista, não é percebido com o um

2 CARDOSO, Fernando Henrique e FALETTO, E. op. cit., p. 144.

96
Escola, Estado e Sociedade

inimigo do projeto nacional-desenvolvim entista, já que sua


penetração não parecia te r nenhum sentido desnacionali-
zante, ou de expropriação de áreas já ocupadas pelo capital
nacional, mas sim plesm ente o de abertura de novas frentes
de investim ento substitutivo. C om o fim do período fácil
de substituição de im portações, em que todos os interes­
ses pareciam conciliáveis, vão aflorando os conflitos que
até então só existiam de forma laten te3. O pacto populis­
ta com eça a fragmentar-se: as pressões distributivistas das
massas se tornam cada vez mais dificilm ente harmonizáveis
com a m anutenção da lucratividade das em presas e com as
necessidades de acumulação, um a vez esgotada a euforia
desenvolvim entista. As classes médias, profissionais libe­
rais, forças armadas, pauperizadas pela inflação, sentem -se
excluídas dos processos decisórios do Estado populista, que
não mais representa os seus interesses, e que parece enca­
m inhar-se para rum os de crescente radicalização. O capital
estrangeiro sente no m odelo político vigente (dem ocracia
liberal mais ou m enos clássica, que perm ite um a crescente
participação das massas) uma barreira ao seu projeto de
expansão e de gradual absorção do m ercado interno, com o
m ínim o de freios institucionais ou de interferências reivin-
dicatórias alheias à racionalidade das decisões econômicas.
C om eça a delinear-se, no fim do período, um a nova pola­
rização: de um lado os setores populares, representados,


’ Ibid., p. 145 e segs.

97
Barbara Freitag

até certo ponto, pelo Estado, e por alguns intelectuais de


classe média; e de outro, um amálgama heterogêneo que
com preendia grandes parcelas da classe m édia, da cham a­
da burguesia nacional, do capital estrangeiro m onopolista e
das antigas oligarquias.
Podem os m uito esquem aticam ente dizer que esse ú lti­
m o período se caracterizou pela coexistência contraditória,
e às vezes abertam ente conflitiva, de um a tendência p o p u ­
lista e de um a tendência antipopulista.
A política educacional que caracteriza esse período re ­
flete m uito bem a ambivalência dos grupos no poder. Essa
política se reduz praticam ente à luta em torno da Lei de
D iretrizes e Bases da Educação Nacional e à C am panha da
Escola Pública4.
A C onstituição de 1946 havia fixado num dos seus pará­
grafos (Art. 5 X y d) a necessidade da elaboração de novas
leis e diretrizes para o ensino no Brasil que substituíssem
aquelas consideradas ultrapassadas do G overno Vargas.
D e fato, com a reorganização da econom ia brasileira no
contexto internacional, as funções dadas à escola pelo Es­
tado Novo não poderiam perm anecer intactas.
Mais um a vez o Estado será o m ediador dos novos in te­
resses surgidos com a reorganização da econom ia nacional
e internacional depois da G uerra. Com o ao nível da socie­

4 MACIEL DE BARROS, Roque Spencer (org.). Diretrizes e Bases da Educação


Nacional. São Paulo, 1960. A coletânea reúne todas as contribuições de importância
feitas em debates na época contendo um anexo com toda a legislação, inclusive os
Projetos de Lei.

98
Escola, Estado e Sociedade

dade política a configuração do poder ainda não se havia


delineado claram ente, obserVando-se tam b ém aqui, como
na econom ia, um a fase de transição, a própria legislação
educacional brasileira vai passar por um a série de indefi­
nições (sem produzir tão cedo um a nova lei) que refletem
essa transitoriedade.
O tex to definitivo de LDB só será sancionado em 1961,
rem ontando a 1948 o prim eiro Projeto de Lei, encaminhado
à Câm ara pelo então M inistro da Educação, C lem ente Ma-
riani. Esse projeto, expressão das preocupações populistas do
novo governo, procura corresponder a certas ambições das
classes subalternas. A burguesia nacional, ainda a "fração he­
gem ônica” do "bloco no p o d er”5 abre, nesse Projeto de Lei,
algumas concessões às classes camponesa e operária. Primei­
ro, propondo a extensão da rede escolar gratuita (primário e
secundário), segundo, criando a equivalência dos cursos de
nível m édio (inclusive o técnico), que, além de equiparados
em term os formais, apresentam, nesse projeto, maior flexi­
bilidade: perm item a transferência do aluno de um ram o de
ensino para outro, m ediante prova de adaptação6.
Esse projeto, bastante progressista para a época, é enga­
vetado, sendo retom ado som ente em 1957. U m novo Pro­

s PO ULANTZAS, Nicos. Pouvoir Politique et Classes Sociales. Vols. 1 e II. Petite


Paris: Collection Maspero, 1971.
Veja Projeto de Lei sobre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional - elaborado
em 1948 por um a comissão de especialistas por iniciativa do então M inistro da Edu­
cação, Dr. C lem ente Mariani, no anexo de Maciel de barros, R. S. (org.). op. cit.,
p. 479-503.

99
Barbara Freitag

jeto de Lei conhecido pelo nom e de "substitutivo Lacer­


da”7 é encam inhado à Câm ara. As inovações desse projeto
em relação ao anterior e à legislação educacional vigente
consistem em reduzir ao m áxim o o controle da socieda­
de política sobre a escola, restituindo-a, com o instituição
privada, à sociedade civil. Essa preocupação se trad u z nos
seguintes tópicos propostos: recorrendo ao direito e dever
dos pais de educarem seus filhos, o projeto propõe que a
educação seja predom inantem ente m inistrada em in stitui­
ções particulares e som ente de form a com plem entar pelo
Estado (sociedade política). Assim, os pais teriam a possi­
bilidade de optar livremente pelo tipo de ensino que seus
filhos receberiam .
Essa colocação ev id en tem en te esconde um in teresse de
classe. A fração da burguesia que fala através da nova Pro­
posta de Lei não é mais a nacional que procura cooptar
a classe operária. Aqui fala a fração que ju sta m en te quer
excluí-la de um possível m ecanism o de ascensão (m es­
m o que sim plesm ente individual). O ensino particular
- com o se sabe - é ensino pago. Q ue liberdade teriam
os pais de um cam ponês, operário ou h ab itan te de favela
para escolher um a escola particular para seus filhos? Essa
proposta, que, aliás, om itia o parágrafo da gratuidade do
ensino no Brasil, era obviam ente excludente. N em por

1 Veja Substitutivo ao Projeto de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - apre­


sentado à Câmara dos Deputados pelo D eputado Carlos Lacerda a 15 de janeiro de
1959, no anexo de Maciel de barros, R. S. (org.). op. cit., p. 505-22.

100
Escola, Estado e Soc i e d a d e

isso o projeto abdicava da subvenção do Estado, p ro p o n ­


do que este financiasse a red e particular, a fim de asse­
gurar a educação adequada de seus futuros cidadãos. Essa
tarefa não lhe daria, porém , em contraposição, o d ireito
de fiscalizar a red e particular. A legando a lib erd ad e de
ensino, o p ro jeto pro p u n h a que esta ficasse ao encargo
dos professores e dos d ireto res das escolas particulares.
Foram ju sta m e n te estes aspectos do p ro jeto que lev an ta­
ram um a onda de p ro testo s en tre intelectuais, pedagogos
e liberais em to d o o Brasil. Em seu “M anifesto dos E du­
cad o res”, eles se opõem ao projeto, alertan d o o público
e o governo sobre as im plicações dessa p ro p o sta8. A tra­
vés desse m anifesto, dão ainda início a um a cam panha
a favor da escola pública com a in ten ção de im p ed ir a
aceitação desse p ro jeto com o lei pela C âm ara, Senado e
Presidência da R epública9.
Dos m uitos debates travados, resultou finalm ente a Lei
4.024 que estabelece as D iretrizes e Bases da Educação
Nacional. Ela é o com prom isso en tre as duas tendências
expressas pelos dois Projetos de Lei (M ariani e Lacerda).
Assim ela estabelece que tan to o setor público quanto o
particular tê m o direito de m inistrar o ensino no Brasil em
todos os níveis (Art. 2). A gratuidade do ensino fixada na

s Cf. O M anifesto dos Educadores, publicado pela primeira vez em O Estado de S.


Paulo, de 1/6/1959.
!l Veja: FERNANDES, Florestan. Os Objetivos da Campanha em Defesa da Escola
Pública. In: FERNANDES, Florestan: Educação e Sociedade no Brasil. São Paulo,
1965, p. 356 e segs.

101
Barbara Freitag

C onstituição de 1946 fica omissa na nova lei. Em casos


claram ente definidos, o Estado se propõe a subvencionar
as escolas particulares (Art. 95, § 1, c). Se dessa form a os
setores privados viram assegurados os seus direitos triu n ­
fando parcialm ente a proposta Lacerda, a lei tam bém ab­
sorve elem entos da proposta Mariani, como a equiparação
dos cursos de nível m édio e a flexibilidade de intercâm bio
en tre eles (Art. 51). A LDB reflete assim as contradições
e os conflitos que caracterizam as próprias frações de clas­
se da burguesia brasileira. Apesar de ainda co n ter certos
elem entos populistas, essa lei não deixa de te r um caráter
elitista. Ela, ao m esm o tem po que dissolve form alm ente a
dualidade anterior do ensino (cursos propedêuticos para
as classes dom inantes e profissionalizantes para as classes
dom inadas) pela equivalência e flexibilidade dos cursos de
nível m édio, cria nesse m esm o nível um a barreira quase
que intransponível, assegurando ao setor privado a conti­
nuidade do controle do mesm o. Assim, a criança pobre,
incapaz de pagar as taxas de escolarização cobradas pela
rede, não pode seguir estudando.
Essa lei, que procura estabelecer um com prom isso en tre
os interesses de um a burguesia nacional e os interesses das
frações de classe mais tradicionais, ligadas ao capital in­
ternacional, em verdade já está ultrapassada, quando entra
em vigor. Em dezem bro de 1961 já se delineiam claram en­
te as novas tendências da internacionalização do m ercado
interno. C om isso se anunciam possíveis m udanças na or­

102
Escola, Estado e Sociedade

ganização do poder ao nível da sociedade política, o que


certam ente iria levar a reform ulações da política educa­
cional, visando a sociedade civil. Fato é que essa lei tardia
passou a m aterializar-se na década seguinte nas instituições
de ensino. O sistem a form al de ensino passou a ser e stru tu ­
rado e reform ulado segundo suas prescrições: os currículos
redefinidos; professores, alunos e profissionais m oldados
segundo suas diretrizes. A tão discutida lei se "m ateriali­
zava”, se “corporificava”, portanto, no dia-a-dia das salas
de aula, em estruturas de personalidade e em sistem as de
pensam ento.
A lei, sancionada na instância da sociedade política, pas­
sava a funcionar na sociedade civil. Com o - assim se torna
quase que óbvio perguntar - a realidade educacional brasi­
leira resolveu na prática os conflitos e contradições dessa lei?
Q ue funções manifestas ou latentes a nova estrutura de en­
sino preenchia para o sistema global em fase de transição?
U m a resposta a essas perguntas só pode ser encontrada
num a análise em pírica da realidade educacional10.

10 Aqui tem os que considerar o time leg entre promulgação e efetivação de uma
lei. Se a lei é expressão dos interesses de uma classe ou coalizão de classes, esses
interesses, materializados nos objetivos e fins de ensino só podem ser analisados na
realidade e avaliados de acordo com o seu maior ou m enor desvio das intenções ori­
ginais, vários anos depois. Por isso, dados empíricos do período 1960-1970 refletem
a materialização de interesses articulados no fim da década anterior. Assim, os dados
educacionais aqui apresentados, apesar de já pertencerem parcialm ente ao terceiro
período que nos propusem os analisar, refletem a conseqüência prática dos interesses
absorvidos na LDB do período anterior. Constatarem os essa mesma defasagem quan­
do analisarmos a legislação da década de 1965 a 1975. M uitos parágrafos de lei não
poderão ser avaliados em sua efetividade, pelo fato de terem se consum ado e m ate­
rializado na vida cotidiana, som ente anos depois.

103
A realidade educacional
gerada pela LDB de 1961

OM O NÃ O É POSSÍVEL, NO S LIMITES DESTE TRABALHO,

C apresentar um panoram a exaustivo da estru tu ra e do


funcionam ento do sistem a educacional brasileiro baseado
na LDB, decidim os concentrar nossa atenção em um tem a
estratégico, o da seletividade desse sistem a educacional. As
causas, critérios e funções da seletividade perm item uma
visão bastante clara da estru tu ra e do funcionam ento real
do sistem a educacional, perm itindo assim um confronto
com a estru tu ra e o funcionam ento sugeridos na lei.
As possíveis divergências perm itirão um a avaliação mais
exata da verdadeira intenção do legislador.
O problem a da seletividade pode ser exam inado a partir
de duas abordagens:
a) a seletividade do sistema educacional do prim eiro ano
prim ário ao prim eiro universitário, isto é, segundo um a di-
Barbara Freitag

mensão vertical, considerando apenas o desenvolvimento


num érico (as taxas de retenção) da pirâm ide educacional; e
b) a análise da seletividade à luz da origem de classe (só-
cio-econômica) dos alunos, matriculados nos diferentes ní­
veis de ensino. A combinação desses dois enfoques possibili­
ta algumas conclusões sobre o verdadeiro funcionam ento do
sistem a escolar e sua repercussão sobre a sociedade global.
Nossa primeira abordagem não pode se limitar à seletivi­
dade dentro do sistema de ensino, mas do sistema em relação
à população potencial em idade escolar. Assim é necessário
ressaltar que, em 1964, somente dois terços das crianças de
7 a 14 anos estavam matriculadas em uma escola; 5 milhões
(!) não estavam escolarizadas, das quais 3,3 milhões nunca
haviam visitado uma escola1. Em 1972 (onze anos depois de
sancionada a LDB) ainda faltavam escolas para 4,4 milhões
de crianças da faixa de 7-14 anos2. Como interpretar essa
realidade face ao Art. 2 da lei que defende o direito e o dever
da educação para todos os cidadãos? Constatarem os simples­
m ente que, por falta de escolas e oportunidades, a seletividade
funciona antes das crianças ingressarem nelas. Quais seriam
as eleitas e quais as rejeitadas? Essa pergunta será respondida
mais tarde dentro do nosso segundo enfoque. Vejamos, por
enquanto, o que ocorre com os 2/3 ou, ultim am ente, 4/5 que
conseguem matrícula. De 1.000 crianças que em 1960 in­

1 Veja: M EC/IBGE: Censo Escolar do Brasil - 1964. 3 Vols., Rio de Janeiro, 1967;
especialm ente o 4 “ Vol.: Condição das Crianças de 7 a 14 Anos, série de separatas,
Rio de Janeiro, 1968.
2 M EC/SEEC (eds.): Sinopse Estatística do Ensino Primário - 1972. Rio de Janei­
ro, 1973.

106
Escola, Estado e Sociedade

gressaram no primeiro ano primário, som ente 466 atingiram


a segunda série primária. Na quarta série ainda restavam 239.
Dessas, som ente 152 ingressaram em 1964 no ensino ginasial,
91 alcançaram a quarta série e 84 o último ano do colégio.
Dos 1.000 alunos iniciais de 1960, som ente 56 conseguiram
alcançar o primeiro ano universitário em 19733. Isso significa
taxas de evasão de 44% no primeiro ano primário, 22% no
segundo, 17% no terceiro. A elas se associam taxas de repro­
vação que entre 1967 e 1971 oscilavam em torno de 63,5%.
Essa alta seletividade do sistema não é produzida pela seve­
ridade dos critérios de avaliação dos alunos. Muitas crianças
abandonam a escola antes de prestar os exames de fim de
ano. As dificuldades que as crianças encontram na escola se
devem, por um lado, a currículos inadequados, professores
mal qualificados, equipam ento deficiente etc., por um lado,
como apontou detalhadam ente o censo escolar de 1964, à
distância de casa à escola, falta de transporte, necessidade
de trabalho das crianças para o sustento da família, falta de
uniforme, material de trabalho, má alimentação etc.
Com o falar em direito e dever de educação, diante de
uma realidade tão desastrosa? Q ue medidas a lei prevê para
corrigir as distorções que a própria realidade socioeconômi-
ca im põe à criança brasileira? Q ue interesses o Estado teria
para m anter esse statu quo, já que causas e efeitos dessa
seletividade perm anecem os mesmos há uma ou duas déca­
das anteriores? O u melhor, que interesses estão por trás da

3 Cf. M E C /SG (ed.): Plano Setorial de Educação e Cultura - 1975-1979. Vol. I, I a


parte, Brasília, 1974, págs. 137-8.

107
Barbara Freitag

indiferença e indulgência do Estado diante dessa realidade?


O bviam ente a Lei 4.024 em nada corrige as distorções já
evidentes desde a década anterior. Aqui se confirma a cons­
tatação de Lauro de Oliveira: "E um hábito brasileiro falar
um a linguagem futurista e realizar um a política colonial”4.
Podem os dizer que a política educacional de m aior rele­
vância não se encontra nos textos de lei (pertencentes à so­
ciedade política), mas se realiza efetivam ente na sociedade
civil, onde adquire um a dinâmica própria.
Isso se evidencia não só pelos dados expostos anterior­
m ente, mas especialm ente pelo resultado de alguns estudos
que focalizaram o problem a a partir da caracterização dos
alunos segundo sua origem sócio-econômica. C om auxílio
desses estudos podem os analisar o problem a da seletivida­
de de acordo com a classe social a que os alunos retidos na
escola pertencem .
U m a escola neutra que tratasse todos os seus alunos de
maneira igual, m esm o adotando certos critérios de aprovação
e reprovação, selecionando, portanto, “os m elhores”, segun­
do inteligência, capacidade de trabalho, desem penho etc.,
deveria m anter um a relação percentual mais ou m enos cons­
tante de alunos provenientes de diferentes classes sociais.
Sabemos que em todas as sociedades capitalistas não é este
o caso. Há, em todas elas, um privilegiamento sistemático da
classe alta e média em detrim ento da classe baixa. Os estu­

' OLIVEIRA LIMA, Lauro de. O Impasse na Educação. 3 ed. Petrópolis: Vozes 1973,
p. 26 .

108
Escola, Estado e Sociedade

dos aos quais recorrem os comprovam essa realidade tam bém


para o caso brasileiro. Estão sintetizados para o ensino médio
no Q uadro I5 e para o ensino superior no Q uadro II6.

5 Fontes utilizadas para elaborar o Quadro I:


HAVINGHURST, R- J- e MOREIRA, J. R. Society and Education in Brazil. Studies
in Com parative Education, University of Pittsburg Press, 1965.
LOPES, Juarez Brandão. Origem Social e Escolha Ocupacional. In: H U T C H IN -
SO N, Bertran at al. M obilidade e Trabalho, São Paulo: 1960, p. 81.
G O U V EIA , A. J. e HAVINGHURST, R. J. Ensino M édio e Desenvolvimento, op.
cit., São Paulo, 1969, págs. 53-4.
PASTORE, José e OW EN, R. G. Mobilidade Educacional, Mudança Social e D esen­
volvimento no Brasil: Notas Preliminares, Revista da Universidade Católica de São
Paulo, Vol. 85, São Paulo, jul./dez. 1968, pág. 482.
A composição das classes foi por mim homogeneizada. Isso som ente foi possível
pelo fato de todos os autores se basearem, em sua classificação de classes e estratos
(de diferentes núm eros e características, de acordo com cada um dos autores), num
estudo fundam ental sobre categorias profissionais de H U T C H IN SO N , Bertran e
CASTALDI, C.: A Hierarquia de Prestígio das Ocupações, em H U T C H IN SO N , B.:
M obilidade e Trabalho, Rio de Janeiro, 1960, págs. 19-74. A reagrupação feita por
m im procurou distinguir nitidam ente três classes: a alta (constituída basicamente
de grandes proprietários de terras, indústrias e capitais, diretores e gerentes de gran­
des empresas, cargos dirigentes nas altas esferas do poder, em suma: profissões que
caracterizam os detentores do poder econômico e político); a média (constituída
especialm ente por pessoas que assumem cargos de im portância no setor terciário:
altos e m édios funcionários públicos, professores, profissionais liberais, diretores e
gerentes de pequenas empresas, incluindo tam bém pequenos proprietários de lojas
etc.). Na classe baixa foram por mim incluídos todos os-trabalhadores em setores
produtivos (no cam po e na indústria), mas tam bém aquelas camadas da população
ativa nos setores de serviços baixos (empregadas, lixeiros etc.). Procurei com essa
classificação, baseada na escala das profissões elaboradas por Hutchinson e Castal-
di, corresponder aos intuitos de cada autor que tam bém a utilizou, mas garantir ao
mesmo tem po a possibilidade de comparar os diversos estudos feitos. Por outro
lado, parece im portante ressaltar que a divisão em três classes não é arbitrária, mas
se orienta no critério fundam ental da posição que cada classe assume no processo de
produção e circulação de bens, poder e privilégio. (Para uma justificação teórica mais
aprofundada rem eto o leitor à discussão desenvolvida em m inha tese.)
FREITAG, Barbara: Die Brasilianische Bildungspolitik - Resultante oder Agens Gesells-
chaftlicherWandlungsprozesse?, Fink-Verlag, Muenchen, 1975, nota 104, págs. 184-5.
() Para o Q uadro II:
H U T C H IN SO N , B. Origem Sócio-econômica dos Estudantes universitários, Edu­
cação e Ciências Sociais, Vol. 2, n° 3, Rio de Janeiro, dez. 1956, p. 151.
FORACCHI, Marialice. O Estudante e a Transformação da Sociedade Brasileira.
São Paulo: 1965, p. 88.
GO UVEIA, A. J. op. cit., p. 235.

109
Barbara Freitag

Q uadro i

A origem sócloeconõmlca dos estudantes de cursos médios


{1* e 2° ciclos)
Status
sódo-
econômico Em 4 Estados brasileiros em 22
da população (SP, R S. C E e PA) grandes e
Ctassos brasileira médias
em cfe. G O U V EIA & H AVIN G HU RST
cfo. h a v i n ­ (1963) cidades
Sociais S ão Paulo
ghurst & brasiloiras
cfo.
M O R EIR A Nas capitais No intorior cfo.
LO PES
(1965) PASTO RE
(1959)
N = 53 &OW EN
19 cldo 2° cido 1° d d o 2° d d o
(1964)
N = 4.246 N = 3.616 N = 5.118 N = 4.356
N = 8.806(3)

alta 6 18,6 17,2 21,8 13,2 15,6 15.2


% média 16 61,0 54,0 56,8 56,2 60,2 69,1
baixa 78 8.4 30,6 21,2 30,6 23,1 15.7

E specialm en te o estu d o de G ouveia & H avinghurst


deixou claro que há um a alteração da relação de m a tric u ­
lados das d ifere n tes classes sociais do I o para o 2o ciclo.
Assim , alunos de classe baixa vão escasseando à m edida
que se eleva o nível de escolarização. Essa ten d ên cia será
confirm ada na análise do nível superior, em que a p e r­
centagem de universitários provenientes de classe baixa
é ainda m enor.

PASTORE, José e outros: O Ensino Superior em São Paulo. Aspectos Quantitativos e Quali­
tativos de sua Expansão, Instituto de Pesquisas Econômicas de São Paulo, 1970, p. 133.
M O NTEIRO DE CASTRO, C. L. at al. Caracterização Sócio-econômica do Estu­
dante Universitário, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Vol. 46, n" 104, Rio
de Janeiro, out./dez. 1966, pág. 395. (Esse estudo som ente registrou universitários
no seu primeiro ano de curso.)

110
Escola, Estado e Sociedade

Q u a d r o ii

Orígom sôciooconômica dos ostudantos universitários brasileiros

H UTCHIN SO N FO RACCH I G O U V EIA PA S T O R E om 10 capitais


(1956) (1962) (1967) (1969) brasileiras cfe.
Classos
M O N TEIRO
Sociais DE CASTRO
(1965)

N = 349 N = 375 N = 1.837 N = 7.137 N = 17.956

alta 38.8 27.1 20,0 88,5 28,58 som cias.


% módia 52,5 39,8 55,0 _ 40,88 semclas.
baixa 9,2 34,1(+) 16,0 11.5 12,9 sem cias.

(+ ) Cf. nota sobre o Q uadro II5. A classificação em classe


baixa diverge um pouco dos demais estudos, daí a porcenta­
gem relativam ente alta de estudantes nesse grupo.

Negligenciando os pequenos defeitos e distorções que


tivem os que levar em conta hom ogeneizando os estudos ci­
tados anteriorm ente, podem os in terp retar essa tabela des­
tacando as tendências principais que ela revela, em alguns
pontos fundam entais:
1. A percentagem de filhos de classe baixa nas universi­
dades é bem m enor que a de classe m édia e alta. Lem bra­
mos que na população global estratificada há significante
predom inância da classe baixa.
2. Os estudos realizados entre 1956 e 1969 revelam que
houve aum ento substancial (absoluto e percentual) de es­
tudantes provindos da classe média, m antendo-se (percen-
tualm ente) constante a participação da classe alta. C onse­

111
Barbara Freitag

qü en tem en te houve um a baixa relativa na utilização, por


parte da classe baixa, das vagas nas universidades.
3. As condições de estudo em geral, e dos cursos univer­
sitários em especial, são mais favoráveis para estudantes
de classe baixa no grande centro urbano de São Paulo que
nas dem ais universidades do Estado ou de outras capitais
brasileiras. U m a explicação parece bastante óbvia: por um
lado a capital bandeirante oferece m elhores condições de
infra-estrutura escolar desde o prim ário até a universidade;
por outro lado ela oferece, paralelam ente às oportunidades
educacionais, m aiores chances de trabalho (bem ) rem u n e­
rado (com m aior flexibilidade de horários). A lém disso,
São Paulo te m bons meios de transporte, boas condições
de bibliotecas e de aquisição de livros e m aterial de estu ­
do em geral. Tem ainda os cursos de pós-graduação e para
a pesquisa um excelente sistem a de bolsas (Fapesp). Tais
condições “favoráveis” dentro da condição global desfavo­
rável para o estudante de classe baixa, não se encontram
nem no interior paulista, nem nas dem ais capitais dos Es­
tados brasileiros.
4. C om parando a seletividade en tre nível m édio e ní­
vel superior, verificamos que a participação da classe baixa
dim inui à m edida que se ascende no nível de instrução.
Já o pudem os constatar ao com parar as relações en tre I o
e 2o ciclos, isto é, o nível da 4a à 8a séries (do que hoje é
denom inado de I o grau) e o 2o grau (que antes chamava-se
colegial). A tendência se acentua no nível superior. Pode­

112
Escola, Estado e Sociedade

ríamos assim concluir que direta e indiretam ente a seleção


feita pela escola privilegia sistem aticam ente os filhos de
classe m édia e alta, à m edida que ascendem verticalm ente
na pirâm ide educacional. Vale com o corolário que a eva­
são escolar atinge antes de mais nada os filhos de classe
baixa, que em proporções m uito pequenas ingressam em
universidades. Na m aior parte já são excluídos da escola
antes m esm o de nela entrar ou quando ingressam atingem
som ente níveis m uito baixos.

113
Conclusões

S TRÊS NÍVEIS DE ENSIN O PREPARAM SUA CLIENTELA PARA

O certas hierarquias profissionais den tro da sociedade.


Assim, cargos dirigentes e de m ando exigem, m esm o que
só form alm ente, um a formação de nível superior, ao passo
que trabalhos rudim entares (manuais) dispensam na maior
parte qualquer tipo de formação. C om o quase som ente fi­
lhos de classe alta e m édia atingem o nível superior (uni­
versitário) é en tre eles que será recrutada a futura elite di­
rigente. Em contraposição, os trabalhos pesados e serviços
baixos e de rotina são realizados praticam ente sem exceção
pelo pessoal não ou semiqualificado, isto é, que te m pouca
ou nenhum a educação formal. Essas condições já vêm a ser
quase sinônim o de classe baixa. Assim, a escola brasileira
(baseada na LDB) não só reproduz e reforça a estru tu ra
de classes, com o tam bém perpetua as relações de trabalho
Barbara Freitag

que produziram essa estrutura, ou seja, a divisão do traba­


lho que separou o trabalho manual do trabalho intelectual.
Para realizar essas funções é indispensável a atuação da es­
cola tam b ém com o reprodutora da ideologia, ou seja, da
concepção de m undo da classe dom inante (alta e frações
da m édia). Essa concepção se traduz no m odelo democrá­
tico de sociedade e te m sua fundam entação num a teoria
funcional-estruturalista (à Parsons)1.
O elem ento dem ocrático da LDB fixado no A rt. 2 p ro ­
clama a educação como direito e dever de todos. Isto, m a­
terializado na realidade social, significaria que todos não só
podem , mas têm a obrigação de estudar. Mas com o estudar
se faltam escolas, professores, material, sendo impossível
para m uitos cum prir sua obrigação e reivindicar seu direito
pela sua situação de classe? A lei não considera certos fa­
tos. Ela om ite um a realidade social em que a desigualdade
está profundam ente arraigada.
Mas ela não se contenta com a simples omissão, ela parte
do princípio de que a sociedade brasileira se caracteriza,
com o o Social System de Parsons pela igualdade de chan­
ces. Assim, o filho do lavrador do N ordeste teria as m es­
mas chances educacionais que o filho de um direto r de um a
em presa paulista! A LDB não procura ser um corretivo de
diferenças sociais porque acha que não precisa sê-lo. Assim
ela traduz no seu tex to a estratégia típica da classe dom i­

1 Veja na primeira parte deste livro - Quadro Teórico - a passagem sobre Parsons.

116
Escola, Estado e Sociedade

nante que ao m esm o tem p o que institucionaliza a desigual­


dade social, ao nível da ideologia postula sua inexistência.
O sistem a educacional, além de contribuir para reproduzir
a estru tu ra de classes e as relações de trabalho, tam bém
reproduz essa ideologia da igualdade. E só por fazê-lo e por
te r êxito com isso é que as outras funções de reprodução
são satisfeitas. Assim a classe subalterna se subm ete aos
padrões de seleção da escola e assume a culpa de sua falta
de êxito, sistem aticam ente institucionalizada pela classe
hegem ônica. A ceita a condição subalterna com o aceita a
condição de m ando e exploração da classe que controla
essas condições. Mas seria injusto dizerm os que a classe su­
balterna se subm ete passivam ente. Ela procura, de acordo
com o que a ideologia proclama, valer-se da educação como
canal de m obilidade e ascensão social. Não existem dados
que dem onstrem esse constante trabalho de Sísifo dessa
classe. Mas há um a maneira de verificá-lo indiretam ente.
A classe subalterna (cam poneses, operários, prestadores de
serviços baixos) procura ascender aos níveis m édios e su­
periores do ensino servindo-se da flexibilidade dos cursos
e de sua equivalência formal som ente assegurada com a
LDB. As aspirações dos m em bros da classe baixa são, além
de subir, conseguir um título acadêmico den tro dos cursos
tradicionais (direito, medicina, engenharia)2. Par tal deve­
riam cursar o ginásio e colégio. Com o, porém , são forçados

2 Veja o estudo elaborado por GO UVEIA, Aparecida Joly e HAVINGHURST, R. J.


op. cit., p. 134 e segs.

117
Barbara Freitag

a trabalhar para o próprio sustento e o da família, escolhem


cursos de nível m édio, cham ados profissionalizantes. E isto
não para aprenderem um a profissão, mas porque esses cur­
sos apresentam duas vantagens: são na maioria m inistrados
à noite, o que p erm ite conciliar trabalho e estudo, e são
cursos que, apesar de form alm ente equivalentes, não são
tão exigentes quanto o ensino médio.
A conseqüência é paradoxal. Os pobres que querem
ascender para ficarem ricos, trabalham e estudam sim ulta­
neam ente, consagrando noite e fins de semana ao estudo.
Mas são esses pobres que justam ente pagarão seus cursos
(pois, m uitos dos cursos noturnos e particulares cobram
altas taxas a seus alunos), ao contrário dos ricos que, para
perm anecerem ricos, procuram ocupar as vagas dos poucos
colégios estaduais gratuitos que na m aior p arte das vezes
funcionam de dia3.
O s cursos profissionalizantes, bem ao contrário do que
parecia à prim eira vista, são um a opção, não para p re p a ­
rar-se para o trabalho, mas para livrar-se dele com auxí­
lio de um títu lo acadêm ico; são um desvio necessário ao
filho de p obre para atingir o objetivo final tão sonhado: o
títu lo de doutor.
U m fenôm eno sem elhante se verifica no nível superior.
Q uando filhos de operários atingem o nível universitário,

3 Esse aspecto foi minuciosamente por mim elaborado e discutido à base dos dados for­
necidos pelo estudo de GOUVEIA, A. J. e HAVINGHURST, R. J. Ensino Médio e D e­
senvolvimento, op. cit. Confira: FREITAG, B. Die Brasilinische Bildungspolik, op. cit.,
tópico 7.3.2.3. sobre a origem socioeconòmica do estudante secundário, p. 183-94.

118
Escola, Estado e Sociedade

não cursam o que gostariam , mas o que é mais conve­


n ie n te em term o s de horário, facilidade do curso, p re stí­
gio do títu lo co nferido4.
Se a seletividade da escola dem onstrou sua vinculação
à situação de classe dos alunos, tam bém a canalização dos
m esm os o é. A opção por diferentes cursos (mais ou m enos
profissionalizantes) em nível m édio e superior não é um a
livre opção, mas im posta pela condição de classe5.
Assim , o sistem a educacional, além de rep ro d u zir glo­
b alm en te a e s tru tu ra de classes, aloca - d en tro de cada
um a delas - os indivíduos na e stru tu ra ocupacional, não
à base do que poderiam ser por suas aptidões, mas à base
do que sua condição de classe lhes p erm itiu ser. N a dis­
tribuição das tarefas d en tro dos rçspectivos níveis, as
classes alta e m édia ainda levam vantagem em relação à
classe subalterna. Assim, os ram os de estu d o de m aior
prestígio e com m aiores chances profissionais no m erca­
do de trabalh o (m edicina, engenharia etc.) que exigem
dedicação exclusiva e não p erm item co lateralm en te o
trabalho na fase de estudos, são quase de exclusivo d o m í­
nio das classes favorecidas. E studos que concedem m ero
títu lo , m as poucas chances profissionais (ciências h u m a­
nas, literatu ra, pedagogia, adm inistração) são cursados
por filhos de classe baixa.

J Ib id , p. 194-200.
5 G O U V EIA , A. J. e HAVINGHURST, R. J. op. cit., p. 134.

119
Barbara Freitag

O estudo da estru tu ra e do funcionam ento do sistem a


educacional, baseado na LDB, revela que as am bigüidades
e contradições da lei se materializaram e institucionaliza­
ram tam bém na form a ambígua e contraditória ao nível da
sociedade civil. Ao m esm o tem po que favorecia o desen­
volvim ento do ensino particular, tornando a educação um a
em presa lucrativa, a lei criou um a barreira que im pedia
o acesso das classes subalternas aos níveis superiores do
ensino. Para que o setor privado realm ente pudesse expan-
dir-se e explorar a educação como negócio, ele se apoderou
daqueles cursos que exigiam um m ínim o de equipam ento,
pouca qualificação do professor, mas que tivessem grande
procura. Isso porque a procura do ensino particular ginasial
e colegial havia retrocedido a favor do ensino oficial.
O setor privado infiltrou-se, portanto, na área de ensino
m édio, nos cursos chamados profissionalizantes como o co­
mercial, contabilidade, normal etc., oferecendo cursos de
baixo nível, predom inantem ente noturnos6. C om isso, este
setor vinha justam ente ao encontro da alta motivação das
classes subalternas de “subirem na vida” a qualquer preço,
utilizando o tão proclamado canal de mobilidade e ascen­
são: a escola. Com o sua condição de classe não lhes perm i­
tia cursar cursos diurnos sérios, eles se contentavam com

Para ter uma idéia mais exata confira os dados expressivos da m atrícula do ensino
m édio por ramo de ensino, de acordo com a dependência administrativa (1966),
no qual se salienta que 81,3% da matrícula do ensino comercial é feita em escolas
particulares. Veja: BREJON, Moyses (org.). Estrutura e Funcionamento do Ensino de
I o e 2° Graus. São Paulo: Pioneira, 1973, p. 90, Q uadro 12.

120
Escola, Estado e Sociedade

os cursos profissionalizantes mais fracos, pagando-os com


suas horas de sono e com dinheiro ganho no trabalho diur­
no. Utilizavam-se dessa forma da brecha deixada pela LDB
para - com um esforço intelectual m enor - obter o diploma
formal, requisito para ingressar no ensino superior. A equi­
valência dos cursos de nível médio, estabelecida no A rt. 51,
lhes asseguraria isto. O que a lei não assegurava era a chance
de passar no vestibular. Com o este era adm inistrado com
mais rigor, para controlar realm ente o acesso de estudan­
tes às universidades, só eram aprovados aqueles que de fato
estivessem bem preparados, ou seja, os filhos das classes já
privilegiadas que tinham feito cursos sérios, sem perderem
tem po e energia em trabalho rem unerado.
D essa m aneira se dá às classes subalternas a ilusão de
poderem ascender através do sistem a educacional na socie­
dade, institucionalizando chances form alm ente iguais, mas
factualm ente inexistentes. Cria-se assim uma alta motiva­
ção para o estudo, que é sistem aticam ente frustrada.
Os interesses conflitantes do texto de lei se desdobram assim
na realidade educacional ao nível da sociedade civil, criando
certos impasses nem sempre desejados, mas previsíveis.
N um a análise superficial, aparentem ente todos os in te ­
resses são atendidos: o setor privado se expande no ensi­
no m édio e obtém seus lucros. A classe subalterna recebe,
m esm o com dificuldades, suas oportunidades de ascensão
social. A classe dom inante preserva para seus filhos as va­
gas nas universidades.

121
Barbara Freitag

Mas o paradoxo está nisto: a privatização do ensino m é­


dio, assegurada em lei, para im pedir que as classes subal­
ternas ascendessem e com petissem com os filhos da classe
hegem ônica pelas vagas na universidade, será ju stam en te o
fator que criará os requisitos formais para a ascensão dos
subalternos. A lei falhou? Se sim, a própria realidade está
em penhada em fornecer o corretivo desta aparente distor­
ção: os cursos factualm ente não habilitam o form ado a pas­
sar no vestibular. Assim, o interesse da classe hegem ônica
é preservado. Não resulta, de im ediato, um d esco n ten ta­
m ento junto às classes inferiores. Longe de desanim arem
com seu insucesso inicial, acreditarão que falharam por
não terem estudado o suficiente e voltarão a prestar rep e­
tid am en te os exam es do vestibular.
Mas há ainda um segundo paradoxo gerado pela LDB
no nível da sociedade. Os cursos profissionalizantes de
nível m édio que deveriam fornecer certas qualificações
m édias necessárias no m ercado de trabalho, foram sen­
do gradativam ente desvirtuados e refuncionalizados ta n ­
to por p arte do seto r privado com o por sua clientela, as
classes subalternas. N ão ofereciam as habilitações que
anunciavam , o que não im porta porque essas habilitações
tam b ém não eram procuradas pela clientela. A refuncio-
nalização im provisada na prática se dá no sentido desses
cursos se to rn arem cursos propedêuticos disfarçados. O
próprio legislador havia fornecido os elem entos para que
isso ocorresse.

122
Escola, Estado e Soc i ed a d e

O resultado dessa absorção adaptativa da lei pela socie­


dade civil é a incapacidade total de a escola preencher (ao
nível m édio) sua função de reprodução da força de traba­
lho. A qualificação para certas tarefas im prescindíveis para
garantir e aum entar a produtividade ao nível da infra-estru­
tu ra te m que ser dada no próprio lugar de trabalho.
A escola se m ostra dispensável para essa função. N a m e­
dida, porém , em que a econom ia se expande e a produtivi­
dade aum enta, o treinam ento no local de trabalho se torna
m uito dispendioso. N o futuro, os próprios setores p ro d u ­
tivos procurarão transferir essa tarefa da preparação e qua­
lificação de seu pessoal para a escola. Surgem, portanto,
pressões por parte da infra-estrutura (em outras palavras,
das em presas privadas nacionais e internacionais) para a
“socialização dos gastos” do treinam ento profissional. Essas
pressões se efetivarão no terceiro período que nos p ropu­
semos analisar.
Podem os concluir que o período aqui analisado term ina
com dois impasses para os quais o próxim o procurará en­
contrar soluções: por um lado, a pressão sobre as univer­
sidades, por outro, a inadequação do ensino profissionali­
zante m édio. Da perspectiva m acroestrutural do sistema,
esses im passes se traduzem no seguinte: a intenção am bí­
gua da lei se efetivou plenam ente no sistem a educacional,
gerando um a situação de fato que reproduziria a estru tu ra
de classes, assim como a ideologia am bivalente que refletia
os interesses de duas frações distintas.

123
Barbara Freitag

Se não reproduziu adequadam ente a força de trabalho,


é porque a lei não se colocou claram ente esse objetivo. O
sistem a educacional funcionou em geral, de acordo com
o program a fixado em lei. Som ente este programa, sendo
ambíguo e contraditório, perm itiu um a utilização dialética
da própria lei. As classes dom inantes a usaram a seu favor,
conseguindo preservar os seus privilégios. Para esconder
que isso estava ocorrendo e m anter a ideologia de um sis­
tem a neutro que oferecesse chances iguais a todos, aceitou
o abuso que o setor privado (em presarial) e a classe subal­
tern a estavam fazendo dele, legitimados pela lei: fornecer
através do ensino profissionalizante, não habilitações profis­
sionais, mas chances formais de ingresso à universidade. Se
transitoriam en te os interesses de todos estavam satisfeitos,
continham no em brião o conflito que eclodiria no período
subseqüente. A classe hegem ônica vai se sentindo cada vez
mais am eaçada pelas reivindicações das classes subalternas
em querer usufruir intensam ente do sistem a educacional,
especialm ente em nível superior e estará em penhada em
reform ular os m ecanism os de controle (a seletividade). A
classe subalterna, cada vez mais consciente dos seus direi­
tos legais, ideologicam ente assegurados, faz pressão cres­
cente sobre as instituições educacionais procurando rom ­
per tais mecanismos. O setor econôm ico (infra-estrutura)
passa a reivindicar do sistem a educacional o fornecim ento
de força de trabalho adequada (ou seja, qualificada) para
aum entar a produtividade das em presas, exercendo pres­

124
Escola, Estado e Sociedade

são para que o Estado e os indivíduos assumam no futuro


os custos da qualificação e não a em presa. Paradoxalm ente,
o sistem a educacional revela-se disfuncional e anacrônico
no m om ento em que m elhor parece aten d er os interesses
da classe dom inante e cum prir as funções que lhe foram
atribuídas. Cabe agora à política educacional do Estado in­
troduzir os corretivos necessários.

125
A política educacional
de 1964 a 1975

O M O V IM O S, O PERÍODO DA SU BSTITU IÇÃO FÁCIL DE IM -

C portações esgotou suas possibilidades nos prim eiros


anos da década de 1960. A dem anda por bens de consum o
duráveis e não-duráveis, antes atendida pelas im portações,
podia agora, em sua maioria, ser atendida pela produção
dom éstica. Para que o processo de acum ulação pudesse
prosseguir, no ritm o de expansão desejado, era necessário
assegurar um crescim ento dinâmico da dem anda. N ão se
tratava mais de ocupar um espaço econôm ico pré-existen-
te, mas de criar um novo espaço econôm ico. Este resultado
poderia ser obtido - sem que se alterasse o m odo de p ro ­
dução capitalista - de duas formas. A prim eira seria a reali­
zação de reform as estruturais (por exem plo, reform a agrá­
ria) que perm itissem a inclusão das massas populares num
padrão de consum o democratizado. Era a política mais ou
Barbara Freitag

m enos explícita do Estado populista, que se frustrou quan­


do a burguesia nacional sentiu que em sua aliança com as
classes populares poderia perder o controle do processo
reform ista. Este processo nas mãos de setores populares,
poderia desèm bocar em transform ações estruturais incom ­
patíveis com a própria sobrevivência do sistem a capitalista.
O outro cam inho seria a criação de um a dem anda adicio­
nal, através de um a reorganização da estru tu ra do consum o
interno e do aproveitam ento das possibilidades do m er­
cado externo. Este cam inho implicava, por um lado, uma
aristocratização dos padrões de consum o interno e, por
outro lado, exportações maciças, principalm ente de p ro ­
dutos m anufaturados e sem im anufaturados. Foi assim que
se gerou, internam ente, um perfil de consum o baseado na
extrem a concentração de renda e na criação de um a faixa
de consum idores de alto poder aquisitivo e com capacida­
de praticam ente ilim itada de absorver os bens de consumo,
principalm ente duráveis, produzidos pela indústria nacio­
nal e pelas em presas multinacionais aqui instaladas; ao m es­
m o tem po, externam ente, o País praticam ente decuplicou
o valor de suas exportações. Os investim entos destinados
a substituir im portações cederam lugar aos investim entos
destinados a produzir bens de consum o sofisticados para o
m ercado interno e bens destinados à exportação.
Os dois processos - a aristocratização do consum o e a
expansão das exportações - são interdependentes, e a m e­
diação é assegurada pelo capital estrangeiro, agora rep re­

128
Escola, Estado e Sociedade

sentado pelas grandes em presas transnacionais. O esforço


exportador só podia ser realizado, com êxito, pelas grandes
em presas, que tinham subsidiárias no Brasil e utilizavam
toda a sua rede internacional de comercialização para ga­
rantir a colocação dos produtos brasileiros. Por outro lado,
essas em presas, instaladas no Brasil, adotam um tipo de
tecnologia excludente (altam ente poupadora de m ão-de-
obra), que resulta num a crescente concentração de renda
e na form ação de um m ercado consum idor altam ente eli­
tista. “Estas características criam um consum idor exigente
que requer padrões de qualidade dos produtos (isto é, te c ­
nologia avançada) in d ependentem ente das considerações
sociais sobre a possibilidade de uso de alternativas tecn o ­
lógicas que em preguem mais m ão-de-obra. Criam -se estí­
m ulos de consum o que obedecem aos padrões do m ercado
internacional, reforçando-se a tendência prevalente para
que a industrialização adote cada vez mais a form a de um
processo internacionalizado.”' Assim, o capital estrangeiro
cria e serve o seu consumidor. Por sua vez, com o dissemos,
os dois processos de afunilam ento do perfil da dem anda e
da expansão exportadora se condicionam dialeticam ente.
Para atender a esse perfil de consumo, é necessário um
substancial dispêndio de divisas, inclusive para o pagam en­
to de royalties pelo uso da tecnologia im portada, o que
provoca um crescente endividam ento externo, sendo, por­
1 CARDOSO, F. H. Industrialização, Dependência e Poder na América Latina. In:
CARDOSO, F. H. O Modelo Político Brasileiro. São Paulo: Difusão Européia do
Livro, 1972, p. 43.

129
Barbara Freitag

tanto, necessário, fazer frente a esses gastos (inerentes ao


modelo, e não acidentais), o crescim ento exponencial da
receita de exportações, a qual, por sua vez, ajuda a finan­
ciar um padrão de consum o cada vez m enos igualitário.
Essa nova situação tornou-se sociologicam ente possível
pela fratura do bloco populista e pelo novo alinham ento
segundo o qual a burguesia nacional preferiu divorciar-se
dos seus perigosos aliados da véspera e aliar-se, com o sócio
m enor, ao capital m onopolista internacional.
A nova constelação surgida com o colapso do Estado po­
pulista p erm ite que o processo da “internacionalização do
m ercado" interno, gerado no período anterior, agora se des­
dobre em to d a sua plenitude. Fundam ental para este novo
período é a reorganização da produção industrial a partir
das novas técnicas de produção ao m esm o tem p o que se
assegura internam ente a produção dos setores dinâmicos
da econom ia m oderna: a indústria química, eletrônica e
autom obilística. Dá-se um a nova “fase de industrialização
com hegem onia dos consórcios internacionais”2. O aum en­
to da produtividade agora é assegurado pela introdução de
m oderna tecnologia e know-how desenvolvido nas m e tró ­
poles e pelo excedente estrutural de força de trabalho que
perm ite m anter os salários ex trem am ente baixos. Essas
condições possibilitam um a redefinição dos antigos laços
de dependência. A transferência de filiais de consórcios es­

2 FURTADO, Celso: Análise do Modelo Brasileiro. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 1972, p. 68.

130
Escola, Estado e Sociedade

trangeiros (as m ultinacionais) para o Brasil só faz sentido,


se houver um m ercado in te rn o suficientem ente elástico
para absorver os bens sofisticados produzidos. Portanto, há
necessidade de garantir o crescim ento do poder de com ­
pra dos consum idores. Essa necessidade aparen tem en te
se choca com a outra, mais fundam ental, o congelam ento
dos salários do trabalhador que torna atraen te para as m ul­
tinacionais a produção no País, assegurando um a taxa de
lucro m aior que em suas m etrópoles, na qual os salários
oscilam co n stan tem en te em vista de reivindicações ope­
rárias organizadas.
Para solucionar o im passe torna-se necessária “um a reor­
ganização adm inistrativa, tecnológica e financeira que, por
sua vez, im plica um a reordenação das form as de contro­
le social e político”3. Surge a necessidade de um a política
salarial e de distribuição de renda que ao m esm o tem po
congele os salários da massa trabalhadora e crie, com o já
dissemos, um a classe interm ediária de alta renda apta a
consum ir os produtos produzidos. Pois som ente pelo
consum o interno das m ercadorias produzidas se realiza a
mais-valia, fechando o círculo que garante a reprodução do
capital. N este caso, torna-se, porém , necessário controlar
os m ovim entos operários e de massa que procurem obter
um a participação m aior do produto, m ediante reivindica­
ções salariais periódicas.

3 CARDOSO, F. H. e FALETTO, E. op. cit., p. 149-50.

131
Barbara Freitag

A nova situação econôm ica exige, portanto, a reorgani­


zação da sociedade política e da sociedade civil, a fim de
que o Estado se to rn e novam ente m ediador dos interesses
da reprodução am pliada das em presas privadas nacionais e
m ultinacionais. O Estado, que no fim do período anterior
se havia tornado mais ou m enos o porta-voz dos interesses
daquelas frações da classe m édia e das classes subalternas
que eram adeptas da alternativa da dem ocratização do con­
sum o com a preservação da autonom ia nacional, é forçado a
ceder à nova tendência da "internacionalização do m ercado
in tern o ”. E neste m om ento que “as Forças Armadas, como
corporação tecnoburocrática, ocupam o Estado para servir
a interesses que crêem ser os da nação. Os setores políticos
tradicionais (ou seja, as massas populares e os intelectuais
progressistas da burguesia nacional) - expressão, no seio do
Estado, da dom inação de classe do período populista-de-
senvolvim entista - são aniquilados e se busca transform ar
a influência m ilitar perm anente com o condição necessária
para o desenvolvim ento e a segurança nacional...”4.
A essa reestruturação e redefinição dos aparelhos do Es­
tado corresponde um a reorganização da própria estrutura
de classes. N ão que essa etrutura fosse transform ada em
seus traços fundamentais. Pois é para m anter sua configu­
ração básica que a pseudoaliança de burguesia nacional e
povo (classe operária e camponesa) é dissolvida. A burguesia

4 I b i d , p. 156.

132
Escola, Estado e Sociedade

nacional em sua maioria vai se incorporar, em uma posição


subordinada, à burguesia internacional, a fim de defender
seus interesses de classe, que consistem em assegurar par­
cela cada vez maior da mais-valia. Juntam ente com ela são
cooptados alguns setores da classe m édia que se tornam es­
senciais para a im plantação e m anutenção do novo modelo:
os intelectuais e os tecnocratas. São estes grupos e frações
de classe que passarão a usufruir as vantagens do modelo. A
burguesia nacional, que vai com partilhar com as m ultinacio­
nais dos lucros assegurados com o congelamento dos salários
dos trabalhadores5 e a introdução de m oderna tecnologia, e
os setores médios, cooptados para o m odelo como assalaria­
dos altam ente rem unerados, vão constituir grande parcela
dos consumidores dos bens produzidos. As classes subalter­
nas, excluídas de qualquer participação tanto política como
econôm ica6 precisam ser privadas de seus mecanismos de­
mocráticos (votos, greves, movimentos reivindicatórios), o
que torna necessário uma reorganização e mobilização da so­
ciedade civil. Os aparelhos repressivos do Estado assumem
o controle dos mecanismos e aparelhos ideológicos (sindica­
tos, meios de comunicação de massa e escolas).
Esboçado em seus traços gerais o co ntexto m acroestru-
tural em que se insere a política educacional do período
de 1965 a 1975, podem os agora analisar as m edidas e ini­

5 C U N H A , L. A. R. Educação e Desenvolvimento Social no Brasil. Rio de Janeiro:


Francisco Alves, 1975, p. 86, Tabs. 2-6.
11Ibid., p. 76 e segs., Tabs. 2-3, 2-4, 2-5.

133
Barbara Freitag

ciativas então tom adas, não só em sua funcionalidade e


ação retroativa sobre as estruturas, mas tam b ém em sua
continuidade histórica, tendo-se em m en te a análise dos
períodos anteriores vistos no capítulo p reced en te. A polí­
tica educacional que analisaremos a seguir será o elo m e­
diador en tre os im passes educacionais gerados no passado
e as intenções e objetivos a serem realizados com o auxílio
da educação no futuro.
A política educacional, ela m esm a expressão da "reor-
denação das formas de controle social e político”7, usará o
sistem a educacional reestruturado para assegurar este con­
trole. A educação estará novam ente a serviço dos in teres­
ses econôm icos que fizeram necessária a sua reform ulação.
Essa afirm ação encontra seu fundam ento nos pronuncia­
m entos oficiais, nos planos e leis educacionais e na própria
atuação do novo governo militar.
As prim eiras diretrizes form uladas por este governo,
norteadoras da fu tu ra política educacional, já foram fixa­
das no início do governo C astello Branco. Estão contidas
nas declarações feitas pelo Presidente aos Secretários de
Educação de todos os Estados, em m eados de 1964: o
objetivo do seu governo seria restab elecer a o rdem e a
tranqüilid ad e en tre estudantes, operários e m ilitares8. Ex­
cluindo o grupo dos m ilitares podem os dizer que com a

7 CARDOSO, F. H. e FALETTO, E. op. cit., p. 149.


s Veja: Castello Branco Reafirma as Diretrizes de seu Governo aos Secretários de
Educação, O Estado de S. Paulo, 10/6/1964.

134
Escola, Estado e Sociedade

nova legislação, prom ulgada pelo governo m ilitar, visa-se


de fato criar u m instrum ertto de controle e de disciplina
sobre estu d an tes e operários.
A fim de não enum erarm os sim plesm ente pronuncia­
m entos, parágrafos de leis e planos trienais, qüinqüenais ou
decenais, procurarem os estru tu rar a análise subseqüente
em torno de dois eixos: um horizontal e o utro vertical.
N o eixo horizontal tratarem os da política educacional
em três níveis: o da legislação, o do planejam ento e o da
realidade educacional. Através do tratam en to do tem a em
torno de um eixo vertical procurarem os estabelecer os vín­
culos necessários en tre os três níveis m encionados; a tem á­
tica que os transpassa é o disciplinam ento e o controle de
estudantes e operários.
Esta sistem ática se enquadra b astante bem no m odelo
teórico que elaboram os no C apítulo 1. Para situar m elhor
o leitor procuram os relem brar: a política educacional é
a ação do Estado ta n to no nível da super com o da in­
fra-estru tu ra. O Estado, autor dessa política educacional,
foi com preend id o num sentido lato com o a conjunção de
aparelhos repressivos (instância da sociedade política) e
aparelhos ideológicos (instância da sociedade civil), am ­
bos atuando a seu m odo com o m ediadores dos interesses
da classe hegem ônica. Estes interesses foram identificados
com o sendo os da preservação das relações de produção
e de classe. Podem os, então, situar a política educacional
ao nível da legislação e do planejam ento educacional na

135
Barbara Freitag

instância da sociedade política, e a realidade educacional


na instância da sociedade civil. Planejam ento e legislação
são tentativ as de reajustar a lei à realidade ou esta a um a
nova lei. Isso não qu er dizer que a política educacional se
reduza às instâncias da su p erestru tu ra. Ela atua - isto sim
- no nível da su p erestru tu ra, mas visando a funcionalida­
de da infra-estru tu ra. Assim, não só a política educacional
te m suas raízes na in fra-estrutura, com o sua realização
nas instâncias da su p erestru tu ra visa a reposição das rela­
ções de produção (in fra-estrutura). São, p o rtan to , o p o n ­
to de partid a e de chegada da política educacional, sendo
am bas as instâncias do Estado etapas interm ediárias ou
d e passagem. Na política educacional pode-se d em o n strar
com o o Estado é o m ediador - sob a aparência de um a
instância autônom a e defensora de interesses universais
- dos interesses da classe hegem ônica.
A im portância da nossa análise não se esgota em sim ­
plesm ente localizar m edidas e iniciativas educacionais do
governo no co ntexto teórico que elaboram os. O que real­
m en te querem os destacar são os dinam ism os que fazem
das instâncias não com partim entos estanques, mas cate­
gorias analíticas que p erm item um a m elhor análise ju sta­
m en te da organicidade (G ram sci) do to d o societário. Por
isso o foco dos estudantes e operários, com o fio condutor
através dos tex to s de lei, dos planos e da própria realida­
de, torna-se tão im portante. São eles que dão dinam ism o à
form ação social concreta. Neles, que p erten cem sim ulta­

136
Escola, Estado e Sociedade

neam ente às três instâncias, se m ostra, ao m esm o tem po,


o elem ento analítico e dinâm ico dos conceitos usados. O
estu d an te que está sendo escolarizado, ou qualificado, po­
deria ser localizado na instância da sociedade civil, mas, à
m edida que se insere na vida profissional, ele p erten ce ao
m esm o tem p o a três instâncias: é m em bro da sociedade
civil, porque p erten ce a um a ou várias das instituições que
a constituem , participa do m undo do trabalho (instância
da infra-estrutura) e é ator ativo, ou passivo, da sociedade
política. O m esm o valeria para o operário: à m edida que
ele se acha inserido no m undo do trabalho, perten ceria à
infra-estrutura. Mas com o é treinado em cursos de pro­
fissionalização fora da em presa (como SENAI, SENAC,
PIPM O etc.), e ideologizado (por jornais, televisão etc.),
atua com o elem en to de classe na sociedade civil e p e rte n ­
ce à sociedade política com o eleitor ou m em bro de p arti­
do. De fato, os dois grupos não são conjuntos excludentes,
estudantes e operários se sobrepõem até certo ponto. São
conjuntos intercedentes: há estudantes operários e operá­
rios estudantes.
Mas com o eles recebem tratam en to diferenciado na po­
lítica educacional governam ental, tam bém lhes darem os
atenção especial como dois subconjuntos.

137
A política educacional
no nível da legislação

O NÍVEL DA LEGISLAÇÃO, AS INICIATIVAS GOVERNAM ENTAIS

N de m aior destaque na área educacional no período


considerado encontram -se:
a) N a Nova C onstituição de 1967 ainda prom ulgada no
governo Castello Branco;
b) Na Lei 5.540 de reform a do ensino superior em 1968;
c) Na institucionalização do M obral com os D ecretos-
Lei 5.379 (de 1967), 62.484 e, finalmente, a legislação de
financiam ento do M ovim ento em 1970;
d) N a Lei 5.692 de refo rm a do ensino de I o e 2o graus
de 1971;
e) N o D ecreto-L ei 71.737 que verdadeiram ente insti­
tucionaliza o “ensino supletivo” previsto na Lei 5.692, nos
parágrafos 81, 91 e 99.
Mas essas leis são precedidas de dois D ecretos-Lei de
grande im portância: um que caracteriza a orientação ado-
Barbara Freitag

tada pelo governo em relação aos estudantes, e o u tro que o


faz em relação aos operários.
Trata-se no prim eiro caso da Lei 4.464, conhecida como
Lei Suplicy de Lacerda, que proíbe a U N E (U nião N acio­
nal dos E stu d an tes)1. N o segundo caso, da Lei 4.440, ta m ­
bém de 1964, que institucionaliza o salário-educação. Essa
lei fixa a arrecadação de 2% do salário m ínim o da região,
a ser pago pelas em presas à Previdência Social em relação
a todos os em pregados. A distribuição das im portâncias
arrecadadas se dá pelo seguinte esquem a: 50% ficam à
disposição dos governos das unidades da Federação para
desenvolver o ensino fundam ental e os outros 50% são
controlados pela União que, através do Fundo Nacional
do D esenvolvim ento da Educação, os aplica em m edidas
de fom ento do ensino fundam ental nas unidades da Fede­
ração m enos privilegiadas.

A LEGISLAÇÃO DO ENSINO NA CONSTITUIÇÃO DE 1967

A C onstituição de 1967 antecipa alguns aspectos que


nortearão a lei de reform a, tanto do ensino superior com o
0 de I o e 2o graus, de 1968 a 1971. Reforça a C onstituição
em seu A rt. 168, § 2, o que a LDB, de 1961, havia estabe­
lecido: fortalecer o ensino particular assegurando-lhe expli­
citam ente "ajuda técnica e financeira do governo, inclusive

1 POERNER, Arthur. O Poder Jovem. História da Participação Política dos Estudan­


tes Brasileiros. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

140
Escola, Estado e Sociedade

bolsas de estu d o ”. Ela estabelece ainda o prolongam ento


da obrigatoriedade do ensino prim ário de quatro para oito
anos, Q ue seria gratuito e m inistrado integralm ente pela
rede oficial de ensino (Art. 168, § 3, III).
N o fortalecim ento do ensino particular em vista da ex­
tensão da obrigatoriedade do ensino (gratuito) parecem
existir aspectos contraditórios e excludentes, mas se conci­
liam p erfeitam en te na maneira como foram interpretados
e praticados.
Assim, de fato, a red e de ensino particular, ex tre m a­
m en te forte até m eados de 1960 no setor cham ado médio
(de I o e 2o ciclos), estaria prejudicada com a penetração
do ensino prim ário gratuito (os quatro anos adicionais que
substituem por assim dizer o I o ciclo). A contece que as
estatísticas já haviam dem onstrado (até 1968) o retro ces­
so da m atrícula de alunos2 neste nível, apesar do aum ento
quantitativo dos estabelecim entos de ensino particular. O
ensino particular precisava de novas áreas de atuação, Q ue
lhe são asseguradas tan to pela C onstituição (em term os
gerais) com o pelas leis subseqüentes, ta n to no nível supe­
rior com o de I o e 2o graus. C om o verem os na análise em ­
pírica da realidade educacional gerada por essa lei, vamos
constatar um a penetração e expansão da rede particular
do ensino em três áreas: no ensino prop ed êu tico para as
universidades (os famosos cursinhos pré-vestibulares), no

2 Veja: M EC/IBG E (ed.). Brasil - Séries Retrospectivas. Rio de Janeiro: 1970, p.


2 4 9 e 254.

141
Barbara Freitag

ensino supletivo (considerado educação de adultos) e no


ensino superior de graduação e pós-graduação. Assim a
gratuidade do ensino prom etida pelo governo até o 8o ano
prim ário não veio p ertu rb ar o setor privado, mas sim fa­
zer que definitivam ente abandonasse a área do secundário
form al vindo a utilizar as novas brechas que lhe são abertas
pela legislação atual.
O fortalecim ento do ensino particular te m de ser visto
com o um a barreira socioeconômica, legalizada e sancio­
nada por lei, que prejudicará as classes econom icam ente
desfavorecidas. Veremos como essa barreira funciona efe­
tivam ente. Essa m edida im plicitam ente repressiva parecia
ser contrabalançada por outra, que viria favorecer aquelas
m esm as classes: a gratuidade do ensino até a 8a série. Sa­
bem os, porém , que até hoje essa m edida teve pouca reper­
cussão na prática.
A extensão do ensino gratuito para toda a população em
idade escolar até a 8a série é um a m eta fixada para 1980,
já se sabendo que não poderá ser alcançada3. A dificuldade
não está som ente em am pliar um a base (de quatro anos de
escolarização existente), mas de, prim eiro, criar essa base
para depois ampliá-la. Vimos, em nossa análise do período
anterior, que em 1972 havia anualm ente quase cinco m i­
lhões de crianças sem m atrícula em escolas brasileiras para
os prim eiros quatro anos. Quais as intenções do legislador,
ao estabelecer a obrigatoriedade até os catorze anos? Q ue
3 M E C /SG . Plano Setorial de Educação, 1975-1979. Brasília: 1974, I a parte, 1“ Vol.
Veja, especialmente, Projeto 10 e Sub-projeto 10.1 - Operação Escola, p. 229.

142
Escola, Estado e Sociedade

m edidas adicionais tom aria para resolver os problem as do


passado com um a legislação feita, com o se alega, para o
futuro? A té que ponto a lei corrige defeitos e falhas do
passado ou os reforça?
D evem os procurar um a possível resposta nos tex to s
das leis especificam ente educacionais que se seguiram ,
acim a de tu d o nas leis que reform ulam os trê s níveis de
ensino.

A LEI DA REFORMA DO ENSINO SUPERIOR

A idéia de um a Reforma Universitária está contida em


em brião na própria fundação das prim eiras universidades
no Brasil. A LDB não reestruturou o ensino superior de
acordo com as necessidades da época. Prova disso é a cria­
ção, no m esm o ano da aprovação da LDB, da U niversidade
de Brasília.
O "Plano O rientador da Universidade de Brasília”, apre­
sentado na época por Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro4,
continha idéias básicas que depois foram assimiladas pela
Comissão que elaborou a Lei da Reforma 5.540, de 1968.
Assim são sugeridos cursos de curta duração (dois anos), a li­
cenciatura (quatro anos) e pós-graduação entre dois a quatro
anos adicionais, im plantação dos cursos básicos, sistem a de
créditos (o que implicava a dissolução dos cursos feitos em
classes seriadas e a matrícula por série). Propõe-se a depar-
4 RIBEIRO, Darcy e TEIXEIRA, Anísio. Unb - Plano O rientador de Brasília. Brasí­
lia: Editora Universidade de Brasília, 1962.

143
Barbara Freitag

tam entalização e, com isso, a extinção da cátedra, sugere-


se a forma jurídico-administrativa da fundação, restringe-se
a participação estudantil nos processos de decisão interna.
Idéias originais, como as “Casas Nacionais de Língua e C ul­
tu ra ” e emissora universitária, foram basicam ente abando­
nadas. O m esm o ocorreu com a idéia de fazer da UnB um
centro de treinam ento de estudos superiores que tivesse re­
percussão em todo território nacional.
O funcionam ento experim ental da UnB, a partir de
1962, sofreu várias intervenções que não p erm item , hoje,
um a avaliação correta dos m éritos do projeto original.
As iniciativas concretas para um a reform ulação geral do
ensino superior já haviam sido anunciadas, logo depois da
tom ada do poder pelos militares em 19645. Nas declara­
ções do então M inistro da Educação, Suplicy Lacerda, fi­
cava claro que a urgência resultava da necessidade de dis­
ciplinar o estudantado: "Os estudantes devem estudar e os
professores ensinar” (não fazer política)6.
Em 1965 se formava um a comissão de especialistas que
deveria elaborar um estudo detalhado da universidade bra­
sileira, seus im passes e suas necessidades, com vistas a p ro ­
por um a nova estrutura de funcionam ento.
Essa comissão, constituída nos term os de um convênio
en tre o M EC e U SA ID , com punha-se de cinco am ericanos
e dois brasileiros.
5 Ministro Anuncia um Programa Reformista no Setor de Educação, O Estado de 5.
Paulo, 24/4/1964.
6 lbid.

144
Escola, Estado e Soc i ed a d e

As recom endações da comissão, que trabalhou duran­


te dois anos, não foram divulgadas. O que se sabe é que
em julho de 1968 um decreto do Presidente C osta e Silva
confiava a um grupo de trabalho, constituído de dez m em ­
bros, a tarefa de apresentar um Projeto de Lei den tro de
um mês. Concluídos os trabalhos antes de dois meses, o
Projeto foi im ediatam ente aprovado pela C âm ara e pelo
Senado. C om o pelo convênio M EC -U SA ID o governo b ra­
sileiro se com prom etia a im plantar no ensino superior as
m edidas propostas pela comissão, é lícito supor que a lei
elaborada pelo grupo de trabalho refletia no essencial as
recom endações da comissão7.
A lei deveria propor medidas imediatas para a solução da
crise universitária, que consistia no descontentam ento dos
alunos que pressionavam a universidade para dar-lhes “um
lugar ao sol” e que viam nos mecanismos altam ente seletivos
do vestibular um a forma de atuação dos grupos no poder
com vistas a perpetuar a estrutura de desigualdade na socie­
dade brasileira. U m dos instrum entos propostos em lei para
ampliar o núm ero de vagas sem maiores investimentos novos
foi a racionalização das estruturas acadêmicas e a otimização
dos recursos. E o grupo de trabalho se explica: “O ensino
superior é investim ento direto, em vista de sua alta rentabili­
dade econômica e sua valorização dos recursos hum anos”8.

7 GOERTZEL, T. M EC-USAID - Ideologia de Desenvolvimento Aplicada à Educa­


ção Brasileira, Revista Civilização Brasileira, Vol. 3, n“ 14, jul. 1967.
8 Relatório do G rupo de Trabalho para a Reforma Universitária, Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos, Vol. 50, nu 111, jul./set. 1968, p. 123.

145
Barbara Freitag

O tex to da lei se m ovim enta em torno de dois princípios


aparentem ente contraditórios: a racionalização das e stru tu ­
ras e dos recursos e a "democratização” do ensino. A com bi­
nação do jargão tecnocrático dos economistas da educação e
o liberal dos adeptos de um ideal de dem ocracia se fundem
na nova lei para atingirem um objetivo: dim inuir a pressão
sobre a universidade, absorvendo o máximo dos candidatos
ao vestibular (democratização) e discipliná-los posterior­
m ente, alegando m edidas de racionalização dos recursos.
U m a análise mais detalhada dos parágrafos da lei e dos
decretos que a com plem entam fornece o fundam ento em ­
pírico dessas afirmações.
A lei da reform a do ensino superior se baseia no m o d e­
lo universitário am ericano. E strutura o ensino em básico e
profissional com dois níveis de pós-graduação - m estrado
e doutorado - (Art. 17, b); adota o sistem a de créditos, ou
seja, de m atrícula por m atéria e propõe a avaliação em vez
de notas por m enções. Essas m enções com o outras inova­
ções já introduzidas no m odelo de Anísio Teixeira e D arcy
Ribeiro para a U niversidade de Brasília - dissolução da cá­
ted ra (Art. 33, § I o) e departam entalização (Art. 11, b),
im plem entação de cursos de pequena duração (Art. 23,
§ I o), adoção de formas jurídicas m últiplas (Art. 4) - são
agora generalizadas para todas as universidades brasileiras.
M antêm -se a unidade de ensino e pesquisa (Art. 2) e a
obrigatoriedade de freqüência do ensino para professores
e alunos (Art. 29).

146
Escola, Estado e Sociedade

Introduz-se para os professores o regim e de tem p o in­


tegral e de dedicação exclusiva (Art. 34). Assegura-se for­
m alm ente aos estudantes participação nos grêmios univer­
sitários e a constituição de diretórios estudantis (Art. 38,
§ 1 a 3). Introduz-se o vestibular unificado e classificatório
(Art. 21). Cria-se a instituição do m onitor (Art. 41). Suge­
re-se um sistem a de bolsas para alunos e um a form a hierar-
quizada de pagam ento de taxas de estudo9.
A política educacional que se exprim e tan to no histórico
com o nos conteúdos da lei precisa ser analisada em toda
a sua estru tu ra contraditória. Propomos, além das dim en­
sões contenção-liberação, introduzidas inteligentem ente
por Rodrigues da C u n h a10, considerar a reform a ainda sob
o aspecto racionalidade-irracionalidade (eficácia-desperdí-
cio) e autoritarism o e dem ocratização.
Tendo-se em vista a m aneira com o foram planejadas
e discutidas as reform as universitárias realizadas no fim
da década de 1960 em países com o A lem anha O cid en tal
e França, o caso brasileiro apresenta algo de sui generis.
Se na E uropa os d ebates, as críticas e as reform ulações,
em to rn o da reform a, eram assunto de todos (associa­
ções estu d an tis, grupos de professores, pessoal técnico-
adm inistrativo, sindicatos, partidos, Igreja, jornal, rádio,
11M inistério do Planejamento e Coordenação Geral: Programa Estratégico de Desen­
volvimento 1968-70. Área Estratégica IX, Infra-estrutura Social, Vol. I: Educação
e Recursos Humanos. Veja o texto definitivo da Lei 5.540, de 28 de novembro de
1968, p. 222-35.
10 C U N H A , L. A. R. op. cit. Veja especialm ente o Capítulo 5: Política Educacional:
Contenção e Liberação, p. 251-81.

147
Barbara Freitag

televisão), ten d o , p o rtan to , um a plataform a am pla na so­


ciedade civil de cunho democrático, no caso brasileiro a
reform a foi u m assunto de gabinete. Prim eiro do próprio
P residente, d ecre tan d o o início dos trabalhos, depois de
um a com issão m ista (M E C -U SA ID ), fazendo um a análi­
se cujas recom endações não são conhecidas, e, finalm en­
te, do grupo de trab alh o de dez pessoas nom eado pelo
P residente. N ão houve discussões e d eb ates em público,
a im prensa e os m eios de com unicação de m assa só servi­
ram para divulgar os resultados. E stu d an tes e professores
p raticam en te não participaram . Se na E uropa se levou
e n tre dois a q u atro anos para elaborar um a lei co n sid e­
rada aceitável pelas várias frações, no Brasil a solução foi
en co n trad a em m enos de 60 dias. Ao passo que na Eu­
ropa a discussão da lei tran scen d eu o âm bito da socieda­
de política, procu ran d o o b ter o apoio e as correções por
p arte das in stituições da sociedade civil, no caso b rasilei­
ro, alguns experts am ericanos e especialistas brasileiros,
cooptados à sociedade civil, restringiram a form ulação
dos artigos e parágrafos que regulam entariam a vida aca­
dêm ica d e um a nação de mais de cem m ilhões de h ab i­
ta n tes, ao âm bito da sociedade política.
Essa m aneira drástica de im por um a nova legislação de
ensino superior torna explícita a existência de um a “cri­
se da universidade”. Já havíamos parcialm ente indicado as
causas dessa crise quando falamos do im passe criado com
a LDB. As aspirações educacionais, despertadas na p o p u ­

148
Escola, Estado e Sociedade

lação com a ideologia dem ocratizante às quais não corres­


pondia um a estru tu ra de ensino verdadeiram ente aberta e
democrática, levaram a um congestionam ento na entrada
às universidades. A pressão sobre estas aum entou de forma
mais aguda de 1964 a 1968, período em que se verificava
um a tendência radical de “concentração de propriedade,
capital, renda e m ercado, devido à política econôm ica,
adotada a partir daí. Houve, então, grande quantidade de
falências de pequenas em presas durante a recessão a partir
do prim eiro sem estre desse ano. C om isso, ficavam difi­
cultadas as possibilidades de ascensão da classe m édia via
poupança, investim ento e reprodução de capital, através
da instalação de pequenas em presas, artesanatos e de exer­
cício de profissão liberal. Em conseqüência, a dem anda do
ensino superior aum entou de m odo que o crescim ento das
m atrículas resultou insuficiente diante de um a procura
cada vez m aior”11. O núm ero de alunos inscritos para o
vestibular em relação ao núm ero de vagas na universidade
cresceu além de 212% en tre 1964 e 1968.
Isso não só significava um desperdício de recursos hum a­
nos e um a falha nas formas de investim ento em educação,
seja por p arte do indivíduo, seja por p arte do Estado, mas
significava acima de tu d o um a ameaça para a "segurança
nacional” já que o descontentam ento estudantil se canali­
zava em atividades políticas sobre as quais o Estado estava

11 Ibid., p. 238.

149
Barbara Freitag

perdendo o controle. É este o verdadeiro sentido da crise


oficialm ente ad m itida12.
Em um estudo feito en tre estudantes paulistas, Foracchi
revelou que a causa fundam ental para o engajam ento políti­
co do estud an te era a sua insegurança de classe. N ão vendo
possibilidade de êxito e participação na estru tu ra de classe
vigente, o estu d an te se torna o porta-voz ideológico de um a
luta de classes a favor dos oprimidos. Abandona essa ideo­
logia no m om ento em que consegue inserir-se, com êxito,
no m ercado de trabalho e assegurar seu lugar privilegiado
na sociedade estratificada. Por isso a nova legislação tinha
de operar em duas dim ensões aparentem ente contrárias.
Por um lado, procurar conter o enorm e afluxo às universi­
dades. Para tal seria necessária um a nova lei de ensino de
I o e 2o graus; a profissionalização de nível m édio, in tro d u ­
zida com a Lei 5.692, vai cum prir essa função13, reten d o
o aluno antes de chegar à universidade e encam inhando-o
logo para o m ercado de trabalho. Por outro, criar novos
m ecanism os de seleção para a expulsão do aluno de d entro
da universidade. Se o vestibular fosse ainda mais estran ­
gulado a pressão sobre a universidade certam en te aum en­
taria. Para evitar isso, alterou-se, justam ente em sentido
contrário, a form a de seleção: o vestibular foi liberalizado
ao se introduzir o sistem a classificatório que adm ite o n ú ­

12 FORACCHI, Marialice, O Estudante e a Transformação da Sociedade Brasileira.


São Paulo: Editora Nacional, 1965.
13 C U N H A , L. A. R.: Política Educacional no Brasil: A Profissionalização no Ensino
Médio, Livraria Eldorado Tijuca, Rio de Janeiro, s. d.

150
Escola, Estado e Sociedade

m ero de candidatos correspondentes ao núm ero de vagas


ind ep en d en tem en te do nível de conhecim entos. Para ser
um exam e mais justo se introduziu ainda a unificação das
provas por regiões.
O resultado dessa alteração seria a inflação total da uni­
versidade. O preço do aum ento substancial de alunos seria
a degradação da qualidade do ensino. Isso tornou necessário
introduzir m edidas de contenção e expulsão do aluno du­
rante o percurso universitário. Para isso foi criado o “jubi-
lam ento”, nas palavras do atual M inistro da Educação, um
verdadeiro “vestibular interno”14, que dá direito às univer­
sidades de elim inarem os alunos que durante o básico não
atingiram um a certa média fixada por cada universidade.
Para im pedir que essa e outras medidas de contenção pro­
vocassem o protesto estudantil e acadêmico em geral, foi
promulgado o D ecreto-Lei 477, que atribui às autoridades
universitárias e educacionais (MEC) "o poder de desligar e
suspender estudantes envolvidos em atividades que fossem
consideradas subversivas, isto é, perigosas para a segurança
nacional. D urante o tem po de suspensão (três anos) os es­
tudantes atingidos ficariam im pedidos de se m atricular em
qualquer outra escola de nível superior do País. Previa, tam ­
bém , a demissão de funcionários e professores surpreendi­
dos nas mesm as atividades, im pedindo-os de trabalharem
no ensino superior brasileiro durante cinco anos”.

14Declarações feitas pelo Ministro da Educação Ney Braga, Jornal do Brasil, 28/5/1974:
O “Ciclo Básico1’ Tem Agora as Condições de Efetuar uma Nova Seleção.

151
Barbara Freitag

C om isso foi possível “eliminar com pletam ente as m ani­


festações de descontentam ento das camadas m édias dian­
te das dificuldades de obtenção de um requisito cada vez
mais indispensável de ascensão social...”15.
Percebe-se, pois, um a to tal am bigüidade da política ed u ­
cacional expressa na lei. Ela atua de m aneira autoritária
para im plantar um a lei aparentem ente dem ocratizante.
Mas à m edida que o elem ento democrático significa efeti­
vam ente aceitar a chance oferecida, são necessárias novas
m edidas autoritárias de restrição para m anter o controle.
Sob o enfoque da contenção - liberalização - , podem os
dizer que, para praticar a verdadeira contenção, foi neces­
sária um a aparente liberalização de vagas.
A política de contenção se realiza in troduzindo o en ­
sino profissionalizante antes e o ju b ilam en to depois do
vestibular.
Rodrigues da C unha vê em m edidas com o a departa-
m entalização, introdução do regim e de créditos e a ins­
titucionalização do básico, formas de abrir in d iretam en te
mais vagas para alunos, “racionalizando” recursos m a te ­
riais e hum anos.
C onsiderando a lei sob o enfoque da racionalidade po­
dem os concluir que tam bém nessa dim ensão perm anece o
problem a da to tal am bigüidade. O próprio G T havia ju sti­
ficado seu trabalho nos seguintes term os: “A reform a visa

15 C U N H A , L. A. R. op. cit., p. 241.

152
Escola, Estado e Sociedade

a fins práticos, procurando transm itir ao sistem a educacio­


nal um a espécie de racionalidade instrum ental no sentido
de um a eficiência técnico-profissional”16.
Se as constatações de Rodrigues da C unha são co rre­
tas, e nossa le itu ra do te x to de lei o confirm a, ela de fato
pro cu ra não so m en te form ar recursos hum anos de alto
nível e aí te r o m áxim o de eficácia, m as ta m b ém com
um m ínim o de novos recursos o b te r o m áxim o de vagas.
Essa racionalidade interna, que realm en te intenciona,
alocando os recursos hum anos e m ateriais ad eq u ad a­
m e n te, com um m ínim o de desperdício, o b te r o m áxim o
de ren tab ilid ad e do sistem a, tem , em verdade, dois obje­
tivos: p o r um lado aten d er à dem anda de u m m ercad o de
trab alh o b astan te sofisticado que re q u e r n ú m ero cres­
cen te de profissionais altam en te qualificados; p o r ou tro ,
com a racionalização dos recursos disponíveis, absorver o
m áxim o de candidatos ao vestibular..A o te n ta r in tro d u ­
zir a racionalidade se cai, porém , na irracionalidade. As
m edidas tom adas ta n to no in teresse econôm ico q u an to
no político tro cam q u an tid ad e p o r qualidade. A racio­
nalização do ensino superior vai em d e trim e n to da q u a­
lidade do ensino e, p o rtan to , da capacidade dos fu tu ro s
profissionais. Por isso, to rn am -se necessárias m edidas
irracionais Q ubilam ento, 4 77), para assegurar um nível
m ínim o de qualidade.

Relatório do G rupo de Trabalho para a Reforma Universitária, op. cit., p. 125.

153
Barbara Freitag

N a Lei da Reform a U niversitária, de 1968, expressam


se, p o rtan to , contradições que caracterizam a própria
form ação social do m om ento. As alterações ocorridas na
in fra-e stru tu ra (redefinindo seus laços de d ep en d ên cia
ao in tro d u zir a m odernização tecnológica no sistem a in ­
d ustrial in tern o ) exigiram um a reestru tu ração que im p li­
cou necessariam en te a reorganização do AIE educacional
e que ao ser refuncionalizado, precisou rep ro d u zir ta n to
a nova ideologia, com o a nova e stru tu ra de poder. Ao
fazê-lo, está en tran d o em choque com duas outras ex i­
gências: ad ap tar o sistem a educacional à função de re ­
p rodução da força de trabalho, até então satisfeita m u ito
u n ilateralm en te, e garantir a m anutenção da e stru tu ra
de classes, re c e n te m e n te redefinida, estab elecen d o um a
linha nítida e n tre povo (classe cam ponesa e operária) e
alta classe m édia e classe alta (classe d o m in an te). Essa
últim a separação, gerada com a internacionalização do
m ercado in tern o no seio da in fra-estru tu ra, vai ser refo r­
çada pela universidade. O novo esquem a de seleção in ­
tro d u zid o procurará, com todas as suas m edidas, co o p tar
a classe m édia alta (que co n stitu irá a classe tecn o crática
auxiliar do governo m ilitar e a classe consum idora dos
bens produzidos) ao novo m odelo brasileiro. Ao m esm o
te m p o que consegue fazê-lo, en tra em conflito com as
exigências diretas da in fra-estru tu ra que espera das u n i­
versidades a produção e reprodução da força de trabalho
altam e n te qualificada.

154
Escola, Estado e Sociedade

Para form ar realm ente essa força de trabalho, a univer­


sidade deveria abdicar do seu critério de seleção - origem
de classe - e procurar recrutar os mais capazes den tro de
um universo bem maior, isto é, en tre todas as classes. O b­
viam ente, assim procedendo, a função de reprodução da
estru tu ra de classes estaria ameaçada. A universidade ainda
não resolveu esse dilema, procurando por enquanto satis­
fazer as aspirações das classes no poder e ao m esm o tem po
disciplinar as classes parcial ou d iretam ente rejeitadas pelo
sistem a. Esse im passe encontrará um a pseudosolução com
o alargam ento do sistem a particular do ensino superior no
Brasil desde 1968.
Estudarem os este aspecto mais detalhadam ente no tó p i­
co que se refere à realidade educacional.
A prioridade das m edidas disciplinares para o corpo
estudantil brasileiro, face às de trein am en to profissional
eficaz, pode ainda ser ilustrada com o D ecreto-L ei 869,
de 1969, que introduz a educação m oral e cívica nos três
níveis de ensino. Esse decreto, mais do que qualquer outro
te x to de lei, torna bem explícita a função da escola com o
aparelho ideológico do Estado.
Essa lei procura realizar, como sugere o A rt. 2, “através
da preservação do espírito religioso, da dignidade da pes­
soa hum ana e do am or à liberdade com responsabilidade,
sob inspiração de D eu s”, o princípio dem ocrático. Ressalta
ainda a necessidade de preservar os valores da nacionalida­
de e da força da unidade nacional, o aperfeiçoam ento do

155
Barbara Freitag

caráter, a dedicação à família e à com unidade e o “culto da


obediência à lei” (Art. 2, h), a preparação do cidadão etc.

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO M O B R A L

Se a Lei da Reforma do Ensino Superior com seus d e­


cretos adicionais visava acima de tu d o a solução da crise
universitária m ediante m edidas disciplinares de cooptação
e controle do estudante brasileiro, a legislação que regula­
m enta e institucionaliza o M ovim ento Brasileiro de A lfabe­
tização pode ser considerada um a m edida de cooptação e
contenção do operário. Em 1969 é criada a Fundação Mo-
bral que assegura a entidade m antenedora do program a de
alfabetização já previsto em lei um ano antes. Trata-se da
Lei 5.379, de 1 5 /1 2 /1 9 6 7 , que propunha a alfabetização
funcional a jovens e adultos. Como, porém , o Estado só
previa um a verba anual de C r$ 500.000,00, para o funcio­
nam ento dos programas, o M obral realm ente só com eçou a
funcionar quando, em 1970, encontrou-se um a form a real
de financiam ento. Essa form a consistia em desviar 6,7% da
receita líquida da loteria esportiva e deduções voluntárias
de 1% do im posto de renda devido pelas pessoas jurídicas
para o program a de alfabetização. C om isso o M obral dis­
punha em 1971 de 67 m ilhões de cruzeiros17.

17 MEC (ed.). Aspectos da Organização e Funcionamento da Educação Brasileira


- Relatório elaborado por Newton Sucupira para a XXIV Sessão da Conferência
Internacional de Educação realizada em Genebra em 1974 - Brasília, 1974, p. 73.

156
Escola, Estado e Sociedade

“A program ação do M obral, com preendendo cursos de


alfabetização e, com plem entarm ente, de educação con­
tinuada (integrada), foi precedida de um a avaliação das
prioridades educacionais, sociais e econôm icas do País. D e
acordo com as prioridades estabelecidas, o atendim ento
do M obral incidiu, inicialm ente, sobre a população urbana
analfabeta e na faixa etária de 15 a 35 anos.”18
A estru tu ra adm inistrativa descentralizada se objetiva
em quatro níveis: M obral central, as coordenações regio­
nais, as coordenações estaduais e as comissões municipais.
A estru tu ra organizacional é com posta por gerências (pe­
dagógica, mobilização com unitária, assuntos financeiros,
atividades de apoio) e assessorias (organização e m étodos,
supervisão e planejam ento).
Tam bém o M obral se caracteriza por refletir a ideologia
da educação com o investim ento com binada à ideologiza-
ção no nível político de “moral e cívica”.
Assim, um dos manuais do professor apresenta a fó rm u ­
la: “A lfabetização + educação continuada = (m elhor nível
de vida, m elhores salários, m aior produtividade) = prom o­
ção do desenvolvim ento do país”19.
A seguir um exem plo de te x to de m oral e cívica de um a
cartilha M obral de educação integrada: "O nde não há .lei,
não há ordem . E não há progresso. Seja num a família, num a

l8Ibid., p. 73.
IBMEC-MOBRAL (ed.). Roteiro do Alfabetizador. Rio de Janeiro, s. d., p. 4 e segs.

157
Barbara Freitag

escola, num am biente de trabalho ou num país. Existem


regulam entos, leis não escritas e norm as com binadas pelos
m em bros de um a família, ou outro grupo hum ano qual­
quer, para tornar a vida mais fácil en tre eles. As leis exis­
te m para regular os direitos e deveres de cada pessoa”20.
O M obral, com o se sabe, não é o prim eiro esforço alfa-
betizador. Mas é a prim eira vez que o governo se encarrega
de im plantar um m ovim ento que antes de mais nada alfa­
betize a força de trabalho e eleve, m esm o que um m ínim o,
o seu nível de qualificação.
E é tam bém a primeira vez que a alfabetização assume cará­
te r tão evidentem ente ideológico e visa de forma tão explícita
inculcar no operariado os valores do capitalismo autoritário.
U m dos prim eiros livrinhos da educação integrada edi­
tado pelo M obral contém um a carta do então M inistro da
Educação Jarbas Passarinho dirigido ao adulto recém -alfa-
betizado (pelo M obral): "O Presidente M édici designou o
analfabetism o no Brasil com o um a vergonha nacional. Nós
com eçam os a com batê-la e a reduzir o núm ero de analfa­
betos. O governo ainda quer ir adiante. Ele quer que você
faça o curso de educação integrada. E o curso cujo m aterial
agora chega às suas mãos através do M obral. Eu acho que
você den tro de um ano terá concluído com ele a prim eira
etapa de sua formação: o prim ário”21.

20 MEC-MOBRAL. Livro do Professor. Rio de Janeiro: Bloch, s. d., p. 110.


21 MEC-MOBRAL. Boa Pergunta - Livro do Aluno - Curso de Educação Integrada
- Material experim ental, São Paulo, s. d., p. 5.

158
Escola, Estado e Sociedade

U m outro livrinho para iniciar a m esm a educação in te­


grada diz: “M eu amigo: este livro vai lhe contar m uitas coi­
sas. Coisas para ajudar pessoas como você: gente que sofre,
mas tam bém porque trabalha e luta, vence, ri e vive. G en te
que agora, depois de já ser ‘gente grande’, aprendeu a ler.
G en te que te m m uito valor!”22.
É preciso insistir na diferença en tre a concepção alfabe-
tizadora do M obral e a exposta na Educação como Prática
da Liberdade ou na Pedagogia do O prim ido2*. E, no en­
tanto, o M obral não hesita em utilizar, extraindo-as de seu
contexto filosófico e político, as técnicas de alfabetização
de Paulo Freire. Podemos dizer que o método foi refuncio-
nalizado com o prática, não de liberdade, mas de integração
ao “M odelo Brasileiro” ao nível das três instâncias: infra-
estrutura, sociedade política e sociedade civil.

A REFORMA DO ENSINO DE I o E 2o GRAUS (LEI 5.692/71)

Ao analisarmos a estrutura e o funcionam ento do ensi­


no m édio baseado na Lei de D iretrizes e Bases, de 1961,
constatam os que estava ocorrendo um a deturpação. O
ensino profissionalizante estava sendo utilizado pelas clas­
ses “m enos favorecidas” como um meio de ascensão que
perm itia adquirir o diplom a formal necessário para as ins­

22 MEC-MOBRAL. Quem Lê... São Paulo: M elhoramentos, 1973, p. 3.


23 FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1971, e, do m esm o autor: Pedagogia dei Oprimido. Buenos Aires: Siglo Vein-
tiuno Argentina Editores, 1972.

159
Barbara Freitag

crições ao vestibular. Portanto, não estava ocorrendo um a


profissionalização de nível médio, mas um a corrida geral
para a universidade. A conseqüência era a pressão sobre as
universidades.
Vimos com o sé procurou, desde 1964, mas especial­
m en te desde 1968, desenvolver, para solucionar esta crise,
um a política que vacilava entre contenção e liberalização
das vagas do ensino superior. Essa política, para produzir
os efeitos desejados, precisava influenciar tam b ém os ní­
veis anteriores: o ensino de I o e 2o graus. A Lei 5.692 é,
nesses term os, não som ente uma lei que procura corrigir as
inadequações do sistem a de ensino m édio anterior, face a
um a nova realidade (antes de mais nada econôm ica), mas
tam bém um a decorrência necessária da reform ulação do
ensino superior, a fim de ajustar ideológica, estrutural e
funcionalm ente os três níveis de ensino.
O histórico da Lei 5.692 é sem elhante ao da 5.540.
Os prim eiros esboços de reform ulação do ensino m édio
rem o n tam a 1964, com m enos de três anos de vigência
da 4 .4 2 4 24.
Mas é som ente em 1969 que o M inistro da Educação do
governo C osta e Silva nomeia um grupo de trabalho com pos­
to por 32 m em bros, encarregados de atualizar a legislação
dos dois prim eiros níveis de ensino. Problemas de ordem
m acroestrutural e, antes de mais nada, conflitos intensos na

24 Veja: Ministro Anuncia um Programa Reformista no Setor da Educação, O Estado


de S. Pauto, de 10/6/1964.

160
Escola, Estado e Soc i ed a d e

cúpula do poder, levaram a um a estagnação dos trabalhos.


Já sob o novo presidente e a gestão de Jarbas Passarinho no
M EC os trabalhos são retom ados. Agora, porém , por um
grupo m enor ainda, com posto de dez m em bros, que dentro
de 60 dias deveria apresentar um Projeto de Lei, que atua­
lizasse e expandisse a lei de ensino de I o e 2o graus.
Apesar de elaborado no prazo previsto, o projeto só foi
definitivam ente sancionado em agosto de 1971.
As inovações introduzidas em relação à legislação ante­
rior podem ser resum idas em três tópicos:
1. Extensão definitiva do ensino prim ário obrigatório de
4 a 8 anos (Art. 18), gratuito em escolas públicas (Art. 20)
e conseqüente redução do ensino m édio de 7 para 3 a 4
anos (Art. 22). O I o ciclo ginasial fica, portanto, absorvido
pelo ensino prim ário, tornando-se obrigatório para todos.
2. Profissionalização do ensino m édio (antigo 2o ciclo do
ensino m édio) (Art. 4, §§ 1 a 5, a A rt. 10) garantindo ao
m esm o tem po continuidade e term inalidade dos estudos.
3. Reestruturação do funcionam ento do ensino no m o­
delo da escola integrada, definindo-se um núcleo com um
de m atérias obrigatórias e um a m ultiplicidade de m atérias
optativas de escolha do aluno.
O aspecto mais discutido dessa nova lei é o da profissio­
nalização. Os objetivos oficiais fixados na lei e reforçados
pelo parecer 7 6 /7 525 foram assim explicitados:

25 MEC-DEM . Do Ensino de 2o G rau - Leis - Pareceres, Brasília, 1975, Parecer


76/75, p. 284.

161
Barbara Freitag

“I o) M udar o curso de uma das tendências da Educação


brasileira, fazendo com que a qualificação para o trabalho
se tornasse a m eta não apenas de um ramo de escolaridade,
como acontecia anteriorm ente, e sim de todo um grau de
ensino que deveria adquirir nítido sentido de terminalidade;
2o) Beneficiar a econom ia nacional, dotando-a de um
fluxo contínuo de profissionais qualificados, a fim de corri­
gir as distorções crônicas que há m uito afetam o mercado
de trabalho, preparando em número suficiente e em espécie
necessária o quadro de recursos humanos de nível interm e­
diário de que o País precisa"26.
Traduzido para o conceituai básico que elaboram os no
início, podem os dizer que o I o objetivo vem a p reencher a
função de reprodução das classes sociais, pois a hierarqui­
zação da educação form al estaria assim mais fundam en­
tada. A profissionalização com term inalidade significa que
estudantes do ensino m édio podem e devem sair da escola
e ingressar d iretam en te no m ercado de trabalho, assum in­
do ocupações técnicas.
D eixariam assim de exercer pressão sobre as universi­
dades, reservando as vagas aí disponíveis para um a m ino­
ria (que casualm ente coincidiria com a classe alta e m édia
alta). O ensino profissionalizante viria assim a com plem en­
tar as intenções da lei da reform a do ensino superior. Para
que este fosse aliviado da pressão que sobre ele incidia, o

2li Ib id , p. 285.

162
Escola, Estado e Sociedade

ensino m édio teria que ser um filtro eficaz que desviasse


potenciais preten d en tes ao ensino superior. O ensino m é­
dio profissionalizante contraporia à liberalização form al do
vestibular a efetiva contenção num degrau anterior27.
A ssegurada a contenção, estaria assegurada a rep ro d u ­
ção das relações de classe. A bandonariam a escola som en­
te aqueles que não tivessem mais condições para estudar,
vendo-se forçados a ingressar no m undo do trabalho. C on­
tinuariam estudando aqueles cujos pais pudessem financiar
estudos. A separação en tre as classes ficaria ainda mais re ­
forçada, se o ensino pago ao nível m édio e superior previsto
na lei fosse realm ente efetivado.
O segundo objetivo, "beneficiar a econom ia nacional”,
corresponde à necessidade crescente do sistem a de ensino
(em todos os três níveis) de cum prir sua função de repro­
d u to r da força de trabalho. Ao analisarmos a Lei de D ire­
trizes e Bases havíamos constatado a ineficácia do sistem a
de ensino com o "fábrica de m ão-de-obra qualificada”. A
nova Lei 5.692 p reten d e corrigir essas "distorções crônicas
que há m uito afetam o m ercado de trabalho” procurando
fornecer os técnicos de nível m édio que presum ivelm ente
aí são necessitados. Q ue o legislador in terp reto u talvez de
m aneira apressada as necessidades do m ercado m o strare­
mos no tópico que tratará do funcionam ento efetivo da
nova lei na realidade.

27 C U N H A , L.A.R. op. cit., p. 19.

163
Barbara Freitag

O parágrafo da profissionalização é m uito discutível: pois,


nem a rede de ensino oficial nem a particular se vêem em
condições financeiras de fornecer as instalações e os recursos
humanos qualificados para o ensino profissionalizante. O pa­
recer 76/75 do M EC procurou um a saída artificial do dile­
ma diferenciando entre escola e ensino profissionalizante28.
D e acordo com essa interpretação, nem toda escola teria
de ser “profissionalizante”, mas sim o ensino m édio como
tal. E aqui intervém a terceira inovação introduzida com
a Lei 5.692 que é o ensino integrado. Diz o te x to da lei:
“Sem prejuízo de outras soluções que venham a ser adota­
das, os sistem as de ensino estimularão, no m esm o estabe­
lecim ento, a oferta de m odalidades diferentes de estudos
integrados por um a base com um e, na m esm a localidade'.
a) reunião de pequenos estabelecim entos em unidades
mais amplas;
b) a entrosagem e a intercom plem entariedade dos esta­
belecim entos de ensino en tre si ou com outras instituições
sociais, a fim de aproveitar a capacidade ociosa de uns para
suprir deficiências de outros;
c) a organização de centros interescolares que reúnam
serviços e disciplinas ou áreas de estudo, com uns a vários
estabelecim entos”29.
Foi elogiada a flexibilidade do ensino alcançado com este
m odelo da escola integrada, mas ela é obtida às custas do

2S M EC-DEM . op. cit., p. 289.


29 Ibid., p. 291. G rifo nosso.

164
Escola, Estado e Sociedade

aluno. Para cum p rir com as exigências de seu currículo,


o aluno m uitas vezes é fofçado a p erco rrer longas d istân ­
cias e n tre um e o utro estabelecim ento de ensino, o que é
agravado pela inconveniência dos horários. Por o utro lado,
o ensino integrado perm ite, além da utilização dos recursos
m ateriais e hum anos já disponíveis sem qualquer acréscimo
aos recursos existentes, vincular o ensino propedêutico ao
profissionalizante. Essa aparente racionalização nada mais é
que um a form a de reduzir os custos das entidades m an te­
nedoras dos estabelecim entos de ensino que se reverte em
desperdício de dinheiro (condução) e tem p o para o aluno.
É ele que carregará o ônus da dispersão do ensino por vá­
rios locais. O aluno que por sua origem de classe é forçado
a trabalhar, m uitas vezes não pode cursar um curso m édio
deste tipo, pela dispersão das m atérias por to d o o dia, e se
vê rem etido ao ensino supletivo.

0 ENSINO SUPLETIVO

O ensino supletivo foi previsto na Lei de Reform a do


Ensino de I o e 2o graus com duas finalidades:
a) “suprir a escolarização regular para os adolescentes e adul­
tos que não a tenham seguido ou concluído na idade própria;
b) proporcionar, m ediante repetida volta à escola, estu ­
dos de aperfeiçoam ento ou atualização para os que tenham
seguido o ensino regular no todo ou em p a rte ”30.

311 Ibid., p. 128 e segs.

165
Barbara Freitag

O parecer do relator junto ao M EC, Valnir Chagas, d e­


duz daí quatro form as ou m odalidades de ensino: aprendi­
zagem, qualificação, suplência e suprim ento31.
A prendizagem aqui é com preendida com o a form ação
m etódica para o trabalho a exem plo dos cursos de trein a­
m en to do Senai e Senac. Qualificação se refere a cursos
especiais de profissionalização, a exem plo do Program a
Intensivo de Preparação da M ão-de-O bra (P IP M O ). Aqui
o aspecto de transm issão de conhecim entos em cultura
geral é secundário. Suplência é a própria alfabetização e
escolarização de jovens e adultos com o está sendo p ra ti­
cada pelo M obral. E, finalm ente, su p rim en to inclui cur­
sos de reciclagem e aperfeiçoam ento em qualquer nível32.
Valnir Chagas sugere, tam b ém para o supletivo, a concep­
ção do ensino integrado, o que significa aproveitam ento
e en tro sam en to dos diferentes cursos e instituições de
educação de adultos já existentes. O relato r ainda reco ­
m enda que se adote um sistem a aberto de escola. Em seu
parecer, com o em todos os textos de lei dos quais ele foi
um dos pais33, aparece o duplo conceito de racionalidade:
a interna, exigindo a econom ia e eficácia dos m eios dispo­
níveis, para a realização dos objetivos fixados, e a ex tern a

31 MEC: Sistema Nacional de Ensino Supletivo - Relatório e conclusões do grupo de


trabalho instituído pela Portaria Ministerial 317/72. Relator: Valnir Chagas, Brasília,
1972, p. 6.
32 Ibid., p. 15.
33 Veja entrevista dada por Valnir Chagas ao Jornal de Brasília, 14/3/1976: Ninguém
Influi Mais do que Ele na Educação Brasileira.

166
Escola, Estado e Sociedade

que é a contribuição para o desenvolvim ento econôm ico,


esperada pelo novo tipo de ensino. Por isso realça a "vin-
culação do Ensino Supletivo ao Esforço do D esenvolvi­
m en to N acional”34.
A pesar de Chagas advertir que essa form a de ensino não
haveria de ser um "ensino regular de segunda classe”35, tu d o
indica, tan to na intenção como na realização, que o ensino
supletivo reintroduz a form a dual de um sistem a de ensino
que prepara, em cursos separados, as classes dirigentes e as
classes subalternas.
C om o a legislação não regulam entou as form as de ins­
titucionalização dos cursos supletivos, reservando-se ao
Estado som ente o direito de aplicar os exam es finais e ex­
pedir os diplomas, o supletivo abriu o cam inho para que
as em presas privadas explorassem as aspirações educacio­
nais das classes “m enos favorecidas”. Se o aparecer alega a
abertura e liberdade do sistem a de ensino supletivo como
form as necessárias à sua realização, em verdade está fazen­
do a política de Pilatos. Está preparando o cam inho para
o que o próprio M EC recom endou: que o ensino supleti­
vo seja financiado pelo setor privado. Assim, o supletivo
som ente seria financiado pelo setor público “no caso da
clientela destituída de recursos”; nos demais, haveria “ação
predom inante da iniciativa privada, que... terá aqui gran­
des possibilidades de fornecer e contribuir eficientem ente

34 MEC. op. cit., p. 5.


35 Ibid., p. 5.

167
Barbara Freitag

para o desenvolvim ento do País”36. Reproduziu-se aqui, sob


outro rótulo, o sistem a de ascensão social im plantado com
o ensino técnico m édio da LDB. C om o ensino supletivo
se oferece u m m ecanism o que perm ite adquirir o diplom a
form al para o ingresso às universidades sem se preocupar
com os requisitos qualitativos para passar no vestibular. Na
prática educacional, como verem os no tópico correspon­
dente, o supletivo será refuncionalizado com o o foi o ensi­
no técnico m édio da Lei de D iretrizes e Bases.

3I' MEC-MOBRAL. Educação Permanente e Educação de Adultos no Brasil. São Pau­


lo: Bloch, s. d. e pág.

168
A política educacional no
nível de planejamento

U SO DA TÉCN ICA DE PLANEJAMENTO PELA PO LÍTICA ESTA­

O TAL no Brasil é de data recente. Em períodos anterio­


res a 1965 e 1985 som ente foram çlaborados quatro pla­
nos globais: o “Plano SALTE”, de 1948, para o governo do
G eneral D utra; o "Plano de D esenvolvim ento”, elaborado
entre 1951 e 53 por um a Comissão M ista Brasil / Estados
U nidos, para o governo de G etúlio Vargas; o "Programa
de M etas”, baseado no plano anterior, elaborado em 1956
para o governo Kubitschek e, finalm ente, o “Plano Trienal”
de Celso Furtado, de 1962, para o governo G oulart. So­
m en te este últim o contém um a prim eira consideração so­
bre a necessidade da form ação de recursos hum anos para a
prom oção do desenvolvim ento. Pela prim eira vez se chama
atenção para a im portância do planejam ento educacional
com o parte integrante do planejam ento global.
Barbara Freitag

Mas som ente a partir do governo militar de 1964 a técnica


do planejam ento vai ser utilizada em larga escala, procurando
dar à política estatal um cunho “científico-tecnocrático”.
“A ação estatal planejada tornou-se im perativo das m o ­
dernas técnicas de governo e tende a constituir-se, na ge­
neralização de seu em prego, em função norm al den tro da
adm inistração norm al. Já ninguém discute a necessidade
de ser o desenvolvim ento econôm ico cuidadosam ente pla­
nejado, para que seja mais rápida e seguram ente o b tid o ”1.
O planejam ento educacional vem a ser um a form a espe­
cífica de política educacional que faz parte da política e do
planejam ento (econôm ico) global. O planejam ento educa­
cional do governo m ilitar é sem pre um aspecto, ou setor,
dos planos nacionais de desenvolvimento. Dos três até ago­
ra elaborados (plano decenal de 1967/76, plano trienal de
1972/74 e plano qüinqüenal de 1975/79), os dois últim os
estabeleceram som ente as diretrizes gerais para o planeja­
m ento dos recursos hum anos, ficando a cargo do M EC ela­
borar planos setoriais mais específicos. N o plano decenal as
m etas e os objetivos educacionais (de recursos hum anos)
estão contidos no próprio plano2.

0 PLANO DECENAL DE 1967-1976

Este plano, apesar de nunca ter se concretizado sob for­


ma de projetos e programas de im plantação, é o prim eiro
1 M EC-SG . op. cit., p. 16.
2 Veja os dois volumes do Plano acima mencionado.

170
Escola, Estado e Sociedade

que introduz, ainda em toda a sua pureza, a conceituação


econôm ica de educação. “A educação brasileira precisa... le­
var à consolidação da estrutura do capital hum ano no país
para acelerar o processo de desenvolvimento econôm ico”3.
A própria elaboração do plano foi bem fundam entada.
Preparou-se um diagnóstico preliminar abrangendo todos os
setores a serem afetados pelo planejam ento, inclusive o edu­
cacional. Também aqui o jargão econômico é predom inante.
O roteiro seguido pelos trabalhos com preende o histórico
(pós-guerra), a produção e a evolução, as técnicas de pro­
dução, os fatores de produção (no caso da educação: pro­
fessores e alunos), custos da produção e sua estrutura, com ­
parações regionais e internacionais. O enfoque econôm ico é
justificado: “...perm itir a obtenção de dados que sirvam ao
planejam ento geral na formação das projeções globais”4.
O diagnóstico serviu de base para efetuar o cálculo da
quantidade de profissionais necessários nos diferentes ní­
veis e ram os de especialização nos próxim os 10 anos. Não
se recorreu ao diagnóstico para fixar os objetivos, mas se
deduziu, a partir dos objetivos de um PIB em crescim ento,
qual a carência de profissionais existente.
N o plano geral, depois de fixado o crescim ento anual do
PIB, passa-se a definir os setores que contribuirão com o
m aior crescim ento, devido à sua alta produtividade (hoje).

r Ibid., Vol. I, p. 15.


4 M inistério do Planejamento e Coordenação Econômica / EPEA: Plano Decenal de
Desenvolvimento Econômico e Social - E D U C A Ç Ã O (I) E (II) - Diagnóstico Preli­
minar, Rio de Janeiro, 1969, p. 30.

171
Barbara Freitag

D aí se deduzem o núm ero e o nível qualificacional dos p ro ­


fissionais a serem absorvidos nesses setores. Fixadas, assim,
as quotas em cada ocupação passa-se a prescrever ao siste­
ma educacional quantos engenheiros, químicos, arquitetos
etc., ele terá que produzir em cada ano, ten d o em vista a
produção atual existente.
A previsão de recursos hum anos necessitados em 1976
levou à form ulação de quatro planos específicos (o de for­
m ação de m ão-de-obra industrial, formação de m ão-de-
obra rural, planos para os ramos de ensino superior relativos
à form ação de profissionais em ciências m édicas, plano de
form ação e treinam ento do magistério prim ário). O plano
decenal referen te à formação de recursos hum anos e ed u ­
cação term ina fazendo proposições para a “ação federal no
setor educacional”. Prescreve basicam ente os orçam entos
que o governo federal deve pôr à disposição do setor, para
realizar os objetivos gerais e específicos form ulados5.

0 PLANO SETORIAL DE 1972-1974

N esse plano não só se destaca a contribuição que a ed u ­


cação pode dar ao desenvolvim ento e progresso da nação,
mas tam b ém ao indivíduo, ressaltando a taxa de retorno
gerada pela educação.

5 M inistério do Planejamento e Coordenação Econômica: Plano Decenal de Desen­


volvimento Econômico e Social - Desenvolvimento Social: Educação e M ão-de-O bra,
D epartam ento de Imprensa Nacional, 1967, p. 121-166, Vols. I e II.

172
Escola, Estado e Soc i ed a d e

“Esse plano, aberto e flexível, deverá objetivar ao m esm o


tem p o a continuidade da expansão e a aceleração da revo­
lução do processo educacional brasileiro, e tornar a popu­
lação brasileira tanto um fa to r de produção, pelos efeitos
da escolaridade sobre a produtividade de recursos, quanto
destinatária dos resultados do progresso”6
São objetivos prioritários desse plano:
E stender a matrícula de 10 grau a 80% das crianças na ida­
de de escolarização (7 a 14 anos); eliminar o analfabetismo
na faixa dos 15 aos 35 anos de idade; expandir os sistemas
de treinam ento e retreinam ento; proporcionar term inalida­
de do ensino de 2o grau, visando a formação de técnicos de
nível médio; expandir a oferta do ensino superior, especial­
m ente nas áreas das técnicas, da formação do m agistério e
das ciências da saúde; acelerar a reform a da universidade;
instituir centros regionais de pós-graduação; m anter a gra­
tuidade do ensino para todos que sejam carentes7.
D e 33 projetos elaborados para a realização do plano,
quatro visam alcançar os objetivos definidos para a escola­
rização de prim eiro grau; três são dedicados à reform a do
ensino m édio (im plantação da profissionalização e te rm i­
nalidade, m elhoria da rem uneração do m agistério) e oito
se preocupam d iretam ente com a im plantação da reform a
universitária. Independente do ensino formal, três projetos

(’ M E C /SG : Plano Setorial de Educação e Cultura 1972-1974, Brasília, 1971, p. 24.


G rifo nosso.
7 Ibid., p. 25 e segs.

173
Barbara Freitag

são form ulados para garantir a m elhoria da form ação de


m ão-de-obra, estando aqui incluídos os projetos de alfa­
betização e educação de adultos. Os dem ais se preocupam
com reform as adm inistrativas, pesquisas educacionais, p ro ­
gramas de assistência técnica, aos Estados e Territórios8.
N ota-se um a clara prioridade dada à reform a universitá­
ria, o que, por um lado, vem com plem entar a política ed u ­
cacional refletida na legislação: superar a crise universitária
e controlar o corpo estudantil; por outro, revela preocupa­
ção com a qualificação da força de trabalho para os altos
escalões (im plantação dos cursos de pós-graduação).

0 PLANO QÜINQÜENAL DE 1975-1979

Este plano retom a os princípios básicos do anterior:


“N a fase p resen te de nossa evolução social, a educação
brasileira há de concorrer para o objetivo com um que é o
projeto de desenvolvim ento nacional e, possibilitado por
este, o projeto hum ano pessoal de cada indivíduo”9.
D efine com o objetivos específicos na área educacional:
desp ertar as vocações desde o nível do ensino fu n d am en ­
tal; expandir a o ferta de m atrícula para o ensino funda­
m ental para atingir 100% de escolarização da faixa etária
7 a 14 anos até 1980; expandir a oferta de vagas no ensino
m édio e superior; capacitar recursos hum anos, no sentido

s Ibid., p. 41 e segs.
11M E C /SG : op. cit., p. 8.

174
Escola, Estado e Sociedade

de garantir a m elhoria da produtividade do ensino, pela


oferta de cursos e o u tro s m ecanism os de aperfeiçoam en­
to nos três níveis de ensino; reform ular os currículos nos
três níveis de ensino; prom over a interação de escola e co­
m unidade; im plantar e expandir os campi universitários;
elim inar gradativam ente o analfabetism o de adolescentes
e adultos (faixa etária dos 15 aos 35 anos); “p restar as­
sistência técnica e financeira às instituições particulares
de ensino, visando, não só a expansão quantitativa, com o
tam b ém a m elhoria do ensino”10.
Vemos com o esses objetivos não ap resen tam nada de
novo em relação ao plano anterior, co n stitu in d o m era ex ­
trapolação dos objetivos deste, obviam ente não alcança­
dos até 1974.
Para a realização desses objetivos foram definidos, dessa
vez, 30 projetos prioritários, dos quais som ente 4 visam di­
retam ente a melhoria do ensino fundam ental (reformulação
de currículos, capacitação de recursos humanos, expansão e
melhoria da rede escolar, desenvolvimento de novas m etodo­
logias para o processo de ensino-aprendizagem no prim ário).
O ito projetos e/o u subprojetos se ocupam com proble­
mas de ensino m édio. Aqui houve m aior ênfase sobre os
problem as da qualificação profissional que no plano ante­
rior. Isto se explica pelo fato de a legislação de reform a
do ensino de 1° e 2o graus te r sido sancionada depois da

Ibid., p. 26 e segs. A última citação é da p. 31.

175
Barbara Freitag

elaboração do prim eiro e antes da elaboração do segundo


plano setorial, dando a este últim o os instrum entos legais
para “planejar a profissionalização”. N ovam ente um a p er­
centagem substancialm ente maior de projetos se destina
à m elhoria do ensino superior. Dois projetos (o de alfabe­
tização e educação continuada e preparação intensiva de
m ão-de-obra) visam a m elhor qualificação do operário.
A tendência do planejam ento educacional de privilegiar
o ensino superior, negligenciando relativam ente os dois
outros níveis de ensino, tem que ser vista no contexto da
especificidade de nossa economia, dotada de um p eq u e­
no núcleo altam ente produtivo, que funciona à base de
um a tecnologia sofisticada im portada do exterior e produz
bens de consum o duráveis para um a minoria. Este setor da
econom ia requer recursos hum anos devidam ente especia­
lizados, mas em pequenas quantidades, devido à sua alta
densidade tecnológica. As universidades deverão ser as f á ­
bricas deste pro d u to refinado.
A im portância dada à hierarquização dos estudos uni­
versitários se reflete na existência de cursos que vão desde
os de curta duração até os de pós-graduação (m estrado,
d o u to rad o ).
Para com pletarm os nosso quadro de planejam ento ed u ­
cacional resta, pois, m encionar o plano nacional de pós-gra­
duação, elaborado em fins de 1975.

176
Escola, Estado e Soc i e d a d e

0 PLANO NACIONAL DE PÓ S-G RAD UAÇÃO "

Elaborado pelo Conselho Nacional de Pós-G raduação,


criado em 1974, este plano se insere - com o se declara na
introdução - no II PN D e o correspondente plano setorial
de educação bem com o no Plano Básico de Desenvolvi­
m ento Científico e Tecnológico. Ele p arte de duas hipó­
teses de trabalho: a necessidade da integração em todos
os níveis, de ensino e pesquisa; e da tese de que o “ensino
superior é um setor de form ação de recursos hum anos para
os dem ais níveis de ensino e para a sociedade; os cursos de
pós-graduação no sentido estrito - m estrado e doutorado
- devem ser regularm ente dirigidos para a form ação de re­
cursos hum anos para o próprio ensino superior”12.
À base de um diagnóstico m uito sucinto, o plano propõe
as diretrizes básicas para a política educacional do próxim o
qüinqüênio ao nível da pós-graduação.
Se o sistema de ensino superior tem como função “formar,
treinar e qualificar os recursos humanos de nível superior em
volume e diversificação adequados para o sistema produtivo
nacional e para o próprio sistema educacional”, as funções
da pós-graduação são definidas nos seguintes term os:
“Form ar professores para o magistério universitário,
a fim de atender à expansão quantitativa deste ensino e
à elevação de sua qualidade; form ar pesquisadores para

11 MEC- Conselho Nacional de Pós-Graduação: Plano Nacional de Pós-Graduação,


Brasília, 1975.
12 Ibid., p. 7.

177
Barbara Freitag

o trabalho científico, a fim de possibilitar a form ação de


núcleos e centros, atendendo às necessidades setoriais e
regionais da sociedade; preparar profissionais de nível ele­
vado, em função da dem anda do m ercado de trabalho nas
instituições privadas e públicas.”13
Em vista das capacidades atuais das universidades m uni­
cipais, estaduais, federais e particulares são fixadas as m etas
para o próxim o qüinqüênio: form ar 16.800 m estres e 1.400
doutores. Os núm eros globalmente fixados para os m estres
ainda são diferenciados por áreas e pelos 5 anos individual­
m ente. Serviram de critérios para a fixação dos respectivos
núm eros a necessidade de docentes para o ensino superior e
a estruturação do trabalho educacional e científico.
O planejam ento educacional brasileiro procurou, com o se
revela na análise dos planos, seu em basam ento teórico nos
m odelos da economia da educação, recorrendo tanto ao m o­
delo do investim ento como ao da dem anda educacional.
Valem para eles todas as observações e críticas elabo­
radas no capítulo teó rico 14. Aqui sim plesm ente seja lem ­
brado que, se declaradam ente o planejam ento educacional
visa ajustar o output do sistem a educacional (que supõe-
se deva funcionar racional e eficientem ente) ao im put das
necessidades do m ercado de trabalho, regido pela lei da
o ferta e da procura, ele está efetivam ente procurando

13 Ibid., p. 17.
14 Veja primeira parte deste livro: Quadro Teórico.

178
Escola, Estado e Sociedade

ajustar a form ação da m ão-de-obra aos ciclos e às crises da


econom ia capitalista.
O problem a que o planejam ento se propõe é realm ente
ajustar m eios a fins, isto é, utilizar de form a mais racional
possível os recursos materiais e pessoais disponíveis para
obter não só um núm ero suficiente de futuros profissio­
nais, mas tam bém elem entos qualitativam ente diferencia­
dos em graus e em grupos de atividades.
E videntem ente não existem técnicas possíveis que consi­
gam prever os dinamismos societários em cinco ou dez anos
e a eles ajustar, a cada m om ento, os profissionais dem an­
dados pelo m ercado de trabalho. Isso porque a produção
de bens não segue um plano geral manipulável igualm ente
pelo Estado, mas sim aos interesses de lucro e às brechas
do m ercado, encontradas pelas em presas privadas. Para que
estas possam expandir ou condensar sua produção à base da
lei de oferta e da procura e da maximização dos lucros, elas
precisam te r um reservatório do qual retirar e ao qual devol­
ver a força de trabalho necessária ou supérflua no processo
de trabalho. O Estado, assumindo por um lado os riscos ine­
rentes ao planejam ento bem como o ônus dos gastos para a
form ação desse reservatório de força de trabalho qualifica­
da, está contribuindo diretam ente para a formação do que
M arx cham ou de “exército industrial de reserva”.
Esse exército, no caso das sociedades capitalistas m o ­
dernas - e o Brasil está fazendo to d o esforço para atingir
este estágio - , não se gera mais necessariam ente só pela

179
Barbara Freitag

liberação da força de trabalho substituída pela m áquina,


mas ta m b ém pelo ex ced en te produzido pela m o d ern a es­
cola capitalista. Esse excedente pode ser s u p é rflu o para
u m ou o u tro ram os da indústria, mas é funcional para
a m anutenção das relações de produção com o um to d o
em dois sentidos: com o reserva de m ão-de-obra em m o ­
m entos de expansão da produção e com o m ecanism o de
pressão sobre os salários. C om isso, o Estado garante a
continuidad e da produção e um a taxa de lucro crescen te
aos em presários nacionais e internacionais15.
Assim, o planejam ento educacional nas mãos do Estado
é um instrum ento que procura assegurar a racionalidade
interna de um sistem a globalm ente irracional.
A política educacional brasileira, que se apropriou sem
questionam ento desses modelos da econom ia da educação,
passará a redefinir e refuncionalizar o conceito de educa­
ção. Se até a LDB o caráter econôm ico da educação em sua
função reprodutora da força de trabalho não havia sido des­
coberto, o governo m ilitar passará a ajustar definitivam ente
o sistem a educacional aos m últiplos interesses do capitalis­
m o brasileiro. A política educacional passará - com auxílio
do planejam ento - a transform ar o sistem a educacional de
tal m aneira que ele cum pra todas as funções de reprodução
necessárias à m anutenção das relações de produção. Se em

15 Q ue o Mobral e o supletivo estão funcionando neste sentido já foi denunciado


por vários autores, entre eles, talvez o mais explícito, L. A. R. da Cunha: op. c i t p .
266 e segs.

180
Escola, Estado e Sociedade

períodos anteriores a educação já preenchia as funções de


reprodução da estru tu ra de classes, da estru tu ra do poder e
da ideologia, agora passará a assumir mais um a, a de repro­
dução da força de trabalho. Essa nova tendência da política
educacional já se havia m anifestado em m uitos aspectos
da nova legislação educacional, mas é som ente nos planos
setoriais da educação que isso fica claram ente explicitado.
O conceito de educação m uda substancialm ente. Se no
Brasil era concebida até então como um bem de consum o
de luxo, ao qual som ente um a minoria tinha acesso fácil, a
educação agora precisa ser consum ida por todos para que
se torne um capital que, devidam ente investido, produzirá
lucro social e individual. O Estado brasileiro, que se torna
o m ediador do processo de internacionalização do m erca­
do interno, passa a investir em educação assum indo parte
dos gastos da qualificação do trabalhador em benefício das
em presas privadas nacionais e multinacionais.
A socialização desses gastos é, porém , legitim ada pela
teoria de que a educação, concebida com o investim ento,
prom ove o desenvolvim ento. O desenvolvim ento é aqui
entendido com o um fenôm eno nacional em benefício de
todos: de fato, beneficia as em presas privadas e secunda­
riam ente um a parcela da classe m édia e alta, cooptada pelo
m odelo brasileiro.
A nova concepção da educação beneficia a em presa pri­
vada de duas maneiras. Por um lado ela é liberada da tarefa
que anteriorm ente lhe cabia, de formar, no trabalho, a for­

181
Barbara Freitag

ça de trabalho de que necessitava. Agora o Estado assume


essa função e especialm ente os gastos em que essa tarefa
implica. Mas ao m esm o tem p o que ela se libera desse ônus
é beneficiada com um a força de trabalho mais qualificada
e que, através de sua m aior produtividade, produz m aiores
lucros para a em presa.
A econom ia da educação, integrada ao planejam ento
educacional brasileiro, te m ainda outras funções a cum prir.
Ela fornece os critérios de racionalidade que perm item
refuncionalizar o sistem a educacional brasileiro. D e m ero
p erp etu ad o r da estru tu ra de classes, através da reprodução
da hierarquia de status, passa a ser a instituição que faz
com que as relações de classe sejam reproduzidas, m edia-
tizadas pela estru tu ra ocupacional.
Para isso a econom ia da educação precisa enfatizar que a
educação só é investim ento quando prepara os indivíduos
para o trabalho. Não é mais um processo de transm issão de
cultura geral de hum anidades, de saber universal. A educa­
ção é instrum entalização para o trabalho. Ela é investim ento
quando prepara o indivíduo profissionalm ente a fim de que
seja mais produtivo na em presa que o contrata. Portanto,
não é mais um processo que liberta o indivíduo do trab a­
lho (especialm ente manual) e, conferindo-lhe o títu lo de
doutor, o eleva à classe dom inante, mas um processo que
o habilita para o trabalho, para aí então ascender na hierar­
quia ocupacional, m ediante m elhores salários. A econom ia
da educação leva, pois, o Estado a fazer os investim entos

182
Escola, Estado e Sociedade

de form a hierarquizada em amplas camadas da população.


Será o próprio Estado que.convencerá esta população de
que o esforço educacional para o trabalho, para a profissio­
nalização, se reverterá no benefício de cada um .
Por isso a econom ia da educação propagada pelo governo
faz desaparecer a conotação de educação com o privilégio,
procurando atrair tam bém as classes subalternas, até agora
quase que to talm en te excluídas do consumo da educação.
“N esse m undo de escassez, existe um bem ainda abun­
dante e que está sendo subutilizado em todo o m undo,
apesar de ser talvez o mais precioso à disposição da espécie
hum ana: esse bem é a inteligência inaproveitada, principal­
m en te nas classes m enos favorecidas dos países desenvol­
vidos. A educação p erm ite aproveitar esse fabuloso p o ten ­
cial, responsável pela energia criadora e transform adora do
hom em , cujo valor é indiscutível. C om o corolário deve-se
frisar que a 'não-educação 1 apresenta um custo certam ente
elevado para qualquer país...”16.
C om a expansão da produção e do m ercado, tornam -
se necessários mais indivíduos, aptos a desem penharem
funções den tro da hierarquia ocupacional em expansão, do
que poderiam ser recrutados nas classes alta e m édia alta,
que até então forneciam a força de trabalho qualificada.
Tam bém nas bases da pirâm ide ocupacional passou-se a
exigir um m ínim o de qualificação: assim a educação não

111 MEC-MOBRAL: Educação Permanente e Educação de Adultos, p. 4.

183
Barbara Freitag

podia mais continuar sendo privilégio, mas teria que ser


bem de consum o geral. Por isso as proposições do planeja­
m ento educacional não contradizem a ideologia da dem o­
cratização vigente. O sistem a educacional, na m edida em
que está sendo aberto para criar um a força de trabalho que
parcialm ente será absorvida pelo m ercado de trabalho e
parcialm ente alim entará o exército de reserva, pode alegar
que a ampliação das vagas está sendo feita d en tro de um a
política dem ocratizante.
D e fato, até certo ponto, a dinâmica da in fra-estru tu ­
ra im põe ao sistem a educacional um a m aior flexibilidade.
Pois o interesse básico é a formação de força de trabalho na
quantidade e na qualidade desejadas. Os velhos m ecanis­
mos de seleção baseados no critério de classe precisam ser
redefinidos, não para dissolver as relações de classe, mas
para cooptar os indivíduos mais aptos das classes subalter­
nas, integrando-os num sistem a de produção que procura
p erpetuar essas relações de classe.

184
A política educacional
em face da realidade

E N O E STU D O DA POLÍTICA ED U CA CIO N A L, N O NÍVEL DA LE-

S gislação e no nível do planejam ento, perm anecem os


teoricam ente na instância da sociedade política, ao passar­
mos à análise da realidade educacional, isto é, da maneira
com o leis e planos são absorvidos e vividos na prática coti­
diana, nos m ovim entam os no âm bito da sociedade civil.
Veremos, aqui, como a concepção de m undo, traduzida
em leis e planos, e lançada pela classe ou frações de classe
hegem ônicas na sociedade civil, é absorvida, modificada e
transform ada em senso comum.
Ao fazê-lo precisam os co n fro n tar a realid ad e de hoje
com a realid ad e d e co rren te da LDB (analisada no capí­
tu lo p re c e d e n te ) e verificar se houve ru p tu ra ou co n ti­
n u id ad e na p rá x is educacional. C om isso se p o d e ava­
liar se as correções ou inovações in ten cio n ad as p o r leis e
Barbara Freitag

planos já estão se m aterializando nos co m p o rtam e n to s


dos indivíduos.
N essa tentativa encontram os um a séria dificuldade, que
é a relativa juventude da nova legislação e do planejam en­
to educacional. Se é verdade, como diz Chagas, que “são
necessários pelo m enos uns 25 anos para im plantar um a lei
de ensino”, e que "uma reform a educacional exige um a ge­
ração para que as coisas m u d e m ”1, então term os de analisar
estes fatos em 2005 e posteriorm ente. É óbvio que há um
certo tim e lag en tre a promulgação e a realização de um a
lei. Mas se esperássem os, no Brasil, um quarto de século
para apurar que efeitos a lei teve na realidade, estaríam os
de fato fora da realidade, pois neste período várias novas
leis e planos já teriam invalidado o que nos propusem os
analisar. É o caso da LDB. Toda a legislação recen te que
acabamos de rever, quase a substitui e isso m enos de dez
anos depois.
Precisamos, portanto, ser mais hum ildes em nossas in­
tenções e procurar ver as tendências que se delineiam no
m om ento atual na realidade educacional, à base dos dados
e das inform ações disponíveis.
N essa tentativa nos concentrarem os nas m edidas e re ­
form as que visavam os estudantes (reform a universitária) e
as "classes m enos favorecidas” (Mobral, supletivo).

1Veja entrevista dada por Valnir Chagas ao Jornal de Brasília, 14/3/76.

186
Escola, Estado e Sociedade

A REFORMA UNIVERSITÁRIA

N ão nos deterem os aqui na im plantação da reform a no


âm bito interno da universidade (estrutura, organização e
funcionam ento)2, mas sim à sua funcionalidade como AIE na
sociedade. Procuraremos ver como, em relação à sua clien­
tela, a nova universidade se com porta diante dos estudantes
de hoje; e com o ela forma os recursos humanos altam ente
qualificados de amanhã, requisitados pela sociedade.
N este sentido a legislação e o planejam ento universitá­
rio tinham formulado dois objetivos básicos: a solução da
crise universitária e a formação dos recursos hum anos para
m anter a dinâmica do desenvolvimento. A solução da crise
consistia em dim inuir a pressão sobre a universidade. Vimos
como as m edidas governamentais vacilàm entre a liberaliza­
ção e a contenção, o autoritarism o e a democratização, a ra­
cionalidade e a irracionalidade. Se um a das soluções da crise
foi vista na profissionalização do ensino de segundo grau e,
portanto, na canalização dos jovens para o m ercado de traba­
lho antes de pretenderem o ingresso à universidade, a outra
m edida previa a liberalização e democratização do ensino
que consistia em mais vagas para o ensino superior.
U m a pesquisa realizada pelo M E C /D A U 3 sobre d e ­
m anda e oferta de vagas no ensino superior em 1972,

2 Veja ampla pesquisa realizada em universidades federais sobre a implantação de re­


forma pela UPBA/ISP por encom enda do MEC. MEC/DAU: Reforma Universitária
-A va lia çã o da Implantação, Salvador, 1975, 2 Vols.
3 M EC/DAU: Pesquisa sobre demanda e Oferta de Vagas no Ensino Superior, Convê­
nio M EC/DAU - UFBA/1SP, Brasília, 1972.

187
Barbara Freitag

abrangendo 594 unidades de ensino superior, revelou a


seguinte distribuição:

N° de estabelecimentos A B
Dependência Total A /B %
Administrativa Escolas Vagas Inscrições
Universidades
Isoladas Oferecidas Vestibulares

Federal 43 28 15 35.843 104.307 34,3


Estadual 77 9 68 19.394 49.838 39,2
Municipal 46 3 43 9.779 11.730 83,4
Particular 424 17 407 155.273 249.582 58,0
Sem especificação 4 - 4 2.720 1.205 230,0

Total 594 57 537 223.009 416.662 53,5

As inform ações podem ser consideradas “bastante re ­


presentativas”, “um a vez que dizem respeito a 85% do to ­
tal das Instituições Nacionais de Ensino Superior, 87% das
U niversidades e 85% das Escolas Isoladas”4.
Vemos no quadro acima que, para um total de 416.66
candidatos inscritos no vestibular em 1972, se ofereciam
223.009 vagas. Isto significa uma taxa de atendim ento um
pouco maior que 50%, ou seja, para cada dois candidatos só
havia um a vaga. Essas relações evidentem ente variam para
as diferentes áreas. Assim, há cinco candidatos para cada
vaga de medicina, 9 para cada de engenharia e 15 para cada
de direito. Há ainda variações regionais às quais se associam
as variações por dependência administrativa. Aí vemos, por

4 Ibid., p. 2.

188
Escola, Estado e Sociedade

exem plo, que as universidades mais concorridas são as fede-


rais. Elas só conseguem atender a 34% da dem anda. As es­
taduais atendem aproxim adam ente 40%, as municipais 80%
e as particulares quase 60% da demanda. Há, portanto, um
déficit de vagas em relação à demanda, que continua sendo
igual ao do período de 1964 a 1968. A reform a universitária
não conseguiu, pois, alcançar o duplo objetivo de frear a cor­
rida à universidade, e de ampliar de tal forma o núm ero de
vagas que correspondesse aproxim adam ente à demanda.
Isso não qu er dizer que não tenha havido um a enorm e
expansão de m atrículas no ensino superior. Basta consul­
ta r os dados recentem ente publicados pelo M E C 5, que
dem onstram um crescim ento de 300% das m atrículas de
1968 até 1973 o que, em term os absolutos, significa um
aum ento de 278.295 estudantes em 1968 para 836.469
em 1973. D iferenciando esses dados em m atrículas da
rede de ensino público e p articu lar,. verificamos que a
m aior parcela do crescim ento se deve à expansão do en­
sino da rede particular. Aqui a m atrícula cresceu de 410%
em contraste com 210% no ensino oficial. Se em 1968 o
núm ero de estudantes m atriculados em estabelecim entos
de ensino superior público era m aior que o núm ero de m a­
triculados no ensino particular (153.799 vs. 124.496), em
1973 essa situação m udou substancialm ente: a m atrícula
geral do ensino público (327,352) representa agora pou­

s MEC: Aspectos da Organização e Funcionamento da Educação Brasileira, p. 61.

189
Barbara Freitag

co mais de 5 da m atrícula geral (836.469). Mais de meio


milhão de estudantes universitários brasileiros estudam ,
portanto, em estabelecim entos de ensino particulares, dos
quais (com exceção de algumas universidades com velha
tradição com o as PUCs) 96% são estabelecim entos de en­
sino isolados, recen tem en te criados.
Se houve um a relativa expansão da oferta de vagas no
ensino superior, isso não foi resultado direto da política
educacional estatal dem ocratizante, mas ju stam en te con­
seqüência da incapacidade do governo de resolver a crise
universitária. Não foi possível conter a pressão sobre as uni­
versidades. Não foi possível ampliar su ficientem ente as va­
gas da rede oficial. Com o o governo não pode deixar de dar
um a solução ao impasse por ser este potencialm ente con­
flituoso, perm itiu que o setor privado participasse de sua
solução. Passou a autorizar cursos superiores de faculdades
isoladas e de fins de semana, oferecidos pelo setor privado
a alunos desejosos de estudar para adquirirem , m esm o que
form alm ente, o títu lo acadêmico. Assim conseguiu, sem
investim entos e despesas maiores, garantir aum ento subs­
tancial do núm ero de vagas. O setor privado correspon­
deu, assim, tan to aos interesses do Estado com o, aparen­
tem en te, aos interesses daqueles vestibulandos rejeitados
pela rede oficial. Explorando a motivação educacional e
o desejo de ascensão das classes subalternas, os estabele­
cim entos de ensino particulares passaram a fazer da ed u ­
cação um negócio. Esse negócio floria tan to mais quanto

190
Escola, Estado e Sociedade

mais aum entava o congestionam ento diante das portas das


universidades oficiais. U m exem plo típico é São Paulo. So­
m en te na capital do Estado existem 78 estabelecim entos
de ensino superior (1 federal, 3 estaduais e 74 p articu la­
res). N eles estão m atriculados 113.556 estu d an tes (963
no estabelecim en to federal, 28.743 nos estabelecim entos
estatais - dos quais 26.154 são da U SP - e 8 3 .8 5 0 na rede
particular da cid ad e)6.
A m aior parte desses estabelecim entos particulares fun­
ciona à noite, para poder atender a população ativa. C o­
bram taxas bastante elevadas, que podem chegar a mais
de um salário m ínim o mensal e m inistram cursos de baixa
produtividade e qualidade, justam ente nas áreas considera­
das não-prioritárias pelo planejam ento educacional estatal.
Essa constatação, válida para São Paulo, pode ser generali­
zada, com poucas exceções, para todo o Brasil. Em dados
recentem en te publicados pelo Conselho Nacional de Pós-
G raduação encontram os o fundam ento em pírico dessas
afirmações. A partir de um a tabela que revela a situação da
graduação em 1973 em todo o Brasil, estabelecem os um a
hierarquia decrescente do núm ero de matrículas por áreas,
m encionando a percentagem de matrículas na rede particu­
lar, para cada um a delas. Assim tem os: 88.000 alunos m atri­
culados em direito, com 72% na rede particular; 71.400 em
letras, com 6 6 %; 67.700 em educação, com 72%; 67.500

(l MEC-DAU: Catálogo Geral das Instituições de Ensino Superior - 1973, Brasília, 1974.

191
Barbara Freitag

na área de administração, com 84%; 41.000 em economia,


com 64% m atriculados na rede particular. Em cursos como
geociências, farmácia e nutrição (juntos 9.199 alunos), que
são pouco procurados, não há oferta de vagas da rede parti­
cular. Em cursos considerados prioritários pela legislação e
planejam ento educacional oficial a m atrícula no ensino pri­
vado é inferior à do ensino oficial: de 58.300 estudantes de
engenharia, 43% recorrem à rede particular; de 50.200 de
m edicina são 45%; 10.600 de agronomia são som ente 13%;
e de 8.000 de veterinária, 8 %. Em disciplinas relativam ente
novas com o psicologia, sociologia-política-antropologia, co­
m unicações etc., a rede particular participa respectivam en­
te com 6 6 %, 59% e 75% das matrículas.
Esses dados levam a algumas reflexões sobre a função
do ensino particular no contexto da política educacional
do Estado: se no período de vigência da LDB o ensino
particular correspondia form alm ente às aspirações de as­
censão das classes subalternas ao nível do ensino m édio,
garantindo a reprodução, de fato, das relações de classe
e dom inação, ele passará a exercer essa m esm a função
agora ao nível do ensino superior. Verifica-se desde 1968
um a penetração cada vez m aior do ensino particular nos
níveis de graduação e pós-graduação em d etrim en to do
nível de 2o grau. O ensino particular atende assim um a
m esm a clientela. Aqueles estudantes form ados em cursos
técnicos de contabilidade, comerciais etc., m inistrados à
noite, que agora possuem o diplom a para te n ta re m um

192
Escola, Estado e Sociedade

vestibular, dirigir-se-ão à rede particular, pois ela oferece o


que eles procuram . Cursos superiores facilitados, que for­
m alm ente lhes concedem o título de doutor. A expansão
da rede particular nas áreas que, pela legislação e pelo pla­
nejam ento oficiais, foram consideradas não-prioritárias,
psicologia, sociologia, filosofia, letras etc., se deve a esse
novo tip o de dem anda. Os cursos oferecidos nessas áreas
podem tranqüilam ente funcionar à noite, porque exigem
poucas instalações e tê m à disposição recursos hum anos
de fácil recrutam ento. Isso não vale para áreas com o en­
genharia, veterinária, agronomia etc., que exigem equipa­
m entos dispendiosos e pessoal especialm ente treinado; em
conseqüência, a oferta de vagas por parte das instituições
privadas é bem m enor ou inexistente.
Tam bém os alunos, mais interessados nos diplom as que
nos conteúdos transm itidos nos cursos, preferem as car­
reiras consideradas fáceis da área de hum anidades, porque
elas exigem, com o acreditam , m enos estudo e absorvem
m enos tem po de aula.
Repete-se, em nível superior, o paradoxo já verificado
na análise de ensino m édio do período anterior. O ensino
particular, que sem pre foi concebido com o um a barreira
no nível superior, está se tornando p raticam ente sua única
via de acesso. O ensino particular parece ser aquele que re­
alm ente assegura a tão louvada democratização do ensino,
m esm o sendo ele objetivam ente um a barreira sócio-econô-
mica. O pagam ento de taxas escolares, desde que acessí­

193
Barbara Freitag

veis para os assalariados de baixa renda, nunca funcionou


seletivam ente, porque as classes subalternas procuram a
escolarização a qualquer preço, especialm ente um a vez
atingido o nível médio.
O setor privado, interessado em fazer negócio, passou
a adaptar sua oferta de custos à dem anda, isto é, a preços
acessíveis aos mais pobres. Evidentem ente o produto ven­
dido não podia ser da m esm a categoria que o consum ido
gratuitam ente pelas classes privilegiadas que ocupam em
sua maioria a rede oficial.
C onferindo títulos e expedindo diplomas, o ensino par­
ticular não cria, en tretan to , recursos hum anos que concor­
ram seriam ente no m ercado de trabalho com os egressos
das universidades oficiais.
Prim eiro, porque estas procuram , pelo m enos em tese,
seguir as recom endações do planejam ento e da lei do en­
sino superior, privilegiando as áreas técnicas e de ciências
exatas e form ando os recursos mais solicitados pelo m er­
cado. Segundo, porque o m ercado dá preferência à força
de trabalho form ada na rede oficial, de m elhor padrão qua­
litativo7. As chances de trabalho, de salário, de vida, dos
egressos da red e particular são sistem aticam ente m enores
na obtenção de um em prego que as dos form ados pela rede
oficial. C om a separação en tre rede oficial e particular,
reintroduziu-se a dualidade do antigo sistem a educacional,

7 M EC-Conselho Nacional de Pós-Graduação, op. cit., p. 39, Q uadro 1-A.

194
Escola, Estado e Sociedade

que oferecia um a via para os filhos dos ricos e outra para


os dos pobres. C om auxílio do ensino particular se realiza
novam ente o esquem a antigo da reprodução das relações
de classe, de um a form a bastante sui generis.
O ensino particular, apesar de expandir-se em áreas con­
sideradas im produtivas, ou supérfluas, pelo planejam ento
e pela legislação educacionais, contradizendo assim os prin­
cípios básicos da atual política educacional, está recebendo
o apoio governam ental.
C onsta en tre os projetos prioritários do últim o plano se­
torial de educação um projeto que se propõe a dar “assis­
tência técnica e financeira às instituições privadas”8. Com o
se justifica essa atitude governamental?
Vim os que o ensino particular participa da solução da
crise universitária, absorvendo os excedentes da rede ofi­
cial e proporcionando-lhes um a chance de adquirirem o
título acadêmico. C om isso a rede particular dim inui a
pressão sobre a universidade e catalisa possíveis conflitos
e descontentam entos. Esses excedentes p erten cem em sua
m aior parte às classes baixa e m édia baixa, ávidos por as­
cenderem na escala social e dispostos a qualquer sacrifício.
A rede particular oferece a chance form al de ascensão, sem
de fato criar qualificações que perm itam a com petição com
os profissionais advindos das universidades da red e oficial.
Assim, o título acadêm ico se presta mais a adornar paredes

8 M EC-SG : Plano Setorial de Educação, 1975-79. p. 461-8.

195
Barbara Freitag

e a alim entar o orgulho do diplom ado que a em ancipá-lo


de sua condição de classe. Esta em ancipação som ente se
daria se ele, com auxílio de sua qualificação adquirida, con­
seguisse redefinir suas relações de trabalho. C om o isso só
se dá em casos isolados, a rede particular passa a funcionar
com o m ecanism o de reprodução das classes subalternas,
na m edida em que libera a rede oficial para a reprodução
da força de trabalho necessária para os cargos de m ando e
de direção do sistem a im plantado.
O setor privado contribui, pois, para essa reprodução da
estru tu ra de classes, desvirtuando o ensino superior que ele
oferece com o canal de ascensão. Se a universidade da rede
oficial já foi caracterizada como “fábrica de profissionais”9,
as escolas isoladas do ensino superior particular podem ser
caracterizadas com o “fábricas de diplom as”. Mas seria in­
justo ver nelas som ente isso, pois, para serem auxiliadas
financeiram ente pelo Estado, precisam preencher ainda
outras funções, além das acima mencionadas.
A reform a universitária tinha-se proposto não só a racio­
nalizar a estru tu ra e o funcionam ento da universidade, a
fim de evitar duplicação ou desperdício de recursos, mas a
garantir a form ação dos recursos hum anos necessários para
m anter o ritm o de crescim ento da economia. Vimos que o
setor privado não form a os profissionais requisitados para

w M A CED O DE OLIVEIRA, Evaldo. Instituições de Ensino Superior: C entros de


Excelência Acadêmica ou Fábricas de Profissionais?, revista de Adm inistração Públi­
c a /F V G , pág. 8, n° 2, abr./jun. 1974.

196
Escola, Estado e Sociedade

a prom oção do progresso, já que dá prioridade a áreas de


ensino não-produtivas. Cabe, pois, à rede oficial suprir o
m ercado de trabalho com a força de trabalho requerida
pela produção em expansão.
Surge aqui um o utro aspecto da dualidade do sistem a
educacional no nível superior: a rede oficial produz os re ­
cursos hum anos para os setores m odernos da econom ia
em expansão e a rede privada continua suprindo os setores
tradicionais. Essa separação de funções não pode ser vista
discreta ou m ecanicam ente. Assim com o os setores m o­
dernos da econom ia não podem ser vistos isoladam ente
dos setores tradicionais, pois ambos constituem em sua
dialética o "m odelo brasileiro”, assim tam b ém o ensino
superior é um a unidade em sua dualidade. A sua relação
dialética se dem onstra na m edida em que ta n to o ensi­
no particular com o o oficial só existem um em função do
outro. N ão fosse a rede particular, o ensino oficial não
poderia concentrar seus recursos em um a m inoria que é
devidam ente qualificada para assum ir as tarefas da econo­
mia excludente. Teria nesse caso que expandir o núm ero
de vagas, sacrificando ainda mais a qualidade pela q u an ti­
dade. A rede oficial é dispensada dessa necessidade pela
existência da rede particular, que, por sua vez, não teria
chances de sobrevivência, se a rede oficial fosse perfeita
em term os quantitativos e qualitativos. A rede particular
vive do estrangulam ento que se im põe naquela, absorven­
do os candidatos por ela rejeitados.Essa relação dialética

197
Barbara Freitag

existe tam bém em relação ao produto, os profissionais saí­


dos das duas redes de ensino.
A rigor, teríam os que qualificar a afirmação de que a eco­
nomia m oderna absorve os egressos da rede oficial e o setor
tradicional, os oriundos da rede particular. D e fato, o setor
moderno da economia brasileira absorve os m elhores profis­
sionais de ambos os sistemas ou redes. Os demais são absor­
vidos pelos setores tradicionais ou perm anecem subem pre-
gados (funcionalismo público, terciário im produtivo etc.).
Em term os quantitativos, é certo que a rede oficial fornece
mais indivíduos para os setores modernos do m odelo exclu-
dente que a rede particular. Mas os egressos desta últim a
constituem um a espécie de “exército de reserva acadêm ico”
que te m um a função imprescindível para o funcionam ento
de um a economia capitalista moderna. Fica, assim, à dispo­
sição do capital um a força de trabalho semiqualificada ou
de formação mais genérica, que pode ser recrutada para a
expansão da produção com um mínimo de investimentos
adicionais em treinam entos para tarefas específicas. O se­
to r privado da rede escolar oferece às empresas privadas e à
burocracia estatal um potencial de trabalhadores que, se não
tivessem cursado os cursos particulares, seriam inaproveitá-
veis na m oderna estrutura do emprego. Assim, os semiqua-
lificados pelos cursos de má qualidade podem ser absorvidos
com m enos desperdício de tem po em casos de necessidade.
Este exército de reserva, se não funciona nos m oldes clássi­
cos, com o redutor salarial direto dos profissionais capazes,

198
Escola, Estado e Sociedade

contribui indiretam ente para esse resultado. Pois ao acei­


tarem empregos abaixo do pível salarial que corresponde a
seu título formal, os m em bros desse lumpemproletariado de
bacharéis alertam os profissionais bem rem unerados para os
riscos a que se exporiam se perdessem os seus empregos,
bloqueando possíveis iniciativas reivindicatórias. Nas con­
dições do capitalismo clássico, essas duas funções do exér­
cito de reserva - a de reservatório de m ão-de-obra e a de
regulador salarial - podiam ser exercidas por trabalhadores
desqualificados. Nas condições atuais do capitalismo, m es­
mo o periférico, cujo núcleo dinâmico é constituído por um
setor monopolístico de relativa com plexidade tecnológica,
im põe-se um exército de reserva de novo tipo, constituído
por trabalhadores qualificados ou semiqualifiçados.
O ensino particular superior contribui para a formação
desse novo exército de reserva.
Essa m últipla funcionalidade da rede particular do ensino
superior no interesse da m anutenção das relações sociais da
sociedade brasileira não havia sido prevista pela legislação e
pelo planejam ento educacionais do Estado. A sociedade ci­
vil, na form a em que absorveu, redefiniu e refuncionalizou
a política educacional oficial, corrigiu as distorções criadas
pela própria incapacidade de previsão dessa política. A rea­
lidade educacional se m ostrou mais forte e mais eficiente
na defesa dos interesses da classe hegemônica.
O Estado, in térp rete oficial desses interesses, não conse­
guiu traduzi-los adequadam ente para as classes subalternas

199
Barbara Freitag

na legislação e planejam ento. A realidade educacional en-


carregou-se disso. A sociedade civil absorveu a nova con­
cepção de m undo transform ando-a, a seu m odo, em senso
comum. E o sistem a educacional particular foi seu m ecanis­
m o principal. O Estado foi suficientem ente perspicaz para
não interferir nessa atuação do setor privado que conseguiu
realizar na prática (da sociedade civil) o que ele em teoria
havia desenvolvido na sociedade política.
Mas assim como no período anterior, o ensino particular
de nível m édio já havia conduzido a soluções que continham
o em brião de impasses futuros, assim as ‘soluções” hoje al­
cançadas com auxílio do ensino superior particular já contêm
em si o germ e de novos impasses: os diplomados nos cursos
particulares, não vendo realizados os seus sonhos de ascen­
são social graças ao título acadêmico, poderão dar-se conta
de que o insucesso que hoje atribuem à sua incapacidade
de aproveitar as chances oferecidas deve-se, na verdade, ao
próprio sistema, que passará, crescentem ente, a ser contes­
tado. No m om ento isso parece ser rem oto, pois a maioria
ainda assume a sua falta de êxito como culpa própria.

0 M o b r a l e o s u p l e t iv o

Segundo o “Diagnóstico Preliminar do Ensino Supleti­


vo”10, elaborado à base dos dados fornecidos por todas as

111M EC-DSU: Diagnóstico Preliminar do Ensino Supletivo, Brasília, m ar./1973.

200
Escola, Estado e S oc i edade

Secretarias de Educação dos Estados, a potencial clientela


para o ensino supletivo em 1973 chegava a 23,4 m ilhões de
indivíduos som ente na faixa etária de 15 a 35 anos (estan­
do incluídos tam bém os analfabetos dessa faixa).
N este m esm o ano foram atendidas aproxim adam ente 7
m ilhões de pessoas, das quais 6,3 m ilhões estavam m atri­
culadas no program a de alfabetização do Mobral.
A predom inância do M obral no contexto do que foi
cham ado de “ensino supletivo” som ente se dá a p artir de
1973, ano em que a Fundação M obral, anteriorm ente autô­
noma, foi integrada ao D epartam ento de Ensino Supletivo
(D SU ) do M EC. O D SU foi especialm ente criado para dar
um quadro institucional aos parágrafos da lei e ao Parecer
317/72, referentes ao ensino supletivo.
Essa integração do M obral ao D SU é mais form al que
factual, pois a predom inância daquele persiste até hoje.
Em 1973 o ensino supletivo como um todo dispunha de
228,8 m ilhões de cruzeiros do orçam ento para realizar seus
programas. D estes, 174,7 m ilhões estavam à disposição do
M obral com seus programas de alfabetização e ensino in te­
grado; 27,9 m ilhões foram canalizados para o PRO NTEL
e 22,0 m ilhões para o PIPM O, perm anecendo para o D SU
som ente 4,1 m ilhões (1,8% do total) para as despesas ad­
ministrativas. Estes eram acrescidos de 15,9 m ilhões de
cruzeiros provindos do Fundo Nacional do Desenvolvi­
m ento da Educação, ou sejam, 5% dos meios disponíveis
deste fundo.

201
Barbara Freitag

Para os cursos de suplência, especialm ente o que cor­


responderia aos antigos dois ciclos do ginásio, o próprio
M EC passou a apelar para o setor privado. Assim, som ente
haveria intervenção pública no caso da clientela destituída
de recursos ou capacidade de reem bolso dos dispêndios
respectivos (ou sejam, os analfabetos, atendidos pelo M o­
bral, BF). Nos dem ais casos, o financiam ento seria a “ação
predom inante da iniciativa privada, que no caso brasileiro
terá aqui grandes possibilidades de fornecer e contribuir
eficientem ente para o desenvolvim ento do País”".
D entro das quatro m odalidades do ensino supletivo, a
população atendida concentrava-se, em 1971, nos cursos
de suplência (mais conhecidos com o cursos supletivos),
que atraíram 80% da clientela. Nos cursos de qualificação
profissional se concentravam 12,4%, nos de suprim ento
5,0% e nos de aprendizagem 3,5% da clientela.
Se o ensino supletivo foi pensado com o um a form a de
treinar as classes subalternas para o trabalho e transm itir-
lhes o instrum ental (leitura, escrita, aritm ética) de cultura
geral necessário para serem mais eficazes no processo p ro ­
dutivo, no qual já estão inseridas, essa intenção da lei não
se realizou. A busca indistinta dos cursos de suplência, que
garantem num a escala sucessiva os diplomas formais para
te n tar futuram en te um vestibular, se delineia claram ente
nestes dados. Essa tendência é reforçada pelo setor privado
que, segundo as denúncias do então M inistro de Educação,
11 MEC/MOBRAL: Educação Permanente e Educação de Adultos, op. cit., pág. 8.

202
Escola, Estado e Sociedade

N ey Braga12, está fazendo negócio com a form ação não-


form al (supletiva).
Escandalizou-se o M inistro com os anúncios de p ro ­
paganda dos m últiplos cursinhos particulares que estão
b ro tan d o em todos os lugares fazendo um a série de p ro ­
m essas aos candidatos, tais com o: ‘"C u rsão de m acetes
grátis’, ‘apostilas g rátis’, ‘quase tu d o g rátis’, ‘ônibus com
chocolate a b o rd o ’, ‘dicas de m adureza grátis’, ‘supletivo
com fim de sem an a’, além de reservas de passagens de
ônibus, avião, tre m , vagas em pensões e h o téis e outras
‘providências’ - inscrições, docum entos, notas fiscais (da
cidade onde se realizem os exam es), certificados e d e ­
mais p ap éis”13.
Podem os dizer que a sociedade civil, tan to do p o nto de
vista dos cursinhos oferecidos, quanto do com portam ento
da clientela, desvirtuou a intenção da lei, ou esta já conti­
nha in nuce os elem entos para tal manipulação?
C onhecendo-se as tendências na própria sociedade civil
de reform ular no AIE escolar, a seu modo, os projetos e as
concepções de m undo im postas por leis ou planos, o que
está acontecendo era a rigor previsível.
O fato de o Estado se reservar o direito de aplicar os exa­
mes de m adureza não significava nenhum controle da situ­
ação, já que nas diferentes unidades da federação o grau de
dificuldade desses exam es é distinto.

12 Veja: Uma Estratégia para C onter Abusos, Jornal de Brasília, 14/3/75.


13 Ibid.

203
Barbara Freitag

Isto levava e leva m uitos candidatos a se apresentarem


em outras cidades de outros Estados, onde presum ivel­
m en te será mais fácil a aprovação. Com o o diplom a é vá­
lido em todo o território nacional, se justifica o pequeno
esforço de viajar de cidade em cidade, elim inando um a ou
outra m atéria. É este o fato que leva os em presários dos
cursinhos a confundirem ensino supletivo com turism o. A
unificação de todos os exam es supletivos e a obrigatorie­
dade para os candidatos de elim inarem todas as disciplinas
num m esm o Estado - m edidas de correção propostas pelo
M inistro - podem eventualm ente corrigir alguns dos as­
pectos dessas distorções. Mas tais m edidas perm anecem
na superfície do fenôm eno. O ensino supletivo, concebido
para um a situação de emergência, não pode ser transfor­
m ado em um a instituição perm anente de escolarização de
segunda categoria.
O Estado, querendo sinceram ente evitar os abusos, t e ­
ria em prim eiro lugar que m elhorar sua própria rede de
ensino formal. Aqui estão as causas estruturais da necessi­
dade do ensino supletivo. Se a escola brasileira fosse capaz
de absorver todas as crianças em idade escolar e evitar as
altas taxas de evasão e reprovação, dando um a form ação
básica geral a todos, o ensino supletivo em sua form a de
suplência seria a longo prazo dispensável. C o m p lem en ­
tando a escola, os futuros cursos poderiam lim itar-se aos
cursos de qualificação e reciclagem profissional. Essa não
parece ser a verdadeira intenção da política educacional,

204
Escola, Estado e Sociedade

que quer confundir ensino supletivo na form a da suplên­


cia com educação p erm a n en te14. C om isso ela m esm a cria
as condições de perpetuação dos “cursinhos” com sua p re ­
visível seqüela de abusos.
O supletivo quase reduzido à sua form a de suplência se
relaciona ao ensino de I o e 2 o graus formais com o as esco­
las superiores privadas se relacionam às universidades fe­
derais e estaduais. Não fosse o m au funcionam ento da rede
de ensino oficial em períodos anteriores, hoje não haveria
os 23,5 milhões de alunos potenciais dos cursos supletivos.
Além disso, para garantir a eficácia da escola integrada de
ensino prim ário e m édio com as suas tentativas de profis­
sionalização ao nível m édio, essa rede precisa hoje ser libe­
rada do peso supérfluo de um a população estudantil “não-
aproveitável” por não se adaptar a esse tipo de treinam ento
ou por já te r "passado da idade”. As escolas formais, por
ordem das Secretarias de Educação, passam a desligar do
ensino de I o grau jovens com mais de 16 anos. Esses jovens
são rem etidos aos futuros cursos supletivos, particulares,
pois os Estados ainda não m ontaram um a rede oficial capaz
de absorver essa nova clientela.
O setor privado descobriu, aqui, um a nova chance de
lucro. M ontou e vai expandindo sua rede de cursinhos que
procuram atender a um a dem anda inesgotável oferecendo
m últiplas vantagens. Essas vão, com o vimos, "desde a ga­

N Isso se evidencia em múltiplas passagens da publicação MEC/MOBRAL: Educação


Permanente e Educação de Adultos, anteriorm ente citada.

205
Barbara Freitag

rantia de aprovação a excursões turísticas e outros progra­


mas de fim de sem ana"15.
P rom etem tam bém , para atrair um a clientela ainda
maior, assegurar juridicam ente sua m aioridade aos jovens
que ainda não com pletaram seus 18 anos para que possam
prestar os exam es, sem terem que cursar a escola formal,
onde seria seu verdadeiro lugar. Aqui os cursinhos só se­
guem o exem plo do M obral que tam bém te n to u in stitu ­
cionalizar, m ediante convênios com várias Prefeituras M u­
nicipais de diferentes Estados, a alfabetização (rápida) de
crianças em idade escolar16.
Vemos que, tanto no nível de I o como de 2o grau, há uma
tendência a substituir a escola formal pelo ensino supletivo,
não se notando nenhum a tentativa de reduzir a educação su­
pletiva através de melhoria sistemática do ensino formal nos
dois níveis. Mas essa substituição não é com pleta. O ensi­
no supletivo, no sentido mais amplo, abrangendo, portanto,
tam bém o Mobral, em verdade só serve de álibi para um sis­
tem a educacional altam ente elitário e excludente. Alegan­
do-se igualdade de chances e, portanto, a dem ocratização do
ensino, m ontaram -se duas redes paralelas, dialeticam ente
inter-relacionadas, que são a rede formal de ensino e os cur­
sinhos supletivos, sobretudo os particulares. Para que a rede
form al mantivesse seus padrões de alta seletividade, havia a
necessidade de criar um a alternativa que, de fato, não o é.

15 Veja: Uma Estratégia para C onter Abusos, Jornal de Brasília, 14/3/75.


Veja os debates da CPI sobre o Mobral, publicados em 1975.

206
Escola, Estado e Sociedade

O ensino supletivo, tal como institucionalizado nos “cur­


sinhos", está em contradição^ direta com a intenção decla­
rada da lei. Dão eles continuidade à velha tradição no Brasil
de um ensino pago de segunda categoria, p redom inante­
m ente m inistrado às classes subalternas. São estas que p re­
m aturam ente vão sendo expulsas da rede form al devido à
sua própria condição de classe e que p o steriorm ente p ro ­
curam nessa segunda chance, oferecida form alm ente pela
lei, superar as barreiras de classe. Procuram ascender pela
educação freqüentando cursos pagos, na maioria noturnos,
mal equipados, com pessoal docente desqualificado, sem
um a didática especial para as diferentes faixas etárias, e
com condensação das matérias.
As desvantagens desses cursos em relação ao ensino re ­
gular são óbvias e não podem ser com pensadas com as mil
vantagens aparentes das quais a propaganda se vangloria.
Os candidatos aos exam es de m adureza, mal preparados
com o são, em geral só conseguem passar no vestibular de
instituições privadas, m era continuação do supletivo em
nível mais elevado. Assim o supletivo vem a preencher,
num degrau anterior à universidade, as m esm as funções
que o ensino particular realiza em nível superior.
A pressão sobre as escolas é amenizada. Dá-se a ilusão de
igualdade de chances, mas não se dão objetivam ente as con­
dições para um estudo de nível e qualidade equivalentes.
N asce um a segunda categoria de diplomados, que alim en­
tarão um exército de reserva em potencial. Os egressos ou
Barbara Freitag

aprovados pelo supletivo raras vezes alcançarão um a situação


m elhor em seu em prego devido à sua m aior escolarização.
Perm anece a ilusão do ensino superior que, com o vimos,
tam bém não reform ula as relações de trabalho, quando se­
gue as tendências gerais do ensino particular.
O investim ento em educação, custeado exclusivam en­
te pelo indivíduo e sua família, não frutifica sob a forma
de salários mais elevados. O diploma passa a ser encarado
com o etapa interm ediária para a universidade. Assim as
expectativas vão sendo sem pre realim entadas, enquanto as
gratificações prom etidas são transferidas a um m om ento
posterior ou um nível ainda mais elevado de formação: a
pós-graduação.
O supletivo, ao m esm o tem p o em que ajuda a m an ter o
m ito de um a sociedade dem ocrática, é parte essencial de
um a sociedade excludente. As classes dirigentes, form adas
em cursos regulares, estão aptas a assumir seu papel, no
centro dinâm ico do sistema; as demais constituem a clien­
tela dos cursos supletivos. A relação dialética en tre ambas
que as caracteriza com o m u tu am en te condicionadas e con-
dicionantes é reforçada por essa m esm a relação existente
en tre o ensino regular e o supletivo. O sistem a educacional
institucionalizou na práxis a própria relação de classes, re-
produzindo-a tam bém ao nível da sociedade civil.

208
Conclusões

O IN ÍC IO DESTE ESTU D O DESPERTOU A N O SSA C U R IO SID A -

N de o fato de que a educação vinha passando por um


processo de valorização constante, sendo considerada fa­
to r estratégico do desenvolvim ento e do fortalecim ento do
m odelo econôm ico e político brasileiro.
A revisão teórica feita para obter um quadro de referência
adequado para a análise histórica e em pírica do nosso tem a
revelou que, tam bém no campo conceituai, a educação foi
adquirindo um status cada vez mais im portante na explica­
ção da dinâmica da produção e reprodução das relações so­
ciais em um a sociedade capitalista. Se D urkheim e Parsons
haviam identificado som ente a sua função de reprodução da
cultura (ou ideologia), Dewey e M annheim descobriram as
possibilidades do uso dinâmico e sistem ático da educação
para superar culturas consideradas retrógradas e favorecer a
Barbara Freitag

cultura dem ocrática. Becker, Schultz e outros negligencia­


vam este aspecto cultural e reduziam a função da educação
à de reprodução da força de trabalho. Bourdieu e Passeron,
não desconhecendo, mas atribuindo m enor im portância a
este aspecto, revelam a dupla função da educação em um a
sociedade capitalista (como a francesa): através da reprodu­
ção de um a cultura (ideologia) - a capitalista - se rep ro d u ­
ziam sim ultaneam ente as estruturas sociais da desigualdade;
ou seja, a ideologia transm itida pela escola assegura ao m es­
m o tem po a função de reprodução cultural (perpetuação
da concepçãp de m undo capitalista) e através desta a re­
produção da sociedade de classes (função de reprodução
social). Althusser, Poulantzas e Establet verão na escola um
aparelho ideológico do Estado (AIE) que, ao reproduzir a
ideologia capitalista, procura assegurar sim ultaneam ente a
reprodução da estrutura de classes e da força de trabalho
qualificada necessitada para garantir a sobrevivência e expan­
são do m odo de produção do capitalismo avançado.
Se tanto os teóricos da sociologia como os da econom ia
da educação tradicionais (como D urkheim , Parsons, Becker,
Schultz etc.) haviam feito, com seus m odelos teóricos, a
apologia do sistem a capitalista, defendendo-o como univer­
sal e eterno e mascarando assim o seu caráter histórico e
transitório, os teóricos da escola althusseriana (mas tam bém
já Bourdieu e Passeron) haviam denunciado o caráter ideo­
lógico da escola e da concepção pedagógica que a regia para
m anter as relações de dominação e exploração im plantadas

210
Escola, Estado e Sociedade

pelo m odo capitalista de produção. Nessa visão crítica, os


autores não só revelaram a, m ultifuncionalidade da educa­
ção, mas com a sua teoria dos AIE dem onstraram que o fator
educacional, outrora periférico para a teoria que procurava
explicar a estrutura e o funcionam ento das m odernas form a­
ções sociais capitalistas, hoje se tornou um elem ento central
e indispensável para com preender a dinâmica da produção
e reprodução dessas formações. Ao ressaltarem a função da
ideologia para a m anutenção das relações de trabalho e da
atuação do AIE escolar como um mecanismo essencial de
divulgação dessa ideologia, os autores deram à educação um
novo status no contexto da teoria sociológica. G ram sci, que
inspirou diretam ente os althusserianos na teoria dos AIE,
fora mais longe nessa direção. Para ele é na sociedade civil
(lugar de circulação das ideologias e de exercício da função
hegemônica) que se trava, em certas constelações, a luta
decisiva entre as classes dirigentes e as subalternas, e não na
instância econôm ica ou estatal. Isto significa atribuir à esco­
la, instituição estratégica da sociedade civil, um papel dom i­
nante na difusão da ideologia e na constituição de um senso
com um unificador, indispensável para assegurar a coesão do
bloco histórico, e tam bém na difusão de contra-ideologias
destinadas a solapar esta m esm a coesão.
A valorização do fator educacional, ta n to por p arte dos
defensores com o dos críticos das estru tu ras capitalistas,
só pode ser tom ada com o indicador de sua relevância na
realidade concreta.

211
Barbara Freitag

Essa relevância não foi um a priori destas form ações so­


ciais, mas pro d u to de sua evolução histórica. Q u an to m aior
o grau de com plexidade e diferenciação do m odo de p ro ­
dução e das relações sociais que sobre ele se assentavam,
tan to mais a educação foi sendo sistem aticam ente in stitu ­
cionalizada com o m ecanism o de dinamização e conserva­
ção das m esm as estruturas básicas.
A retrospectiva histórica que fizemos para caracterizar
os diferentes m om entos da atuação da educação na estru ­
tu ra e no funcionam ento da sociedade brasileira confirm a
essa afirmação. D e um fator secundário no contexto do
m odelo agroexportador brasileiro, a educação foi sendo
crescentem en te valorizada, na m edida em que se passava
do m odelo de substituição das im portações ao m odelo da
internacionalização do m ercado interno, que com porta o
funcionam ento de um núcleo econôm ico altam ente p rodu­
tivo, baseado no know how e na tecnologia das m odernas
sociedades capitalistas. A educação só exerce, em toda a
plenitude, sua função de reprodução das relações de p ro ­
dução quando se im planta definitivam ente o capitalism o
no Brasil m esm o sob a form a de um capitalism o d ep en ­
dente. N o período colonial a educação tinha m era função
de reprodução da ideologia política e religiosa, asseguran­
do com isso o dom ínio dos portugueses sobre indígenas e
negros escravos. N o fim deste período, e durante todo o
Im pério, em que internam ente já se começava a delinear
claram ente a estru tu ra de classes, a função da educação

212
Escola, Estado e Sociedade

consiste em , reproduzindo a ideologia, reproduzir tam bém


a própria estru tu ra de classes. A partir da República, a edu­
cação vai se tornando cada vez mais im portante em sua
função adicional de reprodução das estruturas de poder
(im portância do voto do alfabetizado). C om o advento do
Estado Novo a educação já com eça a assumir todas as fun­
ções que lhe são atribuídas nas sociedades capitalistas m o­
dernas: além da reprodução da ideologia e da estru tu ra de
classes com o seu esquem a de dominação e de exploração,
a educação passa a assumir ainda a função de reprodução
da força de trabalho. Mas essa função ainda te m caráter
secundário, diante das demais. Som ente o governo im plan­
tado em 1964 procurará garantir à educação sua funciona­
lidade m últipla, no contexto do capitalism o d ep endente
em que se insere o Brasil.
H á, assim, no desenvolvim ento histórico da realidade
brasileira, um deslocam ento sistem ático do fator educa­
cional da periferia do sistem a para o seu centro, assum indo
aqui, na atualidade, força estratégica para a consolidação
do capitalism o no País. A tom ada de consciência da im ­
portância da educação como m ecanism o m anipulável para
a im plantação, conservação e dinamização das estruturas
de produção capitalista no Brasil, corresponde, em certo
sentido, à valorização teórica que este fator experim entou
nos últim os anos para a com preensão e explicação dos di-
nam ism os da reprodução das m odernas sociedades capita­
listas em geral.

213
Barbara Freitag

Essa coincidência entre a evolução histórica e a evolução


teórica não é m ero acaso. A própria conscientização teórica
dependia da evolução histórica do capitalismo hegem ônico.
Os países da periferia poderiam utilizar-se então, até certo
ponto, da experiência teorizada nas m etrópoles e redefini-
las na sua prática. O fato de - no Brasil de hoje - haver a
preocupação de ajustar, m ediante um a política educacional
estatal, a realidade brasileira aos dinamismos do capitalis­
m o internacional, dem onstra, por parte dos políticos, um a
indiscutível capacidade para levar em conta, no processo
decisório, as lições da história e da teoria educacional. N o
contexto específico da dependência brasileira, essa utiliza­
ção da educação vai assumir características corresponden­
tes ao capitalism o periférico.
A valorização da educação na últim a década no Brasil
reflete, pois, o fato de que o m odo de produção capitalis­
ta, nas características específicas do “m odelo econôm ico
brasileiro”, tinha-se definitivam ente consolidado no início
da década de 1960. As m udanças estruturais que se to rn a­
ram necessárias, em decorrência deste fato, deveriam ser
im plantadas e consolidadas com auxílio e por interm édio
da educação a fim de garantir a durabilidade do sistema.
A im portância atribuída à educação exigia que um a políti­
ca educacional consciente facilitasse o seu funcionam ento
pleno em todas as instâncias da sociedade. Isso explica a
concentração das atividades e decisões no cam po educa­
cional nas mãos do Estado, m ediador e in térp rete das clas­

214
Escola, Estado e Sociedade

ses capitalistas (nacionais e internacionais), interessadas na


prom oção do desenvolvim ento capitalista. O regim e pós-
1964 sim plesm ente introduziu um a dim ensão mais tecno-
crática e a exigência de um a eficácia mais radical dos AIE e
en tre eles o da escola, perm itindo, assim, que se desse con­
tinuidade a um a tendência já anteriorm ente delineada: a
inserção do Brasil no sistem a do capitalismo internacional,
redefinindo em outro nível seus laços de dependência. Se
em últim a instância a base econôm ica ditara as necessida­
des das m udanças estruturais no nível da sociedade política
e civil, a consolidação dessa base dependeria - a longo prazo
- do perfeito funcionam ento dos m ecanism os de rep ro d u ­
ção das relações sociais de produção, ao nível de superes-
tru tu ra. A escola foi, por isso, to talm en te reestru tu rad a e
redefinida para funcionar em toda a sua eficácia nas várias
instâncias com o divulgadora da ideologia dom inante, como
reprodutora das relações de classe, com o agente a serviço
da nova estrutura de dominação e com o instrum ento de
reforço da própria base material, possibilitando a rep ro d u ­
ção da força de trabalho. N em todas essas funções eram
abertam ente declaradas. As intenções, em parte implícitas,
em parte explícitas, precisam ser deduzidas da própria es­
tru tu ra e do funcionam ento da escola, com o propostas nas
diferentes leis de reform a.
As intenções claram ente explícitas tan to na legislação
com o no planejam ento educacional se expressam na ên­
fase dada à educação como hum an capital que prom ove

215

___________
Barbara Freitag

o desenvolvim ento. C om o investim ento em educação se


quer obter crescim ento econômico. A política e a teoria
educacional que focalizam a educação desta perspectiva
om item que essa utilização da educação com o rep ro d u to ra
da força de trabalho não gera crescim ento econôm ico em
geral, nem se reverte em taxa de retorno individual, mas
provoca um a dinamização das relações de trabalho, que
garante m aior taxa de mais-valia, apropriada por um a m i­
noria. As intenções implícitas da política educacional brasi­
leira da últim a década, deduzíveis das explícitas, consistem
em assegurar, m ediante maiores investim entos estatais em
educação, taxas de lucro cada vez maiores para esta m ino­
ria, constituída das classes dom inante e m édia alta.
São ainda intenções não declaradas, im plícitas, subja­
centes à idéia da educação como terceiro fator, ou hum an
capital, que a educação aja com o reprodutora das relações
sociais de produção, ou seja, das relações de dom inação e
de classe. Preocupou-nos, desde o início, a questão de sa­
ber se as intenções explícitas e implícitas na política educa­
cional atual realm ente se efetivam na práxis educacional.
Em outras palavras, a educação quando institucionalizada
na sociedade civil funciona realm ente com o m ecanism o de
reforço da reprodução das relações de produção? E, em
caso afirm ativo, que características específicas assume, no
contexto de dependência?
Vimos, inicialm ente, com o o que estava explícito nos
textos de lei e nos planos educacionais se m etam orfoseou

216
Escola, Estado e Sociedade

ao m aterializar-se na sociedade civil. E im portante ressaltar,


em seguida, com o a própria sociedade civil se reorganizou
para redefinir os textos e planos a seu m odo. N um tercei­
ro m om ento, cabe m ostrar como este “funcionam ento na
práxis" se relaciona com a política intencionada e com os
interesses im ediatos das classes hegemônicas.
Com o vimos, toda a legislação e to d o o planejam ento da
últim a década utilizavam um jargão econom icista. Este ex­
pressava um a racionalidade teleológica: adaptar meios es­
cassos de form a mais adequada a fins, com um m áxim o de
eficácia e um m ínim o de desperdício nos três graus. Essas
colocações se tornaram evidentes especialm ente nos pla­
nos setoriais, mas tam bém na legislação da rede do ensino.
Esperava-se, assim, da racionalização da universidade, por
um lado, o aum ento do núm ero de vagas e, por outro, a
form ação mais adequada de profissionais de alto nível para
o m ercado de trabalho.
N o nível de I o grau, mas especialm ente de 2o grau, as
m edidas de racionalização (ensino integrado, term inalida­
de) visavam criar profissionais de grau m édio, d iretam ente
aproveitáveis no m ercado de trabalho e com isso desviar a
atenção dos jovens dos cursos superiores. Ao m esm o te m ­
po asseguraria a reprodução da estrutura de classes: cursa­
riam os níveis superiores som ente os estudantes de classe
alta e m édia alta, fazendo os cursos profissionalizantes os
de classe baixa. Essa reestruturação do sistem a de ensino
com o um todo resolvia aparentem ente dois problem as de
Barbara Freitag

um golpe: 1 ) form ar profissionais em diferentes níveis e em


diferentes especializações que a qualquer m om ento pu d es­
sem ser aproveitados pelo m ercado de trabalho; 2) atenu­
ar as tensões e os conflitos sociais surgidos com o estran ­
gulam ento da única via de ascensão social mais ou m enos
prom issora, o estudo acadêmico. A reform a do ensino no
Brasil, m aterializada em leis e decretos desde 1964, visava,
assim, solucionar com um a m edida um a série de problem as
trazidos do passado e adequá-los às exigências do presente,
que consistiam em assegurar a dinâmica do capitalism o d e­
p endente em expansão. E difícil fazer hoje um a avaliação
válida e definitiva dessas mesm as reformas. O fato é que
por enquanto o ensino m édio oficial, em suas funções de
term inalidade e profissionalização, ainda não realizou o que
se esperava. Por um lado, ainda não form a os profissionais
requisitados pelo m ercado de trabalho 1 e, por outro, não
descongestionou o cam inho à universidade. O estrangula­
m ento do vestibular continua sendo um a fonte de possíveis
conflitos, apesar de a sociedade civil te r im provisado um a
solução que com outros meios satisfaz (por enquanto) os
fins almejados pela política educacional oficial.
As universidades racionalizadas e reorganizadas nos m ol­
des das universidades anglo-saxônicas se debatem - como
tentam os m ostrar - não só com os problem as gerados pela

1 Veja os relatórios finais apresentados pelo M EC/DEM , resultantes de dois sem iná­
rios nacionais sobre oferta de habilitações profissionais no setor secundário e terciá­
rio, realizados em maio e julho de 1975, em Brasília e no Rio de Janeiro.

218
Escola, Estado e Soci edade

própria contradição inerente à legislação, mas tam bém com


os problem as não solucionados de períodos anteriores. As
intenções explícitas da política educacional enfatizavam a
necessidade de form ação de recursos hum anos altam ente
qualificados; de fato, se queria assegurar a disciplina e a
ordem entre os estudantes, inconform ados com o novo re ­
gime militar. A universidade se via, pois, constantem ente
forçada a optar en tre a aplicação de m edidas de contenção
e liberalização, autoritarism o e dem ocratização, racionali­
dade e irracionalidade. A finalidade da formação de profis­
sionais altam ente qualificados, em pequenas quantidades,
para o núcleo dinâm ico de um a econom ia intrinsecam ente
excludente, teria exigido m edidas de controle e seleção
de candidatos bem mais severas que as aplicadas nos ves­
tibulares tradicionais. A racionalidade interna deveria te r
se apoiado em um a concentração dos recursos naqueles
elem entos capacitados que de fato prestassem os serviços
requeridos por um a tecnologia com plexa. Todas essas exi­
gências se chocavam com o problem a da pressão dos candi­
datos sobre a universidade em núm ero m uito mais elevado
do que o necessário para m anter em funcionam ento e ex­
pansão o m odo de produção vigente. O vestibular classifi-
catório foi um a concessão política e não um a conseqüência
da racionalização interna da universidade. Bem ao contrá­
rio, essa m edida gerou um a espécie de massificação da uni­
versidade (m esm o na rede oficial) que vai em detrim en to
da qualidade do ensino. Por essas razões tornou-se necessá­

219
Barbara Freitag

rio estabelecer um novo funil, em que realm ente só en tras­


se um a minoria. Criou-se assim a pós-graduação em dois
níveis que por sua vez elimina os excedentes universitários
criados com a liberalização do vestibular. C om o até essas
m edidas não se dem onstram suficientem ente eficazes, re-
correu-se a processos seletivos mais radicais (jubilam ento
e 477) que nem sem pre seguiam os critérios oficialm ente
adotados para m anter ou afastar estudantes da universida­
de: inteligência e capacidade de trabalho. O jubilam ento é
um a form a de seleção e contenção em nível superior que
assum e tam bém o caráter de m edida disciplinar contra o
estudante. Exige-se do aluno um rendim ento cada vez mais
alto; caso contrário, a universidade poderá, com plena le­
gitim idade, desligá-lo dos estudos. Assim realiza-se a clás­
sica palavra de ordem de todos os regimes autoritários: o
estudante deve lim itar-se a estudar. Se fizer política e não
conseguir satisfazer os requisitos de um a m édia mínim a,
pode ser jubilado; se consegue conciliar estudos e atividade
política, pode ser desligado da universidade pelo 477.
Essas m edidas de contenção se tornaram necessárias para
equilibrar as de liberalização, introduzidas com o vestibular
classificatório. Este foi um a concessão politicam ente neces­
sária, mas econom icam ente dispensável e em pleno confli­
to com as m edidas de racionalização prescritas pela Lei da
Reforma do Ensino Superior. Rem onta aos anos de grande
agitação estudantil. A contestação dos estudantes ao m o­
delo político e econôm ico brasileiro encontrava seu funda­

220
Escola, Estado e Sociedade

m ento mais im ediato no descontentam ento com a escassez


de vagas no ensino superior e, portanto, com a dificuldade
de ascensão social via sistem a educacional. A liberalização
foi um a das m edidas que visava esvaziar os m ovim entos
contestatórios e reivindicatórios dos estudantes. As outras
m edidas Qubilamento e 477) tinham o m esm o objetivo e
eram provavelm ente mais eficazes. N o caso do jubilam en­
to, sua aplicação podia ser atribuída não a defeitos da es­
tru tu ra, mas a falhas do próprio estudante. Essas m edidas,
assim, longe de conflitarem com a racionalização do siste­
ma universitário, vinham ao seu encontro. As m edidas de
liberalização eram corrigidas no decorrer do curso univer­
sitário pelas de contenção, habilm ente intercaladas. Se es­
tas falhassem, intervinha o m ercado de trabalho, com o um
corretivo adicional para a liberalização excessiva. M esm o
assim, a liberalização envolvia um certo risco de funcionar,
de fato, com o elem ento dem ocratizante. Criava-se um a
chance rem ota para as classes subalternas de se utilizarem
do sistem a educacional como via de ascensão social. È ób­
vio que tal dem ocratização não afetaria em sua substância
a estru tu ra de classes ou o m odo de produção capitalista,
mas poderia debilitar a form a específica assumida pela so­
ciedade de classes na vigência do m odelo excludente, ca­
racterístico da atual etapa do capitalismo brasileiro.
Para evitar que isso acontecesse, a dem ocratização não
podia ocorrer ju n tam en te com a qualificação eficaz para o
trabalho. A rede oficial do ensino procurava dar um a solu­

221
Barbara Freitag

ção ambígua a esse dilema, fazendo concessões ta n to às ne­


cessidades do m ercado, m ediante um a hierarquização cada
vez m aior do ensino universitário, com o aos candidatos à
universidade, baixando o nível de qualificação e flexibili­
zando os critérios de seletividade.
N o m édio ou no longo prazo, im punha-se um a solução
mais definitiva. O u se dem ocratizava realm ente a univer­
sidade em d etrim en to da qualificação, ou então se m an ti­
nham os critérios de eficiência e qualificação especializada,
à custa dos interesses de ascensão da maioria. N o prim eiro
caso, estaria am eaçada a estru tu ra excludente e elitista da
sociedade de classes, correspondente ao m odelo econôm i­
co da internacionalização do m ercado interno. Isso exigiria
um a redefinição justam ente deste modelo, que por sua vez
teria que passar tam bém por um a fase de dem ocratização,
abrindo o m ercado de bens de consum o para as massas po­
pulares. Este m odelo (correspondente à alternativa popu­
lista do início da década de 1960) já havia sido rejeitado
com a crise de 1964. N o segundo caso, teria que ser aceito
o desafio das massas estudantis descontentes às portas das
universidades e adm itir som ente um a minoria, devidam en­
te filtrada.
A rede oficial do ensino foi parcialm ente liberada desse
dilema, pela mobilização do ensino particular. Este assume,
no âm bito da sociedade civil, uma função estratégica na
realização dos objetivos explícitos na política educacional
oficial, sem que esta se tenha dado conta deste fato. Com o

222
Escola, Estado e Sociedade

se m ostrou no decorrer da análise, o ensino particular vai


ser m obilizado para retificar as anomalias do passado e para
atender a certos im perativos do presente.
A rede particular, que em períodos anteriores havia m o­
nopolizado o ensino m édio de I o e 2 o graus, teve deslocada
sua área de atuação para o ensino superior, estendendo-a
depois ao ensino supletivo. A expansão do ensino p arti­
cular em nível universitário é um fenôm eno que acom pa­
nha a im plantação da reform a universitária num sentido
com plem entar e real, mas talvez por isso m esm o evoluiu
num a direção quase que oposta às intenções oficialm ente
declaradas. Pois o ensino particular passou a oferecer vagas
nas áreas consideradas superadas, tradicionais e em todo
caso incom patíveis com as prioridades do projeto desen-
volvim entista.
Assim, no lugar de engenharia, medicina, biologia, eco­
logia, agronomia, veterinária etc., as faculdades e escolas
particulares passaram a oferecer cursos de adm inistração,
com unicação, letras, filosofia, ciências sociais, pedagogia,
econom ia, todos com baixos custos de m anutenção e enor­
m e afluência de candidatos. C om isto a m atrícula do en­
sino particular quadruplicou em com paração à das univer­
sidades oficiais, cujo núm ero de vagas som ente duplicou.
H oje o ensino particular é responsável pela não-realização
dos objetivos gerais explicitam ente fixados na lei, em te r­
mos de form ação de recursos humanos. Mas se com isso a
rede do ensino particular aparentem ente burlou a lei, ela

223
Barbara Freitag

satisfaz plenam ente as necessidades da expansão das opor­


tunidades, abrindo as portas a candidatos que não teriam
tido chance de disputar as vagas pela red e oficial. Essa ex­
pansão acriteriosa do ensino superior, que exim e o gover­
no de solucionar os problem as gerados com a legislação da
LDB do período anterior e pelas contradições inerentes à
nova legislação, m uitas vezes é confundida com a dem ocra­
tização do ensino.
D e fato, a rede particular solucionou provisoriam ente
u m dos grandes problem as da realidade educacional brasi­
leira. Absorveu em suas faculdades e escolas a população
ávida de ascender socialm ente pela educação e disposta a
reivindicar seus direitos, caso não lhe fossem concedidas
as vagas. A oferta ex trem am ente ampla e flexível da rede
particular absorveu, dessa forma, o potencial de produção
e reprodução da força de trabalho especializada. A função
do ensino particular no nível superior pode ser conside­
rada com o de apaziguam ento das massas estudantis. Mas
essa função mais im ediata e política não esgota a im por­
tância que te m a rede do ensino particular hoje na realida­
de educacional e social da sociedade brasileira. O ensino
particular passou a assumir um a série de outras funções
quase que im perceptivelm ente. Dissemos que, até hoje, a
profissionalização do ensino m édio oficial não alcançou os
seus objetivos. Ele nem reproduz a força de trabalho em
nível de qualificação m édia, nem descongestiona, pelo m e­
nos por ora, a pressão exercida sobre as universidades fe­

224
Escola, Estado e Sociedade

derais, nem assegura a reprodução da sociedade de classes.


Todas essas funções passarão a ser preenchidas pela rede
do ensino particular superior. E ela quem absorve os exce­
dentes expelidos pela rede oficial e que form a excedentes
profissionais que, por não poderem com petir com seus co­
legas das universidades oficiais, passam a ser profissionais
de segunda categoria, bons, no m áximo, para serem apro­
veitados em profissões de nível m édio. O ensino particular,
estabelecendo um a dualidade no sistem a educacional b ra­
sileiro, assegura a função de reprodução das classes.
O ensino particular aliviou, assim, o ensino oficial não
só dos excedentes em geral, mas ju stam en te dos aspiran­
tes ao ensino superior, provindos das classes subalternas.
A rede oficial do ensino superior passou a funcionar com o
cen tro de trein am en to da força de trabalho eficaz req u e­
rida pelo núcleo dinâm ico da econom ia d ep en d en te. Os
estudantes que a freqüentam se recru tam das classes alta
e m édia alta, cooptadas pelo m odelo econôm ico da in­
ternacionalização do m ercado interno. A rede particular
passou a ser o receptáculo dos p reten d en tes a um títu lo
universitário, provindos em sua grande maioria da classe
m édia baixa e da classe baixa e com eçou a trein ar estes
contingentes de alunos em áreas que não teriam aprovei­
tam en to im ediato no m ercado de trabalho, voltado para
os interesses do setor dinâm ico da econom ia dependente.
Os profissionais form ados por essa rede viriam a ser em ­
pregados no setor tradicional dessa econom ia. Mas assim

225
Barbara Freitag

com o o núcleo dinâm ico e a periferia tradicional da eco­


nom ia brasileira integram o m esm o m odelo econôm ico,
assim tam bém a rede oficial e a rede particular do ensino
constituem um único sistem a e funcionam solidariam en­
te no interesse da perpetuação das relações de produção
existentes. Tentam os m ostrar a intervinculação dialética
en tre a rede oficial e a particular do ensino superior com o
tam b ém do supletivo. U m a gera e depende da outra. Sem
esses dois lados antagônicos de um m esm o to d o não se
realizaria a reprodução da força de trabalho ju n tam en te
com a reprodução das relações de classe correspondentes
ao m odelo econôm ico e político brasileiro.
As vantagens oferecidas pela rede particular, em vista
das intenções implícitas na legislação e no planejam ento,
são, portanto, m últiplas, mas não se esgotam aí. Se salien­
tarm os a contradição aparente que o ensino particular gera,
form ando profissionais não necessitados im ediatam ente
pelo m odelo excludente, ele não deixa de prestar um ser­
viço im portan te no contexto da produção e reprodução da
força de trabalho. Os excedentes profissionais engendrados
por esta rede de ensino são to tal ou parcialm ente absor­
vidos pelo setor tradicional (terciário “m arginal”, serviços
públicos etc.) form ando ao m esm o tem p o um exército de
reserva sui generis, mas que não deixa de realizar as duas
funções clássicas que caracterizam o mesm o: servir de re ­
servatório de m ão-de-obra qualificada para o setor m oder­
no da econom ia e deprim ir os salários neste setor com o no

226
Escola, Estado e Sociedade

tradicional. C om isso a rede particular do ensino superior


ajuda a assegurar direta e'in d iretam en te a reprodução das
relações sociais de produção.
Tentamos ressaltar que esta reprodução pode se dar de
form a harm ônica pelo m enos por enquanto, já que a rede
particular satisfaz não só os interesses das classes no poder,
mas parece satisfazer tam bém , aparentem ente, os interes­
ses das classes excluídas da participação do centro dinâm i­
co do m odelo brasileiro. Ávidas em adquirirem diplomas,
não se im portam com a qualidade e eficácia do título que
conquistam , com tan to sacrifício, em um ensino pago, ge­
ralm ente m inistrado em cursos noturnos. E óbvio que o
título form al assim adquirido não vai alterar as relações de
trabalho ou de classe. O conflito ap arentem ente absorvi­
do com a expansão do ensino particular foi, assim, apenas
transferido e eclodirá mais cedo ou mais tarde. N esse m o­
m ento, terá que haver um a redefinição da política educa­
cional oficial ou uma reestruturação radical do AIE.
D epois de um a experiência de mais de cinco anos de
atuação e expansão no nível do ensino superior, a rede do
ensino particular penetrou novam ente as áreas do ensino
fundam ental e m édio. D esta vez sem com petir com a rede
form al do ensino oficial, mas aproveitando um a brecha
quase que inexplorada: a instituição do ensino supletivo.
Esse ensino, legalizado e valorizado a partir de 1973, foi
praticam ente entregue pelo legislador ao setor privado.
As experiências feitas em nível superior foram transferi­

227
Barbara Freitag

das, talvez com mais êxito ainda, para os cursos supletivos


particulares que brotam diariam ente em todos os recantos
do território nacional. As funções destacadas para o nível
superior se com provam tam bém em suas tendências bási­
cas nesta área de ensino. As funções explícita ou im plici­
ta m en te adscritas à rede oficial form al do ensino são - em
sua maioria - realizadas pela rede particular. Ela form a o
divisor de águas en tre as classes sociais, en tre a estru tu ra
ocupacional que serve o setor dinâmico e aquela que ser­
ve o setor tradicional da econom ia brasileira e, portanto,
en tre a qualificação eficaz e ineficaz para o trabalho. C om
isso ela assegura e reforça - em um nível mais elem entar
- a própria form ação social do capitalism o dependente.
As funções que a escola formal oficial não consegue p reen ­
cher, segundo as intenções dos planejadores e legisladores
da reform a, são plenam ente satisfeitas pela red e particular
do ensino supletivo superior. C uriosam ente essas funções
se realizam através justam ente daqueles m ecanism os e es­
tru tu ras que a política educacional oficial procurava ani­
quilar. Podemos então dizer que a rede do ensino form al
oficial se torn a dispensável? Em absoluto. Esta ju stam en te
cria a necessidade do funcionam ento do ensino particu­
lar, para poder realizar de fato as tarefas que o legislador
e o planejador educacional lhe reservaram: a form ação de
um a pequena elite, política e tecnicam ente treinada, que
assuma posições de direção nas três instâncias da sociedade
excludente. Para que esse elitismo, necessário à continui­

228
Escola, Estado e Sociedade

dade do m odelo brasileiro, se m antenha sem riscos para


o sistem a, precisa existir 3 rede particular do ensino. Esta
põe à venda um a nova mercadoria: o título acadêmico.
A m bos os setores desse sistem a educacional dual - o
particular e o oficial - transm item um a ideologia eclética
em que se com binam elem entos da ideologia dem ocrática
com a tecnocrática (educação com o m ecanism o de dem o­
cratização e educação como investim ento) e que em seu
sincretism o asseguram a m anutenção da falsa consciência
das classes subalternas, que, acreditando na existência do
ensino dem ocratizado, procuram investir em sua educação
para ascenderem socialm ente. Se não tê m êxito nem na
escola, nem no m ercado de trabalho, tan to pior - a cul­
pa é sua, pois as duas esferas são regidas pelo princípio
da igualdade de chances. Os “culpados” assum em os seus
erros e sua incapacidade como autogerados, não perceben­
do ainda a institucionalização da desigualdade de chances
consum ada com a separação do ensino oficial e particular.
O prim eiro, previsto para os inteligentes e capazes provin­
dos das classes favorecidas, os tornará aptos a assum irem o
ápice da hierarquia profissional; o segundo, reservado para
os m enos capazes e inteligentes, p ertencentes às classes su­
balternas, que perm anecerão na base da hierarquia.
Tanto a ideologia dem ocratizante com o a da econom ia
da educação dão um a explicação e justificação política e
tecnocrática para a falta de êxito e, portanto, para a exis­
tência da situação de classes. As duas ideologias são in-

229
Barbara Freitag

tercam biáveis: falhando uma, intervém a outra. Isso fica


evidente com um a série de estudos na área da m obilidade
educacional feitos en tre os anos 1960 e 1970 que revela­
ram a ineficácia do m ecanism o educacional com o canal de
ascensão2.
Esgotada essa ideologia, recorre-se à concepção da ed u ­
cação com o investim ento. Não te m êxito no presen te e no
futuro quem não investiu adequadam ente em educação no
m om ento devido. Mas no Brasil a ideologia da dem ocra­
tização do ensino ainda não esgotou de todo a sua força
legitim adora das diferenças de classe, coexistindo, assim,
com a ideologia mais m oderna da educação com o investi­
m ento. Podem os dizer que a rede do ensino particular se
encarrega de validar a ideologia dem ocratizante, e o ensino
oficial de dar legitim idade à teoria da educação com o in­
vestim ento. A conjugação das duas ideologias, num a sín­
tese de equilíbrio instável, perm ite por ora a reprodução
das relações sociais de produção. De fato, nem a red e do
ensino oficial é eficaz, nem é dem ocrático o ensino da rede
particular. Essa dualidade de ideologias (ecletism o) está
dialeticam ente inter-relacionada, como a própria existên­
cia m aterial das duas redes de ensino. Ela corresponde no
nível superestrutural, à interação, na infra-estrutura, entre
o setor dinâm ico e o tradicional da economia.

2 Um trabalho amplo e minucioso que examina esse problem a foi elaborado por Fer­
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238
3FKRMV
Impressão e acabamento
Editora Parma LTDA
Tel.:(011) 2462-4000
Av.Antonio Bardella, n°280,
Guarulhos _ São Paulo _ Brasil
Com filmes fornecidos pelo editor
■ T O .M 1 .I Ü II II M

B a r b a r a F r e it a g nasceu em 1941 na Alemanh;


e viveu sua infância e juventude no Brasil.
Estudou sociologia, psicologia e filosofia na:
Universidades de Frankfurt/M. e Berlim/Oc
Doutorou-se na Universidade Técnica de Ber
lim, e fez sua livre-docência na Universidade
Livre de Berlim. Lecionou em ambas as univer
sidades, e foi professora visitante na Europa.
No Brasil, lecionou na UnB de Brasília entre
1972 e 2003, encerrando aqui suas atividades
docentes como professora titular.
B arbara F r e it a g tem inúmeras publicações
na Alemanha e no Brasil, das quais merecem
destaque: Die brasilianische Bildungspolitik
(1972), Der Aufbau kindlicher Bewusstseins-
strukturen (1983); Escola,Estado e Sociedade
(1985); Sociedade e Consciência (1985), Teo­
ria critica: Ontem e hoje (2005); Itinerários de
Antígona (2005), várias coletâneas sobre e de
Habermas (1980, 1989, 1994), A Cidade dos
Homens (2002), Itinerâncias urbanas (2004) e
Dialogando com Habermas (2005). Atualmente
trabalha em um projeto de pesquisa integrada,
intitulada "Itinerâncias urbanas", financiada
pelo CNPq.

Todos os titulos publicados pela


Centauro Editora estão disponíveis em

www.centauroeditora.com.br
Centauro Editora lança nova edição de Escola, Estado e

A Sociedade com novo projeto gráfico, revisão da autora, e


um novo prefácio. A obra original, escrita e reeditada no
final da ditadura militar, apresenta dados estatísticos e estudos
empíricos que somente têm validade para a época a que se referem.
Entretanto, outras partes, como seu quadro teórico, sua crítica ao
modelo político implantado pelos militares, seu diagnóstico da rea­
lidade educacional criada pela legislação dos anos 70 para as déca­
das futuras, continuam tendo plena validade e subsidiam, em parte,
as mudanças sugeridas na Constituição de 1988 e na nova LDB de
1995 e implementadas parcialmente nos programas de governo do
Brasil redemocratizado.
A autora enfatiza que o foco crítico da análise repousa sobre o
período de 1965-1986, ou seja, sobre duas décadas em que a po­
lítica educacional do governo militar reformulou toda a legislação
educacional brasileira, introduziu o planejamento escolar para obter
resultados imediatos e eficazes com relação às novidades sugeridas
e interferiu diretamente no funcionamento do sistema educacional
brasileiro, desconstruindo-o e reconstruindo-o em novas bases.
Barbara Freitag chama a atenção do leitor a um efeito negativo
da democratização do ensino que se implementou nos sindicatos dos
professores de todos os níveis de formação, mas que atingiu excessos
nas Instituições de Ensino Superior: a politização mal-compreendida.
Essa seqüência interminável de greves, fez com que pais rematricu-
lassem seus filhos em faculdades privadas, facilitando sua prolifera­
ção. A política universitária do governo foi dura com os grevistas,
professores e alunos contrários às greves, abrindo espaço para o que
ficou conhecido como "sucateamento" das universidades públicas.
A crise dificilmente se resolverá com a privatização integral
das universidades brasileiras e a imposição de um sistema de quo­
tas de caráter demagógico e populista.

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