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A EXPRESSÃO DA SUBJETIVIDADE EM ESPANHOL E EM

PORTUGUÊS: UMA ANÁLISE À LUZ DA GRAMÁTICA


SISTÊMICO-FUNCIONAL

Jamilson José ALVES-SILVA


(Universidade Ibirapuera - LAEL/PUC-SP)

Resumo
Motivado por minhas práticas como docente e como tradutor, este trabalho tem como
objetivo analisar a ocorrência dos pronomes pessoais em espanhol e português, em textos
da personagem argentina Mafalda. Para analisar a expressão da subjetividade em ambos
os idiomas, discutir-se-ão, à luz da Gramática Sistêmico-Funcional (GSF), algumas
questões sobre quais elementos contribuem na ocorrência dos pronomes pessoais,
sobretudo na questão dos conceitos hallidianos de Tema, Processos, Elipse e Referência.

Palavras-chave: Gramática Sistêmico-Funcional; pronomes pessoais; espanhol; português.

1. Introdução
Muitos daqueles que se dedicam a ensinar um idioma estrangeiro provavelmente já
passaram pela situação de detectar incorreções nas produções de seus alunos, sempre
tentando definir que tipo de falha houve. No entanto, nem sempre conseguimos encontrar
uma resposta adequada ou convincente, por mais que pesquisemos. Às vezes, damo-nos
conta de que o assunto procurado não é abordado em nenhum material ou apresenta
explicações superficiais e pouco convincentes, que tendem menos a elucidar e mais a
confundir. Isso se dá, não raras vezes, porque vários materiais não contemplam as
necessidades específicas de um determinado grupo de aprendizes.
No Brasil, de um modo geral, alguns pontos fundamentais no contato de nossos
alunos com o espanhol têm sido tratados como meros erros estruturais, mas não o são: trata-
se de erros de compreensão ou de produções que não cumprem o papel comunicativo que
deveriam. Entre as principais dificuldades para os estudantes de espanhol está o sistema dos
pronomes pessoais; esse é, se não o principal, um dos principais pontos de dificuldade
existentes no processo de aquisição/aprendizagem do espanhol (E) por luso-falantes do
português do Brasil (PB), segundo têm mostrado algumas investigações como a de Maia-
González (1994) e a de Alves-Silva (2004).

2. Quadro teórico
Segundo Duarte (1999:24), em E e em português, as terminações dos verbos
indicam as diferentes pessoas gramaticais e, por essa razão, o pronome-sujeito não aparece.
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Porém, os falantes do PB costumam utilizar os pronomes-sujeito muito mais que os falantes
de E. Além disso, a autora também se refere ao uso de formas pronominais de sujeito
ocupando função de objeto em PB, fenômeno lingüístico inexistente em E. De fato, não
seria de se estranhar que, em uma conversa espontânea, um brasileiro produzisse formas
como Manda ele lá ou Eu vi ela ontem.
Sobre o uso dos pronomes-sujeito em E, Bruno & Mendoza (1997:15) caracterizam
três únicas situações em que os sujeitos pronominais devem aparecer: 1) quando se quer
insistir sobre a idéia de pessoa (Yo no me llamo Denise, ¡me llamo Regina!); 2) para evitar
equívocos, principalmente no uso das terceiras pessoas e da segundas pessoas usted/ustedes
(¿Cómo se llama usted?); 3) para estabelecer contraste entre duas pessoas distintas (Yo soy
ingeniero, ¿y tú?). Se não se cumprem nenhuma das três condições expostas pelas autoras,
o sujeito castelhano será resgatado pela desinência verbal ou pelo contexto.
Maia-González (1994) investigou em sua tese de doutorado um contraste
sistemático entre a ocorrência de pronomes pessoais átonos y tônicos nas línguas espanhola
e portuguesa. O tema foi abordado sob a perspectiva do processo de aquisição-
aprendizagem do E por alunos brasileiros. Já Alves-Silva (2004), em sua dissertação de
mestrado, trabalha com o mesmo contraste proposto por Maia-González; porém, o autor
concentrou seus esforços em delinear um contraste entre os sistemas pronominais dos dois
idiomas em questão sob a perspectiva sistêmico-funcional, proposta por Halliday (1994).
Para uma primeira reflexão, considerem-se as tiras a seguir:

Os dois primeiros pares das tiras em questão apresentam uma tradução bastante
literal. O terceiro apresenta o pronome objeto indireto átono te referido ao interlocutor (no
caso, a Felipe, o amigo de Mafalda) e o pronome objeto direto la, que é a retomada
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anafórica pronominal de la flor. A tradução ao PB revela a tendência desta língua a
explicitar sujeitos pronominais. O objeto indireto te da oração original foi transformado em
você e passa a ser sujeito. Mesmo sendo tal pronome “informativamente desnecessário pelo
contexto em que se dá, ele aparece” (Fanjul, 1999:137). Já a forma la, objeto direto do
verbo poner (pôr) é suprimida na sua correspondente em PB, deixando implícito o objeto e,
embora a norma culta do português recomende o uso de tal pronome, qualquer falante do
PB repõe mentalmente a flor, sem necessidade de que se explicite o pronome a. Trata-se de
um caso de referência endofórica anafórica (Barbara & Gouveia, 2001:3) em que não
aparece o pronome objeto, o que caracteriza um caso de anáfora-zero. O quarto par
apresenta uma duplicação pronominal do objeto indireto em E que, além de ter uso corrente
no mundo hispânico, é reconhecido pela gramática normativa. Aparecem o pronome le e a
expressão a Fidel Castro, ambos ocupando a mesma função sintática na oração, o que
sugere que os pronomes átonos em E podem ter, algumas vezes, uma existência redundante.
Nota-se que na tradução ao PB, manter o pronome átono ocupando concomitantemente a
mesma função de outro(s) elemento(s) da oração seria, se não impossível, raro.
Em outras palavras, a questão que se nos apresenta quanto a estes dois idiomas não
é outra senão a da Referência. Halliday (1985:309) define tal conceito como “um elemento
colocado em um lugar no texto que pode ser tomado como um ponto de referência para
algo que vem a seguir. No mais simples dos casos, isto significa a volta de um mesmo
elemento”, como no caso do pronome la em E do exemplo anterior ou da ausência de tal
pronome-objeto em PB.
Assim, se pensarmos na questão dos sujeitos pronominais, embora os dois idiomas
sejam pro-drop (termo que designa línguas que permitem a não-existência ou a omissão do
sujeito), é mais provável que apareça um pronome nesta função em PB que em E. Para
analisarmos a questão da Referência em nossos idiomas, consideremos o exemplo proposto
por Barbara & Gouveia (2001:6), extraído do jornal brasileiro Folha de São Paulo:
Justo Calisto voltou à varandinha. Deitado na rede, ø esperou o sono, ø esperou o
próximo fim-de-semana... No começo da tarde deste domingo, ele abriu a gaiola: os
dois pássaros voaram na mesma direção. ø Enrolou a rede em que ø dormira mais
de vinte anos e ø saiu de casa. ø Percorreu a pé o caminho que o separava da beira
do rio. Agora, no alto da colina, ele pensa no que vai acontecer, no que pode
acontecer... Ao divisar o barco vermelho, ele desceu a colina e ø aproximou-se da
canoa. Mais perto dele, mais perto da margem, o barco diminui a marcha e parou.
Então ele viu o rosto da mulher, e quase ao mesmo tempo ø leu o nome de um rio
na quilha vermelha, o rio em que ele nascera. Justo Calisto teve a impressão de
que esta seria a última viagem, a última passagem do barco vermelho... Ele não
acenou para a mulher. (João Gilberto Noll, “Açaí e Acerola”, 10-04-94 Editorial:
mais! p.6)
Vejamos como seria a passagem deste trecho ao E:
Justo Calisto volvió a la terracita. Acostado en la hamaca, ø esperó el sueño, ø
esperó el próximo fin de semana… Al comienzo de la tarde de este domingo, ø
abrió la jaula: los dos pájaros volaron hacia el mismo sentido. ø Enrolló la hamaca
en la que ø había dormido más de 20 años y ø salió de casa. ø Recorrió a pie el
camino que lo separaba de la orilla del río. Ahora, en la cima del monte, ø piensa
en lo que va a suceder, en qué puede suceder… Al divisar el barco rojo, ø se bajó el
monte y ø se acercó al bote. Más cerca de la orilla el barco redujo la marcha y
paró. Entonces ø vio el rostro de su mujer y casi al mismo tiempo ø leyó el nombre
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de un río en la quilla roja, el río en que ø había nacido. ø Tuvo la impresión que
este sería su último viaje, el último paso del barco rojo… ø No le hizo ademanes a
su mujer. (versão minha)

Tomando o exemplo anterior e seu correspondente em E, nota-se que a presença do


pronome ele é uma referência endofórica anafórica deployed (Barbara & Gouveia, 2001:12)
e a presença ou não do pronome-sujeito pode atribuir-se a uma questão estilística, visto que
há sete pronomes referidos a Justo Calisto e oito casos de omissão e que, ademais, todas as
ocorrências do pronome poderiam ser substituídas por uma referência vazia – referência
endofórica anafórica not deployed (Barbara & Gouveia, 2001:12). Em E, a presença do
pronome él seria inadequada, pois, em qualquer lugar onde aparecesse, indicaria uma
mudança de sujeito, não uma referência a um sujeito anterior.
Por outro lado, segundo Maia-González (1994:126), “uma das questões de maior
interesse quando se focalizam os pronomes-átonos, especialmente em função de objeto
direto, é enfatizar que o E, que admite anáfora-zero de sujeito, não admite anáfora-zero de
objeto. Ou seja, quanto ao seu sistema referencial, E e PB tendem a deixar vazias diferentes
categorias: a primeira, a do sujeito e, a segunda, a do objeto. Para os exemplos desta autora
Dijo que me dio la llave pero no me la dio e Me preguntó si yo sabía dónde estaba la
catedral, pero yo no lo sabía, qualquer falante do PB compreenderia o processo de
referência existente no texto, caracterizado também como um caso de referência endofórica
anafórica not deployed. Assim, no PB teríamos Disse que me deu a chave, mas não me ø
deu e Me perguntou se eu sabia onde estava a catedral, mas eu não ø sabia.
O fenômeno com o qual se está lidando aqui também encontra respaldo teórico no
proposto por Halliday (1985:310) quanto ao conceito de Elipse: “uma oração ou parte dela,
um grupo verbal ou nominal ou parte dele deve ser pressuposto no que vem na seqüência
textual pelo mecanismo da omissão, ou seja, não haverá nada onde algum elemento for
necessário para formar o sentido”. No caso dos pronomes-objeto, como já se disse, tal
fenômeno seria possível e usual no PB, mas nunca em E. Por outro lado, para a questão dos
sujeitos pronominais, a elipse é o fenômeno coesivo mais recorrente em E, ao passo que tal
coesão se faz, em PB, maiormente pelo uso dos sujeitos pronominais.

3. Metodologia
Como já explicitado, para descrever e explicar as relações que se estabelecem na
construção de um determinado objeto significante, no caso, as tiras da personagem
argentina Mafalda, há a necessidade de se proceder a recortes. As tiras analisadas para este
estudo foram extraídas de diferentes trechos da publicação “Toda Mafalda”, que contém
todas as tiras em ordem cronológica. O corpus analisado em E constitui-se de várias tiras
dessa personagem, com um total de 29.904 palavras (frente a 29.438 em PB), escritas entre
1964 e 1973. Porém, suas traduções no Brasil são mais recentes, já que se trata de textos
publicados em diversos jornais no mundo inteiro, em outros 26 idiomas; ou seja, trata-se de
um êxito editorial, o que revela a adequação das traduções nas línguas/culturas às quais
foram traduzidas. Suas traduções foram feitas, em geral, depois dessas datas. Pelo fato de
tratar-se de estórias breves e de Mafalda ser criança, há muitos elementos da oralidade ou
de uma escrita com características informais, condição apropriada para este trabalho, já que
o que se pretende é comparar E e PB em seu uso real, não suas gramáticas normativas. Em
outras palavras, a única maneira de compreender adequadamente a dimensão deste
contraste castelhano-português é prescindir da gramática normativa e considerar a
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perspectiva iniciada por Saussure (1979:57) ao definir a língua como “um sistema
gramatical virtualmente existente em cada cérebro”, ou seja, não prescrito por instituições
escolares ou acadêmicas, nem por normas idealizadas da gramática normativa.
4. Descrição dos resultados
A fim de verificar e analisar quais elementos favorecem a maior ocorrência de
elipses de sujeito em E e de sujeitos pronominais em PB, é importante verificar se, de
acordo com o Processo ao qual se combina(m), determinado(s) pronome(s) ou sua(s)
elipse(s) tende(m) a associar-se mais a determinado(s) tipo(s) de Processo (classificação
semântica proposta por Halliday para o que se conhece comumente como “verbo”).
Obviamente, mais que os pronomes ou suas elipses, ocorrem itens lexicais com
função de sujeito, independentemente do tipo de Processo a que se combinem, como em:
La tía Paca / es / un punto en contra / para la humanidad
Participante / Processo / Participante / Participante
Nos dois corpora estudados, as ocorrências de Processos cujo participante que
realiza a ação é representado um pronome pessoal ou sua elipse é de cerca de 32%, sendo
322 (trezentas e vinte e duas) ocorrências de Processos no trecho analisado em E e 317
(trezentas e dezessete) em PB. Essa ligeira diferença deve-se a pequenos ajustes feitos no
texto em PB em decorrência da tradução.
Os casos em que o sujeito aparece representado por um pronome são mais
freqüentes que os casos em que é representado por uma elipse no corpus em PB, conforme
ilustra o exemplo a seguir:
Vocês / conhecem / a piada da formiguinha e do elefante?
Participante / Processo / Participante
Já para o E, os dados do corpus mostram uma situação diferente do PB:
¿ø / conocen / el cuento de la hormiguita y el elefante?
Participante / Processo / Participante
Em outras palavras, em E prevalecem as elipses de sujeito quando essa função
poderia ser desempenhada por um pronome pessoal. Assim, após a análise dos Processos e
das ocorrências pronominais, os dados mostraram claramente que, independentemente do
Processo a que se combinem, os sujeitos pronominais tendem a manifestar-se de forma
diferente nos dois idiomas em questão, conforme demonstra a tabela a seguir:

Processos Espanhol Português


Elipse Pronome Elipse Pronome
Material 84,1% 15,9% 42,8% 57,2%
Mental 92,5% 7,5% 44,3% 55,7%
Relacional 63,0% 37,0% 46,5% 53,5%
Verbal 76,2% 23,8% 26,8% 73,2%
Comportamental 70,0% 30,0% 36,9% 63,1%
Tabela 1: Porcentagem de Processos associados a elipses ou a pronomes pessoais
Em todos os Processos analisados (com exceção dos Processos Existenciais, que
não apresentaram ocorrências associadas a pronomes pessoais) prevalece a elipse do sujeito

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no caso do E. O PB, por outro lado, mostra uma clara predileção a que ocorram sujeitos
pronominais, independentemente do Processo ao qual o pronome-sujeito se combine.
Das diferenças no número de ocorrências entre pronomes pessoais ou elipses, a
menor encontrada é a dos Processos Relacionais em PB. Para o E, a menor diferença entre
os números dessas ocorrências também se refere aos Processos Relacionais. Em E, esse
Processo é o que parece favorecer um pouco mais a presença do sujeito pronominal, pois se
relaciona à ordem do ser. Em E, quando o sujeito de um Processo Relacional é um pronome
pessoal, ele desempenha o proposto por Bruno & Mendoza (1997:15), que afirmam que “o
pronome-sujeito deve aparecer quando se quer insistir sobre a idéia de pessoa”. Essa
“insistência” sobre a idéia de pessoa parece estar de acordo com o sentido dos Processos
Relacionais, pois eles, em geral, não são ação, mas sim, estado, qualidade ou posse
atribuídos a um sujeito que, se pronominal, tende a ser melhor expressado pela ocorrência
efetiva de um pronome pessoal que por sua elipse.
Outro conceito que corrobora preferência do E pelos pronomes-objeto e do PB pelos
pronomes-sujeito é o de Tema, definido como “ponto de partida da mensagem”
(Eggins:1994:271) ou, segundo Halliday (1994:38), “o elemento que, em linhas gerais,
pode ser identificado como o que aparece em primeiro lugar na sentença”. A fim de dar
continuidade à discussão sobre a preferência do E por formas pronominais oblíquas e do PB
por formas pronominais retas, é importante verificar se, de acordo com o ponto de partida
da mensagem, ou seja, o Tema, são pronomes pessoais ou suas elipses a situação mais
recorrente.
Obviamente, por serem provenientes de tiras os textos que constituem os corpora
aqui analisados, o que significa que os textos são curtos, mais que os pronomes ou suas
elipses, ocorrem itens lexicais como Tema, como em:
Mi mamá / me manda a comprar el pan.
Minha mãe / mandou comprar pão.
TEMA / REMA
Além disso, há também os casos em que o Tema é representado por um elemento
circunstancial, como se vê no exemplo a seguir:
Realmente / el índice es un dedo fantástico.
Realmente / o indicador é um dedo fantástico.
TEMA / REMA
Nos dois corpora estudados, as ocorrências de pronomes pessoais ou suas elipses
como Tema ou parte dele é de 13,35% (43 casos em 322) em relação ao total de Temas no
trecho analisado.
Os casos em que o Tema aparece representado por um pronome prevalece sobre os
casos em que é representado por uma elipse no corpus em PB, conforme ilustra o exemplo
a seguir:
Você / trabalha como uma escrava na cozinha.
TEMA / REMA
Já para o E, os dados do corpus mostram uma situação diferente da do PB, pois é a
elipse a situação temática mais recorrente:
ø / trabajás como una negra en la cocina.
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TEMA / REMA
A tabela a seguir ilustra as diferenças dos dados aqui mostrados e discutidos com
relação aos corpora estudados:
TEMA
Espanhol Português
Elipse Pronome Elipse Pronome
83,7% 16,3% 39,5% 60,5%
Tabela 2: Porcentagem de Temas associados a elipses ou a pronomes pessoais
Embora Gouveia & Barbara (2001:6) proponham, em seu artigo que discute a
questão de Tema marcado e não-marcado em português e outras línguas pro-drop, que
tanto a presença quanto a elipse de sujeito em posição inicial configurem Temas não-
marcados, e que outras configurações temáticas como circunstanciais ou casos de sujeitos
pós-verbais são casos de Tema marcado, E e PB, no tocante aos casos de Temas não-
marcados, privilegiam diferentes tipos de ocorrências: nos casos em que a função de Tema
é representada por um pronome pessoal ou sua elipse, é a elipse a situação mais recorrente
em E e, em PB, ao contrário, é a presença de um sujeito pronominal a situação mais
provável de ocorrer.

5. Considerações finais
Com relação à ocorrência dos sujeitos em nossos idiomas, quando estes não se
representam por itens lexicais, é marcada a preferência do E pelas elipses e, do PB, pelos
pronomes pessoais retos. Assim, a situação mais comum verificada na tradução do original
argentino ao PB foi a transformação de um sujeito elíptico em um sujeito pronominal,
como ilustra a passagem de ¿ø Has visto el fardo de problemas que hay en el mundo,
Felipe? a Você já viu o fardo de problemas deste mundo, Filipe?
A ocorrência da forma de tratamento você foi uma das que mais discrepou em
quantidade do original em E. Sua forma correspondente, o pronome vos, ocorreu 114 (cento
e catorze) vezes, ao passo que a forma você em PB ocorreu 372 (trezentas e setenta e duas)
vezes, o que significa um aumento de, aproximadamente, 226,31%. Talvez isso se deva ao
fato de que a forma “você” do português tem a sua concordância verbal “compartilhada”
com muitas outras pessoas gramaticais, o que não acontece com a sua correspondente
castelhana vos (ou tú). Dessa forma, pensemos que em português se diz “você foi”, “a gente
foi”, “ele foi”, “ela foi”, “você vai”, “a gente vai”, “ele vai”, “ela vai” etc; a presença dessa
forma de tratamento parece muitas vezes “tirar” a suposta ou possível ambigüidade da
forma verbal.
Por outro lado, o aumento de todas as formas pronominais de sujeito e a diminuição
de todas as que representam objetos diretos ou indiretos parece indicar uma mudança mais
profunda quanto às características pro-drop do PB, ademais de mudanças quanto ao seu
sistema de Referência. O pronome eu, por exemplo, cuja correspondente yo aparece 126
(cento e vinte e seis) vezes, apresenta 251 (duzentas e cinqüenta e uma) ocorrências,
gerando um aumento de 99,2%, ou seja, praticamente o dobro, o que parece indicar uma
mudança em um nível mais profundo, já que ambas as formas pronominais, “yo” e “eu”,
têm desinências verbais exclusivas em castelhano e em português, respectivamente. Assim,
se se disser ø Fui al cine anoche e Yo fui al cine anoche, ou ø Fui ao cinema ontem à
noite e Eu fui ao cinema ontem à noite, independentemente do que a presença ou ausência

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do pronome-sujeito implica, nenhum falante de E ou de português não entenderá ou
confundirá o sujeito dessas orações.
No PB, a tendência a explicitar o pronome-sujeito pode estar relacionada à
constante necessidade de solucionar a ambigüidade da terceira pessoa do verbo, pois se
usam muito as formas verbais de terceira pessoa para referir-se à segunda (você , o senhor,
a senhora), além do uso estendido da forma a gente, que também tem sua concordância
feita com o verbo na terceira pessoa do singular, no lugar da forma nós. No E, por outro
lado, há que se ressaltar a quase impossibilidade de se usarem as formas él/ella e seus
plurais referidos a seres inanimados (no corpus em E, as ocorrências somadas de
él/ella/ellos/ellas foram 52, ao passo que a soma das ocorrências dos equivalentes no
corpus em PB foi de 196; quase quatro vezes mais) e também a prescindibilidade dos
pronomes-sujeito caso estes não tenham um papel enfático, de contraste entre pessoas ou de
evitar ambigüidade, sobretudo no uso das terceiras pessoas.
Embora não se queira, aqui, afirmar que o trabalho de tradução foi adequado ou não,
mostra-se muito recorrente a alternância de trechos em PB que conservaram mais as
características de Gênero do texto original e de outros que primaram pela fidelidade
estrutural, alterando o tom de informalidade / oralidade do original em E. Tal fato deve-se,
ao que parece, às diferenças existentes entre os sistemas pronominais dos dois idiomas em
questão e, também, à constante tensão entre prescrição e uso, presente de forma recorrente
nos textos traduzidos.

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SAUSSURRE, Ferdinand de 1979 Curso de Lingüística General. Buenos Aires, Losada.

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