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Estaria a Burocracia morta?


Autor: Prof. M.Sc. Diógenes Lima Neto
Braga – Portugal
Outubro - 2010

Não pretendo reintroduzir os aspectos históricos da história da Burocracia e seus


significados teóricos ou práticos, até porque outros colegas assim já o fizeram de forma
bastante eloqüente. Gostaria de ir mais adiante, aproveitando o ensejo da provocação
intelectual da questão tema deste artigo.

Certamente o modelo burocrático puro teve seu “momento d’ouro” na história humana
por ser uma forma racional de operacionalizar a produção sistemática de bens,
especialmente os de pouco valor agregado, cuja cadeia produtiva era simples e, como
tal, seus processos podiam ser facilmente decompostos e tornados repetitivos por grupos
de pessoas com baixa especialização. Não por acaso, o exemplo da “produção de
alfinetes” de ADAM SMITH, foi posto em sua obra “A Riqueza das Nações”, de 1776,
ou seja, no alvorecer da 1ª Revolução Industrial, quando sintetizou tão bem esta
realidade que se materializava a partir de então.

Com os adventos subsequentes da 1ª e 2ª Revoluções Industriais, houve uma


supervalorização dos modi operandi produtivos, bem como de todos os processos e
estruturas que os sustentavam. Notemos que, se tomarmos o processo de produção em
escala como um aprendizado sendo feito pela Humanidade, não é de se estranhar que
tenha ocorrido dessa maneira.

A valorização da Burocracia, entendida esta como a racionalização de meios para se


atingir determinados fins produtivos, era bastante compreensível, especialmente se
tomarmos em conta o facto de que a tecnologia produtiva da época era absolutamente
incipiente, e, até por esta razão, os trabalhadores (operários) tinham que atuar como
verdadeiras máquinas operativas. Neste sentido, os filmes METROPOLIS (1927), de
Fritz Lang, e TEMPOS MODERNOS (1936), de Charles Chaplin, são emblemáticos e
retratam bem o que se passava na sociedade daquela época.

O tempo passou, as tecnologias e as abordagens administrativas evoluíram


enormemente, tanto e de tal forma que as atividades eminentemente burocráticas foram
quase que totalmente informatizadas e/ou relegadas a máquinas de facto. Não por acaso,
a história evolutiva dos chamados Sistemas de Informação nos mostra que, “as
primeiras aplicações empresariais surgiram no início da década de 1950”, quando
foram informatizados os processos básicos e repetitivos, “resumindo e organizando
dados nas áreas de contabilidade, finanças e recursos humanos, no que é conhecido
como Sistemas de Informações Transacionais” (TURBAN, 2004). Sistemas e
tecnologias mais complexas como Sistemas de Apoio à Decisão (SAD), ERP
(Enterprise Resource Planning) e Data Mining, apenas para citar alguns, surgiram
apenas recentemente.
Tal fato denota, por sua vez e de maneira bem evidente, que a informatização das
camadas mais altas da hierarquia administrativa (pública ou privada), ou seja, aquelas
que envolvem muito menos processos repetitivos e muito mais processos de análise e
decisão (logo, menos burocráticas) são tão complexas que sua migração para o ambiente
computacional ainda está a ocorrer. Ou seja, efetivamente, a Burocracia, agora
informatizada, de modo geral, permeia as atividades de nível tático e operacional, com
proporcionalmente poucos casos de inserção no nível estratégico.

O detalhe capcioso da situação atual é que, qualquer ambiente administrativo tido como
moderno, simplesmente não pode abrir mão do uso de Sistemas de Informação. E tal
afirmação é verdadeira tanto em ambientes privados, quanto em ambientes públicos (ou
de Adm Pública), ainda que por razões bem distintas.

Enfim, diante desta evolução histórica, e considerando que a Burocracia busca sempre
um processamento lógico e racional do traballho, deduzo, pelo até aqui exposto, que a
Burocracia não está “com os dias contados”. Ela foi, antes sim e em sua maior parte,
absorvida e transformada em bits e bytes que gerem a vida moderna.

Por outro lado, ainda que não se aceite o argumento de que a burocracia sobrevive (e
sobreviverá) no corpo eletrônico e virtual de nossos sistemas informatizados, há um
outro fenômeno que carece de um olhar diferenciado quando se fala de Burocracia e
que, certamente, lhe garantirá uma sobrevida significativa. Refiro-me à China, o mais
forte e proeminente componente dos assim chamados BRIC.

Primeiramente, temos que registrar que o próprio conceito de Burocracia como a


“administração que serve ao próximo” está profundamento arraigado no subconsciente
chinês. A tomarmos por certas as afirmações de Oded Shenkar, professor Ph.D de
Gerenciamento e Recursos Humanos pela Fisher College of Business, em sua obra O
Século da China, as bases filosóficas chinesas fundam-se, desde tempos imperiais, no
confucionismo e este, por sua vez, “elegeu a educação como a atividade humana mais
importante”, sendo superada, apenas “pelo serviço burocrático, que permitia ao
intelectual ‘submeter seus méritos a julgamento’” (SHENKAR, 2005). Segundo ainda
o próprio Professor Shenkar, apesar das várias décadas de regime comunista, “o mérito,
as realizações acadêmicas e o prestígio da burocracia sobreviveram e estão presentes
na era moderna” (SHENKAR, 2005). Em realidade, segundo o Dr. Tom Chung, outro
respeitável autor em assuntos chineses, a Burocracia naquele país é extremamente
antiga, sendo que, já em 1.100 a.C., tinham sido elaborados os The Officials of Chou,
tomos em que havia uma “descrição exaustiva e detalhada das funções dos diversos
oficiais sob serviço do rei, desde o primeiro-ministro até os serventes e arrumadeiras
do palácio” (CHUNG, 2005).

Segundamente, num sentido mais prático, naquele país a Burocracia se confunde com o
próprio governo, em qualquer que seja o nível – federal, estadual ou municipal. Os
ensinamentos do confucionismo, combinados com a prática do legalismo, estabeleceram
diversos princípios burocráticos, dos quais se destaca o “sistema de exame” para
admissão ao serviço público, levando o indivíduo (funcionário), no final das contas, a
posições de “enorme poder e prestígio no âmbito de uma burocracia profissional”
(SHENKAR, 2005).
Por fim, como argumento de que a Burocracia vai perdurar por muito tempo ainda,
especialmente na China, trago à baila o argumento de Juan Chingo, em seu artigo Mitos
e realidade da China Atual, publicado no sítio Fracción Trotskista – Cuarta
Internacional, de 2004, no qual afirma que “ainda é embrionária a formação capitalista
[chinesa atual] e a burocracia continua sendo o agente central do processo de
restauração capitalista”. Outro ponto relevante deste mesmo autor é que ele afirma que
o setor estatal chinês emprega, ainda hoje, 45% da força de trabalho urbano. Se
considerarmos que a população chinesa aproxima-se dos 2 bilhões de seres humanos,
teremos uma dimensão da força da burocracia chinesa e a dificuldade e perigo de “matá-
la”.

Diante de todo o exposto, vê-se que a Burocracia é viável, seja por outras formas, seja
em outras culturas. Desta forma, certamente ouviremos falar e seremos utilizadores de
Burocracia por muito tempo ainda!

BIBLIOGRAFIA

CHINGO, Juan (2004); Artigo Mitos e realidade da China Atual, publicado no sítio
Fracción Trotskista – Cuarta Internacional. Disponível em http://www.ft-
ci.org/article.php3?id_article=28?lang=pt_br , acessado em 14 Out 2010.

CHUNG, Tom (2005); “Tradição Burocrática” in Negócios com a China: desvendando


os segredos da cultura e estratégias da mente chinesa, São Paulo, Brasil, Novo Século
Editora, pp. 73.

SMITH, Adam (1999 [1776]) “Da Divisão do Trabalho” in A Riqueza das Nações, Vol.
1, Lisboa, Portugal, Edições Calouste Gulbenkian, pp.77-91.

SHENKAR, Oded (2005) “Um legado imperial (mas não imperialista)” in O Século da
China – a ascensão chinesa e o seu impacto sobre a economia mundial, o equilíbrio do
poder e o (des)emprego de todos nós, tradução de Janaína Ruffoni. Porto Alegre, Brasil,
Bookman Editora, pp. 46-48.

TURBAN, Efraim; McLEAN, Ephraim; WETHERBE, James (2007[2004]) “A


Evolução dos Sistemas de Suporte” in Tecnologia da Informação para Gestão, 3ª
Edição, tradução de Renate Schinke. São Paulo, Brasil, Bookman Editora, pp. 65-66.

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