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27/10/2017 Memórias familiares sobre as dinâmicas de socialização e apoio materno às trajetórias de militância política contra a ditadura militar no B…

L'Ordinaire des Amériques


222 | 2017 :
Femmes et militantisme politique contre les dictatures en Amérique latine
• Les femmes entre les rôles traditionnels et les trajectoires du militantisme

Memórias familiares sobre as


dinâmicas de socialização e
apoio materno às trajetórias de
militância política contra a
ditadura militar no Brasil
Mémoires de famille sur la dynamique de socialisation et d’aide maternel à des trajectoires d’activisme politique
contre la dictature militaire au Brésil
Family memories on the socialization dynamics and maternal support for the political militancy trajectories
against the military dictatorship in Brazil

F C O ,J P
D C R ,J C F B ,
I F G -N F M
L C

Résumés
Português Français English
O trabalho buscou compreender as dinâmicas de socialização e apoio materno à trajetória de
militância política de sujeitos que se opuseram ao regime militar no Brasil (1964-1985). Para
tanto, foram realizadas dezenove entrevistas semiestruturadas com familiares de militantes e
com militantes opositores do regime. A partir da análise de conteúdo foram construídas duas
categorias temáticas: 1) Formação moral-político-ideológica; e 2) Figura de apoio. As memórias
pessoais e comuns dos entrevistados apresentaram a mãe como agente essencial para a formação
político-moral-ideológica, e posteriormente, como principal figura de apoio às trajetórias de
militância política. A influência materna repercutiu nas motivações e ações políticas da geração
seguinte, fomentando novas possibilidades e ampliando os lugares de atuação feminina no
cenário público. Dessa maneira, a investigação dessas experiências revelou facetas que colaboram
para a compreensão das relações de gênero em suas conexões com a pauta política, impactando
versões que compõem a memória histórica do período.

L’étude visait à comprendre la dynamique de la socialisation et de l’aide maternelle pendant la


trajectoire des militants politiques qui se sont opposés au régime militaire au Brésil (1964-1985).
Par conséquent, il y avait dix-neuf entrevues semi-structurées avec des membres de la famille de

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militants et activistes opposants au régime. De l’analyse du contenu, il a été construit deux
catégories thématiques : 1) La formation morale, politique et idéologique; et 2) Le personnage de
soutien. Les souvenirs personnels et communs des répondants ont montré la mère comme un
agent essentiel pour la formation politico-morale-idéologique, et plus tard comme le personnage
principal à l’appui des trajectoires de militantisme politique. L’influence maternelle fait écho
dans les motivations et les actions politiques de la prochaine génération, favorisant de nouvelles
possibilités et d’élargir le rôle féminin des places dans l’arène publique. Ainsi, l’enquête de ces
expériences a révélé des facettes qui contribuent à la compréhension des rapports de genre dans
ses relations avec l’agenda politique, éléments qui modifient les versions qui composent la
mémoire historique de la période.

This study aimed to understand the socialization dynamics and maternal support for the political
militancy trajectory of the people that protested against the military dictatorship in Brazil (1964-
1985). For this purpose, nineteen semi-structured interviews were performed with former
militants and their families. Based on the content analysis two thematic categories were defined:
1) Moral-political-ideological education; and 2) Person of support. The personal and common
memories of those interviewed showed the mother as the main figure of help and support to the
political militancy trajectory, and as an essential component for the moral-political-ideological
education. The maternal influence reflected on the political views and actions of the next
generation, fostering new possibilities and expanding the female participation in the public
sector, through the participation of mothers and relatives of amnesty and Human Rights
movements. Therefore, the research of these experiences revealed facets that collaborated to the
construction of new versions that defines the historical memory of that period.

Entrées d’index
Mots-clés : dictature militaire, mémoire sociale, les femmes, socialisation, militantisme
politique
Keywords : military dictatorships, social memory, women, socialization, political militancy
Palavras chaves : ditadura militar, memória social, mulheres, socialização, militância política

Notes de la rédaction
Financement CNPq et FAPEMIG.

Texte intégral

I/ Introdução
1 A ditadura militar no Brasil, instaurada entre os anos de 1964 e 1985, teve como uma
de suas marcas a intensa repressão e perseguição aos grupos de esquerda, movimentos
sociais e demais segmentos que contestavam a ordem autoritária vigente. Aqueles que
se opuseram sofreram amplas formas de violência psicológica e física, em que se
destacam as experiências de prisão e tortura. Tais dinâmicas repressivas atingiram não
apenas os grupos diretamente envolvidos em ações de protesto, mas também os seus
familiares, que tiveram suas vidas invadidas, modificando a participação social dos
mesmos e suas práticas sociais cotidianas.
2 Ao longo das trajetórias de militância, os familiares formaram verdadeira rede de
comunicação e apoio na busca de informações. A participação feminina nos
movimentos de denúncia e combate ao regime, bem como, pela garantia dos direitos de
parentes presos, mortos ou desaparecidos, promoveu modificações no lugar social da
mulher, impactando os cenários públicos e privados, o que ainda repercute no
tempo presente.
3 Este trabalho busca a compreensão de dinâmicas de socialização e apoio materno na
trajetória de militância e resistência de sujeitos que vivenciaram o período, e, neste
sentido, amplia sua investigação em relação a grupos que não representaram oposição
direta ao regime militar, mas que ainda assim sofreram as sevícias de suas
práticas repressivas.
4 Assim, buscamos a análise psicossocial de questões vinculadas às relações de gênero,
família e identidade em sua interconexão com o campo político na história recente do
nosso país. O estudo dessa temática é permeado pela complexa problemática da

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identidade em situação-limite (de ameaça física e/ou psicológica), vivida por todos os
que estavam envolvidos direta e indiretamente com as forças repressivas (Ferreira;
Catela; Colling; Carvalho, Padrós).
5 Durante esta etapa da história brasileira, não apenas os militantes políticos, mas
também, pais, mães, irmãos, companheiros, esposas, filhos e parentes tiveram suas
vidas invadidas, perseguidas e violentadas pela repressão, se tornando atores
importantes nos movimentos de denúncia e combate às arbitrariedades dos regimes de
exceção em toda América Latina. Muitas vezes, os familiares presos, mortos e
desaparecidos políticos, assumiram papéis inéditos no campo da política, das relações
de gênero na família e da participação nos movimentos sociais.
6 Mesmo com a abertura democrática, uma grande parcela dos opositores do regime,
por motivos diversos, não pôde assumir e contar suas próprias histórias, o que, segundo
Ferreira, mostra que a produção historiográfica e a própria constituição da memória
situam-se em um mesmo campo de relações de poder, no qual o discurso oficial e,
consequentemente, a “memória oficial” sobrepõe-se a outros discursos e memórias. É
possível, então, que um acontecimento ou um período histórico só possam ser mais
adequadamente recontados numa rede de discursos parciais, com seus atritos, pontos
de contato e independências.
7 Dentro desse quadro, alguns autores como Tanno, Padrós, Catela e Coimbra apontam
a importância dos depoimentos de familiares e militantes para a análise ampliada da
questão da violência e seus desdobramentos durante os períodos ditatoriais. Além de
revelarem histórias e dramas individuais e familiares que se entrelaçam e ganham
sentido no quadro da repressão militar, trata-se de inscrições subalternas na dinâmica
social, e, portanto, revelam aspectos obscuros desta realidade.

II/ Método
8 Esta pesquisa focalizou as relações entre mães e militantes, tendo sido realizadas
dezenove (19) entrevistas semiestruturadas com militantes do período e familiares de
militantes dos estados brasileiros de Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo e
Pernambuco, além do Distrito Federal. Após a assinatura de termo de consentimento
livre e esclarecido, as entrevistas foram gravadas e armazenadas em formato de áudio,
compondo um banco de dados de memória documental oral. O quadro 1 apresenta a
caracterização dos entrevistados quanto à condição de militância, parentesco,
organização política e tempo de militância.

Quadro 1: Caracterização dos entrevistados

9 As entrevistas foram submetidas a procedimentos de análise de conteúdo temática


(Bardin), quando a partir de sucessivas etapas de leitura e codificação, foi possível

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agrupar os elementos temáticos em categorias, que serão apresentadas e debatidas na


sessão a seguir.

III/ Resultados e Discussão


10 As memórias pessoais e comuns reveladas pelos entrevistados nos permitiram
construir duas grandes categorias temáticas: 1) Formação moral-político-ideológica; e
2) Figura de apoio. Os resultados são apresentados privilegiando o aspecto cronológico
da trajetória de militância dos opositores ao regime militar, e deste modo, a primeira
categoria revela a influência materna ainda na infância, em que os processos de
socialização são relembrados como substrato que fomentou a participação política de
seus filhos. Já a segunda categoria revela nuances do apoio materno e é organizada em
torno de duas subcategorias, que enfocam as ações/posturas maternas dos
entrevistados: 2.1: A mãe como suporte e mediadora de conflitos dentro da família,
2.2: Impactos da ditadura no contexto familiar e a atuação materna.
11 Nesse trabalho, assumimos a abordagem psicossocial da memória (Sá 2007, 2012)
como lente de análise para a construção de versões sobre as vivências do período.
Acreditamos que as instâncias pessoal, comum ou coletiva surgem como elementos que
compõem a memória histórica, e sendo assim, as memórias narradas, e aqui agrupadas
em nossas categorias, ainda que sejam apresentadas como relatos pessoais, trazem em
alguns casos lembranças comuns em relação a fatos vividos pelos entrevistados, e em
alguns casos, até mesmo podem tratar de memórias coletivas na medida em que tratam
de narrativas que puderam ser compartilhadas entre os pares.

1/ Formação moral-político-ideológica
12 Esta categoria apresenta elementos que na visão dos entrevistados compõem a base
dos valores, referências e representações negociadas no âmbito da família, bem como,
aspectos da relação de maternagem em que as mães apareceram como influência e
inspiração para seus filhos e filhas, que mais tarde se engajariam em trajetórias de
protesto, militância e resistência política, diretamente ou em consequência da atuação
de um familiar.
13 Nessa categoria focamos os aspectos lembrados sobre a trajetória das mães e suas
possíveis heranças no posicionamento político de membro da família. Ainda que estas
mães não tenham tido, em sua maioria, trajetórias de militância em sua juventude, os
relatos apresentam de forma comum, que estas fomentaram a mobilização das gerações
posteriores, sendo apreciadas como “figuras de resistência”, ainda que as mesmas
vivenciassem o cotidiano de relações de gênero tradicionais, o que as restringiam ao
espaço privado.
14 Neste trabalho compreendemos como em Rocha-Coutinho, Saffioti e Vaitsman, que
gênero é uma construção social acerca do feminino e masculino. Há, porém, certas
diferenciações sobre essa categoria, que para Scott, se configura como categoria de
análise histórica, devendo estar relacionada ao contexto em que é discutida. Para
Saffioti, há uma diferenciação entre gênero e patriarcado, pois essas construções sociais
do masculino e feminino não são neutras, assim o patriarcado seria a dominação,
exploração e opressão das mulheres, a partir de um modelo de organização em que o
homem é hierarquicamente superior, e por essa condição têm privilégios e
acessos diferenciados.
15 Para Rocha-Coutinho, a compreensão da categoria gênero deve levar em conta os
aspectos relacionais envolvidos na dinâmica entre masculino e feminino, na qual existe
um jogo de poderes, porquanto “o poder é relacional” (Rocha-Coutinho 18). Assim, a
autora ressalta que mesmo havendo uma desigualdade nessa relação, “em seu lugar de
subordinação na sociedade, as mulheres sempre articularam... formas de subsistir e
resistir a esse poder socialmente reconhecido dos homens na sociedade” (Rocha-
Coutinho 19).

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16 Embora as mães mantivessem uma atuação tradicional quanto ao papel da mulher, a


partir das memórias da infância e da descrição de processos de socialização percebemos
como as mães de militantes apareceram como influência, inspiração pessoal e
referência na construção de valores; sinalizando uma abertura que favoreceu
posteriores questionamentos e rupturas com os papéis tradicionais atribuídos e
permitidos às mulheres da época. Nos relatos observamos que as mães incentivavam a
escolarização de suas filhas concebendo a possibilidade de uma vida que ultrapassava a
realidade do casamento, com a aquisição de saberes acadêmicos e culturais, a partir do
acesso às obras com críticas a realidade.
17 As mães incentivavam a aquisição do capital cultural e político advindo do acesso a
este tipo de material, que ainda hoje é pouco explorado por jovens, e o contato com
essas e outras leituras e debates políticos em casa e outros espaços, bem como, a
inserção em grêmios estudantis – como primeira porta de entrada para muitas
mulheres na militância política – teve grande influência na formação sociopolítica
dessas mulheres, modificando sua visão de mundo, o que compreendemos como
elementos que favoreceram a entrada no mundo da política.
18 No relato das memórias pessoais da entrevistada Sílvia, temos um exemplo da
influência do núcleo familiar e da figura da mãe. Em sua casa, eram recorrentes
discussões que abordavam temas sócio-políticos “papai falava muito de política, da
Alemanha, da Segunda Guerra Mundial” (Sílvia, entrevistada), além de receberem
visitas de importantes políticos da cidade e seu entorno. A mãe, embora fosse a
responsável pelo cuidado dos filhos e da casa “era uma pessoa muito ligada nas coisas,
ela se envolvia em política, ela votava, ela discutia” (Sílvia, entrevistada). Sílvia acredita
que esse ambiente tenha contribuído para sua formação sócio-política, e para sua
compreensão da diversidade do mundo, fortalecendo mais tarde seu desejo de expandir
e ir além dos limites colocados. O estudo era também um princípio muito valorizado
por sua mãe, embora os irmãos homens não tenham sidos obrigados a estudar,
empregando-se em diferentes setores desde muito cedo para manter o sustento da casa
e posteriormente de suas próprias famílias. Para Sílvia, porém, o estudo seria a chave
para conhecer novos horizontes, “agradeço à mamãe, que sempre defendeu esse meu
direito... dava suporte para o meu desejo de estudar” (Sílvia, entrevistada).
19 O modelo tradicional de atuação feminina, nos cenários públicos e privados, surge
como um modelo a ser rompido, e é a geração das filhas que promove essa ruptura que
naquele momento não se apresentava como possível para as mães. Ainda assim, em
muitos casos as mães se apresentam como influência “não-tradicional” na socialização,
e elas sinalizam valores e atitudes conectados com as mudanças que se ensaiavam no
papel da mulher na sociedade:

(…) minha mãe... sempre foi uma pessoa superpolitizada, lia tudo, era muito
informada (...) ouvia sempre [escondida] Rádio Albânia e Rádio Havana, de Cuba.
(…) Então, eu sempre tive consciência de que esse regime totalitário (…) minha
mãe sempre teve a opinião dela, falava o que que achava, o que que não achava e
tal. Ouvia discurso no rádio (…) meu pai sempre foi mais alienado (...). quando ela
me encontrou depois de um tempão na cadeia, não sabia por onde eu andava e tal,
mas não fez cena. ‘Ah, que você não devia ter feito isso’, pelo contrário, falou que
se o pai dela tivesse vivo, ficaria super orgulhoso de mim (Rita, entrevistada).

20 Conforme o relato, a mãe expressa o orgulho pela militância da filha construindo


uma conexão com as realizações de seu próprio pai, que estariam sendo concretizadas
pela neta. Essa construção, além de apresentar um caráter protetivo para a identidade
do núcleo familiar, fomenta a elaboração de uma memória compartilhada
pelos envolvidos.
21 As memórias comuns dos participantes revelam que as mães não encabeçavam ações
políticas estruturadas contrárias ao regime, mas a postura delas no meio familiar, seja
fomentando uma visão de mundo crítica e ampliada, seja no exemplo de participação
na vida pública assistencial ou na valorização da educação das filhas como possibilidade
de empoderamento, possibilitaram desdobramentos nas ações diretas das próximas
gerações de mulheres:

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Nem me lembro do meu pai falar qualquer coisa da gente casar, [minha mãe]
achava que não era por aí, e o que a gente tinha que ter mesmo era o estudo. Isso
ela dizia. E às vezes ele tratava mal ela [...] eu falei: ‘mãe, a senhora tem que ficar
casada?’ [...] Ela disse: ‘eu tenho, porque eu não tenho estudo. Mas vocês, não. Vai
fazer da vida de vocês o que quiserem, porque não é assim. E eu não vou mudar
de... eu não vou me separar, porque se eu me separar, eu só vou mudar de patrão’
(Érika, entrevistada).

22 De modo amplo, as participantes revelam que as mães já intuíam o poder libertador


que a cultura escolar proporcionaria às mulheres, como possibilidade de reversão do
lugar social de subalternidade instrumentalizando a luta pela equidade de gênero. De
modo amplo, as memórias pessoais narradas pelos entrevistados apresentam algumas
facetas daqueles que podem ser elementos tecidos (Rocha-Coutinho), ainda que de
forma incipiente pelas mães, e que puderam ser defendidos ou ampliados pelas
gerações seguintes.
23 É importante ressaltar, contudo, que nesta investigação, estamos tratando de uma
maioria de mulheres de classe média, que podiam ter acesso a diferentes literaturas por
meio da associação em clubes da cidade em que havia bibliotecas, além da possibilidade
de acervo pessoal/familiar, ou do contato com colegas já universitários, e em seus
próprios colégios, particulares ou públicos de capitais. Essas moças foram socializadas
com valores tradicionais, mas começaram, a partir dessas influências literárias e de
debates no ambiente escolar, a diferenciar-se das moças de sua época; pois
habitualmente elas teriam acesso majoritariamente a livros religiosos e a cursos
voltados a educação para a convivência no lar e no casamento, quando tivessem a
oportunidade de continuar os estudos (Bassanezi).
24 As gerações de militantes que se opunham ao regime militar foram socializadas ao
longo das décadas de 1940/50, período histórico no qual a militância política
significava uma dupla ruptura, em sua insurgência contra o regime e o tensionamento
diante do lugar tradicional da mulher (Ferreira). Ainda que a geração de mães de
militantes, em sua maioria, não tivesse condições sociopolíticas para romper com a
inserção de gênero feminino na vida privada, e, portanto, não integrassem frentes
organizadas de ação política e militância, foram uma referência na construção de
valores pessoais de seus filhos e filhas, voltados, sobretudo, para elementos sociais que
envolviam ações humanitárias e justiça social.
25 No que tange aos processos de memória acerca da trajetória pessoal, as mães são
consideradas fundamentais para o suporte e/ou apoio instrumental ou afetivo dos
jovens militantes, havendo casos em que outros membros da família tinham trajetória
na militância. Nas memórias pessoais da entrevistada Suely, sua militância se fez em
continuidade à trajetória de militância da família e da própria mãe e, neste ponto, a
influência na formação política e ideológica merece destaque, “eu vivi a minha pessoal
militância. (…) eu sou minha mãe, eu sou igualzinha minha mãe. (…) eu fisicamente
pareço o lado da família do meu pai, mas o caráter meu é da minha mãe”
(Sueli, entrevistada).
26 Em outros casos como o de Suzana, a mãe ainda é apresentada como uma figura que
corresponde aos papéis tradicionais de mãe, mulher e esposa, desempenhando
principalmente as funções de cuidado e afeto em relação aos filhos. Ainda assim,
notamos que durante a infância, houve elementos em sua socialização que
posteriormente contribuíram na construção de seu engajamento político:

Mamãe era uma pessoa que atendia, às vezes, um parto, as pessoas que
precisavam de uma injeção ou até mesmo orientar como tratar de um ferimento.
Era dona de casa, mas era uma pessoa muito sensível, muito comunicativa, muito
prestativa, gostava muito também de ajudar as pessoas. (…) Enfim, então eu acho
que isso foi uma coisa, que determinou muito, que me influenciou muito e
sensibilizou. (…) esse dinamismo, essa iniciativa, eu herdei muito dela
(Suzana, entrevistada).

27 Mesmo que as (os) militantes ou familiares não nomeiem que as ações maternas
cotidianas representaram formas de questionamento ou ruptura com os papéis
tradicionais atribuídos e permitidos às mulheres, nota-se que as ações no âmbito

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público, mesmo que de caráter assistencialista ou de práticas solidárias foram


marcantes para as(os) entrevistadas(os).
28 Ainda no universo privado, burlar a autoridade paterna (masculina) constituía-se
como prática social de vanguarda. Tais posicionamentos e ações parecem representar
sementes embrionárias da mudança em relação ao gênero feminino que favoreceriam o
rompimento que se seguiria nas próximas gerações, como vemos no relato:

O homem normalmente era a autoridade na minha vida, porque minha mãe, por
mais que ela seja brava, ela nunca foi a autoridade na minha vida. (…) Sempre foi
o meu pai. Então o masculino é a autoridade,... então eu sempre tive que trabalhar
muito esse outro lado, porque... o masculino é a polícia, o masculino é o que está
ali agredindo, é um... e é o lado que me apavora. Então existe um conflito interno
muito grande. Muito doido. Muito doido. (...) E a minha gravidez quando... como
existe um lado, por exemplo, da minha mãe sempre esconder as coisas, a minha
gravidez, no serviço, só ficaram sabendo quando eu tinha cinco meses
(Marta, entrevistada).

29 De acordo com Biasoli-Alves, o controle e a vigília dos pais ou irmãos sobre as moças
estavam ligada a preservação de sua “honra”, ou virgindade, já que era considerada
como “frágil” (Biasoli-Alves 236) e influenciável. Assim, deveriam cuidar dos valores da
família para que suas irmãs fossem “uma moça… socialmente aceita” (Biasoli-Alves
237), isto é, que seguisse os moldes e os valores tradicionais . Os valores tradicionais
ainda estavam ligados ao modelo de família tradicional, dos anos de 1930, 1940, 1950,
ainda que em meados dos anos de 1950 começasse a surgir a ideia de uma “família
conjugal moderna e patriarcal” (Vaitsman 59) na qual ainda os lugares dos homens e
mulheres permaneciam hierarquicamente definidos. Mesmo que se esboçasse uma
busca por igualdade a partir dos anos de 1960/1970, havia permanências, isto é,
continuidades no seguimento dos valores (Vaitsman; Biasoli-Alves).
30 O lugar paterno de autoridade e austeridade encontra-se aparentemente sacralizado e
associado ao rigor e à violência, semelhante às demais figuras masculinas
representativas de poder na esfera pública e, ao mesmo tempo, o relato da
cumplicidade da mulher-mãe com a filha ao esconder uma situação de gravidez, fora
dos parâmetros vigentes, restritos à condição do casamento, traz sinais das mudanças
de gênero que espreitam as práticas sociais iniciadas no período.

2/ Figura de apoio
31 Esta categoria apresenta as lembranças de militantes e familiares de militantes acerca
de estratégias de atuação de mães de militantes, como importantes figuras de apoio
desde a infância, enquanto mediadoras de conflitos familiares e, posteriormente,
fomentando redes de solidariedade e luta em nome de seus filhos, nas situações
decorrentes da militância; perpassando toda a trajetória de vida, da infância à fase
adulta. Serão apresentadas a seguir as subcategorias temáticas que elucidam a atuação
materna nessas situações de apoio.

2.1/ A mãe como suporte e mediadora de conflitos dentro


da família
32 Segundo os relatos de militantes e familiares, o espaço inicial onde as mães se
afirmaram como importantes figuras de apoio foi o próprio âmbito familiar, no qual
apesar de ainda estarem presas à concepção de “fragilidade feminina”, começariam a
revelar grande força e capacidade de mediar conflitos e tensões. Essa mediação se dava
em situações como no enfrentamento entre algum homem da família e as filhas, e a
postura materna colaborava para a valorização do posicionamento e resistência
feminina nas relações de poder diante do masculino:

Não tem história na minha família de mulher que ficava em casa fazendo tricô.
(...) Então o papel da minha mãe era exatamente tentar apaziguar, mas não uma

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pessoa que fosse uma pessoa fraca. Não era aquela mãe bobinha, só coração. Ela
não entrou no conflito [entre eu e meu pai sobre posição política] de propósito, só
pra fazer a ponte (Renata, entrevistada).

33 A conjuntura social, as relações conjugais tradicionais e a própria socialização


feminina vivenciada pelas mães em suas famílias de origem, não possibilitava que as
mães de militantes expressassem tão diretamente seus posicionamentos políticos. De
forma comum, as lembranças narradas demostram que elas não tinham ações políticas
na esfera pública, embora desejassem um futuro diferente aos seus filhos e filhas,
demonstrando certa crítica ao que viviam. Deste modo, o próprio silêncio das mães
diante de atitudes e escolha de seus filhos, pode ser visto como um suporte, pois
favoreceu a continuidade das ações que contrariavam os modelos de atuação
tradicionais, muitas vezes impostos no contexto familiar.
34 Conforme pontua Rocha-Coutinho, nas relações assimétricas de poder, muitas
mulheres usavam da condição feminina para “tecer” seus poderes “por trás dos panos”,
como expresso no título de sua obra. O choro, a negação, a afetividade, atributos
considerados femininos, para convencer e mediar situações, como no exemplo:

Fui dar o comunicado pro meu pai, que eu ia sumir [com meu namorado], porque
se não a Ditadura ia nos pegar (...) Meu pai e minha mãe ficaram horrorizados (…)
Aí foi uma longa negociação… acabamos concordando em casar rápido pra sumir.
Pro meu pai não morrer, nem o pai dele, nem a mãe dele, nem minha mãe, (risos).
Minha mãe só chorava, coitada! Ela intermediava, chorava... o papel dela era
sempre esse! A minha mãe ficava assim como uma bola, entre eu e meu pai. Ela
ficava no meio, tentando convencer ele a ceder pra mim, tentando me convencer a
ceder. E quando a briga tava feia, ela chorava, ela chorava muito. Bem, mas aí nós
casamos e tivemos que ir pra clandestinidade de imediato (Mariana, entrevistada).

35 Para as (os) participantes da pesquisa as mães também assumiam um


posicionamento mediador dos conflitos no âmbito familiar, defendendo as ações das
filhas, frente aos pais e a outros parentes, tanto na atuação na militância, quanto na
discordância e transgressão às normas de gênero vigentes. Tal mediação poderia se dar
de forma mais tradicional, como no relatado por Sônia, “minha mãe... não discutia
muito nada não. Ela... sempre a favor dos filhos... não opinava politicamente. Ficava só
ouvindo”, ou mais contestadora para aquele período histórico:

Mas a mamãe nunca foi aquela mulher familiar, tradicional, a mulher apagada, a
mulher fraca… ela sempre foi muito presente. Nesse conflito ela teve uma
sabedoria profunda, ela não me confrontou. (…) Teve um momento que eu não
falava com o meu pai, então ela era o elo de ligação. Ela ia e dizia pra ele
‘contenha-se, essa menina é ótima’, e também me dizia ‘seu pai é maravilhoso, te
ama...vocês se amam, na verdade. Você tem que entender o que ele ta passando’.
No dia que eu saí de casa sem falar com ele, ela fez a minha mala e me levou até a
rodoviária, não falou em nenhum momento assim, ‘não vá’, não fez nenhuma
chantagem, não chorou (Renata, entrevistada).

36 Sônia e Mariana nos apresentam o choro e o silêncio como as ferramentas até então
disponíveis e usadas pelas mulheres para se posicionarem no mundo e nas relações
conjugais, a favor dos filhos. No caso de Miriam, a mãe apresenta uma dupla postura,
pois ora permanece conciliadora no conflito pai e filha, e ora rompe com o papel
tradicional de mediação de modo mais contundente e aberto assumindo o
enfrentamento, no apoio às ações políticas da filha e as demais práticas sociais que
provocaram profundas mudanças em relação ao feminino ao transgredir o modelo de
ser mulher daquele período sócio-histórico:

Mamãe era uma mulher muito inteligente, eu tinha um diálogo com ela sempre
muito legal, mas ela não conseguia dar conta da pressão dos homens da família
sobre as possibilidades de corrupção da mulher (Silvia, entrevistada).

37 As transgressões do lugar tradicional feminino não aconteceram – e nos dias atuais


ainda não ocorrem – sem ônus sociais, seja de rejeição, ameaça de retirada do afeto
(Carson; Bassanezi Pinsky), crítica e culpabilização e da ameaça do insucesso em
diversas instâncias da vida (casamento, maternidade, trabalho). A identidade feminina,

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por ser construída a partir desses pilares, transita entre continuidades e rupturas
(Biasoli-Alves), e na dinâmica da socialização há elementos inegociáveis difíceis de
serem quebrados, e assim, a manutenção de valores tradicionais permite certa
coerência e estabilidade identitária, que conduzem as práticas sociais (Tajfel).

2.2/ Impactos da ditadura no contexto familiar e a


atuação materna
38 Esta categoria apresenta elementos temáticos relativos à reorganização das
dinâmicas familiares e a construção de estratégias e ações de apoio lideradas pelas
mães. A partir do envolvimento de um ou mais familiares ou de si mesmo na militância
política contra o regime militar, os entrevistados observam várias consequências que
foram impostas a toda a família. O cotidiano surge como brutalmente alterado e suas
privacidades violadas exigiram uma reconfiguração extraordinária diante da sua
realidade. Emergiu como um sentimento comum aos relatos uma memória de medo
(Pollak), aliada à ameaça constante e à ausência de privacidade advinda da repressão.
Parece-nos, que a família foi instada ao aprendizado de conviver com um novo cenário
de perseguição real e/ou sensação conspiratória, em várias formas de expressão, que se
estendia a todos os seus membros e, ainda, práticas veladas que lhes eram impostas,
através de estratégias que o Estado desenvolvia, no exercício de controle:

A gente vivia preocupada, não podia conversar com qualquer pessoa, nem
namorar... qualquer pessoa a gente pensava que era informante... Eu tinha medo,
elas também... minhas irmãs ficaram muito recatadas. Um dos meus irmãos
chegou a namorar com uma informante, ela teve um filho dele, e depois entregou
ele... não tínhamos mais liberdade, você não sabia quem era quem
(Patrícia, entrevistada).

39 O sentimento de medo e desconfiança emergiu compartilhado pelos membros da


família e exemplificado no extrato mencionado. Vemos a dinâmica de pressão que se
manteve, inclusive, após a morte do irmão militante. Patrícia anunciou que a família,
mesmo experimentando tais sentimentos, participou desse momento político, até
mesmo quando os demais membros da família não tinham claramente esta intenção. A
repercussão negativa da perda da liberdade ficou evidente, inclusive, na vida afetivo-
sexual dos irmãos mais jovens do militante, marcada pela desconfiança nas interações
sociais, já que os informantes poderiam estar travestidos de qualquer disfarce.
40 Outra faceta da perda da liberdade emergiu, vivida com intenso sofrimento, quando
os participantes relataram ameaças, tentativas de suborno e perseguição, como se
apreendeu da fala de Patrícia:

aconteceram umas coisas esquisitas... ofereceram benefícios, dinheiro...


ofereceram ao meu pai uma boa pensão para ir para outro país com a gente... ele
ficava incrédulo. Queriam que assinasse um documento contra Dom Hélder. Mas
minha mãe não ia se vender.

41 Conforme Catela, nas situações-limite como a morte em detrimento da perseguição


política dos opositores à ditadura, as famílias tornam-se marcadas por memórias do
medo e terror (Pollak), passando por pressões, ameaças, tentativas de suborno e
acordos, mesmo após a morte do militante. A dimensão ampliada da dor que esta
pressão psicológica provocou, apareceu por uma parte, no sofrimento pela perda do
membro da família e, por outra parte, na dor da perda do sentimento de família e sua
identidade, pois por autoproteção o grupo familiar teve a sua estrutura e dinâmica
interna substancialmente alterada e fragmentada na tentativa de garantir integridade
física dos demais membros:

[os militares diziam a minha mãe]‘seu filho morreu porque era teimoso, poderia
estar vivo... seus filhos não seriam perseguidos’. [Durante a ditadura] ficou tudo
espalhado pelo Rio de Janeiro, São Paulo, Portugal… um ainda mora lá, diz que
não volta mais. Um foi ficar com um tio meu, pra ficar mais seguro; outro ficou
com uns amigos e um padre. A família separada, um irmão em cada canto para se
proteger (Patrícia, entrevistada).
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42 No caso acima, trata-se de uma família que passou por perseguições sistemáticas
devido à atuação política e de militância de um de seus membros, pois o aparato
repressivo ditatorial atingiu não apenas a seus opositores diretos (Catela). As pressões
recebidas pela família promoveram a construção de laços de solidariedade (Souza) mais
ampliados, que se fizeram substanciais para a integridade física e psicológica dos
militantes e familiares ao longo de suas trajetórias. Assim, notamos a ressignificação do
núcleo familiar que é estendido para a rede mais ampla de tios, amigos, Igreja,
companheiros de militância e apoiadores da oposição ao regime.
43 Em consonância com esse quadro de violência, as famílias com mais de um membro
militante, passaram por uma pulverização do núcleo familiar, fragmentando as
relações, e levando a buscas individuais por segurança e sobrevivência, pois para esses
era impossível uma saída conjunta enquanto grupo familiar. Essa é a trajetória de
Suely, uma militante, companheira afetiva, filha e irmã de militantes políticos:

[Na ocasião de minha soltura da prisão] eu não tinha para onde ir, eu não tinha
contato com a família, eu não tinha contato com ninguém. A minha mãe estava
presa, a minha irmã estava desaparecida, a família do meu pai estava no Nordeste,
eu não tinha contato com eles, meu irmão tinha morrido [devido a repressão],
meu pai estava no exílio, eu não tinha ninguém! (Suely, entrevistada).

44 A dispersão do grupo familiar revelara como, de modo involuntário, estes sujeitos


sofreram rupturas no pertencimento grupal com “a família separada”. Tal ameaça
constante promoveu em alguns casos a tentativa consistente de a família manter-se
unida ainda que convivendo com dificuldades de subsistência, como destacado por
Sofia em relação a criação dos filhos durante a clandestinidade:

[Minha mãe] foi pra clandestinidade junto. Ela ‘camelou’ junto. (...) Eles viviam lá
na Baixada Fluminense, no Rio, num lugar pobre, vivia meu pai, era ambulante, e
minha mãe. Meu pai vendia pastel, minha mãe vendia os pastéis. Era disso que
eles viviam. E aí eu fui morar lá com as crianças, então eu dividia a tarefa da
minha mãe, eu assumia uma parte, ela dividia comigo, o cuidado das crianças
(Sofia, entrevistada).

45 Durante a prisão o contato entre mães e militantes foi muito importante fator que
impediu que as(os) militantes sucumbissem diante das sevicias enfrentadas:

Teve um momento muito emocionante... minha mãe foi me visitar na prisão, teve
um momento que minha mãe conseguiu entrar, ela e minha irmã. E eu levei
minha irmã pro canto e minha irmã falou: ‘você quer que eu conte pra eles que
você tá grávida?’. Eu falei: ‘não, sou eu que tenho que contar’. Estar grávida
significava ter rompido (…) Era a última coisa. A última coisa. O golpe final
(Renata, entrevistada).

[Na prisão] os caras deixaram mamãe entrar (...) eles achavam que mamãe era
muito boba, porque mamãe fazia papel de besta (…) Ela perguntava umas coisas
assim nada a ver (...) eu ficava na dúvida até que ponto era encenação dela ou se
era aquilo mesmo, né. Eu só sei que nessa de ‘ah, não sei o que, tá tudo bem com
você e tal, você precisa engordar mais, como é que você tá comendo?’, aquelas
coisas assim, ela passou e enfiou assim um radiozinho no meu bolso
(Sônia, entrevistada).

46 Notamos nos relatos narrados como a história de vida dessas mulheres que lutaram
por seus ideais, foi atingida em suas experiências pessoais. Em meio ao cenário de
prisão o contato com as mães e familiares permitia alguns lampejos de esperança, seja
no anúncio de uma gravidez, seja em pequenos gestos como a entrega de um
“radiozinho de pilha” pela mãe, que passa a representar uma nova motivação
para prosseguir.
47 Em meio à atuação política de seus filhos, as mães contribuíram na formação e
manutenção de uma rede de comunicação com o mundo externo às prisões ou como
ponte para reivindicações de bens materiais proibidos; na luta em busca de informações
sobre a morte ou desaparecimento de seus filhos; ou como suporte nos momentos ou
situações de clandestinidade.

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48 Estas mulheres-mães se tornaram importantes atores nos movimentos de denúncia e


combate às arbitrariedades do regime de exceção. Algumas posturas das mães de
distintas regiões do país revelaram sintonia em relação às mudanças das mulheres-
mães, como se vê nas falas adiante:

Depois que os filhos foram presos, aí ela virou uma leoa, mas até lá ela não
confrontava com papai (…) A mamãe se engajou completamente (...) juntava uma
Kombi ali com as mães dos presos [...] visitava Dom Serafim (...) e dava alguma
guarita contra os militares. (…) chegou a ir pra Brasília e enfrentar os generais
(Mário, entrevistado).

49 As mães de militantes assumiram e inauguraram uma atuação no âmbito público e


político, alternando os comportamentos tradicionais de obediência, servidão às leis
masculinas, práticas de funções domésticas, com momentos em que assumiram uma
postura de resistência na busca e luta por seus filhos, inclusive se esforçando para
conquistar a qualificação profissional que as habilitassem para defendê-los, perante
a lei.
50 Elas apareciam como figura que protege seus herdeiros, desde a cumplicidade ao
acobertar ações até o enfrentamento direto dos militares na busca de direitos. A fala de
Rosane apresenta dois momentos distintos em que mãe atua de maneira a protegê-la,
barrando a coação masculina característica da atuação do Estado repressivo:

Eu peguei um livro da UFES que não era nada subversivo. [os militares] quase que
pegaram os livros à força lá em casa. Eles só não entraram na minha casa porque
mamãe foi muito ‘macha’ e não deixou. [Quando fiquei presa, os militares]
olhando mamãe com aquela cara assim, acharam que não ia... Ela foi mesmo,
meteu a cara, não tem esse negócio. Resolveu, né. Aí chegou lá [na prisão]
correndo (Rosane, entrevistada).

51 A imagem feminina de docilidade, naturalmente voltada ao âmbito privado e aos


afazeres domésticos, foi sendo reconstruída no espaço público. Aos poucos surgiu a
nova imagem de força e garra da “leoa”, a mulher-mãe que buscava e lutava por seus
filhos, seja na busca por informações do paradeiro dos desaparecidos, seja por direitos
dos presos, nas várias instâncias de poder:

As famílias viveram esse inferno. A gente sumia, eles não sabiam se a gente tava
vivo ou morto (...) Na minha casa eram três clandestinos, três presos. Então
aquela situação das famílias era muito barra pesada! Minha mãe ficava correndo
por esse Brasil à fora, correndo atrás de general, coronel, bispo, de deputado, o
que fosse... pra descobrir onde a gente tava, pra brigar com os generais, junto com
as mães. Papai não. Papai ficava em casa... Papai nunca teve coragem de ir [às
prisões, julgamentos]... ele não aguentava! Ele comprou uma arma e disse que ia
matar esses caras que tavam me torturando. A reação dele era essa: matar os caras
que tavam me torturando. Mas ele não tinha condições de ir lá e se submeter à
revista dos militares, a própria, ver a gente vigiado pelos militares... ele não
tinha... ele não aguentava isso não! (Mariana, entrevistada)

52 A saída das mães para a busca e luta por seus filhos parece indicar a manutenção do
papel feminino quanto ao cuidado, proteção e garantia de um futuro positivo para
os(as) filhos(as). Por outro lado, observa-se um tensionamento em relação ao papel dos
pais de militantes políticos, que apesar de terem legitimidade social para liderar a busca
por seus filhos(as), se sentiram impotentes diante do poder do aparato repressivo do
Estado. Em relação aos homens-pais, esta ruptura com as tradições familiares
repercutiu provocando-lhes adoecimento pelo silenciamento da dor vivida. Eles foram
reprimidos pelas hierarquias de gênero e pela expectativa de uma masculinidade
hegemônica (Trindade e Nascimento) que representava um obstáculo na expressão de
seus sentimentos, como visto no fragmento de Patrícia:

Pai é que mudou totalmente. Ele era muito unido com minha mãe e ficou só
preocupação. Não pensava noutra coisa. Teve úlcera e não contou a ninguém,
sofreu calado. Um dia ele começou a vomitar sangue, se internou e morreu.

53 Para Sarti, o sentido da hierarquia patriarcal foi sendo invertida e questionada à


autoridade e a divisão dos papéis sociais na família. Embora as mães nesse contexto
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tenham surgido como “leoas”, protagonistas na luta pelos filhos militantes, esse lugar,
ainda remete a certa manutenção e tradição frente ao papel esperado para a mulher
mãe, de cuidado, preservação e garantia do futuro dos filhos (Scavone). E por isso,
mesmo com essas mudanças as mães delegaram para outras mulheres, geralmente para
as filhas mais velhas, o lugar e a função materna de proteger e cuidar dos demais
irmãos e da casa:

Após 64, a sensação e o registro que eu tive há um tempo é que eu deixei de ser
criança, [tinha 9 anos] passei a ser adulta de uma hora pra outra, e com isso a
necessidade de tomar conta de vários dos meninos [meus irmãos], então eu
assumi um lado que eu até passei a ser chamada de mãe segunda. Porque foi tanta
agressão, a necessidade de proteger a família foi muito grande
(Marta, entrevistada).

54 Compreendemos na contundência das falas das entrevistadas que nas famílias cujos
filhos haviam sido perseguidos, presos e mortos pela ditadura militar foram construídas
novas dinâmicas cotidianas. O cuidado das mães biológicas e as funções de maternagem
foram sendo substituídas ou assumidas pelas filhas mais velhas, ocasionando
mudanças viscerais na qualidade de vida das famílias.
55 Em algumas famílias observou-se uma reestruturação na dinâmica familiar,
principalmente, quando as mães assumiram a busca por informações dos filhos (as)
presos ou desaparecidos. Neste caso, houve inversão dos lugares parentais públicos e
privados, pois as mães puderam ocupar o ocupar o espaço público de forma
diferenciada, ainda que esta atuação corrobore com a manutenção do papel socialmente
esperado de mãe, enquanto cuidadora e zeladora de seus filhos.
56 Durante o período de militância, os familiares destes jovens sofreram com a invasão
dos espaços privados, tendo suas vidas brutalmente invadidas. Mesmo após as prisões
tais invasões não cessavam. Foram precisos inúmeros rearranjos para que os núcleos
familiares não se vissem pulverizados. A continuidade na busca de informações sobre
militantes desaparecidos e mortos tem levado, ainda hoje, à manutenção de espaços de
construção de memória, favorecendo a revelação de aspectos antes silenciados.

IV/ Apontamentos Finais


57 Nas memórias sobre as mães de militantes do conjunto de entrevistados estas são
apresentadas como figuras essenciais para o contexto político da época, ainda que não
tenham ganhado a mesma visibilidade social como em outros contextos de regimes de
exceção, tal qual no caso das Madres da Plaza de Mayo1. Como elucida Mariana:

fala-se muito das mães da Praça de Maio, lá na Argentina. Eu acho que se falou
muito pouco das mães do Brasil, sabe? Porque as mães aqui faziam manifestação,
passeata, enfrentavam general. Ameaça de prisão sobre elas.

58 Tal invisibilização da atuação das mães brasileiras parece ser explicada, ao menos em
parte, pelo conjunto dos dados desta pesquisa, que revelou formas discretas desta
atuação feminina que aos poucos parecem ter possibilitado a construção de uma base
para as práticas sociais das gerações posteriores. Ainda que muitas delas não tenham se
engajado de forma direta nas ações de protesto ao longo do período, a atuação das
mesmas também merece ser inscrita no conjunto de fatores que promoveram a
derrubada do regime autoritário no Brasil, pois ainda hoje suas marcas estão presentes
no conjunto das organizações de direitos humanos em nosso país. Essas mulheres
promoveram a atuação (seja própria ou de suas herdeiras) em lugares públicos ainda
desconhecidos, possibilitando o crescimento do espaço e visibilidade da
atuação feminina.
59 Ainda que este estudo não abranja todas as formas de atuação de mães ao longo da
ditadura militar no Brasil, ele se soma ao conjunto de trabalhos voltado para a
compreensão das práticas sociais de grupos que não encabeçaram ações de oposição
direta ao regime, mas que sofreram em seu cotidiano com a repressão do Estado.

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60 Por fim, compreender as relações de gênero, nesse contexto de transformações,


torna-se também uma contribuição para o campo de estudos entorno dos aspectos
psicossociais da memória histórica do período, uma vez que mesmo que a atuação das
mães não se configure como uma ruptura completa (Biasoli-Alves) frente aos padrões
de atuação tradicionalmente esperado delas, essas encontraram formas alternativas de
tecer (Rocha-Coutinho) a resistência.

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Notes
1 Movimento de mães formado durante a década de 1970 na Argentina, com o intuito de
reivindicar o paradeiro de seus filhos desaparecidos políticos. Segundo Borland (2006) trata-se
do movimento feminino em prol dos direitos humanos, mais estudado em toda a América Latina
nos últimos trinta anos.

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Titre Quadro 1: Caracterização dos entrevistados


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Pour citer cet article


Référence électronique
Flaviane da Costa Oliveira, Jaíza Pollyanna Dias da Cruz Rocha, Janaína
Campos de Freitas Breugelmans, Ingrid Faria Gianordoli-Nascimento et Fatima Maria Leite Cruz,
« Memórias familiares sobre as dinâmicas de socialização e apoio materno às trajetórias de
militância política contra a ditadura militar no Brasil », L'Ordinaire des Amériques [En ligne],
222 | 2017, mis en ligne le 20 juin 2017, consulté le 27 octobre 2017. URL :
http://orda.revues.org/3501

Auteurs
Flaviane da Costa Oliveira
Universidade Federal de Minas Gerais
Psychologue, titulaire d’une Maîtrise en Psychologie et doctorante du programme d’études
supérieures en psychologie à l’Université Fédérale de Minas Gerais (UFMG), Brésil. Bourse de
recherche de la CAPES. Elle est membre du Groupe de recherche : Mémoire, représentations et
pratiques sociales.
flavianecoliveira@gmail.com

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Jaíza Pollyanna Dias da Cruz Rocha et alii, Mulheres e militância política durante a
ditadura militar no Brasil (1964-1985): luta, resistência e silêncio [Texte intégral]
Paru dans L'Ordinaire des Amériques, Comptes rendus

Introduction [Texte intégral]


Paru dans L'Ordinaire des Amériques, 222 | 2017
Jaíza Pollyanna Dias da Cruz Rocha
Universidade Federal de Minas Gerais
Psychologue, titulaire d’une Maîtrise en Psychologie et doctorante du programme d’études
supérieures en psychologie à l’Université Fédérale de Minas Gerais (UFMG), Brésil. Bourse de
soutien technique (2014-2016 – APQ‑01524‑13) et bourse de recherche (à partir de 2016) de la
FAPEMIG. Elle est membre du Groupe de recherche : Mémoire, représentations et pratiques
sociales.
jaizacruzz@gmail.com

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Jaíza Pollyanna Dias da Cruz Rocha et alii, Mulheres e militância política durante a
ditadura militar no Brasil (1964-1985): luta, resistência e silêncio [Texte intégral]
Paru dans L'Ordinaire des Amériques, Comptes rendus
Janaína Campos de Freitas Breugelmans
Universidade Federal de Minas Gerais
janainabreugelmans@gmail.com

http://orda.revues.org/3501 14/15
27/10/2017 Memórias familiares sobre as dinâmicas de socialização e apoio materno às trajetórias de militância política contra a ditadura militar no B…
Ingrid Faria Gianordoli-Nascimento
Universidade Federal de Minas Gerais
Psychologue et professeur/checheur à l’Université Fédérale de Minas Gerais (UFMG), Brésil.
Docteur en Psychologie à l’Université Fédérale du Espírito Santo. Directrice de thèse de
Doctorat en Psychologie. Elle est coordinatrice du Groupe de recherche : Mémoire,
représentations et pratiques sociales et du projet “Survivre à l’inconnu : la construction
psychosociale de la mémoire et de l’identité des membres de la famille des militants politiques
pendant la dictature militaire de Minas Gerais” (2013-2016) financé par la Fondation pour le
Soutien à la Recherche de l’État de Minas Gerais - FAPEMIG (APQ‑01524‑13).
ingridfgian@gmail.com

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Introduction [Texte intégral]
Paru dans L'Ordinaire des Amériques, 222 | 2017
Fatima Maria Leite Cruz
Universidade Federal de Pernambuco
fatimacruz@yahoo.com

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As mães de filhos mortos/desaparecidos na ditadura militar no Brasil: da luta política
das mulheres à inserção no espaço público [Texte intégral]
Paru dans L'Ordinaire des Amériques, 222 | 2017

Droits d’auteur

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