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ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO – PROF.

ROSÂNGELA MENTA MELLO

PLANEJAMENTO Alguns manuais didáticos chegavam a


sugerir duas categorias de organização: os
1. Breve retrospectiva histórica objetivos e as tarefas; todavia, a preocupação
estava centrada na tarefa, entendendo-se que os
A atividade de planejar é tão antiga quanto o objetivos estavam nela inseridos. O
homem, a sistematização do planejamento se dá fora planejamento pedagógico do professor no
do campo educacional, estando ligada ao mundo da sentido tradicional, a rigor, não era bem
produção. (Revoluções Industriais) e à emergência da planejamento; era muito mais um
ciência da Administração, no final do século XIX. Este estabelecimento de roteiro que se aplicaria fosse
novo campo de saber terá como emblemáticos os qual fosse a realidade. Podemos citar como
nomes do americano Taylor (1856-1915) e do francês ilustração, os famosos passos formais da
Fayol (1841-1925). A própria Administração vai se instrução, de Herbart (1776-1841), que levou
utilizar, para configurar o planejamento, de termos muitos professores a seguirem rigidamente o
(como objetivos, estratégia) de um campo ainda mais plano de aula. No entanto, observava-se que o
distantes e ancestral: a guerra!, considerada como um plano, com efeito, orientava o trabalho do
empreendimento que desde muito cedo buscou a professor, tinha uma função, vale dizer, havia
eficiência... Mas talvez o elemento genealógico mais uma estreita relação entre planejar e acontecer.
complicador em termos de alienação do trabalho – em Sabemos de casos em que professores deixavam
geral e escolar – tenha sido a preconização por Taylor de dar aula por estarem sem seus
da necessidade de separar a tarefa de planejamento apontamentos... Folclore à parte, o que
da execução, ou seja, para ele, organizar queremos destacar é que o plano era
cientificamente o trabalho implicava a distinção radical objetivamente uma referência para o trabalho do
entre concepção e realização. Desta forma, esta nova professor, estava presente em sala de aula, e
ciência acaba por respaldar e justificar a prática tão servia de guia para sua ação.
antiga (desde os gregos, por exemplo) de uns Um outro movimento pode ser
conceberem (homens livres) e outros executarem identificado nesta primeira concepção: depois da
(escravos). Abre também o campo para o I Grande Guerra, o movimento escolanovista,
planejamento tecnocrático, onde o poder de decisão e enfatizando a ligação do ensino com os
controle está nas mãos de outros (técnicos, políticos, interesses dos alunos, critica o plano
especialistas), e não no próprio agente. previamente estabelecido, dando início a mais
No início do século XX, o planejamento vai uma polêmica educacional. Estava em questão a
avançando para todos os setores da sociedade, perspectiva não-diretiva de ensino, com sua
provocando um enorme impacto a partir do seu uso na ênfase na espontaneidade e criatividade dos
União Soviética não como simples organização interna alunos. O planejamento era feito em torno de
a uma empresa, mas como planificação de toda uma temas amplos; ao professor cabia ter uma idéia
economia. geral do que seria a aula, sendo que os passos
Atualmente, pode-se identificar três grandes seriam determinados de acordo com os
linhas em termos de planejamento administrativo: o interesses emergentes. Neste sentido, podemos
gerenciamento da qualidade total, o planejamento dizer que havia até uma cooperação dos alunos
estratégico e o planejamento participativo, sendo que no planejar.
a tendência do primeiro é decrescente em favor do
segundo, que procura, em certos casos, incorporar • Planejamento instrumental/normativo
contribuições do terceiro, que é mais difícil de ser
utilizado em empreendimentos cuja função social não Esta concepção – que se explicita no
possa ser definida coletivamente. Brasil no final da década de sessenta – relaciona-
A escola naturalmente não ficou imune a este se à tendência tecnicista de educação, de
movimento. Ao analisarmos a história da educação, caráter cartesiano e positivista, onde o
percebemos diferentes concepções do processo de planejamento aparece como a grande solução
planejamento, de acordo com cada contexto sócio- para os problemas de falta de produtividade da
político-econômico-cultural. A prof. Margot Ott apud educação escolar, sem, no entanto, questionar
VASCONCELLOS, 1999, aponta três grandes os fatores sócio-político-econômicos, até em
concepções que vão se manifestando em diferentes função de sua pretensão de neutralidade,
momentos da história do planejamento: normatividade e universalidade.
A ênfase à racionalidade era muito forte.
• Planejamento como princípio prático Buscava-se uma rígida seqüência (donde a
importância dos pré-requisitos) e a ordem lógica
Esta primeira concepção está relacionada à para tudo; só que a lógica tomada como
tendência tradicional de educação, em que o referência era a de quem ensinava e não de
planejamento era feito sem grande preocupação de quem aprendia... Influenciada pelas teorias
formalização, basicamente pelo professor, e tendo comportamentalistas, dava-se muita ênfase ao
como horizonte a tarefa de ser desenvolvida em sala aspecto formal, à especificação de todos os
de aula. comportamentos verificáveis (podemos lembrar
Os planos eram apontamentos feitos em aqui daquelas relações de verbos que tínhamos
folhas, fichas, cadernos, a partir das leituras que usar para expressar os objetivos afim do
preparatórias para as aulas. Uma vez elaborados, eram plano ficar correto); chegava-se a afirmar, por
retomados cada vez que ia dar aquela aula de novo, exemplo, que só se pode estabelecer um
servindo por anos e anos. objetivo que seja passível de ser medido; havia

VASCONCELLOS, Celso dos S. Planejamento. São Paulo: Libertad, 1999. p. 27-34. 1


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uma verdadeira obsessão planificadora. Os professores validade de sua contribuição específica


eram obrigados a ocupar parte significativa de seu (SILVA apud VASCONCELLOS, 199).
escasso tempo livre para preencher planilhas e mais
planilhas. O aluno deveria aprender exatamente aquilo O saber do professor foi sendo
que o professor planejara, reforçando a prática do paulatinamente desvalorizado, levando-o a uma
ensino como mera transmissão, ou, no pólo oposto, perda de confiança naquilo que fazia.
como instrução programada. Paralelamente, criou-se um mito em torno do
Essa exigência técnica para elaborar o planejamento, como se planejar levasse
planejamento justificou, ideologicamente, sua necessariamente a acontecer, o fato de se ter
centralização nas mãos dos especialistas (do Estado ou feto um bom plano garantiria automaticamente
das escolas), fazendo parte de uma ampla estratégia uma boa prática pedagógica: Em outras
de expropriação do que fazer do educador e do palavras, ensina bem o professor que planeja
esvaziamento da educação como força de bem o seu trabalho, entendo-se este planejar
conscientização, levando a um crescente processo de como sendo a elaboração do documento
alienação e controle exterior da educação. denominado plano (FUSARI apud
Muitos dos problemas que se colocam hoje na VASCONCELLOS, 1999). Isto se distorceu a tal
prática escolar entre professores e técnicos, tais como ponto que alguns professores ou técnicos se
a competição, a disputa de influência e poder, têm sua dedicavam exclusivamente a elaborar bons
explicação na origem mesma dessa função, já que, planos e, se sentiam realizados com isto,
desde então, esteve associada ao controle, uma vez desvinculando-se da prática efetiva do
que a supervisão surgiu no século XVIII nos Estados planejado.
Unidos como Inspeção Escolar e como tal veio para o Planejar passou a significar preencher
Brasil em meados do século XIX. Nos anos 70, do formulários com objetivos educacionais gerais,
século seguinte, ganhou força o contorno legal num objetivos instrucionais operacionalizados,
ambiente nada favorável: conteúdos programáticos, estratégias de ensino,
avaliação de acordo com os objetivos, etc.
Sabe-se que a Supervisão Educacional foi Aliado ao processo de desgaste do
criada num contexto de ditadura. A Lei n. professor – má formação, má remuneração, falta
5692/71 a instituiu como serviço específico da de condições de trabalho, etc. -, estava o avanço
Escola de 1º e 2º Graus (embora já existisse da indústria do livro didático, como que
anteriormente). Sua função era, então, compensando a falta de condições do professor
predominantemente tecnicista e controladora preparar bem suas aulas. Além disso, do ponto
e, de certa forma, correspondia à militarização de vista do planejamento, em poucos anos os
Escolar. No contexto da Doutrina de Segurança livros passaram a trazê-lo pronto, quase que
Nacional adotada em 1967 e no espírito do AI- induzindo o professor à cópia...
5 de 1968, foi feita a reforma universitária. Mais recentemente, há um ressurgir
Nela situa-se a reformulação do Curso de desta linha através dos programas de qualidade
Pedagogia. Em1969 era regulamentada a total, que seduzem muitas escolas utilizando
Reforma Universitária e aprovado o parecer termos como participação, ser sujeito do
reformulador do Curso de Pedagogia. O mesmo processo, representando, no entanto, uma
prepara predominantemente, desde então, verdadeira onde neotecnicista (a serviço de
generalistas, com o título de especialistas da quem? O que qualifica a qualidade?), que apenas
educação , mas pouco prepara para a prática administra com mais eficiência.
da educação (URBAN apud VASCONCELLOS,
1999). • Planejamento participativo

A introdução da Supervisão Educacional traz Aqui, consciência, intencionalidade e


para dentro da escola a divisão social do trabalho no participação são os fundamentos mais marcantes
campo pedagógico, ou seja, a divisão entre os que (OTT apud VASCONCELLOS, 1999). Esta nova
pensam, decidem, mandam e se apropriam dos frutos, forma de se encarar o planejamento é fruto da
e os que executam, uma vez que até então, o resistência e da percepção de grupos de
professor era o ator e autor de suas aulas, sendo que, educadores que se recusaram a fazer tal
a partir daí, entre ele e o seu trabalho passa a colocar- reprodução do sistema, e foram buscar formas
se a figura do técnico. alternativas de fazer educação e, portanto, de
planejá-la. O saber deixa de ser considerado
Comprometido com a estrutura do poder como propriedade de especialistas, passando-se
burocratizada de onde emana a fornte de sua a valorizar a construção, participação, o diálogo,
própria autoridade individual, o supervisor o poder coletivo local, a formação da consciência
escolar tende a idiotizar o trabalho do crítica a partir da reflexão sobre a prática da
professor porque, tal como na situação mudança. Tem como objetivo a transformação
industrial, não se por ter confiança nos das relações de poder, autoritárias e verticais,
operários [...] A incompetência postulada do em relações igualitárias e horizontais, de caráter
professor se apresenta assim como a garantia dialógico e democrático (PINTO apud
perversa da continuidade da posição de VASCONCELLOS, 1999).
supervisor, de vez que inviabiliza a discussão Esta perspectiva rompe com o
sobre sua competência presumível e sobre a planejamento funcional ou normativo das duas
concepções anteriores, onde a prática do

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professor e da escola é vistas como isolada em relação as reais decisões vão se tomando sem planos.
ao contexto social. Aqui o planejamento é entendido Isso gera um clima de desilusão.
como um instrumento de intervenção no real para Quando a ênfase da escola está voltada
transformá-lo na direção de uma sociedade mais justa para o apoio à mudança da prática em sala de
e solidária. É nesta perspectiva que vamos desenvolver aula, até que o professor se dispõe a repensar o
nosso trabalho. planejamento; no entanto, quando a ênfase está
Claro está que tais práticas não se sucedem na escola de papel, o professor se fecha, não
linearmente, ao contrário, convivem na mesma aceita. Constata-se amiúde uma incoerência
realidade e, não raras vezes, no mesmo sujeito. O entre a importância que a escola diz que o
importante é a tomada de consciência dessas planejamento tem e as condições para se fazer
influências e a definição de uma nova intencionalidade um trabalho de acompanhamento do mesmo.
para orientar a prática do planejar.
• Não-participação
NÚCLEO DO PROBLEMA DO PLANEJAMENTO
O planejamento pode ser utilizado como
Na tentativa de explicar o desgaste do dispositivo de disciplinamento de professores e
planejamento junto ao professor, apontamos algumas alunos, como meio de dominação (ao invés de
contradições nucleares que se configuram como libertação), na medida em que um pequeno
elementos comprometedores de seu sentido e força. grupo planeja e decide o destino de um grande
conjunto de pessoas, que deverão apenas
• Idealismo executar, estabelecendo um processo de
desumanização, de alienação, já que é próprio do
De um modo geral, nossa cultura é marcada pelo ser humano uma unidade, e não uma separação,
idealismo: há uma tendência de se valorizar as ideais entre o pensar e o fazer, o analisar e o decidir, o
em detrimento da prática e mesmo de superestimar o construir e o usufruir. Tal prática de
poder das idéias, como se bastasse uma idéia clara planejamento introduz uma cisão na totalidade
para que, automaticamente, acontecesse a alteração humana, tendo em vista que as pessoas não
da realidade. O planejamento pode estar contaminado participam dos resultados do próprio trabalho (a
por essas concepções e, dessa forma, também não ser em nível mínimo, para uma mera
contribuir para a manutenção da situação dominante, sobrevivência enquanto mão-de-obra).
já que pode ser a expressão de uma série enorme de É interessante perceber a corriqueira
boas intenções, de coisas que gostaríamos de fazer, estratégia da dominação: fala-se muito em
mas que não tem o menor senso de realidade, que participação, mas não se deixa claro em
estão totalmente desvinculadas das reais condições momento algum que o que se espera e necessita
materiais e estruturais da instituição e da sociedade, é a participação simplesmente na execução...
pois, como afirma Simone Weil apud VASCONCELLOS, Uma outra prática utilizada por dirigentes
1999, é preciso conhecer as condições materiais que sem espírito democrático é propiciar a
determinam nossas possibilidades de ação. participação em algumas questões menores,
O tremendo descompasso entre aquilo que é periféricas, sendo que a essencial já vem
esperado do professor e as condições objetivas de decididas (pseudodemocracia): enquanto os
trabalho que são oferecidas, conforme os depoimentos professores estão discutindo se a cor da parede
de professores é um forte indicador da presença deste da sala deve ser azul ou verde, a mantenedora
idealismo no interior da escola e do sistema de ensino. está resolvendo fechar um curso ou
Neste caso o planejamento cumpre um papel departamento...
ideológico, ocultação das verdadeiras contradições da O que ocorre em muitas realidades é que
realidade, uma vez que somente o enfrentamento o planejamento por parte do professor é feito
dessas contradições, nas suas bases concretas, é que para a escola e não para organizar e orientar
permitiria a efetiva mudança da realidade, ainda que efetivamente o trabalho, passando a significar
num nível e ritmo muito aquém do que desejamos. A prisão, forma de controle autoritário.
idéia é fundamental no processo de transformação, A não-participação também pode se dar
mas uma idéia articulada à realidade e por ela no sentido de reduzir a área de domínio, o
fertilizada; o idealismo é a hipertrofia da idéia em âmbito do campo do planejamento, qual seja o
detrimento da realidade. sujeito/grupo tem liberdade para decidir até
Portanto, este é um grande fator de certo nível, mas não participa do plano mais
desmoralização do planejamento: ir para o papel e global. A conseqüência disto é a interferência de
depois não acontecer! instâncias superiores no planejado. Encontramos
a exemplificação deste descompasso nas falas
• Formalismo iniciais dos professores, onde a decisão da escola
foi atropelada pela da Delegacia de Ensino.
O formalismo, a atividade desprovida de
sentido para o sujeito, o burocratismo, com certeza são CONCLUSÃO
outros fatores que podem gerar profundo desgaste da
idéia de planejamento. Cumprir prazos não discutidos, Na gênese do processo de descrença do
preencher formulários impostos, ter que se adequar a professor em relação ao planejamento está uma
um saber já pronto, técnico, etc. fase marcada pela extrapolação do possível, ou
Elaboram-se plano – para dar ar de seriedade à seja, onde tudo parecia muito fácil de realizar (o
instituição –, mas diante das vicissitudes do dia-a-dia, papel aceita qualquer coisa...). Inicialmente o

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professor foi seduzido pelas promessas do


planejamento, como se através dele tudo pudesse ser
resolvido. Só que depois, à medida que as coisas não
iam acontecendo, foi desacreditando, se decepcionou,
mas continuou sendo cobrado para que fizesse: caiu no
vazio de fazer alienado. Deixou de ser uma autêntica
elaboração, tornando-se uma prática mimética.
É claro que esta dinâmica é muito complicada,
pois, como se costuma dizer popularmente, não se
pode jogar fora a água suja junto com a criança: a
recusa de fazer o plano para o outro acabou eclipsando
o valor do planejamento como método de trabalho.
Será que o educador não pode dominar o seu
fazer? Até quando haverá de continuar nesta situação?
Será possível ao educador saber o porquê, para quê e
como se faz de sua atividade, ou ele estará condenado
a fazer como outros fizeram? Acaso será impossível ao
educador superar essa situação? É certo que não se
trata de voltar aos velhos tempos, mas esta alienação
do trabalho pedagógico, que tem sua raiz na realidade
social alienada e fetichizada, precisa ser enfrentada.
Na representação do professor, o planejamento
acabou ficando marcado tanto pelo impossível (não é
possível planejar), quanto pelo contingente (não é
necessário, da forma como vem acontecendo não
resolve). Nosso desafio é resgatá-lo como possível e
necessário.
Portanto, a partir da análise feita, fica clara a
necessidade de superar a descrença no planejamento,
recuperar seu sentido, a fim de buscar formas
alternativas de praticá-lo.

VASCONCELLOS, Celso dos S. Planejamento. São Paulo: Libertad, 1999. p. 27-34. 4

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