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arquitetura
aracajuana:
a imposição do tempo
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
reitor
Angelo Roberto Antoniolli
vice-reitora
Iara Maria Campelo Lima
arquitetura aracajuana:
a imposição do tempo
São Cristóvão/SE
2018
Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido por qualquer meio
sem autorização escrita da Editora.
Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
de 1990, adotado no Brasil em 2009.
projeto gráfico, capa e diagramação
Alana Gonçalves de Carvalho Martins
ilustrações de capa
1º plano: Solar dos Rollemberg, aquarela, 2016; 2º plano: casa na rua Itabaiana,
983 (demolida em 2014). Artista: Adriana Dantas Nogueira.
revisão ortográfica
Amanda Matos Santos
Andréa Machado da Cunha
ficha catalográfica
Biblioteca Central – Universidade Federal de Sergipe
CDU 72(813.7)(091)
SUMÁRIO
Palacetes/Residências, 139
APRESENTAÇÃO, 6
Minipalacetes/Residenciais, 143
INTRODUÇÃO, 8 Fábricas, 147
Escritórios (comissões/designações/fazendas/
CAPÍTULO exportações), 150
1
Lojas de Ferragens, 152
Culto à Linha, 15
Casa/Comércio, 153
Senso de Massas em Movimento, 18
Hotéis/Pensões, 156
Simbolismos, 21
Edificações Religiosas, 157
Rotina Vazia da Arquitetura, 30
Escolas ou Instituições de Ensino, 160
Mercados Municipais, 161
Chácaras/Chalés/Vilas, 167
2
CAPÍTULO
Sobrados/Residências – Neocoloniais; Art Déco;
Proto e Modernistas, 170
Ruptura e não ruptura com as tradições, 37
Palácios/Palacetes/Monumentos – Art Déco
Originalidade e não originalidade da forma, 55 e Art Nouveau, 186
Destituição e a não destituição de preocupação ideológica, 88 Armazéns/Casas/Comércios – Art Déco, 193
Independência e/ou dependência de conceitos estéticos, 102 Estação Ferroviária, 194
Religiosas – Art Déco, 196
Hospitais – Eclético/Art Nouveau, 197
3
CAPÍTULO
Terminal Rodoviário, 198
Casas Unifamiliares – Art Déco;
Armazéns de secos e molhados, 126
Neocoloniais e Modernista, 199
Casas Comerciais/Farmácias, 129
Instituições de Ensino e Prédios Públicos –
Armazéns/Depósitos/Estiva, 135 Art Déco e Modernista, 201
Palácios, 136 Cinemas/Restaurantes, 203
REFERÊNCIAS, 211
APRESENTAÇÃO
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diversas formas, com um conjunto de informações, acrescidas de rico
acervo fotográfico. Neste capítulo, merecem destaque os Armazéns de
Secos e Molhados, Casas comerciais, Hospitais, Palácios e Palacetes,
assim como residências de diferentes padrões e estilos, entre outros.
Esse resgate feito pelos autores é de suma importância, tendo em
vista que não tem sido prática da população a manutenção do seu pa-
trimônio que tem sido destruído para dar lugar a construções de pouco
significado, além de apagar a memória da cidade.
Os autores Eder Donizeti e Adriana Nogueira, assim como o Depar-
tamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU) e Departamento de Artes
Visuais e Design (DAVD) da Universidade de Sergipe, estão de parabéns
pela excelente contribuição que oferecem à cidade, que é presenteada
por tão vasto conhecimento que enriquece o seu patrimônio.
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INTRODUÇÃO
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Aracaju se enquadra dentro dessas novas cidades que surgiram
diante de novas funções e novos símbolos no século XIX no Brasil. Com
a República (no século XX), ela recebeu mais símbolos e os materializou
nos seus espaços físicos, reforçando mais ainda suas funcionalidades e as
sintonias com o país.
As cidades são estruturas urbanas multifacetadas, formadas por ar-
ranjos dos espaços organizados e não organizados, mas que, na sua con-
dição humana, seguem um ordenamento de uso e adaptações ao longo
da história, sobrepondo-se, destruindo-se e reconstruindo-se, transfor-
mando-se. Esse conjunto de vida tem como cerne de sua essência a for-
ma, o espaço e a ordem materializados na sua arquitetura.
Essa arquitetura que se transforma e é transformada carrega, ao
longo do tempo, todos os anseios, expectativas, esperanças resignadas e
atuantes nos objetos que irão ser os atratores e portadores do modo de
viver das pessoas de uma certa época.
O tempo, apesar de possuir momentos mais expressivos e “agita-
dos” de “mudanças”, acusa nas edificações essas transformações, refle-
tindo e condensando nas “pedras volumes e massas” que edificam as
memórias de uma geração, de um povo, de uma nação. Estes espaços,
remanescentes isolados ou em conjunto, tomam para si uma natural e
constante tensão entre mudar, transformar ou manter-se como uso e
aceitação de um determinado momento na história.
As cidades são possuidoras de todas essas e outras inúmeras ar-
gumentações representativas em cada período, modo e mentalidade de
vida de uma cultura, acondicionadas nas edificações que as caracterizam
e produzem suas espacialidades, representando a formação de um con-
texto cultural urbano e arquitetônico mais amplo, processando arranjos
e, naturalmente, se definindo como objetos materiais e imateriais carre-
gadores de juízos de valores humanos históricos e estéticos.
A determinação de um período em que essas transformações têm
início e têm um possível final carregam as naturais dificuldades da con-
tinuidade de vida humana, agenciadas pela diversidade e complexidade
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representativas de modelos, esvaziamentos, símbolos, movimentos,
cultos presentes nos espaços do viver em conjunto, os quais o homem
chamou de cidades. Entretanto, é possível perceber homogeneidades
em certos períodos, percebidos por elementos de importância transfor-
madora dentro de um sistema, tais como: a transição da vida rural para a
vida urbana e seus embates ideológicos; novas tecnologias construtivas e
a busca de conforto; rupturas e não rupturas com as tradições; presença
de originalidade e não originalidade nas massas constituídas do espaço
urbano, enfim, na “remodelação” do pensamento urbano.
Desta forma, podem ser demarcados períodos temporais que re-
presentam transformações urbanas expressivas na formação das espa-
cialidades das cidades de uma determinada cultura, a partir do entendi-
mento de como as edificações e seus conjuntos foram sendo utilizados,
construídos e reconstruídos, mediante um pensamento humano mais
solidificado, naquele momento que, mesmo conduzido dentro de regras
gerais, provocava, naturalmente, a inquestionável natureza humana da
individualização personalizada.
Este trabalho teórico-conceitual-reflexivo aponta para o entendi-
mento de uma época, um período em comum, capaz de demonstrar as
transformações que as cidades brasileiras sofreram nesta continuidade,
produzida pela natural condição de formação da espacialidade urbana.
Para isso, toma-se como exemplo uma cidade, não apenas possuidora
de um significado acondicionado por um momento arquitetônico mais
expressivo, mas também de um arranjo mais complexo que expressa e
representa variações de estilos arquitetônicos, os quais coexistiram e se
alimentaram dos processos humanos agenciadores e formuladores da
espacialidade urbana nacional de uma época.
A cidade de Aracaju, no Estado de Sergipe, seria possuidora dessa
representatividade arquitetônica complexa e diversa de um período de
transformação, em que as cidades brasileiras sofreram de forma intensa,
da metade do século XIX até a metade do século XX, pois foram consti-
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tuídas, formatadas e arregimentadas nas transformações da mentalidade
de vida, produtoras e reprodutoras das edificações e de seus usos.
Visando salvaguardar a memória e identidade de Aracaju, a partir
da demonstração do que seus remanescentes urbanos e arquitetônicos
representam, em conjunto e de forma isolada, e por meio das “Trans-
formações sofridas pelas Cidades Brasileiras do final do Século XIX até a
metade do Século XX”, é que se construiu um modelo de pensamento
reflexivo baseado na “ressignificação” de conceitos presentes e expres-
sivos nesta época. Tais conceitos dizem respeito à “Rotina Vazia da
Arquitetura Brasileira”, com significância no Ecletismo; às “Simbologias”
remanescentes das Arquiteturas Ecléticas; à Art Nouveau; à Art Déco
e Modernista que este período materializou; ao “Senso de Massas em
Movimento”, caracterizado pela disputa entre os volumes historicistas X
geométrico, da função X a beleza; ao “Culto à Linha”, definida em uma
cultura ortogonal pretensamente “enfeitada” no Ecletismo e “desenfei-
tada” no Modernismo.
Todas essas questões, presentes na formação das cidades brasilei-
ras, são entrecruzadas na ressignificação final denominada “Complexa e
Diversa Tipologia Arquitetônica”, em que se desconstrói e se reconstrói o
entendimento do juízo de valor histórico, estético e humano das edifica-
ções e de seu uso tipológico, associado às suas considerações simbólicas,
tendo como referência os remanescentes urbanos e arquitetônicos da
cidade de Aracaju, demonstrando a necessidade indiscutível de se pro-
teger o conjunto significativo patrimonial desta representação de estilos
que ainda coexistem e representam uma cultura arquitetônica nacional
do final do século XIX até a metade do século XX.
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CAPÍTULO 1
ARACAJU:
arquitetura e urbanismo,
conceitos históricos, teóricos
e perceptivos do espaço
As cidades são estruturas urbanas multifacetadas formadas por ar-
ranjos do espaço organizados e/ou não organizados, mas, que, na sua
condição humana, seguem um ordenamento de uso e adaptações ao lon-
go da história, sobrepondo-se, destruindo-se e reconstruindo-se, trans-
formando-se. Essse conjunto de vida tem como cerne de sua essência a
forma, o espaço e a ordem materializada na sua arquitetura. Essa arqui-
tetura que se transforma e é transformada carrega, ao longo do tempo,
todos os anseios, expectativas, esperanças resignadas e atuantes nestes
objetos (edificações) que irão ser os atratores e portadores do modo de
viver das pessoas de uma época.
O tempo, apesar de possuir momentos mais expressivos e “agita-
dos” de “mudanças”, acusa nas edificações essas transformações, refle-
tindo e condensando nas “pedras, volumes e massas” que edificam as
memórias de várias gerações, de um povo, de uma nação. Estes espaços
remanescentes, isolados ou em conjunto, tomam para si uma natural e
constante tensão, entre mudar, transformar ou manter-se com o uso e
aceitação de um determinado momento na história e da mentalidade de
vida de uma cultura.
A determinação de um período, no qual estas transformações
têm início e possível fim, carrega dificuldades próprias da continuidade
de vida humana agenciadas pela diversidade e complexidade represen-
tativas de modelos, esvaziamentos, simbolismos, movimentos, cultos;
presentes nos espaços do viver em conjunto que o homem chamou de
cidades. Entretanto, junto a uma inquestionável natureza humana de
individualização personalizada é possível perceber homogeneidades,
constituidas por elementos de importância transformadora dentro de
um sistema; como a transição da vida rural para a vida urbana; as novas
tecnologias, a busca pelo conforto; rupturas e não rupturas com as tradi-
ções; presença de originalidade e não originalidade nas massas edificadas
do espaço, enfim, em uma “ressignificação” do pensamento urbano.
Este livro aponta para o entendimento de uma época, de um perío-
do em comum, capaz de demonstrar as transformações que as cidades
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brasileiras sofreram nesta continuidade produzida pela natural condição
de formação dos espaços urbanos do final do XIX até metade do século
XX. Para isto, toma como exemplo a cidade de Aracaju/SE, não apenas
possuidora de significados acondicionados por um único momento arqui-
tetônico expressivo, mas de um arranjo mais complexo que expressa e re-
presenta variações de “estilos” arquitetônicos que acabaram por coexistir
e capaz ainda de representar de forma intensa essas transformações.
Buscando agregar bases teóricas “protecionistas”, visando salva-
guardar a memória e identidade de Aracaju, demonstrando que seus re-
manescentes urbanos e arquitetônicos representam, em conjunto e de
forma isolada, transformações sofridas pelas cidades brasileiras do final
do século XIX até metade do século XX, oferta-se um modelo de leitura
histórica da arquitetura baseado na “ressignificação” de conceitos ainda
presentes, como: a “Rotina Vazia da Arquitetura”, com significância no
Ecletismo; os “Simbolismos” remanescentes das arquiteturas Ecléticas,
Art Nouveau, Art Déco e Modernista; o “Senso de Massas em Movimento”,
caracterizado pela disputa entre volumes historicistas x geométricos e
da função x beleza; do “Culto à Linha”, definido em uma cultura espacial
e arquitetônica geométrica, pretensamente “enfeitada” no Ecletismo e
“desenfeitada” no Modernismo.
Todas essas questões, que comparecem na formação de outras ci-
dades brasileiras, como a exemplo de Teresina, Belo Horizonte, Goiania,
Brasília e Palmas, são entrecruzadas numa “ressignificação” denominada
“ARQUITETURA ARACAJUANA: a imposição do tempo”, em que se des-
contrói e se reconstrói o entendimento do juÍzo de valor histórico, estéti-
co e humano das edificações e de seu uso “tipológico”, associado a consi-
derações simbólicas, tendo como referências os remanescentes urbanos
e arquitetônicos da cidade de Aracaju até o ano de 2014. Sendo assim,
demonstramos a necessidade de se proteger um conjunto edificado ainda
existente e que se configura como um representante importante de uma
Cultura Arquitetônica Nacional, caracterizado num determinado período
histórico, ou seja, do final do século XIX até a metade do século XX.
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Culto à Linha
Aracaju pode ser incluída na temática de Cidades Projetadas que
começam a surgir na metade do século XIX e que tem como exemplos,
entre outros, as “novas capitais”, como Teresina e Belo Horizonte, as
quais são representativas de uma cultura de “Linha Reta”, ou do que se
prefere, em arquitetura, designar de Culto à Linha (CHOAY, 1997, p. 23),
que também se expressa em cidades como Goiânia, Brasília e Palmas.
Entretanto, a sensação/fruição (CHOAY, 1999, p. 11) que esse conjun-
to de Aracaju transmite, própria de sua paisagem urbana, extrapola essa
única condição determinista, ou seja, Aracaju modela uma diversidade
na sua atmosfera urbana que inclui resíduos polifônicos de uma arqui-
tetura representativa de vários estilos associados ao traçado ortogonal.
O traçado retilíneo também recebe e absorve a dificuldade de
implantação imposta pelo mangue e pelo Rio Sergipe, que a cerceia e
a delimita como condição geográfica, absorvendo-a, refletindo-a e ma-
terializando-a. O mangue “cria” certa dificuldade para as construções,
asssim, Aracaju parte para uma busca tanto de contraposição quanto de
simbiose com a natureza que moldam sua arquitetura, ao mesmo tempo
de identidade única e original, que contribui para a evolução e o cresci-
mento urbano da cidade (Figura 1).
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A
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A escolha da implantação de Aracaju se deu de forma bem intri-
gante, pois em 17 de março de 1855, por meio da resolução n. 413, san-
cionada pelo então Presidente da Província, Inácio Joaquim Barbosa, o
antigo povoado Santo Antônio do Aracaju passa à categoria de cidade
e imediatamente passa a ser a capital do Estado (NASCIMENTO, 1981,
p. 85). A localização da cidade foi, sobretudo, um marco de uma atitu-
de progressista em relação as demais vilas e cidades existentes no Brasil.
Pode-se dizer que, somente considerando as características que envolve-
ram o traçado da cidade e sua topografia, a formação urbana e humana
superaram praticamente todas as dificuldades impostas pela natureza.
Aracaju pode ser percebida como uma forte relação entre o espaço
natural e o espaço construído. A sua imagem de superfície muito plana,
porções de áreas alagáveis, um grande rio às suas margens destacando
a linha sinuosa da Av. Ivo do Prado (Rua da Frente), a qual acompanha a
curvatura do rio, são características que persistem na força provocadora
da sua imagem urbana e que condicionam semelhanças à implantação
de outras cidades brasileiras que possuem rios/mares como berço de
seu nascimento (LYNCH, 2011, p. 11).
O projeto do traçado de Aracaju também veio carregado de preo-
cupações ideológicas saturadas por questões políticas e econômicas,
cujas ações de implantação se constituíram de extrema complexidade,
em um jogo de contraposição entre implantar uma cidade independente
de quaisquer tradições estéticas e/ou manter as tradições urbanas colo-
niais (NUNES, 2006, p. 127). Neste ponto, entende-se a própria essên-
cia da diversidade existente no conjunto remanescente de Aracaju; essa
diversidade é constituída por um Traçado Retilíneo, simples, geométri-
co, que ao mesmo tempo que propõe rompimento com a tradição da
implantação das cidades anteriormente erigidas no Brasil, recebe como
“enfeites” complementos de uma arquitetura Eclética.
O embate entre o passado e o novo é perceptível e materializa-se
na sobreposição de um Senso de Massas em Movimento, constituído de
formas historicistas, sinuosas, caracterizadas na arquitetura Eclética “versus”
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um desenho de malha perpendicular geométrica de formato “xadrez’,
que irá representar um modelo nacional e internacional de urbanismo,
marcado por um Culto à Linha Reta, representativo das transformações
impostas pelos paradigmas higienista e, posteriormente, modernista
(SITTE, 1992, p. 95).
Esse modelo Traçado Retilíneo X Formas Tradicionais vem carregado
de uma quantidade enorme de elementos extras, expressos na sua es-
pacialidade urbana, os quais representam a intenção ou a não intenção
de rompimento do novo, que desaguaram nas transformações urbanas
de uma cidade constituída por uma eterna disputa entre a natureza e
o construído, entre a cidade e o rio, a cidade e o mangue, o natural e o
artificial. Desta forma, em Aracaju, os remanescentes arquitetônicos
e seu Culto à Linha, representam mais do que um modelo de traçado,
representam um conjunto de variabilidades somadas e constituíram as
mudanças sofridas pelas cidades no Brasil no final do século XIX até a
primeira metade do século XX.
A Diversidade e a Complexidade se expressam não exatamente e
exclusivamente no Traçado (Quadrado de Pirro), mas na associação com
outras questões teóricas, como o SENSO DE MASSAS EM MOVIMENTO,
que representa a disputa/amálgama entre as formas historicistas, as for-
mas sinuosas, as formas geométricas, que também estão presentes na
constituição da formação do espaço urbano no Brasil daquela época e
que, em Aracaju, possuem ainda intensa representação.
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luz e sombra, cor, que se combinam constituindo uma qualidade indelé-
vel de identidade daquela cidade.
O Movimento de Massas é composto por todos os componen-
tes da arquitetura explorados pelos arquitetos ao longo do tempo na
composição natural ou artificial da paisagem. Às vezes, o Movimento
de Massas são fragmentos ou parcelas remanescentes que possuem ou
introduzem na paisagem urbana sensações sobre o observador-fruidor,
dando àquele espaço um caráter de diferenciação e possibilidade de
ser portador de memórias e condensar identidade àquela comunidade
(CULLEN, 1971, p. 11).
O Senso de Massas em Movimento poderia ser o que se denomina
“DNA” urbano, ou seja, tome-se como exemplo a cidade de Veneza, re-
pleta de canais, vias de água, a relação espacial que o conjunto de casas,
igrejas, palácios, os volumes, as massas (etc.) possui no Espaço e trans-
mite a pura e indiscutível relação com a água que se torna sua essên-
cia. Assim, muitas cidades são reconhecidas dentro de características/
qualidades/(im)perfeições originais que ao mesmo tempo que lhes dão
personalidade, as colocam ou as aproximam de outras cidades portado-
ras de várias similaridades. Essas aproximações dos espaços/volumes/
massas explicaria, no senso comum, por que certos locais fazem lembrar,
rememorizar outros, e por que certas cidades fazem lembrar outras.
Portanto, toda cidade possui uma forma que condiciona massas,
existindo uma indissociável relação com os elementos naturais, como o
rio, o mar, vales e montanhas, é o caso de Aracaju com o rio Sergipe, ou
seja, apesar de seguir o Culto à Linha (traçado projetado), a implantação
respeitou, materializou e cultivou um crescimento ao longo do rio, em
que as edificações marcam ou são marcadas por essa relação. Essa condi-
ção, esse Senso de Massas em Movimento, identificável em alguns conjun-
tos remanescentes de Aracaju, podem também ser verificados compara-
tivamente, no seu conceito mais amplo, a outros conjuntos pertencentes
a cidades de origem portuárias fluviais brasileiras.
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Indicativo marcante da diversidade, o Senso de Massas em Movi- A
mento apresenta outras variáveis possíveis de serem apreciadas dentro
de sua complexidade, como por exemplo, o que se pode chamar em
Aracaju de uma demonstração desafiadora de individualidades, marcada
pelo heroísmo de implantar uma cidade e suas edificações em terrenos
que apresentavam severas restrições geográficas. Essa questão está re-
batida no tamanho, na forma, na tipologia, no conjunto que materializa
a própria espacialidade urbana, nas técnicas e materiais que serão utili-
zados para vencer essas dificuldades impostas pelo terreno úmido e de
pouca estabilidade, fazendo com que até hoje sejam respeitados padrões
e rotinas construtivas de outros tempos (Figura 2).
Simbolismos
O símbolo é um objeto que representa outro de forma analógica
ou convencional, um sinal através do qual entende-se o design de um
objeto e sua representação na sociedade da qual faz parte (JAPIASSÚ;
MARCONDES, 1996, p. 248). A arquitetura remanescente de Aracaju,
como é da natureza do conjunto que carrega juízos de valores reconheci-
dos, possui inúmeros simbolismos.
O conceito contido no Simbolismo associa-se aqui ao de represen-
tação das mentalidades, das mudanças de vida, das formas de pensar e
agir que se materializam nas edificações e que são resultado das transfor-
mações que a cidade sofre/opera/destrói/reconstrói/sobrepõe, bem
como no que permanece e se torna juízo de valores históricos e estéti-
cos; significados, maneiras de saber fazer e usar, extrapolando o material
e persistindo na memória, lembrado por objetos que são mantidos ou
se mantém heroicamente durante essas transformações de longo prazo.
Na arquitetura de Aracaju, esse Simbolismo não se apresenta ape-
nas nas ideologias do Ecletismo, pois não se finda como propósito de
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uma modernidade, ele alimenta e conjuga sistemas de ideias que irão
conviver com o Art Nouveau, com o Art Déco, recebendo contraposi-
ções mais expressivas com o “protomodernismo” e, especialmente, com
a arquitetura Modernista, tornando a cidade um campo de disputas de
espacialidade em uma convivência na qual não se pode distinguir um
conjunto homogêneo de estilo.
A diversa e complexa arquitetura remanescente de Aracaju pode
ser determinada não apenas pelo Culto à Linha (Quadrado de Pirro),
mas por um “amadurecimento” no momento da virada entre os séculos
XIX e XX, partindo de uma busca de afirmação a partir do conceito de
“Remodelação Urbana” (Ecletismo), indo ao encontro da afirmação de
uma “Mentalidade de Vida” (Art Nouveau; Art Déco; Modernismo). Desta
forma, o início dos Simbolismos é baseado no Modo/Gosto de viver “afran-
cesadamente” representado pela “tipologia” eclética CASA/COMÉRCIO
e se desdobra a partir da industrialização tardia e da própria afirmação da
individualidade buscada pelo século XX, atingindo uma pretensa menor
ou maior personalização no Art Déco, que desaguará em uma “maturi-
dade” espacial urbana/arquitetônica, ou seja, nas regras da Arquitetura
Modernista, que se expressa como modelo internacional, mas antes ex-
perimentando e produzindo edificações heterogêneas e difíceis de serem
identificadas, às vezes denominadas de protomodernistas (Figura 3).
Nas edificações Ecléticas, além das habituais regras decorativas
classicistas, as invenções Simbólicas são muito aplicadas, uma das mais
comumente apresentadas nos frontões triangulares de construções “des-
policiadas” (LEMOS in FABRIS, 1987, p. 75) são as Estrelas de cinco pontas,
que representam as Casas Comerciais, localizadas sempre no tímpano
triangular do frontão neoclássico da construção; esse elemento decora-
tivo (estrela de cinco pontas) pode ser verificado constantemente nas
edificações dos bairros centrais de Aracaju.
Outra questão Simbólica presente nas construções ecléticas dos
primeiros anos do século XX é encontrada na maioria das edificações,
especialmente as de tipologia chamadas de Palácios/Palacetes, que são as
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Escadarias localizadas na entrada principal da edificação. Esta mesma sim-
bologia é encontrada na entrada das construções com finalidades educa-
cionais. A grande escadaria frontal, às vezes também localizada interna-
mente, representa a superioridade daqueles que habitam ou trabalham
no imóvel sobre as pessoas da rua, portanto, estão num plano “mais ele-
vado” do que os que não pertencem àquele modo de viver ou usar.
Nas platibandas dessas mesmas construções que agora escondem
novas soluções técnicas para as coberturas, podem ser vistos vasos, pi-
nhões, ânforas, estátuas, fruteiras e as famosas “compoteiras”, contudo,
são as estátuas representando “índios” que serão de uma personalização
simbólica admirável, um dos maiores exemplos está na Ponte do Impe-
rador, na antiga Rua da Frente (PORTO, 2011, p. 79). Também em edifi-
cações Art Déco podem ser verificados elementos ornamentais geomé-
tricos que fazem alusão a representações decorativas indígenas, como as
ornamentações em formas de seta acima das janelas do Arquivo Público
do Estado de Sergipe, ou mesmo, no nome referenciando simbologias
indígenas como no Palácio Serigy, na Praça General Valadão.
Uma das representações SIMBÓLICAS mais interessantes do Art
Déco de Aracaju é o Sobrado n. 707 na Rua Pacatuba, projeto do alemão
H. A. Von Altenesch; suas linhas remetem à forma de um navio/barco.
A inspiração náutica nas execuções das edificações Art Déco foram
muito praticadas, como no Teatro de Goiânia (uma das representações
mais significativas desse estilo no Brasil). O desenho desse edifício da
Região Centro-Oeste imita um transatlântico ancorado e as janelas são
em formas de escotilhas com superfícies curvas e linhas aerodinâmicas
(BLUMENSCHEIN, 2004, p. 48), sendo seu conjunto fiel ao utilizado em
cinemas e rádios. A edificação de Aracaju, apesar da tipologia residen-
cial, procura tirar partido desse conceito simbólico naútico, inclusive nas
janelas e nos ornamentos na forma de escotilhas que “povoam” o guar-
da-corpo do pavimento superior, a cor empregada, azul marinho, é uma
das cores mais uzadas pelo estilo, juntamente com o verde claro, tons
pastel amarelados, os tons de cor ocre e pó de pedra (mica) também são
usados no acabamento do reboco.
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C F G
A D H
B E
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de “Modernas”, “cubistas”, “futuristas”, “comunistas”, “judias”, “estilo
1925”, “estilo caixa d’água” e, por que não, “protomodernistas”, como
o Instituto de Tecnologia e Pesquisa de Sergipe, edificado em 1947, no
bairro São José, em Aracaju.
As plataformas da Modernidade foram definidas no Brasil por Lúcio
Costa, tendo a engenheira Carmem Portinho como grande entusiasta.
O grande marco foi a sede do Ministério da Educação e Saúde, iniciado
em 1937 e terminado em 1942 (SEGAWA, 1997, p. 81). Em Aracaju,
um dos maiores representantes Simbólicos da arquitetura Modernista é
o Terminal Rodoviário Luiz Garcia, inaugurado em 31 de março de 1962
(a maioria das cidades brasileiras desconheciam essa tipologia até a dé-
cada de 1960), pois significou mais do que um local de viagens, marcou
a regulamentação de critérios de localização e a inserção de novas leis
de uso e parcelamento do solo, bem como novas tecnologias constru-
tivas, além do desmanche, para sua implantação, do Morro do Bomfim
(PORTO, 2011, p 118).
Simbolicamente, as características que podem ser encontradas no
Terminal Luiz Garcia não se remetem apenas a conceitos como a busca
do aperfeiçoamento funcional dos serviços urbanos, mas, ao princípio
gerador de volumes simples e traçados volumétricos reguladores que se
concentram na proposta de poder “ver o interior”, nem tanto pelo uso do
vidro, mas pelo conceito do exterior se tornar uma projeção do interior,
no qual as edificações parecem ser objetos construídos em série, ou seja,
repetem as mesmas soluções, uma vez que se baseiam no pressuposto
do espaço como “máquina” (BENÉVOLO, 2001, p. 430).
O Terminal Luiz Garcia poderia ser inserido em um capítulo à par-
te chamado de O Concreto Armado e a Pré-fabricação em Aracaju; não se
pode precisar quando começou a pré-moldagem na construção, contudo,
no Brasil, a firma dinamarquesa Christiani-Nielsen executou em 1926 o
Hipódromo da Gávea no Rio de Janeiro (VASCONCELOS, 2002, p. 153).
No Terminal Luiz Garcia de Aracaju, os pilares em forma de grandes brises
ou “aletas” invertidas nas fachadas são uma das execuções personalizadas
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modernistas mais interessantes da arquitetura brasileira. A referida edifi-
cação segue os conceitos modernistas de Planta-Fachada-Livre.
O Terminal empreendeu esforços de aprimoramento dos cálcu-
los estruturais e dos materiais pertinentes à realização da obra e serviu
como exemplo das técnicas e preceitos que eram desenvolvidos nos
canteiros de obras, porém, sua maior contribuição Simbólica foi o de
representar uma nova mentalidade de vida moderna, uma vez que pos-
sibilitou o crescimento urbano pautado na troca do transporte maríti-
mo/ferroviário para o rodoviário, além de permitir a expansão da malha
urbana de Aracaju.
Em Aracaju, até 1910, ocorre uma coexistência de estilos. A partir
da Primeira Guerra Mundial, nas cidades brasileiras, torna-se reconhecí-
vel nessa coexistência uma contraposição ao Ecletismo, denotado por um
estilo denominado Neocolonial, o qual pode ser dividido em dois grupos:
o Neocolonial Luso-Brasileiro e o Neocolonial Hispano-Americano, tam-
bém chamado de Missões. Apesar de o senso comum dizer que o Neo-
colonial teria se originado no Brasil, ele teve origem os Estados Unidos, a
partir do final do século XIX nas áreas colonizadas por espanhóis, como a
Califórnia, Novo México, Arizona, Texas e a Flórida. A ideologia marcante
do Neocolonial no Brasil está associado à retomada de uma cultura local,
própria, de busca da “identidade” nacional, contrapondo-se ao exagera-
do prestígio do uso dos revivais historicistas europeus.
Como no Jardim América da cidade de São Paulo, os bairros vizi-
nhos à área central de Aracaju, por volta de 1930, pertencentes naquela
época à classe média alta, ainda possuem inúmeros remanescentes de
construções neste estilo, às vezes denominadas de casas com alpendres.
Este estilo Neocolonial/Missões é facilmente encontrado na área históri-
ca central da cidade de João Pessoa, Estado da Paraiba, no Nordeste bra-
sileiro. Entender como o estilo Missões ganhou tanta popularidade no
Brasil, como também nas construções da década de 1930 em Aracaju,
é compreender os Simbolismos que esse tipo de arquitetura expressava
27 | 214
e que estava ligada às transformações do modo de viver agenciados pela
cultura norte-americana de Hollywood, ou seja, no American way of life.
Um bom exemplar de tipologia Sobrado, estilo mesclado entre
Neocolonial/Missões, pode ser apreciado na Av. Ivo do Prado, n. 896.
Nessa edificação pode-se verificar o telhado em quatro águas, o que de-
nota uma carcterística luso-brasileira, entretanto, o elemento marcante
são os arcos com bases largas, utilizados na américa hispânica, influên-
ciada pela arquitetura árabe e alterados para cumprir a função de dar
passagem a “mulas” que transportavam cargas dos dois lados. Outras
características se ligam aos torreões circulares com beirais e às janelas
com gradis de ferro batido com motivo árabes.
Em conjunto com os Mercados Municipais, as fábricas são para uma
cidade representações carregadas de grande Simbolismo. A principal ati-
vidade industrial da cidade de Aracaju por volta de 1900 foi a produção
de tecidos. Nesse contexto, destaca-se como edificação remanescente a
Fábrica Confiança (Ribeiro Chaves) no bairro Industrial.
A tipologia construtiva das fábricas, em específico, da Fábrica
Confiança, tem sua composição e funcionalidade importada nos mol-
des ingleses, ou seja, formas em grandes galpões com oitões triangula-
res influenciaram a construção de modelos de casas pertencentes aos
chamados conjuntos de Vilas Operárias, como os da Vila Queiroz no
centro de Aracaju.
Portanto, existe no Ecletismo um dualismo conceitual Simbólico,
em que por um lado todas as tipologias utilizam o mais variado repertório
de revivais historicistas, recheando a cidade de “neos”, e, por outro lado,
a Fábrica como novo componente material e imaterial, impregnando de
vida a mentalidade de uma época e se transformando na grande represen-
tação urbana de uma cidade moderna, filha da sociedade industrial.
Outro elemento urbano marcante são os Mercados Municipais pre-
sentes nas cidades desde tempos remotos. Em cada época, naturalmen-
te, tais mercados acondicionam funções intensas, como por exemplo, no
período romano, em que havia a venda de mercadorias das mais variadas
28 | 214
ordens e as escriptorias para negociação dessas produções, as quais eram
chamadas de “Foro Boario e Foro Olitorio” (BENÉVOLO, 1999, p. 139).
No Nordeste brasileiro, as tradições de feiras e locais de comercia-
lização dos mais variados produtos determinaram locais de valor patri-
monial expressivo, que se tornaram, na maioria das vezes, vizinhos dos
Mercados Municipais, ou até mesmo, os próprios locais de implantação
dessas edificações.
Esta tipologia que marcou as transformações urbanas das cidades
brasileiras na virada do século XIX para o XX, teve como exemplo signifi-
cante o Mercado Municipal de São Paulo. No caso de Aracaju, o Simbo-
lismo do Mercado local estaria mais próximo à representação cultural e
geográfica do Mercado Ver-O-Peso da cidade de Belém do Pará. Obvia-
mente, guardadas as questões Simbólicas locais, não seria exatamente a
arquitetura Eclética que aproximaria essas duas edificações, mas sim sua
personalização, ou seja, mais especificamente, as suas implantações nas
margens de rios, os respectivos “sabores e odores” e as relações de vizi-
nhança que delas “exalam”.
No Mercado de Aracaju, especificamente no mais antigo, o Antônio
Franco, o objeto que mais representa simbolicamente a nova vida urba-
na é o Relógio, que marca o ritmo do tempo, a hora de chegada e parti-
da das embarcações, do trem, do comércio, constituindo o ponto focal
dessa edificação e da cidade existente naquele momento. No Mercado
não apenas se comprava, mas também se conhecia e se deixava co-
nhecer, local onde muitos relacionamentos aconteciam, ocasionando
posteriores casamentos; no qual as notícias do mundo social da época
fervilhavam a espera de embarcar nos vapores que ancoravam no em-
barcadouro logo à frente.
O conjunto eclético de Aracaju do início do século XX, formado
pelos mercados Antônio Franco e Thales Ferraz, que foram inspirados
(o primeiro) num pastiche de colagens neorrenascentistas, justapondo
elementos amaneirados, chama atenção devido à desproporcionalidade
do Relógio em contraposição à predominância da horizontalidade do
29 | 214
corpo da edificação em forma de claustro. No Thales Ferraz (1940), ape-
sar das descaracterizações provocadas nas “reinvenções” de anos recen-
tes, encontra-se um Neocolonial tardio ao gosto das Missões e uma série
de inserções ecléticas inspiradas em composições medievalistas afran-
cesadas; contudo, a representação Simbólica de ambos está no pontuar
o ritmo de vida da cidade, como uma pintura, a persistência da memória
(CHAUÍ, 1999, p. 9).
30 | 214
inquietude intelectual que marca singularidades e individualidades ex-
pressivas. Apesar de traços de arquitetos ou estilos de outros países,
como por exemplo, o neorrenascimento dos mestres Italianos que por
aqui passaram por volta de 1920, como Bellando Bellandi e Antonio
Frederico Gentil, presentes na reforma e alteração de várias edificações
locais, os remanescentes Ecléticos demonstram personalizações de uma
nova clientela burguesa que se instalava na cidade (PORTO, 2011, p. 39).
De acordo com Jussara da Silveira Derenji (1998, p. 23) a “imigração ita-
liana, nesse período, constitui um fenômeno de massa e adquiriu dimensões
inéditas no país”.
Em Aracaju, essa “condição” é encontrada em edificações rema-
nescentes que representam construções alçadas como monumentais,
como o Prédio da Delegacia do Ministério da Fazenda, o Palácio Olimpio
Campos, o Palácio Fausto Cardoso, o Palácio Inácio Barbosa, o Edificío do
Memorial Judiciário, a Cúria Metropolitana, a Matriz N. S. da Conceição
e muitos outros. No entanto, ao percorrer as ruas dos bairros centrais de
Aracaju, como as ruas Itabaianinha/Itabaiana e João Pessoa, evidencia-
-se um conjunto de construções civis, altamente representativas deste
chamado Esvaziamento e marcante como presença de remodelações de
influência italiana em Sergipe (Figura 4).
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A B C D
E F G H
33 | 214
Importante ressaltar que nos remanescentes ecléticos da área cen-
tral de Aracaju e bairros vizinhos ainda se pode verificar os conceitos
ideológicos que determinaram a maneira de viver das pessoas daquela
época, ou seja, apesar das grandes mudanças, adaptações, destruições,
esses remanescentes agregados, juntamente com toda a Diversidade e
Complexidade, permitem reconhecer praticamente todas as transfor-
mações sofridas pelas cidades brasileiras do final do século XIX até a
metade do século XX.
34 | 214
CAPÍTULO 2
REMANESCENTES:
diversidade e complexidade
Pode parecer simplista e suficiente a explicação do por que preser-
var o Traçado de Pirro em Aracaju como representação do “Culto à Linha”
dentro de um modelo de implantação urbanística no Brasil. Por outro
lado, essa aparente simplicidade teórica agrega uma fragmentalidade de
objetos possuidores de uma riqueza Diversa e Complexa, representativas
da própria disputa entre as formas históricas X as formas sinuosas X as
formas geométricas X paisagem natural e que, apresentam os princípios
arquitetônicos que nortearam a constituição das cidades da metade do
XIX até metade do XX, expressando grande intensidade de transforma-
ções do modo, gosto e necessidades de vida.
Essa grande intensidade de transformações, possíveis de serem ain-
da “fruídas” no conjunto remanescente dos bairros centrais de Aracaju,
apresentam aspectos conceituais variados, que “modelam” represen-
tatividade nacional, ou seja, podem-se observar, nas características da
arquitetura remanescente aracajuana, vários conceitos arquitetônicos
marcantes da transição urbana sofrida pelas cidades nacionais da metade
do século XIX até a metade do século XX, como por exemplo: 2.1. Rup-
tura e não ruptura com as tradições; 2.2. Originalidade e não originalidade
da forma; 2.3. Destituição e a não destituição de preocupação ideológica;
2.4. Independência e/ou dependência de conceitos estéticos, entre outras.
Dentro das referidas questões, podem ser ainda observadas ou-
tras variáveis como: a) a busca de harmonizar o construído ou de não
harmonizar o construído com o natural (rio, mangue, mar); b) formas/
volumes orgânicos e não orgânicos de inspiração, modulando massas
em movimento; c) uso de cores e texturas pertencentes e não perten-
centes a estilos concisos (o jogo de cores); d) desenvolvimento e não de-
senvolvimento de novos materiais e técnicas construtivas (ferro/vidro/
concreto); e) edificações que articulam o interior com o exterior na sua
função e forma; f) rebatimento e/ou continuidade do Culto à Linha na
evolução urbana da cidade (vitória ou derrota do Quadrado de Pirro);
g) desenho figurativo na tipologia construtiva fruto ou não de uma indi-
vidualidade ou personalização criativa; h) aspecto simbólico estrutural e
36 | 214
as provocações entre as construções e as ondulações do rio/cidade das
águas; i) aparecimento marcante de uma arquitetura “grotesca” como foi
chamado o neocolonial por parte dos modernistas etc.
Esses conceitos listados acima “ressignificam” o entendimento
de o porquê preservar os remanescentes do conjunto arquitetônico
dos Bairros Centrais de Aracaju, uma vez que, mais do que indicar e/
ou mostrar que esse conjunto é marcado pela arquitetura “dita” em “es-
tilos” Eclético (neoclássico/neogótica/neocolonial/outros revivais),
Art Nouveau, Art Déco, Protomodernista e Modernista, eles expressam
modelos identificáveis como pertencentes a uma Cultura Arquitetônica
Nacional e, especialmente, representativos da maneira de viver e fazer
uso das edificações destas épocas.
37 | 214
A B
39 | 214
tais edificações, apesar de receber, no início do século XX, ampliações de B
ornamentação italianizadas e depois do Art Nouveau, mantem sua com-
posição historicista, caracterizando plenamente o que se denomina de
Ruptura e não Ruptura com as tradições, num jogo de significados que
ao mesmo tempo buscam mudanças mas não conseguem romper com
o passado e, da qual, os remanescentes arquitetônicos de Aracaju são
grandes representantes (Figura 6).
41 | 214
C
B
Figura 7: A – Catedral de Aracaju, Paróquia
N. S. da Conceição, na Praça Olímpio
Campos, 228, centro de Aracaju; B – Igreja
de São Salvador na Rua de Laranjeiras,
66, no centro de Aracaju, foi edificada em
1857, mas reformada em 1911; C – Igreja
de Santo Antônio na Colina de Santo
Antônio, localizada na Praça Siqueira de
Menezes no Bairro de Santo Antônio. Fonte:
Donizeti da Silva, 2013 (A), 2014 (B e C).
43 | 214
Figura 8: Vista do conjunto das três praças: em primeiro plano, o Rio Sergipe e a Praça Fausto
Cardoso, local dos Palácios do Governo; ao centro, a Praça Almirante Barroso, e, ao “fundo”,
a Praça Olímpio Campos com a Catedral Metropolitana. Fonte: Pedro Leite, 2011.
A B
45 | 214
Mas, na maioria das cidades brasileiras, tanto nas novas capitais,
como nas cidades do interior do Brasil, como Ribeirão Preto no Estado
de São Paulo, podem-se verificar essas transformações impostas pelas
mudanças econômicas, sofridas com a alteração de ciclos econômicos,
que levavam a variação brusca de quem detinha o poder econômico e,
consequentemente, a mudança ornamental/funcional de suas edificações
(SILVA, 2011, p. 29).
Desta forma, as edificações eram alteradas, inicialmente impondo
modelos historicistas e depois modelos ornamentais, como o Art Nouveau.
Essas alterações também vinham condicionadas às novas propostas higie-
nistas que dominavam o período. A grande questão da ruptura completa
com as tradições ficava representada nas edificações pela mudança apenas
das fachadas e manutenção das tipologias funcionais interiores, a questão
é que, rapidamente, ocorre à vitória das novidades/exigências/viver sobre
as tradições, e, também, as alterações no espaço interior das edificações
acompanham o mesmo ritmo das alterações propostas nas fachadas.
O grande exemplo é a transformação dos espaços interiores em
espaços comerciais formados por grandes vãos abertos destinados a
guardar mercadorias e que, no caso de Ribeirão Preto, no interior de São
Paulo, era para guardar café. Já no caso de Aracaju, o Porto marítimo irá
impor a necessidade de espaços para guardar as mercadorias que vinham
do interior e que iriam esperar seu embarque, assim, várias construções
transformaram-se em conjuntos de armazéns (Figura 10). Era como se a
espacialidade urbana sofresse a migração dos antigos “trapiches” do in-
terior, como os da cidade de Laranjeiras para Aracaju. Essa seria uma das
principais tensões entre a Ruptura e a não Ruptura com as tradições, ou
seja, novas “peles” construídas (espaços interiores), ocupando antigos
“corpos” estruturais ecléticos (grandes armazéns para depósitos).
46 | 214
A B
Figura 10: A – Av. Otoniel Dória (antiga Av. Rio Branco/Rua da Aurora), edificação
da tipologia armazéns, em frente ao Mercado Antônio Franco e antigo cais do
porto do Rio Sergipe; B – Edificação na tipologia de armazéns na Rua Santa
Rosa, nas proximidades dos Mercados (Antônio Franco, Thales Ferraz e Albano
Franco) e do antigo cais do porto do Rio Sergipe. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
47 | 214
As exceções foram as residências da elite em que os interiores fo-
ram redecorados de forma exuberante com destaque para as pin-
turas artísticas parietais. O melhor exemplo dessa arquitetura é o
Casarão da família Rollemberg, que fica na orla do bairro São José, e
foi restaurado recentemente para ser sede da Ordem dos Advoga-
dos do Brasil em Sergipe. (IPHAN/SE, 2010a, p. 13 e 14).
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higienista/modernista e, consequentemente, desenvolvimento tecno-
lógico; e) as edificações passam a representar e materializar o fortale-
cimento de uma burguesia. Contudo, todos esses aspectos se mistu-
ram às maneiras tradicionais e às “fórmulas” antigas do “saber fazer” e
construir (Figura 11).
Em cada edificação ficam evidentes que ocorrem diferenciações
que têm nessas condições descritas acima seus trilhos condutores, en-
tretanto, natural a este momento urbano nacional e mundial, o conjunto
remanescente e proponente a ser preservado de Aracaju é formado por
um conjunto de ambiguidades, variações, diversidades que dialogam e
não dialogam com o conjunto urbano como um todo, que se integram
e se desassociam neste conjunto chamado de área histórica central, mas
que, no entanto, perfazem objetos capazes de representar a Ruptura e a
não Ruptura com as tradições.
Entre essas ambiguidades, variações, diversidades, complexidades,
encontram-se no conjunto remanescente de Aracaju edificações carac-
terizadas pelo estilo Chalé (Figura 12), específico daquele momento do
início do século XX (comuns na cidade do Rio de Janeiro), ainda dentro
do Ecletismo, mas concorrendo para novas formulações arquitetônicas
providas por novos “gostos”, como a associação com a Art Nouveau. O
relatório do IPHAN/SE de 2010 indica esse conjunto da seguinte forma:
49 | 214
Figura 11: A – Sobrado Eclético na
Rua João Pessoa – comércio no térreo
e residência no primeiro pavimento;
B – Associação Comercial próximo ao
Mercado Antônio Franco – Ecletismo mais
Art Nouveau; C – Solar dos Rollemberg –
Eclestismo mais Art Nouveau;
A B D – Instituto Parreiras Horta – Ecletismo
Islâmico; E – Hospital Gabriel Soares –
Ecletismo mais Art Nouveau; F – Cúria
Metropolitana – representação de uma
nova burguesia urbana; G – Arquivo
Memorial do Judiciário – representação
das novas burguesias/poder urbanas do
início do século XX; H – Casarão da Av.
Barão de Maruim – Atual Sede do IPHAN/
SE ; reresentação de novas soluções
sanitaristas, técnicas e de implantação
no lote. Fonte: Donizeti da Silva, 2013.
G
C D
E F H
51 | 214
Neste momento (primeiras décadas do século XX), o conjunto ur-
bano de Aracaju chega ao que se pode chamar de “tensão máxima de
ruptura”, ou seja, é quando ainda se promovem edificações historicistas,
mas novas propostas começam a sobrepujá-las, não apenas com a acen-
tuação do emprego de ornamentações Art Nouveau, mas também com
as propostas definidas pela industrialização, a partir da década de 1930,
a qual se almeja e se materializa nas representações arquitetônicas do
Art Déco (Figura 13). O Relatório produzido pelo IPHAN/SE (2010a)
comenta e exemplifica essa questão a partir dos remanescentes edifica-
dos que pleiteiam proteção:
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B C
A D E F
Figura 13: A – Sobrado Eclético com acréscimos da Art Nouveau, Solar dos
Rollemberg, atual Sede da OAB, localizado na Av. Ivo do Prado no Bairro São
José; B – Solar dos Rollemberg, Eclestismo + Art Nouveau, fachada lateral;
C – “Casa Barco”, Art Déco, na Praça Camerino, Bairro São José; D – Laje de
cobertura da Ponte do Imperador, em frente à Praça Fauto Cardoso, no Centro.
É exemplo do Art Déco com colunas Neo-egípcias palmiformes estilizadas;
E – Palácio Serigy, na Praça General Valadão, atual sede da Secretária da
Saúde. Observa-se, nessa edificação, uma ruptura do poder materializada pela
arquitetura Art Déco; F – Prédio do Arquivo Público do Estado de Sergipe, sito
à Praça Fausto Cardoso, projetado pelo engenheiro civil alemão Arendt von
Altenesch; G – Antigo Cine Palace, representação Art Déco do “modo e gosto”
de viver da sociedade da década de 1930-50, inspirada nos filmes de Holywood,
localizado na Praça Fausto Cardoso; H – Igreja de N. S. Menina na Rua Itabaiana,
representante do Art Déco religioso. Fonte: Donizeti da Silva, 2013.
G H
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forma. Esta condição apresentada no Ecletismo, que vem munida de co-
lagens dos revivais historicistas, ocorre como grande proposta nas várias
regiões do Brasil, acrescentando simbolismos naturalistas nos elemen-
tos decorativos das fachadas, como índios, frutas e temas locais.
No entanto, quando se observa a atmosfera urbana propiciada pelo
conjunto remanescente da arquitetura de Aracaju, buscando uma “res-
significação” conceitual para justificar sua proteção, encontra-se não
apenas no Ecletismo, mas também nas edificações do Art Déco, a tran-
sição arquitetônica que se acredita pertencer a um momento expressivo
de disputa na construção da espacialidade urbana nacional. Portanto, o
Ecletismo, o Art Déco e as construções de dois pavimentos realizadas
no centro e no bairro São José, chamadas de Chalé, como os da Rua de
Estância, exemplificam um conjunto que conceitua a disputa da ruptura
e da não ruptura com as tradições, mais que propiciam também trans-
cender o entendimento do uso das edificações remanescentes daquele
momento para a “fruição” da Originalidade e não Originalidade da forma.
55 | 214
Esse interesse se formava em virtude da maior parte dos remanescentes
urbanos das cidades brasileiras possuírem um conjunto edificado rema-
nescente desses estilos e que representava a grande mudança social, eco-
nômica e política, sofrida pelo Brasil na virada do século XIX para o XX e
que se estendeu até meados de 1950.
Estas áreas históricas urbanas das cidades brasileiras, como do Rio de
Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, eram exemplos importantes da arqui-
tetura e urbanismo nacional e, naquele momento (1980), sofriam grande
destruição por parte da especulação imobiliária, acionando por parte de
vários “atores” uma retórica da perda (GONÇALVES, 1996, p. 31).
Esse interesse não ficou apenas retido geograficamente a essas
três cidades citadas, ele se estendeu pela maioria das cidades do Brasil
– política de preservação –, uma vez que todas possuem como espacia-
lidade urbana o Ecletismo decorrente do final do século XIX e início do
XX e, dentro dessa temática, objetos materiais, ou seja, uma arquitetu-
ra edificada que representa sinônimo de modernidade e modernização
das cidades nacionais.
O conjunto remanescente do Centro e dos bairros vizinhos ao Cen-
tro de Aracaju possui objetos de valor histórico e arquitetônico que re-
presentam o que se chama de “Mentalidade de uma Época”, propiciada
pela implantação de um projeto de traçado urbano (Quadrado de Pirro),
mais edificações que rechearam suas ruas ao logo dos anos, formadas
inicialmente pelo Ecletismo e seus “neos”, acrescidos pela Art Nouveau
e, posteriormente, pelo Art Déco, Proto e Modernismo. Esse conjun-
to remanescente pode ser caracterizado no mínimo de duas formas:
1) Como repetição de padrões copiados de outros locais; 2) Como ele-
mentos possuidores de originalidade que podemos chamar de invenções
locais. Contudo, é a mistura entre essas duas condições que formam uma
DIVERSA e COMPLEXA representatividade arquitetônica e urbanística.
Para que possamos “ressignificar” o sentido da Originalidade e da
não Originalidade desse conjunto remanescente da área histórica central
de Aracaju e de seus bairros vizinhos, se torna necessário, inicialmente,
56 | 214
um entendimento comparativo entre o Ecletismo realizado na Europa,
no Brasil e em Aracaju.
O interessante é considerar que o traçado de Aracaju, na sua
“modernidade”, vinha carregado da ideologia marcante da época, por
provocar uma derrota de “inimigos” considerados tradicionais, no caso,
o urbanismo “impossibilitador” do “progresso”, representado pela lo-
calização e espacialidade da cidade de São Cristóvão (antiga capital de
Sergipe). Essa ideologia seria praticada com mais “entusiasmo” futura-
mente no Brasil, nas cidades de Belo Horizonte, Goiás, Brasília e Palmas.
No entanto, naquele momento, apesar da ideologia marcante do progres-
so assumir as “rédeas” do traçado de Aracaju, a Arquitetura era feita de
um historicismo revivido nos elementos decorativos inspirados e re-
sultantes da Belle Epoque parisiense da metade do XIX, que alimentava
gostos, sabores e odores.
Esse “gosto” e “sabor” que depois foi alcunhado e, pejorativamen-
te, tratado nas correntes modernista como inimigo (Ecletismo), que
recheou todo o Traçado de Pirro de Aracaju, se estendendo as outras
cidades nacionais, que eram embaladas pela mentalidade da época, ali-
cerçada e condicionada pelo progresso. Desta forma, por quase 50 anos
(1930 até 1980), esses conjuntos ficaram sendo tratados como não
possuidores de valores patrimoniais, até que, movido pela ampliação de
um “problema” de identidade e memória mais diversa e complexa, a
política nacional de preservação se debruçou sobre o tema.
Naturalmente, essa temática – cidade do final do XIX até metade do
XX – nos representa, ou seja, as cidades brasileiras, na sua maioria (áreas
históricas urbanas), são formadas por um patrimônio histórico-monu-
mental resultante de uma estrutura urbana e de edificações do final do
século XIX, do início do XX até sua metade, que tem uma série de des-
dobramentos/transformações/reconstruções/destruições físicas urba-
nísticas, como suas principais características e alicerce cultural do mate-
rial representativo de nosso meio de vida urbano nacional. Desta forma,
podemos confirmar a imperativa necessidade de proteger esse conjunto
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remanescente do Bairro Central de Aracaju, formado especialmente
pelo conjunto dos Mercados; das três praças centrais e das edificações
isoladas nos bairros vizinhos ao Centro.
Por meio do conceito reflexivo de “ressignificar” a importância do
conjunto remanescente de Aracaju, encontra-se a possibilidade de apro-
fundamento de várias temáticas da arquitetura nacional. Esse conjunto
representa além de uma mera questão de imitação (não originalidade),
também um modo de vida movido por uma dialética constante entre a
razão da arquitetura e as razões éticas, sociais e políticas de uma classe
burguesa em ascensão, que culminaram em uma espacialidade origi-
nal, a qual acabou determinando o período que vai da metade do século
XIX até a metade do XX, tendo origem na crise da época clássica até o
abandono e derrota total de qualquer referência aos estilos históricos
(FABRIS, 1987, p. 10).
Portanto, Aracaju e seu conjunto remanescente central, espe-
cialmente os Mercados e seu entorno (Antônio Franco; Thales Ferraz
e Albano Franco), o conjunto das três praças e seu entorno (Fausto
Cardoso; Almirante Barroso e Olímpio Campos) e várias edificações
isoladas e em conjunto dos bairros vizinhos ao centro (Santo Antônio;
Industrial; São José; Cirurgia; Getúlio Vargas; Siqueira Campos; etc.)
representam, dentro do contexto das transformações arquitetônicas e
urbanas sofridas pelas cidades brasileiras, conceitos representativos da
diversidade e complexidade heterogênea da vida nacional. Se esse con-
junto remanescente não for protegido, não haverá mais a possibilidade
de “fruição” por parte das gerações futuras.
Sobre o Ecletismo em Aracaju, comparado a outras cidades brasi-
leiras e mundiais, os objetos aqui remanescentes também se enquadram
como temática de representação patrimonial, ou seja, em todos os locais
esses revivais buscaram se direcionar para uma questão de “Estilo Nacio-
nal”. Na Itália, o Ecletismo se expressou mais através do Neorromântico
ou do Neorrenascimento; já na França e na Inglaterra, por meio do Neo-
gótico. Nesses locais, independente do historicismo buscado, todos
58 | 214
queriam encontrar ou afirmar patriotismo e a busca das próprias raízes.
No Brasil e em Aracaju, não foi diferente. Assim, aqui se pode verificar, jun-
to aos vários “neos” não originais, elementos como frutas tropicais extraí-
das da cultura local, como os índios acima dos capitéis do pórtico de entra-
da da Ponte do Imperador, na frente da Praça Fausto Cardoso (Figura 14).
Outra característica marcante do Ecletismo em Aracaju é a mani-
festação diversa e fragmentária de edificações, fruto de uma constante in-
quietude intelectual, que marca singularidades e individualidades expres-
sivas, mas que, apesar da possibilidade de reconhecer traços individuais
de arquitetos ou estilos de outros países (como por exemplo, o neorre-
nascentismo de arquitetos ou mestres italianos que por aqui estiveram
presentes, por exemplo, na ornamentação do Palácio Olímpio Campos
ou no afrancesamento da Cúria Metropolitana (Figura 15), essa mesma
arquitetura representa o conceito nacional vigente nas cidades da época.
Sendo assim, a arquitetura não poderia mais ser patrimônio de poucos
mestres e deveria ceder às novas exigências da produção de massa e a um
novo modelo de profissional: O Projetista (FABRIS, 1987, p. 12).
59 | 214
A B
60 | 214
Então, como na maioria das cidades brasileiras da época, a arqui-
tetura de Aracaju colocou-se sob as égides de regras concretas e meto-
dologias baseadas nas ornamentações “neos”, fato que se pode atribuir
como portador de um conceito de não originalidade, ao mesmo tempo,
que se incidia sobre os projetistas locais uma necessidade intensa de li-
berdade prática criadora, apesar de fortemente assistida e policiada pela
teoria. Mas, essa aparente contradição Originalidade X Não Originalidade
pode ser visualizada como a própria essência do Ecletismo, ou seja, de
que esse antagonismo é na verdade a constituição de sua natureza.
É nesse antagonismo ou pretensa disputa que o conjunto rema-
nescente de Aracaju demonstra a questão da busca da modernidade e
do progresso (especialmente movido pelo anseio da melhoria de con-
dições de vida e conforto). Desta forma, as edificações remanescentes
de Aracaju mostram melhorias técnicas e higienistas, como no conjunto
de Palacetes no entorno das praças centrais (Palácio Fausto Cardoso, da
Assembleia, da Justiça e Inácio Barbosa – Figura 16), nas edificações de
escolas no entorno das Praças Centrais (Colégio Jackson Figueiredo e a
Antiga Escola Normal – Figura 17) e nos imóveis ecléticos com novas
soluções tipológicas – telhados, hidráulica, insolação e ventilação (Rua
Santo Amaro n. 05, 09 e 13 – Figura 18). Todos representativos de uma
nova clientela burguesa que se instaurava na cidade, situação urbana
também capaz de ser vista em muitas outras cidades nacionais.
61 | 214
A B G
C D H
E F
63 | 214
interessantes e avançadas. um dos exemplos mais marcantes des-
ta originalidade é expressa pela espacialidade edificada no Mercado
Antônio Franco, especialmente entre o ecletismo conservador e va-
riado de “neos” que compõem as edificações, em contraponto com
a solução arquitetônica de colagens variadas e inventivas, às vezes
desproporcionais, como a torre do relógio central Figura 22).
B C
64 | 214
B C D
A E F G
Figura 20: A – Prédio da Delegacia do Minsitério da Fazenda, segunda metade do século XIX.
Propriedade do Ministério da Fazenda; B – Procuradoria Geral, Palácio da Justiça; C – Câmara de
Vereadores de Aracaju, segunda metade do século XIX; D – Palácio Inácio Barbosa, Prefeitura
de Aracaju; E – Cúria Metropolitana, Arquitetura religiosa da segunda metade do século XIX,
passando por reformas no início do século XX; F – Colégio Jackson Figueredo; G – Memorial
do Poder Judiciário de Sergipe. Fonte: Donizeti da Silva, 2014 (B, C, D, E e G) e 2017 (A e F).
D E F
Figura 21: A – Casa na Rua Santo Amaro (Praça Olímpio Campos), 05; B – Casas
na Rua Santo Amaro, 09 e 13; C – Casa na Praça Olímpio Campos, 673/681
(padaria); D – Casa na Praça Olímipio Campos, 619; E – Casa na Travessa Benjamin
Constant, 68; F – Rua Itabaiana, 876. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
68 | 214
Figura 23: Mercado Thales Ferraz e ao fundo o
Edifício Maria Feliciana – diversidade e complexidade
na Arquitetura. Fonte: Donizeti da Silva, 2017.
69 | 214
A Originalidade e a não Originalidade presentes nos remanescen-
tes Ecléticos de Aracaju também podem ser inseridos em uma especi-
ficidade temática da arquitetura nacional da época, ou seja, na mudan-
ça/evolução da tecnologia das construções e da modernidade da casa
(FABRIS, 1987, p. 16).
Dentro da questão das composições estilísticas, do historicismo ti-
pológico, das cópias de menor tamanho e dos pastiches compositivos,
encontram-se, no conjunto eclético remanescente de Aracaju, cons-
tantes dúvidas que fizeram parte de toda arquitetura nacional, as quais
rechearam as cidades do final do século XIX e se estenderam até a meta-
de do XX. Tais dúvidas surgiram em função das discussões trazidas pelo
confronto comparativo da “nova” construção com os modelos propostos
pelos revivalismos. Somou-se a isso, a comparação da proposta eclética
às construções típicas da região. Independente da escolha de qual era a
melhor solução, ou a mais “original”, os tratados renascentistas e do clas-
sicismo se tornaram expressivamente conhecidos e debatidos.
Em Aracaju, esses ornatos de diferentes épocas podem ser verifica-
dos nas construções Ecléticas remanescentes. Entretanto, mesmo sofren-
do introduções de ajustes e elementos locais na busca de uma identidade
arquitetônica local, estas edificações compõem representações ímpares
no quadro da arquitetura nacional, como por exemplo, a edificação do
atual Arquivo Judiciário (Figura 24). A referida edificação emprega, além
dos ornamentos clássicos e renascentistas como “pele” decorativa, signi-
ficante proposta técnica higienista/sanitarista com a introdução de um
porão para servir como camada de ar de amortecimento às umidades que
vinham do solo, bem como do recuo lateral e entrada lateral para permitir
uma melhor condição de “conforto ambiental”(iluminação e ventilação
laterais naturais, além, é claro, de ajardinamento lateral).
70 | 214
Figura 24: Memorial do Arquivo Judiciário de Sergipe; percebe-se a
elaboração dos porões, entrada e ajardinamento lateral, bem como, adoção
de novos tipos de janelas com a preocução da iluminação e ventilação
(paradigma sanitarista/higienista). Fonte: Donizeti da Silva, 2013.
71 | 214
Figura 25: Prédio da Antiga Delegacia do Ministério da Fazenda, com detalhe
da platibanda com “quinas” em diagonais, demonstrando a necessidade de
novas técnicas para execução dos telhados. Fonte: Donizeti da Silva, 2017.
72 | 214
A B C
D E F
Figura 26: A – Praça Olímpio Campos, 208; B e C – Santo Amaro, 05; 09 e 13;
D – Av. Ivo do Prado, 130; E – Av. Ivo do Prado, 226 e 232; F – Av. Ivo do Prado,
246; G – Residência na esquina da Rua Itabaina com S. Rollemberg, Bairro
São José. Fonte: Donizeti da Silva, 2013 (A), 2014 (B, C, D, E e G), 2017 (F).
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A B C D
E F G H
Figura 27: A – Colunas ecléticas encimadas por esculturas indígenas na Ponte do Imperador;
B – Colunas neo-egípcias estilizadas, sustentando a laje da Ponte do Imperador – Art Déco; C – Urna
cinéria compondo a fachada da Antiga Delegacia do Ministério da Fazenda; D – Platibanda com Brasão
da República na platibanda central do prédio da Delegacia da Fazenda; E – Coreto eclético da Praça
Fausto Cardoso; F – Coluna em estilo jônico amaneirado; G – Ecletismo do Palácio Fausto Cardoso,
com baulastradas por toda a sua extensão; H – Colagens renascentistas e clássicas por toda a fachada
do Palácio Olímipio Campos. Fonte: Donizeti da Silva, 2013 (A, B, E, G e H), 2017 (C, D e F).
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A
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O Palácio Inácio Barbosa, no entorno da Praça Olímpio Campos,
é um exemplar de originalidade interessante, uma vez que, apesar da
simplicidade de ornamentações, demonstra, como o Palácio da Justiça,
uma composição de massas e formas, num jogo de saliência e reentrân-
cias, de movimentação, com uma colagem de pilastras classicistas dig-
nas de nota, despropocinalizada de um Palladianismo inspirador, além
dos desenhos das janelas que se diferenciam na parte térrea da superior.
A parte superior possui janelas de inspiração colonial, nas quais, in-
clusive, se mantém uma tradição de construção portuguesa, em que
as vergas laterais e superiores ou ombreiras são pintadas com cores
diferentes da massa total da edificação, sobressaindo-se. Já as janelas
da pavimentação térrea, apesar de retangulares e encaixadas como se
fossem um baixo relevo, têm como destaque a ornamentação colocada
acima da verga em forma de um tipo de guirlanda classicista bem simples.
Na parte superior, coroando as laterais da platibanda, destacam-se duas
aves (aguias), fazendo lembrar o edifício Eclético da Antiga Estação de
Trens na cidade do Recife (Pernambuco), representativo do progresso e
da tecnologia. No entanto, a grande inspiração vem do Palácio do Catete,
no Rio de Janeiro, que ficou conhecido como Palacete das Águias, um dos
maiores exemplares da Arquitetura Neoclássica no Brasil (Figura 29).
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Figura 29: Colagens de
pilastras ao gosto Palladiano
no Palácio Inácio Barbosa
na Praça Olímpio Campos;
detalhe da águia na quina
da platibanda lateral. Fonte:
Donizeti da Silva, 2014.
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Uma das edificações Ecléticas mais interessantes do conjunto re-
manescente das três praças é a antiga Residência Vitorino Mandarino
(Cúria Metropolitana), que poderia facilmente ser incluída como um dos
representantes mais expressivos do Ecletismo brasileiro na tipologia dos
pastiches poliestilísticos, uma vez que exemplifica todas as alterações téc-
nicas construtivas impostas durante o paradigma higienista/sanitarista,
como: as entradas laterais (afastamento dos vizinhos); a técnica constru-
tiva inovadora dos telhados; o espaçamento diferenciado das funções do
interior, evidenciando o mundo dos homens e o mundo das mulheres
(escritório/áreas íntimas/sociais e serviços). Já na ornamentação da es-
trutura, pode-se vislumbrar uma polifonia ornamental, que mal os olhos
podem apreciar num único relance, desde a massa principal do volume
de esquina, que causa uma desproporção no corpo da edificação e que é
encimada por uma cúpula de forma afrancesada, recoberta por telhas em
forma de escamas de peixe, até a platibanda recheada por uma série de
ornamentações, que vão desde vasos a festões e todo o corpo da fachada
enfeitado por um grande número de modinaturas e sobrecarregado de
elementos decorativos (Figura 30).
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dominam a “pele/fachada” os arcos ogivais das janelas e se impõem com
supremacia sobre o corpo da edificação o volume verticalizado das duas
torres em forma de grandes setas. Chama atenção a argamassa de reves-
timento (reboco) das cúpulas em forma de setas, uma vez que refletem
em pequenos grãos de areia (pó de pedra ou mica) um brilho, ao serem
expostas ao sol, fazendo lembrar os materiais empregados no período
Art Déco, nas paredes das edificações que formavam jogo de sombras e
reflexos (Figura 32), como os utilizados no edifício dos Correios, na cida-
de de Penedo (Alagoas), e muito presentes no conjunto Art Déco tomba-
do pelo IPHAN na cidade de Goiânia (Goiás).
82 | 214
Outra edificação de grande destaque na Praça Olímpio Campos é
o da Antiga Escola Normal que faz uma tentativa de cópia do Petit Palais,
do arquiteto Charles Giraut, em Paris, em 1900, mas de forma inventiva
e com originalidade. Ou seja, é uma construção que se enquadra na ti-
pologia das edificações realizadas para abrigar as grandes exposições da-
quele período e, portanto, merecem destaque na constituição do espaço
urbano nas cidades brasileiras. O Edifício da Antiga Escola Normal possui
uma horizontalidade que predomina em todo o seu volume de massa,
em seu interior encontra-se um pátio que faria alusão a um jardim, uma
área de convivência; nas suas extremidades dominam cúpulas afrance-
sas, bem como no centro da edificação, a cúpula central, destaca-se do
volume horizontal. Nas laterais dessa cúpula, podem-se ver elementos
clássicos (tímpanos triangulares), bem como pilastras com capitéis em
estilo neo-coríntio, ornando a ombreira da entrada principal, que provo-
ca um encaminhamento a partir da escadaria que a centraliza interna-
mente. No “claustro” ou pátio interior se destacam varandas sustentadas
por colunas de ferro floreais, bem como o guarda-corpo dessas varandas,
as quais se remetem ao Art Nouveau, numa forte referência à Arquite-
tura do Ferro no Brasil (Figura 33).
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Figura 33: Antiga Escola Normal – atual Centro de Artesanato –, com
cúpulas afrancesadas e tímpanos triângulares; interior em ferro martelado
em estilo floreal – Art Nouveau. Fonte: Donizeti da Silva, 2013.
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José. Essas são as marcas expressivas da arquitetura eclética da Antiga Figura 34: A – Assentamento C
das “pedras/ornatos’ nas quinas
Alfândega de Aracaju, na qual as “pedras” e ou “falsos ornamentos” que
laterais do Mercado Antônio
compõe as laterais e arremates das pilastras se destacam, demonstran- Franco; B – Edifício da Loja
do um domínio por uma das técnicas construtivas/enfeites das mais Maçonica Cotinguiba do início
antigas: a estereotomia (arte de cortar e assentar pedras). Nesse caso, do século XX, a Loja se instalou
em Sergipe em 1887; C – Solar
o desenho possui uma originalidade ímpar, uma vez que as “pedras” zi- dos Rollemberg, início do
guezagueiam, formando um jogo de desalinhamento/alinhamento que século XX; D – Assentamento
não faz lembrar as “rusticações” típicas do período medievo, presentes em ziguezague das pedras
nas quinas laterais da Antiga
nos calabouços das masmorras dos castelo europeus que deram origem Alfândega de Aracaju.
a esse padrão revivalista (Figura 34). Fonte: Donizeti da Silva,
Esse desenho de embossamento das pilastras também pode ser vis- 2013 (A e C), 2014 (B),
2017 (D), considerada uma das
to em várias edificações da Avenida Ivo do Prado, como no sobrado, 352. primeiras edificações da cidade.
Às vezes, essa decoração adentra nas tipologias neocoloniais e resultam
em exemplos ditos por alguns como de mau gosto (FABRIS, 1987, p. 8),
como no caso do imóvel na mesma Avenida, 312 (Figura 35).
A B D
Figura 35: A – Edificação na Av. Ivo do Prado, 352, estilo eclético do início
do século XX; B – Edificação neocolonial hispano-americana, de meados
do século XX, na Av. Ivo do Prado, 312. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
86 | 214
Figura 36: A – O edifício eclético em
estilo neoclássico CULTART, que foi uma
antiga escola inaugurada em 1917;
B – Hospital Gabriel Soares, na Rua
Itabaiana, 690. Edificação eclética do início
do século XX, com acréscimos ornamentais
do Art Nouveau (rocaille).
Fonte: Donizeti da Silva, 2014 (B), 2017 (A).
88 | 214
Figura 37: Conjunto de sobrados ecléticos do início do século XX de uso CASA
E COMÈRCIO na Rua João Pessoa – Centro. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
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Figura 38: Vista da área dos Mercados e entorno do 28º andar
do edifício Maria Feliciana; em primeiro plano o Mercado
Antônio Franco (Relógio Central), Thales Ferraz e Albano
Franco, ao fundo o rio Sergipe. Fonte: Donizeti da Silva, 2017.
94 | 214
Figura 44: (Da esquerda para direita)
– Sobrado neocolonial na Av. Ivo do
Prado, 312, no Bairro São José; Sobrados
neocoloniais na Rua de Estância, 53, 63 e 87;
Vila Carmem ao lado do CULTART na
Av. Ivo do Prado, 646; Chalés na rua
Itabaiana, 783, 852 e 864; Sobrados
neocoloniais, rua Riachuelo, 431 e 439; rua
Richuelo, 455; Sobrado neocolonial na rua
Campos, 496. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
96 | 214
O resultado mais expressivo dessas mudanças em Aracaju foi o da
renovação da implantação da edificação no lote, ou seja, bem diferente da
implantação lado a lado verificada nas áreas das praças e dos mercados.
Neste ponto, a Vila Penteado de 1903, em São Paulo, servirá de exemplo
e influenciará inúmeras construções remanescentes em Aracaju, como a
Vila Carmem e o Solar dos Rollemberg (Figura 45).
A B
97 | 214
metros, o que dá a essas construções sua principal característica: posição
de domínio no entorno e predominância do volume sobre a vizinhança.
Essas construções remanescentes de Aracaju (chalés e sobrados
neocoloniais) representam a arquitetura residencial brasileira do perío-
do entre as duas grandes guerras mundiais e, possuem, como principais
destituições de ideologias, entre outras, a preocupação de isolar a casa
em meio a um jardim, o desaparecimento de hortas e pomares com sua
redução simbólica a algumas árvores frutíferas. Essas características po-
dem ser reconhecidas como integrantes de uma cultura arquitetônica
nacional no início do século XX.
Na referida época, também surgem conjuntos de habitações
populares com formas especiais de implantação, compostas por fileiras
de casas pequeninas, edificadas ao longo de um terreno mais profundo.
Essa tipologia pode ser ainda encontrada no conjunto remanescente de
Aracaju na Vila Queiroz, conjunto de casas que se abrem para uma ruela
(Figura 46). Em São Paulo, muitas dessas Vilas chamadas de “Operárias”
foram exemplos marcantes de cortiços no início do século XX, especial-
mente, após a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929.
98 | 214
No urbanismo e na arquitetura brasileira, uma das ideologias que se
quebram, em meados de 1920, está ligada à crescente separação entre
os locais de residência e trabalho. Os dois exemplos tipológicos que já fo-
ram mencionados – Chalés e sobrados neocoloniais – representam muito
bem esta destituição ideológica em comparação aos conjuntos de sobra-
dos ecléticos ainda remanescentes em toda a área mais central da cidade.
Importante é descrever que o conjunto arquitetônico remanescen-
te de Aracaju, na sua totalidade, ainda é capaz de demonstrar essa desti-
tuição e não destituição ideológica. Isso é possível através da comparação
dos sobrados ecléticos remanescentes nas áreas das três praças e na área
dos mercados com o conjunto de chalés e sobrados neocoloniais implan-
tados nos bairros vizinhos ao centro.
Se nas cidades do Rio de Janeiro e, especialmente, em São Paulo, mui-
tos desses exemplares foram demolidos para dar lugar a edificações mais
verticalizadas – como estacionamentos, lojas de departamentos e outros
paradigmas modernistas –, em áreas urbanas centrais de cidades como
Recife, Fortaleza e, especialmente, de menor porte, como Aracaju, João
Pessoa e Teresina, ainda nos é possível fruir dessa atmosfera de disputa
entre a destituição de uma ideologia e sua manutenção, entre a disputa
de um mundo rural versus um mundo urbano. Em Aracaju, essa atmos-
fera ainda permanece como representação marcante das Transformações
sofridas pelas Cidades Brasileiras entre os Séculos XIX e XX, a qual se espera
proteger, para que possa ser apreciada materialmente e não apenas atra-
vés de fotografias antigas, como é o caso da Avenida Rio Branco, no Rio
de Janeiro (FABRIS, 1987, p. 61).
O que se quer argumentar é que existem duas ideologias marcantes
relacionadas às edificações remanescentes de Aracaju: uma caracterizada
pela ideologia colonial representada pelos sobrados ecléticos na área cen-
tral de Aracaju; outra destituída dessa ideologia, representada por uma
tentativa de ruptura com a questão colonial, mas que necessita dela para
sua materialização, uma vez que o homem urbano dessa época iria buscar
uma identidade perdida no passado colonial. Na arquitetura urbana, esse
99 | 214
passado rural perdido seria representado pelas edificações no estilo cha-
lé/chácaras e sobrados neocoloniais e, claro, disponíveis apenas para as
pessoas de condições econômicas mais expressivas. Para os menos favo-
recidos, sobravam, na melhor das hipóteses, as Vilas Operárias.
Desta forma, percebe-se uma espacialidade urbana de extrema
Complexidade e Diversidade, ou seja, neste primeiro terço do século XX
em Aracaju, presencia-se, na questão da destituição ou não de ideolo-
gias, não uma dualidade, mas sim situações que se entrecruzam e se
emaranham e que podem ser exemplificadas mediante três ideologias.
A primeira ideologia é formada pelos conjuntos urbanos arquitetô-
nicos de sobrados ecléticos Comércio/Casa, expressivos nas ruas do en-
torno dos Mercados e na área histórica central, como na Rua João Pessoa
e na Av. Rio Branco. Essas construções materializam uma vida urbana
em franco progresso e adensamento. Entretanto, são mais representa-
tivas do modo de viver dos imigrantes europeus, não que os locais não
tivessem assimilado esse modo de vida, contudo, se ressentiram de seu
passado. Apesar da modernidade imposta por uma nova capital, nota-se
que, até os dias de hoje, as áreas dos Mercados Antônio Franco, Thales
Ferraz e Albano Franco carregam essa atmosfera do “jeito de negociar
do passado”, da vida que tem um ritmo de tempo diferente, que exala
sabores, odores não identificáveis em outras áreas da cidade moderna.
A segunda ideologia se refere aos Chalés e às edificações Neocolo-
niais, implantados nos bairros vizinhos ao Centro, como nas Ruas Estância,
Riachuelo, Itabaiana e Campos, bem como na Av. Ivo do Prado. Essas
construções carregam a “ideia” de um modo de vida rural, ou seja, as
pessoas, por mais que almejassem o progresso, se ressentiam, na sua me-
mória e realidade, acreditavam que haviam perdido algo, o jeito de viver
do campo, os prazeres de uma vida rural – com quintal, pomares, uma
grande cozinha –, a liberdade da individualidade etc. Ruskin (1996) já
havia descrito esse imaginário perdido como pitoresco das casas de cam-
po inglesas. Portanto, esse homem local, mas abastado ou com melhores
recursos, passou a procurar a periferização e a construção dessa ideia por
100 | 214
meio da reprodução de casas com as tipologias coloniais/fazenda, toda-
via, com um conforto que poderia ser apenas oferecido no meio urbano.
Tais construções, apesar dos inúmeros avanços tecnológicos, não conse-
guiram se destituir da ideologia do morar no campo.
A terceira ideologia imposta é a da industrialização que, no Brasil,
apesar de tardia, associou-se ao comércio e se materializou em bairros
chamados de industriais, como no caso do Bairro Industrial de Aracaju,
que fica próximo ao centro. Nesse Bairro, foram implantadas, além de
grandes indústrias – como as Fábricas de tecido Sergipe Industrial, em
1884, e Confiança, em 1907, edificações de tipologias conhecidas como
de Vilas Operárias. Entretanto, essa ideologia também pode ser vista em
outras partes da área central de Aracaju, como na Vila Queiroz. Essas
edificações, apesar de buscarem uma vida urbana/industrial, materiali-
zavam características de edificações das fazendas (vilas de agricultores
– as famosas “colônias”), ou seja, casas enfileiradas, repetindo o tipo
(iguais) sem distinção e identidade, a não ser quando um morador re-
solvia acrescentar algum pequeno ornamento identificador de sua per-
sonalidade no oitão da fachada, caso raro, pois todos os operários na
ideologia industrial tinham que ser tratados do mesmo jeito. Contudo,
os serviços hidráulicos tinham que ser comunitários, como o tanque de
lavar roupas, que servia a todos os moradores de forma conjunta, e o
lazer, realizado no pátio ou local comum, vigiados, agora não mais pelos
olhares do capataz, mas pelo encarregado da fábrica ou chefe de turma
que também morava no local.
Essas três ideologias, diferentes, complexas e diversas, coexistem
simultaneamente neste conjunto ainda remanescente de edificações na
cidade de Aracaju, ou seja, nos sobrados Comércio/Casas, nas edifica-
ções estilo Chalé/Chácaras/Neocoloniais e nas pequenas Vilas Operá-
rias. Mas, o que aproximaria essas ideologias formadoras da espacialidade
urbana local? A resposta é que se destituiu e não se destituiu a Ideologia,
isto é, simultaneamente se buscava uma nova vida urbana, mas não se
conseguia mudar o jeito típico e próprio de morar das fazendas, o gosto
101 | 214
e a mentalidade rural colonial, representados, entre outros aspectos ma-
teriais, pelas cozinhas grandes, pelas varandas, pelos quintais. Contudo,
esse modo de construir não era mais viável na cidade, portanto, ocor-
reram “simulacros construtivos urbanos”, a partir dos quais essas três
ideologias, representadas por esses modelos edificados, se interligaram,
dialogaram e se amalgamaram. Essa mistura, que vai do início do século
XX até quase sua metade, em Aracaju, produziu uma verdadeira diversi-
dade e complexidade de urbanidade.
A grande questão é que muitas cidades brasileiras, que tiveram
as mesmas situações relativas à destituição ou não dessa preocupação
ideológica na formação da sua espacialidade, não conseguiram manter
integralmente esse conjunto patrimonial representativo. Aracaju ainda o
mantém, podemos vê-lo materialmente edificado nos seus remanescen-
tes, nesse caso, formado pelos sobrados Comércios/Casas, pelos Cha-
lés/Sobrados Neocoloniais e pelas pequenas Vilas Operárias. Porém, se
esse conjunto patrimonial não for protegido, apenas restará às futuras
gerações conhecê-lo através de livros e fotos, bem como, não entender o
que foi esse “modo de viver, morar e construir” das cidades brasileiras no
final do século XIX ao início do século XX.
102 | 214
Muitas cidades processaram modelos agenciados por novos ins-
trumentos jurídicos, administrativos e financeiros, que viabilizaram as
transformações em andamento, como no caso de São Paulo. Desta for-
ma, na maioria das cidades, ocorre um amplo procedimento de demo-
lições, desmontes e aterros, como no Rio de Janeiro e em São Paulo; as
obras ditas de grande envergadura foram produzidas no Rio de Janeiro,
em São Paulo e em Belo Horizonte. Uma das principais situações urbanas
foram as aberturas de portos, de novas avenidas, além do alargamento e
complementação de um sistema de ruas (FABRIS, 1987, p. 23).
As palavras-chave desse momento de transição entre os séculos
XIX e XX são: modernizar, embelezar e sanear, ou seja, dar credibilidade
ao um novo sistema, a República e estas cidades, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte e São Paulo, são os grandes exemplos nacionais.
Para entender como o conjunto arquitetônico e urbanístico re-
manescente da área central e bairros vizinhos ao centro de Aracaju são
capazes de representar esses conceitos estéticos presentes na “remode-
lação”, os quais determinaram a espacialidade urbana nacional daquele
período, pode-se fazer um comparativo entre os itens descritos acima
com o que foi implantado nessa cidade. É necessário atentar para o fato
de que nessa “Ressignificação”, devem ser observadas as questões de si-
milaridades e não semelhanças com outras localidades de importância
no Brasil (como as transformações sofridas no Rio de Janeiro, no Gover-
no de Rodrigues Alves, em 1903-1906; a criação da cidade de Belo Hori-
zonte; as intervenções urbanas em São Paulo) e, que aqui se denominou
de Independência e/ou dependência de conceitos estéticos.
Em relação ao conceito Remodelação das Cidades Nacionais, Aracaju
já nasce dentro desse preceito, ou seja, um projeto que pretende – a par-
tir de um novo modelo urbano estético, que possui o traçado retilíneo
ortogonal de suas quadras – a materialização de um desejo real de “in-
dependência” sobre os modelos urbanísticos portugueses, implantados
nos três primeiros séculos no Brasil.
103 | 214
Esse traçado retilíneo de Aracaju na Avenida Otoniel Dória (Av. Rio
Branco), em frente ao Rio Sergipe (Figura 47); trata-se da possibilidade
de todo um “aformoseamento”, mesmo modelo urbanístico aplicado no
Rio de Janeiro e criticado pelas palavras do poeta Olavo Bilac em crôni-
cas daquela época:
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Figura 47: Vista do Rio Sergipe banhando Aracaju; o “aformoseamento”
da cidade se daria a partir dessa relação. Fonte: Donizeti da Silva, 2013.
105 | 214
para as edificações das avenidas não deveria ser menor do que 10 metros A
(FABRIS, 1987, p. 56). Sendo assim, pode-se observar que foram construí-
dos em Aracaju, modelos semelhantes àqueles propostos no Rio de Janeiro.
Um dos exemplos mais marcantes desse aspecto edificado é repre- Figura 48: A – Sede da
sentado em Aracaju pela Sede da Superintendência do IPHAN de 1914, Superintendência do IPHAN/SE,
no Bairro São José, e pela Sede da OAB/Palácio da Cidadania (Casarão dos na Av. Barão de Maruim;
B – Sede da OAB – Casarão
Rollemberg), também no início do XX. Inclusive, neste último exemplo, dos Rollemberg na Av. Ivo
pode-se notar o uso das criticadas “compoteiras” encimando as platiban- do Prado; C – Vila Carmem;
das, que deveriam, pela visão dos críticos da época, não mais fazer parte D – Centro de Cultura e Arte da
UFS – CULTART, na Av. Ivo do
do remodelamento carioca e que, apesar das avassaladoras críticas con- Prado. Fonte: Donizeti da Silva,
trárias, acabaram sendo vitoriosas como ornamentos nacionais e enfeita- 2013 (B), 2014 (A, C e D).
ram muitos dos sobrados e chácaras/chalés edificados em várias cidades
brasileiras. Como representação também dessa remodelação, em Aracaju,
pode-se mencionar a Vila Carmem e o CULTART, na Av. Ivo do Prado, e
inúmeros outros casarões e minipalacetes da área central (Figura 48).
B C D
107 | 214
aproximaria Aracaju do modelo urbano da época, uma vez que, em mui-
tas cidades nacionais daquele momento, muitas das edificações pensa-
das e projetadas acabaram não ”saindo” do papel, exemplos desse caso
podem ser vistos na própria Belo Horizonte, como o Palácio do Con-
gresso, que nunca foi edificado. Esse aspecto do projeto e a sua não exe-
cução devido a inúmeras impossibilidades são fatores que norteiam e
compõem o urbanismo das cidades implantadas no final do XIX e início
do XX no Brasil (FABRIS, 1987, p. 115).
Acredita-se que a não construção do teatro municipal em Aracaju,
naquele período, suscita aspectos que devem ser “ressignificados”, como
por exemplo, o de que, no âmbito do conceito de embelezamento, os tea-
tros eram monumentos importantíssimos na remodelação das cidades
como a do Rio de Janeiro e que, nesta localidade, o teatro foi executado
de maneira a observar os estilos da renascença francesa, e com variações
de mourisco e modernização do estilo clássico levado pela questão de
economia, tendo o modelo de Garnier da Ópera de Paris o propulsor de
todo o entendimento construtivo. Já em Aracaju, justifica-se a não cons-
trução pela falta de recursos econômicos, entretanto, observa-se que es-
ses mesmos recursos não faltaram para a edificação do Palácio Olímpio
Campos, que, na sua essência construtiva, teria a atribuição prática de
representar, na sua composição, uma teatralidade do poder e compor, no
conjunto das três praças (Fausto Cardoso; Almirante Barroso e Olímpio
Campos), o conceito de embelezamento urbanístico que aqui se identifi-
ca como independência estética no conceito de sua implantação, uma vez
que se difere de outros conjuntos nacionais daquele período.
Atentando minuciosamente para a disposição espacial de Aracaju
em combinação com suas edificações, pode-se verificar, a partir dos seus
remanescentes, uma organização representativa arquitetônica eclética
possível de ser reconhecida em outras cidades brasileiras, modelo urba-
no buscado naquele período por muitas das cidades nacionais. Percebe-se,
portanto, que existe uma lógica de organização urbana, uma ordem hie-
rárquica, funcional e social das cidades e das disposições e atributos das
108 | 214
edificações, uma vez que, nas avenidas e ruas da área central de Aracaju,
encontravam-se casarões que seriam ou se tornariam sedes do poder
então estabelecido ou de seus representantes, numa arquitetura de pre-
valência classicista (neorrenascentista italiana e francesa e de Segundo
Império) como o Ministério da Fazenda; o Sobrado da Rede GBarbosa;
o Antigo Colégio Ateneuzinho; a Casa do Advogado Carvalho Neto
– OAB; a Loja Maçônica Cotinguiba; o Casarão dos Rollemberg; o
CULTART – Antiga Faculdade de Direito (Figura 49).
A D E G
B C
110 | 214
A B C
Figura 51: B – Travessa Benjamim Constant, 68. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
B C
Figura 54: B – Rua José Prado Franco. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
Figura 55: C – Av. Ivo do Prado, 130. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
C D E
D F H
B
C
E G I
J
A B C
D E F
D E F
117 | 214
de São Paulo por volta de 1940, alterando um pouco essa licença poé-
tica. Portanto, Aracaju ainda mantém a possibilidade de verificação e
fruição de um conjunto representativo de toda a Licença Poética e mis-
celânea de liberdades construtivas, formadoras da espacialidade urba-
na do final do século XIX e início do século XX no Brasil, na qual pode
ser encontrada toda essa significação, especialmente, no conjunto dos
Casarões e Edificações nas Avenidas e ruas centrais e secundárias e nos
bairros vizinhos ao centro.
A espacialidade urbana formada pelo ecletismo paulistano de-
monstrava intenções plásticas/estéticas denominadas de despolicia-
mento das obras, ou seja, encontravam-se, conforme orientação de
Lemos (in FABRIS, 1987, p. 70), edificações realizadas com conheci-
mento erudito, coexistindo ao lado de edificações de linguagens “desas-
trosas”, vindas da vontade de se “fazer diferente”, num esforço hercúleo
de se atingir uma personalização.
Em Aracaju, pode-se verificar esse esforço com resultado inte-
ressante e não de mau gosto no prédio da Delegacia do Ministério da
Fazenda e na Loja Maçonica Cotinguiba. Entretanto, a melhor represen-
tação dessa busca de personalidade individualizada e de Licença Poética é
representada pelo conjunto da Rua João Pessoa e da Rua Itabaiana.
Outro conceito presente na cultura arquitetônica do Ecletismo e
que, durante muito tempo, foi um dos provocadores de sua pejoração –
Rotina Vazia da Arquitetura – era a de que as edificações não passavam
de meras arquiteturas de fachadas. Contudo, essas edificações e con-
juntos ecléticos, entre os quais, o remanescente de Aracaju, possuem
e representam a adoção de novos programas de necessidades urbanas,
como o Comércio/Casa.
A tipologia representativa de uma cultura urbana e arquitetônica
nacional pode ser vista tanto no conjunto remanescente da Rua João
Pessoa, na Av. Otoniel Dória (Av. Rio Branco), na Rua Santo Amaro,
na Rua Santa Rosa, na Travessa Benjamim Constant, na Rua José Prado
118 | 214
Franco, em especial, no Sobrado da Rede GBarbosa e em todas as edifi-
cações e ruas citadas nos parágrafos anteriores.
A Independência dos conceitos estéticos presente no conjunto re-
manescente eclético de Aracaju está alicerçada no padrão representati-
vo de uma arquitetura nacional, ou seja, a arquitetura remanescente de
Aracaju representa uma Unidade Universal de Pensamento, isto é, mesmo
com a busca social/humana da época se assentar sobre um pensamen-
to estético racionalista, ocorre uma persistência da memória saudosista
nos revivais e na liberdade de busca de expressões historicistas.
Pode-se ver na ornamentação das edificações ecléticas de Aracaju
elementos universalizados como as famosas “compoteiras” (como nas
platibandas do Mercado Antônio Franco); também se pode ver soluções
personalizadas locais como a busca da individualide marcante das fa-
chadas das edificações da Av. Otoniel Dória e das Ruas João Pessoa, José
Prado Franco, Santa Rosa etc.
Contudo, principalmente, nos imóveis da Rua Itabaiana/Itabaiani-
nha, no Quartel da Polícia Militar (Antiga Escola General Siqueira), na
Escola Valnir Chagas e na residência 331, pode-se ainda vislumbrar esses
conceitos relacionados à personalização, como Individualidade, licença
poética e miscelânea.
Ao tratar comparativamente os remanescentes do ecletismo de
Aracaju aos da cidade de São Paulo, notamos várias características que
aproximaram essas arquiteturas, além das ações evocadas nas liberdades
poéticas e do uso de miscelânias ornamentais classicistas (neorrenas-
centistas) e neorrevivais (maneiristas). Entre essas características, está
a reflexão sobre a arquitetura, como além da materialização da forma de
viver e da mentalidade de uma época, ou seja, de uma arquitetura carre-
gada e calcada em hábitos e costumes locais, em persistências e fixações
culturais, no fator isolamento, em que tanto Aracaju quanto São Paulo
estiveram sujeitas nos séculos iniciais da proposta eclética do neoclassi-
cismo, além, é claro, da relação arcaica construtiva de ambos os Estados
com a “taipa de pilão”.
119 | 214
Lemos (in FABRIS, 1987, p. 72) destaca que São Paulo não conhe-
ceu nenhuma novidade arquitetônica até 1850 e, portanto, não conhece-
ria o neoclassicismo. A arquitetura eclética de São Paulo estaria pautada
na elevação da capital paulista como modelo urbano a partir da riqueza
do café, em 1867, e nas transformações urbanas advindas desse fator e
dos desdobramentos arquitetônicos seguidos a isso, promotores de uma
arquitetura urbana diversa, complexa e materializada nas ruas paulistanas
pelo modelo edificado de viver, pautado no edifício Comércio/Casa.
Se São Paulo do café, a partir de 1867, se tornou cidade pronta para
receber o ecletismo, Aracaju, a partir de 1857, também era uma cida-
de pronta para receber o ecletismo. A diferença residia na remodelação
urbana necessária em São Paulo, diferente da espacialidade pronta pro-
posta pelo Quadrado de Pirro em Aracaju. Se o conceito “cidade nova”
tendia a vigorar em São Paulo na proposta de substituição à cidade an-
tiga, em Aracaju, a cidade nova estava pronta (pelo menos o projeto/
traçado) e seria constituída pela própria arquitetura eclética. É claro que,
guardadas as proporções, São Paulo se tornou rapidamente cosmopolita.
A principal questão é que São Paulo vivenciou outras remodela-
ções, que impossibilitaram em muito a preservação desta espacialidade
representativa das transformações urbanas do século XIX para o XX.
Todavia, Aracaju manteve esse conjunto representativo, constituído,
especialmente, não apenas pelas edificações isoladas e de importância,
como o PALÁCIO OLÍMPIO CAMPOS, mas, especialmente, pelo con-
junto representativo das RUAS que formam sua área central e se prolon-
gam pelos bairros vizinhos.
Nessas ruas do Aracaju, surgem os primeiros restaurantes, os ho-
téis, as lojas de moda baseadas no gosto francês, casas de advogados, po-
líticos e médicos, além, é claro, de ricos donos de engenhos e fazendas.
Aracaju, como São Paulo, guardadas as proporções, atraia a população do
interior no início do século XX, a partir de então, foi “construída” não mais
pela “taipa de pilão”, mas pelo tijolo, pela alvenaria. A ideia de “pertencer”
à capital impunha diferenças construtivas ao homem daquele tempo.
120 | 214
Como Aracaju rejeitava São Cristóvão, São Paulo rejeitava as deter-
minações estereotipadas como “caipira”, como do interior. A diferença é
que Aracaju não perdeu essa representação materializada pela arquite-
tura eclética do período, mesmo tendo recebido, ao longo do século XX,
inúmeras alterações. O conjunto remanescente ainda guarda esta inte-
gralidade material patrimonial, portanto, é inquestionável a necessidade
de proteção desse patrimônio.
A condição mais expressiva da arquitetura Eclética de Aracaju é a de
ainda possibilitar a fruição, a partir de seus remanescentes, de um conjun-
to de grande variedade de soluções e invenções formais, hetereogeinizado
pelas regras de composição próprias do ecletismo, pelos mesmos ritmos
de envazaduras, pelos mesmos gabaritos reguladores, pelas platibandas
semelhantes com soluções neorrenascentistas e outros revivalismos.
Entretanto, em cada edificação, apesar dessa Dependência, se verifica uma
personalização, uma individualidade criativa, uma busca de afirmação no
conjunto, caracterizando o conceito estético de Independência.
Esta condição dual agrega mais do que um pedido ou justificativa
de proteção a este conjunto. Esse conceito demonstra claramente a cul-
tura urbanística e arquitetônica brasileira, representativa das transfor-
mações sofridas pelas cidades do final do século XIX até o segundo terço
do XX, podendo encontra-lo em Aracaju em seu conjunto patrimonial.
Por outro lado, o que também inclui Aracaju no modelo represen-
tado pela Remodelação Urbana Nacional ocorrida nas cidades brasilei-
ras na virada do século XIX para o XX, justificando a proteção de seus
remanescentes, é o pensamento teórico que resultou em métodos de
organização espacial que tiveram a criação de uma nova imagem urbana
como estratégias político-econômicas. Ou seja, Aracaju (em seus rema-
nescentes arquitetônicos e urbanísticos da área central e bairros vizinhos
ao centro) compõe ainda a possibilidade de ver essa Nova Imagem Ur-
bana provocada nas cidades do final do século XIX e início do século XX
no Brasil, proporcionada pela combinação entre o traçado gerador geo-
métrico e o estilo eclético, que revestiu estruturas mongeanas de forma
121 | 214
aleatória, num resultado de efemeridade conceituada pelo Esvaziamento
da Rotina da arquitetura e que provocou a construção, por muito tem-
po, especialmente no período modernista, de um pensamento motivado
pela pejoração aos remanescentes do período eclético.
Portanto, é essa intensa natureza complexa e diversa, represen-
tativa da mentalidade de uma época, repleta de transformações plenas
de Significados e Simbolismos, que, se não for protegida, desaparecerá,
impossibilitando reconhecer as origens da vida urbana e da arquitetura
moderna no Brasil.
122 | 214
CAPÍTULO 3
FORMAS TIPOLÓGICAS
CARREGADAS DE
REPRESENTAÇÕES SIMBÓLICAS
LOCAIS E NÃO LOCAIS
A base conceitual teórica da “Ressignificação” a preservação das
Três Praças, Entorno aos Mercados e edificações nos Bairros vizinhos ao
Centro, na cidade de Aracaju, deve também possuir como fundamenta-
ção o “pertencimento” à Transformação Arquitetônico/Urbanística das
Cidades Brasileiras dos Séculos XIX a metade do XX. Portanto, muito mais
do que um período de tempo urbano, esse conjunto representa menta-
lidades, mudanças de vida, formas de pensar e agir que se materializa-
ram nas edificações e nas “transformações” que a cidade sofreu, operou,
destruiu, reconstruiu e sobrepôs. Bem como, esse conjunto permanece
e se torna portador de juízos de valores históricos e estéticos, simbolis-
mos, significados; de toda a existência humana, extrapolando o material
e persistindo na memória e, possível de ser lembrado por objetos que se
mantém heroicamente durante essas mudanças de curto/médio/longo
prazo, ou seja, os remanescentes.
Dessa forma, a Transição das Cidades Brasileiras entre o século XIX e
o XX, alimentada por processos urbanos e arquitetônicos antecedentes e
também posteriores, com o Ecletismo, principal conjunto remanescente
de Aracaju, especialmente em suas ideologias, tem início na metade do
XIX e essa transição se materializa ou amadurece no início do século XX.
Entretanto, o Ecletismo não se finda como propósito de uma mo-
dernidade, ele a alimenta e conjuga sistemas de ideias que permeiam
significados e modos de viver, mesmo que aparentemente convivendo
como antagônicos edificados. Assim, surgem novos modelos, a partir
dessas transformações decorrentes do modo de viver de transição do sé-
culo XIX para o XX, convivendo em conjunto ou disputando o espaço da
cidade; acreditando que o modelo anterior não mais dá conta de alimen-
tar o modo de vida em constante e acelerada transformação; porém, um
necessita do outro para existir. Portanto, o Ecletismo passa a “conviver”
com o Art Nouveau, com o Art Déco e logo em seguida e, rapidamente,
com o Protomodernismo e Modernismo, tornando a cidade um campo
de disputa de espacialidade em uma convivência na qual não se pode dis-
tinguir a homogeneidade de uma Tipologia.
124 | 214
A cidade de Aracaju possui uma Diversa e Complexa Tipologia
Arquitetônica, resultado de vários momentos. Apesar da passagem do
século, a tipologia inicia-se a partir do próprio projeto do Quadrado de
Pirro, ou melhor, com o Culto à Linha, amadurece no momento da virada
entre os séculos, com os conceitos de Remodelação Urbana, e se estende
até a metade do século XX, com a busca de uma afirmação de Mentalidade de
Vida Urbana Moderna. Assim sendo, a diversidade e complexidade ini-
cia-se no conceito do Modo/Gosto de Viver Afrancesado representado na
tipologia Eclética Casa/Comércio e se desdobra a partir da industrializa-
ção tardia e da própria afirmação da individualidade buscada pelo século
XX, o que atinge uma suposta menor personalização com o Art Déco,
que desaguará numa “maturidade” espacial urbana/arquitetônica, ou
seja, na Arquitetura Modernista, que se torna internacional, a partir de
modelos pretensamente “universais, embora antes, experimentando e
produzindo edificações heterogêneas e difíceis de serem identificadas,
chamadas de Protomodernas.
Portanto, em Aracaju, esta diversa e complexa arquitetura tem um
conjunto remanescente expressivo que se insere dentro da representa-
ção das Transformações Urbanas Sofridas pelas cidades brasileiras do final
do Século XIX até a metade do Século XX. Este conjunto formado, na sua
maior parte, por edificações do Ecletismo também tem no Art Nouveau,
Art Déco, Protomodernismo e Modernismo, remanescentes representa-
tivos dessas transformações “posteriores”, ou seja, do início até a metade
do século XX.
Para que se entenda a temática apresentada para a preservação do
conjunto remanescente aracajuano (Transformações Urbanas sofridas pe-
las Cidades Brasileiras do final do Século XIX até a metade do XX), é preciso
uma análise sobre as representações tipológicas e seus simbolismos lo-
cais e não locais, de forma a permitir a “ressignificação” da objetificação
dentro de um período de tempo que extrapola e vai além do determina-
do como “virada entre os séculos XIX e XX”.
125 | 214
As tipologias e simbolismos arquitetônicos do Ecletismo, somadas
as do Art Nouveau, do Art Déco, do Protomodernismo e Modernismo,
nas áreas propostas de proteção, demonstram como o espaço urbano de
Aracaju também tem sua organização espacial alicerçada por conceitos
sociais, humanos, políticos, econômicos, urbanísticos, enfim, Arquitetô-
nicos Tipológicos. Portanto, as Formas tipológicas carregadas de represen-
tações locais e não locais ao serem “ressignificadas” a partir dos “modelos
tipológicos” identificados no Ecletismo; Art Nouveau; Art Déco; Proto-
modernismo e Modernismo são capazes de fundamentar o porquê de
preservar os remanescentes de Aracaju.
126 | 214
Uma das situações mais expressivas observadas neste tipo de cons-
truções ecléticas de características urbanas marcantes (apesar de ser
uma edificação feita para a cidade) é a que sua implantação no lote ainda
obedece claramente à disposição das construções coloniais. Observar
que neste conjunto, especialmente dos Sobrados e edificações térreas, a
disposição é de uma estar “colada” a outra, sem recuos laterais. Mesmo
a disposição da parte frontal da edificação e sua relação atual com o pas-
seio demonstra uma falta de proporção entre a edificação e o que foi de-
A B terminado como calçada, fato que indica ainda mais, que a implantação
dessas edificações segue os modelos de implantação de lotes do período
colonial (no limite do terreno).
Esta indicação também pode ser sentida quando uma dessas ruas
antigas é transformada em calçadão (como o caso da Rua João Pessoa), o
que mais se nota é que ela volta a ser de propriedade dos pedestres e isso
parece ser natural, e o é, uma vez que a implantação das edificações foi
realizada nos moldes urbanísticos de valores que ainda não pertenciam
ao automóvel (Figura 66).
Figura 66: F – Calçadão da Rua João Pessoa. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
C D F
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Casas Comerciais/Farmácias B
A C
130 | 214
Esta edificação, o Sobrado da Rede GBarbosa, bem como os demais
sobrados que constituem a Av. Otoniel Dória, a Rua Santa Rosa, a José
do Prado Franco, o Beco dos Cocos e a Rua João Pessoa possuem carac-
terísticas formadas por uma intensidade de regras e elementos de com-
posição renascentista (neorrenascentista) não apenas de gosto italiano,
mas também francês e alemão, ou seja, determinadas por fontes classi-
cizantes diversas, como se fossem colagens “eruditas” com elementos
barroquizantes, como é o caso da sacada do Sobrado GBarbosa, com
elementos das balaustradas do guarda-corpo lembrando vasos romanos,
mas construídas com bom gosto e com o que havia de melhor no mer-
cado de importação dos materiais de construção (FABRIS, 1987, p. 75).
Os Sobrados da Av. Otoniel Dória mostram um caráter mais con-
tido do neorrenascimento, muito maior inclusive do que as colagens do
Sobrado GBarbosa, estando bem mais dentro de regras de Transição de
uma arquitetura neoclássica da metade do século XIX do que um ecle-
tismo revivalista neorrenascentista, ou seja, são mais simples na sua dis-
posição de fachada, na qual o elemento triangular predomina. Também
podem ser vistas variações de inclusão nas platibandas de frontões cur-
vilíneos neorrenascentistas. Estes aspectos determinariam edificações
com bases neoclássicas do final do XIX que acabaram recebendo contri-
buições ou acréscimos de alterações nas fachadas no início do século XX,
comuns na formação das cidades brasileiras (Figura 69).
131 | 214
Figura 69: Platibandas dos Sobrados da Av. Otoniel Dória,
com pequenos frontões triangulares arrematadas na maior parte
por cornijas curvilíneas. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
132 | 214
Esta cultura arquitetônica não é apenas vivida em Aracaju na virada
dos séculos e, especialmente, no início do XX, ela é uma das característi-
cas mais marcantes da formação do espaço urbano brasileiro.
Com o adentrar das primeiras décadas do século XX, essas Casas
Comerciais recebem o acréscimo de uma terceira simbologia ornamental
construtiva denominada por Lemos (in FABRIS, 1987, p. 75) de edifica-
ções neorrenascentistas despoliciadas. Um excelente exemplo desta tipo-
logia simbólica local é a edificação eclética ocupada atualmente pela Loja
A Fonseca e Livraria Juritec/Pet Shop JMG na Av. Rio Branco (Figura 70).
133 | 214
Esta construção de volumetria neoclássica do final do século XIX e
que provavelmente recebeu acréscimos ornamentais neorrenascentistas
no início do século XX, demonstra como o ecletismo foi sendo usado
nas cidades brasileiras nesta época, onde, no dizer de Lemos (in FABRIS,
1987, p. 75) eram executadas na maioria das vezes por profissionais não
qualificados e que se popularizaram caindo no gosto das populações de
menor poder econômico.
Nessas edificações vemos elementos decorativos em invenções
personalizadas, no caso, uma platibanda bem marcadamente triangular
classista encimada por coruchéus e uma fachada em feições de abertu-
ras neocoloniais, o que demonstra que essas alterações ou arquiteturas
neorrenascentistas despoliciadas começam a ocorrer por volta de 1920.
Simbolicamente, como se relatou anteriormente, a arquitetura “fala”, e
um dos elementos ornamentais mais expressivos e simbólicos das Casas
Comerciais em Aracaju parece ser a “estrela de cinco pontas”, localizada
sempre no tímpano triangular do frontão neoclássico da construção e
que requer mais aprofundamento de estudos para determinação de seu
significado simbólico.
É importante salientar que muitos desses SOBRADOS também
eram ocupados por atividades de interesse das populações urbanas
daquele período, como as “Pharmácias” que, em Aracaju, por volta de
1900, apresentavam “oito” estabelecimentos nesta área central (SILVA,
1920, p. 146). Esta atividade comercial ocupava a construção na par-
te térrea ficando a parte superior, destinada à acomodação da família
(social, íntimo e serviços), na mesma terminologia tipológica de uso do
espaço construído como público e privado, que era a principal constitui-
ção urbana das cidades do final do XIX para o início do XX que os rema-
nescentes da arquitetura de Aracaju ainda são capazes de representar
com extrema significação.
134 | 214
Armazéns/Depósitos/Estiva
Ainda no Ecletismo, a tipologia Armazéns/Depósitos/Estiva, apre-
senta-se nas edificações Tipo Sobrado e/ou Edificação Térrea, na Av.
Otoniel Dória (Av. Ivo Do Prado) e no prédio da Antiga Alfândega de
Aracaju (Figura 71).
A B
135 | 214
novo modo de vida que as cidades daquele período enfrentavam, ainda
guardavam tipologias simbólicas associadas às tradições do passado.
Nesta mesma edificação, bem como nos outros exemplos repre-
sentativos da tipologia Armazéns/Depósitos/Estiva, característicos desta
área remanescente do entorno dos Mercados, pode-se reconhecer como
representatividade da arquitetura nacional a integração do país no mer-
cado mundial. Questão que se tornou um dos elementos mais expressi-
vos de transformação das cidades brasileiras e nordestinas na virada dos
séculos XIX para o XX.
Este fator permitiu as cidades exportar produtos, mas também im-
portá-los. Essa importação, inclusive de técnicas e materiais construti-
vos, que muda a aparência das cidades brasileiras, ou melhor, a Imagem
Urbana, pode ser identificada pelo uso das platibandas em todas estas
edificações, inclusive no Antigo Prédio da Alfândega.
Os Sobrados na Av. Otoniel Dória, na Rua José Prado Franco e no
Beco Dos Cocos possuem como representatividade de uma cultura arqui-
tetônica nacional essas platibandas, sendo que, no caso da Alfândega, cha-
ma a atenção o pouco ou quase nenhum ornamento encimando esse ele-
mento construtivo, como é comum nos Palácios, Palacetes e Minipalacetes.
Este fato se deve a simbologia que passa a representar essa tipo-
logia, ou seja, de que a função começa a se sobrepor à estética. Os ar-
mazéns começam a representar a vitória da geometria simples sobre a
ornamentação rebuscada. Este aspecto irá caracterizar as transforma-
ções urbanas após 1920 nas cidades brasileiras até atingir o Art Déco e
as tipologias Modernistas.
Palácios
A tipologia Palácios define representações simbólicas remanescen-
tes das Transformações sofridas pelas Cidades Brasileiras e do Nordeste na
transição entre os Séculos XIX e XX. São caracterizadas, de forma geral,
136 | 214
pelo que Reis Filho (1987, p. 34) definiu como “Construções aperfeiço-
adas mais com uma implantação tradicional”, de melhor sorte, muitas
delas, especificamente as pertencentes ao final do XIX, como o Prédio do
Palácio Olímpio Campos e o Palácio Fausto Cardoso, apesar de sofrerem
reformas no início do século XX, apresentam novas transformações re-
presentativas de uma arquitetura praticada no Rio de Janeiro à maneira
neoclássica tardia/neo-renascentista ou de Segundo Império, num tipo
mais refinado de construção (Figura 72).
Outras edificações remanescentes do final do XIX e início do XX,
caracterizadas pela tipologia de Palácios, são os prédios do Antigo Tesouro
do Estado ou Palácio Graccho Cardoso (Câmara Municipal de Aracaju), o
prédio da Delegacia do Ministério da Fazenda, o prédio do Antigo Tribunal
de Justiça (Palácio da Justiça), o Palácio Inácio Barbosa (Prefeitura de
Aracaju), o prédio da Associação Comercial de Sergipe na Rua José Prado
Franco, o prédio da Loja Maçônica Cotinguiba, o Palácio da Polícia Civil e
Secretaria de Segurança Pública de Sergipe (Figura 73).
A B
137 | 214
A E
A B
C D E
140 | 214
A
B
141 | 214
Os porões mais ou menos elevados determinam construções per-
tencentes à cidade em transformação, em transição. O uso sanitarista e
paradigmático deste elemento construtivo denota outras questões de
diferenciação na implantação da edificação, como as escadarias frontais
nos Palácios e as escadarias laterais nos Palacetes, sendo que em ambas as
tipologias as janelas se abrem sobre as ruas. Em Aracaju, essa tipologia se
mostra plena no Solar dos Rollemberg e na Sede do IPHAN que, entre outras
situações, permitirá aos moradores ver a rua sem serem vistos (Figura 76).
A B
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meticulosamente escolhidos, prevendo futuros enlaces matrimoniais
e arranjos econômicos e políticos. Uma representação íntima da es-
pacialidade arquitetônica presente na maioria das cidades brasileiras
daquele período.
Minipalacetes/Residenciais
Encontramos bons exemplos dessa tipologia na Rua Santo Amaro,
13 (apesar de a entrada lateral estar descaracterizada), na Rua Estância,
39, bem como na mesma Rua o prédio do Museu do Homem Sergipano e
um Sobrado s/n; nas casas na Av. Ivo do Prado, 540 e 670. Um dos melho-
res exemplos fica na esquina da Rua Itabaiana com Senador Rollemberg
s/n, também na Rua Itabaiana, 926 (Figura 77).
Reis Filho (1987, p. 44) menciona que devido aos hábitos diferen-
ciados das massas imigradas que surgiriam os novos esquemas de im-
plantação que romperam com as tradições de se construir do período
colonial. Desta forma, os exemplos acima citados, na sua grande parte
ou totalidade, teriam sido executados no início do século XX em diante.
Segundo Reis Filho (1987, p. 44), uma das mais importantes transfor-
mações arquitetônicas se liga ao recuo lateral da edificação, apesar da fa-
chada principal ainda ficar alinhada na via pública. Comumente, o recuo
era apenas de um dos lados e, o outro, quando existia, ficava reduzido à
mínima distância possível. Um bom exemplo, apesar de poder também
ser classificada na tipologia de Palacetes/Residências é a edificação atual-
mente ocupada pelo Museu do Homem Sergipano.
143 | 214
A B C
D E F
G H
145 | 214
Estas edificações possuem todas as características descritas ante-
riormente, inclusive a fachada principal em alinhamento com a via pú-
blica, fator que não ocorre no Museu do Homem Sergipano. Entre eles, o
exemplo mais significativo é o edifício na esquina da Rua Itabaiana com
Senador Rollemberg s/n. Esta edificação apresenta discreto afastamen-
to em apenas um dos lados, na qual inclusive se insere a varanda lateral
apoiada em colunas de ferro. Poderia no passado ter tido um ajardina-
mento discreto que não mais existe. Um fator importante é a demonstra-
ção do progresso higienista da construção, na qual a iluminação e a ven-
tilação, apesar da implantação ainda se mostrar bem ao estilo colonial, a
apresentação de melhorias no discreto afastamento lateral, bem como, o
outro lado da edificação, se dá em face da via pública. Também apresenta
discreta elevação com porões. Na fachada, apesar da discreta ornamen-
tação neorrenascentista, especificamente na platibanda, pode-se dizer
que ocorre a cópia em menor escala dos Palácios, no caso, das diagonais
chanfradas e da platibanda encontrada no Palácio do prédio da Delegacia
do Ministério da Fazenda, o que define claramente esta edificação dentro
da tipologia de Minipalacetes/Residências.
O simbolismo desta tipologia está associado à afirmação de que,
por volta do início do século XX, podia-se considerar que nas cidades
brasileiras havia ocorrido a libertação dos modelos urbanísticos de
implantação no lote de correspondência colonial e, que se vencia uma
etapa tecnológica. Apesar desta mudança não ter ocorrido de forma
homogênea, ela caracteriza a diversidade e complexidade representa-
das pelo conjunto remanescente das Três Praças, Entorno aos Mercados
e Bairros vizinhos ao centro.
Essas mudanças também estiveram associadas à instalação de no-
vos equipamentos nas cidades, como rede de esgotos, abastecimento
de água, iluminação e transporte coletivos, etc. Portanto, essa tipologia,
muito significativa das transformações arquitetônicas e urbanas das ci-
dades brasileiras do início do século XX, necessita de proteção e deve ser
alvo indiscutível de normas preservacionistas.
146 | 214
Fábricas
A principal atividade industrial da cidade, por volta de 1900, é a
de produção de tecidos. Neste contexto, destaca-se como edificação
remanescente a Fábrica Confiança (Ribeiro Chaves) no Bairro Industrial
(Figura 78). Entretanto, são algumas das edificações das ruas José Prado
Franco, do Beco dos Cocos, Santa Rosa e João Pessoa, que eram ocupa-
das por grande número de atividades industriais (SILVA, 1920, p. 146).
Figura 78: Fábrica Confiança – Ribeiro Chaves – industrial com construções do final
do século XIX e alguns galpões em estilo Art Déco. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
147 | 214
A tipologia construtiva das Fábricas, em específico, da Fábrica
Confiança, tem sua composição e funcionalidade importada de mode-
los Ingleses. As formas em grandes galpões com oitões triangulares,
apesar de ter sido muito aplicado esteticamente nas fachadas das cons-
truções urbanas, não foram completamente assimiladas em relação a
sua disposição interna funcional nas edificações ecléticas em geral, de-
vido, especialmente, aos seus programas específicos. Entretanto, ser-
viram para influenciar a construção de modelos de casas pertencentes
aos chamados conjuntos de Vilas Operárias, como as da Vila Queiroz no
centro de Aracaju. A tipologia destas vilas operárias fazem lembrar, nas
suas fachadas e volumetria, apesar da escala muito menor, os galpões
das fábricas de tecidos.
Já as edificações que iriam servir as fábricas de óleos, camisas, cha-
péus de sol, de vinagre, de camas, móveis em geral, calçados, bebidas,
malas, por volta de 1920 em Aracaju (SILVA, 1920, p. 148), ocuparam
muitas das edificações de um pavimento nas ruas citadas (Figura 79).
Figura 79: A– Rua José Prado Franco; B – Rua Santa Rosa; C – Logradouro
conhecido como Beco dos Cocos; D – Rua de João Pessoa. Fonte: Donizeti da
Silva, 2014 (C e D), 2017 (A e B) – Locais possivelmente ocupados no início
do século XX por vários tipos de pequenas fábricas (SILVA, 1920, p. 148).
A B D
149 | 214
a pessoa comum (que antes ocupava o papel de coadjuvante no mundo
rural) em protagonista no novo mundo urbano, podendo se tornar dono
de um pequeno comércio, ou quem sabe, de uma grande indústria.
As pequenas e médias indústrias que ocupavam os armazéns das
Ruas José Prado Franco, O Beco dos Cocos, Santa Rosa, João Pessoa e ou-
tras, da área urbana central, tiveram o papel de novos protagonistas edi-
ficados, produzindo uma variada e complexa rede de relacionamentos,
que materializaram um novo modo de vida em Aracaju, representativo
do modo de vida urbano brasileiro de uma época.
Escritórios (comissões/designações/
fazendas/exportações)
De acordo com o ALBUM de Sergipe (SILVA, 1920, p. 146), havia
na área histórica central de Aracaju, por volta de 1920, ocupando os
Sobrados na Av. Otoniel Dória (Av. Rio Branco), Rua José Prado Franco,
Beco dos Cocos, Sobrados da Rua João Pessoa, aproximadamente, 6 escri-
tórios de miudezas e fazendas, 9 escritórios de fazendas, 10 escritórios
de exportação de açúcar, 17 escritórios de exportação de sal e 37 escri-
tórios de comissões e consignações. Contudo, apesar da grande impor-
tância dessas edificações como tipologia de Escritórios e representativa
de um conjunto, pode-se dizer que é o prédio da Antiga Alfândega de
Aracaju o exemplo monumental dessa tipologia (Figura 80).
O prédio remanescente da Antiga Alfândega de Aracaju estaria clas-
sificado como de um ecletismo neorrenascentista despoliciado, ao mesmo
tempo em que também poderia ser inserido, conforme Lemos (in FABRIS,
1987, p. 75), num ecletismo historicista, que constitui elementos influen-
ciados por variados modelos de construções antigas e alheias ao mundo
clássico, em que são comuns obras neorromânicas ou medievalistas como
as bossagens em forma de rusticações presentes no corpo da edificação.
Esse estilo de ecletismo também se incluiria em outras edificações rema-
nescentes de Aracaju, como é o caso do Instituto Parreiras Hortas no Bairro
São José, que possui influências de formas mouriscas e árabes.
150 | 214
A
B C
E
D
Lojas de Ferragens
Uma das questões mais importantes da formação da espacialidade
das cidades daquele período era o de ter acesso às novas tecnologias, ou
seja, aos novos materiais, às ferramentas e máquinas que dariam con-
dições para o desenvolvimento não apenas de novas atividades, como
a fábrica de móveis e bebidas gasosas, como também, oferecessem os
materiais necessários para que as novas edificações resolvessem os no-
vos programas construtivos exigidos pelos projetistas/engenheiros da
época. Essa tipologia podia ser encontrada nos Armazéns e Sobrados e,
especialmente, na tipologia designada por Lojas de Ferragens, possivel-
mente presentes nas ruas Santa Rosa, José Prado Franco, Beco dos Cocos
e na João Pessoa (Figura 81).
152 | 214
Em 1920, essas ruas mencionadas apresentavam qua-
tro Lojas de Ferragens (SILVA, 1920, p. 148). O simbolismo
mais importante desta tipologia estava inserido na possibi-
lidade do desenvolvimento e do “progresso”. Normalmen-
te em outras cidades, essas lojas estavam associadas aos
primeiros bancos de empréstimos de dinheiro e também
podiam ser chamados de Banco Construtor, uma vez que
vendiam “à prestação” os materiais voltados não apenas
para a construção civil, bem como, equipamentos agrícolas
e maquinarias industriais. Essas atividades, na maioria das ci-
dades brasileiras, eram agenciadas por imigrantes alemães
(SILVA, 2011, p. 69).
A B
Casa/Comércio
Essa tipologia é uma das mais importantes na orga-
nização espacial das cidades brasileiras do final do XIX até
a metade do século XX, uma vez que propiciaram vida e
“dinamismo” à área central da cidade e, ao mesmo tempo,
está relacionada ao simbolismo do Viver, Morar e Trabalhar
num mesmo local. Em Aracaju, tal tipologia encontra-se nos
Sobrados da Rua Santo Amaro, 05 e 09, na Praça Olímpio
Campos, 619, na Travessa Benjamim Constant, 68, em vá-
rias edificações da Av. Otoniel Dória (Av. Rio Branco), da
Rua Santa Rosa, da Rua José Prado Franco, Beco dos Cocos,
da Rua João Pessoa e da Rua Laranjeiras (Figura 82).
C D
Figura 81: A – Vista geral da Rua Santa Rosa; B – Vista geral da Rua José
Prado Franco; C – Vista geral do Beco dos Cocos; D – Vista geral da
Rua João Pessoa. Fonte: Donizeti da Silva, 2014 (A, B e D), 2017 (C).
E F
Figura 82: A – Rua Santo Amaro, 05 e 09; B – Praça Olímpio Campos, 619; C – Travessa
Benjamim Constant, 68; D – Av. Otoniel Dória; E – Rua de Santa Rosa; F – Rua José Prado
Franco; G – Beco dos Cocos; H – Rua João Pessoa, 258/252. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
155 | 214
ou seja, ao atingirem uma posição de destaque no quadro social e eco-
nômico local, tendo se estabelecido na cidade no início do século e pro-
gredido, se utilizaram das construções com a função de moradia e
comércio. Aproveitando este crescimento econômico urbano, compra-
ram as antigas construções das ruas citadas, especialmente aquelas de
moradia unifamiliar, e as demoliram ou reformaram. No lugar deste tipo
de edifício (casa de moradia unifamiliar) construíram um tipo de prédio
com a finalidade de “resgatar” o morar e trabalhar num mesmo local,
mas agora, de forma ampliada, confortável e bela.
Para este tipo de construção buscaram como modelo aqueles anti-
gos sobrados da época (neorrenascentistas amaneirados), e assim, fize-
ram seus comércios na parte térrea e sua habitação no andar ou andares
superiores representando, simbolicamente, qual seria o modo vitorioso
de vida urbano no início do século XX nas cidades brasileiras.
Hotéis/Pensões
Até os dias atuais percebem-se, na área central da cidade de Aracaju,
muitos pequenos Hotéis e Pensões. Esta tipologia teve uma afirmação
muito rápida no conjunto construtivo das ruas Santa Rosa, José Prado
Franco, João Pessoa, na Av. Otoniel Dória e, especialmente, no Beco Dos
Cocos, em que ocupavam os antigos Sobrados destas ruas.
Este tipo de atividade foi extremamente rentável, lucrativa, duran-
te o final do XIX até a metade do século XX, sendo muito explorada, mas
com a decadência da produção industrial e agrícola, esta atividade so-
freu adaptações, a maioria socialmente negativa, como todas as outras
anteriormente citadas.
156 | 214
Edificações Religiosas
Estas edificações pertencem ao chamado Ecletismo Historicista, no
qual o neogótico é o mais frequentemente utilizado, como nas constru-
ções da Catedral Metropolitana, na Igreja de São Salvador e, na década
de 1930, na Igreja Santo Antônio. As duas primeiras localizadas na área
central de Aracaju e a terceira, no Bairro do Santo Antônio; pode-se ver
a aplicação desta tipologia por toda a cidade, bem como ela também foi
aplicada em uma Igreja de feições anteriores ao estilo, ou seja, na Igreja
da Fábrica Sergipe Industrial no Bairro Industrial (Figura 83).
A B C
Figura 83: A – Catedral Metropolitana
de Aracaju; B – Igreja de São
Salvador – considerada a primeira
igreja da capital, foi inaugurada
em 1857, sendo matriz até 1875,
passou por várias reformas sendo
que a da década de 1920 conferiu-
lhe características neogóticas
(NASCIMENTO, 1981, p. 90);
C – Igreja de Santo Antônio, na
colina do mesmo nome, suas
feições neogóticas são da década de
1930; D – Igreja da Fábrica Sergipe
Industrial, no Bairro industrial, feições
neogóticas, porém com traços em
estilos anteriores. Fonte: Donizeti
da Silva, 2013 (A), 2014 (B, C e D).
Figura 84: Vista aérea da área central de Aracaju, com o Rio Sergipe; a
Ponte do Imperador; a Praça Fausto Cardoso e os Palácios Olímpio Campos
(direita) e Fausto Cardoso (esquerda), ao fundo, a Catedral Metropolitana;
inversão da espacialidade do poder, ou seja, os palácios governamentais
estão posicionados a frente do poder religioso. Fonte: Pedro Leite, 2011.
158 | 214
O neogótico, ou estilo eclético historicista, também foi muito em-
pregado em Minipalacetes ou pequenas réplicas de residências urbanas.
Entretanto, muitos exemplares dessa tipologia associada ao neogótico
sofreram descaracterizações nas áreas históricas urbanas remanescen-
tes no centro de Aracaju e nos bairros vizinhos ao centro. Ainda pode-
mos ver alguns remanescentes na Av. Ivo do Prado, especificamente, na
casa de um dos homens que representaram a relação da cidade com o
Rio Sergipe, ou seja, o Prático Zé Peixe (Figura 85).
Figura 85: Estilo neogótico na Av. Ivo do Prado, casa de “Zé Peixe”.
Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
159 | 214
Escolas ou Instituições de Ensino
H
A Antiga Escola Normal; o Grupo Escolar General Siqueira (atual Figura 86: A – Antiga Escola Normal (atual Centro de Artesanato
Quartel da Policia Militar); o CULTART (Antiga Faculdade de Direito); de Aracaju), na Praça Olímpio Campos; B – Grupo Escolar General
Siqueira (Atual Quartel da Polícia Militar de Sergipe), na Rua
o Colégio Manoel Luiz (Bairro Cirurgia) e Antigo Colégio Ateneuzinho, o Itabaiana; C – CULTART – Centro de Cultura e Arte da UFS, na
Oratório Festivo Dom Bosco (Oratório de Bebé), o prédio da Academia Av. Ivo do Prado; D – Escola Valnir Chagas, na Rua Itabaiana em
Sergipana de Letras e a Escola Valnir Chagas (Figura 86) representam frente ao Quartel da Polícia Militar de Sergipe; E – Colégio Dr.
Manoel Luiz, na Av. Pedro Calazans n. 995, no Bairro Cirurgia;
características simbólicas marcantes neste tipo de edificação e que ca-
F – Colégio Atheneuzinho, inaugurado em 13 de agosto de
racterizaram uma cultura arquitetônica nacional de época, como o uso 1926, na Av. Ivo do Prado, Centro; G – Oratório Festivo Dom
de escadarias, colunas e frontões de pedra, que ornam e marcam com Bosco – Oratório de Bebe – no Bairro Suissa; H – Academia
Sergipana de Letras, na Rua Pacatuba n. 288. Fonte: Donizeti
frequência as fachadas destes edifícios, bem como, pilastras encimadas
da Silva, 2013 (A e B), 2014 (D, E, F e H), 2017 (C e G).
por ornamentos neorrenascentistas, como podem ser vistos na entrada
da Antiga Escola Normal.
A C D G
B E F
Mercados Municipais
Esta tipologia está presente nas cidades desde os tempos mais re-
motos da formação urbana. Em cada época, naturalmente, acondicio-
nam funções intensas, como por exemplo, no período romano, a venda
de mercadorias das mais variadas ordens e escriptorias para negociação
dessas produções chamadas de “Foro Boario e Foro Olitorio” (BENEVOLO,
1999, p. 139), tanto no atacado, quanto no varejo.
As tradições de feiras no Nordeste e em locais para a comercializa-
ção dos mais variados produtos determinaram uma cultura de valor pa-
trimonial expressivo na formação das cidades brasileiras (NUNES, 1989,
p. 146 a 147). Essas tradições desaguaram, na maioria das vezes, nos
próprios locais urbanos, os quais seriam implantados nas cidades brasi-
leiras no final do século XIX até o início do século XX e denominados, na
cultura urbana, de Mercados Municipais.
161 | 214
Esta tipologia, mesmo estando presente nas transformações da A
maioria das cidades brasileiras, a virada dos séculos XIX para o XX, foi
muito influenciada pelo exemplo importante do Mercado Municipal de
São Paulo. No caso de Aracaju, o simbolismo do Mercado estaria mais
próximo ao Mercado Ver-O-Peso da cidade de Belém do Pará. Obviamen-
te, guardadas as questões simbólicas locais e não locais. Não seriam exa-
tamente a arquitetura Eclética que aproximaria estas duas edificações
devido a suas personalizações, mas, especialmente, a implantação as
margens de um Rio. Bem como os sabores e odores desta localização,
B
as relações com as áreas vizinhas centrais e seu subsistema econômico,
a determinação de uma nova vida urbana que ainda guardava relação
com o comércio tradicional do tempo colonial das feiras; entretanto,
agora marcado pelo ritmo das horas simbolizado com ênfase no Relógio
Central de Aracaju, que constitui o ponto focal da edificação e determina
o ritmo das horas das embarcações, do trem, do comércio, ou seja, do
ritmo de vida urbano (Figura 87).
163 | 214
E no Thales Ferraz, apesar das descaracterizações propostas nas B
“reinvenções” realizadas há pouco tempo (anos recentes), um neocolo-
nial tardio ao gosto das MISSÕES e com uma série de inserções eclé-
ticas inspiradas nas composições medievalistas afrancesadas presentes
nas formas arredondadas de simulacros que lembram torres dos castelos
normandos (Figura 88).
Também é possível verificar, no guarda-corpo dos mirantes do
Mercado Antônio Franco, a inserção de elementos ornamentais de-
corativos já inspirados em composições florais que se remetem a um
Art Nouveau que faz lembrar a inspiração do movimento da Secessão
Austríaca e que também podem ser vistos no gradil de ferro da Asso-
ciação Comercial (formas de inspiração floral – aparentemente tulipas).
A C
165 | 214
café, etc. (SILVA, 1920, p. 148) que ocupavam toda a área central da ci-
dade de Aracaju e, especificamente, suas ruas iniciais, surgirá uma nova
preferência arquitetônica para o comércio e a indústria: o Art Déco.
Contudo, mesmo não havendo espaço naquele “miolo” central para
novas edificações, algumas surgiram como representação de tipologias
que lembram os Palácios dignos do Ecletismo, mas agora utilizando o Art
Déco, que vem para representar o poder econômico comercial-industrial
instituído, como no Palácio Serigy, Palácio Carvalho Neto (Arquivo do
Estado) e a Sede do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (Figura 89).
A B C
166 | 214
Essa transformação arquitetônica na mesma malha urbana, ou ao
menos, no Culto a Linha iniciado pelo “Quadrado de Pirro”, recebeu um
último acréscimo de intervenções, por volta de 1940 até 1950: as edi-
ficações no estilo conhecido como antecedente a arquitetura Moderna,
ou seja, o Protomoderno.
As edificações que se apresentavam desde o início do século XX,
muitas já transformadas, ao menos suas platibandas, em construções
Art Déco, somadas às Protomodernas, ainda são capazes de serem apre-
ciadas nos conjuntos que pleiteiam proteção em Aracaju.
As edificações Ecléticas constituídas inclusive pelas características
de Chácaras/Chalés/Vilas e suas contrapartidas Neocoloniais, as Ecléti-
cas acrescidas ou ornadas no estilo decorativo Art Nouveau, as Ecléticas
reutilizadas em alterações compositivas Art Déco, as “genuinamente”
Art Déco, as do final da primeira metade do século XX chamadas de Proto
e Modernista formam a Diversa e Complexa arquitetura remanescente
da área histórica urbana de Aracaju e bairros vizinhos, resultando em
Formas tipológicas locais e não locais do início do XX até sua metade.
Chácaras/Chalés/Vilas
A tipologia das Chácaras/Chalés está associada a algumas condi-
ções iniciadas no Ecletismo, uma vez que se entende que até 1910 vários
estilos conviveram, simultaneamente, como: o Art Nouveau com o Ecle-
tismo, o Neocolonial com o Ecletismo, ou seja, era possível agrupar uma
grande variedade de definições estilísticas historicistas e novas em uma
edificação ou coexistindo no mesmo espaço urbano.
Contudo, pós 1910, ocorreram separações mais “rígidas”, princi-
palmente entre o estilo Neocolonial/Missões e o Ecletismo. O caso dos
Chalés estaria, antes de 1910, denominado como obras de estilo indefi-
nido (apesar de classificadas dentro do período e estética Eclética), suas
características construtivas, especialmente os telhados, eram extraídas
dos chalés alpinos, e de acordo com Lemos (in FABRIS, 1987, p. 75),
167 | 214
A B C
D
caracterizavam construções que expressavam um “tom romântico”, ar Figura 90: A – Sobrado, Chalé na Rua Estância, 53;
bucólico e campestre, numa alusão ao conceito ideológico do pitoresco, B – Sobrado, Chalé na Rua Estância, 63;
C – Sobrado, Chalé na Rua Estância, 87;
numa linguagem simbólica geral, que buscava um retorno à vida rural. D –Sobrado, Chalé na Rua Itabaiana, 783.
Os considerados Chalés, na Rua Estância, 53 e 63, possuem ca- Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
racterísticas ecléticas desses telhados alpinos. Também apresentam
alguns elementos Neocoloniais dentro do estilo chamado de Missões,
como por exemplo, o 63 apresenta pintura irregular sobre a superfície
da parede, muito comum nas edificações mexicanas do início do século
XX. Já o Chalé, na mesma rua, 87, apesar de possuir telhados caracte-
rizados pelo historicismo europeu, apresenta características Neocolo-
niais na torre quadrada e no avarandamento com guarda-corpo com
balaustradas neobarrocas. Outro Chalé com uma variante expressiva
Neocolonial no seu jogo de volumes formal, também pode ser visto na
Rua Itabaiana, 783 (Figura 90).
A Vila Queiroz, Vila Operária na área central de Aracaju, localizada
em um dos “miolos” de quadra desta área, apresenta características re-
lacionadas ao Neocolonial, especialmente nos seus frontões triangulares
que fazem lembrar casas de fazenda e também se relacionam às tipolo-
A B
Figura 92: B – Vila Carmem localizada na Av. Ivo do Prado ao lado do CULTART.
Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
169 | 214
Sobrados/Residências – Neocoloniais; Art Déco;
Proto e Modernistas
Até 1910 ocorre uma coexistência de estilos. A partir da Primeira
Guerra Mundial, nas cidades brasileiras, fica reconhecido o nascimento
de uma oposição ao Ecletismo denotado por um estilo denominado
Neocolonial.
Nas áreas de entorno aos mercados e as praças, bem como em
muitas edificações nos bairros vizinhos ao Centro de Aracaju, observa-se
um conjunto eclético remanescente de grande valor representativo das
transformações urbanas no Brasil do final dos séculos XIX até o início
do XX. Nos bairros vizinhos ao Centro, a partir de 1910 até 1930, são
construídas edificações que buscam um contraponto ao ecletismo e que
também alteram a paisagem urbana da maioria das cidades brasileiras,
esse estilo é denominado Neocolonial (http://www.piratininga.org/estilo-
-missoes/estilo-missoes.htm> acesso 26 de maio de 2013).
O Neocolonial foi um estilo muito empregado no Brasil após a Pri-
meira Grande Guerra e pode ser dividido em dois grupos: o Neocolonial
Luso-Brasileiro e o Neocolonial Hispano-Americano também chamado
de Missões. Apesar de o senso comum dizer que o Neocolonial teria genui-
namente se originado no Brasil, ele teve como origem os Estados Unidos,
a partir do final do século XIX nas áreas colonizadas por espanhóis, como
a Califórnia, Novo México, o Arizona, o Texas e a Flórida. Existem pou-
cas ou quase nenhuma referência teórica sobre o Neocolonial no Brasil.
Esse aspecto é justificado pelo triunfo da arquitetura moderna sobre o
ecletismo e especialmente sobre o Neocolonial, considerado por muitos
arquitetos do paradigma modernista como uma arquitetura “grotesca”
ou exemplos construídos de “aberrações” estilísticas.
170 | 214
Sem sombra de dúvidas, o Neocolonial/Missões alterou a paisa-
gem urbana das cidades brasileiras entre os anos de 1910 até 1940,
tendo se espalhado na década de 1930 por todas as cidades brasileiras,
inclusive Aracaju.
A ideologia marcante do Neocolonial no Brasil está associada à
retomada de uma cultura local, própria, de busca de uma “identidade”
nacional contrapondo-se a exagerada utilização e prestígio dado aos revi-
vais historicistas europeus, especialmente, o neorrenascimento, nos con-
juntos ecléticos que predominaram da metade do XIX até o início do XX.
Em grande parte das cidades brasileiras deste período podiam ser
vistos inúmeros exemplares edificados sobre a mescla do Neocolonial/
Missões, como na cidade de São Paulo, no Jardim América, bairro da clas-
se média alta, podem ser encontrados ainda inúmeros remanescentes
de construções neste estilo, às vezes, denominadas pelos paulistanos de
casas de “alpendres”.
No nordeste brasileiro, na maioria de suas capitais, o Neocolonial/
Missões pode ser facilmente encontrado, especialmente nos bairros vi-
zinhos às áreas históricas centrais, como em João Pessoa na Paraíba
(http://ppgau.ufba.br/urbicentros/2012/st303.pdf> acessado em 27
de maio de 2013)
Entender como o estilo Missões ganhou tanta popularidade no Brasil,
como também nas construções da década de 1930 em Aracaju, é com-
preender os simbolismos que este tipo de construção expressava e que
estavam ligadas às transformações do modo de viver agora agenciado pela
cultura norte-americana de Hollywood, ou seja, no American way of life.
Entretanto outras questões do gosto da época, como a delicade-
za e graciosidade das formas hispânicas frente à rusticidade das formas
luso-brasileiras poderiam melhor explicar esse gosto adquirido, espe-
cialmente em Aracaju, devido a sua relação com a imigração espanhola
daquele período.
171 | 214
Dois “maravilhosos” exemplos de tipologia de Sobra-
dos/Residências, estilo mesclado entre Neocolonial e Mis-
sões, podem ser apreciados na Av. Ivo Do Prado, 792 e 896.
Em ambos, pode-se verificar o telhado em quatro águas, o
que denota uma característica luso-brasileira, entretanto, o
elemento marcante são os arcos com bases largas, utilizadas
na América hispânica, influenciada pela arquitetura árabe e
alterados para cumprir a função de dar passagem a “mulas”
que transportavam cargas dos dois lados (Figura 93).
Na mesma Av. Ivo do Prado no número 312, pode-se ve-
rificar novamente a presença do estilo mesclado, entretanto
variando mais para Missões no que diz respeito ao uso do arco,
aos balcões com balaústres torneados de madeira, o motivo A B
mourisco como guarda-corpo em um dos arcos e os arcos or-
namentados com aduelas de pedras ou imitação. O Neocolo-
nial ficaria apenas por conta das telhas coloniais (Figura 94).
Ainda na Av. Ivo do Prado, 586, pode-se verificar a mes-
cla entre Neocolonial/Missões. O telhado caracteriza-se a par-
tir das chamadas “telhas coloniais de ponta arrebitada” e da
ligeira curvatura antes de atingir os beirais numa indicação
do “galbo” característica das construções luso-brasileiras. A
influência do estilo das Missões pode ser verificada nas grades
de ferro batido artisticamente trabalhadas nas janelas e de
uso muito comum nesta variação do Neocolonial (Figura 95).
C D
Figura 93: A – Capitania dos Portos de Sergipe, Av. Ivo do Prado, 792,
bairro São José; B – Sobrado Neocolonial/Missões na Av. Ivo do Prado,
896, bairro São José. Fonte: Donizeti da Silva, 2013 (B), 2014 (A).
Figura 94: C – Sobrado Neocolonial/Missões na Av. Ivo do Prado,
312, Centro; Figura 95: D – Sobrado Neocolonial/Missões na Av. Ivo
do Prado, 586, Bairro São José. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
B C D E
A B C D
A B
175 | 214
Esta tipologia de Sobrados no estilo Neocoloniais/Missões tem sido B E
alvo, em todas as cidades brasileiras, de inúmeras demolições e muitas in-
tervenções pautadas em reformas descaracterizantes para abrigar ativida-
des como de restaurantes e clínicas, como na Rua Itabaiana esquina com
a Praça Olímpio Campos (Figura 101). Este aspecto está associado não
apenas a crescente especulação imobiliária que se abate sobre os bairros
residenciais vizinhos às áreas centrais, mas também à cultura arquitetôni- F
ca estabelecida pelo paradigma modernista, que impôs a partir de 1940,
transformações sobre a paisagem urbana das cidades brasileiras.
A tipologia dos Sobrados Art Déco no conjunto remanescente de
Aracaju não é tão significativa quanto o conjunto da mescla do Neoco-
lonial/Missões ou do Modernismo, apresentando alguns remanescentes
depois de 1930, como o Sobrado na Av. Ivo do Prado, edificação chamada
de Sobrado Gazeta de Sergipe. Também se encontram Sobrados rema-
nescentes na Rua João Pessoa, 127, 287, 298 e 307; na Rua Laranjeiras
ainda existe um Sobrado Art Déco, 224 e 228 (Figura 102).
C
A
Figura 101: A – Sobrado
Neocolonial na Rua Itabaiana
esquina com Olímpio Campos,
após descaracterizações. Fonte:
Donizeti da Silva, 2013.
Figura 102: B – Sobrado Art Déco
chamado Gazeta de Sergipe na
Av. Ivo do Prado; C – Sobrado Art
Déco na Rua João Pessoa, 127;
D – Sobrado Art Déco na Rua João
Pessoa, 287/307; E – Sobrado
D G
Art Déco na Rua João Pessoa,
298; F – Sobrado com feições
Art Déco na Rua de Laranjeiras,
224/228; G – Edificação na Rua
José do Prado Franco. Fonte:
Donizeti da Silva, 2014.
177 | 214
Um Sobrado na Rua Laranjeiras, 224/228, apresenta o mesmo
problema de poluição visual comercial e caracteriza-se por uma volume-
tria constituída de uma geometria mais “seca”, ou seja, sem a variação de
ritmos das pilastras que se destacam nas outras edificações.
Na Rua Pacatuba, 707, pode-se encontrar um Sobrado Art Déco, pro-
jeto do alemão H. A. Von Altenesch com as linhas se remetendo a forma
de um navio. A inspiração náutica na execução das edificações Art Déco foi
muito utilizada, como no Teatro de Goiania, um dos exemplares mais sig-
nificativos deste estilo. O desenho deste prédio da Região Centro-Oeste
imita um transatlântico ancorado e as janelas são em forma de escotilhas
com superfícies curvas e linhas aerodinâmicas (BLUMENSCHEIN, 2004,
p. 48), sendo seu conjunto fiel ao estilo Art Déco utilizado em cinemas e rá-
dios. A edificação de Aracaju, apesar de tipologia Residencial, procura tirar
partido deste conceito náutico, inclusive nas janelas e nos ornamentos na
forma de escotilhas que povoam o guarda-corpo do pavimento superior,
a cor empregada na “Casa Barco” em Aracaju é o azul marítimo, uma das
cores mais usadas pelo estilo (Figura 103). Outras cores utilizadas no Art
Déco são o verde claro, tons pastel amarelados, os tons da cor ocre e o pó
de pedra (mica) para o revestimento de acabamento do reboco.
178 | 214
Apesar dos Sobrados no estilo Art Déco terem expressividade no
conjunto remanescente da área central de Aracaju, são as edificações di-
tas mais monumentais, ou seja, as de tipologia de Palácios que se desta-
cam como objetos de grande significação deste estilo de 1930 a 1940,
como o Palácio Serigy, o Palácio Carvalho Neto e a Sede do Instituto
Histórico e Geográfico, bem como as edificações de tipologia Religiosa,
a Estação Ferroviária e Armazéns. Essa última, provavelmente, fruto de
alterações e mudanças na composição de fachadas ecléticas para este
estilo, considerado na época mais moderno.
Para Pevsner (1981, p. 7), em sua clássica obra Origens da Arquite-
tura Moderna e do Design, é preciso entender a arquitetura “Protomoder-
nista” e Modernista em paralelo à compreensão da arquitetura remanes-
cente de uma cidade, condição essa que em Aracaju é capaz de expressar
as Transformações Arquitetônicas sofridas pelas cidades brasileiras do final
do XIX até a metade do século XX.
A arquitetura que se estabelece de 1930 até 1960 em Aracaju pro-
põe um capítulo final de transformações urbanas iniciadas no final do
século XIX, uma vez que atingem a partir do Art Déco, conceitos como
segurança, conveniência, propriedade, ou seja, a “adequação” das partes
à concepção de cada coisa é muito importante para a beleza como um
todo. Como na construção naval, em que a construção de cada parte é
delimitada e regulada para a navegação e quando a embarcação funciona
os marinheiros acham que ela é uma “beleza” (PEVSNER, 1981, p. 9).
Então a casa ou a edificação deveriam demonstrar plena adequação entre
as partes – estrutura e beleza em conexão – e servir a sua função. Talvez
seja por esse motivo que se podem encontrar muitas residências/edifi-
cações em Aracaju e em outras cidades brasileiras na forma de barcos.
Outra característica importante dessa Arquitetura após 1930 é a
elevação definitiva da importância dos materiais e da técnica constru-
tiva no projeto e execução da edificação. Como o domínio não apenas
individual mas em conjunto do ferro/aço, do vidro e do concreto, os
quais necessitaram de exercícios construtivos no século XIX para atin-
179 | 214
girem maturidade depois da segunda metade do XX. São essas as pala-
vras de Viollet Le Duc, citadas na metade do século XIX e descritas em
Pevsner (1987, p. 16):
180 | 214
Para que a arquitetura atingisse a condição de ser plenamente
Moderna, como fundamentalmente nova e diferente, foram necessá-
rias novas condições sociais e novos materiais de construção no Brasil e,
especificamente, em Aracaju, mas isto não significava que ela não fosse
uma continuação e uma derivação natural daquela que existia. Neste
sentido, Dorfles comenta:
181 | 214
Salvador foi o Instituto do Cacau, obras do arquiteto belga
Alexander Buddeus (SEGAWA, 1997, p. 68).
A questão é: Até que ponto existem características racio-
nalistas nas edificações modernistas de Aracaju? Certo é que
a arquitetura propriamente definida como Moderna só será
apresentada ao Brasil e a Aracaju no período de 1929 a 1945.
As plataformas da Modernidade foram definidas no
Brasil por Lúcio Costa, tendo a engenheira Carmem Portinho
como grande entusiasta (SEGAWA, 1997, p. 81). O grande
marco foi à sede do Ministério da Educação e Saúde, iniciado
em 1937 e terminado em 1942. Portanto, quais as relações
construtivas teóricas e técnicas que aproximam o edifício
Walter Franco (Figura 105), no Centro de Aracaju, deste sím-
A
bolo modernista?
Ainda no ano de 1960, uma cidade do porte de São
Paulo não tinha uma edificação da tipologia de Estação Ro-
doviária ou Terminal Rodoviário e quase todas as cidades
brasileiras desconheciam essa tipologia (SEGAWA, 1997,
p. 168). Essa tipologia significava mais do que um local de
transporte, constituía um local de vivência e lazer, encon-
tros e, novo atrator urbano. O Terminal Rodoviário Luiz
Garcia de Aracaju seria inaugurado em 31 de março de
1962 e significou mais do que um local de viagens. Ele mar-
cou a regulamentação de critérios de localização e a inser-
ção de uma nova tipologia Moderna na cidade que acompa-
nhava novas leis de uso do solo e parcelamento, bem como
de novas técnicas construtivas (Figura 106).
B
183 | 214
A B C
N
J L M
185 | 214
Palácios/Palacetes/Monumentos – Art Déco
e Art Nouveau
O significado maior do Art Déco era representar um processo de
modernização que então ocorria no mundo. Esse processo estava asso-
ciado a manifestações e consolidação do modernismo no Brasil.
Esse estilo deveria demonstrar nos “fluxos”, nos novos “ritmos”,
que a economia havia tomado novos rumos; em Aracaju e no Brasil, de-
veria representar a vitória da economia urbana sobre a economia rural,
sendo que essa última já havia desfalecido com a queda da Bolsa de Nova
York de 1929.
Desta forma, procurava-se contrapor, especialmente, a partir de
edificações públicas um ideário novo. Os prédios representativos desse
objetivo passaram a ser os administrativos, como as Agências de Cor-
reios e Telégrafos, as Estações de Trens, como a Central do Brasil no Rio
de Janeiro, sistemas de infraestrutura de transporte como o Viaduto do
Chá em São Paulo e o Elevador Lacerda em Salvador, esculturas como o
Cristo Redentor no Rio de Janeiro; etc.
O Art Déco também é considerado uma das últimas manifesta-
ções do Ecletismo e uma das primeiras manifestações do Modernismo
(BLUMENSCHEIN, 2004, p. 24).
As edificações públicas representadas pelos “novos” Palácios como
o das Esmeraldas em Goiânia deveriam possuir leveza e elegância, ins-
piradas nas vanguardas como o cubismo, o construtivismo e o futuris-
mo, portanto, às vezes, chamadas de edificações futuristas, utilizavam
novos materiais e processos construtivos diferentes do período eclético,
como tijolos de vidro, novas tonalidades de cores, como as metálicas e
pó de pedra no revestimento das paredes, como no caso do Palácio das
Esmeraldas, para imitar a pedra preciosa que empresta o nome a edificação
(BLUMENSCHEIN, 2004, p. 48).
186 | 214
Em Aracaju, como havia ocorrido no Ecletismo, o Art Déco apesar
de seguir regras bem determinadas na sua composição, apresentara a
busca de uma personalização, assim, o Palácio Serigy teve uma alusão
simbólica ao índio da região, ou seja, ao significado da palavra tupi “ca-
minho dos siris” (OLIVEIRA, s/d. fl. 5). Isso significava a retomada da
tradição local, mas agora, tendo na construção da ideia de pertencimen-
to do índio na sua busca de identidade. No Palácio das Esmeraldas em
Goiânia, a volumetria predominante é a horizontal, no Palácio Serigy,
em Aracaju, o volume parece pender para uma horizontalidade reforça-
da pelas linhas de força que marcam volumetricamente sua platibanda.
Contudo, o edifício possui uma verticalidade que se sobrepõe a espacia-
lidade da praça a sua frente (Figura 108).
Figura 108: Palácio Serigy na Praça General Valadão. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
187 | 214
No Palácio Serigy (Secretaria do Estado da Saúde), as pilastras rit-
madas e as janelas são características encontradas de forma ampla no es-
tilo Art Déco, entretanto, a platibanda, um coroamento acentuado com
linhas de força horizontal – frisos – que promovem um dinamismo e
movimento, é representação de uma arquitetura de personalidade local.
A esta composição se soma o uso de grandes esferas de concreto (bolas)
ornando os muros laterais desta edificação. A verticalidade não é apenas
marcada na entrada principal, mas se estende por todo o corpo do prédio,
não se empregou o uso de marquises e jogo volumétrico do prédio está
assentado no corpo central que avança na direção da praça. As janelas
basculantes promovem um rendilhado geométrico simétrico e repeti-
tivo dando ritmo diferenciado entre cheios e vazios. Os vidros parecem
possuir uma textura opalescente. A forma geral assumida pela edificação
é geometricamente simplificada e retilínea se sobressaindo à tonalidade
ocre avermelhada dos frisos da platibanda sobre o róseo claro da fachada.
No Palácio Carvalho Neto (Arquivo Público do Estado de Sergipe)
chama a atenção o escalonamento não muito acentuado da platibanda
em contraste com a maior elevação ou verticalidade da continuidade do
acesso central fazendo lembrar a torre de um relógio, as linhas de força
formadas pelos desenhos das pilastras e das janelas definem um ritmo de
dinamismo e variação compositiva. A edificação é realizada para ter qua-
tro fachadas expressivas e que rebatem suas composições. Há elementos
ornamentais colocados abaixo das janelas basculantes lembrando “setas
indígenas” estilizadas. A cor é de uma tonalidade pastel amarelada, tam-
bém muito utilizada no Art Déco de Goiânia (Figura 109).
188 | 214
Figura 109: A – Palácio Carvalho Neto na Praça Olímpio
Campos. Detalhes das janelas, do escalonamento da
platibanda e das “setas” acima das janelas basculantes.
Fonte: Donizeti da Silva, 2014 e 2017, respectivamente.
Figura 110: B – Sede do Instituto Histórico e Geográfico
de Sergipe. Detalhes da fachada apresentando
janelas com vidros basculantes estilizados, e linhas
de força acentuando a verticalidade. Fonte: Donizeti
da Silva, 2014; centro e direita em 2017.
190 | 214
A
191 | 214
Sigfred Giedion disse que o Art Nouveau era um interessante “inter-
mezzo” entre os séculos XIX e XX (HISTÓRIA Geral da Arte, 1997, p. 4).
Este movimento se estendeu na Europa até a Primeira Grande Guerra e,
no Brasil, ainda pode-se ver sua inclusão até meados de 1930.
O termo Art Nouveau vem da Loja de S. Bing, aberta em Paris em
fins de 1895. O termo correspondente em Alemão é Jungendstil, mas
alguns vão afirmar que o estilo nasceu com Victor Horta em Bruxelas
em 1892 (PEVSNER, 1981, p. 43). As características mais expressivas
se relacionam a valorização dos temas ligados à natureza, como flores,
plantas, árvores, animais e insetos, bem como o uso da figura feminina e
das linhas curvas.
O edifício da Associação Comercial tem nos gradis de ferro dos
muros de sua entrada clássicas representações Art Nouveau com uma
forte influência do estilo austro-húngaro. No prédio que hoje ocupa o
Hospital Gabriel Soares, as fachadas, bem como os gradis, recebem orna-
mentações florais (característica marcante deste estilo). No Casarão dos
Rollemberg, o mesmo trabalho ornamental nos gradis de entrada pode
ser notado, bem como nas janelas.
O Art Nouveau tem como significado a representação de variadas
expectativas simbólicas por parte da sociedade urbana daquele perío-
do, como a dependência da produção industrial em série, a valorização
da lógica e do conhecimento racional, o desenvolvimento da burguesia
industrial. Fatores esses que, sem dúvida, moldaram as transformações
urbanas das cidades brasileiras do final do XIX ao início do XX, e que,
em várias ideologias, especialmente a da racionalidade da arquitetura, se
estenderam até 1950.
192 | 214
Armazéns/Casas/Comércios – Art Déco
Na Rua Jose Prado Franco e no Beco dos Cocos existem exemplos
de tipologia de Armazéns no estilo Art Déco que alteram antigas edifica-
ções ecléticas, demonstrando características relacionadas a novas ativi-
dades que então eram inseridas no comércio da cidade, como as lojas de
eletrodomésticos e as lojas relacionadas à venda e conserto de eletroele-
trônicos ou motores elétricos, ou seja, as famosas “Casas de Eletricida-
de” que se tornam presentes na paisagem urbana das cidades brasileiras
por volta de 1930/40 e 1950 (Figura 113).
A B
193 | 214
da mulher. Não é de se estranhar que é nesse período que surgem ruas
caracterizadas por um tipo de comércio, como a rua das peças de auto-
móveis, a rua dos aparelhos eletrônicos, a rua das lâmpadas, que se asso-
ciam a antigas ruas já determinadas pelo uso no período do ecletismo,
como a rua dos armarinhos, a rua das quitandas, a rua do mercado, a rua
das flores, a rua das panelas, a rua dos calçados, etc. Outras ruas, neste
processo de transformação tenderam a diminuir suas atividades, como
as ruas das selarias, constituindo um quadro de transformações urbanas
da área central quase que finalizado por volta de 1950.
Estação Ferroviária
A 20 Estação Ferroviária de Sergipe está entre as mais importantes
representações monumentais Art Déco da cidade de Aracaju, construída
por volta de 1950. Sua construção foi realizada praticamente na mesma
época da Estação Ferroviária de Goiânia (BLUMENSCHEIN, 2004, p. 52).
Contudo, a de Goiás produz um impacto visual imediato, como a Central
do Brasil no Rio de Janeiro, devido à verticalidade da torre do relógio.
A Segunda Estação Ferroviária de Aracaju, apesar da menor expres-
sividade vertical também explora a implantação destacada da área de
vizinhança imediata. A estação de Aracaju como a de Goiás tem carac-
terísticas acentuadas horizontais de simplicidade e geometrização. Ape-
sar da falta do zigue-zague escalonado, as ornamentações na platibanda
na forma de frisos mesopotâmicos em baixo e alto relevo produzem um
jogo de luz e sombra, digno de nota, também lembram as métopas dos
templos gregos e enriquecem a composição volumétrica da edificação
aracajuana. A Estação de Aracaju não possui torre central, entretanto a
edificação fica elevada do terreno, com acesso por escadas, o que realça
ainda mais a horizontalidade do prédio (Figura 114).
194 | 214
Figura 114: 2ª Estação Ferroviária de Sergipe no Bairro
Siqueira Campos. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
195 | 214
Religiosas – Art Déco
A Segunda Igreja Batista de Sergipe possui uma entrada em forma Figura 115:
de torre verticalizada com detalhes escalonados. Contudo, é a Igreja de A – Segunda Igreja
Batista de Sergipe na
Nossa Senhora Menina na Rua Itabaiana, 719, a representação tipológi- Rua Dom José Thomaz;
ca Religiosa de maior representatividade Art Déco na cidade de Aracaju B – Igreja de Nossa
(Figura 115). Senhora Menina na Rua
Itabaiana n. 719.
Esta edificação, projeto do arquiteto H. Von Altenesch, é uma das Fonte: Donizeti
personalizações mais expressivas de Aracaju. Lembrando um foguete ou da Silva, 2014.
asas de um avião, destaca-se pela verticalidade da torre central e variações
escalonadas com a cruz latina estilizada sobreposta sobre o corpo da torre.
197 | 214
Terminal Rodoviário
São várias as questões construtivas que podem ser abordadas no
prédio Modernista Rodoviário Luiz Garcia, entre elas, chama a atenção
os pilares com desenhos diferentes dos retangulares tradicionalmen-
te utilizados até 1930. Este tipo de solução construtiva, bem como os
Tetos-Planos tipo pilzendeck e rippendeck, as lajes mistas e de lajes-co-
gumelo e o desenho de vigas e pilares com dimensionamento e perfis
variáveis foram muito expressivos nos trabalhos e estudos desenvolvi-
dos em Pernambuco, na cidade do Recife, pelo arquiteto Luiz Carlos
Nunes de Souza por volta de 1935 (SEGAWA, 1997, p. 84) e incon-
testavelmente influenciaram as edificações da arquitetura Moderna em
Aracaju (Figura 117).
198 | 214
O Terminal Rodoviário Luiz Garcia poderia ser inserido em um ca-
pítulo chamado de O Concreto Armado e a Pré-Fabricação no Brasil. Não
se pode precisar quando começou a pré-moldagem na construção, en-
tretanto, no Brasil, a firma dinamarquesa Christiani-Nielsen executou em
1926 o Hipódromo da Gávea no Rio de Janeiro (VASCONCELOS, 2002).
Alguns monumentos importantes em concreto-armado no Brasil reali-
zados no mesmo período do Terminal em Aracaju são Monumento aos
Mortos da II Guerra Mundial no Rio de Janeiro, o Portal do Cemitério de
Botucatu no interior de São Paulo, a Ponte de Parati em 1930, a ponte
sobre o Rio Real na Bahia (VASCONCELOS, 2002, p. 153-220).
Os pilares em forma de grandes brises na forma de “aletas” ou
“asas” invertidas, nas fachadas da edificação é uma das execuções perso-
nalizadas modernistas mais interessantes da arquitetura brasileira, bem
como, esta edificação segue os conceitos modernistas de Planta-Facha-
da-Livre. O Terminal Rodoviário compreendeu esforços de aprimora-
mento dos cálculos estruturais e dos materiais pertinentes à realização
da obra, além de servir como exemplo das técnicas e preceitos que eram
desenvolvidos nos canteiros de obras no período Modernista no Brasil.
199 | 214
A C E
Figura 118: A – Casa Art Déco na Av. Ivo do Prado. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
B D F
201 | 214
Depois de 1940, a arquitetura aracajuana se desdobrou
em direção ao Protomoderno e, logo em seguida (1950 a
1960), atingiu o Modernismo. Neste contexto podemos citar
o Instituto de Tecnologia e Pesquisa de Sergipe, edificação Pro-
tomodernista de 1947, a Galeria Álvaro Santos um Protomo-
dernismo personalizado e o Edifício Walter Franco, plenamen-
te caracterizado pelos conceitos Modernistas (Figura 123).
O Edifício Walter Franco tem uma marquise mais alta e
larga sustentada por grandes colunas circulares – Pilotis – que
permitem a passagem dos pedestres. No Centro, na fachada
da quina da esquina, um painel do célebre pintor modernista
Jenner Augusto, lembrando os trabalhos de pintura em azu-
lejos de Candido Portinari, mas com temas locais. Sua grande
característica é a Planta-Livre, o uso de brises em uma das fa- A B
C
chadas, janelas de vidro corridas por toda a extensão de um
dos lados, o que permite visualizar sua estrutura livre, a partir
de suas lajes bem marcadas e de seu interior livre de colunas
internas, separadas apenas por divisórias.
É uma edificação que representa significativamente a ar-
quitetura Modernista no Brasil, sendo que muitas de suas ca-
racterísticas lembram o Ministério da Educação e Saúde do Rio
de Janeiro, considerada a “primeira” plenamente modernista
no Brasil realizada entre 1937-1945, um ícone da arquitetura
moderna brasileira a partir dos conceitos de Le Corbusier.
Algumas semelhanças deste edifício com o Edifício
Figura 123: A – Instituto de
Walter Franco podem ser citadas, como no painel em azu-
Tecnologia e Pesquisa de Sergipe;
lejos azuis que reúne novamente a arquitetura, pintura e a B – Galeria Álvaro Santos,
escultura, característica plástica perseguida pela arquitetura na Praça Olímpio Campos;
moderna, a estrutura “portante livre”, que é uma caracterís- C – Edifício Walter Franco na
Praça Fausto Cardoso. Fonte:
tica importantíssima nos projetos modernistas e o uso do Donizeti da Silva, 2013, 2017
brise-soleil na fachada norte. e 2014, respectivamente.
Cinemas/Restaurantes
O Cine Palace é, categoricamente, uma tipologia de Cinema em
estilo Art Déco com elementos clássicos dos odeons; imita uma grande
caixa de rádio e um navio, com as típicas janelas quadriculadas bascu-
lantes que rasgam de cima a baixo parte da fachada lateral da edificação
e janelas na forma de escotilhas. Questão atípica é a pequena marquise
acima da entrada principal. O volume é simplificado e formal. Possui al-
gumas questões Protomodernistas, como as linhas retas e sóbrias, que
provocam uma sensação de monumentalidade, simetria axial e fronta-
lidade (Figura 124).
Figura 124: Cine Palace na Praça Fausto Cardoso e detalhes da fachada, janelas em forma
de escotilhas e vidros basculantes.Fonte: Donizeti da Silva, 2014 e 2017, respectivamente.
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Cacique Chá é uma edificação de tipologia de Restaurante/Bar na Figura 125: A – Painel
de Jenner Augusto.
área central de Aracaju que tem no Neocolonial/Tradicionalista as carac-
B – Cacique Chá. Fonte:
terísticas de sua construção. Os painéis pintados por Jenner Augusto (Pin- Donizeti da Silva, 2017.
tor sergipano que trabalhou pela renovação das artes plásticas na Bahia)
tem forte inspiração na obra de Candido Portinari, localizados no interior
da edificação representam um marco na arquitetura modernista e nas
artes plásticas de Sergipe (Figura 125). (http://macvirtual.usp.br/mac/
templates/projetos/seculosxx/modulo2 acesso em 27 de maio 2013).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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e com o Rio Sergipe, se constituindo como parte integrante da paisagem
cultural urbana. No mundo tropical, o manguezal tem funções bioló-
gicas importantes, se constituindo num berçario para espécies mari-
nhas, por isso, é considerado como área de preservação permanente,
pela legislação ambiental. Em Aracaju, sua incorporação ao imaginário
urbano marca fortemente sua paisagem cultural, ganhando mais sig-
nificado para o conjunto de sua população. Assim, sugere-se que os
manguezais de Aracaju, no futuro, sejam incorporados ao patrimônio
nacional, garantindo mais ainda a sua perservação, tanto do ponto de
vista ambiental quanto histórico e cultural.
O espaço urbano de Aracaju apresenta formas diferenciadas a par-
tir de seus agentes promotores, sendo a cidade dos conjuntos habitacio-
nais, marcas da ação do Estado, ou a cidade das vilas, encravadas nos mio-
los de quadras, resultante da rigidez geométrica de suas quadras. Ainda
as ocupações subnormais que incidem nas margens dos rios, destruindo
os manguezais ou nas encostas de morros, se constituindo em áreas de
risco. Estas formas de ocupação se mesclam no espaço de forma discre-
ta, escamoteando, muitas vezes, a pobreza que a cidade sabe tão bem
esconder. Entretanto, os bairros centrais apresentam uma paisagem cul-
tural com marcas dos processos sociais e políticos que pontuaram a vida
brasileira devendo ser preservada para as gerações futuras.
Aracaju possui uma diversa e complexa arquitetura remanescente
e representativa das transformações sofridas pelas cidades brasileiras do
final do século XIX até a metade do século XX e é esta polifonia de obje-
tos, de estilos, de elementos arquitetônicos e da própria continuidade do
traçado urbano da cidade a partir do projeto de Pirro que caracterizam
significados portadores de juízos de valores patrimoniais.
Sempre foi muito clara que a dificuldade de reconhecimento do
patrimônio arquitetônico de Aracaju estava relacionada à percepção dos
objetos como portadores de juízos de valor pela própria característica
expressiva de uma multiplicidade e variabilidade do conjunto remanes-
cente. Portanto, tornou-se evidente que conceitos teóricos únicos e
207 | 214
assentados em apenas uma temática ou condição teórica não dariam
conta de justificar essa complexa e diversa tipologia urbana.
Não se tratou aqui de desconstruir o que já havia sido pensado, mas
sim de “ressignificar” pesquisas e inventários produzidos por estudiosos
de arquitetura e urbanismo; de pesquisadores da história local e teóricos
da conservação e restauração. Esta Ressignificação dos remanescentes
patrimoniais das três praças e entorno, do mercado e entorno, das ruas
e edificações isoladas na área central e nos bairros vizinhos ao Centro
demonstraram naturalmente cinco condições representativas da cultu-
ra arquitetônica nacional presentes na história das cidades Brasileiras e,
ainda, possíveis de fruição nesta cidade.
Aracaju representa, dessa forma, os processos de implantação e
formação dos espaços urbanos assentados no conceito de “esvaziamen-
to da arquitetura” que é um critério do Ecletismo, provocador de vários
desdobramentos da formação das cidades brasileiras, desde os aspectos
simbólicos até os aspectos que poderiam explicar a “gênese” de falta de
construção de uma identidade patrimonial sobre esses objetos.
Bem como, todos os remanescentes arquitetônicos e o conjunto
urbano de Aracaju carregam “simbologias” representativas da formação
da mentalidade de vida urbana deste período no Brasil. Esses remanes-
centes em Aracaju são capazes de proporcionar ao observador fruidor o
privilégio de observar um conjunto arquitetônico caracterizado por to-
dos os “momentos” de transformação urbana do final do século XIX até
a metade do XX em apenas 100 metros de extensão, ou seja, num mes-
mo quarteirão. Essa situação pode ser encontrada em várias Ruas deste
conjunto, entretanto, é num pequeno trecho na Praça Fausto Cardoso
que temos uma edificação eclética do final do XIX (Prédio da Delegacia
do Ministério da Fazenda), ao lado de uma de 1930 (Palácio Carvalho
Neto), ao lado de outra de 1950 (Edifício Walter Franco).
Também seus remanescentes formam um conjunto que caracteriza
uma espacialidade única, uma personalidade única, capaz de ser reconhe-
cida pelo “senso de massas em movimento”, ou seja, os volumes que se
208 | 214
formam a partir da diversidade e complexidade da arquitetura remanes-
cente em Aracaju produzem uma espacialidade entre construído/rio/
mar apenas possível de ser fruído nesta localidade, um outro exemplo,
dessa atmosfera espacial produzida é a área dos Mercados e seu Entorno.
Outra questão que eleva o conjunto remanescente de Aracaju a
conquistar a proteção federal como representação incontestável de uma
cultura urbana produzida no Brasil é sua dependência e, ao mesmo tem-
po, independência do “Culto à Linha”, conceito urbano provocador do
arranjo, da modelação e da remodelação ocorrida nas cidades brasileiras
a partir das transformações das mentalidades humanas do final do XIX
até metade do XX, dos usos e adaptações do traçado e objetos arquite-
tônicos, representando uma das matrizes mais importantes da formação
das cidades nacionais.
Junto a essas Ressignificações justificativas da espacialidade urbana
de Aracaju como representativa das transformações urbanas no Brasil
do final do XIX até a metade do XX encontram-se as “tipologias”, diver-
sas e complexas, que trabalham junto e materialização as ideologias pre-
sentes nos estilos de cada momento, coexistindo. Assim, Ecletismo, Art
Nouveau, Art Déco, Modernismo e suas inúmeras variações e personali-
zações compõem remanescentes patrimoniais locais. As Ruas possuem
esses remanescentes intrincados, como a Rua João Pessoa, Itabaiana,
Jose Prado Franco, Santa Rosa, entre outras, constituem a possibilidade
de contar a “história através da arquitetura de uma rua”.
Aracaju, após 1960, vai conhecer um período econômico de es-
tagnação, tese que poderia ser desenvolvida para explicar a permanência
desse conjunto arquitetônico ao longo desses últimos 40 anos, mesmo
com as perdas que poderiam ser consideradas “naturais” durante as
transformações. Entretanto, no início do século XXI, o esvaziamento e
crise permanente das áreas centrais da maioria das cidades brasileiras
que pertencem ao período em estudo, somados à especulação e, conse-
quente, destruição desses remanescentes que se acentuam a cada dia,
somados à dificuldade de reconhecimento pelos órgãos federais de pro-
209 | 214
teger objetos representativos que ainda não foram reconhecidos, apon-
tam para a essencial proteção do conjunto formado pela complexa e va-
riada arquitetura das cidades brasileiras espelho da vida urbana moderna.
Assim, inquestionavelmente, este estudo é capaz de demonstrar
esta espacialidade apresentada pelos remanescentes patrimoniais arqui-
tetônicos da cidade do Aracaju capazes de representar as transformações
urbanas sofridas pela maioria das cidades brasileiras do final do XIX até a
metade do XX, tornando inconteste a necessidade de ações que venham
preservar todas estas edificações para a fruição das futuras gerações.
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REFERÊNCIAS
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HISTÓRIA GERAL DA ARTE: Arquitetura VI. Madrid: Ediciones Del
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