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06/11/2018 O proteccionismo de Trump

O proteccionismo de Trump
por Prabhat Patnaik [*]

No dia 8 de Março Donald Trump anunciou


aquilo que, segundo muitos, tem o potencial
para desencadear uma guerra comercial
global. Ele anunciou que os EUA elevariam
as tarifas sobre o aço importado em 25 por
cento e as tarifas sobre o alumínio
importado em 10 por cento.

Actualmente, a OMC permite tarifas sob


certas circunstâncias, contra, por exemplo,
algum país que esteja "injustamente" a
subsidiar suas exportações, ou a fazer
dumping das suas mercadorias, o que
significa cobrar preços mais altos no mercado interno pelas mesmas mercadorias que são
vendidas barato no mercado de exportação. Ela também permite tarifas sob uma cláusula
de "salvaguarda" pela qual um país pode efectuar apoio temporário a produtores locais de
modo a que possam preparar-se para enfrentar o desafio de importações. Trump contudo
não utilizou nenhuma destas duas disposições da OMC para anunciar seu aumento de
tarifas. Ele ao invés recorreu a uma cláusula raramente utilizada da lei estado-unidense
relativa à "segurança nacional" (uma cláusula semelhante também existe na OMC).

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O que constitui exactamente "segurança nacional" é difícil de definir. As exigências


militares de um país envolvem todo um conjunto de bens; se a importação de tais bens é
impedida com a desculpa de que a "segurança nacional" exige a sua produção interna,
então virtualmente qualquer bem pode ser reservado à produção interna. É por causa do
seu recurso a esta cláusula que dá para tudo que a introdução de Trump de medidas
proteccionistas está a ser vista não como um desenvolvimento menor, uma mera
aberração de um regime na generalidade de "livre comércio", mas como um acto de
impugnação do próprio regime do assim chamado "livre comércio".

Este regime de "livre comércio" que os EUA e a Europa construíram cuidadosamente em


tempos recentes naturalmente não significava "livre comércio" per se. Ele tinha dentro de
si um sistema de discriminação contra países do terceiro mundo. Isto era óbvio por
exemplo em relação a subsídios agrícolas e direitos de propriedade intelectual. Mas
mesmo este regime de "livre comércio" concebido para servir os seus próprios interesses
está a ser minado pelos EUA sob a administração Trump. O facto de Trump estar a fazer
isto tão cedo sublinha a gravidade da crise do capitalismo mundial e o facto de que o
capitalismo neoliberal atingiu um beco sem saída total.

Ultimamente tem havido muita conversa sobre como a economia mundial estaria a
recuperar-se e de como os EUA em particular estariam a sair da crise, com a sua taxa
oficial de desemprego agora reduzida a meros 4,1 por cento. Mas se isto fosse realmente
o caso, então a administração Trump não teria razão para introduzir as suas medidas
proteccionistas.

Se o mercado de trabalho está tão tenso quanto sugere a taxa de desemprego de 4,1 por
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06/11/2018 O proteccionismo de Trump

cento, então tarifas mais elevadas provocariam não produção interna mais alta nos
sectores protegidos mas, ao contrário, apenas um aumento dos seus preços, isto é, não
ajustamento da produção mas apenas ajustamento do preço. Isto significaria uma mera
promoção gratuita da inflação interna que é contraproducente para a economia. O facto de
a administração Trump ter recorrido ao proteccionismo indica portanto que o mercado de
trabalho não está de modo algum tão tenso como se diz, que a crise persiste na economia
dos EUA.

Outros indicadores também confirmam este ponto de vista. Exemplo: apesar de a taxa de
desemprego oficial ser de 4,1 por cento, a qual é mais baixa do que no início de 2008
quando a crise começou, a taxa de participação do trabalho, isto é, o rácio entre aqueles
empregados ou à procura de trabalho e a população em idade de trabalhar, continua a
permanecer abaixo da que existia na data inicial. Se assumirmos que a mesma taxa de
participação do trabalho de hoje existisse em Janeiro de 2008, então a taxa de
desemprego nos EUA de hoje seria não de 4,1 por cento mas sim de 6,1 por cento.

Uma taxa de participação do trabalho, entretanto, ascende tipicamente porque pessoas se


retiraram da força de trabalho devido ao desvanecimento das perspectivas de encontrar
emprego. Portanto, a persistência de uma taxa de participação do trabalho mais baixa
lança dúvidas mesmo sobre o valor do número oficial de 4,1 por cento na taxa de
desemprego.

Uma conclusão semelhante levanta-se quando examinamos a taxa salarial. Um mercado


de trabalho tenso tende a elevar a taxa salarial, mas nos EUA apesar dos 4,1 por cento
oficiais de taxa de desemprego não tem havido aumento na taxa salarial, o que sugere
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que o mercado de trabalho está longe estar tenso e que os 4,1 por cento é um número
enganoso. E agora a medida proteccionista de Trump apenas confirma que a economia
dos EUA, sobre a qual a recuperação da totalidade do mundo capitalista está tão
vitalmente dependente, continua a estar afundada na crise.

O que é digno de nota é o facto de que Trump tenha recorrido ao proteccionismo como a
saída da crise, o que também está em conformidade com o que ele prometera durante a
sua campanha eleitoral. Ele não está a pensar numa expansão do mercado estado-
unidense através de despesas públicas mais vastas. A razão porque não está a fazer isso
é porque uma tal estratégia exige que despesas públicas mais vastas teriam de ser
financiadas ou através de uma tributação sobre capitalistas (pois tributar trabalhadores
que na generalidade consomem o seu rendimento compensa o efeito expansionista da
despesa pública através de uma redução correspondente no consumo dos trabalhadores),
ou através de um défice orçamental – e ambos são anátema para o capital financeiro.

Uma vez que não há um plano para expandir a dimensão do mercado nos EUA através de
maiores despesas públicas, o proteccionismo significa simplesmente que uma fatia maior
do mercado existente está destinada à produção interna. Isto equivale, por outras
palavras, a efectuar uma expansão na produção e emprego interno através do
arrebatamento de uma parte do mercado aos produtores localizados em outros países, o
que significa que a geração de emprego dentro do país seria acompanhada pela
destruição de emprego em outros países. Esta política, que é mencionada como política
de "empobreço meu vizinho" (isto é, eu ganho às expensas do meu vizinho), é assim uma
manifestação do terrível estado do mundo capitalista no presente, geradora de piores
coisas que estão para vir.
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Sugere um estado terrível porque demonstra claramente a ausência completa de qualquer


estratégia coordenada da parte das potências capitalistas; e anuncia um agravamento da
crise porque políticas do "empobreço meu vizinho" inevitavelmente atraem retaliação dos
demais. Os outros países não vão simplesmente sentar-se e assistir o arrebatamento dos
seus mercados; eles não irão simplesmente permitir que a recessão e o desemprego
sejam exportados pelos EUA para as suas economias. Eles por sua vez também
protegerão suas economias, o que significaria uma generalização das políticas
"empobreço meu vizinho".

E uma qualquer generalização de políticas do "empobreço meu vizinho" (ou a irrupção de


uma "guerra comercial global" como dizem alguns) reduzirá ainda mais o incentivo para os
capitalistas investirem e, portanto, provocará nova contracção no investimento e na
procura agregada, resultando num agravamento da crise. Nada poderia proporcionar uma
demonstração mais clara de que isto o completo beco sem saída ao qual chegou o
capitalismo neoliberal.

Ultimamente alguns têm utilizado a expressão "des-globalização" para descrever a


situação actual. Certamente é o caso de que o regime de "livre comércio" que os EUA e a
Europa erigiram como parte do processo de "globalização" está a ser alterado
significativamente. Mas o que falha na expressão "des-globalização" é que não há
absolutamente recuo algum, no presente ou em perspectiva, do regime de livres fluxos
financeiros globais.

Naturalmente, a protecção por parte dos EUA afecta desfavoravelmente actividades


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manufactureiras localizadas no exterior do próprio capital dos EUA, para atender ao


mercado estado-unidense aproveitando baixos salários estrangeiros. De facto, grande
parte das importações pelos EUA de bens manufacturados é produzida no Extremo
Oriente por unidades controladas pelo próprio capital estado-unidense. E desencorajar
igualmente a deslocalização (outsourcing) de serviços dos EUA para países como a Índia,
a qual começou realmente com a administração Obama, constitui uma intrusão na
lucratividade de companhias dos EUA. Mas tudo isto refere-se ao capital-na-produção e
não ao capital-como-finança. Sobre este último, nem uma pitada de restrição está a ser
imposta, ou sequer contemplada, pela administração Trump.

É porque o capital-como-finança não está de todo a ser restringido que a oposição das
finanças a défices orçamentais tem de ser respeitada. Isto descarta qualquer activismo
orçamental por parte do Estado para ressuscitar a economia e deixa o proteccionismo
como a única opção remanescente, especialmente desde que a política monetária se
demonstrou ineficaz. As restrições ao capital-na-produção são, em suma, uma medida
desesperada a qual é necessitada, ironicamente, pela ausência de quaisquer restrições
ao capital-como-finança.

O que escapa aos proponentes da ideia da "des-globalização" é que as actuais medidas


de proteccionismo não negam de modo algum o fenómeno da globalização da finança, a
qual é a essência do processo de globalização. O que estamos a testemunhar não é "des-
globalização", mas tentativas desesperadas e contraproducentes para fazer frente a uma
crise, a qual é ela própria um resultado do processo de globalização da finança, sem de
modo algum negar aquele processo. Uma vez que este processo é central para a

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globalização, o presente esforço pode ser encarado como tentar fazer frente às
consequências (fall-out) da globalização sem negar a globalização.

25/Março/2018

[*] Economista, indiano, ver Wikipedia

O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2018/0325_pd/trump's-


protectionism .
Tradução de JF.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .


31/Mar/18

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