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PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO: POSSIBILIDADES

METODOLÓGICAS ALTERNATIVAS

Jackson De Toni
II Congresso Consad de Gestão Pública – Painel 14: Possibilidades para um modelo alternativo
de gestão pública: em busca de um novo referencial teórico

PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO: POSSIBILIDADES


METODOLÓGICAS ALTERNATIVAS

Jackson De Toni

RESUMO

A participação, individual e coletiva, nas sociedades modernas em Estados onde


vigoram mecanismos de representação democrática é um fenômeno sobre o qual há
poucos consensos teóricos. Numa sociedade de classes excludente e injusta a
crescente participação autônoma da sociedade civil nos negócios do Estado tende a
tensionar progressivamente os mecanismos de dominação, publicizando espaços
privados e alargando as agendas das políticas distributivas e sociais. Ou seja, o
aprofundamento do processo participativo é condição prévia para a consolidação da
democracia e efetivo combate às desigualdades econômicas e sociais. Este trabalho
aborda o papel das metodologias de planejamento participativo como instrumento de
articulação e organização das novas arenas de participação, sobretudo a das
políticas públicas nacionais. Ao final são comentadas rapidamente três metodologias
com potencial para instruir e dar materialidade aos processos participativos (PES,
ZOPP e MQL).
SUMÁRIO

CONCEITUALIZANDO A PARTICIPAÇÃO............................................................... 03
PORQUE MANTER (E APROFUNDAR) A PARTICIPAÇÃO É TÃO DIFÍCIL?......... 08
PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO: POSSIBILIDADE OU FICÇÃO?..................... 14
METODOLOGIAS PARTICIPATIVAS DO PLANEJAMENTO: ATÉ ONDE IR?...................18
CONCLUSÕES.......................................................................................................... 22
REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 23
3

CONCEITUALIZANDO A PARTICIPAÇÃO

Nogueira (2004) classifica a participação em quatro grandes modalidades


de acordo com os diferentes graus de consciência política coletiva, relacionada à
maior ou menor maturidade, homogeneidade e organicidade dos grupos sociais1. A
participação assistencialista (1), filantrópica ou solidária se revela com freqüência
entre os grupos mais pobres e marginalizados como estratégia de sobrevivência,
especialmente nos momentos de maior crise social. É a forma mais comum e
primitiva de participação, é a de menor grau de consciência política coletiva, visa
atender requerimentos imediatos de manutenção da vida ou do bem estar de grupos
ou segmentos sociais, freqüentemente relacionada a atividades religiosas,
comunitárias e políticas de assistência social estatais.
Um outro grau pode ser chamado de participação corporativa (2) quando
o objetivo do movimento está conscrito aos interesses de um segmento ou categoria
social específica. Esta forma de associativismo está na base do sindicalismo
moderno e se relaciona diretamente com a forma assistencial de participação
motivada por lutas econômicas geralmente. Em casos excepcionais pela natureza
das reivindicações a participação corporativa pode ampliar sua esfera de
representação ganhando terreno mais amplo que categorias específicas. Assim
como a primeira forma esta também pode ser considerada pré-política.
A participação eleitoral (3) se situa no plano direto da ação política do
cidadão na sua relação com o Estado, além dos direitos civis aqui ganha relevo os
direitos políticos e o problema da governabilidade. Esta modalidade de participação
deriva historicamente do contratualismo liberal e portanto da liberdade individual e
da livre iniciativa. Esta forma de participação sofre, entretanto, um conjunto de
limitações típicas daquelas existentes em regimes democráticos representativos:
distorções das preferências pessoais, igualdade formal anulada pela desigualdade
real, falhas do processo eleitoral, mecanismos frágeis de controle dos eleitos etc.
Por fim a modalidade de participação com maior grau de consciência
política seria, segundo o autor, a participação política (4). Ela se relaciona diretamente
com o Estado e dialoga com as formas de organização da vida em sociedade e sua
reprodução. Alimenta-se da participação corporativa e eleitoral, mas vai além delas
porque questiona e formula novos consensos sociais, formaliza conquistas de direitos
universais que afetam o conjunto de uma população, sociedade, nação. O que
distingue os cidadãos nesta modalidade participativa não é seu lugar na estrutura
4

social, sua origem de classe ou estoque de riqueza mas as diferentes visões


globalizantes dos problemas comuns a todos e das soluções e estratégias propostas,
portanto, da essência do próprio debate político democrático ou da gestão coletiva dos
conflitos. O campo da participação política é portanto a arena da declaração e
competição de projetos de sociedade ou nação. A modalidade “política” da
participação é aquela claramente identificada como manifestação de poder político,
não como simples expressão de direito público subjetivo.
A dimensão política da participação cidadã nos remete ao tema do
controle social sobre o Estado, realizado de modo absolutamente imperfeito e
insuficiente pelas eleições periódicas. Mesmo quando são eleições limpas,
competitivas, livres, igualitárias, decisivas e inclusivas como propõe O’Donnel
(2004), o controle social pode ser meramente formal ou burocrático. Com a onda de
reformas do Estado no mundo e na América Latina durante os anos oitenta e
noventa o controle social foi associado ao termo accountability, que a abordagem da
New Public Management presumia ser melhor realizada pelos mecanismos de
mercado (oferta e procura), melhor que os mecanismos políticos, permitindo assim o
verdadeiro controle e identificação das preferências dos cidadãos.
Neste paradigma a participação é qualidade do indivíduo isolado,
relegada a micro-espaços (escola, igreja etc.), recaindo quase totalmente sobre a
dimensão técnica dos projetos, despolitizando os cidadãos que serão vistos agora
como clientes e consumidores. A onda de reformas não só deixou de enfrentar uma
atuação auto-referenciada da administração pública burocrática, como aumentou o
déficit de participação e controle social ao substituir o condenável clientelismo da
política tradicional pelo controle das leis do mercado.2
Além de modalidades distintas o processo participativo pode ser
considerado conforme os vários estágios de implantação. Ricci (2004) sugere uma
tipologia de três fases, no contexto da participação local:
a) fase de legitimação: fase inicial que supõe a legitimação do processo
da participação como um processo decisório de governo e como lócus
de apresentação de demandas sociais e deliberação participativa de
ações públicas. Conquista-se a legitimidade no interior dos governos, o
reconhecimento e a incorporação dos ritos participativos na dinâmica
gerencial das organizações públicas assim como o reconhecimento
externo que se revela na capacidade mobilizatória e na
representatividade de conselheiros e delegados;
5

b) fase de efetividade: consolidada a legitimação junto ao governo e á


sociedade as pautas se unificam e se ampliam, além das demandas
imediatas inicia-se o debate sobre modelos de desenvolvimento e
políticas mais universais. Nesta fase começam a surgir programas e
agendas intersetoriais que abrangem a totalidade do território e
ultrapassam os limites dos organogramas governamentais, o debate do
planejamento se faz presente e inicia-se processo de maior
empoderamento das organizações sociais em redes e na
descentralização de políticas e serviços;
c) fase de institucionalização: criam-se novas estruturas de gestão,
monitoramento e avaliação das ações de governo, internalizando
formas, instrumentos e processos participativos (consultas, conselhos,
comunicação,...).
O conceito de “participação política” resulta, ele mesmo, de um processo
de evolução da compreensão da teoria política sobre a América Latina. O paradigma
clássico da análise da ação coletiva na América Latina consistiu no predomínio de
uma concepção que concebia a sociedade como articulação de diversas estruturas
interelacionadas (econômica, social, política etc.), seguindo leis que determinavam o
comportamento dos atores sociais. As sociedades podiam ser classificadas de
acordo com “fatores estruturais” determinantes em desenvolvidas ou
subdesenvolvidas, democráticas ou autoritárias, modernas ou tradicionais e assim
por diante. A mudança de padrões sociais ao longo da história ocorreria através de
etapas sucessivas de modernização. Nesta concepção os atores sociais são
definidos a partir de parâmetros externos a si próprios ou às suas circunstâncias,
são portadores a priori de algum papel ou missão histórica.
Nos anos oitenta este paradigma cedeu cada vez mais terreno para um
outro tipo de análise que abandonava a visão monolítica e determinística da
sociedade, o que implicou na adoção de várias hipóteses explicativas. Em comum a
todas elas a noção de que as relações entre economia, política, cultura e sociedade
são definidas por esquemas flexíveis, sem uma determinação universal, mas
sujeitas aos momentos históricos e contextos específicos de cada região ou país.
Os processos sociais por sua vez começam a ser vistos com mais
autonomia em relação à sua “base estrutural”. Assim determinada sociedade possui
uma “matriz sócio-política” única e definida, sintetizando um modo específico de
configuração entre Estado, sociedade, partidos políticos, sociedade civil e base
6

social3. Nesta concepção analítica o papel do ator social que atua politicamente
assume importância chave porque ele não é mais tributário de um estrutura fixa, ao
contrário, cria suas próprias circunstâncias históricas, possui densidade, identidade
e alteridade. Não há mais um único sujeito da ação histórica, predestinado a cumprir
um papel modernizador, seja ele um partido político ou movimento social. Há vários
sujeitos, assim como há vários sistemas de dominação produzidos pela crescente
autonomização da esfera política, social e econômica.
Neste embate teórico e prático surgiram novos eixos para a ação coletiva
na América Latina. O primeiro e mais importante foi à democratização política
implicando no retorno da dinâmica conflitiva de sujeitos sociais novos como
movimentos sociais, populares, étnicos etc., junto com partidos políticos – que
ganham maior protagonismo – e a reconstrução de organizações estatais.
Entretanto, nossa democracia é débil e os sistemas de representação são frágeis,
há uma infinidade de pontos na agenda de transição que não foram completados.
Há um desencanto crescente de parcela significativa da população com as a
ineficácia dos mecanismos clássicos de representação para mudar o modo de vida.
Duas décadas de democracia em muitos países não mudaram
substancialmente o quadro de injustiça social, concentração de renda e atraso
econômico. Um segundo eixo são as lutas pela democratização social e pelos
direitos da cidadania, assumindo a forma dos direitos políticos, econômicos ou
sociais. A incorporação de minorias, as lutas étnicas ou de gênero, o direito à
informação, ao ambiente etc., Movimentos da juventude, periferias urbanas e uma
gama enorme de lutas específicas e pontuais entram nesta agenda. Um terceiro eixo
mobilizador poderia ser chamado de “a disputa pelo modelo de desenvolvimento”, no
contexto da globalização. Neste último caso a ação coletiva é pautada ou pela
defesa de condições ameaçadas, por exemplo, na privatização de serviços públicos
gratuitos ou pela proposição de novas agendas capazes de recompor a intervenção
estatal em setores estratégicos.
Na esfera não estatal ou associativa o Brasil transformou-se radicalmente
nos últimos quinze anos. Entre 2002 e 1996 o número de fundações privadas e
associações sem fins lucrativos cresceu 157%. Mais de 70% das ONGs atuais foram
criadas na década de noventa. As organizações ligadas às lutas ambientais e à
defesa de direitos foram multiplicadas por quatro no mesmo período. Este tipo de
organização representava 17% do universo associativo não-estatal brasileiro em
2002, num universo de 276 mil organizações (Rezende e Tafner, 2005). O fenômeno
ainda é mais presente nas regiões mais ricas e urbanizadas do país, o sudoeste
7

concentrava 44% e a região Sul 23% das associações sem fins lucrativos,
mostrando forte correlação entre nível de desenvolvimento e grau de associativismo.
Outro sintoma claro de expansão do processo participativo no Brasil foi o
rápido crescimento dos conselhos de políticas públicas pós-Constituição de 1988.
Na maioria dos casos os conselhos têm composição bipartite, metade governo e
metade sociedade civil como são os Conselhos de Assistência Social ou
Desenvolvimento Rural Sustentável. No caso da saúde metade são organizações de
usuários, 25% de instituições prestadoras de serviços e o governo tem somente os
25% restantes. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o IPEA,
vinculado ao Ministério do Planejamento, o Brasil tinha em 2005 aproximadamente
6.000 conselhos na área da saúde, 3.000 na área da criança e adolescente e 4.671
conselhos no setor de assistência social (Rezende e Tafner, 2005). Para estes
autores o Brasil possui hoje todas as características de uma sociedade com estatuto
democrático: liberdade de opinião, de ir e vir, de crença, iniciativa econômica etc. O
problema central está na incapacidade do Estado em garantir a efetividade deste
estatuto, atribuindo-lhe a necessária universalidade e concretude para crescentes
parcelas da população.
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PORQUE MANTER (E APROFUNDAR) A PARTICIPAÇÃO É TÃO DIFÍCIL?

A participação política na democracia liberal apresenta limitações


importantes. A proliferação de centros decisórios, corporações e associações muitas
vezes transforma a arena política em palco para grandes acordos que ultrapassam a
dinâmica da mera representação eleitoral, parlamentar etc. Além do mais, as
relações sociais são normalmente hierárquicas e verticais, as instituições (família,
religião, escola etc.) reproduzem relações de subordinação e desigualdade real há
séculos. A liberdade individual restringida ao exercício do voto periódico – que é
recente na história destes povos – não muda este quadro, pelo contrário, garante
sua perpetuidade e consagra o domínio político das classes proprietárias através do
voto clientelista. Neste contexto o enfraquecimento do papel do Estado e a dinâmica
econômica pós-setenta (precarização do trabalho, informalização das organizações,
fragmentação das relações sociais,...) estimularam a produziram novas identidades
sociais e novas narrativas no vácuo da crise de representatividade da democracia
eletiva-liberal. Um certo “comunitarismo republicano” (Nogueira, 2004) determinou os
primeiros momentos da retoma dos movimentos pela democracia direta no Brasil e
na maioria dos países latino americanos pós ciclo autoritário.
O grande dilema tem sido conciliar dinâmicas de mobilização coletiva,
fundadas no conceito de “bem comum”, com a valorização da liberdade individual
em sociedades multiculturais, fragmentadas politicamente e com sistemas
complexos de socialização. No debate contemporâneo das contradições e
convergências entre democracia representativa e democracia direta surgem um
novo conceito de democracia, a “democracia deliberativa”, combinando formas
representativas com efeitos compensatórios baseados no exercício amplo da
democracia direta, de uma racionalidade comunicativa e uma disposição
permanente para o diálogo e a construção de consensos sociais.
Até os anos oitenta podia-se identificar no Brasil, pelo menos dois
formatos predominantes de participação, a sindical, relacionada ao mundo do
trabalho, sindicatos, associações profissionais e outra, comunitária, relacionada às
lutas de bairro, nas associações de moradores e amigos de bairro. Nos anos
noventa assistiu-se a uma reconfiguração do tecido associativo4. Sua diversificação
e complexidade aumentaram extraordinariamente, multiplicaram-se as organizações
sociais, os movimentos de natureza religiosa e surgiram novos sujeitos no
9

movimento feminista, ambiental, cultural etc., formando redes e fóruns de articulação


nacional e regional. Esta ausência de centralidade, uma verdadeira poliarquia de
atores sociais, por um lado expressa a riqueza de um novo momento, mas
acrescenta novas dificuldades na formação de consensos, unificação das pautas
reivindicativas e propostas unitárias.
A crescente diversificação de formas participativas e grupos de interesses
nem sempre amplia a participação para o sentido político ou politizante. Um
processo de espetacularização e uso midiático dos fenômeno participativo tende a
convertê-lo em simples processo gerencial, capaz de diminuir os “custos de
transação” implicados na legitimação dos governos e execução das políticas
públicas. Infelizmente não são poucos os casos em que mobilizações e processos
participativos terminam absorvendo responsabilidades estatais ou internalizando
custos que de outra forma deveriam ser coletivos e universais. O ritmo de
proliferação de “organizações não-governamentais”, pretensamente representantes
ou interlocutoras dos movimentos sociais que, no curso dos processos de
descentralização administrativa (desde a Constituição de 1988), assumiram a
execução de políticas públicas assistenciais comprova este fenômeno. No Brasil há,
em média, 5 a 7 conselhos municipais criados no momento pós-Constituição. É
verdade que a maioria não tem poder efetivo (são órgãos consultivos), não decidem
sobre orçamento e não exercem controle social efetivo5. Esta forma de participação
poderia ser chamada de “participação gerencial”, definida nas palavras de Nogueira
(2004):
...está se constituindo outro tipo de participação que se orienta por uma
idéia de política como “troca” entre governantes e governados: quanto mais
interações cooperativas existirem, melhor para o sucesso eleitoral e a
legitimação dos governantes e melhor para os grupos sociais envolvidos,
que podem assim ver atendida parte de suas postulações. Creio ser
possível chamar esse conjunto de práticas e de ações de participação
gerencial...é inegável que a participação gerencial contém importantes
elementos potenciais de democratização. De um modo ou de outro ela se
põe no terreno mesmo do processo decisório , por isso, pressiona em favor
de sua “desilitização”, de seu alargamento e de sua inclusividade. (p. 142)

Nogueira alerta para o risco de “administrar” a participação, tutelando sua


espontaneidade e evitando sua radicalização. Seria uma forma de participação
manipulatória que impede o acesso dos participantes (a sociedade civil) às questões
centrais do poder ou do governo, em nome da “complexidade técnica”, talvez pelo
temor da perda de controle por parte dos governos de suas prerrogativas de mando
10

e poder. Contemporaneamente os movimentos sociais tem enormes dificuldades de


unificar suas pautas de luta. O fim do período de transição democrática e de um
antagonista claro (os governos autoritários) acabou também com princípios
unificadores das lutas dos movimentos sociais . Além disto, parece ainda predominar
por força da retomada do liberalismo ou ausência de alternativas políticas mais
progressistas um conjunto de não-incentivos à ação coletiva.
O domínio de lutas corporativas e defensivas, o poder da mídia na
manipulação da opinião pública, a crise de representatividade de partidos e
instituições republicanas, a baixa institucionalização de movimentos populares e a
crise crescente de atores tradicionais como os sindicatos são alguns sintomas desta
conjuntura problemática. Os partidos políticos que deveriam por excelência serem
portadores de projetos gerais de sociedade, de um modo geral perderam sua
capacidade de mediação e intermediação entre sujeitos individuais e coletivos. O
marco legal de organização partidária por vezes induz à corrupção, não assegura
democracia interna e a representação social, cada vez mais complexa e difusa. Os
partidos de um modo geral não são “educadores coletivos” no sentido gramisciniano,
pelo contrário, não se constituem em “escolas de governo”, nem acumulam
capacidade para governar.
Além disso, os sistemas presidencialistas vigentes obrigam à realização
de coalizões que asseguram a governabilidade à custa da desfiguração
programática e do “clientelismo orçamentário”, fraudando, em última instância, o
processo de escolha eleitoral. A situação dos parlamentos latino americanos não é
diferente. Ao contrário, as distorções de representação, os regimentos não
democráticos, a ausência de transparência e os clientelismos de toda ordem
desconstituem progressivamente a cultura republicana e transformam as casas
legislativas num ambiente hostil a pratica participativa.
A participação na sua modalidade política, como já foi assinalado, está no
centro dos debates e das disputas sobre a reforma do Estado e no modo de fazer
política na modernidade. Ela tem limites de toda ordem, desde aqueles mais
estruturais como o risco de ser institucionalizada e “capturada” pela dinâmica
burocrática, até os mais conjunturais como a manipulação eleitoral ou partidária que
lhe rouba autenticidade e autonomia. Além disso a participação supõe custos de
oportunidade vinculados por exemplo, ao tempo que as pessoas utilizam para se
envolver no processo (reuniões, viagens etc.), além de custos de aprendizagem,
11

emocionais, psicológicos etc. Um outro limite ou distorção possível do processo


participativo já mencionado antes é a transferência de responsabilidades estatais
para a sociedade civil. Não é estranho que num contexto de carências absolutas e
crescentes que no seio da própria sociedade civil tenha proliferado redes de ajuda,
movimentos pelo voluntariado social e iniciativas pela responsabilidade social de
empresários, o problema é tudo isto resultar somente em filantropia e caridade.
Nesta situação precária a noção de direitos pode sucumbir lentamente à lógica da
prestação de serviços por ONGs ou outras organizações não estatais, inclusive
privadas, fragilizando a percepção dos direitos de cidadania. Este fenômeno acaba
por desresponsabilizar o Estado, transferindo para os mecanismos mercantis a
solução do provimento dos serviços.
Pode-se identificar obstáculos na qualidade do processo participativo ou
em seus protagonistas. Talvez a maior qualidade dos processos participativos na
gestão pública (a participação política) resida na sua capacidade de representar com
legitimidade amplos setores da população e vocalizar interesses reais dos
beneficiários. Quando esta representação se mostrar problemática porque não logra
efetividade, por exemplo, processos que perdem quorum ou são viciados por grupos
internos de interesse. As barreiras técnicas relacionadas à complexidade das
matérias ou dificuldades de comunicação podem servir para manipular o processo
ou transformá-lo em simples instrumento para chancelar decisões pré-existentes, de
governos ou partidos (como “correias de transmissão”).
Daí a importância de estabelecer regras procedimentais que regulem os
processos participativos na medida em que eles mesmos se tornam sustentáveis,
mais perenes e sistemáticos. Aqui surge uma tensão natural com instituições da
democracia representativa, na medida em que pode surgir uma forma de “captura”
dos movimentos sociais ao formalizar fóruns participativos. Muitas vezes quando a
capacidade de “auto regulamentação” dos processos participativos entra em choque
com mecanismos da democracia representativa (os parlamentos, p. ex.) surgem
sérias restrições à institucionalização da participação.
Outro problema, não propriamente um limite, mas uma condicionalidade
inevitável, são as diferentes escalas onde pode operar a gestão participativa. Em
linhas gerais quanto maior a complexidade das formas de governança e dos
públicos beneficiados, maiores serão as restrições para processos participativos
efetivos. Esta restrição é grave quando por falta de resultados ou conquistas
12

efêmeras os processos participativos em escala nacional rapidamente conduzem a


um certo desencanto dos envolvidos e abandono das mobilizações. Em nível
nacional, por exemplo, o processo de gestão participativa ocorre com mais
intensidade em temas definidos ou espaços (jogos sociais) delimitados
setorialmente. A dependência de articulação entre formas diretas e representativas
de democracia, em âmbito nacional parece ser decisiva. Fica evidente, por exemplo,
que a experiência dos “orçamentos participativos” implementados por
administrações locais de partidos de esquerda no Brasil, durante os anos oitenta e
noventa, não seria facilmente transferível para a esfera federal. Até 2004 havia 195
municípios brasileiros onde o orçamento participativo estava em funcionando,
incluindo algumas capitais importantes como Porto Alegre, São Paulo, Recife e Belo
Horizonte, reunindo anualmente só nestas cidades em torno de 200 mil
participantes.6 Para concluir esta rápida análise dos obstáculos à ampliação da
participação cabe relembrar uma abordagem já tradicional da ciência política nos
chamados “limites da ação coletiva”. Segundo as formulações já clássicas7 e
resumidas por Torres (2004). Pode-se listar as principais:
a) não-percepção: há inúmeras situações na vida cotidiana de não
convergência entre a ação imediata do indivíduo e seu interesse próprio
ou legítimo. Por ignorância das alternativas possíveis ou conseqüências
futuras de determinadas escolhas os indivíduos podem inclusive agir
contra seus interesses, dificultando ações coletivas onde esta não-
percepção tem mais chance de acontecer. Além disso, há sempre o
problema da informação assimétrica entre os vários atores sociais, o
foco muda conforme o posicionamento no tabuleiro do “jogo social”.
b) defecção: ocorre quando o cidadão abandona a ação coletiva em
função de uma avaliação custo/benefício mais favorável à ação
individual. Por apatia, descrença, acomodação ou inércia os benefícios
da ação coletiva são diminuídos ou seus custos aumentados. A opção
da classe média brasileira pela escola privada e o abandono das
mobilizações pela escola pública gratuita e de qualidade é usado como
exemplo desta limitação.
c) tamanho do grupo latente: quanto maior é o grupo e mais complexo o
mosaico e a composição de interesses de sub-grupos, mais marginal
será a contribuição individual. Se um grupo é muito pequeno, por outro
13

lado, os custos individuais de participação aumentam e os resultados


do processo tendem a diminuir. Exemplos desta restrição: o grande
número de abstenções eleitorais nos países onde o voto é facultativo, a
não participação em movimentos de massa etc. A figura do free rider ou
“carona” surge pois há um desestimulo a participação individual se os
benefícios da ação coletiva atingirão todos igualmente, participantes e
não-participantes, eles não podem ser individualizados. Custos
individuais, benefícios coletivos.
d) custos altos: o primeiro deles é a busca e manutenção de informação,
indispensável para qualificar a participação, sacrifícios pessoais, alto
grau de exposição individual, disponibilidade para travar conflitos e
conviver em ambientes hostis são alguns exemplos básicos.
e) lógica temporal: nos processos de participação política geralmente os
custos são imediatos e os benefícios de longo prazo, às vezes inter
geracionais, o exemplo da luta pela escola pública de qualidade vale
também neste caso: não seria razoável participar de fóruns, reuniões,
grupos de trabalho pensando somente na educação dos próprios filhos.
14

PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO: POSSIBILIDADE OU FICÇÃO?

Foi no contexto do pós-guerra que o planejamento se consolida como um


procedimento comum de governo, uma prática universalmente aceita vinculada à
necessidade de racionalização permanente dos serviços e da máquina pública. O
planejamento como organizador da ação pública nasce, assim, da necessidade
permanente de suporte e estímulo à atividade econômica privada. A solução de
problemas tais como o estímulo aos setores econômicos, a formalização do mercado
de fatores de produção no país ou o controle das relações sociais de produção já
constituíam tema de debate no governo Campos Salles (1898 – 1902).
O planejamento público tem sido ao longo da tortuosa construção do
Estado brasileiro fundamentalmente normativo e linear na sua concepção teórica e
metodológica de aplicação. Quase todo ele inspirado e nucleado por problemas de
inspiração no campo da macroeconomia. Reduzir o planejamento público a um
conjunto de técnicas de racionalização ou de alocação econômica foi o resultado
mais visível deste período. Segundo Garcia (2000) os anos de autoritarismo e
economicismo deixaram marcas profundas inclusive na Constituição Federal de
1988:
...A Constituinte...não consegue superar a concepção normativa e
reducionista do planejamento governamental herdada dos militares e seus
tecnocratas...mesmo com a democratização do país; com a política a ganhar
espaço e importância, com a multiplicação dos atores sociais, com o ritmo de
produção e difusão das inovações tecnológicas acelerando-se; com o
conhecimento e a informação conquistando relevância; com a comunicação
ascendendo à condição de recurso de poder e integração; e com a clara
percepção de que se ingressara em uma época de rápida mudança de
valores culturais; ainda assim, o planejamento governamental foi concebido
sob um enfoque normativo e economicista. (Garcia, 2000, p. 8)

As sínteses possíveis que resumem a construção do planejamento como


procedimento público até a transição para a democracia nos anos oitenta poderiam
ser resumidas nos seguintes pontos:
1) o planejamento é subordinado a uma ótica reducionista do ponto de
vista teórico que o limita ao manejo e operação de ferramentas de
organização estatal e/ou regulação de mercados privados ou setores
sob concessão federal ou estadual. Os exemplos mais nítidos deste
enquadramento teórico é a confusão comum entre o conceito de
planejamento no setor público com técnicas de racionalização de
15

trabalho ou processos produtivos, com o simples uso de ferramentas


gerenciais ou técnicas de organização & métodos transplantadas para
a área pública.
2) o viés econômico-normativo praticamente organiza todo processo de
planejamento. Apesar da ampliação das funções do IPEA nos anos
oitenta e da criação de uma Secretaria de Planejamento e
Coordenação vinculada diretamente ao centro político do governo
federal (Presidência da República), o tema permanece fortemente
vinculado à racionalidade econômica e corporativamente atrelado ao
quadro e as carreiras dos profissionais de economia. Os traços desta
característica podem ser identificados em todos os planos de
estabilização e crescimento Econômico (“planos” Salte, Trienal, PAEG,
PNDs etc.) e na limitação da atividade burocrática (produção de política
pública) à confecção da peça orçamentária anual, sendo esta,
profundamente normativa e formal. O antigo “Orçamento Plurianual de
Investimentos” (Lei 4.320/64 e Constituição de 1967) foi praticamente a
única “estratégia” de concretização e materialidade do processo de
planejamento estratégico público.
3) o planejamento no setor público, como de resto as demais políticas
públicas têm a marca genética da exclusão, da não-participação e da
ausência absoluta de controle social sobre seus meios e fins. A nossa
cultura política impregnada de golpismos e práticas autoritárias que se
expressam na cidadania restringida e regulada, na fragmentação do
aparelho de Estado e no enorme fosso que separa sociedade civil da
sociedade política fez das práticas de planejamento reduto inatingível
aos grupos organizados ou aos simples cidadãos. O economicismo, a
ausência de metodologias mais flexíveis, o jargão tecnicista em muito
contribuíram para excluir qualquer possibilidade participativa na prática
de planejamento público, mesmo naquele estritamente vinculado ao
tema urbano-espacial na esfera municipal8.
No decorrer dos anos oitenta a redemocratização do país e o
aprofundamento da crise econômica expuseram totalmente a crise do Estado. As
principais características do funcionamento estatal no regime militar deixavam de
atender às novas demandas sociais: centralidade excessiva, pouca capacidade
16

gerencial, ineficiência na prestação de serviços, ausência de mecanismos


democráticos de controle e participação, corrupção, burocracias “feudalizando”
setores públicos etc. O padrão de reforma do Estado neste período foi caracterizado
pelo “reformismo reducionista e quantitativo” (Nogueira, 1998) centrado na redução
de cargos, normas, salários, competências e no formalismo de suas medidas, quase
todas sem resultados práticos ou permanência institucional.
O planejamento público ficou restrito à elaboração do Plano Plurianual
(PPA), dispositivo previsto pela Carta de 19889. O primeiro PPA (1991/1995) foi tão
ineficaz quanto emblemático do estágio final do planejamento na esfera pública,
94,6% dos investimentos foram paralisados durante o plano (Garcia, 2.000). O
segundo PPA (1996/1999), segundo o mesmo autor “ alcança, quando muito, o
caráter de um plano econômico normativo de médio prazo” (Garcia, op.cit., pág. 14),
quando somente 20% dos programas atingem mais de 90% execução.
Alguns fatores conjunturais fizeram da elaboração do terceiro Plano
Plurianual (2000-2003) da União um momento qualitativamente diferenciado10. As
causas da renovação metodológica positiva podem ser identificadas nos seguintes
fatores: (a) a formação de um Grupo de Trabalho no Ministério do Planejamento, em
1997, mais amplo e representativo envolvendo entidades não-governamentais como
a Associação Brasileira de Orçamento Público (Abop) e o Instituto de Administração
Municipal (Ibam), (b) a experiência recente do Executivo federal de melhoria da
eficácia gerencial com o programa “Brasil em Ação” em 1996 (que pinçou 42
projetos especiais do PPA anterior), (c) uma conjuntura de estabilidade monetária
favorecendo o uso gerencial do orçamento e da contabilidade pública, num governo
que já acumulava quatro anos de mandato e – fator fundamental – (d) o uso de
técnicas mais potentes e modernas de planejamento estratégico no setor público.
Entre as principais modificações conceituais e operacionais podemos listar
(a) a categoria “programa” foi considerada o elo de vinculação entre plano e
orçamento, (b) desenho de programas a partir da identificação de problemas ,(c)
aprofundamento da natureza gerencial do planejamento – simplificação da taxionomia
orçamentária, flexibilidade na classificação funcional-programática, uso da categoria
“função” e “ sub-função” definindo políticas governamentais – e (d) identificação de
produtos e metas por projetos e ações, com indicadores, gerentes específicos por
programa11. A seguir um esquema do processo decisório que embasa a elaboração
dos Planos Plurianuais, a referência é o procedimento de 2008.
17

Quadro

Em síntese, apesar do avanço metodológico e conceitual dos


instrumentos de planejamento federal, a ausência de modificações profundas nas
relações políticas internas e a permanência das práticas de gestão tradicionais, com
a permanência do desenho organizacional normativos ainda fazem deste processo
uma tarefa inacabada. A capacidade de planejamento do Estado brasileiro não
reside exclusivamente na elaboração e execução dos PPA, ainda que este
instrumento seja por excelência o organizador geral das ações estratégicas. Há
exemplos recentes, alguns bem sucedidos no plano setorial, como a “Política,
Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior” (PITCE), lançada em 2003 e a atual
“Política de Desenvolvimento Produtivo” (PDP), lançada em 2008, ambas sob
responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
(MDIC) ou o “Plano de Ação 2007-2010: Ciência, Tecnologia e Inovação para o
Desenvolvimento Nacional” do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). Estas
políticas, contudo, na sua elaboração, avaliação e implementação contaram com
pouco ou quase nenhum enfoque participativo.
No primeiro mandato do Governo Lula, entre 2003 e 2006, aconteceu um
verdadeiro surto de conferências nacionais temáticas, foram 32 em 24 áreas
temáticas diferentes com participação de aproximadamente dois milhões de pessoas
nos três níveis da federação. Apesar do evidente mérito destas iniciativas (motivação
ao debate, viabilizar encontros etc.), elas se constituíram mais com processo de uma
mobilização convocada pelo Estado que espaços de formulação de políticas públicas
de forma participativa. As resoluções das conferências de um modo geral, não
repercutiram efetivamente nas políticas, nem houve partilha de poder decisório, em
parte, também, pelo imobilismo da Sociedade Civil (Souza, 2008).
18

METODOLOGIAS PARTICIPATIVAS DO PLANEJAMENTO: ATÉ ONDE IR?

Quando se trabalha com enfoques participativos de planejamento o


central quase sempre é a questão do poder, não de quais métodos, instrumentos ou
técnicas de visualização ou dinâmicas de grupo se trabalha. Métodos existem
muitos, uma infinidade de siglas com suas explicações labirínticas e enigmáticas,
apanágio de consultores nem sempre bem intencionados12. Não é incomum
descobrir de vez em quando organizações aparentemente sérias utilizarem
instrumentos ligados às ferramentas da “Qualidade Total”, como o PDCA ou o
SWOT, técnicas de piscodrama ou ainda o BSC13 e chamarem isto de “planejamento
participativo”. Há muita confusão entre uso de instrumentos e teorias explicativas,
opções políticas e ideológicas e método. Podemos usá-los em distintas situações,
para planejar as atividades escolares de uma escola pública no interior do Rio
Grande do Sul ou para planejar a política industrial do Brasil, a ser incluída no
próximo Plano Plurianual, a escala é apenas uma das variáveis envolvidas.
Muitos pensam que o caráter participativo do planejamento resulta do
número de pessoas envolvidas, bastaria encher salas com funcionários ou
moradores e pendurar algumas cartelas escritas nas paredes com “pontos fracos e
fortes” e pronto. Outros pensam que a liberdade para dar sugestões e opiniões – ao
estilo bottom up –, seria suficiente para compromenter as partes envolvidas. Na
verdade, a imensa maioria dos processos ditos “participativos” de planejamento de
projetos ou políticas, na melhor das hipóteses, não passam de processos
informativos, de terapia grupal ou de mera consulta. Por certo carregam méritos e
valores, mas não são processos autênticos de “planejamento”, nem de participação
como parceria, delegação ou controle cidadão, como já definiu há trinta anos Sherry
Arnestein na sua conhecida “ladder of citzen participation” (Arnsetein, 1969).
A seguir enumeramos três critérios básicos para distinguir processos de
planejamento participativo dos “não-participativos”, supondo, é óbvio, que entre uma
e outra gradação nesta escala possam existir infinitos pontos de combinação entre
graus de participação com tipos e enfoques de planejamento (seja ele estratégico,
tático ou operacional).
1) Empoderamento dos participantes e das arenas de disputa e
pactuação: a “participação” aparece na agenda do debate sobre
governo e Estado “só” porque há uma distribuição não equitativa do
19

poder. Não precisamos fazer um debate sobre a origem e reprodução


do sistema capitalista para saber que os processos de produção de
políticas públicas e de governo em geral são profundamente
concentradores do poder político, desiguais e não equitativos. Assim,
processos de planejamento que não resultem de situações prévias de
empoderamento de seus participantes, não são, de fato, participativos.
Ou melhor, serão participativos tanto quanto maior for o grau de
empoderamento, de autonomia, de capacidade de valer suas decisões
e quiça de institucionalização da vontade dos participantes. Neste
sentido, o tema da “participação” é um problema que a rigor, se resolve
antes da aplicação de técnicas, ferramentas ou instrumentos de
planejamento, não durante, muito menos depois. Planejar sem poder é
deixar-se manipular, participar de um simulacro democrático.
2) Comunicação e transparência de procedimentos: todo processo
participativo é um processo comunicativo. Sem livre fluxo das
informações e a possibilidade do encontro entre as diferenças de
visões de mundo, posicionamento, atitudes e posturas, que a
socialização da informação proporciona, não há participação. Esta é
uma condição necessária para equalizar o saber e o conhecimento,
anular a diferença de poder representada pela posse do saber
acadêmico ou intelectual. Todo processo participativo pressupõe
ambientes, regras e instituições que favoreçam a negociação, a
formação de pactos e consensos – o que obriga a exposição pública e
processamento público de conflitos e divergências. Para que a
negociação aconteça a comunicação qualificada é imperativo básico, a
capacidade de expressão, a capacidade de escuta, a retórica acessível
ao homem comum.
3) Mecanismos de monitoramento e avaliação de resultados auto
constituídos e regulados: Se os participantes não tiverem
mecanismos de responsabilização pelos resultados esperados do
planejamento, não há participação, no máximo o que ocorre é uma
“encenação participativa”, um engodo. Se não como cobrar e prestar
contas, a própria necessidade do planejamento – como método de
governo – se desvanece e torna-se desnecessária. Seria melhor
20

administrar conforme as circunstâncias, um dia depois do outro. O


processo participativo não garante, per si, eficácia da ação coletiva
(pública ou não). Seria uma ilusão substituir o “planejamento sem
participação” pela “participação sem planejamento”, isto é, sem domínio
da “boa técnica” que se requer para avaliar os outcomes e os outputs
planejados, decidir o que fazer para corrigir desvios, mudanças de
cenários e estratégia de stakeholders, por exemplo.
Algumas metodologias atendem a estes quesitos com mais ou menor
ênfase, a seguir vamos comentar três delas sinteticamente através de um quadro
comparativo com algumas categorias. São elas o Planejamento Estratégico e
Situacional (PES), o Planejamento de Projetos Orientado por Objetivos (ZOPP) e o
Método do Quadro Lógico (MQL).
21

PES ZOPP Quadro Lógico


Agência de cooperação técnica dos
Início dos anos oitenta. Início da década de 80. Órgão de Estados Unidos, USAID, 1969.
Elaborado por Carlos Matus, economista cooperação técnica alemão (GTZ). Agência canadense de cooperação,
chileno. Baseado no Quadro Lógico. CIDA, 1975.
Origens
Introduzido no Brasil nos anos oitenta no Combinando técnicas de visualização Utilizado por bancos de fomento e
governo federal, movimento sindical e (Metaplan) e participação dos organismos de cooperação.
algumas prefeituras. envolvidos. Não participativo no seu início.
Base para vários métodos.
Aumentar a capacidade de governo e a Desenvolver projetos com Clareza nos resultados dos projetos.
Objetivos governabilidade. participação dos beneficiários. Estabelecer relações claras de
Construção da estratégia de poder. Responsabilização coletiva. causalidade e lógica.
O método é seqüencial, embora
O método é seqüencial, lógico e
recursivo. Tem vários formatos e nomes,
estruturado em fases evolutivas.
Características Ênfase nos conceitos e não nas dependendo de quem o patrocina.
Focado no envolvimento dos atores.
básicas ferramentas e técnicas. Lógica seqüencial e linear. Focado em
Usa visualização e dinâmicas de
Influencias da teoria dos jogos e dos monitoramento e avaliação.
grupo.
sistemas.
Objetivo Superior.
Momento Explicativo, Normativo, Diagnóstico das instituições, dos
Objetivo do Projeto.
Estratégico e Tático Operacional. problemas e dos atores (análise de
Resultados.
Categorias centrais Foco na explicação do problema. envolvimento).
Atividades.
Muita ênfase na análise estratégica Análise de Problemas (árvore).
Análise de Pressupostos.
(cenários, atores e poder). Matriz de Planejamento do Projeto.
Indicadores e Fontes de Verificação
A aplicabilidade depende muito do grau A aplicação do método é simples,
É de aplicação simples e direta.
de expertise do moderador. direta e envolvente.
Operacionalidade Depende do acesso à informações do
Depende do grau de coesão e Presença de facilitador ou moderador
projeto.
homogeneidade do grupo. é necessária.
É muito simples, não atende projetos
complexos.
Método complexo, recomendado para
É adaptado para o nível de projetos, Depende de facilitador ou moderador.
Dificuldades problemas ou organizações complexas.
não do planejamento. A lógica horizontal nem sempre é
teóricas e Requer relativamente mais tempo de
Não aprofunda reflexão institucional evidente.
metodológicas reflexão e debate interno.
ou organizacional, nem da estratégia. Dificuldade para analisar pressupostos –
Não é de fácil assimilação institucional.
ferramentas muito simples ou
inexistentes.
Quadro comparativo
22

CONCLUSÕES

A proposta deste artigo foi problematizar a prática do planejamento


público e discutir a possibilidade de metodologias alternativas centradas na
participação das pessoas, dos envolvidos ou como alguns métodos denominam as
“partes interessadas”. O fato é que nem nas democracias maduras a
institucionalização de mecanismos participativos permitiu maior equidade na
distribuição do poder, pelo contrário, a formalização dos espaços públicos, não
estatais, parece alimentar a roda da burocracia e do congelamento do debate e do
livre pensar.
Há mil formas de participação e mil formas de manipulação também,
raríssimos são os casos no Brasil onde houve um casamento perfeito entre
planejamento e participação, pós redemocratização. De todo modo a opção pela
ampliação de arenas decisórias com delegação efetiva de poder (não confundir com
descentralização administrativa), parece ser uma questão muito mais prática e
menos teórica. O planejamento, como método de governo, parece estar sempre
numa encruzilhada ontológica, ou serve como legitimador da exclusão e da
concentração do saber, ou como instrumento de equalização do poder. É certo que
o problema da participação não é um problema de escolha metodológica e por isso,
não pode ser resolvido no campo epistemológico. Trata-se sempre de um
posicionamento político e existencial prévio, do agente político no Estado ou do ator
coletivo nos movimentos sociais.

“Utopia ... ella está en el horizonte. Me acerco dos pasos, ella se aleja dos pasos. Camino
diez pasos y el horizonte se corre diez pasos más allá. Por mucho que yo camine, nunca la
alcanzaré. Para que sirve la utopia? Para eso sirve: para caminar”.

Eduardo Galeano, Las palabras andantes.


23

REFERÊNCIAS

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latinoamericana. Buenos Aires: CLAD, BID, 2000.

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SOUZA, C. H. L. Partilha de poder decisório em processos participativos


nacionais. Dissertação de Mestrado, Instituto de Ciência Política. Brasília:
Universidade de Brasília, 2008.
24

SOUZA, U. Orçamento participativo, do município ao Estado. Governo e


Cidadania. Balanço e reflexões sobre o modo petista de governar. MAGALHÃES, I.;
BARRETO, L.; TREVAS V. (organizadores). São Paulo: Fundação Perseu Abramo,
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TEIXEIRA, A. C. C. Os sentidos da democracia e da participação. Anais do


Seminário. São Paulo: Instituto Polis, Publicações Polis, 47, 2005.
___________________________________________________________________

AUTORIA

Jackson De Toni – Economista, Mestre em Planejamento Urbano e Regional (UFRGS), doutorando


em Ciência Política (UnB). Gerente de Gestão e Planejamento da Agência Brasileira de Promoção de
Exportações e Investimentos (ApexBrasil) e professor universitário.
Endereço eletrônico: jdetoni@uol.com.br

NOTAS
1 A seções e n “A participação social no planejamento
s primeiras deste artigo stão baseada em o trabalho:
governamental, a experiência do Governo Lula, Brasil presentado ao “XI Congreso del CLAD”, Cidade da
”, do autor, a
Guatemala, 2006 ( ).
www.clad.org.ve
2
Cunill Grau (2004), após analisar as experiências da Bolívia, México e Colômbia, argumenta – na
direção oposta das reformas recentes – que o reconhecimento do controle social como um direito
poderia dar força e legitimidade ao princípio de que nenhuma agência pública (seja estatal ou não)
deva ser subtraída do debate público e que a designação pelo Estado dos sujeitos deste debate
pode ser problemática.
3
Garretón, 2001.
4
Alves, Orlando, “Dilemas e desafios da governança democrática”, em Teixeira, 2005.
5
A Constituição Federal no Brasil consagra quatorze princípios participativos, com destaque para os
mecanismos de participação relacionados à saúde, assistência social, crianças e adolescentes. Isto
permitiu nos últimos anos a consolidação de aproximadamente cinco mil conselhos municipais de
saúde e dois mil conselhos de assistência social.
6
A literatura sobre a experiência do “orçamento participativo” já é abundante, para entender os
mecanismos de funcionamento do “OP” pode-se consultar SOUZA, U. (1999), FEDOZZI, L. (1997) e
PIRES, V. A. (2001).
7
Olson, Mancur. A lógica da ação coletiva. Edusp, S. Paulo, 1999, aqui resumidos por Torres, 2004.
8
Uma tentativa de mudança e inovaç metodológica no planejamento urbano pode ser encontrada no
Planejamento Estratégico de Cidades (PEC), originado da experiência de Barcelona (1.988) e
divulgado pelo Centro Iberoamericano de Desarrollo Estratégico Urbano (CIDEU), criado em 1.993.
Ele incorpora a idéia da abordagem sistêmica, da negociação com atores sociais, da participação, e
de categorias de planejamento mais modernas: o marketing urbano, a atração de investimentos, do
empreendedorismo urbano, a participação, redes locais etc.
9
Os precedentes do PPA podem ser encontrados no Orçamento Plurianual de Investimentos (Lei
4.320/64 e Constituição de 1967), vigorou até que a inflação nos anos oitenta neutralizasse
qualquer capacidade de orientação e integração entre plano e orçamento público. O PPA é maior
instrumento de planejamento governamental, previsto pela Constituição Federal (artigos 195 a 167
), prevê diretrizes, objetivos e metas da administração pública para despesas de capital e outras
25

delas decorrentes e para despesas relativas aos programas de duração continuada, trabalha com
prazo de quatro anos.
10
Pode-se consultar para maiores detalhes: “Manual de Elaboração e Gestão” e “Procedimento para
Elaboração de Programas”, Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégica, Ministério do
Orçamento e Gestão, Brasília, 1.999.
11
Coutinho Garcia (op. cit.) apesar de elogiar os avanços obtidos aponta algumas falhas deste
processo: condicionamento negativo do inventário de obras pré-existentes no início da elaboração
do PPA, indefinição sobre o conceito de “problema”, viés fiscalista ao condicionar as dotações
iniciais à média das executadas em anos anteriores, não apropriação específica das despesas
administrativas às atividades-fins e problemas no uso de indicadores.
12
Para quem quiser se aventurar no labirinto das metodologias utilizadas em movimentos sociais,
governos e ONGs há o excelente trabalho de Markus Brose, “Metodologia Participativa: uma
introdução a 29 instrumentos”, da Tomo Editorial, Porto Alegre, 2001.
13
PDCA – Plan, Do, Check and Action, SOWT, Strenghts, Opportunities, Weakness and Threats e
BSC, Balanced Scorecard.

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