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Estes últimos acreditavam que o Estado não deve interferir na economia, uma vez que
esta funciona muito bem se deixada aos seus próprios esquemas, ao passo que os
primeiros acreditavam que o funcionamento do mercado é enviesado e que há
necessidade de o Estado intervir no mesmo. Mas ao querer a intervenção do Estado para
rectificar os males da economia de mercado, a Escola de Cambridge considerava como
garantido que o Estado representava uma racionalidade "social" extrínseca do mercado.
Uma tal impregnação do Estado com "racionalidade social", que estava implícita na sua
percepção, só era possível através da existência do discurso público.
Esta visão liberal da sociedade, a qual se supunha apoiada por uma economia de
mercado e uma esfera de discurso público activo, pode ser criticada a partir de uma
perspectiva marxista de dois modos distintos. Uma, que é bem conhecida, chama a
atenção para o carácter de classe do Estado. Longe de ser uma corporificação da
"racionalidade social" como Keynes assumira, o Estado representa deliberadamente – ou
(no caso de um governo "reformista" subir ao poder) é a isso constrangido – os interesses
dos capitalistas. (A visão hayekiana da economia de mercado não precisa deter-nos aqui
uma vez que está errada: ela ignora a anarquia do capitalismo, como a tradição
keynesiana tem destacado, para não mencionar a tradição marxista que fez isso desde o
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princípio).
Entretanto, há uma segunda crítica à visão liberal a partir da perspectiva marxista que é
menos frequentemente mencionada mas cuja validade está a ser justificada diante dos
nossos olhos. Uma das mais profundas percepções do marxismo quanto ao
funcionamento do capitalismo é que é um sistema "espontâneo" conduzido pelas suas
próprias tendências imanentes. E uma destas tendências "espontâneas" importante é a da
progressiva mercantilização de todas as esferas da vida. O que hoje estamos a
testemunhar é a destruição da esfera pública através destas tendência imanente rumo a
uma difusão generalizada da mercantilização.
Uma esfera activa de discurso público tem vários requisitos, dentre os quais dois são
importantes: um sistema de educação que esclareça seus estudantes sobre questões
sociais expondo-os a uma variedade de percepções; e a existência de media impressos e
electrónicos que escrupulosamente desempenhem o papel de fornecer informação
correcta e um leque de opiniões. Estas duas instituições estão a ser minadas pela
mercantilização.
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Estas universidades a partir de agora levantarão seus recursos por si próprias, isto é, a
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partir do "mercado" para o qual elas terão de dar cursos "comercializáveis" ("marketable")
e atrair estudantes dispostos a pagar enormes taxas. Isto não só exclui os estudantes
socialmente e economicamente destituídos como também assegura que os produtos
deste sistema de educação são auto-centrados, indivíduos egocêntricos e totalmente
alheios tanto à realidade social em torno deles como do esplendor do mundo do
conhecimento.
CAMBRIDGE ANALYTICA
As coisas, entretanto, foram ainda mais longe como sugere o episódio recente da
Cambridge Analytica. Aquela firma foi contratada ostensivamente para gerar dados para o
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seu cliente disputar eleições; mas desde que ignoremos a insensatez acerca de como
"dados" assim gerados podem ser úteis para combates eleitorais, está claro que o papel
de tais firmas é essencialmente executar certos "truques sujos" que funcionariam a favor
do seu cliente, em troca de uma soma adequada de dinheiro. Isto também não é outra
coisa senão mercantilização da política.
Portanto, a visão liberal, de uma sociedade capitalista onde a esfera do mercado é distinta
de, e coexiste com, uma esfera de discurso público, com tal discurso a informar a política
do Estado para rectificar as distorções do mercado, é fundamentalmente indefensável. É
indefensável não só por causa dos constrangimentos colocados pelas relações de
propriedade sobre as acções do Estado, como também porque uma das duas esferas, o
mercado, "espontaneamente" intromete-se na outra, a esfera pública, através da sua
tendência imanente rumo à mercantilização.
Sem dúvida esta destruição da esfera pública tem prosseguido com uma rapidez
surpreendente por todo o mundo, incluindo a Índia, com a ascendência da direita. Mas
isso acontece porque a direita tem promovido a mercantilização com muito maior vigor do
que antes. Os sintomas do problema, entretanto, eram claramente evidentes desde muito
mais antes.
coisa.
Segue-se portanto que a existência autêntica de uma esfera pública exige uma
ultrapassagem das tendências imanentes do capitalismo, isto é, uma transcendência do
capitalismo. Mas o facto de a democracia e a instituição de uma esfera pública só
poderem ser realizadas sob o socialismo não significa que não combatamos por ela
agora. Ao contrário, este mesmo combate é um meio de avançar a luta pelo socialismo.
01/Abril/2018
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