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Márcio Severo Marques

-
CLASSIFICAÇAO
CONSTITUCIONAL
DOS TRIBUTOS

Max d
L·Imona

MÁRCia SEVERO MARQUES
126

consiste numa parcela daquele fato que foi transfigurado em cifra


(base de cálculo) por escolha e determinação da regra que estru-
tura a regra jurídica de tributação' (ob. cit., p. 343).
44.12 Explica-o melhor em outra passagem: 'A alíquota
será aplicada somente depois que o fato escolhido para a base de
cálculo, sob a ação do método de conversão, transfigurou-se em
cifra, de modo que a alíquota sempre representa uma parcela deste
fato já transfigurado em cifra e não daquele outro fato que condi-
6. CLASSIFICAÇÃO DOS TRIBUTOS - BREVES
cionou a variação da alíquota' (ob. cit., p. 344).,,163 CONSIDERAÇÕES SOBRE A DOUTRINA
Base de cálculo e alíquota, assim, compõem o aspecto NACIONAL
quantitativo da norma tributária, necessários que são à determina-
lção do quantum debeatur.
Abordados e analisados os cinco aspectos que informam a Antes de procedermos ao exame da classificação constitu-
norma de tributação, encontramo-nos aptos ao exame das espécies cional dos tributos, entendemos conveniente uma breve digressão
impositivas, no sistema constitucional brasileiro. sobre o pensamento dos autores nacionais sobre a matéria. 164
Em seu clássico Hipótese de Incidência Tributária, o pro-
fessor Geraldo Ataliba divide os tributos em duas espécies,
segundo a sua natureza, tendo em vista a diversidade de regimes
jurídicos a que se submetem. Trata-se de critério jurídico-positivo
f e toma em consideração a material idade da norma de tributação ou
o aspecto material da hipótese tributária. Nas palavras do profes-
sor Ataliba:
"52.2 É a material idade do conceito do fato, descrito
hipoteticamente pela h.i. que fornece o critério para a classificação
das espécies tributárias.
52.3 O principal e decisivo caráter diferencial entre as
espécies tributárias está na conformação ou configuração e con-
sistência material da hipótese de incidência.
52.4 Conforme, pois, a consistência do aspecto material da
h.i., será possível reconhecer as espécies de tributos.v"

164. Faremos referência apenas à doutrina nacional, porque a classificação de


tributos pretendida toma por base as normas de estrutura estabelecidas pela
Constituição, o que torna paralela a discussão sobre a natureza jurídica dos tri-
butos no âmbito da Teoria Geral do Direito Tributário, assim como irrelevante a
referência às espécies impositivas pertinentes a sistemas jurídicos alienígenas.
163. Hipótese de Incidência Tributária, Revista dos Tribunais, 1986, p. 104/1 05.
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Segundo o professor Geraldo Ataliba, é a vinculação - 59.2 Assim, conforme a referibilidade (evitamos falar em
ou não - do aspecto material do antecedente normativo ao exer- 'relacionamento', para afastar o risco de se supor que se trate de
cício de uma atividade estatal que define a natureza jurídica do relação jurídica) - ou modo de conexão entre o aspecto material
tributo. Nesse sentido arremata: e o pessoal - seja direta ou indireta, teremos taxa ou contribui-
"52.8.2 A Constituição obriga o legislador a pôr no cerne ção. Em outras palavras: segundo a atuação estatal, posta no
(aspecto material) da h.i. ou (a) o conceito de um fato consistente núcleo da h.i., esteja referida direta ou indiretamente ao obrigado,
numa atuação estatal, ou (b) um fato desta independente, remoto. poderemos discernir a taxa da contribuição.v'"
52.9 Pode-se dizer, portanto, que são tributos (I) vincula- Esta classificação foi acolhida pela doutrina científica
dos aqueles cuja hipótese de incidência consiste na descrição de mais qualificada.
uma atuação estatal (ou uma conseqüência desta). Neste caso, a lei
põe uma atuação estatal no aspecto material da h.i.
São tributos (2) não vinculados aqueles cuja h.i. consiste
Rubens Gomes de Sousa a endossara:
"Nesta linha de pensamento enquadra-se a opinião, que
adoto, de Geraldo Ataliba (DRP, vol. 9, p. 43), de que os tributos
I
na descrição de um fato qualquer que não seja atuação estatal. Isto podem ser 'vinculados' ou 'não vinculados' em função da natu-
é, a lei põe, como aspecto material da h.i., um fato qualquer não reza do seu fato gerador, nome que se dá à situação material ou
consistente em atividade estatal. jurídica definida em lei como necessária e suficiente para gerar
52.9.1 Em outras palavras: a material idade do fato descrito obrigação de pagá-I os (Código Tributário Nacional, Lei n. 5.172,
pela h.i. (aspecto material da h.i.) de todo e qualquer tributo ou é de 25.10.1966, art. 114).
uma (1) atividade estatal ou (2) outra coisa qualquer. Se for uma Assim, invertendo a ordem: a) o tributo é 'não vinculado'
atividade estatal será (I) vinculado. Se um fato qualquer, o tributo quando o seu fato gerador independa de qualquer atividade especí-
será (2) não vinculado.V''" fica do governo tributante em relação ao contribuinte: é o caso dos
Adotando esse critério, o professor Geraldo Ataliba aparta impostos (CTN, art. 16); ao contrário b) o tributo é 'vinculado'
(i) os impostos, que seriam tributos não vinculados, (ii) das taxas e quando o seu fato gerador seja uma atividade específica do
das contribuições, que pertenceriam então à categoria dos vincu- governo tributante, a qual, por sua vez, pode ser (I) diretamente
lados. E estas últimas, segundo seu entendimento, também seriam relativa ao contribuinte, como o exercício do poder de polícia ou a
distintas entre si, em razão da referibilidade entre a atuação estatal prestação ou disponibilidade de um serviço; é o caso das taxas
e o contribuinte ser direta (taxas) ou indireta (contribuições). (CTN, art. 77); ou pode ser (2) apenas indiretamente relativa ao
Assim lecionava: contribuinte: é o caso das contribuições (CTN, arts. 81 e 217)."168
"5.9. Definem-se os tributos vinculados como aqueles cujo Com poucas diferenças entre os autores da doutrina na-
aspecto material da h.i. consiste numa atuação estatal. Esta espécie cional, tem-se adotado a classificação dos tributos propalada pelo
comporta duas subespécies, que se estremam pelas características professor Geraldo Ataliba, que erige a consistência material da
do inter-relacionamento estabelecido pelo legislador, entre os hipótese tributária como critério para a identificação das espécies
aspectos material e pessoal da h.i. impositivas: de um lado, como tributos vinculados, as taxas e as

167. Id., p. 129.


165. Hipótese de Incidência Tributária, Malheiros, 1996, p. 115. 168. "Natureza Tributária da Contribuição para o FGTS", Revista de Direito
166.ld.,p.116. Público n. 17, p. 309/10.
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contribuições; de outro, como tributos não vinculados, os impos- hipótese de incidência eda base de cálculo. O binômio, adequa-
tos. damente identificado, com revelar a natureza própria do tributo
Segundo o professor Paulo de Barros Carvalho.!" a natu- que investigamos, tem a excelsa virtude de nos proteger da lin-
reza jurídica dos tributos deve ser inferida pela análise da respec- guagem imprecisa do legislador."!"
tiva norma de tributação, em especial pela conjugação do binômio Na esteira do seu pensamento, os empréstimos compulsó-
hipótese tributária/base de cálculo. Em suas palavras: rios poderiam assumir natureza jurídica de impostos, taxas ou
" ... faz-se mister analisarmos a hipótese de incidência e a contribuição de melhoria, segundo a aplicação do binômio hipó-
base de cálculo para que possamos ingressar na intimidade es- tese de incidência/base de cálculo. De fato, referindo-se a esta
trutural da figura tributária, não bastando, para tanto, a singela espécie tributária (empréstimo compulsório), aduz: "Tais exações
verificação do fato gerador, como ingenuamente supôs o legis- poderão revestir qualquer das formas que correspondem às espé-
lador do nosso Código Tributário, ao indicar, no art. 4°, que A cies do gênero tributo. Para reconhecê-Ias como imposto, taxa ou
natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato contribuição de melhoria, basta aplicar o operativo critério cons-
gerador da respectiva obrigação (...) Por certo, tornadaa sentença titucional representado pelo binômio hipótese de incidência/base
(CTN, art. 4°), como verdadeira, não encontraríamos método para de cálculo.r'T'
diferençar os impostos de impostos e desses as taxas ( ...). É indubitável que o critério sugerido seja efetivamente
E foi para esse fim, qual seja, a imediata verificação da operativo, pois a análise do tributo sob a perspectiva da consistên-
entidade, enquanto tributo, que o constituinte fez inserir a base de cia material do antecedente normativo permite a identificação do
cálculo na compostura do tipo tributário. O cotejo entre as duas fato efetivamente tributado, autorizando verificar se a espécie
realidades tributárias denunciará, logo no primeiro instante, a veiculada pela norma jurídica descreve (i) uma atividade estatal
exigência de um imposto, de uma taxa ou de uma contribuição de referida ao contribuinte ou (ii) um determinado fato absolutamente
melhoria, aplicando-se, subseqüentemente, às várias espécies de estranho a uma tal atividade estatal.
cada qual."!" Aliás, a utilidade do critério adotado pelo professor Paulo
E em seguida fundamenta: "Dois argumentos muito fortes de Barros Carvalho revela-se ainda maior ao permitir que se veri-
recomendam a adoção desse critério: a) trata-se de diretriz consti- fique, diante da presença de tributos não vinculados pelo antece- )
tucional, firmada num momento em que o legislador realizava o dente normativo, se a pessoa política que institui o gravame não

I trabalho delicado de traçar a rígida discriminação de competências invadiu competência impositiva dos demais entes tributantes, em
tributárias, preocupadíssimo em preservar o princípio maior da violação ao princípio federativo.
\ Federação e manter incólume a autonomia municipal; b) para além A posição sustentada pelo professor Roque Carrazza é
.\disso, é algo simples e operativo, que permite o reconhecimento semelhante à do professor Paulo de Barros Carvalho. Entende que
da índole tributária, sem a necessidade de considerações retóricas os tributos existentes no sistema constitucional brasileiro são
e até alheias ao assunto." apenas os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria, sub-
Finalizemos para dizer que, no direito brasileiro, o tipo
tributário se acha integrado pela associação lógica e harmônica da
171.Id., p. 23.
172. Id., p. 29. Quanto às contribuições, a seu ver podem subsurnir-se apenas às
169. Curso de Direito Tributário, Saraiva, 1999, p. 22. categorias de impostos ou taxas, dada a peculiaridade da base de cálculo das
170. Id., ib. contribuições de melhoria.
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~umindo OS empréstimos compulsórios e as contribuições a uma agir dessa forma, fechou-se na concepção tripartite do tributo,
(destas três categorias. Sobre os primeiros, aduz: " ... o empréstimo pois são três e apenas três os tributos reconhecidos por esta escola,
compulsório é um tributo restituível. É um tributo que, de acordo até por questão de coerência lógica."!"
com sua hipótese de incidência e base de cálculo, pode revestir a E em seguida esclarece: "É que dita teoria finca no fato
natureza jurídica de imposto (caso mais freqüente, por sua produ- gerador e na base de cálculo da exação a técnica de reconheci-
tividade substancial), de taxa ou de contribuição de melhoria". m E mento dos tributos, ou melhor, de sua diferenciação. Os tributos!
no que diz respeito às contribuições, aplica o mesmo raciocínio. têm ou não têm fatos geradores vinculados a uma atuação estatal
O professor Sacha Calmon Navarro Coelho, por sua vez, referida à pessoa do obrigado. Numa primeira aproximação será
subsume os empréstimos compulsórios e as contribuições às cate- lícito dizer, então, que os empréstimos compulsórios e as contri-
gorias de impostos e taxas, segundo a consistência material da buições parafiscais serão impostos ou taxas, dependendo do
hipótese tributária, classificando as espécies do sistema constitu- exame dos respectivos fatos geradores.íF'
cional brasileiro em vinculadas e não vinculadas a uma atividade Ainda no mesmo sentido, isto é, adotando a classificação
estatal referida ao contribuinte. Assim manifesta seu pensamento: dos tributos em vinculados e não vinculados a uma atividade
"A matéria que está a nos ocupar diz respeito à existência de estatal referida ao contribuinte, apenas com reduzidas divergên-
apenas três ou mais espécies de tributos na Constituição de 1988. cias, são as manifestações de Ruy Barbosa Nogueira.!" Aires Fer-
O art. 145, inaugural, vimos de ver, dá competência às pessoas nandino Barrete!" e Alfredo Augusto Becker.!"
políticas, União, Estados (Distrito Federal) e Municípios para Em razão dessa classificação, a destinação da receita -
instituírem três espécies de tributos: impostos, taxas e contribui- decorrente da arrecadação de tributos - para tal ou qual finali-
ções de melhoria. Por outro lado, adotou a teoria dos tributos vin- dade sempre foi considerada questão absolutamente estranha à
culados e não-vinculados para viabilizar a resolução do problema identificação das espécies impositivas, como já anotara Rubens
do reparte dos tributos entre as várias pessoas políticas. Ora, com Gomes de Sousa: " ... Há quem pretenda que a vinculação, na taxa,
refira-se ao produto da arrecadação, ou seja, que só é taxa o tri-
173. Curso de Direito Constitucional Tributário, Revista dos Tribunais, i991, buto cuja receita seja destinada por lei a despesa ou emprego
p. 267. E em nota de rodapé, acrescenta: determinados. Essa tese, evidentemente ligada às acima referidas,
"A respeito, julgamos conveniente acentuar que, de regra, os emprésti-
procura, como elas, base em circunstâncias externas ao tributo e
mos compulsórios assumem a natureza jurídica de impostos. A razão disto é
patente: as quantias em jogo, na tributação por meio de impostos, são muito mais por isso é também repelida, juntamente com elas, pelo art. 4°, n. I
expressivas que as quantias em jogo, na tributação por meio de taxas ou de
contribuição de melhoria. É muito mais célere, fácil e expedito abastecer de
dinheiro os cofres públicos, por meio da instituição e cobrança de impostos, do
que por meio de taxas ou contribuição de melhoria. Ademais, no imposto, a
contrário do que se dá com a taxa e a contribuição de melhoria, não há necessi- 174. Comentários à Constituição de 1988 - Sistema Tributário, Forense, 1998,
dade de qualquer contraprestação estatal, em benefício do contribuinte. Assim, na p.9.
medida em que o empréstimo compulsório visa a atender, com celeridade, a 175. Id., ib.
situações econômicas emergenciais, é fácil entendermos porque, invariavelmente, 176. Confira-se, a propósito, Compêndio de Legislação Tributária, Resenha
eles assumem a natureza de impostos restituíveis. No plano puramente teórico, Tributária, 1975.
todavia, nada impede que sejam instituídos empréstimos compulsórios sob a 177. Verifique-se Aliquota, Base de Cálculo e Princípios Constitucionais,
forma de taxas ou de contribuição de melhoria (basta que se implemente a hipó- Revista dos Tribunais, 1987.
tese de incidência desses tributos vinculados)." 178. Veja-se em Teoria Geral do Direito Tributário, Lejus, 1998.
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do CTN como elemento caracterizador da respectiva natureza Também sempre foi esta a posição do professor Geraldo
jurídica .. ."179 Ataliba, para quem o destino de arrecadação do tributo não inte-
Para em seguida arrematar: "Em resumo, taxa e imposto graria o regime jurídico sobre ele aplicável. Novamente enfati-
são, substancialmente, tributos que se distinguem formalmente um zando a relevância do aspecto material da hipótese tributária como
do outro pela natureza da respectiva hipótese de incidência, espe- \ critério para a identificação das espécies impositivas, averbava.!"
cífica no primeiro caso e genérica no segundo. A destinação da "É absurdo, despropositado, anticientífico, ilógico e primário
receita, quer das taxas, quer dos impostos, não é, portanto, um [ recorrer a argumento ligado ao destino que o Estado dá aos dinhei-
elemento dessa distinção, como aliás o diz expressamente o CTN ros arrecadados, para disso extrair qualquer conseqüência válida
(art. 4°).,,180 em termos de determinação da natureza específica dos tributos. As
espécies tributárias se reconhecem pela natureza da material idade
179. "Sujeito Passivo nas Taxas", Revista de Direito Público n. 16, p. 351/352. da h.i. SÓ.,,182
180. Id., p. 352. Em trabalho posterior, escreveu Rubens Gomes de Sousa:
••... surgiu na doutrina a tese de que as taxas se distinguem dos impostos
pela destinação do produto arrecadado. Não considero esta tese como uma teoria butária, Resenha Tributária, 1975, p. 166). Voltaremos à questão quando da
análise específica das taxas.
autônoma, senão como uma forma de expressar a mesma teoria em exame,
ligando-a, aliás, indiretamente, à do 'custo do serviço'. Assim, seriam taxas os 181. Hipótese de Incidência Tributária, Malheiros, 1996, p. 139.
tributos afetados a determinada despesa ou atividade estatal, ao passo que 182. A crítica do professor paulista procede, se isolamos o critério da destinação
impostos seriam os tributos sem afetação específica, entrados, por assim dizer, na da receita, para a análise normativa pretendida. Ou ainda quando imaginamos que \
'caixa geral' do Estado." ("Distinção entre Taxa e Imposto", Revista de Direito a aplicação dos recursos arrecadados pode não ser efetivamente procedida de
Público n. 21, p. 305.) acordo com a vontade da lei, sem com isso comprometer a validade do tributo.
E, referindo-se ao professor argentino Hector Villegas, esclarece que Lógico que a utilização desses recursos pressupõe - em fase anterior, portanto
..... a destinação da receita de qualquer tributo é irrelevante para lhe definir ou - o pagamento do tributo por parte do contribuinte, e, via de conseqüência, a
qualificar a natureza jurídica. É o que eu mesmo já disse em algum lugar e que o própria ocorrência do fato imponível. Visto por esse ângulo, não pode haver .\.
CTN acolheu em seu art. 4", n. 11. Isto é claro quando se retlete que a atribuição dúvidas sobre a destinação do produto de arrecadação dos tributos ser questão
da receita, em termos de fato, obviamente pressupõe sua prévia arrecadação, o estranha à norma tributária.
que, em termos de Direito, significa que ocorre depois que se exauriu a relação Mas - antecipamos um pouco nosso pensamento - se nossa análise
jurídica que deu lugar à cobrança dos fundos arrecadados. Por outras palavras, é permanecer no plano normativo (estático), com total abstração do plano fático
simples providência de tesouraria, nem sequer regida pelo direito tributário, mas (mundo fenomenológico, da realidade material), verificamos que a exigência de
pelo direito financeiro, orçamentário; ante a relação jurídica tributária, é um previsão legal dessa destinação é critério jurídico-positivo para a identificação
'posterius' e não um 'prius', como seria necessário que fosse para poder qualifi- das espécies impositivas constitucionalmente autorizadas, ainda que tal previsão!
car-lhe sua natureza. Em resumo, adotando a formulação de Geraldo Ataliba, a não integre a norma de tributação (sendo veiculada, portanto, por outra norma
taxa é, ao contrário do imposto, um tributo vinculado, mas a vinculação refere-se
à definição do fato gerador da incidência e não à destinação." (Revista de Direito
Público, n. 2 I, 1972, p. 305/306.)
jurídica).
Nesse sentido, verificamos que o professor Geraldo Ataliba salientava o
fato das contribuições serem tributos - impostos - afetados a uma fi.!!lllidade
I
Em estudo posterior, todavia, o próprio Rubens Gomes de Sousa utili- especfficajjara a partir daí identificar regime jUrfdico peculiar para esta espécie
zou-se do critério da finalidade para distinguir as taxas dos impostos. São suas as irnpositiva. E em seguida esclarecia sobre o produto de arrecadação das taxas.
palavras: Repetimos esse trecho do clássico Hipótese de Incidência Tributária:
"O critério da finalidade a que se destinam as taxas tem entretanto \ "83.1. Se o legislador ordinário federal batiza de 'contribuição' um \
utilidade para distingui-Ias dos impostos: o elemento de distinção está em que as .1 tributo, a finalidade em que deve ser aplicado o produto de sua arrecadação,
taxas se destinam a remunerar serviços ou atividades públicas divisíveis e mensu- \ necessariamente, será uma daquelas constitucionalmente previstas, quer no
ráveis, ao passo que os impostos, como vimos (...), remuneram serviços ou ativi- art. 149 da Constituição, quer nas outras disposições constitucionais referentes à
dades públicas indivisíveis e não mensuráveis." (Compêndio de Legislação Tri- matéria (...).
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Ainda no mesmo sentido, ou seja, desprezando a destina-


ção da receita tributária como critério para a identificação das
afetação, i.é, inexistem previsões legais determinando o emprego do produto de
espécies impositivas, vemos Paulo de Barros Carvalho.!" Sacha
sua arrecadação em certos fins. Outros, ao revés, são afetados a finalidades espe!\
Calmon Navarro Coelho!" e Roque Carrazza.!" cíficas, como por exemplo, a SEGURIDADE SOCIAL. Isto é algo que depende.
do DIREITO POSITIVO DE CADA POVO. Aqui e alhures, inobstante, muita 1
83.2. O preceito do inc. IV do art. 167 da Constituição veda à lei pres- gente confunde yATO GERADOR DO TRIBUTO com o destino e o emprego da
crever ~ão ao produto de arrecadação de impostos. Essa vedação não é ARRECADAÇAO DO TRIBUTO. Há sempre a tentação de dizer que os fatos f
aplicável à lei que cuida de contribuições. Ela é, aliás, a própria razão de ser da gc:!'adoreLdo.Limpostos-para-a seguridade ~~os belleffci~ que o sistema de (-
instituição do tributo. . .--- - seguridade presta ao~idadãos, em lamentável erronia. Ora, a contribuição social
83.2.1. O mesmo se diga com as taxas. A destinação do produto de sua sobre a folha de salários pagos, a cargo do empregador, por exemplo, tem por fato
arrecadação à cobertura das despesas com a atuação (serviço público ou atividade gerador 'PAGAR SAL-ÁRIOS' (imposto sobre a renda consumida em despesa
de polícia, nos termos do preceito do inc. 11 do art. 145 da Constituição) está salarial). Que o dinheiro arrecadado vá às burras da previdência jiré outra coisa.
T;ata-se da DESTINAÇÃO DO PRODUTO DA ARRECADAÇÃO, 'ex lege'.
implicitamente não só autorizada como estabelecida pelo Texto Magno. A
competência legislativa existe para isso mesmo: criar tributo para produzir recur-
sos com o fito de custear certas finalidades que vão manter a atividade estatal
Que com esse dinheiro sejam prestados benefícios às mais diversas pessoas,
igualmente, constitui outro fato, o do mero EMPREGO DO PRODUTO ARRE-
1
(taxas) ou atender aos fins constitucionalmente qualificados (contribuições)." CADADO. Aqui já não se cuida da RECEITA nem de Direito Tributário mas de
(Hipótese de Incidência Tributária, Malheiros, 1986, p. 175.) DESPESA (Direito Financeiro). É precisamente por isso que o destino da arreca-
í Observe-se que o professor Geraldo Ataliba chega a reconhecer a desti- dação bem como o nome do tributo são irrelevantes para a determinação da sua
inação do produto de arrecadação com~xigência constitucional relacionada a natureza jurídica específica (ser imposto ou taxa) como predica o CTN (arts. 3", .
(determinadas espécies tributárias, inclusive no que tange às taxas. Apenas 4" e 5") que é Lei complementar material da Constituição. Seria, todavia, erro I
entende que não pode ser utilizada como critério para a classificação dos tributos. rotundo, não levar em conta o destino da arrecadação (mormente quando
\ 183. Segundo Paulo de Barros Carvalho, "o destino que se dê ao produto de constitucionalmente fixado) no momento do exame jurídico-positivo das 'contri-
arrecadação é irrelevante para caracterizar a natureza jurídica do tributo. Coin- buições sociais', que são, alfim, IMPOSTOS AFETADOS A FINALIDADES
cide, a ponto, com o limite de especulação do Direito Tributário, que não se ESPEcíFICAS, a teor da Constituição brasileira:" (grifos nossos) ("Contribuições
ocupa de momentos ulte~s à extinção do .!ELme fiscal. Aquela entidade que Sociais - Natureza Jurídica - Questões Diversas", artigo publicado no livro
vier a preencher os requisitos estipulados no art. 3" do Código Tributário Nacio- Contribuições Especiais, vários autores, Resenha Tributária, 1992, p. 349/350.)
nal será, juridicamente, um tributo, a despeito da destinação que for atribuída aos
Em seus Comentários à Constituição de 1988 - Sistema Tributário,
valores arrecadados." (Curso de Direito Tributário, Saraiva, 1999, p. 24.)
ainda sobre a questão da destinação, esclarece o publicista mineiro:
184. O professor Sac~~avarro Coelho, embora afirme que a destinação
do produto de arrecac1açao não interfere na natureza jurídica do tributo, ressalva "O que o Soberano, o Príncipe, o Estado, faz ou deixa de fazer com o
que deve ser levada em consideração qua~~~ do exame ~ico.:J2Q.sitivo das dinheiro arrecadado dos particulares é, para o Direito Tributário, 'res inter alias'
contribuições sociais. Nesse sentido, esclarece: e, realmente, não interessa. O destino do tributo, sua aplicação é mera providên-!
"Resta, no entanto, uma breve referência aos fins da tributação, que são cia de tesouraria, como diria o inesquecível justributarista baiano Amílcar de
considerações adicionais, de fundo axiológico, sem condão de interferir com a Araújo Falcão. Importante é o momento da imposição;,.o motivo iu~ da
\ questão da NATURE~A JURÍDICA DO TRIBUTO. Por suposto, todo tributo, percepção d.2-gravame pelo Estado." (Comentários à Constituição de 1988 -
' até para justificar-se ETICA E POLITICAMENTE, é dirigido à satisfação dos SIstema Tributário, Forense, 1992, p. 15.)
I interesses públicos. Os impostos são arrecadados para satisfazer necessidades
185. Roque Carrazza entende que "a destinação legal de um tributo não altera a i
coletivas indeterminadas ou determinadas, conforme seja o DIREITO POSITIVO
natureza jurídica do mesmo. Deveras, extinta a obrigação tributária, é logica-
que esteja a examinar. As taxas são para remunerar certos serviços e sobresforços
mente inadmissível que exerça qualquer influência sobre ela, a posterior afetação,
estatais em prol de certos contribuintes. As contribuições de melhoria são utiliza-
a uma certa finalidade da receita obtida. Esta idéia, aliás, vem solenemente
das para captar "mais-valias imobiliárias" ou para ratear o custo de obras públicas
proclamada no art. 4", inc. 11, do Código Tributário Nacional." (apud José
entre proprietários de imóveis de sua zona de influência. No que tange aos
Eduardo Soares de MeIo, Contribuições Sociais no Sistema Tributário, Malhei-
impostos, verifica-se nos diversos sistemas jurídicos que uns são destituídos de
ros, 1993, p. 32.)
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Autores há, todavia, que assim não entendem. tributo compõe a própria norma jurídica constitucional definidora
O professor Luciano da Silva Amaro enfatiza a necessi- da competência tributária, ela se torna um dado jurídico, que, por
dade de se considerar, para efeito de classificação dos tributos, a isso, tem relevância na definição do regime jurídico específico da
destinação do produto de sua arrecadação: " ... há situações em que exação, prestando-se, portanto, a distingui-Ia de outras.
a destinação do tributo é posta pela Constituição como aspecto Se a destinação integra o regime jurídico da exação fiscal,
integrante do regime jurídico da figura tributária, na medida em não se pode circunscrever a análise de sua natureza jurídica ao iter
que se apresenta como condição, requisito, pressuposto ou aspecto que se inicia com a ocorrência do fato previsto na lei e termina
do exercício legítimo (isto é, constitucional) da competência tri- com o pagamento do tributo (ou com outra causa extintiva da
butária. obrigação), até porque isso levaria o direito tributário a ensimes-
í Nessas circunstâncias, não se pode, ao examinar a figura mar-se a tal ponto que negaria sua própria condição de ramo dOI
\ tributária, ignorar a questão da destinação, nem descartá-Ia como direito, que supõe a integração sistemática ao ordenamento jurí-.
critério que permita distinguir de outras a figura analisada. dico total."!" '
Ou seja, nem pode ignorar a destinação (como se se tra- E o autor dá exemplos, para explicitar seu pensamento:
tasse, sempre e apenas de uma questão meramente financeira), "Se a União instituir tributo sobre o faturamento das empresas,
nem pode cercar o direito tributário com fronteiras tão estreitas sem especificar a destinação exigida pelo art. 195 da constitUiÇãO'(
que não permitam indagar do destino do tributo mesmo nos casos a exação (ainda que apelidada de contribuição) será inconstitucio-
em que esse destino condiciona o próprio exercício da competên- nal, entre outras possíveis razões, pela invasão de competência dos
cia tributãria.t'" Estados ou dos Municípios (conforme se trate de faturamento de
E em seguida, confirmando seu entendimento no sentido mercadorias ou de serviços). Outro exemplo: se a União, sem
de que a destinação do produto de arrecadação, relativamente a explicitar na lei (complementar) uma das destinações referidas
determinados tributos, compõe as próprias normas de estrutura pelo art. 148 da Constituição, instituir empréstimo compulsório, a
que outorgam competência impositiva (e que, portanto, fun- exação será inconstitucional. Da mesma forma, se a União instituir
damenta sua validade), aduz: "Em verdade, se a destinação do tributo (chamando-o, embora, de contribuição), exigível dos advo-
gados (pelo só fato do exercício da sua profissão), ele será
inconstitucional; mas se a lei destina essa contribuição à Ordem \
Em seu curso, todavia, reconhece a finalidade estabelecida pelo texto
dos Advogados, ela é juridicamente válida, pela óbvia razão de
"" . constitucional para as contribuições previstas em seu art. 149:
/ ( "Pois bem, em seu art.~a Constituição não apontou a regra matriz que, como 'contribuição corporativa', ela se distingue dos impos-
I destas 'contribuições'; antes, content~l<.em indica~dades que devem
toS.,,188 --------

atingir, a saber: a) a intervenção no domínio econômico; e, b) o interesse das No mesmo sentido é a posição do professor José Eduardo
I categor.ias p,rofissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas
respectí vas areas.
Notamos, pois, que as 'contribuições' ora em exame não foram qualifi-
Soares de Meio, que também alerta para a necessidade de se des-
fazer determinados preconceitos, "questionar e repensar velhos e
cadas, em nível constitucional, por suas regras matrizes, mas, Sim,JlOLSUaS tina-
lid~es. Parece-nos sustentável que haverá este tipo de tributo sempre que
implementada uma de suas t}Jlalidades constitucionais," (Curso de Direito Cons-
titucional Tributário, ReVISta dos Tribunais, 1992, p. 274.)
186. "Conceito e Classiticação dos Tributos", Revista de Direito Tributário n. 55, 187. Id., p. 285.
p.284. 188.1d., p. 286.
140 MÁRCIO SEVERO MARQUES
CLASSIFICAÇÃO CONSTlTUCI~NAL DOS TRIBUTOS
141

tradicionais conceitos", para assim "qualificar o destino como Mas nossas considerações serão aduzidas no curso da
elemento considerável na caracterização integral do tributo" .189 exposição, quando da análise dessas disposições constitucionais, a
E o professor da Pontifícia Universidade Católica de São fim de que não façamos repetir, ao longo do texto, o mesmo dis-

l paulo enfatiza a distinção entre (i) a previsão legal da destinação


do produto de arrecadação do tributo e (ii) a sua efetiva aplicação
pelos órgãos do Poder Executivo, assim manifestando seu pensa-
curso, retórica desnecessária no trabalho científico.
Passemos, pois, à nossa classificação.

mento: " ... o que interessa distinguir é (a) a previsão constitucio-


nal do destino do tributo e (b) a sua efetiva utilização, ou seja: lei
t .ordinária que instituir a exação tributária deverá estabelecer o
o )destino do tributo, se este for previsto na Constituição, sob pena
de desvirtuá-lo, tornando-o ilegítimo; a má aplicação do tributo
ingressado na burra do governo constitui ato administrativo no-
civo, danoso, ilegal, caracterizando desvio de finalidade.
Tratam-se de situações distintas, inconfundíveis no âmbito
jurídico e cronológico, pois concernem, respectivamente, a ante-
rior exercício da atividade do Legislativo (estipulando o destino
do tributo) e, posterior atuação do Executivo (aplicando os recur-
sos). O dado financeiro (destino do produto de arrecadação do
tributo) integra o ordenamento jurídico, e passa a ser juridicizado
pela via do ato competente (lei) ínsito ao tributo."
São essas as duas posições mais antagônicas da doutrina: a
primeira, que absolutamente desconsidera a destinação do produto
de arrecadação dos tributos, como critério para identificação das
espécies impositivas autorizadas pelo texto constitucional; e a
í segunda, que reconhece a relevância e operatividade desse crité-
I rio, que teria sido adotado pelo próprio sistema positivo.
Nossa classificação é procedida a partir das normas de
1 estrutura estabelecidas pelo texto constitucional. E nesse sentido,
I também consideramos relevante a questão concernente à desti-
nação do produto de arrecadação dos tributos e à exigência de
previsão normativa de sua devolução ao particular, ao cabo de
determinado período (e em espécie).

189. Veja, a propósito, Contribuições Sociais no Sistema Tributário, Malheiros,


1993, p. 30 e ss.
7. CLASSIFICAÇÃO E CRITÉRIOS DE
CLASSIFICAÇÃO DOS TRIBUTOS

As palavras (termos ou expressões) são utilizadas para


indicar conceitos de objetos."? Quando qualificam um mesmo
conceito, reúnem sob uma mesma designação vários objetos, os
quais possuem certas características que permitem a identificação
daquele conceito.
Dessa reunião de objetos sob o mesmo conceito surge a
idéia de classificação, como ensinam Guibourg, Ghigliani e Gua-
rinoni: "... agrupamos los objetos individuales en conjunto o
c1ases, y establecemos que un objeto pertencerá a una c1ase
determinada cuando reúna tales o cuales condiciones (...) Así, en
distintos idiomas, Ias palabras 'silla', 'chaise', 'sella' o 'chair'

190. Fazemos a distinção entre objeto e conceito do objeto, conforme Maria


Helena Diniz:
"É necessário que se distinga, claramente, o conceito de seu objeto. O
objeto é o dado envolvido pela forma conceitual, é aquilo que o pensamento
delimita. Sob o prisma ontológico o conceito é um objeto ideal e o dado pode ser
um objeto natural, cultural ou até mesmo ideal. O dado tem propriedades, carac-
teres e o conceito é constituído de notas que correspondem aos caracteres do
objeto. O conceito é, pois, formado por elementos essenciais e permanentes do
dado; retém, apenas, o elemento comum, a essência que em toda a multiplicidade
se encontra, logo, o conceito não poderia ser uma duplicação, uma reprodução do
real, do objeto, uma vez que funciona como um princípio de simplificação, tendo
uma função seletiva." (Conceito de Norma Jurídica como Problema de Essência,
Revista dos Tribunais, 1985, p. 54.)
MÁRCIO SEVERO MARQUES CLASSIFICAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS TRIBUTOS
144 145

designam aproximadamente un mismo concepto; y este concepto As classificações levam em consideração as semelhanças e
agrupa idealmente una multitud de objetos ...,,'91 dessemelhanças existentes entre os diversos objetos componentes
Classificar consiste, assim, em distribuir objetos em cate- do conjunto analisado. A diferença é o atributo que distingue duas
gorias distintas (classes), de acordo com as semelhanças entre os espécies entre si, enquanto a diferença específica é a característica
conceitos que os designam. que aparta a própria espécie, do gênero a que corresponde.
Em parecer sobre a classificação de produtos industriali- No âmbito da Ciência do Direito, as classificações são
zados, o professor Paulo de Barros Carvalho trata do tema com utilizadas como método para a apreensão de fenômenos norrnati-
clareza e acuidade científica. Nesse sentido, aduz: vos que se submetem a regimes jurídicos distintos. Assim, em
"Classificar é distribuir em classes; é dividir os termos termos de classificação de tributos (normas jurídicas de tributa-
segundo a ordem da extensão ou, para dizer de modo mais preciso, ção), interessa-nos verificar as diferenças existentes entre as
é separar os objetos em classes de acordo com as semelhanças que diversas espécies identificadas, segundo a análise das normas de
entre eles existam, mantendo-os em posições fixas e exatamente estrutura que fundamentam sua validade, pois a partir delas foram
determinados com relação às demais classes. Os diversos grupos estabelecidos os respectivos regimes jurídicos, tal como positi-
de uma classificação recebem o nome de espécies e de gêneros, vados, pelo texto constitucional.
sendo que espécies designam os grupos contidos em um grupo Mas seja qual for a classificação de que se trate, deverá se
mais extenso, enquanto gênero é o grupo mais extenso que contém adequar ao sistema do direito positivo vigente, regras e princípios
as espécies. A presença de atributos ou caracteres que distinguem que norteiam o ordenamento jurídico, como um todo considerado
determinada espécie de todas as demais espécies de um mesmo (sistema).
gênero denomina-se 'diferença', ao passo que 'diferença especí- Esclarece Celso Antônio Bandeira de Mello: "Em direito,
fica' é o nome que se dá ao conjunto das qualidades que se acres- a operação lógica de classificar, por força há de se ate r às caracte-
centam ao gênero para a determinação da espécie, de tal modo que rísticas de 'direito', isto é, dos institutos e categorias, cujos ingre-
é lícito enunciar: a espécie é igual ao gênero mais a diferença dientes componentes são sistemas de normas, processos que
específica (...). definem um conjunto de efeitos imputáveis a determinadas situa-
... o gênero compreende a espécie. Disto decorre que o ções e relações."!"
gênero denota mais que a espécie ou é predicado de um número A classificação dos tributos, assim, revela-se útil à medida
maior de indivíduos. Em contraponto, a espécie deve conotar mais que toma por base os parâmetros estabelecidos pelo próprio
que o gênero, pois além de conotar todos os atributos que o gênero direito positivo, fixando critérios científicos seguros para a identi-
conota, apresenta um plus de conotação que é, justamente, a dife- ficação das categorias apresentadas, mediante a aplicação de
rença ou diferença específica. Daí porque estabelecer o signi- regras de interpretação uniformes.
ficado de diferença como aquilo que deve ser adicionado à cono- Entendemos, por isso, que o exame das espécies tributá-
tação do gênero, para completar a conotação da espécie."!" rias deve partir da análise das normas constitucionais que outor-
gam competência impositiva às pessoas políticas de direito
público interno (normas de estrutura). Ali, no ponto mais alto da
191. Introduccián al Conocimiento Científico, Editorial Universitaria de Buenos
Aires, 1985, p. 39.
192. ln "IPI - Comentários sobre as Regras Gerais de Interpretação a Tablea 193. Natureza e Regime Jurídico das Autarquias, Revista dos Tribunais, 1986,
NBM/SH (TIPIITAB", Revista Dialética de Direito Tributário, n. 12, p. 42 e ss. p. 361.
MÁRCIO SEVERO MARQUES CLASSIFICAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS TRIBUTOS
146 147

pirâmide - normativa - kelseniana, encontraremos material para É sabido que toda classificação revela certa arbitrarie-
o estudo pretendido, pois é o próprio sistema constitucional tribu- dade.!" porque os critérios utilizados são relativos (nunca abso-
tário que aponta o "caminho das pedras", como enfatizava o pro- lutos), sendo algumas das convenções estabelecidas pelo próprio
fessor Geraldo Ataliba: intérprete. Por essa mesma razão, não são as classificações certas
"O próprio sistema constitucional adota uma classificação ou erradas, válidas ou inválidas. São simplesmente úteis ou
dos tributos e faz derivarem conseqüências do discernimento que inúteis, dependendo da função que lhes possa ser atribuída pelo
estabelece entre as espécies e subespécies tributárias. Isto é: o sujeito cognoscente, para efeito de verificação e identificação das
texto constitucional consagra uma determinada classificação e espécies analisadas. 196
atribui regimes jurídicos diferentes a serem aplicados às espécies As classificações podem ser bipartidas ou pluripartidas,
tributárias. No próprio texto constitucional estão princípios e dependendo do número de elementos distintivos considerados
regras diferentes, peculiares, aplicáveis com exclusividade - e entre as espécies apresentadas, concernentes ao mesmo gênero. Na
relevantes efeitos - às diversas espécies e subespécies de tribu- primeira hipótese (classificações bipartidas) utiliza-se somente
tos. uma variável - ou elemento distintivo - e como resultado
Conforme um tributo se configure como inserto numa ou surgem apenas dois conjuntos diversos (espécies). Na segunda
noutra categoria, as conseqüências serão dirigentes. No Brasil, é hipótese são consideradas duas ou mais variáveis, identificando-
de fundamental importância proceder com rigor na tarefa de iden- se, em relação proporcional ao número de elementos distintivos
tificar as peculiaridades de cada espécie, porque a rigidez do utilizados, três ou mais espécies distintas daquele gênero.
sistema constitucional tributário fulmina de nulidade qualquer
exação não obediente estritamente aos moldes constitucionais 195. Giuliani Fonrouge, citando Luigi Einaudi, aduz:
"AI considerar los ingresos dei Estado, tuvimos ocasión de sefialar Ias
estritos (...)
divergencias que se advierten en el campo doctrinal con respecto a su
Como, entretanto - conforme a espécie de tributo - di-
c1asiticación, destacando Ia relatividad de los diversos criterios elegidos ai efecto.
versos são os regimes tributários, deverá o exegeta determinar Como dice Einaudi, 'toda clasificación es arbitraria, y no es preciso exagerar su
qual a espécie diante da qual se encontra, a fim de lhe aplicar o importancia atribuyéndole más de Ia que corresponde a un útil instrumento de
regime jurídico correto e adequado em face das normas constitu- estudio y aclaración'." (Derecho Financiero, Vol. I, Depalma, Buenos Aires,
1970, p. 271.)
cionais e à luz dos princípios que a Constituição prestigia ou
Em sentido análogo é a posição de Aliomar Baleeiro, que reconhece o
adota." caráter arbitrário das classificações, resultante "da dificuldade em extremar
... A partir do desenho constitucional dos tributos é que o caracteres específicos de fatos sociais, muitas vezes apresentados sob formas
jurista deve construir o seu conceito; deve ater-se exclusivamente híbridas e consociações numa escala de graduação que faz preponderar ora um,
aos aspectos normativos, constitucionalmente prestigiados (...) ora outro dos elementos formadores". (Uma Introdução à Ciência das Finanças,
Forense, 1993, p. 119.)
Só depois de vigente a Constituição - como fundamento 196. Nesse sentido Luciano da Silva Amaro:
da ordenação jurídica global - é possível elaborar uma classifi- " ... os critérios de classificação dos tributos não são certos ou errados.
cação dos tributos. Esta toma portanto, como ponto de partida, o São mais adequados, menos adequados, ou inadequados a) no plano da teoria do
supremo dado jurídico: a Constituição.'?" Direito Tributário, ou b) no nível do Direito Tributário Positivo, como instru-
mento que permita (ou facilite) a identificação das características que devem
compor cada espécie de tributo (no plano teórico ou num dado sistema jurídico-
positivo)." ("Conceito e Classificação dos Tributos", Revista de Direito Tributá-
194. Hipótese de Incidência Tributária, Revista dos Tribunais, 1984, p. 115. rio n. 55, p. 280.)
148 MÁRCIO SEVERO MARQUES CLASSIFICAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS TRIBUTOS
149

Sobre essas classificações, manifesta-se Luciano da Silva remuneração do trabalho, que não é um fato estatal (sendo irrele-
Amaro, com bastante precisão e coerência: "O grande divisor de vante, para efeito da característica 'y', a circunstância de o tributo
águas das classificações dadas pela doutrina está em que alguns incidente sobre aquele fato não estatal destinar-se ao finan-
autores escolhem uma única variável como elemento distintivo, ciamento de uma atuação estatal deterrninadaj.t'T"
enquanto outros optam pela utilização de mais de uma variável. E, em síntese, conclui seu entendimento sobre as classifi-
É óbvio que, adotada só uma variável (por exemplo, a ca- cações bipartidas e pluripartidas, enfatizando que o critério eleito
racterística 'x'), os tributos só poderão receber uma classificação para se proceder à identificação das espécies tributárias - e, pois,
binária, dado que a pergunta sobre a existência de 'x' em dado à classificação dos tributos - deve ser suficiente para a identifi-
tributo só admite duas respostas: 'sim' e 'não'. cação dos regimes jurídicos a que se submetem cada uma delas, de
Se a variável eleita for a característica 'y' (diversa da de acordo com as normas estabelecidas pelo próprio ordenamento
'x '), cada conjunto terá um rol diferente de figuras. Só haverá positivo:
coincidência em relação às figuras que, cumulativamente, apre- "Toda vez que se eleja uma única variável para a classifi-
sentarem as características 'x' e 'y,.,,197 cação de um universo ter-se-ão, por decorrência lógica, dois con-
E em seguida exemplifica, para esclarecer seu raciocínio: juntos, desde que, obviamente, num universo dado de 100, pelo
"Suponhamos que 'x' seja a vinculação do tributo a uma determi- menos I e no máximo 99 das figuras que o integram possuam a
nada atuação do Estado (ou de outra entidade dotada de capaci- característica diferenciadora ('x', 'y' etc.). O critério distintivo
dade tributária ativa) referível ao contribuinte. Suponhamos, consistente, p. ex., em ser ou não a figura tributária instituída por
ainda, que se deseje batizar os dois grupos (formados com as figu- lei não teria utilidade, exceto num sistema tributário em que se
ras que respondam 'sim' e 'não' à presença da característica 'x') inserissem tributos não sujeitos ao princípio da legalidade.
de taxas (resposta positiva) e impostos (resposta negativa). Logi- Os autores que se utilizam de mais de uma variável para
camente, todos os tributos com 'x' serão taxas enquanto todos os classificar os tributos (fato gerador, destinação, restituibilidade
tributos sem 'x' serão impostos. Nessa perspectiva, a contribuição etc.) irão, logicamente, identificar três, quatro, 'n' conjuntos, con-
previdenciária paga pela empresa será imposto, enquanto a do forme a maior ou menor especificidade dos critérios analíticos que
empregado será taxa, pois só neste caso o tributo se vincula a uma sejam eleitos (...).
atuação estatal referível ao contribuinte (benefícios previden- A questão que deve ser colocada está em saber se o crité-
ciários por este fruíveis). rio eleito é suficiente para que se apreendam os diferentes regimes
Agora, mantendo os mesmos rótulos (taxas, para resposta jurídicos a que o grupo de figuras está submetido pelo orde-
positiva, e impostos para resposta negativa), mudemos a variável, namento jurídico. De que serve dizer que o tributo' A' é imposto,
utilizando a característica 'y', traduzida na circunstância de o fato se ele se sujeita a um regime jurídico diferente do aplicável a
gerador do tributo ser um fato do Estado (ou outra entidade dotada outros tributos que (pelo critério adotado) também componham o
de capacidade tributária ativa). Nessa segunda classificação biná- grupo dos impostos? Assim, por exemplo, se dissermos que o
ria, a contribuição previdenciária do empregado muda para o empréstimo compulsório é um imposto, isso não nos ajuda a iden-
grupo dos impostos, pois o seu fato gerador é a percepção da tificar o regime jurídico da figura, se a Constituição não estabe-

197. "Conceito e Classificação dos Tributos", Revista de Direito Tributário n. 55,


p.279. 198. Id., p. 280.
MÁRCIO SEVERO MARQUES
150

lece para aquele tributo o mesmo perfil jurídico conferido aos


impostos."!"
Endossamos o entendimento do professor Luciano Amaro.
A classificação dos tributos deve adequar-se ao sistema do direito
positivo a que correspondem. Assim, se a consideração de apenas
uma variável não for suficiente para a identificação das espécies
impositivas autorizadas pelo texto constitucional, impõe-se a con-
sideração de um segundo elemento distintivo, e assim por diante,
até reconhecermos todas elas, segundo critérios informados pelo
8. A CONFORMIDADE DAS NORMAS DE
próprio sistema normativo analisado.i'" TRIBUTAÇÃO ÀS NORMAS DE ESTRUTURA

A classificação dos tributos deve partir da análise das dis-


posições constitucionais que disciplinam a matéria.
Normas de estrutura estabelecem (i) o procedimento
formal a ser observado para a produção das normas de tributação,
(i i) delimitando materialmente o exercício da competência impo-
sitiva outorgada às pessoas políticas de direito público interno.
É condição de validade da norma de tributação a sua con-
formidade a essas normas de estrutura. A falta de atendimento ao
processo legislativo ou ao conteúdo material da conduta a ser dis-
ciplinada pela norma tributária (critérios que foram utilizados pelo
texto constitucional, inclusive para efeito de repartição e discrimi-
nação das competências impositivas), tal como por aquelas esta-
belecidos, fulmina a exação por inconstitucionalidade, que é a
mais grave forma de violação ao sistema jurídico.
Além dessas disposições, concernentes ao processo legis-
lativo e à autoridade competente (ou aos limites de competência
da autoridade, se assim se preferir), impõe-se ao legislador infra-
'constitucional, ainda, o atendimento a outras normas de estrutura,
que também informam e delimitam o exercício da competência
impositiva outorgada jís pessoas políticas de direito público
interno, condicionando validade de determinadas normas de tri-
199./d., ib.
butação.
200. É nessa medida que as c1assiticações se apresentam arbitrárias, conforme já
denunciamos, porque decorrem de critérios adotados pelo próprio intérprete . Citamos, à guisa de exemplo, o parágrafo único do
c1assiticador, para conhecimento do objeto de sua análise. art. 148 da Constituição, segundo o qual "a aplicação dos recursos
"
10. OS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
UTILIZADOS E A IDENTIFICAÇÃO
DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS

No sistema positivo brasileiro, a Constituição repartiu a


competência impositiva para a criação de tributos entre as pessoas
políticas de direito público interno, segundo um critério de mate-
rialidade a eles (tributos) referido, estabelecendo uma série de
outras disposições a serem observadas quando do exercício desta
função legislativa.
Daí porque o desatendimento dessas exigências pelo
legislador, ordinário ou complementar, dependendo da espécie
impositiva de que se trate, fulmina a exação por inconstitucionali-
dade, em face da sua desconformidade às normas de estrutura que
lhe sejam correlatas.
Assim, entendemos que a classificação dos tributos deve
ser procedida com base nessas normas de estrutura estabelecidas
pelo próprio texto constitucional, atendendo-se aos demais princí-
pios e regras que informam e delimitam o exercício de cada com-
petência impositiva, tal como outorgadas à União, Estados,
Distrito Federal e Municípios.
O exame do aspecto material do antecedente normativo é
critério relevante e imprescindível para a identificação das espé-
cies tributárias. Não há dúvidas quanto a procedência da assertiva.
Por meio desta análise verifica-se a existência da previsão, por um
lado, de uma manifestação do Estado, no exercício das funções
CLASSIFICAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS TRIBUTOS
218 MÁRCIO SEVERO MARQUES 219

que lhe foram constitucionalmente outorgadas, ou, por outro lado, serem conjugados àquele critério magistralmente exposto e difun-
de sua efetiva abstinência, vinculada à material idade do tributo. dido pelo professor Geraldo Ataliba, para a classificação dos tri-
A partir deste critério o professor Geraldo Ataliba aparta butos.
os impostos, das taxas e das contribuições: o primeiro, como da E estes critérios, a nosso ver, consistem na verificação da
espécie dos tributos não vinculados, e as últimas, do grupo dos previsão de determinados comandos expressamente estabelecidos
tributos vinculados. Adotamos este critério como instrumento para pelas normas de estrutura que outorgam competência impositiva
a identificação das espécies impositivas. às pessoas políticas de direito público interno, e que, nesta
Mas parece-nos que a consideração de apenas um ele- medida, devem ser prescritos pelas normas de comportamento
mento distintivo (uma variável: a vinculação - ou não - do veiculadas pelo legislador infraconstitucional, para legitimar a
aspecto material do antecedente normativo a uma atividade estatal exigência da imposição tributária, nestes casos.
referida ao contribuinte) não é suficiente ao intérprete para discer- Com efeito, verificamos que a Constituição, ao outorgar
nir os diferentes tributos autorizados pelo texto constitucional. competência impositiva às pessoas políticas para a criação de
É que a forma como foi positivado o sistema tributário alguns tributos, vinculou o produto de sua arrecadação ao custeio
engendrado pela Constituição de 1988, em que a validade da de despesas - ou investimentos - específicas do Estado. Em
norma tributária que veicula os empréstimos compulsórios e con- certas hipóteses, estabeleceu ainda a previsão da devolução do
tribuições foi expressamente condicionada à edição - válida, por respectivo montante ao contribuinte, ao cabo de determinado pe-
óbvio - de normas jurídicas que prescrevam ao Estado a desti- ríodo.
nação específica para o produto de arrecadação destes tributos, ao A prescrição constitucional é peremptória e obriga o
custeio das despesas específicas que autorizaram sua instituição legislador complementar a prever, abstratamente, por meio de
(além da previsão normativa da restituição do produto arrecadado norma jurídica e como condição de validade da norma impositiva
ao particular, ao cabo de determinado período, no caso dos em- que veicula o empréstimo compulsório, o dever imposto ao Estado
préstimos compulsórios), reclama a aplicação de regimes jurídicos de destinar o produto de arrecadação ao custeio da despesa especí-
próprios para essas espécies impositivas, distintos daqueles que fica que legitimou a sua instituição. Além desta obrigação, exige a
disciplinam e autorizam os impostos, as taxas e as contribuições previsão normativa da prescrição, ao Estado, do dever de restitui-
de melhoria. ção do respectivo montante ao contribuinte, ao fim de um prazo
Dessa forma, impõe-se a consideração de outras variáveis específico (pois do contrário, sem devolução, não seria emprés-
para apartá-Ios das demais espécies. Outros elementos distintivos timo).
que permitam diferenciá-Ios daqueles tributos, porque com eles, Não se trata aqui de mera sugestão ou recomendação ao
efetivamente, não se confundem (mesmo porque os regimes jurí- legislador complementar. É condição de validade do empréstimo
dicos são distintos, como veremos em seguida). compulsório a previsão legal expressa da destinação do produto de
Deveras, a existência de prescrições constitucionais dessa sua arrecadação. E.9 mesmo se diga quanto à previsão legal de sua
natureza (determinando a destinação específica para o produto de devolução ao particular, ao fim de certo prazo (ainda que, no
arrecadação de determinados tributos e - em determinados casos plano concreto - realidade material- isso não se verifique).
- a própria restituição do respectivo montante ao contribuinte), De fato, para a classificação dos tributos e verificação de
inseri das pelas próprias normas de estrutura que fundamentam o sua validade perante o sistema positivo, não importa a eficácia
tributo, exige meditação a respeito da adoção de novos critérios, a social das normas jurídicas que com ele se conectem (como o
MÁRCIO SEVERO MARQUES CLASSIFICAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS TRIBUTOS
220 221

efetivo cumprimento, pelo Estado, do dever de restituir). Assim, instituição destas espécies impositivas, de forma que não podem
no caso dos empréstimos compulsórios, importa apenas a obser- deixar de ser observadas pelo legislador infraconstitucional.
vância, pela lei, da previsão abstrata das exigências constitucio- Sobre a questão, novamente citamos Luciano da Silva
nais do tributo cuja instituição foi autorizada (o que deve ser, no Amaro, que se manifesta no seguinte sentido: "Se classificar é
plano normativo, e não o que efetivamente é, na realidade dos preciso, e se a destinação integra o regime jurídico específico do
fatos). É esta a condição para a validade da norma de tributação, tributo (ou seja, é um dado juridicizado), não se pode negar que se
porque assim determinam as normas de estrutura que outorgam a trata de um critério (jurídico) hábil à especificação do tributo, ou
respectiva competência impositiva, necessária à instituição do seja, idôneo para particularizar uma espécie tributária, distinta de
gravame. outras.
E, obviamente, não se deve invocar o art. 4° do CTN,
Ao analisarmos as contribuições (inclusive aquelas desti- I

mesmo porque ele não condiciona o trabalho do legislador cons-


nadas ao custeio de sistemas de previdência e assistência social
tituinte, que pode utilizar o critério da destinação para discriminar
dos servidores públicos estaduais, municipais e do Distrito Fede-
esta ou aquela espécie tributária, sem que a norma infraconstitu-
ral), verificamos que a situação é semelhante, pois também há
cional o impeça.
previsão constitucional expressa, vinculando o produto de sua
Nem se diga, para 'provar' a irrelevância da destinação,
arrecadação a uma despesa específica do Estado. É o que se infere
da leitura dos arts. 149 e 195 do texto constitucional. que o desvio dos recursos arrecadados não contamina a relação
jurídica tributária. Isso é verdade, mas não prova o que se pre-
O produto de arrecadação das contribuições de iry.terven- tende. Com efeito, há que se distinguir duas situações: ou o desvio
ção no domínio econômico e de interesse das categorias profissio- de finalidade está na aplicação dos recursos arrecadados, ou se
nais e econômicas destina-se ao custeio das despesas incorridas ou radica na própria criação do tributo. Na primeira hipótese, se, p.
dos investimentos a serem aplicados pelo Estado, por ocasião de ex., uma contribuição para a seguridade social é validamente ins-
sua ingerência nas respectivas áreas. tituída e arrecadada pelo órgão previdenciário, o posterior desvio
A receita decorrente das contribuições previstas pelo dos recursos para outras finalidades é ilícito das autoridades ad-
art. 195, por outro lado, tem como destino o custeio da seguridade ministrativas que não invalida o tributo. Mas, na segunda hipótese,
social, sua manutenção e expansão. As contribuições instituídas se o tributo é instituído sem aquela finalidade, a afronta ao perfil
pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, são autorizadas para constitucional da exação sem dúvida a contamina. É neste sentido
cobrir as despesas incorridas com o sistema de previdência e as- que afirmamos a relevância da destinação para caracterizar a espé-
sistência social de seus servidores. E o mesmo ainda com a receita cie tributária. O tributarista que não der importância a esse aspecto
do salário-educação, que é constitucionalmente destinada ao não irá enxergar a inconstitucionalidade do tributo, pois a contri-
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. buição, embora irregularmente criada, corresponderá ao modelo
Não pode haver dúvida, pois, quanto à exigência constitu- teórico com que ele estará trabalhando.
cional concernente à previsão legal de destinação do produto de Também a restituibilidade do empréstimo compulsório
arrecadação das contribuições e dos empréstimos compulsórios, integra o conceito desse tributo. É claro que a não restituição im-
assim como do dever de restituição, no caso destes últimos. Tra- plica descumprimento da obrigação do Estado, o que não torna
tam-se de prescrições impostas pelas normas de estrutura que ilegítima a cobrança. Mas a criação do empréstimo compulsório só
outorgam, informam e delimitam a competência tributária para a é válida se a lei que o instituir observar a referida característica
222 MÁRCIO SEVERO MARQUES CLASSIFICAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS TRIBUTOS 223

desse tributo (restituibilidade), além de atender aos demais pres- são legal de destinação específica do produto de arrecadação ao
supostos que legitimam a espécie. custeio de despesas determinadas do Estado. Outros tributos, no
... a destinação, quando valorizada pela norma constitu- entanto, não têm esta vinculação preestabelecida pelo texto cons-
cional, como nota integrante do desenho de certa figura tributária, titucional, hipótese em que o Estado é livre para utilizar-se desses
representa critério hábil para distinguir essa figura de outras, cujo recursos segundo sua conveniência. Eis aí o segundo elemento
perfil não apresente semelhante especificidade.t'F" distintivo adotado, como critério para a classificação dos tributos:
Os comandos que estabelecem a destinação específica a exigência de previsão normativa estabelecendo a vinculação, ou
para o produto de arrecadação dos tributos, assim como os que não, do produto de sua arrecadação a uma despesa específica.
determinam a restituição do respectivo montante ao particular, são Há ainda, por fim, uma terceira variável a ser considerada
preestabelecidos pelas respectivas normas de estrutura que fun- para a identificação das espécies impositivas, consistente na exi-
damentam sua validade. Dessa forma, por exigência constitucio- gência de previsão legal de restituição ao contribuinte do montante
nal, devem ser considerados para a atribuição do regime jurídico arrecadado, ao cabo de determinado período, que verificamos
peculiar a cada uma das espécies impositivas cuja validade condicionar a validade dos empréstimos compulsórios, apartando-
encontra-se assim condicionada. o das demais espécies impositivas.
A nosso ver, portanto, três são as variáveis a serem consi- São estes os três critérios, que, a nosso ver, devem ser
deradas para efeito de classificação dos tributos, segundo as considerados para a classificação constitucional dos tributos,
normas de estrutura que outorgam competência impositiva às pes- porque (i) podem ser inferidos pela análise das próprias normas de
soas políticas de direito público interno, no sistema positivo bra- estrutura que outorgam, informam e delimitam o exercício das
sileiro, porque três são os elementos distintivos revelados pela respectivas competências impositivas, tal como estabelecidas pelo
análise das espécies tributárias autorizadas pelo texto constitucio- texto constitucional, e (ii) foram utilizados para efeito de diferen-
nal. çar os regimes jurídicos (princípios e regras) aplicáveis sobre as
De fato, por um lado, há tributos em relação aos quais a diversas espécies tributárias autorizadas pela Constituição, assim
Constituição já preestabeleceu a vinculação da material idade do identificadas.
antecedente normativo ao exercício de uma atividade estatal refe- E considerados estes três critérios, aplicamo-os para a
rida ao contribuinte, e, outros, em que esta vinculação absolu- identificação das espécies impositivas:
tamente não existe, conforme a lição pioneira do professor (a) tributos em relação aos quais (a. I) não há exigência
Geraldo Ataliba. Eis a primeira variável adotada como critério constitucional de previsão legal de vinculação da material idade do
para a classificação dos tributos, já endossada e consagrada pela antecedente normativo ao exercício de uma atividade por parte do
doutrina nacional e estrangeira: a exigência de previsão legal de Estado, referida ao contribuinte; (a.2) não há exigência constitu-
vinculação da materialidade do antecedente da norma de tributa- cional de previsão legal de destinação específica para o produto de
ção a uma atividade por parte do Estado referida ao contribuinte. sua arrecadação; e (a.3) não há exigência constitucional de previ-
Por outro lado, como pudemos verificar, há tributos auto- são legal de devolução do produto arrecadado ao contribuinte, ao
rizados pela Constituição, cuja validade está condicionada à previ- cabo de determinado período: os impostos;
(b) tributos em relação aos quais (b.l ) há exigência cons-
259. "Conceito e Classificação dos Tributos", Revista de Direito Tributário n. 55, titucional de previsão legal de vinculação da materialidade do
p.286. antecedente normativo ao exercício de uma atividade por parte do
224 MÁRCia SEVERO MARQUES CLASSIFICAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS TRIBUTOS
225

Estado, referida ao contribuinte; (b.2) há exigência constitucional Tributos 1° critério: 2° critério: 3° critério:
de previsão legal de destinação específica para o produto de sua identificados exigência exigência exigência
constitucional de constitucional de constitucional de
arrecadação; e (b.3) não há exigência constitucional de previsão
previsão legal de previsão legal de previsão legal de
legal de devolução do produto arrecadado ao contribuinte, ao cabo vinculação entre destinação restituição do
de determinado período: as taxas; a materialidade específica para o montante
(c) tributos em relação aos quais (c. I) há exigência cons- do antecedente produto de arrecadado ao
titucional de previsão legal de vinculação da material idade do normativo e uma arrecadação contribuinte, ao
atividade estatal cabo de
antecedente normativo' ao exercício de uma atividade por parte do referida ao determinado
Estado, referida ao contribuinte; (c.2) não há exigência constitu- contribuinte período
cional de previsão legal de destinação específica para o produto de impostos não não não
sua arrecadação; e (c.3) não há exigência constitucional de previ- taxas sim sim não
são legal de devolução do produto arrecadado ao contribuinte, ao contribuições de sim não não
melhoria
cabo de determinado período: as contribuições de melhoria;
contribuições não sim não
(d) tributos em relação aos quais (d.I) não há exigência
empréstimos não sim sim
constitucional de previsão legal de vinculação da materialidade do compulsórios
antecedente normativo ao exercício de uma atividade por parte do
Estado, referida ao contribuinte; (d.2) há exigência constitucional Conjugando-se esses três critérios, inferidos da análise das
de previsão legal de destinação específica para o produto de sua normas de estrutura que outorgam, informam e delimitam a
arrecadação; e (d.3) não há exigência constitucional de previsão competência impositiva atribuída às pessoas políticas de direito
legal de devolução do produto arrecadado ao contribuinte, ao cabo público interno para a instituição de tributos, conseguimos identi-
de determinado período: as contribuições; ficar as cinco espécies autorizadas pelo texto constitucional: im-
(e) tributos em relação aos quais (e.1) não há exigência postos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições e emprés-
constitucional de previsão legal de vinculação da material idade do timos compulsórios.
antecedente normativo ao exercício de uma atividade por parte do Passamos, então, ao exame dos regimes jurídicos aplicá-
Estado, referida ao contribuinte; (e.2) há exigência constitucional veis às espécies identificadas.
de previsão legal de destinação específica para o produto de sua
arrecadação; e (e.3) há exigência constitucional de previsão legal
de devolução do produto arrecadado ao contribuinte, ao cabo de
determinado período: os empréstimos compulsórios.
Graficamente, para melhor compreensão dos critérios
adotados e espécies identificadas, a classificação constitucional
dos tributos formulada é a seguinte:

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