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EDER DONIZETI DA SILVA

ADRIANA DANTAS NOGUEIRA

arquitetura
aracajuana:
a imposição do tempo
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

reitor
Angelo Roberto Antoniolli
vice-reitora
Iara Maria Campelo Lima

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

coordenador do programa editorial


Péricles Morais de Andrade Júnior
coordenadora gráfica
Germana Gonçalves de Araújo
conselho editorial
Antônio Martins de Oliveira Junior
Aurélia Santos Faraoni
Fabiana Oliveira da Silva
Germana Gonçalves de Araújo
Luís Américo Silva Bonfim
Mackely Ribeiro Borges
Maria Leônia Garcia Costa Carvalho
Martha Suzana Cabral Nunes
Péricles Morais de Andrade Júnior (Presidente)
Rodrigo Dornelas do Carmo
Samuel Barros de M. Albuquerque
Sueli Maria da Silva Pereira

Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos


CEP 49.100 – 000 – São Cristóvão – SE.
Telefone: 2105 – 6922/6923. e-mail: editora@ufs.br
www.editora.ufs.br
EDER DONIZETI DA SILVA
ADRIANA DANTAS NOGUEIRA

arquitetura aracajuana:
a imposição do tempo

São Cristóvão/SE
2018
Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido por qualquer meio
sem autorização escrita da Editora.
Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
de 1990, adotado no Brasil em 2009.
projeto gráfico, capa e diagramação
Alana Gonçalves de Carvalho Martins
ilustrações de capa
1º plano: Solar dos Rollemberg, aquarela, 2016; 2º plano: casa na rua Itabaiana,
983 (demolida em 2014). Artista: Adriana Dantas Nogueira.

revisão ortográfica
Amanda Matos Santos
Andréa Machado da Cunha

ficha catalográfica
Biblioteca Central – Universidade Federal de Sergipe

Silva, Eder Donizeti da


S586a Arquitetura aracajuana : a imposição do tempo [recurso
eletrônico] / Eder Donizeti da Silva, Adriana Dantas Nogueira. –
São Cristóvão : Editora UFS, 2018.
214 p. : il.
ISBN: 978-85-7822-628-2
(Disponível em: http://www.livraria.ufs.br/)
1. Arquitetura – Sergipe – História. 2. Arquitetura moderna
– Séc. XIX – Sergipe. 3. Arte Decô (Arquitetura) – Sergipe. I.
Nogueira, Adriana Dantas. II. Título.

CDU 72(813.7)(091)
SUMÁRIO

Palacetes/Residências, 139
APRESENTAÇÃO, 6
Minipalacetes/Residenciais, 143
INTRODUÇÃO, 8 Fábricas, 147
Escritórios (comissões/designações/fazendas/
CAPÍTULO exportações), 150

1
Lojas de Ferragens, 152
Culto à Linha, 15
Casa/Comércio, 153
Senso de Massas em Movimento, 18
Hotéis/Pensões, 156
Simbolismos, 21
Edificações Religiosas, 157
Rotina Vazia da Arquitetura, 30
Escolas ou Instituições de Ensino, 160
Mercados Municipais, 161
Chácaras/Chalés/Vilas, 167

2
CAPÍTULO
Sobrados/Residências – Neocoloniais; Art Déco;
Proto e Modernistas, 170
Ruptura e não ruptura com as tradições, 37
Palácios/Palacetes/Monumentos – Art Déco
Originalidade e não originalidade da forma, 55 e Art Nouveau, 186
Destituição e a não destituição de preocupação ideológica, 88 Armazéns/Casas/Comércios – Art Déco, 193
Independência e/ou dependência de conceitos estéticos, 102 Estação Ferroviária, 194
Religiosas – Art Déco, 196
Hospitais – Eclético/Art Nouveau, 197

3
CAPÍTULO
Terminal Rodoviário, 198
Casas Unifamiliares – Art Déco;
Armazéns de secos e molhados, 126
Neocoloniais e Modernista, 199
Casas Comerciais/Farmácias, 129
Instituições de Ensino e Prédios Públicos –
Armazéns/Depósitos/Estiva, 135 Art Déco e Modernista, 201
Palácios, 136 Cinemas/Restaurantes, 203

CONSIDERAÇÕES FINAIS, 206

REFERÊNCIAS, 211
APRESENTAÇÃO

Surgida na segunda metade do século XIX, Aracaju é uma cidade


com características modernas, baseadas no formato de tabuleiro xadrez,
com suas ruas e avenidas retas que, ao longo do tempo, foram sendo en-
riquecidas pelas mais diversas tendências arquitetônicas vigentes, acom-
panhando o que ocorria em outras cidades brasileiras. Embora nos seus
primeiros cinquenta, a cidade tenha enfrentado dificuldades para se de-
senvolver, o alvorecer do século XX traz novas perspectivas para a cidade
que se consolida como capital do Estado de Sergipe.
Como uma cidade de origem recente, Aracaju guarda na sua pai-
sagem imagens de diferentes épocas e de traços arquitetônicos fruto de
influências de pessoas e grupos que aqui se estabeleceram e ajudaram a
marcar a cidade com suas construções. De fato, não há um estilo predo-
minante, mas uma diversidade de estilos e de tendências arquitetônicas
que mostram a complexidade do movimento da população e do poder
público, no sentido de contribuir para a formação da paisagem da cidade.
Arquitetura Aracajuana: a imposição do tempo é a obra que Eder
Donizeti da Silva e Adriana Dantas Nogueira, dois arquitetos dedicados
aos estudos urbanos, trazem para brindar a cidade com um tema muito
pouco estudado.
Os autores fazem uma reflexão teórica sobre os conceitos histó-
ricos de Arquitetura e Urbanismo, destacando pontos importantes que
explicam as formas presentes na cidade, assim como enfatizam a diversi-
dade e complexidade apresentadas pelos imóveis remanescentes, deta-
lhando os diversos movimentos, por vezes, antagônicos.
O ponto alto da obra é o terceiro capítulo, intitulado Formas Tipo-
lógicas, ponto no qual os autores apresentam de forma detalhada as

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diversas formas, com um conjunto de informações, acrescidas de rico
acervo fotográfico. Neste capítulo, merecem destaque os Armazéns de
Secos e Molhados, Casas comerciais, Hospitais, Palácios e Palacetes,
assim como residências de diferentes padrões e estilos, entre outros.
Esse resgate feito pelos autores é de suma importância, tendo em
vista que não tem sido prática da população a manutenção do seu pa-
trimônio que tem sido destruído para dar lugar a construções de pouco
significado, além de apagar a memória da cidade.
Os autores Eder Donizeti e Adriana Nogueira, assim como o Depar-
tamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU) e Departamento de Artes
Visuais e Design (DAVD) da Universidade de Sergipe, estão de parabéns
pela excelente contribuição que oferecem à cidade, que é presenteada
por tão vasto conhecimento que enriquece o seu patrimônio.

Aracaju, 20 de julho de 2017.

Profa. Dra. Vera Lucia Alves França


Universidade Federal de Sergipe

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INTRODUÇÃO

A história tem se voltado para o registro do passado de forma mais


diversa, a ponto de o conhecimento sobre o patrimônio ser capaz de
abarcar a pluralidade cultural do nosso imenso país.
No período colonial brasileiro, os núcleos de povoamento tive-
ram uma função de “esteios de dominação do Estado” e de “expansão
da cristandade”. Esses núcleos de povoamento possuíam, em seus espa-
ços urbanos, materializações dessas funções; neles havia edifícios sim-
bólicos do poder, como igrejas, câmara, pelourinho, cadeia pública, etc.
Um exemplo é São Cristóvão, núcleo de povoamento colonial e primeira
capital de Sergipe Del Rey, tombada como Patrimônio da Humanidade.
Suas ruas principais e praça têm uma sintonia direta com a história do
Brasil no processo não apenas de expansão do território brasileiro, bem
como no que se refere ao modelo de universo urbanístico português nos
três primeiros séculos de colonização.
Essas materializações dos núcleos de povoamento não permanece-
ram imutáveis. Outros símbolos emergiram dando novas caras às cida-
des no Brasil Imperial e Republicano. O pelourinho é um exemplo típico
de símbolo desse passado do país que não mais existe nos espaços físicos
de muitas cidades brasileiras. Mas, muitas delas não perderam somente
um ou outro símbolo desse passado. Algumas receberam a sentença de
que não mais poderiam ser sede das Províncias ou não mais poderiam
exercer determinadas funções. Elas, diante de tal situação, ficaram isola-
das, em processo contínuo de decadência na região. Em contrapartida,
no fluxo das vicissitudes históricas, outras emergiam a partir de novas
funcionalidades, de novos símbolos.

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Aracaju se enquadra dentro dessas novas cidades que surgiram
diante de novas funções e novos símbolos no século XIX no Brasil. Com
a República (no século XX), ela recebeu mais símbolos e os materializou
nos seus espaços físicos, reforçando mais ainda suas funcionalidades e as
sintonias com o país.
As cidades são estruturas urbanas multifacetadas, formadas por ar-
ranjos dos espaços organizados e não organizados, mas que, na sua con-
dição humana, seguem um ordenamento de uso e adaptações ao longo
da história, sobrepondo-se, destruindo-se e reconstruindo-se, transfor-
mando-se. Esse conjunto de vida tem como cerne de sua essência a for-
ma, o espaço e a ordem materializados na sua arquitetura.
Essa arquitetura que se transforma e é transformada carrega, ao
longo do tempo, todos os anseios, expectativas, esperanças resignadas e
atuantes nos objetos que irão ser os atratores e portadores do modo de
viver das pessoas de uma certa época.
O tempo, apesar de possuir momentos mais expressivos e “agita-
dos” de “mudanças”, acusa nas edificações essas transformações, refle-
tindo e condensando nas “pedras volumes e massas” que edificam as
memórias de uma geração, de um povo, de uma nação. Estes espaços,
remanescentes isolados ou em conjunto, tomam para si uma natural e
constante tensão entre mudar, transformar ou manter-se como uso e
aceitação de um determinado momento na história.
As cidades são possuidoras de todas essas e outras inúmeras ar-
gumentações representativas em cada período, modo e mentalidade de
vida de uma cultura, acondicionadas nas edificações que as caracterizam
e produzem suas espacialidades, representando a formação de um con-
texto cultural urbano e arquitetônico mais amplo, processando arranjos
e, naturalmente, se definindo como objetos materiais e imateriais carre-
gadores de juízos de valores humanos históricos e estéticos.
A determinação de um período em que essas transformações têm
início e têm um possível final carregam as naturais dificuldades da con-
tinuidade de vida humana, agenciadas pela diversidade e complexidade

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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representativas de modelos, esvaziamentos, símbolos, movimentos,
cultos presentes nos espaços do viver em conjunto, os quais o homem
chamou de cidades. Entretanto, é possível perceber homogeneidades
em certos períodos, percebidos por elementos de importância transfor-
madora dentro de um sistema, tais como: a transição da vida rural para a
vida urbana e seus embates ideológicos; novas tecnologias construtivas e
a busca de conforto; rupturas e não rupturas com as tradições; presença
de originalidade e não originalidade nas massas constituídas do espaço
urbano, enfim, na “remodelação” do pensamento urbano.
Desta forma, podem ser demarcados períodos temporais que re-
presentam transformações urbanas expressivas na formação das espa-
cialidades das cidades de uma determinada cultura, a partir do entendi-
mento de como as edificações e seus conjuntos foram sendo utilizados,
construídos e reconstruídos, mediante um pensamento humano mais
solidificado, naquele momento que, mesmo conduzido dentro de regras
gerais, provocava, naturalmente, a inquestionável natureza humana da
individualização personalizada.
Este trabalho teórico-conceitual-reflexivo aponta para o entendi-
mento de uma época, um período em comum, capaz de demonstrar as
transformações que as cidades brasileiras sofreram nesta continuidade,
produzida pela natural condição de formação da espacialidade urbana.
Para isso, toma-se como exemplo uma cidade, não apenas possuidora
de um significado acondicionado por um momento arquitetônico mais
expressivo, mas também de um arranjo mais complexo que expressa e
representa variações de estilos arquitetônicos, os quais coexistiram e se
alimentaram dos processos humanos agenciadores e formuladores da
espacialidade urbana nacional de uma época.
A cidade de Aracaju, no Estado de Sergipe, seria possuidora dessa
representatividade arquitetônica complexa e diversa de um período de
transformação, em que as cidades brasileiras sofreram de forma intensa,
da metade do século XIX até a metade do século XX, pois foram consti-

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tuídas, formatadas e arregimentadas nas transformações da mentalidade
de vida, produtoras e reprodutoras das edificações e de seus usos.
Visando salvaguardar a memória e identidade de Aracaju, a partir
da demonstração do que seus remanescentes urbanos e arquitetônicos
representam, em conjunto e de forma isolada, e por meio das “Trans-
formações sofridas pelas Cidades Brasileiras do final do Século XIX até a
metade do Século XX”, é que se construiu um modelo de pensamento
reflexivo baseado na “ressignificação” de conceitos presentes e expres-
sivos nesta época. Tais conceitos dizem respeito à “Rotina Vazia da
Arquitetura Brasileira”, com significância no Ecletismo; às “Simbologias”
remanescentes das Arquiteturas Ecléticas; à Art Nouveau; à Art Déco
e Modernista que este período materializou; ao “Senso de Massas em
Movimento”, caracterizado pela disputa entre os volumes historicistas X
geométrico, da função X a beleza; ao “Culto à Linha”, definida em uma
cultura ortogonal pretensamente “enfeitada” no Ecletismo e “desenfei-
tada” no Modernismo.
Todas essas questões, presentes na formação das cidades brasilei-
ras, são entrecruzadas na ressignificação final denominada “Complexa e
Diversa Tipologia Arquitetônica”, em que se desconstrói e se reconstrói o
entendimento do juízo de valor histórico, estético e humano das edifica-
ções e de seu uso tipológico, associado às suas considerações simbólicas,
tendo como referência os remanescentes urbanos e arquitetônicos da
cidade de Aracaju, demonstrando a necessidade indiscutível de se pro-
teger o conjunto significativo patrimonial desta representação de estilos
que ainda coexistem e representam uma cultura arquitetônica nacional
do final do século XIX até a metade do século XX.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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CAPÍTULO 1

ARACAJU:
arquitetura e urbanismo,
conceitos históricos, teóricos
e perceptivos do espaço
As cidades são estruturas urbanas multifacetadas formadas por ar-
ranjos do espaço organizados e/ou não organizados, mas, que, na sua
condição humana, seguem um ordenamento de uso e adaptações ao lon-
go da história, sobrepondo-se, destruindo-se e reconstruindo-se, trans-
formando-se. Essse conjunto de vida tem como cerne de sua essência a
forma, o espaço e a ordem materializada na sua arquitetura. Essa arqui-
tetura que se transforma e é transformada carrega, ao longo do tempo,
todos os anseios, expectativas, esperanças resignadas e atuantes nestes
objetos (edificações) que irão ser os atratores e portadores do modo de
viver das pessoas de uma época.
O tempo, apesar de possuir momentos mais expressivos e “agita-
dos” de “mudanças”, acusa nas edificações essas transformações, refle-
tindo e condensando nas “pedras, volumes e massas” que edificam as
memórias de várias gerações, de um povo, de uma nação. Estes espaços
remanescentes, isolados ou em conjunto, tomam para si uma natural e
constante tensão, entre mudar, transformar ou manter-se com o uso e
aceitação de um determinado momento na história e da mentalidade de
vida de uma cultura.
A determinação de um período, no qual estas transformações
têm início e possível fim, carrega dificuldades próprias da continuidade
de vida humana agenciadas pela diversidade e complexidade represen-
tativas de modelos, esvaziamentos, simbolismos, movimentos, cultos;
presentes nos espaços do viver em conjunto que o homem chamou de
cidades. Entretanto, junto a uma inquestionável natureza humana de
individualização personalizada é possível perceber homogeneidades,
constituidas por elementos de importância transformadora dentro de
um sistema; como a transição da vida rural para a vida urbana; as novas
tecnologias, a busca pelo conforto; rupturas e não rupturas com as tradi-
ções; presença de originalidade e não originalidade nas massas edificadas
do espaço, enfim, em uma “ressignificação” do pensamento urbano.
Este livro aponta para o entendimento de uma época, de um perío-
do em comum, capaz de demonstrar as transformações que as cidades

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brasileiras sofreram nesta continuidade produzida pela natural condição
de formação dos espaços urbanos do final do XIX até metade do século
XX. Para isto, toma como exemplo a cidade de Aracaju/SE, não apenas
possuidora de significados acondicionados por um único momento arqui-
tetônico expressivo, mas de um arranjo mais complexo que expressa e re-
presenta variações de “estilos” arquitetônicos que acabaram por coexistir
e capaz ainda de representar de forma intensa essas transformações.
Buscando agregar bases teóricas “protecionistas”, visando salva-
guardar a memória e identidade de Aracaju, demonstrando que seus re-
manescentes urbanos e arquitetônicos representam, em conjunto e de
forma isolada, transformações sofridas pelas cidades brasileiras do final
do século XIX até metade do século XX, oferta-se um modelo de leitura
histórica da arquitetura baseado na “ressignificação” de conceitos ainda
presentes, como: a “Rotina Vazia da Arquitetura”, com significância no
Ecletismo; os “Simbolismos” remanescentes das arquiteturas Ecléticas,
Art Nouveau, Art Déco e Modernista; o “Senso de Massas em Movimento”,
caracterizado pela disputa entre volumes historicistas x geométricos e
da função x beleza; do “Culto à Linha”, definido em uma cultura espacial
e arquitetônica geométrica, pretensamente “enfeitada” no Ecletismo e
“desenfeitada” no Modernismo.
Todas essas questões, que comparecem na formação de outras ci-
dades brasileiras, como a exemplo de Teresina, Belo Horizonte, Goiania,
Brasília e Palmas, são entrecruzadas numa “ressignificação” denominada
“ARQUITETURA ARACAJUANA: a imposição do tempo”, em que se des-
contrói e se reconstrói o entendimento do juÍzo de valor histórico, estéti-
co e humano das edificações e de seu uso “tipológico”, associado a consi-
derações simbólicas, tendo como referências os remanescentes urbanos
e arquitetônicos da cidade de Aracaju até o ano de 2014. Sendo assim,
demonstramos a necessidade de se proteger um conjunto edificado ainda
existente e que se configura como um representante importante de uma
Cultura Arquitetônica Nacional, caracterizado num determinado período
histórico, ou seja, do final do século XIX até a metade do século XX.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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Culto à Linha
Aracaju pode ser incluída na temática de Cidades Projetadas que
começam a surgir na metade do século XIX e que tem como exemplos,
entre outros, as “novas capitais”, como Teresina e Belo Horizonte, as
quais são representativas de uma cultura de “Linha Reta”, ou do que se
prefere, em arquitetura, designar de Culto à Linha (CHOAY, 1997, p. 23),
que também se expressa em cidades como Goiânia, Brasília e Palmas.
Entretanto, a sensação/fruição (CHOAY, 1999, p. 11) que esse conjun-
to de Aracaju transmite, própria de sua paisagem urbana, extrapola essa
única condição determinista, ou seja, Aracaju modela uma diversidade
na sua atmosfera urbana que inclui resíduos polifônicos de uma arqui-
tetura representativa de vários estilos associados ao traçado ortogonal.
O traçado retilíneo também recebe e absorve a dificuldade de
implantação imposta pelo mangue e pelo Rio Sergipe, que a cerceia e
a delimita como condição geográfica, absorvendo-a, refletindo-a e ma-
terializando-a. O mangue “cria” certa dificuldade para as construções,
asssim, Aracaju parte para uma busca tanto de contraposição quanto de
simbiose com a natureza que moldam sua arquitetura, ao mesmo tempo
de identidade única e original, que contribui para a evolução e o cresci-
mento urbano da cidade (Figura 1).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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A

Figura 1: A – Vista geral de Aracaju, do rio Sergipe e do Mar.


B – Centro Antigo de Aracaju – Culto à Linha Reta. Fonte: Pedro Leite, 2011.

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A escolha da implantação de Aracaju se deu de forma bem intri-
gante, pois em 17 de março de 1855, por meio da resolução n. 413, san-
cionada pelo então Presidente da Província, Inácio Joaquim Barbosa, o
antigo povoado Santo Antônio do Aracaju passa à categoria de cidade
e imediatamente passa a ser a capital do Estado (NASCIMENTO, 1981,
p. 85). A localização da cidade foi, sobretudo, um marco de uma atitu-
de progressista em relação as demais vilas e cidades existentes no Brasil.
Pode-se dizer que, somente considerando as características que envolve-
ram o traçado da cidade e sua topografia, a formação urbana e humana
superaram praticamente todas as dificuldades impostas pela natureza.
Aracaju pode ser percebida como uma forte relação entre o espaço
natural e o espaço construído. A sua imagem de superfície muito plana,
porções de áreas alagáveis, um grande rio às suas margens destacando
a linha sinuosa da Av. Ivo do Prado (Rua da Frente), a qual acompanha a
curvatura do rio, são características que persistem na força provocadora
da sua imagem urbana e que condicionam semelhanças à implantação
de outras cidades brasileiras que possuem rios/mares como berço de
seu nascimento (LYNCH, 2011, p. 11).
O projeto do traçado de Aracaju também veio carregado de preo-
cupações ideológicas saturadas por questões políticas e econômicas,
cujas ações de implantação se constituíram de extrema complexidade,
em um jogo de contraposição entre implantar uma cidade independente
de quaisquer tradições estéticas e/ou manter as tradições urbanas colo-
niais (NUNES, 2006, p. 127). Neste ponto, entende-se a própria essên-
cia da diversidade existente no conjunto remanescente de Aracaju; essa
diversidade é constituída por um Traçado Retilíneo, simples, geométri-
co, que ao mesmo tempo que propõe rompimento com a tradição da
implantação das cidades anteriormente erigidas no Brasil, recebe como
“enfeites” complementos de uma arquitetura Eclética.
O embate entre o passado e o novo é perceptível e materializa-se
na sobreposição de um Senso de Massas em Movimento, constituído de
formas historicistas, sinuosas, caracterizadas na arquitetura Eclética “versus”

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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um desenho de malha perpendicular geométrica de formato “xadrez’,
que irá representar um modelo nacional e internacional de urbanismo,
marcado por um Culto à Linha Reta, representativo das transformações
impostas pelos paradigmas higienista e, posteriormente, modernista
(SITTE, 1992, p. 95).
Esse modelo Traçado Retilíneo X Formas Tradicionais vem carregado
de uma quantidade enorme de elementos extras, expressos na sua es-
pacialidade urbana, os quais representam a intenção ou a não intenção
de rompimento do novo, que desaguaram nas transformações urbanas
de uma cidade constituída por uma eterna disputa entre a natureza e
o construído, entre a cidade e o rio, a cidade e o mangue, o natural e o
artificial. Desta forma, em Aracaju, os remanescentes arquitetônicos
e seu Culto à Linha, representam mais do que um modelo de traçado,
representam um conjunto de variabilidades somadas e constituíram as
mudanças sofridas pelas cidades no Brasil no final do século XIX até a
primeira metade do século XX.
A Diversidade e a Complexidade se expressam não exatamente e
exclusivamente no Traçado (Quadrado de Pirro), mas na associação com
outras questões teóricas, como o SENSO DE MASSAS EM MOVIMENTO,
que representa a disputa/amálgama entre as formas historicistas, as for-
mas sinuosas, as formas geométricas, que também estão presentes na
constituição da formação do espaço urbano no Brasil daquela época e
que, em Aracaju, possuem ainda intensa representação.

Senso de Massas em Movimento


As formas arquitetônicas são constituídas pelo Volume e Massa, em
que o Volume pode ser considerado tanto como uma porção de espaço
contido e definido por planos, ou por uma quantidade de espaço ocupa-
do pela Massa de um ou mais edifícios (CHING, 1999, p. 29), contudo, a
forma arquitetônica é o conjunto de contato entre a Massa e o Espaço, e
essas formas em conjunto possuem texturas, materiais, modulações de

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luz e sombra, cor, que se combinam constituindo uma qualidade indelé-
vel de identidade daquela cidade.
O Movimento de Massas é composto por todos os componen-
tes da arquitetura explorados pelos arquitetos ao longo do tempo na
composição natural ou artificial da paisagem. Às vezes, o Movimento
de Massas são fragmentos ou parcelas remanescentes que possuem ou
introduzem na paisagem urbana sensações sobre o observador-fruidor,
dando àquele espaço um caráter de diferenciação e possibilidade de
ser portador de memórias e condensar identidade àquela comunidade
(CULLEN, 1971, p. 11).
O Senso de Massas em Movimento poderia ser o que se denomina
“DNA” urbano, ou seja, tome-se como exemplo a cidade de Veneza, re-
pleta de canais, vias de água, a relação espacial que o conjunto de casas,
igrejas, palácios, os volumes, as massas (etc.) possui no Espaço e trans-
mite a pura e indiscutível relação com a água que se torna sua essên-
cia. Assim, muitas cidades são reconhecidas dentro de características/
qualidades/(im)perfeições originais que ao mesmo tempo que lhes dão
personalidade, as colocam ou as aproximam de outras cidades portado-
ras de várias similaridades. Essas aproximações dos espaços/volumes/
massas explicaria, no senso comum, por que certos locais fazem lembrar,
rememorizar outros, e por que certas cidades fazem lembrar outras.
Portanto, toda cidade possui uma forma que condiciona massas,
existindo uma indissociável relação com os elementos naturais, como o
rio, o mar, vales e montanhas, é o caso de Aracaju com o rio Sergipe, ou
seja, apesar de seguir o Culto à Linha (traçado projetado), a implantação
respeitou, materializou e cultivou um crescimento ao longo do rio, em
que as edificações marcam ou são marcadas por essa relação. Essa condi-
ção, esse Senso de Massas em Movimento, identificável em alguns conjun-
tos remanescentes de Aracaju, podem também ser verificados compara-
tivamente, no seu conceito mais amplo, a outros conjuntos pertencentes
a cidades de origem portuárias fluviais brasileiras.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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Indicativo marcante da diversidade, o Senso de Massas em Movi- A
mento apresenta outras variáveis possíveis de serem apreciadas dentro
de sua complexidade, como por exemplo, o que se pode chamar em
Aracaju de uma demonstração desafiadora de individualidades, marcada
pelo heroísmo de implantar uma cidade e suas edificações em terrenos
que apresentavam severas restrições geográficas. Essa questão está re-
batida no tamanho, na forma, na tipologia, no conjunto que materializa
a própria espacialidade urbana, nas técnicas e materiais que serão utili-
zados para vencer essas dificuldades impostas pelo terreno úmido e de
pouca estabilidade, fazendo com que até hoje sejam respeitados padrões
e rotinas construtivas de outros tempos (Figura 2).

Figura 2: A – Mercado Antônio Franco e Thales Ferraz.


Fonte: Pedro Leite, 2011.
B – Praça Fausto Cardoso, edificações de vários estilos: Modernismo,
Art Déco, Ecletismo. O Senso de Massas em Movimento.
Fonte: Donizeti da Silva, 2013.

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Desta forma, pode-se perceber a natureza diversa e complexa do
conjunto remanescente de Aracaju, ou seja, ao mesmo tempo que se
constitui um traçado reto, simples, geométrico, que propõe um rom-
pimento com a tradição da implantação das cidades até então erigidas
no Brasil, um “jeito novo”, uma nova cidade, constrói-se nos moldes
da tradição da arquitetura Historicista Eclética. Todavia, vão ocorrendo
sobreposições, adaptações, reconstruções. Em alguns pontos, mesmo
sofrendo com a força da natural condição de mudança imposta pelo tem-
po e suas variáveis, a cidade resultou em conjuntos apreciáveis de grande
significação, de conjuntos de variabilidades que se somaram, constituí-
ram e materializaram todas as mudanças sofridas naquela cidade e que
são capazes de demonstrar a “disputa” do espaço sofrida pelas cidades
brasileiras ao longo de várias décadas.

Simbolismos
O símbolo é um objeto que representa outro de forma analógica
ou convencional, um sinal através do qual entende-se o design de um
objeto e sua representação na sociedade da qual faz parte (JAPIASSÚ;
MARCONDES, 1996, p. 248). A arquitetura remanescente de Aracaju,
como é da natureza do conjunto que carrega juízos de valores reconheci-
dos, possui inúmeros simbolismos.
O conceito contido no Simbolismo associa-se aqui ao de represen-
tação das mentalidades, das mudanças de vida, das formas de pensar e
agir que se materializam nas edificações e que são resultado das transfor-
mações que a cidade sofre/opera/destrói/reconstrói/sobrepõe, bem
como no que permanece e se torna juízo de valores históricos e estéti-
cos; significados, maneiras de saber fazer e usar, extrapolando o material
e persistindo na memória, lembrado por objetos que são mantidos ou
se mantém heroicamente durante essas transformações de longo prazo.
Na arquitetura de Aracaju, esse Simbolismo não se apresenta ape-
nas nas ideologias do Ecletismo, pois não se finda como propósito de

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uma modernidade, ele alimenta e conjuga sistemas de ideias que irão
conviver com o Art Nouveau, com o Art Déco, recebendo contraposi-
ções mais expressivas com o “protomodernismo” e, especialmente, com
a arquitetura Modernista, tornando a cidade um campo de disputas de
espacialidade em uma convivência na qual não se pode distinguir um
conjunto homogêneo de estilo.
A diversa e complexa arquitetura remanescente de Aracaju pode
ser determinada não apenas pelo Culto à Linha (Quadrado de Pirro),
mas por um “amadurecimento” no momento da virada entre os séculos
XIX e XX, partindo de uma busca de afirmação a partir do conceito de
“Remodelação Urbana” (Ecletismo), indo ao encontro da afirmação de
uma “Mentalidade de Vida” (Art Nouveau; Art Déco; Modernismo). Desta
forma, o início dos Simbolismos é baseado no Modo/Gosto de viver “afran-
cesadamente” representado pela “tipologia” eclética CASA/COMÉRCIO
e se desdobra a partir da industrialização tardia e da própria afirmação da
individualidade buscada pelo século XX, atingindo uma pretensa menor
ou maior personalização no Art Déco, que desaguará em uma “maturi-
dade” espacial urbana/arquitetônica, ou seja, nas regras da Arquitetura
Modernista, que se expressa como modelo internacional, mas antes ex-
perimentando e produzindo edificações heterogêneas e difíceis de serem
identificadas, às vezes denominadas de protomodernistas (Figura 3).
Nas edificações Ecléticas, além das habituais regras decorativas
classicistas, as invenções Simbólicas são muito aplicadas, uma das mais
comumente apresentadas nos frontões triangulares de construções “des-
policiadas” (LEMOS in FABRIS, 1987, p. 75) são as Estrelas de cinco pontas,
que representam as Casas Comerciais, localizadas sempre no tímpano
triangular do frontão neoclássico da construção; esse elemento decora-
tivo (estrela de cinco pontas) pode ser verificado constantemente nas
edificações dos bairros centrais de Aracaju.
Outra questão Simbólica presente nas construções ecléticas dos
primeiros anos do século XX é encontrada na maioria das edificações,
especialmente as de tipologia chamadas de Palácios/Palacetes, que são as

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Escadarias localizadas na entrada principal da edificação. Esta mesma sim-
bologia é encontrada na entrada das construções com finalidades educa-
cionais. A grande escadaria frontal, às vezes também localizada interna-
mente, representa a superioridade daqueles que habitam ou trabalham
no imóvel sobre as pessoas da rua, portanto, estão num plano “mais ele-
vado” do que os que não pertencem àquele modo de viver ou usar.
Nas platibandas dessas mesmas construções que agora escondem
novas soluções técnicas para as coberturas, podem ser vistos vasos, pi-
nhões, ânforas, estátuas, fruteiras e as famosas “compoteiras”, contudo,
são as estátuas representando “índios” que serão de uma personalização
simbólica admirável, um dos maiores exemplos está na Ponte do Impe-
rador, na antiga Rua da Frente (PORTO, 2011, p. 79). Também em edifi-
cações Art Déco podem ser verificados elementos ornamentais geomé-
tricos que fazem alusão a representações decorativas indígenas, como as
ornamentações em formas de seta acima das janelas do Arquivo Público
do Estado de Sergipe, ou mesmo, no nome referenciando simbologias
indígenas como no Palácio Serigy, na Praça General Valadão.
Uma das representações SIMBÓLICAS mais interessantes do Art
Déco de Aracaju é o Sobrado n. 707 na Rua Pacatuba, projeto do alemão
H. A. Von Altenesch; suas linhas remetem à forma de um navio/barco.
A inspiração náutica nas execuções das edificações Art Déco foram
muito praticadas, como no Teatro de Goiânia (uma das representações
mais significativas desse estilo no Brasil). O desenho desse edifício da
Região Centro-Oeste imita um transatlântico ancorado e as janelas são
em formas de escotilhas com superfícies curvas e linhas aerodinâmicas
(BLUMENSCHEIN, 2004, p. 48), sendo seu conjunto fiel ao utilizado em
cinemas e rádios. A edificação de Aracaju, apesar da tipologia residen-
cial, procura tirar partido desse conceito simbólico naútico, inclusive nas
janelas e nos ornamentos na forma de escotilhas que “povoam” o guar-
da-corpo do pavimento superior, a cor empregada, azul marinho, é uma
das cores mais uzadas pelo estilo, juntamente com o verde claro, tons
pastel amarelados, os tons de cor ocre e pó de pedra (mica) também são
usados no acabamento do reboco.

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C F G

A D H
B E

Figura 3: A – Ponte do Imperador;


B – Casa Art Déco; C – Relógio do Mercado Antônio
Franco; D – Rodoviária Luiz Garcia; E – Solar dos
Rollemberg; F – Casa Eclética/Art Nouveau “cara de
Inseto”; G – Mescla Neocolonial/Missões;
H – Instituto de Tecnologia – “Protomodernismo”.
Fonte: Donizeti da Silva, 2013.

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A arquitetura que se estabelece de 1930 até 1960 em Aracaju pro-
põe um capítulo final de transformações urbanas iniciadas no final do
século XIX, uma vez que atinge a partir do Art Nouveau e do Art Déco,
conceitos SIMBÓLICOS como beleza, conforto, sofisticação, segurança,
conveniência, propriedade, pretenso “pertencimento”, ou seja, a “ade-
quação” das partes à concepção de cada coisa individualmente é muito
importante para a beleza do todo.
Tal referência simbólica é encontrada especificamente no Art Déco,
onde a construção de cada parte é delimitada e regulamentada pela
função que o objeto irá desempenhar. A casa ou a edificação deveria de-
monstrar plena adequação entre as partes – estrutura e beleza em co-
nexão e servir à sua função (PEVSNER, 1981, p. 9). Já nas decorações
Art Nouveau, as flores nos gradis e nas entradas das construções ganham
conotações estilizadas simbólicas que, às vezes, nos remetem a arranjos
repetitivos marinhos. Entretanto, a grande repetição adentra nas ques-
tões de reinvenções Rocaille, num misto de revival eclético com inspi-
rações personalizadas, como na Platibanda do Hospital Gabriel Soares
ou mesmo no exemplo mais expressivo de Aracaju que é o Casarão dos
Rollemberg (PORTO, 2011. p. 38). Há também exemplos mais pitores-
cos, como a fachada com “Cara de Inseto” da Rua Campos, n. 499.
Para que a Arquitetura atingisse a condição Simbólica plenamen-
te Moderna, como fundamentalmente nova e diferente, foram necessá-
rias novas condições sociais e novos materiais de construção no Brasil
(DORFLES, 1971, p. 14). Mas, em Aracaju, isso não significava que ela
não fosse uma continuação e uma derivação daquela arquitetura existen-
te. A arquitetura moderna se fundamentou inicialmente em debates e
era subsidiada pelos conceitos de praticidade e economia, arquitetura de
volumes, linhas simples, poucos elementos decorativos, nada de masca-
rar a estrutura do edifício (SEGAWA, 1997, p. 44).
Assim, entre 1910 e 1930, no Brasil (e em Aracaju) não se deixou
de ter obras modernizadoras, no entanto, mesmo tendo Warchavchik
como pioneiro, as arquiteturas desse período também foram chamadas

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de “Modernas”, “cubistas”, “futuristas”, “comunistas”, “judias”, “estilo
1925”, “estilo caixa d’água” e, por que não, “protomodernistas”, como
o Instituto de Tecnologia e Pesquisa de Sergipe, edificado em 1947, no
bairro São José, em Aracaju.
As plataformas da Modernidade foram definidas no Brasil por Lúcio
Costa, tendo a engenheira Carmem Portinho como grande entusiasta.
O grande marco foi a sede do Ministério da Educação e Saúde, iniciado
em 1937 e terminado em 1942 (SEGAWA, 1997, p. 81). Em Aracaju,
um dos maiores representantes Simbólicos da arquitetura Modernista é
o Terminal Rodoviário Luiz Garcia, inaugurado em 31 de março de 1962
(a maioria das cidades brasileiras desconheciam essa tipologia até a dé-
cada de 1960), pois significou mais do que um local de viagens, marcou
a regulamentação de critérios de localização e a inserção de novas leis
de uso e parcelamento do solo, bem como novas tecnologias constru-
tivas, além do desmanche, para sua implantação, do Morro do Bomfim
(PORTO, 2011, p 118).
Simbolicamente, as características que podem ser encontradas no
Terminal Luiz Garcia não se remetem apenas a conceitos como a busca
do aperfeiçoamento funcional dos serviços urbanos, mas, ao princípio
gerador de volumes simples e traçados volumétricos reguladores que se
concentram na proposta de poder “ver o interior”, nem tanto pelo uso do
vidro, mas pelo conceito do exterior se tornar uma projeção do interior,
no qual as edificações parecem ser objetos construídos em série, ou seja,
repetem as mesmas soluções, uma vez que se baseiam no pressuposto
do espaço como “máquina” (BENÉVOLO, 2001, p. 430).
O Terminal Luiz Garcia poderia ser inserido em um capítulo à par-
te chamado de O Concreto Armado e a Pré-fabricação em Aracaju; não se
pode precisar quando começou a pré-moldagem na construção, contudo,
no Brasil, a firma dinamarquesa Christiani-Nielsen executou em 1926 o
Hipódromo da Gávea no Rio de Janeiro (VASCONCELOS, 2002, p. 153).
No Terminal Luiz Garcia de Aracaju, os pilares em forma de grandes brises
ou “aletas” invertidas nas fachadas são uma das execuções personalizadas

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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modernistas mais interessantes da arquitetura brasileira. A referida edifi-
cação segue os conceitos modernistas de Planta-Fachada-Livre.
O Terminal empreendeu esforços de aprimoramento dos cálcu-
los estruturais e dos materiais pertinentes à realização da obra e serviu
como exemplo das técnicas e preceitos que eram desenvolvidos nos
canteiros de obras, porém, sua maior contribuição Simbólica foi o de
representar uma nova mentalidade de vida moderna, uma vez que pos-
sibilitou o crescimento urbano pautado na troca do transporte maríti-
mo/ferroviário para o rodoviário, além de permitir a expansão da malha
urbana de Aracaju.
Em Aracaju, até 1910, ocorre uma coexistência de estilos. A partir
da Primeira Guerra Mundial, nas cidades brasileiras, torna-se reconhecí-
vel nessa coexistência uma contraposição ao Ecletismo, denotado por um
estilo denominado Neocolonial, o qual pode ser dividido em dois grupos:
o Neocolonial Luso-Brasileiro e o Neocolonial Hispano-Americano, tam-
bém chamado de Missões. Apesar de o senso comum dizer que o Neo-
colonial teria se originado no Brasil, ele teve origem os Estados Unidos, a
partir do final do século XIX nas áreas colonizadas por espanhóis, como a
Califórnia, Novo México, Arizona, Texas e a Flórida. A ideologia marcante
do Neocolonial no Brasil está associado à retomada de uma cultura local,
própria, de busca da “identidade” nacional, contrapondo-se ao exagera-
do prestígio do uso dos revivais historicistas europeus.
Como no Jardim América da cidade de São Paulo, os bairros vizi-
nhos à área central de Aracaju, por volta de 1930, pertencentes naquela
época à classe média alta, ainda possuem inúmeros remanescentes de
construções neste estilo, às vezes denominadas de casas com alpendres.
Este estilo Neocolonial/Missões é facilmente encontrado na área históri-
ca central da cidade de João Pessoa, Estado da Paraiba, no Nordeste bra-
sileiro. Entender como o estilo Missões ganhou tanta popularidade no
Brasil, como também nas construções da década de 1930 em Aracaju,
é compreender os Simbolismos que esse tipo de arquitetura expressava

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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e que estava ligada às transformações do modo de viver agenciados pela
cultura norte-americana de Hollywood, ou seja, no American way of life.
Um bom exemplar de tipologia Sobrado, estilo mesclado entre
Neocolonial/Missões, pode ser apreciado na Av. Ivo do Prado, n. 896.
Nessa edificação pode-se verificar o telhado em quatro águas, o que de-
nota uma carcterística luso-brasileira, entretanto, o elemento marcante
são os arcos com bases largas, utilizados na américa hispânica, influên-
ciada pela arquitetura árabe e alterados para cumprir a função de dar
passagem a “mulas” que transportavam cargas dos dois lados. Outras
características se ligam aos torreões circulares com beirais e às janelas
com gradis de ferro batido com motivo árabes.
Em conjunto com os Mercados Municipais, as fábricas são para uma
cidade representações carregadas de grande Simbolismo. A principal ati-
vidade industrial da cidade de Aracaju por volta de 1900 foi a produção
de tecidos. Nesse contexto, destaca-se como edificação remanescente a
Fábrica Confiança (Ribeiro Chaves) no bairro Industrial.
A tipologia construtiva das fábricas, em específico, da Fábrica
Confiança, tem sua composição e funcionalidade importada nos mol-
des ingleses, ou seja, formas em grandes galpões com oitões triangula-
res influenciaram a construção de modelos de casas pertencentes aos
chamados conjuntos de Vilas Operárias, como os da Vila Queiroz no
centro de Aracaju.
Portanto, existe no Ecletismo um dualismo conceitual Simbólico,
em que por um lado todas as tipologias utilizam o mais variado repertório
de revivais historicistas, recheando a cidade de “neos”, e, por outro lado,
a Fábrica como novo componente material e imaterial, impregnando de
vida a mentalidade de uma época e se transformando na grande represen-
tação urbana de uma cidade moderna, filha da sociedade industrial.
Outro elemento urbano marcante são os Mercados Municipais pre-
sentes nas cidades desde tempos remotos. Em cada época, naturalmen-
te, tais mercados acondicionam funções intensas, como por exemplo, no
período romano, em que havia a venda de mercadorias das mais variadas

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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ordens e as escriptorias para negociação dessas produções, as quais eram
chamadas de “Foro Boario e Foro Olitorio” (BENÉVOLO, 1999, p. 139).
No Nordeste brasileiro, as tradições de feiras e locais de comercia-
lização dos mais variados produtos determinaram locais de valor patri-
monial expressivo, que se tornaram, na maioria das vezes, vizinhos dos
Mercados Municipais, ou até mesmo, os próprios locais de implantação
dessas edificações.
Esta tipologia que marcou as transformações urbanas das cidades
brasileiras na virada do século XIX para o XX, teve como exemplo signifi-
cante o Mercado Municipal de São Paulo. No caso de Aracaju, o Simbo-
lismo do Mercado local estaria mais próximo à representação cultural e
geográfica do Mercado Ver-O-Peso da cidade de Belém do Pará. Obvia-
mente, guardadas as questões Simbólicas locais, não seria exatamente a
arquitetura Eclética que aproximaria essas duas edificações, mas sim sua
personalização, ou seja, mais especificamente, as suas implantações nas
margens de rios, os respectivos “sabores e odores” e as relações de vizi-
nhança que delas “exalam”.
No Mercado de Aracaju, especificamente no mais antigo, o Antônio
Franco, o objeto que mais representa simbolicamente a nova vida urba-
na é o Relógio, que marca o ritmo do tempo, a hora de chegada e parti-
da das embarcações, do trem, do comércio, constituindo o ponto focal
dessa edificação e da cidade existente naquele momento. No Mercado
não apenas se comprava, mas também se conhecia e se deixava co-
nhecer, local onde muitos relacionamentos aconteciam, ocasionando
posteriores casamentos; no qual as notícias do mundo social da época
fervilhavam a espera de embarcar nos vapores que ancoravam no em-
barcadouro logo à frente.
O conjunto eclético de Aracaju do início do século XX, formado
pelos mercados Antônio Franco e Thales Ferraz, que foram inspirados
(o primeiro) num pastiche de colagens neorrenascentistas, justapondo
elementos amaneirados, chama atenção devido à desproporcionalidade
do Relógio em contraposição à predominância da horizontalidade do

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corpo da edificação em forma de claustro. No Thales Ferraz (1940), ape-
sar das descaracterizações provocadas nas “reinvenções” de anos recen-
tes, encontra-se um Neocolonial tardio ao gosto das Missões e uma série
de inserções ecléticas inspiradas em composições medievalistas afran-
cesadas; contudo, a representação Simbólica de ambos está no pontuar
o ritmo de vida da cidade, como uma pintura, a persistência da memória
(CHAUÍ, 1999, p. 9).

Rotina Vazia da Arquitetura


Um dos conjuntos remanescentes mais significativos presentes
na área histórica central de Aracaju e nos bairros vizinhos ao Centro é
constituído pela arquitetura Eclética. Neste modelo de “ressignificação”
(NORA, 1993, p. 7-28), a justificativa da essência destas construções
realizadas entre 1860 a 1930 se assenta sobre a “denominação” atri-
buída por vários arquitetos a esse período como de uma “Rotina Vazia
na Arquitetura”, ou seja, significa que, nesse momento, os arquitetos e,
especialmente, os engenheiros responsáveis pelas edificações, primeiro
levavam em conta a estrutura adequada àquela função e os requisitos
técnicos construtivos, acrescentando um “pouco” de arte à fachada, a
partir de modelos/padrões baseados em um livro ou catálogo de estilos
históricos (REIS FILHO, 1987, p. 61).
Ressignificar vem da palavra Significado ou seja, a teoria do signifi-
cado da linguagem examina os vários aspectos de nossa compreensão
das palavras e expressões linguísticas e dos signos em geral, um desses
aspectos centrais é a relação de referência, que é um dos elementos
constitutivos do significado. Desta maneira, por trás de simples pedras
há entendimentos mais do que meramente técnicos, há entendimentos
de mentalidades de vida e comportamentos que se materializam através
das edificações e no seu uso (JAPIASSÚ; MARCONDES, 1996, p. 247).
Outra característica marcante do Ecletismo em Aracaju é a ma-
nifestação diversa e complexa das edificações, fruto de uma constante

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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inquietude intelectual que marca singularidades e individualidades ex-
pressivas. Apesar de traços de arquitetos ou estilos de outros países,
como por exemplo, o neorrenascimento dos mestres Italianos que por
aqui passaram por volta de 1920, como Bellando Bellandi e Antonio
Frederico Gentil, presentes na reforma e alteração de várias edificações
locais, os remanescentes Ecléticos demonstram personalizações de uma
nova clientela burguesa que se instalava na cidade (PORTO, 2011, p. 39).
De acordo com Jussara da Silveira Derenji (1998, p. 23) a “imigração ita-
liana, nesse período, constitui um fenômeno de massa e adquiriu dimensões
inéditas no país”.
Em Aracaju, essa “condição” é encontrada em edificações rema-
nescentes que representam construções alçadas como monumentais,
como o Prédio da Delegacia do Ministério da Fazenda, o Palácio Olimpio
Campos, o Palácio Fausto Cardoso, o Palácio Inácio Barbosa, o Edificío do
Memorial Judiciário, a Cúria Metropolitana, a Matriz N. S. da Conceição
e muitos outros. No entanto, ao percorrer as ruas dos bairros centrais de
Aracaju, como as ruas Itabaianinha/Itabaiana e João Pessoa, evidencia-
-se um conjunto de construções civis, altamente representativas deste
chamado Esvaziamento e marcante como presença de remodelações de
influência italiana em Sergipe (Figura 4).

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A B C D

E F G H

Figura 4: A – Prédio da Delegacia do Ministério da Fazenda;


B – Palácio Olímpio Campos; C – Palácio Fausto Cardoso;
D – Palácio Inácio Barbosa; E – Edifício do Memorial Judiciário;
F – Cúria Metropolitana; G – Matriz N. S. da Conceição;
H – Rua Itabaianinha/Itabaiana – Batalhão da Polícia Militar;
I – Rua João Pessoa. Fonte: Donizeti da Silva, 2013.

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No conjunto eclético remanescente de Aracaju, podem-se distin-
guir, como em outras cidades brasileiras portadoras deste tipo de pa-
trimônio Eclético, quatro tipos gerais de cultura arquitetônica que dão
significado ao conceito de “Esvaziamento”:
a) edificações com composições estilísticas baseadas na adoção
imitativa (não original) de formas do passado, das quais se per-
cebem predominância de formas neogregas (como os Palácios
Olímpio Campos e Fausto Cardoso) e também neogóticas (como
a Catedral Metropolitana);

b) construções de historicismos tipológicos (não originais), volta-


das para uma finalidade específica, como públicas, escolares, lazer
etc., que empregam o classicismo, o neobarroco e o neorrenascen-
tismo (como os prédios da Delegacia do Ministério da Fazenda, do
Palácio Inácio Barbosa, do Cúria Metropolitana, do Memorial do
Poder Judiciário de Sergipe e do Batalhão da Polícia Militar etc.);

c) edificações de menor porte que procuram imitar as soluções


empregadas nas construções monumentais ou de maior impor-
tância na cidade, ou seja, cópias de menor tamanho (originais) e
que empregam ornamentações e soluções tipológicas de “neos”
variados (Imóveis nas várias ruas centrais de Aracaju, como nas
ruas Itabaianinha/Itabaiana e João Pessoa);

d) edificações formadas por feições denominadas de pastiches com-


positivos possuidoras de grande margem de soluções inventivas, às
vezes comentada por estudiosos como de “mau gosto” e chamadas
de bricolagens (FABRIS, 1987, p. 15), presentes em várias ruas da
área central e bairros vizinhos ao Centro.

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Importante ressaltar que nos remanescentes ecléticos da área cen-
tral de Aracaju e bairros vizinhos ainda se pode verificar os conceitos
ideológicos que determinaram a maneira de viver das pessoas daquela
época, ou seja, apesar das grandes mudanças, adaptações, destruições,
esses remanescentes agregados, juntamente com toda a Diversidade e
Complexidade, permitem reconhecer praticamente todas as transfor-
mações sofridas pelas cidades brasileiras do final do século XIX até a
metade do século XX.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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CAPÍTULO 2

REMANESCENTES:
diversidade e complexidade
Pode parecer simplista e suficiente a explicação do por que preser-
var o Traçado de Pirro em Aracaju como representação do “Culto à Linha”
dentro de um modelo de implantação urbanística no Brasil. Por outro
lado, essa aparente simplicidade teórica agrega uma fragmentalidade de
objetos possuidores de uma riqueza Diversa e Complexa, representativas
da própria disputa entre as formas históricas X as formas sinuosas X as
formas geométricas X paisagem natural e que, apresentam os princípios
arquitetônicos que nortearam a constituição das cidades da metade do
XIX até metade do XX, expressando grande intensidade de transforma-
ções do modo, gosto e necessidades de vida.
Essa grande intensidade de transformações, possíveis de serem ain-
da “fruídas” no conjunto remanescente dos bairros centrais de Aracaju,
apresentam aspectos conceituais variados, que “modelam” represen-
tatividade nacional, ou seja, podem-se observar, nas características da
arquitetura remanescente aracajuana, vários conceitos arquitetônicos
marcantes da transição urbana sofrida pelas cidades nacionais da metade
do século XIX até a metade do século XX, como por exemplo: 2.1. Rup-
tura e não ruptura com as tradições; 2.2. Originalidade e não originalidade
da forma; 2.3. Destituição e a não destituição de preocupação ideológica;
2.4. Independência e/ou dependência de conceitos estéticos, entre outras.
Dentro das referidas questões, podem ser ainda observadas ou-
tras variáveis como: a) a busca de harmonizar o construído ou de não
harmonizar o construído com o natural (rio, mangue, mar); b) formas/
volumes orgânicos e não orgânicos de inspiração, modulando massas
em movimento; c) uso de cores e texturas pertencentes e não perten-
centes a estilos concisos (o jogo de cores); d) desenvolvimento e não de-
senvolvimento de novos materiais e técnicas construtivas (ferro/vidro/
concreto); e) edificações que articulam o interior com o exterior na sua
função e forma; f) rebatimento e/ou continuidade do Culto à Linha na
evolução urbana da cidade (vitória ou derrota do Quadrado de Pirro);
g) desenho figurativo na tipologia construtiva fruto ou não de uma indi-
vidualidade ou personalização criativa; h) aspecto simbólico estrutural e

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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as provocações entre as construções e as ondulações do rio/cidade das
águas; i) aparecimento marcante de uma arquitetura “grotesca” como foi
chamado o neocolonial por parte dos modernistas etc.
Esses conceitos listados acima “ressignificam” o entendimento
de o porquê preservar os remanescentes do conjunto arquitetônico
dos Bairros Centrais de Aracaju, uma vez que, mais do que indicar e/
ou mostrar que esse conjunto é marcado pela arquitetura “dita” em “es-
tilos” Eclético (neoclássico/neogótica/neocolonial/outros revivais),
Art Nouveau, Art Déco, Protomodernista e Modernista, eles expressam
modelos identificáveis como pertencentes a uma Cultura Arquitetônica
Nacional e, especialmente, representativos da maneira de viver e fazer
uso das edificações destas épocas.

Ruptura e não ruptura com as tradições


Sabendo que o espírito da época (metade do século XIX), diferen-
te dos modelos urbanos coloniais anteriormente aplicados, estava do-
minado por um culto ao geométrico, especialmente na condição aca-
dêmica e prática dos engenheiros europeus e brasileiros. A pergunta é:
teria ocorrido uma total ruptura com a tradição de se fazer arquitetura
e urbanismo no Brasil, e isso pode ser expresso nos remanescentes da
cidade de Aracaju?
Em Aracaju, então, na prática, tem-se um traçado retilíneo, quadra-
do/ortogonal, diferente do traçado das cidades coloniais, entretanto, sua
arquitetura se vê “recheada” de construções historicistas, numa paradoxal
realidade entre romper e manter as tradições (Figura 5). Essa mesma con-
dição poderá ser verificada em muitas outras cidades nacionais; um dos
locais mais representativos dessa condição é a cidade de Belo Horizonte,
com traçado retilíneo e construções ecléticas (LEME, 1999, p. 222).

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A B

Figura 5: A – Mapa de S. Cristóvão/SE de 1850 (cidade fundada em 1589 –


4ª cidade mais antiga do Brasil –, primeira capital da Província de Sergipe, com
modelo urbanístico colonial brasileiro). Fonte: AZEVEDO, Paulo Ormindo David
de. (Coord.) Plano Urbanístico de São Cristóvão. Vols. II e III. Grupo de restauração
e renovação arquitetônica e urbanística. FAU-UFBA, Salvador, 1980. B – Aracaju,
cidade criada para ser a nova capital da província em 1855 em substituição a S.
Cristóvão. O Plano de Pirro e as atividades principais em 1857 (Planta de Pereira
da Silva). Novo modelo de urbanismo – Culto à Linha. Fonte: Porto (1945. p. 49).

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Na composição inicial da malha urbana de Aracaju, havia uma tipo-
logia geométrica (diferente dos traçados urbanos coloniais), que tentava
dialogar e não conseguia com uma arquitetura Eclética, composta por
edificações típicas do final do século XIX no Brasil. Portanto, temos, no
conjunto remanescente da arquitetura de Aracaju, a possibilidade de dar
às futuras gerações o vislumbrar objetivo da tensão ocorrida e materia-
lizada nas áreas históricas urbanas das cidades brasileiras na transição
entre os séculos XIX e XX, a partir da qual, verifica-se, naquele momento,
uma disputa entre passado e presente. Desta forma, não se trata apenas
de uma edificação, e sim de uma relação entre essa edificação (Ecletismo)
x composição de traçado (geometrismo), ou seja, de uma representação
da Construção da Espacialidade em Disputa, principal característica das
cidades mundiais e especificamente brasileiras, que se acalora na transi-
ção do século XIX para o XX, documentada e tão bem demonstrada pelas
mudanças impostas pelos engenheiros desse período, como no exemplo
de Pereira Passos nas intervenções urbanas no Rio de Janeiro.
Sendo assim, o ideário construtivo em Aracaju permeava uma dis-
puta entre o passado e o presente, entre o Ecletismo e o Traçado orto-
gonal e retilíneo, natural a algumas cidades brasileiras daquele período.
Entretanto, soma-se a esse ideário outra questão capaz de ilustrar essa
tensão entre romper e não romper com as tradições, ou seja, quando
se analisa a arquitetura remanescente do conjunto central de Aracaju,
exemplificado em edificações como o Palácio do Governo e o Prédio da
Delegacia do Ministério da Fazenda, observam-se as ornamentações
posteriormente inseridas pela missão italiana e que apesar de produzir
um “rejuvenescimento” da edificação frente a sua forma original mante-
ve um desalinhamento com a composição espacial retilínea.
Estas alterações posteriores nas edificações demonstram clara-
mente que, apesar do espírito construtivo da época estar buscando
novas representações estéticas, as edificações ainda mantêm como
conceito de beleza os revivalismos materializando estéticas contrarias a
geometrização imposta pelo Culto à Linha do Quadrado de Pirro; ou seja,

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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tais edificações, apesar de receber, no início do século XX, ampliações de B
ornamentação italianizadas e depois do Art Nouveau, mantem sua com-
posição historicista, caracterizando plenamente o que se denomina de
Ruptura e não Ruptura com as tradições, num jogo de significados que
ao mesmo tempo buscam mudanças mas não conseguem romper com
o passado e, da qual, os remanescentes arquitetônicos de Aracaju são
grandes representantes (Figura 6).

Figura 6: A – Palácio do Governo (Olímpio Campos);


B – Prédio da Antiga Delegacia do Ministério da Fazenda.
Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

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Outros exemplos arquitetônicos remanescentes em Aracaju que
marcam essa tensão de Ruptura e não Ruptura são as construções re-
ligiosas de influência neogótica, representadas pelas três Igrejas mais
antigas da Cidade: a Igreja de São Salvador, a Catedral Nossa Senhora da
Conceição e a Igreja de Santo Antônio (Figura 7).
Essas três edificações sofreram alterações nas suas concepções ini-
ciais, recebendo elementos compositivos do Ecletismo.
A Catedral de Aracaju, por sua vez, é uma representação ímpar des-
sa busca de Ruptura e não Ruptura com as tradições, materializada por
um objeto construído/alterado/transformado, ou seja, é uma edifica-
ção Eclética, marcante no Neogótico. Sua forma e elementos primários
constitutivos (janelas e portas ogivais), assim como sua torre e frontis-
pício que buscam alinhavamento com a verticalidade do gótico flame-
jante (obviamente, guardando “grandes diferenças monumentais”), bem
como, o seu interior, nas reproduções pintadas de abóbadas, lembrando
nervuramentos estruturais, representam soluções que marcam a tradi-
ção de se construir igrejas daquela época no Brasil. Entretanto, apesar
de mostrar tradição religiosa construtiva deste período é contrária ao
traçado retilíneo das praças e ruas que formam o Plano de Pirro; o estilo
da edificação contraposta ao geométrico traçado retilíneo do projeto de
Aracaju, apenas se aproxima da forma reta em alterações na cúpula em
flecha assente na torre, realizada por volta de 1936, em estilo Art Déco
(NASCIMENTO, 1981, p. 94).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

41 | 214
C

B
Figura 7: A – Catedral de Aracaju, Paróquia
N. S. da Conceição, na Praça Olímpio
Campos, 228, centro de Aracaju; B – Igreja
de São Salvador na Rua de Laranjeiras,
66, no centro de Aracaju, foi edificada em
1857, mas reformada em 1911; C – Igreja
de Santo Antônio na Colina de Santo
Antônio, localizada na Praça Siqueira de
Menezes no Bairro de Santo Antônio. Fonte:
Donizeti da Silva, 2013 (A), 2014 (B e C).

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Outra questão que chama a atenção na referida edificação é sua im-
plantação nesta espacialidade geométrica, na “cabeça” da Praça Olímpio
Campos, marcando um tipo de “eixo monumental” entre o rio (essên-
cia da origem urbana de Aracaju), o poder (Palácios do Governo) e a re-
ligiosidade (presença de Deus na cidade-catedral). Assim, temos os três
elementos tradicionais e representativos da espacialidade urbana de qual-
quer cidade (água, política e religião) (Figura 8). No entanto, seu posicio-
namento rompe com a tradição de hierarquia espacial das cidades que
vêm desde tempos da antiguidade, pois antes, em primeiro plano vinha
a religiosidade, depois a política. As novas cidades “projetadas/planeja-
das”, a partir da metade do século XIX, começam a colocar as edificações
relacionadas à política em posição hierárquica mais expressiva do que as
construções religiosas.
Os três elementos mencionados (água, política e religião), que
compõem a arquitetura das praças centrais de Aracaju, demonstram
essa questão, especialmente a Catedral de Aracaju que foi implantada
atrás dos Palácios do Governo que ficam como primeiros vizinhos do Rio
e vistos primeiro ao olhar de quem chega à cidade. Portanto, a Catedral
de Aracaju é capaz de representar a Ruptura e a não Ruptura com as tra-
dições construtivas no Brasil, bem como, guardadas as devidas propor-
ções, pode ser comparada à Catedral Paulistana da Sé, que é representa-
tiva dessa mesma condição teórica da arquitetura brasileira, a partir da
metade do século XIX e início do XX.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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Figura 8: Vista do conjunto das três praças: em primeiro plano, o Rio Sergipe e a Praça Fausto
Cardoso, local dos Palácios do Governo; ao centro, a Praça Almirante Barroso, e, ao “fundo”,
a Praça Olímpio Campos com a Catedral Metropolitana. Fonte: Pedro Leite, 2011.

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Uma das mais expressivas representações das mudanças ocorridas
nas cidades brasileiras entre os séculos XIX e XX foram as alterações im-
postas pelos novos “gostos”, vindos especialmente da França. Mudanças
econômicas e sociais (paradigma higienista/paradigma modernista)
provocaram uma continuidade de alterações na espacialidade urbana de
forma intensa, a qual se estenderia além da metade do século XX. Em
Aracaju, essas mudanças podem ser verificadas e ainda fruídas em vários
remanescentes isolados ou em conjuntos de edificações em várias ruas
da área central e vizinhanças (Figura 9), conforme avaliação descrita em
Relatório do IPHAN/SE realizado em 2010:

O rebuscamento das fachadas também afetou as novas construções,


bem como as casas e lojas comerciais do Centro, muitas das quais
teriam as fachadas reformadas por conta da moda, enquanto man-
tinham o interior e distribuição dos cômodos do partido original
(IPHAN/SE, 2010a, p. 13 e 14).

A B

Figura 9: A – Edificação eclética na Rua João Pessoa no centro de Aracaju;


B – Edificação na Av. Ivo do Prado, tipologia de casa comercial com a tradicional
platibanda com a estrela de cinco pontas (ornamento simbólico muito
encontrado nos remanescestes de Aracaju). Fonte: Donizeti da Silva, 2013.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

45 | 214
Mas, na maioria das cidades brasileiras, tanto nas novas capitais,
como nas cidades do interior do Brasil, como Ribeirão Preto no Estado
de São Paulo, podem-se verificar essas transformações impostas pelas
mudanças econômicas, sofridas com a alteração de ciclos econômicos,
que levavam a variação brusca de quem detinha o poder econômico e,
consequentemente, a mudança ornamental/funcional de suas edificações
(SILVA, 2011, p. 29).
Desta forma, as edificações eram alteradas, inicialmente impondo
modelos historicistas e depois modelos ornamentais, como o Art Nouveau.
Essas alterações também vinham condicionadas às novas propostas higie-
nistas que dominavam o período. A grande questão da ruptura completa
com as tradições ficava representada nas edificações pela mudança apenas
das fachadas e manutenção das tipologias funcionais interiores, a questão
é que, rapidamente, ocorre à vitória das novidades/exigências/viver sobre
as tradições, e, também, as alterações no espaço interior das edificações
acompanham o mesmo ritmo das alterações propostas nas fachadas.
O grande exemplo é a transformação dos espaços interiores em
espaços comerciais formados por grandes vãos abertos destinados a
guardar mercadorias e que, no caso de Ribeirão Preto, no interior de São
Paulo, era para guardar café. Já no caso de Aracaju, o Porto marítimo irá
impor a necessidade de espaços para guardar as mercadorias que vinham
do interior e que iriam esperar seu embarque, assim, várias construções
transformaram-se em conjuntos de armazéns (Figura 10). Era como se a
espacialidade urbana sofresse a migração dos antigos “trapiches” do in-
terior, como os da cidade de Laranjeiras para Aracaju. Essa seria uma das
principais tensões entre a Ruptura e a não Ruptura com as tradições, ou
seja, novas “peles” construídas (espaços interiores), ocupando antigos
“corpos” estruturais ecléticos (grandes armazéns para depósitos).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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A B

Figura 10: A – Av. Otoniel Dória (antiga Av. Rio Branco/Rua da Aurora), edificação
da tipologia armazéns, em frente ao Mercado Antônio Franco e antigo cais do
porto do Rio Sergipe; B – Edificação na tipologia de armazéns na Rua Santa
Rosa, nas proximidades dos Mercados (Antônio Franco, Thales Ferraz e Albano
Franco) e do antigo cais do porto do Rio Sergipe. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

Assim, Aracaju é capaz de representar, dentro das temáticas a se-


rem preservadas no Brasil, as transformações impostas às edificações na
transição do século XIX para o XX, ocorrida na espacialidade da maioria
das cidades brasileiras desse período.
Essas transformações do espaço interior das edificações, hoje, aco-
modam outras questões comerciais, como lojas e comércios variados,
além de lojas de departamentos. Mas, ainda são capazes de demonstrar,
não apenas pela ornamentação de suas fachadas, mas pela espacialida-
de de seu interior, juízo de valores a serem protegidos na construção da
identidade local e nacional.
Dentro dessa diversidade, também encontramos várias constru-
ções de moradia mais simples e também construções mais expressivas
e ocupadas pela elite naquela época. Esses remanescentes mais elitistas
também são descritos no Relatório do IPHAN/SE de 2010:

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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As exceções foram as residências da elite em que os interiores fo-
ram redecorados de forma exuberante com destaque para as pin-
turas artísticas parietais. O melhor exemplo dessa arquitetura é o
Casarão da família Rollemberg, que fica na orla do bairro São José, e
foi restaurado recentemente para ser sede da Ordem dos Advoga-
dos do Brasil em Sergipe. (IPHAN/SE, 2010a, p. 13 e 14).

São nessas construções denominadas “mais elitistas” que se en-


contram outros condicionantes marcantes da Ruptura e da não Ruptura.
Os novos representantes da economia, como os comerciantes/indus-
triais, mesmo migrados das representatividades agrícolas, passam a ocu-
par destaque no cenário local. Isso vai acontecer na maioria das cidades
brasileiras e será o estopim, inclusive, para as propostas das novas capi-
tais de Províncias e Estados do Brasil.
No caso de Aracaju, as edificações irão demonstrar essa ruptura rela-
cionada às mudanças que então se processavam pelo Brasil. As edificações
receberam ornamentações variadas ainda remanescentes dos revivais
historicistas, mas, rapidamente, irá se impor o gosto pelo Art Nouveau.
O casarão da família Rollemberg é exemplar digno e marcante das trans-
formações impostas à arquitetura nacional do período em análise.
O que está no foco da “ressignificação” do olhar preservacionista é
que, em Aracaju, essa arquitetura, representada por objetos do final do
século XIX e início do XX, possui todos os “ingredientes” marcantes do
que então ocorria nas cidades brasileiras daquele momento e, portanto, é
possuidora de uma dignidade ímpar a ser preservada no contexto nacional.
Entre essas condições teóricas representativas podemos encontrar
no conjunto remanescente de Aracaju os conceitos mais relevantes da
formação da espacialidade urbana nacional daquela época, como: a) tudo
tinha que estar pronto o mais rápido possível; b) ocorrência, portanto, de
uma revolução de métodos construtivos; c) os proprietários e constru-
tores abusam de novos materiais e de fórmulas originais; d) as cidades
recebem “avanços”, a partir dos estudos da engenharia e dos paradigmas

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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higienista/modernista e, consequentemente, desenvolvimento tecno-
lógico; e) as edificações passam a representar e materializar o fortale-
cimento de uma burguesia. Contudo, todos esses aspectos se mistu-
ram às maneiras tradicionais e às “fórmulas” antigas do “saber fazer” e
construir (Figura 11).
Em cada edificação ficam evidentes que ocorrem diferenciações
que têm nessas condições descritas acima seus trilhos condutores, en-
tretanto, natural a este momento urbano nacional e mundial, o conjunto
remanescente e proponente a ser preservado de Aracaju é formado por
um conjunto de ambiguidades, variações, diversidades que dialogam e
não dialogam com o conjunto urbano como um todo, que se integram
e se desassociam neste conjunto chamado de área histórica central, mas
que, no entanto, perfazem objetos capazes de representar a Ruptura e a
não Ruptura com as tradições.
Entre essas ambiguidades, variações, diversidades, complexidades,
encontram-se no conjunto remanescente de Aracaju edificações carac-
terizadas pelo estilo Chalé (Figura 12), específico daquele momento do
início do século XX (comuns na cidade do Rio de Janeiro), ainda dentro
do Ecletismo, mas concorrendo para novas formulações arquitetônicas
providas por novos “gostos”, como a associação com a Art Nouveau. O
relatório do IPHAN/SE de 2010 indica esse conjunto da seguinte forma:

Nas décadas de vinte e trinta, também surgem outros padrões


arquitetônicos de influência europeia. São edificações de dois
pavimentos para os senhores de posses com feições de chalés
europeus que foram construídos no Centro e no bairro São José.
O destaque é o conjunto de quatro chalés consecutivos na primeira
quadra da Rua de Estância (IPHAN/SE, 2010a, p. 14).

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Figura 11: A – Sobrado Eclético na
Rua João Pessoa – comércio no térreo
e residência no primeiro pavimento;
B – Associação Comercial próximo ao
Mercado Antônio Franco – Ecletismo mais
Art Nouveau; C – Solar dos Rollemberg –
Eclestismo mais Art Nouveau;
A B D – Instituto Parreiras Horta – Ecletismo
Islâmico; E – Hospital Gabriel Soares –
Ecletismo mais Art Nouveau; F – Cúria
Metropolitana – representação de uma
nova burguesia urbana; G – Arquivo
Memorial do Judiciário – representação
das novas burguesias/poder urbanas do
início do século XX; H – Casarão da Av.
Barão de Maruim – Atual Sede do IPHAN/
SE ; reresentação de novas soluções
sanitaristas, técnicas e de implantação
no lote. Fonte: Donizeti da Silva, 2013.

G
C D
E F H

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Figura 12: Conjunto de Chalés e um sobrado eclético
na Rua Estância. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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Neste momento (primeiras décadas do século XX), o conjunto ur-
bano de Aracaju chega ao que se pode chamar de “tensão máxima de
ruptura”, ou seja, é quando ainda se promovem edificações historicistas,
mas novas propostas começam a sobrepujá-las, não apenas com a acen-
tuação do emprego de ornamentações Art Nouveau, mas também com
as propostas definidas pela industrialização, a partir da década de 1930,
a qual se almeja e se materializa nas representações arquitetônicas do
Art Déco (Figura 13). O Relatório produzido pelo IPHAN/SE (2010a)
comenta e exemplifica essa questão a partir dos remanescentes edifica-
dos que pleiteiam proteção:

A partir do final da década de trinta, exemplares de um novo es-


tilo arquitetônico começam a ser produzidos na cidade. Com o
Art-Déco, os ornamentos ecléticos são substituídos por motivos
geométricos e as fachadas ganham novas formas. Desse período
são destaques o prédio do Palácio Serigy, atual sede da Secretaria
Municipal de Saúde, localizado na Praça Gen. Valadão, e o prédio do
Arquivo Público do Estado de Sergipe, sito à Praça Fausto Cardoso,
projetado pelo engenheiro civil alemão Arendt von Altenesch, res-
ponsável também pela laje de cobertura da Ponte do Imperador,
desde aquela época considerada monumento urbano, e várias ou-
tras edificações (IPHAN/SE, 2010a, p. 15).

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B C

A D E F

Figura 13: A – Sobrado Eclético com acréscimos da Art Nouveau, Solar dos
Rollemberg, atual Sede da OAB, localizado na Av. Ivo do Prado no Bairro São
José; B – Solar dos Rollemberg, Eclestismo + Art Nouveau, fachada lateral;
C – “Casa Barco”, Art Déco, na Praça Camerino, Bairro São José; D – Laje de
cobertura da Ponte do Imperador, em frente à Praça Fauto Cardoso, no Centro.
É exemplo do Art Déco com colunas Neo-egípcias palmiformes estilizadas;
E – Palácio Serigy, na Praça General Valadão, atual sede da Secretária da
Saúde. Observa-se, nessa edificação, uma ruptura do poder materializada pela
arquitetura Art Déco; F – Prédio do Arquivo Público do Estado de Sergipe, sito
à Praça Fausto Cardoso, projetado pelo engenheiro civil alemão Arendt von
Altenesch; G – Antigo Cine Palace, representação Art Déco do “modo e gosto”
de viver da sociedade da década de 1930-50, inspirada nos filmes de Holywood,
localizado na Praça Fausto Cardoso; H – Igreja de N. S. Menina na Rua Itabaiana,
representante do Art Déco religioso. Fonte: Donizeti da Silva, 2013.

G H

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Aracaju mantém ainda esse conjunto remanescente representati-
vo, essa atmosfera de espacialidade comum às cidades brasileiras daque-
le período; mas, qual é o conceito marcante disso na formação do urba-
nismo nacional e de suas cidades? Questão que Aracaju diz representar.
Esse conceito é o que se denominou aqui de “Fuga do Modo de
Produção Comum associado à Realidade Industrial que se impõe”, e é
isso que Aracaju preservou e quer proteger em face à provável perda
que também está acontecendo na maioria das cidades brasileiras. Esse
conceito de perda representa uma busca constante pela adaptação das
edificações a uma nova vida cotidiana, as mudanças sociais que se im-
põem e se materializam nos espaços arquitetônicos pela aceleração da
vida moderna, a busca desenfreada para acabar com as repetições em
constante embate com as técnicas construtivas artesanais, bem como
a intensificação do uso de novos materiais e de um grande indicativo
da “vitória” do Culto à Linha na evolução urbana brasileira, presente na
maioria das propostas de suas “novas” cidades.
É neste momento que Aracaju encontra esse aspecto de ruptura
com as tradições, também comum a outras cidades nacionais. A diferen-
ça, por exemplo, entre o conjunto Art Déco que se intensifica e se massi-
fica em outras cidades, como em Goiânia, é que o remanescente arquite-
tônico de Aracaju é Diverso e Complexo e capaz de misturar, quase que
de forma homogênea, essas ambiguidades e variações, provocando uma
integração que se perfaz em duas bases expressivas, ou seja, a arquitetu-
ra remanescente de Aracaju se torna o reflexo do desejo de seus morado-
res e demonstra uma sobreposição simbiótica com a natureza. Portanto,
mais do que apenas demonstrar a “tensão” da busca de ruptura com as
tradições (questão que esteve presente na maioria das cidades nacionais
daquele momento), Aracaju condensa essa ruptura e guarda em todo o
seu conjunto essas representações de forma mesclada.
Contudo, esta tipologia Diversa e Complexa da arquitetura de Aracaju
não é apenas representada pela Ruptura e não Ruptura com as tradições,
ela também é representada pela Originalidade e não Originalidade da

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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forma. Esta condição apresentada no Ecletismo, que vem munida de co-
lagens dos revivais historicistas, ocorre como grande proposta nas várias
regiões do Brasil, acrescentando simbolismos naturalistas nos elemen-
tos decorativos das fachadas, como índios, frutas e temas locais.
No entanto, quando se observa a atmosfera urbana propiciada pelo
conjunto remanescente da arquitetura de Aracaju, buscando uma “res-
significação” conceitual para justificar sua proteção, encontra-se não
apenas no Ecletismo, mas também nas edificações do Art Déco, a tran-
sição arquitetônica que se acredita pertencer a um momento expressivo
de disputa na construção da espacialidade urbana nacional. Portanto, o
Ecletismo, o Art Déco e as construções de dois pavimentos realizadas
no centro e no bairro São José, chamadas de Chalé, como os da Rua de
Estância, exemplificam um conjunto que conceitua a disputa da ruptura
e da não ruptura com as tradições, mais que propiciam também trans-
cender o entendimento do uso das edificações remanescentes daquele
momento para a “fruição” da Originalidade e não Originalidade da forma.

Originalidade e não originalidade da forma


Uma característica inerente à arquitetura é sua condição de perten-
cer a um determinado estilo, originar-se em uma região, lugar ou país e
influenciar outros locais. Mas esta condição não ocorre apenas em uma
via de mão única, ou seja, ao mesmo tempo que a arquitetura influencia,
ela é influenciada por condicionantes, que são as “necessidades”. Desta
forma, a geografia, a economia, a política, os materiais locais, o clima,
as técnicas disponíveis naquela região, enfim, a cultura local pode al-
terar uma arquitetura originalmente trazida de um lugar e acrescentar
elementos que a tornam reconhecíveis como sendo, especialmente, da-
quela região, tomando e abrindo caminho para o que se denomina de
identidade arquitetônica.
A partir de 1980, inicia-se no Brasil um interesse teórico aos estilos
denominados Neoclassicismo (Império) e Ecletismo (FABRIS, 1987, p. 03).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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Esse interesse se formava em virtude da maior parte dos remanescentes
urbanos das cidades brasileiras possuírem um conjunto edificado rema-
nescente desses estilos e que representava a grande mudança social, eco-
nômica e política, sofrida pelo Brasil na virada do século XIX para o XX e
que se estendeu até meados de 1950.
Estas áreas históricas urbanas das cidades brasileiras, como do Rio de
Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, eram exemplos importantes da arqui-
tetura e urbanismo nacional e, naquele momento (1980), sofriam grande
destruição por parte da especulação imobiliária, acionando por parte de
vários “atores” uma retórica da perda (GONÇALVES, 1996, p. 31).
Esse interesse não ficou apenas retido geograficamente a essas
três cidades citadas, ele se estendeu pela maioria das cidades do Brasil
– política de preservação –, uma vez que todas possuem como espacia-
lidade urbana o Ecletismo decorrente do final do século XIX e início do
XX e, dentro dessa temática, objetos materiais, ou seja, uma arquitetu-
ra edificada que representa sinônimo de modernidade e modernização
das cidades nacionais.
O conjunto remanescente do Centro e dos bairros vizinhos ao Cen-
tro de Aracaju possui objetos de valor histórico e arquitetônico que re-
presentam o que se chama de “Mentalidade de uma Época”, propiciada
pela implantação de um projeto de traçado urbano (Quadrado de Pirro),
mais edificações que rechearam suas ruas ao logo dos anos, formadas
inicialmente pelo Ecletismo e seus “neos”, acrescidos pela Art Nouveau
e, posteriormente, pelo Art Déco, Proto e Modernismo. Esse conjun-
to remanescente pode ser caracterizado no mínimo de duas formas:
1) Como repetição de padrões copiados de outros locais; 2) Como ele-
mentos possuidores de originalidade que podemos chamar de invenções
locais. Contudo, é a mistura entre essas duas condições que formam uma
DIVERSA e COMPLEXA representatividade arquitetônica e urbanística.
Para que possamos “ressignificar” o sentido da Originalidade e da
não Originalidade desse conjunto remanescente da área histórica central
de Aracaju e de seus bairros vizinhos, se torna necessário, inicialmente,

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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um entendimento comparativo entre o Ecletismo realizado na Europa,
no Brasil e em Aracaju.
O interessante é considerar que o traçado de Aracaju, na sua
“modernidade”, vinha carregado da ideologia marcante da época, por
provocar uma derrota de “inimigos” considerados tradicionais, no caso,
o urbanismo “impossibilitador” do “progresso”, representado pela lo-
calização e espacialidade da cidade de São Cristóvão (antiga capital de
Sergipe). Essa ideologia seria praticada com mais “entusiasmo” futura-
mente no Brasil, nas cidades de Belo Horizonte, Goiás, Brasília e Palmas.
No entanto, naquele momento, apesar da ideologia marcante do progres-
so assumir as “rédeas” do traçado de Aracaju, a Arquitetura era feita de
um historicismo revivido nos elementos decorativos inspirados e re-
sultantes da Belle Epoque parisiense da metade do XIX, que alimentava
gostos, sabores e odores.
Esse “gosto” e “sabor” que depois foi alcunhado e, pejorativamen-
te, tratado nas correntes modernista como inimigo (Ecletismo), que
recheou todo o Traçado de Pirro de Aracaju, se estendendo as outras
cidades nacionais, que eram embaladas pela mentalidade da época, ali-
cerçada e condicionada pelo progresso. Desta forma, por quase 50 anos
(1930 até 1980), esses conjuntos ficaram sendo tratados como não
possuidores de valores patrimoniais, até que, movido pela ampliação de
um “problema” de identidade e memória mais diversa e complexa, a
política nacional de preservação se debruçou sobre o tema.
Naturalmente, essa temática – cidade do final do XIX até metade do
XX – nos representa, ou seja, as cidades brasileiras, na sua maioria (áreas
históricas urbanas), são formadas por um patrimônio histórico-monu-
mental resultante de uma estrutura urbana e de edificações do final do
século XIX, do início do XX até sua metade, que tem uma série de des-
dobramentos/transformações/reconstruções/destruições físicas urba-
nísticas, como suas principais características e alicerce cultural do mate-
rial representativo de nosso meio de vida urbano nacional. Desta forma,
podemos confirmar a imperativa necessidade de proteger esse conjunto

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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remanescente do Bairro Central de Aracaju, formado especialmente
pelo conjunto dos Mercados; das três praças centrais e das edificações
isoladas nos bairros vizinhos ao Centro.
Por meio do conceito reflexivo de “ressignificar” a importância do
conjunto remanescente de Aracaju, encontra-se a possibilidade de apro-
fundamento de várias temáticas da arquitetura nacional. Esse conjunto
representa além de uma mera questão de imitação (não originalidade),
também um modo de vida movido por uma dialética constante entre a
razão da arquitetura e as razões éticas, sociais e políticas de uma classe
burguesa em ascensão, que culminaram em uma espacialidade origi-
nal, a qual acabou determinando o período que vai da metade do século
XIX até a metade do XX, tendo origem na crise da época clássica até o
abandono e derrota total de qualquer referência aos estilos históricos
(FABRIS, 1987, p. 10).
Portanto, Aracaju e seu conjunto remanescente central, espe-
cialmente os Mercados e seu entorno (Antônio Franco; Thales Ferraz
e Albano Franco), o conjunto das três praças e seu entorno (Fausto
Cardoso; Almirante Barroso e Olímpio Campos) e várias edificações
isoladas e em conjunto dos bairros vizinhos ao centro (Santo Antônio;
Industrial; São José; Cirurgia; Getúlio Vargas; Siqueira Campos; etc.)
representam, dentro do contexto das transformações arquitetônicas e
urbanas sofridas pelas cidades brasileiras, conceitos representativos da
diversidade e complexidade heterogênea da vida nacional. Se esse con-
junto remanescente não for protegido, não haverá mais a possibilidade
de “fruição” por parte das gerações futuras.
Sobre o Ecletismo em Aracaju, comparado a outras cidades brasi-
leiras e mundiais, os objetos aqui remanescentes também se enquadram
como temática de representação patrimonial, ou seja, em todos os locais
esses revivais buscaram se direcionar para uma questão de “Estilo Nacio-
nal”. Na Itália, o Ecletismo se expressou mais através do Neorromântico
ou do Neorrenascimento; já na França e na Inglaterra, por meio do Neo-
gótico. Nesses locais, independente do historicismo buscado, todos

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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queriam encontrar ou afirmar patriotismo e a busca das próprias raízes.
No Brasil e em Aracaju, não foi diferente. Assim, aqui se pode verificar, jun-
to aos vários “neos” não originais, elementos como frutas tropicais extraí-
das da cultura local, como os índios acima dos capitéis do pórtico de entra-
da da Ponte do Imperador, na frente da Praça Fausto Cardoso (Figura 14).
Outra característica marcante do Ecletismo em Aracaju é a mani-
festação diversa e fragmentária de edificações, fruto de uma constante in-
quietude intelectual, que marca singularidades e individualidades expres-
sivas, mas que, apesar da possibilidade de reconhecer traços individuais
de arquitetos ou estilos de outros países (como por exemplo, o neorre-
nascentismo de arquitetos ou mestres italianos que por aqui estiveram
presentes, por exemplo, na ornamentação do Palácio Olímpio Campos
ou no afrancesamento da Cúria Metropolitana (Figura 15), essa mesma
arquitetura representa o conceito nacional vigente nas cidades da época.
Sendo assim, a arquitetura não poderia mais ser patrimônio de poucos
mestres e deveria ceder às novas exigências da produção de massa e a um
novo modelo de profissional: O Projetista (FABRIS, 1987, p. 12).

Figura 14: Ecletismo nas colunas da entrada da Ponte do Imperador,


encimada por elementos indígenas – muito utilizados no Ecletismo
e no Art Déco em Aracaju. Fonte: Donizeti da Silva, 2013/2017.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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A B

Figura 15: A – Palácio Olímpio Campos na Praça Fausto


Cardoso – Ecletismo com Neorrenascimento ornado
por deusa grega da vitória encimando platibandas
laterais; B – Cúria Metropolitana – Ecletismo
afrancesado com cúpula em escama e platibanda com
compoteiras. Fonte: Donizeti da Silva, 2013/2017.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

60 | 214
Então, como na maioria das cidades brasileiras da época, a arqui-
tetura de Aracaju colocou-se sob as égides de regras concretas e meto-
dologias baseadas nas ornamentações “neos”, fato que se pode atribuir
como portador de um conceito de não originalidade, ao mesmo tempo,
que se incidia sobre os projetistas locais uma necessidade intensa de li-
berdade prática criadora, apesar de fortemente assistida e policiada pela
teoria. Mas, essa aparente contradição Originalidade X Não Originalidade
pode ser visualizada como a própria essência do Ecletismo, ou seja, de
que esse antagonismo é na verdade a constituição de sua natureza.
É nesse antagonismo ou pretensa disputa que o conjunto rema-
nescente de Aracaju demonstra a questão da busca da modernidade e
do progresso (especialmente movido pelo anseio da melhoria de con-
dições de vida e conforto). Desta forma, as edificações remanescentes
de Aracaju mostram melhorias técnicas e higienistas, como no conjunto
de Palacetes no entorno das praças centrais (Palácio Fausto Cardoso, da
Assembleia, da Justiça e Inácio Barbosa – Figura 16), nas edificações de
escolas no entorno das Praças Centrais (Colégio Jackson Figueiredo e a
Antiga Escola Normal – Figura 17) e nos imóveis ecléticos com novas
soluções tipológicas – telhados, hidráulica, insolação e ventilação (Rua
Santo Amaro n. 05, 09 e 13 – Figura 18). Todos representativos de uma
nova clientela burguesa que se instaurava na cidade, situação urbana
também capaz de ser vista em muitas outras cidades nacionais.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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A B G

C D H
E F

Figura 16: A – Palácio Fausto Cardoso; B – Palácio da


Assembleia, atual Câmara de Vereadores; C – Palácio
da Justiça; D – Palácio Inácio Barbosa, Prefeitura
de Aracaju. Fonte: Donizeti da Silva, 2013.

Figura 17: E – Colégio Jackson Figueredo na praça Olímpio


Campos; F – Antiga Escola Normal, atual Centro de Artesanato,
na Praça Olímpio Campos. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

Figura 18: G e H – Rua Santo Amaro, 05, 09 e 13;


imóveis na esquina da Praça Olímpio Campos.
Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

62 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


No conjunto eclético remanescente de Aracaju podemos distin-
guir, como nas outras cidades brasileiras portadoras desse tipo de patri-
monialidade, quatro tipos gerais de cultura arquitetônica:
1 – construções dentro de uma composição estilística baseada
na adoção imitativa (“não original”) de formas do passado, das
quais se percebe a predominância de formas neoclássicas (Palácio
Olímpio Campos e Palácio Fausto Cardoso) e também relacionadas
ao neogótico (Catedral Metroplolitana de Aracaju) – (Figura 19);

2 – construções de um historicismo tipológico (“não originais”), as


quais eram sempre voltadas para um estilo orientado para uma
finalidade, como funções públicas, escolas, lazer etc., e que vão
empregar o classicismo, o neo-barroco e o neorrenascentismo
(Prédio da Delegacia do Ministério da Fazenda; Procuradoria Geral
– Palácio da Justiça; Camâra de Vereadores de Aracaju; Palácio
Inácio Barbosa, Cúria Metroplolitana; Colégio Jackson Figueiredo;
Memorial do Poder Judiciário de Sergipe etc.) – (Figura 20);

3 – edificações de menor porte que procuram imitar as soluções


empregadas nas edificações mais monumentais ou de maior im-
portância na cidade, ou seja, cópias de menor tamanho (“originais”)
e que empregam ornamentações e soluções tipológicas de “neos”
variados, mas que fazem lembrar as edificações mais importantes e
marcantes do entorno e vizinhança mais correlata (imóveis à esquina
da Praça Olímpio Campos: Rua Santo Amaro, 05, 09 e 13; imóvel na
Praça Olímpio Campos, 673/681; imóvel na Praça Olímpio Cam-
pos, 619, e na Travessa Benjamim Constant, 68, etc.) – (Figura 21);

4 – edificações formadas por feições denominadas de pastiches com-


positivos, possuidoras de grande margem de soluções inventivas, às
vezes comentada por outros estudiosos como de “mau gosto”, às ve-
zes também chamadas de bricolagens (FABRIS, 1987, p. 15), mas que
sempre são capazes de demonstrar questões técnicas construtivas

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

63 | 214
interessantes e avançadas. um dos exemplos mais marcantes des-
ta originalidade é expressa pela espacialidade edificada no Mercado
Antônio Franco, especialmente entre o ecletismo conservador e va-
riado de “neos” que compõem as edificações, em contraponto com
a solução arquitetônica de colagens variadas e inventivas, às vezes
desproporcionais, como a torre do relógio central Figura 22).

B C

Figura 19: A – Palácio Olímpio Campos, “segunda metade do século XIX,


reformado no início do século XX pela missão artística italiana”; B – Palácio
Fausto Cardoso (antiga Sede da Assembleia Legislativa). Construção da
segunda metade do século XIX, passando por reforma no início do século XX;
C – Catedral Metroplolitana, séc. XIX, passando por reformas no início do
séc. XX. Fonte: Donizeti da Silva, 2013, 2014 e 2017, respectivamente.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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B C D

A E F G

Figura 20: A – Prédio da Delegacia do Minsitério da Fazenda, segunda metade do século XIX.
Propriedade do Ministério da Fazenda; B – Procuradoria Geral, Palácio da Justiça; C – Câmara de
Vereadores de Aracaju, segunda metade do século XIX; D – Palácio Inácio Barbosa, Prefeitura
de Aracaju; E – Cúria Metropolitana, Arquitetura religiosa da segunda metade do século XIX,
passando por reformas no início do século XX; F – Colégio Jackson Figueredo; G – Memorial
do Poder Judiciário de Sergipe. Fonte: Donizeti da Silva, 2014 (B, C, D, E e G) e 2017 (A e F).

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A B C

D E F

Figura 21: A – Casa na Rua Santo Amaro (Praça Olímpio Campos), 05; B – Casas
na Rua Santo Amaro, 09 e 13; C – Casa na Praça Olímpio Campos, 673/681
(padaria); D – Casa na Praça Olímipio Campos, 619; E – Casa na Travessa Benjamin
Constant, 68; F – Rua Itabaiana, 876. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

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A B
C D

Figura 22: A – Vista geral da área dos Mercados


de Aracaju, Centro; B – Vista geral do Mercado
Antônio Franco pela Av. Ivo do Prado; C – Relógio
do Mercado Antônio Franco; D – Interior do
Mercado Antônio Franco. Fonte: Donizeti da
Silva, 2013 (C), 2014 (B), 2017 (A e D).

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Independente dessas especificidades da arquitetura remanescente
de Aracaju, os conceitos temáticos e sintomáticos que caracterizam essa
arquitetura como temática nacional e representativa de um modo de via,
ou melhor, de uma Mentalidade de Época, podem ser assim registradas:
a) que a arquitetura Eclética remanescente de Aracaju demonstra,
como em outras cidades nacionais deste período, que cada “cópia”,
cada “réplica”, ou melhor, que cada “tentativa” produziu uma ar-
quitetura própria e, ao mesmo tempo, contraditória, o que se pode
chamar de protótipo do século XIX, conceito que também se es-
tendeu a outras tipologias construtivas até a metade do século XX;

b) que a arquitetura eclética remanescente de Aracaju demonstra,


como nas demais cidades nacionais, uma criatividade que sofria
com regras de erudição, por isso havia projetos cheios de prudên-
cia e timidez plástica/artítica, mas que não impediam grandes so-
luções técnicas (prova do que se denominou de esvaziamento da
arquitetura ou rotina vazia;

c) o conjunto eclético remanescente de Aracaju é capaz de repre-


sentar o que foi chamado por muitos teóricos de Dualismo, existen-
te entre engenheiros e arquitetos (FABRIS, 1987, p. 16). Entretan-
to, esse mesmo dualismo será responsável, mais à frente (1950),
pelos avanços e relações encontradas entre a técnica/cálculo e a
construção de edificações da arquitetura moderna/contemporâ-
nea (nota-se essa provocação da paisagem urbana de Aracaju quan-
do se compara a edificação eclética horizontal do Mercado Antônio
Franco/Thales Ferraz versus a verticalidade do edificio modernista
“Maria Feliciana”, Prédio do Estado de Sergipe – Figura 23).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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Figura 23: Mercado Thales Ferraz e ao fundo o
Edifício Maria Feliciana – diversidade e complexidade
na Arquitetura. Fonte: Donizeti da Silva, 2017.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

69 | 214
A Originalidade e a não Originalidade presentes nos remanescen-
tes Ecléticos de Aracaju também podem ser inseridos em uma especi-
ficidade temática da arquitetura nacional da época, ou seja, na mudan-
ça/evolução da tecnologia das construções e da modernidade da casa
(FABRIS, 1987, p. 16).
Dentro da questão das composições estilísticas, do historicismo ti-
pológico, das cópias de menor tamanho e dos pastiches compositivos,
encontram-se, no conjunto eclético remanescente de Aracaju, cons-
tantes dúvidas que fizeram parte de toda arquitetura nacional, as quais
rechearam as cidades do final do século XIX e se estenderam até a meta-
de do XX. Tais dúvidas surgiram em função das discussões trazidas pelo
confronto comparativo da “nova” construção com os modelos propostos
pelos revivalismos. Somou-se a isso, a comparação da proposta eclética
às construções típicas da região. Independente da escolha de qual era a
melhor solução, ou a mais “original”, os tratados renascentistas e do clas-
sicismo se tornaram expressivamente conhecidos e debatidos.
Em Aracaju, esses ornatos de diferentes épocas podem ser verifica-
dos nas construções Ecléticas remanescentes. Entretanto, mesmo sofren-
do introduções de ajustes e elementos locais na busca de uma identidade
arquitetônica local, estas edificações compõem representações ímpares
no quadro da arquitetura nacional, como por exemplo, a edificação do
atual Arquivo Judiciário (Figura 24). A referida edificação emprega, além
dos ornamentos clássicos e renascentistas como “pele” decorativa, signi-
ficante proposta técnica higienista/sanitarista com a introdução de um
porão para servir como camada de ar de amortecimento às umidades que
vinham do solo, bem como do recuo lateral e entrada lateral para permitir
uma melhor condição de “conforto ambiental”(iluminação e ventilação
laterais naturais, além, é claro, de ajardinamento lateral).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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Figura 24: Memorial do Arquivo Judiciário de Sergipe; percebe-se a
elaboração dos porões, entrada e ajardinamento lateral, bem como, adoção
de novos tipos de janelas com a preocução da iluminação e ventilação
(paradigma sanitarista/higienista). Fonte: Donizeti da Silva, 2013.

Quando, no século XIX, as edificações se afastaram uma das outras,


novas necessidades técnicas foram adotadas, como pode-se observar as
coberturas/telhados, como calhas, rufos e condutores, uma vez que há o
uso de platibandas e não mais beirais nos telhados do Arquivo Judiciário.
Em outras edificações, apareceram diagonais que quebram a platibanda
e que provocam a necessidade de rincões expressivos, como no telha-
do do Prédio da Delegacia do Ministério da Fazenda (Figura 25). Assim,
caixas de passagem, caixas de coleta de águas pluviais e inúmeras outras
questões tecnológicas foram implantadas na lateral do recuo executado.
Também nas esquadrias, nas portas e janelas foram praticadas questões
de novas técnicas de vidros e ferragens (REIS FILHO, 1987, p. 43; 63).
Todas as construções ecléticas descritas nos remanescentes de Aracaju
contêm essas questões que devem ser preservadas e protegidas pelo
Governo Federal.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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Figura 25: Prédio da Antiga Delegacia do Ministério da Fazenda, com detalhe
da platibanda com “quinas” em diagonais, demonstrando a necessidade de
novas técnicas para execução dos telhados. Fonte: Donizeti da Silva, 2017.

Uma situação expressiva como representação da arquitetura na-


cional é entender que os remanescentes Ecléticos de Aracaju propiciam
a possibilidade de entender uma Mentalidade Construtiva e Humana da
Época. Ou seja, na tipologia que se definiu como cópias de menor tama-
nho, e que Reis Filho melhor definiu como “Miniaturas dos Palacetes”
(REIS FILHO, 1987, p. 64), encontra-se uma atenção aos elementos da
construção, aos materiais e às técnicas construtivas. Essa atenção irá mol-
dar uma das características mais especificas da arquitetura modernista no
Brasil, isto é, o interesse pelo equilíbrio entre a técnica e a beleza, entre a
estrutura e a forma, entre o novo e o antigo.
Esses remanescentes, representação de pequenos palacetes,
em Aracaju, podem ser vistos na Rua Itabaiana, na casa 208; na Rua de
Santo Amaro, nas casas 5, 9 e 13; na Avenida Ivo do Prado, 130, 226,
232 e 246, especialmente, nos bairros vizinhos à área histórica central de
Aracaju, como no Bairro São José, na esquina da Rua Itabaiana com a Rua
Senador Rollemberg (Figura 26).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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A B C

D E F

Figura 26: A – Praça Olímpio Campos, 208; B e C – Santo Amaro, 05; 09 e 13;
D – Av. Ivo do Prado, 130; E – Av. Ivo do Prado, 226 e 232; F – Av. Ivo do Prado,
246; G – Residência na esquina da Rua Itabaina com S. Rollemberg, Bairro
São José. Fonte: Donizeti da Silva, 2013 (A), 2014 (B, C, D, E e G), 2017 (F).

73 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


Uma das questões de maior importância a ser preservada na arqui-
tetura são as técnicas de desenho que resultam nas ornamentações e no
próprio volume da edificação. As construções ecléticas têm o volume
inspirado na geometria mongena (FABRIS, 1987, p. 17), e esta forma
recebe inúmeras ornamentações e decorações revivalistas.
Nos remanescentes das construções Ecléticas de Aracaju, encon-
tram-se modinaturas de vários “neos” (agulhas, capelas, absides, festões,
guirlandas, coroamentos, cartelas, pinhões, corucheús, escamas, frisos,
gárgulas, volutas, medalhões etc.), janelas de arco, de timpano triangular,
de timpano cimbrado, com bossagens maneiristas, platibandas com co-
roamentos de vasos, estátuárias etc. Nas fachadas, também, encontram-
-se vários elementos do Renascimento, como as janelas com frontões
triangulares e/ou cimbrados.
A exemplo dessa composição relacionada às ornamentações, a Pon-
te do Imperador demonstra um originalidade de interesse, uma vez que,
sobre os grandes pilares do pórtico de entrada, coroam estatuárias com
tema indígena e, sustentando a laje Art Déco, com colunas neo-egípcias
estilizadas. Já na platibanda do atual Prédio da Delegacia do Ministério da
Fazenda, percebem-se pequenas urnas cinérias ou vasos, mas o que cha-
ma a atenção na composição do desenho é a grande curvatura na plati-
banda no centro da edificação, enfeitada por um medalhão em alusão
à ideologia da república/progresso. O Coreto da Praça Fausto Cardoso,
além de exibir uma cobertura em forma de chapeú bulboso, possui ré-
plicas de pequenas colunas com capitéis inpirados na ordem jônica. Em
meio à simplicidade da forma geométrica do Palácio Fausto Cardoso, des-
tacam-se as meias sacadas com guarda-corpo inspirado nas baulastradas
romanas, num simulacro neo-barroquizado. Já o antigo Palácio Provincial
(Palácio Olimpio Campos) é uma das representações de colagens ecléti-
cas mais expressiva do conjunto das três praças que pleiteam a proteção.
Nele se arrigimentam vários ornamentos classicistas, entretanto, essa
mesma tentativa de réplica disvirtuada direciona-se a uma originalidade
de forte individualidade, tendendo para um ecletismo local (Figura 27).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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A B C D

E F G H

Figura 27: A – Colunas ecléticas encimadas por esculturas indígenas na Ponte do Imperador;
B – Colunas neo-egípcias estilizadas, sustentando a laje da Ponte do Imperador – Art Déco; C – Urna
cinéria compondo a fachada da Antiga Delegacia do Ministério da Fazenda; D – Platibanda com Brasão
da República na platibanda central do prédio da Delegacia da Fazenda; E – Coreto eclético da Praça
Fausto Cardoso; F – Coluna em estilo jônico amaneirado; G – Ecletismo do Palácio Fausto Cardoso,
com baulastradas por toda a sua extensão; H – Colagens renascentistas e clássicas por toda a fachada
do Palácio Olímipio Campos. Fonte: Donizeti da Silva, 2013 (A, B, E, G e H), 2017 (C, D e F).

75 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


As ornamentações que compõem as fachadas das edificações re-
manescentes de Aracaju formam um conjunto de objetos de extremo
valor escultórico e decorativo, representativo da Mentalidade Ornamen-
tal da Época no Brasil. Sendo assim, a formação dos arquitetos deveria
transitar não apenas pelo campo da estrutura, mas também pelo campo
das belas artes e do desenho.
Se houver a possibilidade de uma indicação de que o conjunto ar-
quitetônico Eclético de Aracaju carrega em si a ideia e a inspiração do
conhecimento das arquiteturas do passado, inseridas por questões
culturais locais, e que isso resultou não apenas em simulacros, mas na
produção de diversidade e complexidade construtiva de significância,
poderia ser reconhecido que a maioria das edificações ecléticas rema-
nescentes e que pleiteam proteção demonstram grande Originalidade
Construtiva, mesmo atendendo a um receituário de réplicas revivalistas.
Exemplos desse ecletismo diferenciado, carregado de Originali-
dade, pode ser verificado no Palácio da Justiça na Praça Fausto Cardoso.
Nessa edificação, chama atenção a volumetria, composta por três massas
corpóreas, sendo que as massas laterais são rebatimentos/espelhamen-
tos idênticos das formas e ornamentos, e a parte central se desarticula
das laterais em um jogo de saliências e reentrâncias volumétricas, inclu-
sive no pavimento superior que salta à frente do inferior e é sustentado
por cachorros (mãos francesas) sobre a portada principal. Tal originali-
dade da forma também é verificada na própria decoração da platibanda,
na qual, nas laterais, apesar de chamar a atenção o grande tímpano ar-
redondado com medalhão circular ao centro, os elementos que se des-
tacam, numa desproporcionalidade evidentende, são os vasos ou urnas
cinerárias que encimam a fachada do volume central. Nos dois corpos
laterais da edificação, no pavimento superior, chamam a atenção o design
das janelas que, na parte superior, seguem a curvatura do tímpano em
arco da platibanda (Figura 28). A réplica em menor escala desse Palá-
cio pode ser visto no entorno da Praça Olímpio Campos, na casa 208
(Observações visuais realizadas por Eder Donizeti da Silva, 2013).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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A

Figura 28: A – Palácio da Justiça na Praça Almirante Barroso; detalhes das


laterais, platibandas, parte superior sustenta por “cachorros” (mísula);
B – Casa na Praça Olímpio Campos, 208, com platibandas imitando a forma
da platibanda do Palácio da Justiça. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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O Palácio Inácio Barbosa, no entorno da Praça Olímpio Campos,
é um exemplar de originalidade interessante, uma vez que, apesar da
simplicidade de ornamentações, demonstra, como o Palácio da Justiça,
uma composição de massas e formas, num jogo de saliência e reentrân-
cias, de movimentação, com uma colagem de pilastras classicistas dig-
nas de nota, despropocinalizada de um Palladianismo inspirador, além
dos desenhos das janelas que se diferenciam na parte térrea da superior.
A parte superior possui janelas de inspiração colonial, nas quais, in-
clusive, se mantém uma tradição de construção portuguesa, em que
as vergas laterais e superiores ou ombreiras são pintadas com cores
diferentes da massa total da edificação, sobressaindo-se. Já as janelas
da pavimentação térrea, apesar de retangulares e encaixadas como se
fossem um baixo relevo, têm como destaque a ornamentação colocada
acima da verga em forma de um tipo de guirlanda classicista bem simples.
Na parte superior, coroando as laterais da platibanda, destacam-se duas
aves (aguias), fazendo lembrar o edifício Eclético da Antiga Estação de
Trens na cidade do Recife (Pernambuco), representativo do progresso e
da tecnologia. No entanto, a grande inspiração vem do Palácio do Catete,
no Rio de Janeiro, que ficou conhecido como Palacete das Águias, um dos
maiores exemplares da Arquitetura Neoclássica no Brasil (Figura 29).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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Figura 29: Colagens de
pilastras ao gosto Palladiano
no Palácio Inácio Barbosa
na Praça Olímpio Campos;
detalhe da águia na quina
da platibanda lateral. Fonte:
Donizeti da Silva, 2014.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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Uma das edificações Ecléticas mais interessantes do conjunto re-
manescente das três praças é a antiga Residência Vitorino Mandarino
(Cúria Metropolitana), que poderia facilmente ser incluída como um dos
representantes mais expressivos do Ecletismo brasileiro na tipologia dos
pastiches poliestilísticos, uma vez que exemplifica todas as alterações téc-
nicas construtivas impostas durante o paradigma higienista/sanitarista,
como: as entradas laterais (afastamento dos vizinhos); a técnica constru-
tiva inovadora dos telhados; o espaçamento diferenciado das funções do
interior, evidenciando o mundo dos homens e o mundo das mulheres
(escritório/áreas íntimas/sociais e serviços). Já na ornamentação da es-
trutura, pode-se vislumbrar uma polifonia ornamental, que mal os olhos
podem apreciar num único relance, desde a massa principal do volume
de esquina, que causa uma desproporção no corpo da edificação e que é
encimada por uma cúpula de forma afrancesada, recoberta por telhas em
forma de escamas de peixe, até a platibanda recheada por uma série de
ornamentações, que vão desde vasos a festões e todo o corpo da fachada
enfeitado por um grande número de modinaturas e sobrecarregado de
elementos decorativos (Figura 30).

Figura 30: Residência Nicola Mandarino – Cúria Metropolitana –, na


Praça Olímpio Campos, detalhe da cúpula e modinaturas afrancesadas,
estilo rococó. Fonte: Donizeti da Silva, 2017, direita 2014.

80 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


Segue esse mesmo estilo afrancesado, num neoclassicismo dig-
no das contruções francesas de 1900, o Memorial do Poder Judiciário de
Sergipe, no qual se destaca o jogo de pilastras clássicas com grande re-
petição no ritmo, tanto na parte térrea quanto na superior, chamando a
atenção o trabalho de floreal em ferro martelado das sacadas falsas das
janelas (Figura 31).

Figura 31: Memorial do Poder Judiciário, jogo de pilastras


em ritmo repetido; trabalho floreal em ferro martelado
nas sacadas falsas. Fonte: Donizeti da Silva, 2017.

A Catedral Metropolitana retrata a lição feita na arquitetura brasi-


leira do final do século XIX, no jeito e na possibilidade técnica disponível
de se fazer Igrejas na época, ou seja, é capaz de demonstrar a essência
das questões neogóticas aplicadas no Brasil, que demonstravam o domí-
nio de se erguer edifícios em um único bloco. Outra lição apreendida e
possível de ser verificada nessa edificação é a relação estrutura-decora-
ção, dentro de um princípio ideológico de economia. Assim, no interior,
não se veem as abóbadas nervuradas, mas sim uma grande abóbada de
berço, na qual a pintura decora o nervuramento e ornamenta o interior
da edificação (fingidos). Mesmo com esta simplicidade estrutural, ainda

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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dominam a “pele/fachada” os arcos ogivais das janelas e se impõem com
supremacia sobre o corpo da edificação o volume verticalizado das duas
torres em forma de grandes setas. Chama atenção a argamassa de reves-
timento (reboco) das cúpulas em forma de setas, uma vez que refletem
em pequenos grãos de areia (pó de pedra ou mica) um brilho, ao serem
expostas ao sol, fazendo lembrar os materiais empregados no período
Art Déco, nas paredes das edificações que formavam jogo de sombras e
reflexos (Figura 32), como os utilizados no edifício dos Correios, na cida-
de de Penedo (Alagoas), e muito presentes no conjunto Art Déco tomba-
do pelo IPHAN na cidade de Goiânia (Goiás).

Figura 32: Catedral metropolitana de Aracaju, Praça Olímpio Campos,


detalhe da Torre em concepção de revestimento Art Déco – pedras
vítreas. Fonte: Donizeti da Silva, esquerda e centro 2013, direita 2017.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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Outra edificação de grande destaque na Praça Olímpio Campos é
o da Antiga Escola Normal que faz uma tentativa de cópia do Petit Palais,
do arquiteto Charles Giraut, em Paris, em 1900, mas de forma inventiva
e com originalidade. Ou seja, é uma construção que se enquadra na ti-
pologia das edificações realizadas para abrigar as grandes exposições da-
quele período e, portanto, merecem destaque na constituição do espaço
urbano nas cidades brasileiras. O Edifício da Antiga Escola Normal possui
uma horizontalidade que predomina em todo o seu volume de massa,
em seu interior encontra-se um pátio que faria alusão a um jardim, uma
área de convivência; nas suas extremidades dominam cúpulas afrance-
sas, bem como no centro da edificação, a cúpula central, destaca-se do
volume horizontal. Nas laterais dessa cúpula, podem-se ver elementos
clássicos (tímpanos triangulares), bem como pilastras com capitéis em
estilo neo-coríntio, ornando a ombreira da entrada principal, que provo-
ca um encaminhamento a partir da escadaria que a centraliza interna-
mente. No “claustro” ou pátio interior se destacam varandas sustentadas
por colunas de ferro floreais, bem como o guarda-corpo dessas varandas,
as quais se remetem ao Art Nouveau, numa forte referência à Arquite-
tura do Ferro no Brasil (Figura 33).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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Figura 33: Antiga Escola Normal – atual Centro de Artesanato –, com
cúpulas afrancesadas e tímpanos triângulares; interior em ferro martelado
em estilo floreal – Art Nouveau. Fonte: Donizeti da Silva, 2013.

Em grande número, nas edificações ecléticas remanescentes, na


área das praças e no entorno dos mercados, verificam-se pastiches e
bricolagens. Também chama a atenção elementos medievalistas, como
as bossagens nas laterais das quinas das construções, como no caso
das pilastras do Mercado Antônio Franco e do Prédio da Loja Maçônica
Cotinguiba, que se repetem em vários sobrados ecléticos na área e nos
bairros vizinhos ao centro, como no Solar dos Rollemberg, no Bairro São

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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José. Essas são as marcas expressivas da arquitetura eclética da Antiga Figura 34: A – Assentamento C
das “pedras/ornatos’ nas quinas
Alfândega de Aracaju, na qual as “pedras” e ou “falsos ornamentos” que
laterais do Mercado Antônio
compõe as laterais e arremates das pilastras se destacam, demonstran- Franco; B – Edifício da Loja
do um domínio por uma das técnicas construtivas/enfeites das mais Maçonica Cotinguiba do início
antigas: a estereotomia (arte de cortar e assentar pedras). Nesse caso, do século XX, a Loja se instalou
em Sergipe em 1887; C – Solar
o desenho possui uma originalidade ímpar, uma vez que as “pedras” zi- dos Rollemberg, início do
guezagueiam, formando um jogo de desalinhamento/alinhamento que século XX; D – Assentamento
não faz lembrar as “rusticações” típicas do período medievo, presentes em ziguezague das pedras
nas quinas laterais da Antiga
nos calabouços das masmorras dos castelo europeus que deram origem Alfândega de Aracaju.
a esse padrão revivalista (Figura 34). Fonte: Donizeti da Silva,
Esse desenho de embossamento das pilastras também pode ser vis- 2013 (A e C), 2014 (B),
2017 (D), considerada uma das
to em várias edificações da Avenida Ivo do Prado, como no sobrado, 352. primeiras edificações da cidade.
Às vezes, essa decoração adentra nas tipologias neocoloniais e resultam
em exemplos ditos por alguns como de mau gosto (FABRIS, 1987, p. 8),
como no caso do imóvel na mesma Avenida, 312 (Figura 35).

A B D

85 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


A B

Figura 35: A – Edificação na Av. Ivo do Prado, 352, estilo eclético do início
do século XX; B – Edificação neocolonial hispano-americana, de meados
do século XX, na Av. Ivo do Prado, 312. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

A mesma questão decorativa se repete por muitos outros locais e


objetos ecléticos remanescentes, mas com variações, como é o caso da
parte inferior da construção da Antiga Faculdade de Direito (CULTART),
na qual se tem um trabalho de aparelhamento determinador de um de-
senho das linhas das pedras fazendo alusão ao medievo, sobre as quais se
encimam pilastras com caneluras bem finas no fuste, que terminam em
capitéis revivalistas jônicos. Esses mesmos detalhes de bossagem (rusti-
cação) podem ser verificados no edifício ocupado pelo Hospital Gabriel
Soares, 690, na Rua Itabaiana (Figura 36).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

86 | 214
Figura 36: A – O edifício eclético em
estilo neoclássico CULTART, que foi uma
antiga escola inaugurada em 1917;
B – Hospital Gabriel Soares, na Rua
Itabaiana, 690. Edificação eclética do início
do século XX, com acréscimos ornamentais
do Art Nouveau (rocaille).
Fonte: Donizeti da Silva, 2014 (B), 2017 (A).

Antes da análise do conjunto remanescente de edificações Art B


Déco em Aracaju (1930 a 1950), torna-se necessário revisitar algumas
questões relacionadas à implantação da arquitetura no início do século
XX até sua metade. A maioria das edificações desse conjunto pertencem
duas tipologias ou seja, as construções em formas de chalés e as neocolo-
niais, mas, por uma questão de diversidade e complexidade, não deixam
de estar incluídas no período em que predominou a arquitetura eclética.
O que promove esse conjunto remanescente de Aracaju a ser iden-
tificado como portador de juízo de valor histórico e estético dentro da
arquitetura brasileira? Para responder a essa questão, toma-se como prin-
cípio que esse conjunto remanescente denominado de chales e sobrados
neocoloniais representa uma sociedade, que, conforme as orientações de
Nestor Goulart Reis Filho (Quadro da Arquitetura no Brasil, 1987, p. 53),
revela forte compromisso com o passado recente e com a forma de viver
urbana do século XIX, apesar da busca pela quebra das tradições e da des-
tituição das ideologias (quebra representada, inclusive, pelo Traçado de
Pirro). Juntamente com os chales e sobrados neocoloniais, entre 1920 a
1940, em Aracaju, também tiveram destaque os edifícios comerciais e as
Vilas Operárias. Entretanto, tratemos, primeiro, da justificativa para a pre-
servação dos chales e sobrados neocoloniais no conjunto remanescente.

87 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


Destituição e a não destituição
de preocupação ideológica
Nos remanescentes ecléticos da área histórica central ainda se pode
verificar, em muitas edificações, os conceitos ideológicos que determina-
vam a maneira de viver das pessoas daquela época, ou seja, as edificações
continuam geminadas, e ainda, apesar das mudanças progressistas que
se buscavam, era possível ver os compromissos com um passado rigida-
mente colonial e escravocrata.
As grandes alterações construtivas relacionadas a uma pretensa
industrialização só se fariam presentes nas edificações de Aracaju a par-
tir da Primeira Grande Guerra. As edificações ecléticas, por exemplo, da
Rua João Pessoa, possuem características que colocam esse conjunto
como representação das Transformações ocorridas nas Cidades Brasileiras
entre os Séculos XIX e XX, ou seja, a implantação da edificação no lote ur-
bano segue a rigidez da parede lado a lado, das edificações de tipologias
de dois pavimentos, em que na parte térrea se instalava o comércio, e,
no andar superior, se acomodava a família do proprietário do negócio.
Em muitos desses sobrados ecléticos, funcionavam inicialmente depó-
sitos de caixas de açúcar, posteriormente, foram adaptados para servir a
essa ideologia construtiva da mentalidade da época, ou melhor, Casa e
Comércio (Figura 37).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

88 | 214
Figura 37: Conjunto de sobrados ecléticos do início do século XX de uso CASA
E COMÈRCIO na Rua João Pessoa – Centro. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

89 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


Nestor Goulart Reis Filho (1987, p. 54) descreve a ideologia de im-
plantação das cidades no início do século XX:

Belo Horizonte, surgindo com o século, teria código ainda com a


exigência de alinhamento das construções com a via pública. To-
davia, seu plano, concebido para circulação de veículos de tração
animal, já apresentava um sistema viário amplo e claro.

Então, Aracaju possui um plano de sistema viário amplo e, claro, no


final do XIX e início do XX, como Belo Horizonte, no entanto, as constru-
ções seguiam antigas sínteses de implantação e relacionamento, como
por exemplo, a implantação das edificações lado a lado, sem recuos la-
terais, contrárias ao que se pretendia a partir do paradigma sanitarista.
Outros exemplos de implantação de edificações ecléticas dentro
dessa ideologia das tradições coloniais são representados pelo conjunto
de edificações na Área dos Mercados (Figuras 38 e 39), nos Sobrados da
Avenida Otoniel Dória (Av. Rio Branco – Figura 40) e também nos imó-
veis localizados na Rua Santa Rosa (Figura 41), na Rua José Prado Franco
(Figura 42), no Beco dos Cocos (Figura 43) e como visto, anteriormente,
na Rua João Pessoa.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

90 | 214
Figura 38: Vista da área dos Mercados e entorno do 28º andar
do edifício Maria Feliciana; em primeiro plano o Mercado
Antônio Franco (Relógio Central), Thales Ferraz e Albano
Franco, ao fundo o rio Sergipe. Fonte: Donizeti da Silva, 2017.

91 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


A B

Figura 39: A – Vista do sobrado da rede G.


Barbosa entre os Mercados Thales Ferraz e
Albano Franco, na Rua José Prado Franco;
B – Vista da Rua José Prado Franco, em primeiro
plano a Associação Comercial, ao fundo,
o antigo Colégio Nossa Senhora de Lourdes,
ambos em frente ao Mercado Antônio Franco.
Fonte: Donizeti da Silva, 2013 (B), 2017 (A).

Figura 40: C – Sobrados ecléticos na


Av. Otoniel Dória (Av. Rio Branco).
Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

92 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


A B

Figura 41: A – Imóveis ecléticos na Rua Santa Rosa, entorno


dos Mercados. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

Figura 42: B –Imóveis ecléticos na Rua José Prado Franco


na frente/próximo do Mercado Antônio Franco e entorno
(percebe-se a “imposição do tempo”). Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

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Figura 43: Imóveis Art Déco/ecléticos no logradouro conhecido
como Beco dos Cocos. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

O que ocorreu nas cidades brasileiras, inclusive em Aracaju, foi um


progressivo aumento populacional, o que provoca uma busca por solu-
ções construtivas mais confortáveis e, especialmente, localizadas fora
deste perímetro de comércio e poder mais intenso. Essas novas cons-
truções deveriam demonstrar um novo estilo de vida, prático, elegante,
refinado e, especialmente voltado para o conforto.
Na área central de Aracaju (conjunto das três praças e dos merca-
dos) surgiram bairros periféricos (vizinhos ao centro), nos quais se de-
senvolveu, aos poucos, o que aqui se denominou de Destituição e a não
Destituição de preocupação ideológica. Esta “ressignificação” pode ser
analisada pelos exemplos de chalés e sobrados neocoloniais remanes-
centes, presentes nas seguintes localidades: Av. Ivo Do Prado no Bairro
São José, no Imóvel 312, no conjunto dos Três Chalés na Rua Estância,
53, 63 e 87; na Vila Carmem, localizada na Av. Ivo do Prado; nos chalés da
Rua Itabaiana, 783, 852 e 864; no neocolonial, na Rua Riachuelo, 431,
439, 455 e, 496, e na Rua Campos (Figura 44).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

94 | 214
Figura 44: (Da esquerda para direita)
– Sobrado neocolonial na Av. Ivo do
Prado, 312, no Bairro São José; Sobrados
neocoloniais na Rua de Estância, 53, 63 e 87;
Vila Carmem ao lado do CULTART na
Av. Ivo do Prado, 646; Chalés na rua
Itabaiana, 783, 852 e 864; Sobrados
neocoloniais, rua Riachuelo, 431 e 439; rua
Richuelo, 455; Sobrado neocolonial na rua
Campos, 496. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

95 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


O que promove essas construções em Aracaju e nas outras cidades
brasileiras é o que Reis Filho (1987, p. 54) denominou de uma tentativa
de reconciliação entre a vida urbana e a vida rural, entre a ideologia do
campo e a ideologia da cidade.
Até que ponto pode-se dizer que esses remanescentes presentes
nos Bairros Centrais de Aracaju são capazes de demonstrar a Mentali-
dade de Vida de uma Época? No início do século XX, preocupava-se que
as construções representassem ou fossem as herdeiras conceituais e
construtivas das chácaras coloniais, na tentativa inglória de reconciliar
o homem com a natureza e contra os excessos urbanos produzidos pela
concentração de atividades e edificações nos espaços denominados de
Praças Centrais e Entorno dos Mercados.
Se na Europa se buscava no gótico a principal inspiração para a pro-
dução de residências confortáveis (FABRIS, 1987, p. 22), em Aracaju e
no Brasil, o melhor a fazer era buscar nos revivalismos das casas colo-
niais e nas chácaras o conforto perdido nas construções enfeitadas do
Ecletismo. Não que apenas fossem uma questão estética, ao contrário,
se tratava de uma questão relacionada ao bem viver, às possibilidades
de reencontrar os prazeres da vida rural perdida em detrimento da vida
urbana, perda já declarada nos poemas escritos por John Ruskin, um sé-
culo antes, na Inglaterra (RUSKIN, 1996, p. 3 e 6). Portanto, a principal
ideologia buscada pelos arquitetos da época era aliar, numa mesma cons-
trução, uma chácara e um sobrado, o mundo rural travestido no urbano.
Os arquitetos paulistas, por exemplo, no Bairro dos Campos Elíseos,
em São Paulo, optavam pelos porões altos e programas internos mais
complexos, jardins amplos ao redor das casas e acomodações para a cria-
dagem; Reis Filho (1987, p. 56) escreve esse novo momento ideológico
representado pelas construções em São Paulo, no Brasil e, consequente-
mente, também presentes em Aracaju:

É também essa época das primeiras experiências arquitetônicas mais


atualizadas, que se iniciam com a introdução do Art Nouveau e pas-
sando pelo Neo-Colonial iriam conduzir ao movimento modernista.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

96 | 214
O resultado mais expressivo dessas mudanças em Aracaju foi o da
renovação da implantação da edificação no lote, ou seja, bem diferente da
implantação lado a lado verificada nas áreas das praças e dos mercados.
Neste ponto, a Vila Penteado de 1903, em São Paulo, servirá de exemplo
e influenciará inúmeras construções remanescentes em Aracaju, como a
Vila Carmem e o Solar dos Rollemberg (Figura 45).

A B

Figura 45: A – Vila Carmem e B – Solar dos Rollemberg, exemplos


de construções de mesmo período buscando a destituição e a não
destituição de uma ideologia. Fonte: Donizeti da Silva, 2013/2014.

Os sobrados neocoloniais e chalés remanescentes em Aracaju pos-


suem características que são representações ímpares da arquitetura das
cidades no início do século XX, ou seja, apresentam uma implantação ao
centro de uma quadra, ou melhor, de um lote, que apresentam (nas late-
rais, nos fundos e na frente) ajardinamento no estilo francês. Entretanto,
no cerne de “fazer”, a ideologia das construções coloniais permanece
com os velhos recursos de uma chácara e por que não dizer de uma casa-
-grande rural. Também se veem pés direitos elevados, às vezes com cinco

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

97 | 214
metros, o que dá a essas construções sua principal característica: posição
de domínio no entorno e predominância do volume sobre a vizinhança.
Essas construções remanescentes de Aracaju (chalés e sobrados
neocoloniais) representam a arquitetura residencial brasileira do perío-
do entre as duas grandes guerras mundiais e, possuem, como principais
destituições de ideologias, entre outras, a preocupação de isolar a casa
em meio a um jardim, o desaparecimento de hortas e pomares com sua
redução simbólica a algumas árvores frutíferas. Essas características po-
dem ser reconhecidas como integrantes de uma cultura arquitetônica
nacional no início do século XX.
Na referida época, também surgem conjuntos de habitações
populares com formas especiais de implantação, compostas por fileiras
de casas pequeninas, edificadas ao longo de um terreno mais profundo.
Essa tipologia pode ser ainda encontrada no conjunto remanescente de
Aracaju na Vila Queiroz, conjunto de casas que se abrem para uma ruela
(Figura 46). Em São Paulo, muitas dessas Vilas chamadas de “Operárias”
foram exemplos marcantes de cortiços no início do século XX, especial-
mente, após a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929.

Figura 46: Vila Queiroz,


vila na área central
de Aracaju, no início
do século XX. Fonte:
Donizeti da Silva, 2014.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

98 | 214
No urbanismo e na arquitetura brasileira, uma das ideologias que se
quebram, em meados de 1920, está ligada à crescente separação entre
os locais de residência e trabalho. Os dois exemplos tipológicos que já fo-
ram mencionados – Chalés e sobrados neocoloniais – representam muito
bem esta destituição ideológica em comparação aos conjuntos de sobra-
dos ecléticos ainda remanescentes em toda a área mais central da cidade.
Importante é descrever que o conjunto arquitetônico remanescen-
te de Aracaju, na sua totalidade, ainda é capaz de demonstrar essa desti-
tuição e não destituição ideológica. Isso é possível através da comparação
dos sobrados ecléticos remanescentes nas áreas das três praças e na área
dos mercados com o conjunto de chalés e sobrados neocoloniais implan-
tados nos bairros vizinhos ao centro.
Se nas cidades do Rio de Janeiro e, especialmente, em São Paulo, mui-
tos desses exemplares foram demolidos para dar lugar a edificações mais
verticalizadas – como estacionamentos, lojas de departamentos e outros
paradigmas modernistas –, em áreas urbanas centrais de cidades como
Recife, Fortaleza e, especialmente, de menor porte, como Aracaju, João
Pessoa e Teresina, ainda nos é possível fruir dessa atmosfera de disputa
entre a destituição de uma ideologia e sua manutenção, entre a disputa
de um mundo rural versus um mundo urbano. Em Aracaju, essa atmos-
fera ainda permanece como representação marcante das Transformações
sofridas pelas Cidades Brasileiras entre os Séculos XIX e XX, a qual se espera
proteger, para que possa ser apreciada materialmente e não apenas atra-
vés de fotografias antigas, como é o caso da Avenida Rio Branco, no Rio
de Janeiro (FABRIS, 1987, p. 61).
O que se quer argumentar é que existem duas ideologias marcantes
relacionadas às edificações remanescentes de Aracaju: uma caracterizada
pela ideologia colonial representada pelos sobrados ecléticos na área cen-
tral de Aracaju; outra destituída dessa ideologia, representada por uma
tentativa de ruptura com a questão colonial, mas que necessita dela para
sua materialização, uma vez que o homem urbano dessa época iria buscar
uma identidade perdida no passado colonial. Na arquitetura urbana, esse

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

99 | 214
passado rural perdido seria representado pelas edificações no estilo cha-
lé/chácaras e sobrados neocoloniais e, claro, disponíveis apenas para as
pessoas de condições econômicas mais expressivas. Para os menos favo-
recidos, sobravam, na melhor das hipóteses, as Vilas Operárias.
Desta forma, percebe-se uma espacialidade urbana de extrema
Complexidade e Diversidade, ou seja, neste primeiro terço do século XX
em Aracaju, presencia-se, na questão da destituição ou não de ideolo-
gias, não uma dualidade, mas sim situações que se entrecruzam e se
emaranham e que podem ser exemplificadas mediante três ideologias.
A primeira ideologia é formada pelos conjuntos urbanos arquitetô-
nicos de sobrados ecléticos Comércio/Casa, expressivos nas ruas do en-
torno dos Mercados e na área histórica central, como na Rua João Pessoa
e na Av. Rio Branco. Essas construções materializam uma vida urbana
em franco progresso e adensamento. Entretanto, são mais representa-
tivas do modo de viver dos imigrantes europeus, não que os locais não
tivessem assimilado esse modo de vida, contudo, se ressentiram de seu
passado. Apesar da modernidade imposta por uma nova capital, nota-se
que, até os dias de hoje, as áreas dos Mercados Antônio Franco, Thales
Ferraz e Albano Franco carregam essa atmosfera do “jeito de negociar
do passado”, da vida que tem um ritmo de tempo diferente, que exala
sabores, odores não identificáveis em outras áreas da cidade moderna.
A segunda ideologia se refere aos Chalés e às edificações Neocolo-
niais, implantados nos bairros vizinhos ao Centro, como nas Ruas Estância,
Riachuelo, Itabaiana e Campos, bem como na Av. Ivo do Prado. Essas
construções carregam a “ideia” de um modo de vida rural, ou seja, as
pessoas, por mais que almejassem o progresso, se ressentiam, na sua me-
mória e realidade, acreditavam que haviam perdido algo, o jeito de viver
do campo, os prazeres de uma vida rural – com quintal, pomares, uma
grande cozinha –, a liberdade da individualidade etc. Ruskin (1996) já
havia descrito esse imaginário perdido como pitoresco das casas de cam-
po inglesas. Portanto, esse homem local, mas abastado ou com melhores
recursos, passou a procurar a periferização e a construção dessa ideia por

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

100 | 214
meio da reprodução de casas com as tipologias coloniais/fazenda, toda-
via, com um conforto que poderia ser apenas oferecido no meio urbano.
Tais construções, apesar dos inúmeros avanços tecnológicos, não conse-
guiram se destituir da ideologia do morar no campo.
A terceira ideologia imposta é a da industrialização que, no Brasil,
apesar de tardia, associou-se ao comércio e se materializou em bairros
chamados de industriais, como no caso do Bairro Industrial de Aracaju,
que fica próximo ao centro. Nesse Bairro, foram implantadas, além de
grandes indústrias – como as Fábricas de tecido Sergipe Industrial, em
1884, e Confiança, em 1907, edificações de tipologias conhecidas como
de Vilas Operárias. Entretanto, essa ideologia também pode ser vista em
outras partes da área central de Aracaju, como na Vila Queiroz. Essas
edificações, apesar de buscarem uma vida urbana/industrial, materiali-
zavam características de edificações das fazendas (vilas de agricultores
– as famosas “colônias”), ou seja, casas enfileiradas, repetindo o tipo
(iguais) sem distinção e identidade, a não ser quando um morador re-
solvia acrescentar algum pequeno ornamento identificador de sua per-
sonalidade no oitão da fachada, caso raro, pois todos os operários na
ideologia industrial tinham que ser tratados do mesmo jeito. Contudo,
os serviços hidráulicos tinham que ser comunitários, como o tanque de
lavar roupas, que servia a todos os moradores de forma conjunta, e o
lazer, realizado no pátio ou local comum, vigiados, agora não mais pelos
olhares do capataz, mas pelo encarregado da fábrica ou chefe de turma
que também morava no local.
Essas três ideologias, diferentes, complexas e diversas, coexistem
simultaneamente neste conjunto ainda remanescente de edificações na
cidade de Aracaju, ou seja, nos sobrados Comércio/Casas, nas edifica-
ções estilo Chalé/Chácaras/Neocoloniais e nas pequenas Vilas Operá-
rias. Mas, o que aproximaria essas ideologias formadoras da espacialidade
urbana local? A resposta é que se destituiu e não se destituiu a Ideologia,
isto é, simultaneamente se buscava uma nova vida urbana, mas não se
conseguia mudar o jeito típico e próprio de morar das fazendas, o gosto

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

101 | 214
e a mentalidade rural colonial, representados, entre outros aspectos ma-
teriais, pelas cozinhas grandes, pelas varandas, pelos quintais. Contudo,
esse modo de construir não era mais viável na cidade, portanto, ocor-
reram “simulacros construtivos urbanos”, a partir dos quais essas três
ideologias, representadas por esses modelos edificados, se interligaram,
dialogaram e se amalgamaram. Essa mistura, que vai do início do século
XX até quase sua metade, em Aracaju, produziu uma verdadeira diversi-
dade e complexidade de urbanidade.
A grande questão é que muitas cidades brasileiras, que tiveram
as mesmas situações relativas à destituição ou não dessa preocupação
ideológica na formação da sua espacialidade, não conseguiram manter
integralmente esse conjunto patrimonial representativo. Aracaju ainda o
mantém, podemos vê-lo materialmente edificado nos seus remanescen-
tes, nesse caso, formado pelos sobrados Comércios/Casas, pelos Cha-
lés/Sobrados Neocoloniais e pelas pequenas Vilas Operárias. Porém, se
esse conjunto patrimonial não for protegido, apenas restará às futuras
gerações conhecê-lo através de livros e fotos, bem como, não entender o
que foi esse “modo de viver, morar e construir” das cidades brasileiras no
final do século XIX ao início do século XX.

Independência e/ou dependência


de conceitos estéticos
Os conceitos estéticos que se tornaram regras na transição do
século XIX para o XX na arquitetura e urbanismo nacional estavam as-
sentados sobre algumas regras, como por exemplo, na “Remodelação”
da cidade do Rio de Janeiro, como Capital Federal (exemplificando essa
regra). Nessas transformações urbanas, os pontos culminantes foram as
obras do Ecletismo, sendo que, a partir desse mesmo “ideal” de reno-
vação, ocorre um esvaziamento de significados provocado, entre vários
motivos, pela necessidade do construir rapidamente, como foi o caso de
Belo Horizonte.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

102 | 214
Muitas cidades processaram modelos agenciados por novos ins-
trumentos jurídicos, administrativos e financeiros, que viabilizaram as
transformações em andamento, como no caso de São Paulo. Desta for-
ma, na maioria das cidades, ocorre um amplo procedimento de demo-
lições, desmontes e aterros, como no Rio de Janeiro e em São Paulo; as
obras ditas de grande envergadura foram produzidas no Rio de Janeiro,
em São Paulo e em Belo Horizonte. Uma das principais situações urbanas
foram as aberturas de portos, de novas avenidas, além do alargamento e
complementação de um sistema de ruas (FABRIS, 1987, p. 23).
As palavras-chave desse momento de transição entre os séculos
XIX e XX são: modernizar, embelezar e sanear, ou seja, dar credibilidade
ao um novo sistema, a República e estas cidades, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte e São Paulo, são os grandes exemplos nacionais.
Para entender como o conjunto arquitetônico e urbanístico re-
manescente da área central e bairros vizinhos ao centro de Aracaju são
capazes de representar esses conceitos estéticos presentes na “remode-
lação”, os quais determinaram a espacialidade urbana nacional daquele
período, pode-se fazer um comparativo entre os itens descritos acima
com o que foi implantado nessa cidade. É necessário atentar para o fato
de que nessa “Ressignificação”, devem ser observadas as questões de si-
milaridades e não semelhanças com outras localidades de importância
no Brasil (como as transformações sofridas no Rio de Janeiro, no Gover-
no de Rodrigues Alves, em 1903-1906; a criação da cidade de Belo Hori-
zonte; as intervenções urbanas em São Paulo) e, que aqui se denominou
de Independência e/ou dependência de conceitos estéticos.
Em relação ao conceito Remodelação das Cidades Nacionais, Aracaju
já nasce dentro desse preceito, ou seja, um projeto que pretende – a par-
tir de um novo modelo urbano estético, que possui o traçado retilíneo
ortogonal de suas quadras – a materialização de um desejo real de “in-
dependência” sobre os modelos urbanísticos portugueses, implantados
nos três primeiros séculos no Brasil.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

103 | 214
Esse traçado retilíneo de Aracaju na Avenida Otoniel Dória (Av. Rio
Branco), em frente ao Rio Sergipe (Figura 47); trata-se da possibilidade
de todo um “aformoseamento”, mesmo modelo urbanístico aplicado no
Rio de Janeiro e criticado pelas palavras do poeta Olavo Bilac em crôni-
cas daquela época:

Confesso que só acreditarei na influência que a arquitetura da Ave-


nida há de ter no aformoseamento do Rio, quando vir a architetura
e o estylo das primeiras casas novas. (FABRIS, 1987, p. 54)

Desta forma, Aracaju, seus remanescentes centrais e os bairros vi-


zinhos, representam o modelo de urbanismo presente na virada do sécu-
lo XIX para o XX no Brasil, ou seja, objetos com juízos de valores estéticos
possuidores de uma independência urbanística, pois, diferente do Rio de
Janeiro, que propõe uma remodelação a partir do existente, Aracaju já
ousa nascer livre dos conceitos estéticos urbanos do período colonial/
imperial. Entretanto, ela acaba também representando uma Dependên-
cia desses mesmos modelos de remodelação, como o Rio de Janeiro, a
partir do uso e implantação do mesmo ecletismo e dos conceitos urba-
nísticos carregados da “Bella Époque”, praticados naquela arquitetura e
na das demais cidades brasileiras, como em Belo Horizonte e São Paulo.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

104 | 214
Figura 47: Vista do Rio Sergipe banhando Aracaju; o “aformoseamento”
da cidade se daria a partir dessa relação. Fonte: Donizeti da Silva, 2013.

Se no Rio de Janeiro se abrem grandes avenidas, como a Avenida


Central, em Aracaju, a pretensão é que a cidade já nasça com essa dis-
posição urbana, especialmente no que se refere ao conceito de ruas lar-
gas, como ocorreu na Avenida Barão de Maruim. Contudo, a semelhança
construtiva se dará na liberdade dada aos construtores na aplicação de
revivais, tanto no Rio de Janeiro quanto em Aracaju.
Observa-se uma grande semelhança construtiva das edificações
desse período entre Aracaju e o Rio de Janeiro, na disposição legal de
determinação construtiva de que o mínimo de comprimento da fachada

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

105 | 214
para as edificações das avenidas não deveria ser menor do que 10 metros A
(FABRIS, 1987, p. 56). Sendo assim, pode-se observar que foram construí-
dos em Aracaju, modelos semelhantes àqueles propostos no Rio de Janeiro.
Um dos exemplos mais marcantes desse aspecto edificado é repre- Figura 48: A – Sede da
sentado em Aracaju pela Sede da Superintendência do IPHAN de 1914, Superintendência do IPHAN/SE,
no Bairro São José, e pela Sede da OAB/Palácio da Cidadania (Casarão dos na Av. Barão de Maruim;
B – Sede da OAB – Casarão
Rollemberg), também no início do XX. Inclusive, neste último exemplo, dos Rollemberg na Av. Ivo
pode-se notar o uso das criticadas “compoteiras” encimando as platiban- do Prado; C – Vila Carmem;
das, que deveriam, pela visão dos críticos da época, não mais fazer parte D – Centro de Cultura e Arte da
UFS – CULTART, na Av. Ivo do
do remodelamento carioca e que, apesar das avassaladoras críticas con- Prado. Fonte: Donizeti da Silva,
trárias, acabaram sendo vitoriosas como ornamentos nacionais e enfeita- 2013 (B), 2014 (A, C e D).
ram muitos dos sobrados e chácaras/chalés edificados em várias cidades
brasileiras. Como representação também dessa remodelação, em Aracaju,
pode-se mencionar a Vila Carmem e o CULTART, na Av. Ivo do Prado, e
inúmeros outros casarões e minipalacetes da área central (Figura 48).

B C D

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Outro aspecto do conceito estético de “Remodelação” se insere no
que se pode chamar de “artificialidade construtiva”, presente nas obras
ecléticas e na natureza de seu esvaziamento construtivo. Neste ponto, é
possível relacionar o espaço urbano de Aracaju com o de Belo Horizonte,
ou seja, Belo Horizonte apresentou na sua construção inúmeros proble-
mas relacionados à escassez de recursos e à prédios que jamais foram
concluídos, bem como à utilização de algumas edificações inicialmente
pensadas ou projetadas para abrigar uma finalidade e depois passaram a
abrigar outras funções. Então, quais pontos específicos ou edificações/
conjunto definem as semelhanças construtivas do espaço urbano ecléti-
co dessas duas cidades?
A dificuldade de implantar Aracaju é semelhante à dificuldade de
implantar Belo Horizonte no que concerne à falta de recursos e a depen-
dências externas, especialmente, com outras capitais, bem como ao que
se pode denominar de Heroismo Urbano. Os palacetes implantados em
Belo Horizonte, na sua maioria, do mesmo período dos implantados em
Aracaju, por volta de 1914 (Palácio Olímpio Campos em Aracaju), apli-
cam os mesmos conceitos ecléticos.
Se Belo Horizonte é extremamente dependente, naquele período,
de São Paulo e Rio de Janeiro, Aracaju é extremamente dependente de
Recife e Salvador.
Outro aspecto importante representativo de uma cultura urbana
de transição do século XIX para o XX, ainda possível de ser registrada
nos remanescentes de Aracaju, é que cada edificação, desse período, tem
como mensagem dar uma ênfase tipológica, ou seja, cada edifício tem
que, facilmente, ser reconhecido pela sua função: o Museu, a Ópera, o
Banco e especialmente o Palácio do Governo.
Nesse contexto, na organização da espacialidade urbana, infeliz-
mente, em Aracaju, faltou um teatro, apesar dos projetos de papel exis-
tentes. Entretanto, num primeiro momento, apesar de ser fator que
afasta Aracaju do modelo urbano nacional da época, no qual se inclui-
ria Belo Horizonte, a não construção do teatro, por outro lado, também

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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aproximaria Aracaju do modelo urbano da época, uma vez que, em mui-
tas cidades nacionais daquele momento, muitas das edificações pensa-
das e projetadas acabaram não ”saindo” do papel, exemplos desse caso
podem ser vistos na própria Belo Horizonte, como o Palácio do Con-
gresso, que nunca foi edificado. Esse aspecto do projeto e a sua não exe-
cução devido a inúmeras impossibilidades são fatores que norteiam e
compõem o urbanismo das cidades implantadas no final do XIX e início
do XX no Brasil (FABRIS, 1987, p. 115).
Acredita-se que a não construção do teatro municipal em Aracaju,
naquele período, suscita aspectos que devem ser “ressignificados”, como
por exemplo, o de que, no âmbito do conceito de embelezamento, os tea-
tros eram monumentos importantíssimos na remodelação das cidades
como a do Rio de Janeiro e que, nesta localidade, o teatro foi executado
de maneira a observar os estilos da renascença francesa, e com variações
de mourisco e modernização do estilo clássico levado pela questão de
economia, tendo o modelo de Garnier da Ópera de Paris o propulsor de
todo o entendimento construtivo. Já em Aracaju, justifica-se a não cons-
trução pela falta de recursos econômicos, entretanto, observa-se que es-
ses mesmos recursos não faltaram para a edificação do Palácio Olímpio
Campos, que, na sua essência construtiva, teria a atribuição prática de
representar, na sua composição, uma teatralidade do poder e compor, no
conjunto das três praças (Fausto Cardoso; Almirante Barroso e Olímpio
Campos), o conceito de embelezamento urbanístico que aqui se identifi-
ca como independência estética no conceito de sua implantação, uma vez
que se difere de outros conjuntos nacionais daquele período.
Atentando minuciosamente para a disposição espacial de Aracaju
em combinação com suas edificações, pode-se verificar, a partir dos seus
remanescentes, uma organização representativa arquitetônica eclética
possível de ser reconhecida em outras cidades brasileiras, modelo urba-
no buscado naquele período por muitas das cidades nacionais. Percebe-se,
portanto, que existe uma lógica de organização urbana, uma ordem hie-
rárquica, funcional e social das cidades e das disposições e atributos das

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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edificações, uma vez que, nas avenidas e ruas da área central de Aracaju,
encontravam-se casarões que seriam ou se tornariam sedes do poder
então estabelecido ou de seus representantes, numa arquitetura de pre-
valência classicista (neorrenascentista italiana e francesa e de Segundo
Império) como o Ministério da Fazenda; o Sobrado da Rede GBarbosa;
o Antigo Colégio Ateneuzinho; a Casa do Advogado Carvalho Neto
– OAB; a Loja Maçônica Cotinguiba; o Casarão dos Rollemberg; o
CULTART – Antiga Faculdade de Direito (Figura 49).

A D E G

Figura 49: A – Prédio da Delegacia do Ministério da Fazenda; B – Sobrado da Rede


GBarbosa; C – Antigo Colégio Ateneuzinho, na Av. Ivo do Prado – Edificação eclética
inaugurada em 13 de agosto 1926 para ser sede do Atheneu D. Pedro II, depois
renomeado Colégio Atheneu Sergipense; D – Casa do Advogado Carvalho Neto
– Sede da OAB na Rua Boquim, Centro; E – Loja Maçônica Cotinguiba, início do
século XX, embora a Loja tenha sido fundada em 1887; F – Casarão dos Rollemberg;
G – CULTART. Fonte: Donizeti da Silva, 2013 (A e F), 2014 (B, C, D, E) 2017 (G).

B C

109 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


Nas ruas secundárias da área central comercial de Aracaju, também
se encontram remanescentes edificados que demonstram essa organi-
zação espacial representativa das transformações verificadas nas cidades
do XIX para o XX no Brasil, ou seja, um conjunto eclético de casas e so-
brados comerciais com prevalência neorrenascentista e/ou maneirista
e muitos edifícios com um “salpicado” de colagens ou como, definido
anteriormente, pastiches poliestilísticos.
Estas edificações podem ser ainda vistas na Rua Santo Amaro es-
quina com a Praça Olímpio Campos, 05; 09 e 13 (Figura 50); na Travessa
Benjamim Constant, 68 (Figura 51); na Rua Santa Rosa (Figura 52);
na Av. Otoniel Dória (Av. Rio Branco – Figura 53); na Rua José Prado
Franco (Figura 54); na Av. Ivo do Prado, 130 (Figura 55); na Rua Boquim
(Figura 56); na Rua Estância, 39 e 206 (Figura 57); na Rua Itabaiana, 331
e Escola Professor Valnir Chagas e Quartel da Polícia Militar (neorrenas-
centista e neomedieval – Figura 58); na Rua João Pessoa, 48/60 (apesar
das propagandas comerciais taparem a fachada neorrenascentista, ain-
da se vê a platibanda e na parte superior das janelas do 2º pavimento as
ornamentações desse caráter), as edificações 115, 143, 192, 200, 208,
216 (esta última com sacada no estilo maneirista/neobarroco), ainda na
Rua João Pessoa a fachada do antigo Cine Rio Branco (característica mar-
cadamente neorrenascentista), ainda na Rua João Pessoa as edificações
252, 258, 262, 231, 235 (Farmácia Pague-Menos), 217 e 213 (todas
estas edificações caracterizadas por fachadas constituídas de colagens
neorrenascentistas, mas com forte expressão volumétrica maneirista),
especialmente o conjunto 252, 258 e 262 (Figura 59).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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A B C

Figura 50: A – Rua Santo Amaro, 05, 09 e 13, esquina com a


Praça Olímpio Campos. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

Figura 51: B – Travessa Benjamim Constant, 68. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

Figura 52: C – Rua Santa Rosa. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

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A

B C

Figura 53: A – Av. Otoniel Dória. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

Figura 54: B – Rua José Prado Franco. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

Figura 55: C – Av. Ivo do Prado, 130. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

Figura 56: D – Rua Boquim, Casa da Rua da Cultura e J. E. Federal.


Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

112 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


A B

Figura 57: A e B – Rua Estância, 39 e


206. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

Figura 58: C – Rua Itabaiana, 331; D – Escola


Prof. Valnir Chagas; E – Quartel da Polícia Militar.
Fonte: Donizeti da Silva, 2013 (E), 2014 (C, D).

C D E

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A

D F H

B
C

E G I
J

Figura 59: A – Rua João Pessoa, 48/60; B, C e E – Rua João Pessoa,


115, 143, 192, 200, 208 e 216; G – Cine Rio Branco, Rua João Pessoa;
D, F, H, I e J – Rua João Pessoa, 252, 258, 262, 231/235/217/213
(Farmácia Pague Menos). Fonte: Donizeti da Silva, 2014/2017.

114 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


A Rua João Pessoa possui um dos conjuntos ecléticos mais expres-
sivos dos remanescentes representativos das transformações urbanas
sofridas por Aracaju e, consequentemente, pelas cidades brasileiras do
final do século XIX ao início do século XX, portanto, é de importância
ímpar a sua proteção.
Figura 60: A – Rua de Laranjeiras, 224/228; B – Rua de Laranjeiras, 159/167;
Outra rua de importância e que podemos verificar edificações na
C – Rua de laranjeiras s/n do primeiro trecho. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
representação do ecletismo em Aracaju é a Rua Laranjeiras nos núme-
Figura 61: D – Continuação da Ivo do Prado, 540; E – Continuação
ros 224/228, 159/167 e o s/n° do primeiro trecho (Figura 60). Ainda
da Ivo do Prado, 670; F – Continuação da Ivo do Prado, Casa
nesta tipologia neorrenascentista e/ou maneirista eclética, podemos de Zé Peixe, e 698. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
encontrar remanescentes expressivos nas ruas e avenidas dos bairros vi-
Figura 62: G – Rua Itabaiana, esquina com a Rua Senador
zinhos ao centro, como na continuação da Av. Ivo Do Prado, 540, 670, Rollemberg s/n. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
698 (Figura 61). Outro exemplar interessante pode ser visto na esqui-
na das Ruas Itabaiana com Senador Rollemberg (Figura 62); na Rua
Itabaiana, uma das mais importantes nesse contexto no n. 690 (Hospital
Gabriel Soares) e nos números 740, 876, 891, 919, 926, 983 (Figura 63);
na Rua Campos, 499 (Figura 64).

A B C

D E F

115 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


A B C

D E F

Figura 63: A – Rua Itabaiana, 690, Hospital Gabriel Soares; B – Rua


Itabaiana, 740; C – Rua Itabaiana, 876; D – Rua Itabaiana, 891; E – Rua
Itabaiana, 919. Fonte: Donizeti da Silva, 2013 (A), 2014 (B, C, D e E);
F e G – Rua Itabaiana, 926 e 983 (demolidas respectivamente em 2017 e
2014). Fonte: Desenhos – Adriana Dantas, a partir de fotos antigas, 2017.

Figura 64: H – Rua Campos, 499, casa “Cara de Inseto” –


Ecletismo/Art Nouveau. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

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Tanto os exemplos dos Casarões, quanto o exemplo dos Conjun-
tos Ecléticos remanescentes, presentes nas Ruas citadas, podem ser
comparados às edificações realizadas em outras localidades brasileiras.
Contudo, por um caráter próprio e possível de ser facilmente notado,
nessas edificações de Aracaju, ocorrem uma marcante Independência
de Conceitos Estéticos versus uma dependência acentuada de colagens
ornamentais classicistas amaneiradas, que constituem uma das princi-
pais características do ecletismo nacional. Assim, os remanescentes da
arquitetura aracajuana representam uma cultura edificada pautada em
um Estado de Espirito e de Afirmação Personalista de cada um na mul-
tidão, conceito que marcou a mentalidade de vida do início do século
passado (FABRIS, 1987, p. 70).
Neste ponto, partindo para uma comparação conceitual com o
conjunto eclético da cidade de São Paulo, que parece de grande proximi-
dade com o conjunto remanescente de casarões e edificações de Aracaju
e que, nas palavras de Carlos Lemos (LEMOS in FABRIS, 1987, p. 70),
poderia ser conceituada da seguinte forma:

O ecletismo, então seria a somatória das criações individuais, cada


qual com sua explicação...o Ecletismo paulistano. A nosso ver, hoje
devemos entender Ecletismo como sendo toda a somatória de pro-
duções arquitetônicas aparecidas a partir do primeiro quartel do sé-
culo passado (XIX)...a partir desse quadro chegou a licença poética...
seria a liberdade de criar, de recriar, ou combinar formas, de mis-
turar ornamentações...explicar o ecletismo é buscar a miscelânea.

Então, a análise comparativa entre esse conjunto remanescente


de Aracaju e São Paulo se constrói sobre os termos: Licença Poética e
Miscelânea. Sem dúvida, os remanecentes de Aracaju ainda formam um
conjunto contitutivo representativo dessa Diversidade e Complexidade,
fato que também pode ser encontrado na cidade de São Paulo, apesar
da vitória do modernismo sobre o ecletismo, da indústria sobre o co-
mércio, que produziu uma segunda alteração/transformação na cidade

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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de São Paulo por volta de 1940, alterando um pouco essa licença poé-
tica. Portanto, Aracaju ainda mantém a possibilidade de verificação e
fruição de um conjunto representativo de toda a Licença Poética e mis-
celânea de liberdades construtivas, formadoras da espacialidade urba-
na do final do século XIX e início do século XX no Brasil, na qual pode
ser encontrada toda essa significação, especialmente, no conjunto dos
Casarões e Edificações nas Avenidas e ruas centrais e secundárias e nos
bairros vizinhos ao centro.
A espacialidade urbana formada pelo ecletismo paulistano de-
monstrava intenções plásticas/estéticas denominadas de despolicia-
mento das obras, ou seja, encontravam-se, conforme orientação de
Lemos (in FABRIS, 1987, p. 70), edificações realizadas com conheci-
mento erudito, coexistindo ao lado de edificações de linguagens “desas-
trosas”, vindas da vontade de se “fazer diferente”, num esforço hercúleo
de se atingir uma personalização.
Em Aracaju, pode-se verificar esse esforço com resultado inte-
ressante e não de mau gosto no prédio da Delegacia do Ministério da
Fazenda e na Loja Maçonica Cotinguiba. Entretanto, a melhor represen-
tação dessa busca de personalidade individualizada e de Licença Poética é
representada pelo conjunto da Rua João Pessoa e da Rua Itabaiana.
Outro conceito presente na cultura arquitetônica do Ecletismo e
que, durante muito tempo, foi um dos provocadores de sua pejoração –
Rotina Vazia da Arquitetura – era a de que as edificações não passavam
de meras arquiteturas de fachadas. Contudo, essas edificações e con-
juntos ecléticos, entre os quais, o remanescente de Aracaju, possuem
e representam a adoção de novos programas de necessidades urbanas,
como o Comércio/Casa.
A tipologia representativa de uma cultura urbana e arquitetônica
nacional pode ser vista tanto no conjunto remanescente da Rua João
Pessoa, na Av. Otoniel Dória (Av. Rio Branco), na Rua Santo Amaro,
na Rua Santa Rosa, na Travessa Benjamim Constant, na Rua José Prado

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

118 | 214
Franco, em especial, no Sobrado da Rede GBarbosa e em todas as edifi-
cações e ruas citadas nos parágrafos anteriores.
A Independência dos conceitos estéticos presente no conjunto re-
manescente eclético de Aracaju está alicerçada no padrão representati-
vo de uma arquitetura nacional, ou seja, a arquitetura remanescente de
Aracaju representa uma Unidade Universal de Pensamento, isto é, mesmo
com a busca social/humana da época se assentar sobre um pensamen-
to estético racionalista, ocorre uma persistência da memória saudosista
nos revivais e na liberdade de busca de expressões historicistas.
Pode-se ver na ornamentação das edificações ecléticas de Aracaju
elementos universalizados como as famosas “compoteiras” (como nas
platibandas do Mercado Antônio Franco); também se pode ver soluções
personalizadas locais como a busca da individualide marcante das fa-
chadas das edificações da Av. Otoniel Dória e das Ruas João Pessoa, José
Prado Franco, Santa Rosa etc.
Contudo, principalmente, nos imóveis da Rua Itabaiana/Itabaiani-
nha, no Quartel da Polícia Militar (Antiga Escola General Siqueira), na
Escola Valnir Chagas e na residência 331, pode-se ainda vislumbrar esses
conceitos relacionados à personalização, como Individualidade, licença
poética e miscelânea.
Ao tratar comparativamente os remanescentes do ecletismo de
Aracaju aos da cidade de São Paulo, notamos várias características que
aproximaram essas arquiteturas, além das ações evocadas nas liberdades
poéticas e do uso de miscelânias ornamentais classicistas (neorrenas-
centistas) e neorrevivais (maneiristas). Entre essas características, está
a reflexão sobre a arquitetura, como além da materialização da forma de
viver e da mentalidade de uma época, ou seja, de uma arquitetura carre-
gada e calcada em hábitos e costumes locais, em persistências e fixações
culturais, no fator isolamento, em que tanto Aracaju quanto São Paulo
estiveram sujeitas nos séculos iniciais da proposta eclética do neoclassi-
cismo, além, é claro, da relação arcaica construtiva de ambos os Estados
com a “taipa de pilão”.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

119 | 214
Lemos (in FABRIS, 1987, p. 72) destaca que São Paulo não conhe-
ceu nenhuma novidade arquitetônica até 1850 e, portanto, não conhece-
ria o neoclassicismo. A arquitetura eclética de São Paulo estaria pautada
na elevação da capital paulista como modelo urbano a partir da riqueza
do café, em 1867, e nas transformações urbanas advindas desse fator e
dos desdobramentos arquitetônicos seguidos a isso, promotores de uma
arquitetura urbana diversa, complexa e materializada nas ruas paulistanas
pelo modelo edificado de viver, pautado no edifício Comércio/Casa.
Se São Paulo do café, a partir de 1867, se tornou cidade pronta para
receber o ecletismo, Aracaju, a partir de 1857, também era uma cida-
de pronta para receber o ecletismo. A diferença residia na remodelação
urbana necessária em São Paulo, diferente da espacialidade pronta pro-
posta pelo Quadrado de Pirro em Aracaju. Se o conceito “cidade nova”
tendia a vigorar em São Paulo na proposta de substituição à cidade an-
tiga, em Aracaju, a cidade nova estava pronta (pelo menos o projeto/
traçado) e seria constituída pela própria arquitetura eclética. É claro que,
guardadas as proporções, São Paulo se tornou rapidamente cosmopolita.
A principal questão é que São Paulo vivenciou outras remodela-
ções, que impossibilitaram em muito a preservação desta espacialidade
representativa das transformações urbanas do século XIX para o XX.
Todavia, Aracaju manteve esse conjunto representativo, constituído,
especialmente, não apenas pelas edificações isoladas e de importância,
como o PALÁCIO OLÍMPIO CAMPOS, mas, especialmente, pelo con-
junto representativo das RUAS que formam sua área central e se prolon-
gam pelos bairros vizinhos.
Nessas ruas do Aracaju, surgem os primeiros restaurantes, os ho-
téis, as lojas de moda baseadas no gosto francês, casas de advogados, po-
líticos e médicos, além, é claro, de ricos donos de engenhos e fazendas.
Aracaju, como São Paulo, guardadas as proporções, atraia a população do
interior no início do século XX, a partir de então, foi “construída” não mais
pela “taipa de pilão”, mas pelo tijolo, pela alvenaria. A ideia de “pertencer”
à capital impunha diferenças construtivas ao homem daquele tempo.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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Como Aracaju rejeitava São Cristóvão, São Paulo rejeitava as deter-
minações estereotipadas como “caipira”, como do interior. A diferença é
que Aracaju não perdeu essa representação materializada pela arquite-
tura eclética do período, mesmo tendo recebido, ao longo do século XX,
inúmeras alterações. O conjunto remanescente ainda guarda esta inte-
gralidade material patrimonial, portanto, é inquestionável a necessidade
de proteção desse patrimônio.
A condição mais expressiva da arquitetura Eclética de Aracaju é a de
ainda possibilitar a fruição, a partir de seus remanescentes, de um conjun-
to de grande variedade de soluções e invenções formais, hetereogeinizado
pelas regras de composição próprias do ecletismo, pelos mesmos ritmos
de envazaduras, pelos mesmos gabaritos reguladores, pelas platibandas
semelhantes com soluções neorrenascentistas e outros revivalismos.
Entretanto, em cada edificação, apesar dessa Dependência, se verifica uma
personalização, uma individualidade criativa, uma busca de afirmação no
conjunto, caracterizando o conceito estético de Independência.
Esta condição dual agrega mais do que um pedido ou justificativa
de proteção a este conjunto. Esse conceito demonstra claramente a cul-
tura urbanística e arquitetônica brasileira, representativa das transfor-
mações sofridas pelas cidades do final do século XIX até o segundo terço
do XX, podendo encontra-lo em Aracaju em seu conjunto patrimonial.
Por outro lado, o que também inclui Aracaju no modelo represen-
tado pela Remodelação Urbana Nacional ocorrida nas cidades brasilei-
ras na virada do século XIX para o XX, justificando a proteção de seus
remanescentes, é o pensamento teórico que resultou em métodos de
organização espacial que tiveram a criação de uma nova imagem urbana
como estratégias político-econômicas. Ou seja, Aracaju (em seus rema-
nescentes arquitetônicos e urbanísticos da área central e bairros vizinhos
ao centro) compõe ainda a possibilidade de ver essa Nova Imagem Ur-
bana provocada nas cidades do final do século XIX e início do século XX
no Brasil, proporcionada pela combinação entre o traçado gerador geo-
métrico e o estilo eclético, que revestiu estruturas mongeanas de forma

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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aleatória, num resultado de efemeridade conceituada pelo Esvaziamento
da Rotina da arquitetura e que provocou a construção, por muito tem-
po, especialmente no período modernista, de um pensamento motivado
pela pejoração aos remanescentes do período eclético.
Portanto, é essa intensa natureza complexa e diversa, represen-
tativa da mentalidade de uma época, repleta de transformações plenas
de Significados e Simbolismos, que, se não for protegida, desaparecerá,
impossibilitando reconhecer as origens da vida urbana e da arquitetura
moderna no Brasil.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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CAPÍTULO 3

FORMAS TIPOLÓGICAS
CARREGADAS DE
REPRESENTAÇÕES SIMBÓLICAS
LOCAIS E NÃO LOCAIS
A base conceitual teórica da “Ressignificação” a preservação das
Três Praças, Entorno aos Mercados e edificações nos Bairros vizinhos ao
Centro, na cidade de Aracaju, deve também possuir como fundamenta-
ção o “pertencimento” à Transformação Arquitetônico/Urbanística das
Cidades Brasileiras dos Séculos XIX a metade do XX. Portanto, muito mais
do que um período de tempo urbano, esse conjunto representa menta-
lidades, mudanças de vida, formas de pensar e agir que se materializa-
ram nas edificações e nas “transformações” que a cidade sofreu, operou,
destruiu, reconstruiu e sobrepôs. Bem como, esse conjunto permanece
e se torna portador de juízos de valores históricos e estéticos, simbolis-
mos, significados; de toda a existência humana, extrapolando o material
e persistindo na memória e, possível de ser lembrado por objetos que se
mantém heroicamente durante essas mudanças de curto/médio/longo
prazo, ou seja, os remanescentes.
Dessa forma, a Transição das Cidades Brasileiras entre o século XIX e
o XX, alimentada por processos urbanos e arquitetônicos antecedentes e
também posteriores, com o Ecletismo, principal conjunto remanescente
de Aracaju, especialmente em suas ideologias, tem início na metade do
XIX e essa transição se materializa ou amadurece no início do século XX.
Entretanto, o Ecletismo não se finda como propósito de uma mo-
dernidade, ele a alimenta e conjuga sistemas de ideias que permeiam
significados e modos de viver, mesmo que aparentemente convivendo
como antagônicos edificados. Assim, surgem novos modelos, a partir
dessas transformações decorrentes do modo de viver de transição do sé-
culo XIX para o XX, convivendo em conjunto ou disputando o espaço da
cidade; acreditando que o modelo anterior não mais dá conta de alimen-
tar o modo de vida em constante e acelerada transformação; porém, um
necessita do outro para existir. Portanto, o Ecletismo passa a “conviver”
com o Art Nouveau, com o Art Déco e logo em seguida e, rapidamente,
com o Protomodernismo e Modernismo, tornando a cidade um campo
de disputa de espacialidade em uma convivência na qual não se pode dis-
tinguir a homogeneidade de uma Tipologia.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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A cidade de Aracaju possui uma Diversa e Complexa Tipologia
Arquitetônica, resultado de vários momentos. Apesar da passagem do
século, a tipologia inicia-se a partir do próprio projeto do Quadrado de
Pirro, ou melhor, com o Culto à Linha, amadurece no momento da virada
entre os séculos, com os conceitos de Remodelação Urbana, e se estende
até a metade do século XX, com a busca de uma afirmação de Mentalidade de
Vida Urbana Moderna. Assim sendo, a diversidade e complexidade ini-
cia-se no conceito do Modo/Gosto de Viver Afrancesado representado na
tipologia Eclética Casa/Comércio e se desdobra a partir da industrializa-
ção tardia e da própria afirmação da individualidade buscada pelo século
XX, o que atinge uma suposta menor personalização com o Art Déco,
que desaguará numa “maturidade” espacial urbana/arquitetônica, ou
seja, na Arquitetura Modernista, que se torna internacional, a partir de
modelos pretensamente “universais, embora antes, experimentando e
produzindo edificações heterogêneas e difíceis de serem identificadas,
chamadas de Protomodernas.
Portanto, em Aracaju, esta diversa e complexa arquitetura tem um
conjunto remanescente expressivo que se insere dentro da representa-
ção das Transformações Urbanas Sofridas pelas cidades brasileiras do final
do Século XIX até a metade do Século XX. Este conjunto formado, na sua
maior parte, por edificações do Ecletismo também tem no Art Nouveau,
Art Déco, Protomodernismo e Modernismo, remanescentes representa-
tivos dessas transformações “posteriores”, ou seja, do início até a metade
do século XX.
Para que se entenda a temática apresentada para a preservação do
conjunto remanescente aracajuano (Transformações Urbanas sofridas pe-
las Cidades Brasileiras do final do Século XIX até a metade do XX), é preciso
uma análise sobre as representações tipológicas e seus simbolismos lo-
cais e não locais, de forma a permitir a “ressignificação” da objetificação
dentro de um período de tempo que extrapola e vai além do determina-
do como “virada entre os séculos XIX e XX”.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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As tipologias e simbolismos arquitetônicos do Ecletismo, somadas
as do Art Nouveau, do Art Déco, do Protomodernismo e Modernismo,
nas áreas propostas de proteção, demonstram como o espaço urbano de
Aracaju também tem sua organização espacial alicerçada por conceitos
sociais, humanos, políticos, econômicos, urbanísticos, enfim, Arquitetô-
nicos Tipológicos. Portanto, as Formas tipológicas carregadas de represen-
tações locais e não locais ao serem “ressignificadas” a partir dos “modelos
tipológicos” identificados no Ecletismo; Art Nouveau; Art Déco; Proto-
modernismo e Modernismo são capazes de fundamentar o porquê de
preservar os remanescentes de Aracaju.

Armazéns de secos e molhados


O Ecletismo em Aracaju do final do XIX ao início do XX (até apro-
ximadamente 1920), em especial nos remanescentes que propõem pro-
teção, está estabelecido em tipologias e simbolismos variados, como os
Armazéns de secos e molhados. Contudo, nesse aspecto, seria necessária
a realização de pesquisas de propagandas em jornais da época sobre pro-
dutos, comércios, fábricas, saudações natalinas e de ano novo, pesquisa
sobre as funções econômicas de como estas edificações serviram na or-
ganização espacial de Aracaju do final do XIX ao início do XX e, em outras
épocas. Entretanto, através da tipologia arquitetônica, relacionada ao vo-
lume, forma e tamanho, bem como pelas ornamentações das fachadas,
tem-se uma provável ideia da função tipológica e simbólica da edificação
a partir do entendimento de que a arquitetura construída pode contar
a história de uma cidade (SILVA, 2011). Exemplos remanescentes des-
ta tipologia podem ser encontrados em imóveis localizados na Praça
Olímpio Campos 673/681; nos Sobrados na Av. Otoniel Dória (Av. Ivo
Do Prado); na Rua Santa Rosa; no Beco dos Cocos; nos Sobrados e edifi-
cações da Rua João Pessoa (Figura 65).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

126 | 214
Uma das situações mais expressivas observadas neste tipo de cons-
truções ecléticas de características urbanas marcantes (apesar de ser
uma edificação feita para a cidade) é a que sua implantação no lote ainda
obedece claramente à disposição das construções coloniais. Observar
que neste conjunto, especialmente dos Sobrados e edificações térreas, a
disposição é de uma estar “colada” a outra, sem recuos laterais. Mesmo
a disposição da parte frontal da edificação e sua relação atual com o pas-
seio demonstra uma falta de proporção entre a edificação e o que foi de-
A B terminado como calçada, fato que indica ainda mais, que a implantação
dessas edificações segue os modelos de implantação de lotes do período
colonial (no limite do terreno).
Esta indicação também pode ser sentida quando uma dessas ruas
antigas é transformada em calçadão (como o caso da Rua João Pessoa), o
que mais se nota é que ela volta a ser de propriedade dos pedestres e isso
parece ser natural, e o é, uma vez que a implantação das edificações foi
realizada nos moldes urbanísticos de valores que ainda não pertenciam
ao automóvel (Figura 66).

Figura 66: F – Calçadão da Rua João Pessoa. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

C D F

Figura 65: A – Imóvel na Praça Olímpio Campos 673/681;


B – Sobrados na Av. Otoniel Dória (Av. Rio Branco);
C – Edificações na Rua Santa Rosa; D – Logradouro –
Beco dos Cocos; E – Edificações na Rua João Pessoa.
Fonte: Donizeti da Silva, 2014 (A, B e D), 2017 (C e E).

127 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


Desta forma, os conjuntos edificados nas Ruas de Santa Rosa;
Jose Prado Franco; Beco dos Cocos; Sobrados da Rua João Pessoa e Av.
Otoniel Dória (antiga Rua da Aurora) representam o modo de viver das
áreas históricas urbanas da metade do século XIX ao início do XX e das
transformações que estes locais estavam passando.
Esta tipologia construtiva Armazéns de secos e molhados pode ser
considerada o conjunto mais significativo edificado da área histórica
urbana de Aracaju (especialmente da área central formada pelas Ruas
descritas), uma vez que, no ALBUM de Sergipe (SILVA, 1920, p. 146) é
citada a constituição do comércio presente nesta cidade por volta dos
1900, em que existiam naquela área, onde se propõem proteger, 128
(cento e vinte e oito) Armazéns de secos e molhados.
Compreende-se, dessa forma, a possibilidade desta atividade ocor-
rer nos Sobrados, inclusive constituindo a tipologia Comércio/Casa, que é
diferente da tipologia Casa Comercial; uma vez que a primeira é definida
por um uso público/privado, ou seja, na parte térrea se destinava ao pe-
queno comércio do proprietário, como por exemplo, uma Loja de Calça-
dos ou uma Loja de Ferragens ou Livrarias e Papelarias, de influência na
maioria dos casos da imigração, como as Lojas de Fazendas (tecidos) e
Armarinhos; a parte superior era destinada à moradia da família do pro-
prietário. Já a Casa Comercial era uma tipologia marcadamente destinada
e com fins de uso comercial, melhor dizendo, público, na qual na parte
térrea se comercializavam os produtos, ou ainda, se estocava em quanti-
dade necessária a venda no atacado e, na parte superior ficavam os “escrip-
tórios de commissões e consignações”, que nesta área da cidade, também,
naquele período, contavam com aproximadamente quase 50 representa-
ções (SILVA, 1920, p. 146 e 147). Contudo, na maioria dos casos, a Casa
Comercial era de propriedade e de comércio de um único dono, que iria
morar com sua família nos Palacetes, especialmente nos Minipalacetes,
nos então bairros vizinhos ao centro, que estavam em formação.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

128 | 214
Casas Comerciais/Farmácias B

A tipologia constituída por Casas Comerciais/Farmácias ocuparia


os edifícios como o Sobrado da Rede GBarbosa na Rua José Prado Franco,
Sobrados na Av. Otoniel Dória (Av. Ivo Do Prado), Rua Santa Rosa, Beco
Dos Cocos e Sobrados da Rua João Pessoa (Figura 67).

Figura 67: A – Sobrado da Rede GBarbosa na Rua José do Prado Franco;


B – Sobrados e antigas casas comerciais na Av. Otoniel Dória (Av. Rio
Branco – Rua da Aurora); C – Rua João Pessoa, tipologia remanescente
Casas Comerciais/Farmácias. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

A C

129 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


Da metade do século XIX até o início do século XX, principalmente,
até meados da Primeira Grande Guerra, as cidades brasileiras assistiram
o que Lemos (in FABRIS, 1987, p. 74) chamou de uma coexistência de
vários “receituários” estilísticos na composição da arquitetura, que sofrem
rapidamente transformações e readaptações estilísticas. A tipologia, de-
signada como de Casas Comerciais se enquadram perfeitamente nesta
análise de Lemos, ou seja, são edificações de dois pavimentos, parte térrea
e a superior, nas quais seriam identificadas através de imagens fotográficas
antigas, feitas por volta de 1900 em Aracaju (SILVA, 1920, p. 143). Cons-
truções que teriam inicialmente uma intenção de partido arquitetônico
neoclássico com um grande comprometimento com ornamentações
renascentistas. Portanto, a construção se iniciaria com esta arquitetura
e derivaria para um neorrenascimento amaneirado, como é o caso do
Sobrado da Rede GBarbosa na área do entorno dos Mercados (Figura 68).

Figura 68: Sobrado da Rede GBarbosa na Rua José


do Prado Franco. Fonte: Donizeti da Silva, 2017.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

130 | 214
Esta edificação, o Sobrado da Rede GBarbosa, bem como os demais
sobrados que constituem a Av. Otoniel Dória, a Rua Santa Rosa, a José
do Prado Franco, o Beco dos Cocos e a Rua João Pessoa possuem carac-
terísticas formadas por uma intensidade de regras e elementos de com-
posição renascentista (neorrenascentista) não apenas de gosto italiano,
mas também francês e alemão, ou seja, determinadas por fontes classi-
cizantes diversas, como se fossem colagens “eruditas” com elementos
barroquizantes, como é o caso da sacada do Sobrado GBarbosa, com
elementos das balaustradas do guarda-corpo lembrando vasos romanos,
mas construídas com bom gosto e com o que havia de melhor no mer-
cado de importação dos materiais de construção (FABRIS, 1987, p. 75).
Os Sobrados da Av. Otoniel Dória mostram um caráter mais con-
tido do neorrenascimento, muito maior inclusive do que as colagens do
Sobrado GBarbosa, estando bem mais dentro de regras de Transição de
uma arquitetura neoclássica da metade do século XIX do que um ecle-
tismo revivalista neorrenascentista, ou seja, são mais simples na sua dis-
posição de fachada, na qual o elemento triangular predomina. Também
podem ser vistas variações de inclusão nas platibandas de frontões cur-
vilíneos neorrenascentistas. Estes aspectos determinariam edificações
com bases neoclássicas do final do XIX que acabaram recebendo contri-
buições ou acréscimos de alterações nas fachadas no início do século XX,
comuns na formação das cidades brasileiras (Figura 69).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

131 | 214
Figura 69: Platibandas dos Sobrados da Av. Otoniel Dória,
com pequenos frontões triangulares arrematadas na maior parte
por cornijas curvilíneas. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

A arquitetura “parla”, então teríamos uma tipologia Casas Comer-


ciais assentada em dois tipos de ecletismo, as mais antigas de origem
neoclássica na Av. Otoniel Dória que vão, aos poucos, receber contribui-
ções ornamentais neorrenascentistas culminando no exemplo maior do
Sobrado GBarbosa e que se proliferam em outros sobrados das demais
ruas do centro.
As primeiras ou mais antigas edificações na “Rua da Frente”, no
Entorno dos Mercados, representam uma classe urbana que tenta se fir-
mar, que seriam as pessoas do “local”, migrados do interior para a recen-
te “capital”, tendo no gosto e nas atividades mais regionais, bem como
principais atividades a continuidade da exploração da venda do açúcar,
do sal e de sua exportação. Já as edificações que recebem contribuições
neorrenascentistas seriam dos imigrantes que chegam à cidade atraídos,
para tentar uma nova vida e carregam consigo os elementos arquitetô-
nicos trazidos de suas terras natais.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

132 | 214
Esta cultura arquitetônica não é apenas vivida em Aracaju na virada
dos séculos e, especialmente, no início do XX, ela é uma das característi-
cas mais marcantes da formação do espaço urbano brasileiro.
Com o adentrar das primeiras décadas do século XX, essas Casas
Comerciais recebem o acréscimo de uma terceira simbologia ornamental
construtiva denominada por Lemos (in FABRIS, 1987, p. 75) de edifica-
ções neorrenascentistas despoliciadas. Um excelente exemplo desta tipo-
logia simbólica local é a edificação eclética ocupada atualmente pela Loja
A Fonseca e Livraria Juritec/Pet Shop JMG na Av. Rio Branco (Figura 70).

Figura 70: Loja A Fonseca e Livraria JURITEC/Pet Shop na


antiga Av. Rio Branco. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

133 | 214
Esta construção de volumetria neoclássica do final do século XIX e
que provavelmente recebeu acréscimos ornamentais neorrenascentistas
no início do século XX, demonstra como o ecletismo foi sendo usado
nas cidades brasileiras nesta época, onde, no dizer de Lemos (in FABRIS,
1987, p. 75) eram executadas na maioria das vezes por profissionais não
qualificados e que se popularizaram caindo no gosto das populações de
menor poder econômico.
Nessas edificações vemos elementos decorativos em invenções
personalizadas, no caso, uma platibanda bem marcadamente triangular
classista encimada por coruchéus e uma fachada em feições de abertu-
ras neocoloniais, o que demonstra que essas alterações ou arquiteturas
neorrenascentistas despoliciadas começam a ocorrer por volta de 1920.
Simbolicamente, como se relatou anteriormente, a arquitetura “fala”, e
um dos elementos ornamentais mais expressivos e simbólicos das Casas
Comerciais em Aracaju parece ser a “estrela de cinco pontas”, localizada
sempre no tímpano triangular do frontão neoclássico da construção e
que requer mais aprofundamento de estudos para determinação de seu
significado simbólico.
É importante salientar que muitos desses SOBRADOS também
eram ocupados por atividades de interesse das populações urbanas
daquele período, como as “Pharmácias” que, em Aracaju, por volta de
1900, apresentavam “oito” estabelecimentos nesta área central (SILVA,
1920, p. 146). Esta atividade comercial ocupava a construção na par-
te térrea ficando a parte superior, destinada à acomodação da família
(social, íntimo e serviços), na mesma terminologia tipológica de uso do
espaço construído como público e privado, que era a principal constitui-
ção urbana das cidades do final do XIX para o início do XX que os rema-
nescentes da arquitetura de Aracaju ainda são capazes de representar
com extrema significação.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

134 | 214
Armazéns/Depósitos/Estiva
Ainda no Ecletismo, a tipologia Armazéns/Depósitos/Estiva, apre-
senta-se nas edificações Tipo Sobrado e/ou Edificação Térrea, na Av.
Otoniel Dória (Av. Ivo Do Prado) e no prédio da Antiga Alfândega de
Aracaju (Figura 71).

A B

Figura 71: A – Edificação à frente do Mercado Antonio Franco e Av. Otoniel


Dória (Antiga Av. Rio Branco/Rua da Aurora) ao lado do antigo “cais do
porto”; B – Alfândega de Aracaju, antiga “Mesa de Rendas”, considerada
a primeira edificação de Aracaju, sofreu alterações nas primeiras décadas
do século XX. Fonte: Donizeti da Silva, 2014 e 2017, respectivamente.

Uma das edificações mais emblemáticas de Aracaju é sua Alfândega.


O edifício implantado bem na “Orla” em frente ao Rio Sergipe demonstra
uma característica construtiva de implantação marcantemente colonial,
apesar do período eclético de sua construção, ou seja, metade para final do
século XIX. Esta questão (implantação no lote) pode definir, claramente,
o período e a tipologia construtiva das edificações de Aracaju e, no caso,
demonstrar que certas funções, apesar de serem exemplos marcantes do

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

135 | 214
novo modo de vida que as cidades daquele período enfrentavam, ainda
guardavam tipologias simbólicas associadas às tradições do passado.
Nesta mesma edificação, bem como nos outros exemplos repre-
sentativos da tipologia Armazéns/Depósitos/Estiva, característicos desta
área remanescente do entorno dos Mercados, pode-se reconhecer como
representatividade da arquitetura nacional a integração do país no mer-
cado mundial. Questão que se tornou um dos elementos mais expressi-
vos de transformação das cidades brasileiras e nordestinas na virada dos
séculos XIX para o XX.
Este fator permitiu as cidades exportar produtos, mas também im-
portá-los. Essa importação, inclusive de técnicas e materiais construti-
vos, que muda a aparência das cidades brasileiras, ou melhor, a Imagem
Urbana, pode ser identificada pelo uso das platibandas em todas estas
edificações, inclusive no Antigo Prédio da Alfândega.
Os Sobrados na Av. Otoniel Dória, na Rua José Prado Franco e no
Beco Dos Cocos possuem como representatividade de uma cultura arqui-
tetônica nacional essas platibandas, sendo que, no caso da Alfândega, cha-
ma a atenção o pouco ou quase nenhum ornamento encimando esse ele-
mento construtivo, como é comum nos Palácios, Palacetes e Minipalacetes.
Este fato se deve a simbologia que passa a representar essa tipo-
logia, ou seja, de que a função começa a se sobrepor à estética. Os ar-
mazéns começam a representar a vitória da geometria simples sobre a
ornamentação rebuscada. Este aspecto irá caracterizar as transforma-
ções urbanas após 1920 nas cidades brasileiras até atingir o Art Déco e
as tipologias Modernistas.

Palácios
A tipologia Palácios define representações simbólicas remanescen-
tes das Transformações sofridas pelas Cidades Brasileiras e do Nordeste na
transição entre os Séculos XIX e XX. São caracterizadas, de forma geral,

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

136 | 214
pelo que Reis Filho (1987, p. 34) definiu como “Construções aperfeiço-
adas mais com uma implantação tradicional”, de melhor sorte, muitas
delas, especificamente as pertencentes ao final do XIX, como o Prédio do
Palácio Olímpio Campos e o Palácio Fausto Cardoso, apesar de sofrerem
reformas no início do século XX, apresentam novas transformações re-
presentativas de uma arquitetura praticada no Rio de Janeiro à maneira
neoclássica tardia/neo-renascentista ou de Segundo Império, num tipo
mais refinado de construção (Figura 72).
Outras edificações remanescentes do final do XIX e início do XX,
caracterizadas pela tipologia de Palácios, são os prédios do Antigo Tesouro
do Estado ou Palácio Graccho Cardoso (Câmara Municipal de Aracaju), o
prédio da Delegacia do Ministério da Fazenda, o prédio do Antigo Tribunal
de Justiça (Palácio da Justiça), o Palácio Inácio Barbosa (Prefeitura de
Aracaju), o prédio da Associação Comercial de Sergipe na Rua José Prado
Franco, o prédio da Loja Maçônica Cotinguiba, o Palácio da Polícia Civil e
Secretaria de Segurança Pública de Sergipe (Figura 73).

A B

Figura 72: A – Palácio Olímpio Campos na Praça Fausto Cardoso; B – Palácio


Fausto Cardoso na Praça Fausto Cardoso. Fonte: Donizeti da Silva, 2013.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

137 | 214
A E

Figura 73: A – Palácio Graccho Cardoso – Câmara de Vereadores de


Aracaju na Praça Almirante Barroso; B – Prédio da Delegacia do Ministério
da Fazenda, Praça Fausto Cardoso; C – Palácio da Justiça na Praça
Almirante Barroso; D – Palácio Inácio Barbosa (Prefeitura de Aracaju);
E – Associação Comercial na Rua José do Prado Franco no entorno
dos Mercados; F – Loja Maçonica Cotinguiba no Centro, proximidades
B F
da Catedral Metroplitana, na Rua Santo Amaro; G – Palácio da Policia
Civil; H – Secretaria de Segurança Pública de Aracaju, na Praça Tobias
Barreto, no Bairro São José. Fonte: Donizeti da Silva, 2013 (D), 2014.

Tecnicamente, os Palácios ostentavam os padrões construtivos


mais elevados da época, os mais antigos (do final do XIX) como o Palácio
Fausto Cardoso, Graccho Cardoso, Delegacia do Ministério da Fazenda,
Palácio da Justiça e o Inácio Barbosa demonstraram uma implantação
C G tradicional (colonial) sem preocupação com ajardinamentos laterais e
disposição na rua ou gradis ao seu redor. Os mais “novos”, ou seja, do
início do século XX, já ostentam esses condicionantes, como o Prédio
da Loja Maçônica e a Associação Comercial. Estas novas implantações
também poderão ser observadas nos Palacetes/Residências como no
Casarão dos Rollemberg.
Dentre a simbologia de uma forma de viver presente nas cidades
brasileiras deste período estava à questão de escadarias colocadas na
entrada principal da edificação. Como exemplos, pode-se destacar no
prédio da Associação Comercial e da Loja Maçônica Cotinguiba, também
D H comumente vistas nas edificações voltadas para finalidades educacionais
como na Antiga Escola Normal. A grande escadaria na entrada da edifi-
cação, às vezes também interna, é uma das principais características da
tipologia do Palácio Olímpio Campos e das edificações nacionais da época.

138 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


Palacetes/Residências
Outra tipologia que se entremeia as anteriores são as edificações
que podem ser classificadas como Palacetes/Residências como a Antiga Figura 74: A – Cúria Metropolitana de Aracaju na Praça Olímpio Campos;
Residência de Nicola Mandarino (Cúria Metropolitana), Residência Sede B – Sede da Superintendência do IPHAN/SE, no Bairro São José; C – Casarão
dos Rollemberg no Bairro São José; D – Instituto Parreiras Horta, ecletismo
da Superintendência do IPHAN/SE, Casarão (Solar) dos Rollemberg (Sede neomulçumano, Bairro São José; E – Sobrado eclético no Bairro Industrial na
da OAB), Instituto Parreiras Horta e Sobrado no Bairro Industrial na Av. Av. Calazans, 351. Fonte: Donizeti da Silva, 2013 (A, C e D), 2014 (B e E).
Calazans, 351 (Figura 74).

A B

C D E

139 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


Uma das alterações técnicas mais expressivas nestas edificações fo-
ram os telhados, que agora, na maioria das vezes, passaram a ser consti-
tuído por quatro águas ou mais, o que exigia o uso de calhas e condutores
devido ao uso das platibandas que os escondiam.
Essas mesmas platibandas, que escondiam as novas soluções de
cobertura, eram encimadas por vasos, pinhões, urnas, ânforas, estátuas,
fruteiras e as famosas “compoteiras”, de vários tamanhos, e outros en-
feites e rebuscamentos, num total despoliciamento, na qual, na mesma
obra podem ser vistos ou acolhidos elementos renascentistas e reinven-
ções personalistas, como na Antiga Residência de Nicola Mandarino e no
Casarão dos Rollemberg.
Essas tipologias construtivas representam uma época das cidades
brasileiras, em que apesar das inovações, muitas questões simbólicas
ainda estavam ligadas às velhas receitas coloniais e, na qual velhos hábi-
tos sociais da metade do século XIX ainda permeavam na condução da
mentalidade de viver da população e das construções. Como por exem-
plo, a solidez estrutural ainda apresentada por essas edificações influen-
ciadas pelo modo de construir do período colonial, como nas fundações
e na estrutura em bloco.
O que define inovação nestas edificações é o uso do porão alto,
como nas demais cidades brasileiras, ou seja, quando se observa as cida-
des e, particularmente, as áreas históricas urbanas do período de transi-
ção do final do XIX para o início do XX, a característica que marca tipo-
logicamente as edificações dos Palácios e, especialmente, dos Palacetes/
Residências é o uso dos porões altos (Figura 75).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

140 | 214
A
B

Figura 75: A– Porões do Casarão


dos Rollemberg. B – Porões da Sede
da Superintendência do IPHAN/SE.
Fonte: Donizeti da Silva, 2013.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

141 | 214
Os porões mais ou menos elevados determinam construções per-
tencentes à cidade em transformação, em transição. O uso sanitarista e
paradigmático deste elemento construtivo denota outras questões de
diferenciação na implantação da edificação, como as escadarias frontais
nos Palácios e as escadarias laterais nos Palacetes, sendo que em ambas as
tipologias as janelas se abrem sobre as ruas. Em Aracaju, essa tipologia se
mostra plena no Solar dos Rollemberg e na Sede do IPHAN que, entre outras
situações, permitirá aos moradores ver a rua sem serem vistos (Figura 76).

A B

Figura 76: A – Escadaria e entrada lateral do Solar dos


Rollemberg e janelas voltadas para a rua; B – Escadaria e
entrada lateral da Sede da Superintendência do IPHAN/SE.
Fonte: Donizeti da Silva, 2017 e 2013 respectivamente.

Uma das características marcantes na tipologia dos Palácios e Pa-


lacetes/Residências são os grandes salões, nos quais, nas paredes aplica-
vam-se pinturas florais, ou mesmo papéis de parede. Sobre um piso de
tabuado em cedro, jacarandá ou mesmo mogno, ficava um piano, ins-
trumento delicado e dedicado à vida das mulheres, ou ao espaço íntimo
da família, que se abria para apresentações festivas a seus convidados,

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

142 | 214
meticulosamente escolhidos, prevendo futuros enlaces matrimoniais
e arranjos econômicos e políticos. Uma representação íntima da es-
pacialidade arquitetônica presente na maioria das cidades brasileiras
daquele período.

Minipalacetes/Residenciais
Encontramos bons exemplos dessa tipologia na Rua Santo Amaro,
13 (apesar de a entrada lateral estar descaracterizada), na Rua Estância,
39, bem como na mesma Rua o prédio do Museu do Homem Sergipano e
um Sobrado s/n; nas casas na Av. Ivo do Prado, 540 e 670. Um dos melho-
res exemplos fica na esquina da Rua Itabaiana com Senador Rollemberg
s/n, também na Rua Itabaiana, 926 (Figura 77).
Reis Filho (1987, p. 44) menciona que devido aos hábitos diferen-
ciados das massas imigradas que surgiriam os novos esquemas de im-
plantação que romperam com as tradições de se construir do período
colonial. Desta forma, os exemplos acima citados, na sua grande parte
ou totalidade, teriam sido executados no início do século XX em diante.
Segundo Reis Filho (1987, p. 44), uma das mais importantes transfor-
mações arquitetônicas se liga ao recuo lateral da edificação, apesar da fa-
chada principal ainda ficar alinhada na via pública. Comumente, o recuo
era apenas de um dos lados e, o outro, quando existia, ficava reduzido à
mínima distância possível. Um bom exemplo, apesar de poder também
ser classificada na tipologia de Palacetes/Residências é a edificação atual-
mente ocupada pelo Museu do Homem Sergipano.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

143 | 214
A B C

D E F

G H

Figura 77: A – Rua Santo Amaro, 13; B – Rua Estância,


39; C – Prédio do Museu do Homem Sergipano –
UFS – na Rua Estância n. 228; D – Sobrado ao lado
do Museu do Homem Sergipano; E – Prédio na
Av. Ivo do Prado, 540 no Bairro São José e F – 670;
G – Edificação esquina Itabaiana com Sen. Rollemberg.
Fonte: Donizeti da Silva, 2014; H – Edificio na Rua
Itabaiana, 926, demolido em 2017, Desenho a partir
de fotografias antigas: Adriana Dantas, 2017.

144 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


Como característica representativa de uma cultura arquitetônica
de época, esta tipologia tem relação com o paradigma sanitarista e os
avanços tecnológicos que as cidades do início do século XX estiveram su-
jeitas. Essas transformações, inclusive, exigiram, na maioria das cidades,
a alteração do código de obras vigente.
Outra característica, que coloca como exemplos o prédio do Museu
do Homem Sergipano e o Sobrado s/n na Rua Estância, é a introdução
de elementos paisagísticos na arquitetura residencial nacional, ou seja, a
disposição de um ajardinamento no recuo lateral.
Outro argumento já identificado era o uso do porão alto ou do pa-
vimento térreo da edificação um pouco mais elevado que o nível da via
pública. Reis Filho (1987, p. 46) também descreve que nestas casas,
Minipalacetes, o contato com os jardins laterais era dificultado pela al-
tura dos prédios, mas que, a presença de avarandamento lateral diminui
este “não contato” e, que para se chegar a esta varanda lateral, que ficava
apoiada por colunas de ferro, subia-se por meio de caprichosas escadas,
sejam retas ou curvadas, na qual os degraus e espelhos recebiam pedras
de mármore no seu assentamento.
A característica interna da edificação mantinha uma comparti-
mentação semelhante às casas do final do século XIX, ou seja, a parte da
frente para a rua estava sempre destinada à sala de visitas e os quartos
ficavam dispostos na parte central, em torno de um corredor ou sala de
almoço (varanda), ficando na parte dos fundos a cozinha e o banheiro.
A função da varanda também era a de funcionar como um corre-
dor externo. Essa disposição, possível de ser apreciada no edifício Museu do
Homem Sergipano e no Sobrado s/n na Rua Estância, não se difere das
demais edificações citadas como exemplos, apesar de mais monumen-
tais, aproximam-se da tipologia dos Palacetes. Entretanto, são os pré-
dios na Rua Santo Amaro, 13, na Rua Estância, 39, as casas na Av. Ivo
do Prado, 540 e 670, na Rua Itabaiana com Senador Rollemberg s/n e
na Rua Itabaiana, 926, os exemplos de residências menores que melhor
definem esta tipologia.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

145 | 214
Estas edificações possuem todas as características descritas ante-
riormente, inclusive a fachada principal em alinhamento com a via pú-
blica, fator que não ocorre no Museu do Homem Sergipano. Entre eles, o
exemplo mais significativo é o edifício na esquina da Rua Itabaiana com
Senador Rollemberg s/n. Esta edificação apresenta discreto afastamen-
to em apenas um dos lados, na qual inclusive se insere a varanda lateral
apoiada em colunas de ferro. Poderia no passado ter tido um ajardina-
mento discreto que não mais existe. Um fator importante é a demonstra-
ção do progresso higienista da construção, na qual a iluminação e a ven-
tilação, apesar da implantação ainda se mostrar bem ao estilo colonial, a
apresentação de melhorias no discreto afastamento lateral, bem como, o
outro lado da edificação, se dá em face da via pública. Também apresenta
discreta elevação com porões. Na fachada, apesar da discreta ornamen-
tação neorrenascentista, especificamente na platibanda, pode-se dizer
que ocorre a cópia em menor escala dos Palácios, no caso, das diagonais
chanfradas e da platibanda encontrada no Palácio do prédio da Delegacia
do Ministério da Fazenda, o que define claramente esta edificação dentro
da tipologia de Minipalacetes/Residências.
O simbolismo desta tipologia está associado à afirmação de que,
por volta do início do século XX, podia-se considerar que nas cidades
brasileiras havia ocorrido a libertação dos modelos urbanísticos de
implantação no lote de correspondência colonial e, que se vencia uma
etapa tecnológica. Apesar desta mudança não ter ocorrido de forma
homogênea, ela caracteriza a diversidade e complexidade representa-
das pelo conjunto remanescente das Três Praças, Entorno aos Mercados
e Bairros vizinhos ao centro.
Essas mudanças também estiveram associadas à instalação de no-
vos equipamentos nas cidades, como rede de esgotos, abastecimento
de água, iluminação e transporte coletivos, etc. Portanto, essa tipologia,
muito significativa das transformações arquitetônicas e urbanas das ci-
dades brasileiras do início do século XX, necessita de proteção e deve ser
alvo indiscutível de normas preservacionistas.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

146 | 214
Fábricas
A principal atividade industrial da cidade, por volta de 1900, é a
de produção de tecidos. Neste contexto, destaca-se como edificação
remanescente a Fábrica Confiança (Ribeiro Chaves) no Bairro Industrial
(Figura 78). Entretanto, são algumas das edificações das ruas José Prado
Franco, do Beco dos Cocos, Santa Rosa e João Pessoa, que eram ocupa-
das por grande número de atividades industriais (SILVA, 1920, p. 146).

Figura 78: Fábrica Confiança – Ribeiro Chaves – industrial com construções do final
do século XIX e alguns galpões em estilo Art Déco. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

147 | 214
A tipologia construtiva das Fábricas, em específico, da Fábrica
Confiança, tem sua composição e funcionalidade importada de mode-
los Ingleses. As formas em grandes galpões com oitões triangulares,
apesar de ter sido muito aplicado esteticamente nas fachadas das cons-
truções urbanas, não foram completamente assimiladas em relação a
sua disposição interna funcional nas edificações ecléticas em geral, de-
vido, especialmente, aos seus programas específicos. Entretanto, ser-
viram para influenciar a construção de modelos de casas pertencentes
aos chamados conjuntos de Vilas Operárias, como as da Vila Queiroz no
centro de Aracaju. A tipologia destas vilas operárias fazem lembrar, nas
suas fachadas e volumetria, apesar da escala muito menor, os galpões
das fábricas de tecidos.
Já as edificações que iriam servir as fábricas de óleos, camisas, cha-
péus de sol, de vinagre, de camas, móveis em geral, calçados, bebidas,
malas, por volta de 1920 em Aracaju (SILVA, 1920, p. 148), ocuparam
muitas das edificações de um pavimento nas ruas citadas (Figura 79).

Figura 79: A– Rua José Prado Franco; B – Rua Santa Rosa; C – Logradouro
conhecido como Beco dos Cocos; D – Rua de João Pessoa. Fonte: Donizeti da
Silva, 2014 (C e D), 2017 (A e B) – Locais possivelmente ocupados no início
do século XX por vários tipos de pequenas fábricas (SILVA, 1920, p. 148).

A B D

148 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


Essas construções térreas serão compostas por amplo galpão, mas
de tipologia retangular, sem recuos laterais e a fachada frontal nos limites
da rua, ainda segue a tipologia de implantação colonial. São classificadas
como neoclássicas, em especial, devido a sua platibanda, compostas por
frisos e algumas ornamentações de pilastras com capitéis inspirados nas
ordens gregas.
O simbolismo das Fábricas está associado a uma pretensa facilida-
de de reconhecimento de sua tipologia através da simplicidade formal
da edificação. Contudo, por trás dessa condição de “purismo” classi-
cizante da forma triangular, determinadora de suas prumadas faciais
neoclássicas, está o empate simbólico de toda uma época, ou seja, da
Função X Estética, da Beleza X Forma, que se desdobrará numa dispu-
ta que formalizará uma das frases mais importantes da virada do século
XIX para o XX, ou seja, de que “A Forma Segue a Função” pronunciada
pelo arquiteto Sullivan (PORTOGHESI, 1985, p. 35). Esse preceito ocu-
pará o que será denominado de Estética Fabril no Movimento Moderno
(BANHAM, 1979, p. 113).
Portanto, temos no Ecletismo esses dualismos conceituais sim-
bólicos coexistindo, pois existem tipologias utilizando o mais variado
repertório de revivais historicistas, recheando a cidade de “neos” e, a
Fábrica, como novo componente material e imaterial, impregnando a
mentalidade de vida de uma época, tornando-se rapidamente a grande
representação urbana de uma cidade moderna, alcunhada de filha da
sociedade industrial.
A posição geográfica da Fábrica de Tecidos Confiança em Aracaju,
no Bairro Industrial, formula uma organização espacial que tem rela-
ção “logística”, ou melhor, de uso, com o Mercado/Ancoradouro-Porto/
Estação de Trem. Eles formam uma das mais importantes representações
das transformações espaciais urbanas sofridas pelas cidades brasileiras
na virada dos séculos XIX para o XX, na qual, ao se comunicarem e dia-
logarem, conduziram as simbologias de uma cidade Moderna, de novas
mentalidades, agenciadas por novas tecnologias, alicerçadas na produ-
ção e no consumo das massas e, especialmente, na possibilidade de alçar

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

149 | 214
a pessoa comum (que antes ocupava o papel de coadjuvante no mundo
rural) em protagonista no novo mundo urbano, podendo se tornar dono
de um pequeno comércio, ou quem sabe, de uma grande indústria.
As pequenas e médias indústrias que ocupavam os armazéns das
Ruas José Prado Franco, O Beco dos Cocos, Santa Rosa, João Pessoa e ou-
tras, da área urbana central, tiveram o papel de novos protagonistas edi-
ficados, produzindo uma variada e complexa rede de relacionamentos,
que materializaram um novo modo de vida em Aracaju, representativo
do modo de vida urbano brasileiro de uma época.

Escritórios (comissões/designações/
fazendas/exportações)
De acordo com o ALBUM de Sergipe (SILVA, 1920, p. 146), havia
na área histórica central de Aracaju, por volta de 1920, ocupando os
Sobrados na Av. Otoniel Dória (Av. Rio Branco), Rua José Prado Franco,
Beco dos Cocos, Sobrados da Rua João Pessoa, aproximadamente, 6 escri-
tórios de miudezas e fazendas, 9 escritórios de fazendas, 10 escritórios
de exportação de açúcar, 17 escritórios de exportação de sal e 37 escri-
tórios de comissões e consignações. Contudo, apesar da grande impor-
tância dessas edificações como tipologia de Escritórios e representativa
de um conjunto, pode-se dizer que é o prédio da Antiga Alfândega de
Aracaju o exemplo monumental dessa tipologia (Figura 80).
O prédio remanescente da Antiga Alfândega de Aracaju estaria clas-
sificado como de um ecletismo neorrenascentista despoliciado, ao mesmo
tempo em que também poderia ser inserido, conforme Lemos (in FABRIS,
1987, p. 75), num ecletismo historicista, que constitui elementos influen-
ciados por variados modelos de construções antigas e alheias ao mundo
clássico, em que são comuns obras neorromânicas ou medievalistas como
as bossagens em forma de rusticações presentes no corpo da edificação.
Esse estilo de ecletismo também se incluiria em outras edificações rema-
nescentes de Aracaju, como é o caso do Instituto Parreiras Hortas no Bairro
São José, que possui influências de formas mouriscas e árabes.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

150 | 214
A

Figura 80: A – Sobrados na Av. Otoniel Dória


(Av. Rio Branco); B – Sobrado na Rua José Prado
Franco; C – Sobrado no logradouro Beco dos
Cocos; D – Sobrados da Rua João Pessoa;
E – Antiga Alfândega de Aracaju. Fonte: Donizeti
da Silva, 2014 (C), 2017 (A, B, D e E) .

B C

E
D

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Os Escritórios ocuparam na organização espacial da cidade daquele
período o que se pode chamar de um “subsistema simbólico”, ou seja,
havia uma relação entre eles e o Mercado, Ancoradouro-Porto, Fábrica
Tecidos, Pequenas Fábricas, Produção Agrícola e Estação de Trem, que
davam subsídio administrativo ao sistema urbano.
Esses Escritórios que ocupavam em conjunto ou, às vezes, em se-
parado, as edificações de volumetria de Armazéns e Sobrados garantiam
atividades que, no conjunto geral, eram a espinha dorsal da economia da
cidade, pois eram os locais onde se vendia e comprava, onde se nego-
ciava. Portanto, os Escritórios é que garantiam as relações dos sistemas
urbanos existentes daquele período.

Lojas de Ferragens
Uma das questões mais importantes da formação da espacialidade
das cidades daquele período era o de ter acesso às novas tecnologias, ou
seja, aos novos materiais, às ferramentas e máquinas que dariam con-
dições para o desenvolvimento não apenas de novas atividades, como
a fábrica de móveis e bebidas gasosas, como também, oferecessem os
materiais necessários para que as novas edificações resolvessem os no-
vos programas construtivos exigidos pelos projetistas/engenheiros da
época. Essa tipologia podia ser encontrada nos Armazéns e Sobrados e,
especialmente, na tipologia designada por Lojas de Ferragens, possivel-
mente presentes nas ruas Santa Rosa, José Prado Franco, Beco dos Cocos
e na João Pessoa (Figura 81).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

152 | 214
Em 1920, essas ruas mencionadas apresentavam qua-
tro Lojas de Ferragens (SILVA, 1920, p. 148). O simbolismo
mais importante desta tipologia estava inserido na possibi-
lidade do desenvolvimento e do “progresso”. Normalmen-
te em outras cidades, essas lojas estavam associadas aos
primeiros bancos de empréstimos de dinheiro e também
podiam ser chamados de Banco Construtor, uma vez que
vendiam “à prestação” os materiais voltados não apenas
para a construção civil, bem como, equipamentos agrícolas
e maquinarias industriais. Essas atividades, na maioria das ci-
dades brasileiras, eram agenciadas por imigrantes alemães
(SILVA, 2011, p. 69).
A B
Casa/Comércio
Essa tipologia é uma das mais importantes na orga-
nização espacial das cidades brasileiras do final do XIX até
a metade do século XX, uma vez que propiciaram vida e
“dinamismo” à área central da cidade e, ao mesmo tempo,
está relacionada ao simbolismo do Viver, Morar e Trabalhar
num mesmo local. Em Aracaju, tal tipologia encontra-se nos
Sobrados da Rua Santo Amaro, 05 e 09, na Praça Olímpio
Campos, 619, na Travessa Benjamim Constant, 68, em vá-
rias edificações da Av. Otoniel Dória (Av. Rio Branco), da
Rua Santa Rosa, da Rua José Prado Franco, Beco dos Cocos,
da Rua João Pessoa e da Rua Laranjeiras (Figura 82).
C D

Figura 81: A – Vista geral da Rua Santa Rosa; B – Vista geral da Rua José
Prado Franco; C – Vista geral do Beco dos Cocos; D – Vista geral da
Rua João Pessoa. Fonte: Donizeti da Silva, 2014 (A, B e D), 2017 (C).

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A B D

E F

Figura 82: A – Rua Santo Amaro, 05 e 09; B – Praça Olímpio Campos, 619; C – Travessa
Benjamim Constant, 68; D – Av. Otoniel Dória; E – Rua de Santa Rosa; F – Rua José Prado
Franco; G – Beco dos Cocos; H – Rua João Pessoa, 258/252. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

154 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


As casas urbanas do modelo colonial tentavam resolver em parte
os problemas de subsistência por meio de pomares, criação de aves e
porcos, plantação de macaxeira; hábitos que acentuavam a vinculação ao
mundo rural. Já as casas urbanas do final do século XIX e início do XX
assumiam propostas dos novos modelos urbanos florescentes, ou seja,
estavam veiculados a uma atividade comercial e/ou industrial, normal-
mente estabelecida na parte da frente da edificação quando térrea ou na
parte de baixo quando verticalizada em dois pavimentos.
Então se pode encontrar nesta tipologia Casa/Comércio dois tipos
de edificações: as térreas e as assobradadas. Na térrea, a disposição da
planta-baixa ou o partido se fixava na frente da edificação com o comér-
cio, no meio ficava a moradia e na parte dos fundos os serviços (cozinha e
às vezes o banheiro). Já nos prédios de dois pavimentos, os sobrados, que
se tornaram a principal representação das pessoas mais bem-sucedidas
na organização espacial das cidades daquele período, possuíam uma dis-
posição interna na qual, basicamente, a parte térrea ficava voltada para
o comércio e a superior para as atividades intimas/sociais da família do
proprietário/comerciante.
As atividades que poderiam ser encontradas nestas edificações es-
tavam voltadas para profissões liberais, como alfaiates, costureiras, sapa-
teiros, médicos e etc.; de acordo com o ALBUM de Sergipe (SILVA, 1920,
p. 146), servindo a mais de 26 lojas de fazendas e armarinhos, 128 arma-
zéns de secos e molhados, quitandas e pequenos armazéns, tabacarias,
selarias, lojas de calçados, miudezas, lojas de modas (na maioria ao gosto
Francês), padarias e tipografias.
A tipologia Casa/Comércio exemplifica como a espacialidade da
maioria das cidades brasileiras na virada dos séculos XIX para o XX estive-
ra sujeita, apresentando um simbolismo característico e o aparecimento
de um novo protagonista urbano: o comerciante.
Estes comerciantes representaram, por meio das edificações, uma
cultura urbana e arquitetônica implantada no primeiro terço do século XX,

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

155 | 214
ou seja, ao atingirem uma posição de destaque no quadro social e eco-
nômico local, tendo se estabelecido na cidade no início do século e pro-
gredido, se utilizaram das construções com a função de moradia e
comércio. Aproveitando este crescimento econômico urbano, compra-
ram as antigas construções das ruas citadas, especialmente aquelas de
moradia unifamiliar, e as demoliram ou reformaram. No lugar deste tipo
de edifício (casa de moradia unifamiliar) construíram um tipo de prédio
com a finalidade de “resgatar” o morar e trabalhar num mesmo local,
mas agora, de forma ampliada, confortável e bela.
Para este tipo de construção buscaram como modelo aqueles anti-
gos sobrados da época (neorrenascentistas amaneirados), e assim, fize-
ram seus comércios na parte térrea e sua habitação no andar ou andares
superiores representando, simbolicamente, qual seria o modo vitorioso
de vida urbano no início do século XX nas cidades brasileiras.

Hotéis/Pensões
Até os dias atuais percebem-se, na área central da cidade de Aracaju,
muitos pequenos Hotéis e Pensões. Esta tipologia teve uma afirmação
muito rápida no conjunto construtivo das ruas Santa Rosa, José Prado
Franco, João Pessoa, na Av. Otoniel Dória e, especialmente, no Beco Dos
Cocos, em que ocupavam os antigos Sobrados destas ruas.
Este tipo de atividade foi extremamente rentável, lucrativa, duran-
te o final do XIX até a metade do século XX, sendo muito explorada, mas
com a decadência da produção industrial e agrícola, esta atividade so-
freu adaptações, a maioria socialmente negativa, como todas as outras
anteriormente citadas.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

156 | 214
Edificações Religiosas
Estas edificações pertencem ao chamado Ecletismo Historicista, no
qual o neogótico é o mais frequentemente utilizado, como nas constru-
ções da Catedral Metropolitana, na Igreja de São Salvador e, na década
de 1930, na Igreja Santo Antônio. As duas primeiras localizadas na área
central de Aracaju e a terceira, no Bairro do Santo Antônio; pode-se ver
a aplicação desta tipologia por toda a cidade, bem como ela também foi
aplicada em uma Igreja de feições anteriores ao estilo, ou seja, na Igreja
da Fábrica Sergipe Industrial no Bairro Industrial (Figura 83).

A B C
Figura 83: A – Catedral Metropolitana
de Aracaju; B – Igreja de São
Salvador – considerada a primeira
igreja da capital, foi inaugurada
em 1857, sendo matriz até 1875,
passou por várias reformas sendo
que a da década de 1920 conferiu-
lhe características neogóticas
(NASCIMENTO, 1981, p. 90);
C – Igreja de Santo Antônio, na
colina do mesmo nome, suas
feições neogóticas são da década de
1930; D – Igreja da Fábrica Sergipe
Industrial, no Bairro industrial, feições
neogóticas, porém com traços em
estilos anteriores. Fonte: Donizeti
da Silva, 2013 (A), 2014 (B, C e D).

157 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


O simbolismo religioso sempre foi muito importante na configu-
ração espacial das cidades brasileiras, tanto no período colonial, quanto,
neste novo momento urbano do final do século XIX e início do XX. As
edificações religiosas compuseram e se apresentaram em posição de
centralidade e foco da espacialidade da cidade.
Na cidade de São Cristóvão, capital provincial que antecede Aracaju, a
disposição do Palácio Governamental ficava em frente a uma Igreja (Conven-
to de Santa Cruz). Já na nova disposição da espacialidade urbana da cidade co-
mercial/industrial, a principal Igreja, a Catedral Metropolitana, fica localizada
atrás dos principais Palácios governamentais, numa clara disposição simbóli-
ca representativa da vitória do Estado sobre a Religião (Figura 84).

Figura 84: Vista aérea da área central de Aracaju, com o Rio Sergipe; a
Ponte do Imperador; a Praça Fausto Cardoso e os Palácios Olímpio Campos
(direita) e Fausto Cardoso (esquerda), ao fundo, a Catedral Metropolitana;
inversão da espacialidade do poder, ou seja, os palácios governamentais
estão posicionados a frente do poder religioso. Fonte: Pedro Leite, 2011.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

158 | 214
O neogótico, ou estilo eclético historicista, também foi muito em-
pregado em Minipalacetes ou pequenas réplicas de residências urbanas.
Entretanto, muitos exemplares dessa tipologia associada ao neogótico
sofreram descaracterizações nas áreas históricas urbanas remanescen-
tes no centro de Aracaju e nos bairros vizinhos ao centro. Ainda pode-
mos ver alguns remanescentes na Av. Ivo do Prado, especificamente, na
casa de um dos homens que representaram a relação da cidade com o
Rio Sergipe, ou seja, o Prático Zé Peixe (Figura 85).

Figura 85: Estilo neogótico na Av. Ivo do Prado, casa de “Zé Peixe”.
Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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Escolas ou Instituições de Ensino
H
A Antiga Escola Normal; o Grupo Escolar General Siqueira (atual Figura 86: A – Antiga Escola Normal (atual Centro de Artesanato
Quartel da Policia Militar); o CULTART (Antiga Faculdade de Direito); de Aracaju), na Praça Olímpio Campos; B – Grupo Escolar General
Siqueira (Atual Quartel da Polícia Militar de Sergipe), na Rua
o Colégio Manoel Luiz (Bairro Cirurgia) e Antigo Colégio Ateneuzinho, o Itabaiana; C – CULTART – Centro de Cultura e Arte da UFS, na
Oratório Festivo Dom Bosco (Oratório de Bebé), o prédio da Academia Av. Ivo do Prado; D – Escola Valnir Chagas, na Rua Itabaiana em
Sergipana de Letras e a Escola Valnir Chagas (Figura 86) representam frente ao Quartel da Polícia Militar de Sergipe; E – Colégio Dr.
Manoel Luiz, na Av. Pedro Calazans n. 995, no Bairro Cirurgia;
características simbólicas marcantes neste tipo de edificação e que ca-
F – Colégio Atheneuzinho, inaugurado em 13 de agosto de
racterizaram uma cultura arquitetônica nacional de época, como o uso 1926, na Av. Ivo do Prado, Centro; G – Oratório Festivo Dom
de escadarias, colunas e frontões de pedra, que ornam e marcam com Bosco – Oratório de Bebe – no Bairro Suissa; H – Academia
Sergipana de Letras, na Rua Pacatuba n. 288. Fonte: Donizeti
frequência as fachadas destes edifícios, bem como, pilastras encimadas
da Silva, 2013 (A e B), 2014 (D, E, F e H), 2017 (C e G).
por ornamentos neorrenascentistas, como podem ser vistos na entrada
da Antiga Escola Normal.

A C D G

B E F

160 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


No CULTART, tanto a escadaria como as colunas clássicas amanei-
radas representam essa tipologia simbólica da arquitetura nacional da
época. Esta mesma característica simbólica compõe a entrada do Colégio
Manoel Luiz no Bairro Cirurgia, bem como, está presente nas tipologias
de Palácios, Palacetes/Residenciais deste período, caracterizando uma
cultura arquitetônica aplicada na maioria das cidades brasileiras.
O uso das escadas marcando a entrada principal e elevando o piso
do primeiro pavimento da edificação tem condicionantes técnicos den-
tro do paradigma sanitarista, mas representa, simbolicamente, a eleva-
ção daquele monumento a um destaque de superioridade. Desta forma,
o “Poder”, a Casa dos Poderosos, bem como o “Conhecimento” estariam
alçados acima de outras atividades e funções do espaço urbano daquela
época. Portanto, devendo ser construídos acima do nível da rua, ou seja,
num patamar de superioridade denotando ordem e progresso sempre
presentes na ideologia positivista da República.

Mercados Municipais
Esta tipologia está presente nas cidades desde os tempos mais re-
motos da formação urbana. Em cada época, naturalmente, acondicio-
nam funções intensas, como por exemplo, no período romano, a venda
de mercadorias das mais variadas ordens e escriptorias para negociação
dessas produções chamadas de “Foro Boario e Foro Olitorio” (BENEVOLO,
1999, p. 139), tanto no atacado, quanto no varejo.
As tradições de feiras no Nordeste e em locais para a comercializa-
ção dos mais variados produtos determinaram uma cultura de valor pa-
trimonial expressivo na formação das cidades brasileiras (NUNES, 1989,
p. 146 a 147). Essas tradições desaguaram, na maioria das vezes, nos
próprios locais urbanos, os quais seriam implantados nas cidades brasi-
leiras no final do século XIX até o início do século XX e denominados, na
cultura urbana, de Mercados Municipais.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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Esta tipologia, mesmo estando presente nas transformações da A
maioria das cidades brasileiras, a virada dos séculos XIX para o XX, foi
muito influenciada pelo exemplo importante do Mercado Municipal de
São Paulo. No caso de Aracaju, o simbolismo do Mercado estaria mais
próximo ao Mercado Ver-O-Peso da cidade de Belém do Pará. Obviamen-
te, guardadas as questões simbólicas locais e não locais. Não seriam exa-
tamente a arquitetura Eclética que aproximaria estas duas edificações
devido a suas personalizações, mas, especialmente, a implantação as
margens de um Rio. Bem como os sabores e odores desta localização,
B
as relações com as áreas vizinhas centrais e seu subsistema econômico,
a determinação de uma nova vida urbana que ainda guardava relação
com o comércio tradicional do tempo colonial das feiras; entretanto,
agora marcado pelo ritmo das horas simbolizado com ênfase no Relógio
Central de Aracaju, que constitui o ponto focal da edificação e determina
o ritmo das horas das embarcações, do trem, do comércio, ou seja, do
ritmo de vida urbano (Figura 87).

Figura 87: A – Vista dos Mercados a partir da travessia de “Tototó” do Rio C D E


Sergipe; B – Vista do mercado mais antigo, o Antonio Franco; C – Detalhe da
fachada do Mercado Antonio Franco na Rua José Prado Franco; D – Detalhe
do Relógio; E – O Relógio, eclético, e o prédio Maria Feliciana ao fundo –
contemporâneo. Fonte: Donizeti da Silva, 2013 (C, D e E), 2017 (A e B).

162 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


Uma mentalidade de vida tradicional amalgamada, misturada,
com uma nova forma de viver nas cidades, esta é a simbologia maior dos
Mercados Municipais, ou seja, representações indissociáveis das formas
de viver e sobreviver das cidades brasileiras do final do XIX e início do XX.
Nesta edificação, não apenas se comprava os produtos necessá-
rios à vida do dia a dia, mas também expunha e acomodava “gestuais”,
comportamentos, relacionamentos, tradições, como a venda de animais
vivos, comuns nos interiores do Brasil, modo de vender que teve que se
adaptar à cidade.
Nos Mercados Municipais, muitos relacionamentos aconteceram
ocasionando, inclusive, posteriores casamentos, o relacionamento huma-
no se dava a partir dos encontros possíveis nas compras realizadas nos
mercados. Pode-se dizer que se tratava do “Footing” comercial diferente
do das Praças nos finais de semana, em que os homens e as mulheres
caminhavam em sentidos opostos visando se encontrar.
As notícias sobre acontecimentos importantes na mudança de
vida daquela época ali eram agenciadas durante a espera para embarcar
nos vapores que ancoravam no embarcadouro logo à frente. Nos miran-
tes desta edificação, ainda hoje se pode observar, bucolicamente, o Rio
Sergipe caminhando em direção ao Mar (O Rio Mar) fazendo com que
ocorra uma harmonia entre a cidade construída e a natureza.
Neste local encontram-se todos os Simbolismos relacionados ao
modo de vida de cidades no Nordeste e Norte do Brasil, que tem na relação
da espacialidade urbana Mercado/Rio/Mar sua existência. Mais do que
um patrimônio material, a área dos Mercados agrega todas as representa-
ções imateriais dos sergipanos, como o artesanato, culinária, plantas, etc.
Nesse conjunto Eclético de Aracaju, a arquitetura do Mercado
Antônio Franco foi inspirada num pastiche de colagens neorrenascentis-
tas, justapondo vários elementos amaneirados, chama a atenção à des-
proporcionalidade do volume do Relógio (indicador do tempo do ritmo
da vida urbana), em contraposição à predominância da horizontalidade
do corpo em forma de claustro da edificação formado pelos mercados
Antonio Franco e Thales Ferraz.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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E no Thales Ferraz, apesar das descaracterizações propostas nas B
“reinvenções” realizadas há pouco tempo (anos recentes), um neocolo-
nial tardio ao gosto das MISSÕES e com uma série de inserções eclé-
ticas inspiradas nas composições medievalistas afrancesadas presentes
nas formas arredondadas de simulacros que lembram torres dos castelos
normandos (Figura 88).
Também é possível verificar, no guarda-corpo dos mirantes do
Mercado Antônio Franco, a inserção de elementos ornamentais de-
corativos já inspirados em composições florais que se remetem a um
Art Nouveau que faz lembrar a inspiração do movimento da Secessão
Austríaca e que também podem ser vistos no gradil de ferro da Asso-
ciação Comercial (formas de inspiração floral – aparentemente tulipas).

Figura 88: A – Mercado Antônio Franco; B – Mercado Thales


Ferraz visto de um dos mirantes do Antônio Franco; C – Vista
do Mercado Thales Ferraz da Rua José Prado Franco. Fonte:
Donizeti da Silva, 2014, 2013 e 2017, respectivamente.

A C

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Dos anos de 1910 até 1950, a arquitetura eclética de Aracaju re-
cebeu acréscimos representativos das mudanças sociais/econômicas/
políticas, enfim, humanas, que as cidades brasileiras passavam naquele
período. Entre esses acréscimos inseridos dentro do Ecletismo, podem-
-se destacar, inicialmente, grupos relacionados a construções no estilo
Chácaras e Vilas, que empregam o que ficou conhecido no urbano como
edificações de estilo indefinido que se aproveitava de características
construtivas dos Chalés europeus.
Ao Ecletismo também se acrescentaram, a partir da Primeira
Grande Guerra, edificações chamadas de “Tradicionalistas” ou “Neo-
coloniais”, muitas no estilo denominado de Missões. Bem como edifica-
ções de tipologias variadas, especialmente, nos Palácios. Nos Palacetes/
Residências e Minipalacetes ocorrera o acréscimo de ornamentações e
decorações Art Nouveau.
Essas alterações urbanas estiveram relacionadas às transforma-
ções socioeconômicas e tecnológicas pelas quais as cidades brasileiras
estiveram sujeitas. A modernização dos transportes em Aracaju, com o
aparecimento de linhas férreas, ligando o interior ao litoral, imprimindo
mais dinâmica a ideia de “porto” de escoamento produtivo, provocou a
introdução de novas tipologias construtivas e, especialmente de trans-
formações de antigas tipologias ecléticas em novos usos. Um dos exem-
plos mais marcantes é a transformação de várias das edificações das Ruas
Santa Rosa, José Prado Franco/Beco dos Cocos e João Pessoa, ou seja,
dos Armazéns em Lojas de Móveis e toda variedade de bens de consumo
e, que iriam, na segunda metade do século XX se tornar as Lojas de De-
partamentos, que até hoje existem na área histórica central de Aracaju,
bem como de qualquer cidade brasileira.
Neste novo contexto urbano, de 1930 até 1950, com a aceleração
e incremento da economia comercial e industrial, como da Fábrica de
Tecidos, bem como de pequenas FÁBRICAS de camisas, saboarias, mo-
veis de madeira (camas) e posteriormente ferro, fábricas de óleo, serra-
ria, vinagre, vinho, selarias, padarias, tipografias, malas, bebidas gasosas,

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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café, etc. (SILVA, 1920, p. 148) que ocupavam toda a área central da ci-
dade de Aracaju e, especificamente, suas ruas iniciais, surgirá uma nova
preferência arquitetônica para o comércio e a indústria: o Art Déco.
Contudo, mesmo não havendo espaço naquele “miolo” central para
novas edificações, algumas surgiram como representação de tipologias
que lembram os Palácios dignos do Ecletismo, mas agora utilizando o Art
Déco, que vem para representar o poder econômico comercial-industrial
instituído, como no Palácio Serigy, Palácio Carvalho Neto (Arquivo do
Estado) e a Sede do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (Figura 89).

A B C

Figura 89: A – Palácio Serigy localizado na Praça General Valadão,


no centro, em estilo Art Déco com predominância das linhas de força
horizontais sobre as verticais; B – Palácio Carvalho Neto localizado na Praça
Fausto Cardoso, apresenta forte relação com as “flutuações” das formas
dos zigurates mesopotâmicos; C – Sede do Instituto Histórico e Geográfico
de Sergipe, inaugurado em 1939, os volumes desta construção possuem
inspiração nas linhas aerodinâmicas dos “foguetes e aviões”, característica
marcante do design desta época. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

166 | 214
Essa transformação arquitetônica na mesma malha urbana, ou ao
menos, no Culto a Linha iniciado pelo “Quadrado de Pirro”, recebeu um
último acréscimo de intervenções, por volta de 1940 até 1950: as edi-
ficações no estilo conhecido como antecedente a arquitetura Moderna,
ou seja, o Protomoderno.
As edificações que se apresentavam desde o início do século XX,
muitas já transformadas, ao menos suas platibandas, em construções
Art Déco, somadas às Protomodernas, ainda são capazes de serem apre-
ciadas nos conjuntos que pleiteiam proteção em Aracaju.
As edificações Ecléticas constituídas inclusive pelas características
de Chácaras/Chalés/Vilas e suas contrapartidas Neocoloniais, as Ecléti-
cas acrescidas ou ornadas no estilo decorativo Art Nouveau, as Ecléticas
reutilizadas em alterações compositivas Art Déco, as “genuinamente”
Art Déco, as do final da primeira metade do século XX chamadas de Proto
e Modernista formam a Diversa e Complexa arquitetura remanescente
da área histórica urbana de Aracaju e bairros vizinhos, resultando em
Formas tipológicas locais e não locais do início do XX até sua metade.

Chácaras/Chalés/Vilas
A tipologia das Chácaras/Chalés está associada a algumas condi-
ções iniciadas no Ecletismo, uma vez que se entende que até 1910 vários
estilos conviveram, simultaneamente, como: o Art Nouveau com o Ecle-
tismo, o Neocolonial com o Ecletismo, ou seja, era possível agrupar uma
grande variedade de definições estilísticas historicistas e novas em uma
edificação ou coexistindo no mesmo espaço urbano.
Contudo, pós 1910, ocorreram separações mais “rígidas”, princi-
palmente entre o estilo Neocolonial/Missões e o Ecletismo. O caso dos
Chalés estaria, antes de 1910, denominado como obras de estilo indefi-
nido (apesar de classificadas dentro do período e estética Eclética), suas
características construtivas, especialmente os telhados, eram extraídas
dos chalés alpinos, e de acordo com Lemos (in FABRIS, 1987, p. 75),

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

167 | 214
A B C

D
caracterizavam construções que expressavam um “tom romântico”, ar Figura 90: A – Sobrado, Chalé na Rua Estância, 53;
bucólico e campestre, numa alusão ao conceito ideológico do pitoresco, B – Sobrado, Chalé na Rua Estância, 63;
C – Sobrado, Chalé na Rua Estância, 87;
numa linguagem simbólica geral, que buscava um retorno à vida rural. D –Sobrado, Chalé na Rua Itabaiana, 783.
Os considerados Chalés, na Rua Estância, 53 e 63, possuem ca- Fonte: Donizeti da Silva, 2014.
racterísticas ecléticas desses telhados alpinos. Também apresentam
alguns elementos Neocoloniais dentro do estilo chamado de Missões,
como por exemplo, o 63 apresenta pintura irregular sobre a superfície
da parede, muito comum nas edificações mexicanas do início do século
XX. Já o Chalé, na mesma rua, 87, apesar de possuir telhados caracte-
rizados pelo historicismo europeu, apresenta características Neocolo-
niais na torre quadrada e no avarandamento com guarda-corpo com
balaustradas neobarrocas. Outro Chalé com uma variante expressiva
Neocolonial no seu jogo de volumes formal, também pode ser visto na
Rua Itabaiana, 783 (Figura 90).
A Vila Queiroz, Vila Operária na área central de Aracaju, localizada
em um dos “miolos” de quadra desta área, apresenta características re-
lacionadas ao Neocolonial, especialmente nos seus frontões triangulares
que fazem lembrar casas de fazenda e também se relacionam às tipolo-

168 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


gias volumétricas ecléticas formais das fábricas de tecelagem, como as
da Fábrica Confiança (Figura 91). São obras populares nascidas de re-
produções simplificadas de modelos neocoloniais, realizadas por volta
de 1920 (FABRIS, 1987, p. 75).
A Vila Carmem é um dos exemplos mais interessantes da coexis-
tência entre os estilos eclético e neocolonial. Ela apresenta característi-
cas marcadamente ecléticas, passando inclusive por um neoclassicismo
ortodoxo marcado pelo “oitão” triangular de uma das suas fachadas late-
rais. A disposição da implantação e o volume da construção obedecem
a uma planta retangular, bem como o telhado, em duas águas. Também
são inseridos no prédio elementos ditos neocoloniais. O avarandamento
lateral, já bem analisado nas construções relacionadas às mudanças de
tecnologias do início do XX, encerra uma polifonia de estilos convivendo
em uma única edificação, como o neorrenascimento amaneirado. Sen-
do essa mescla de estilos uma das características mais expressivas dos
espaços urbanos das cidades brasileiras dessa época, ou seja, a própria
diversidade e complexidade de sua cultura arquitetônica (Figura 92).

A B

Figura 91: A – Vila Queiroz no “miolo” de quadra no Centro de Aracaju.


Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

Figura 92: B – Vila Carmem localizada na Av. Ivo do Prado ao lado do CULTART.
Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

169 | 214
Sobrados/Residências – Neocoloniais; Art Déco;
Proto e Modernistas
Até 1910 ocorre uma coexistência de estilos. A partir da Primeira
Guerra Mundial, nas cidades brasileiras, fica reconhecido o nascimento
de uma oposição ao Ecletismo denotado por um estilo denominado
Neocolonial.
Nas áreas de entorno aos mercados e as praças, bem como em
muitas edificações nos bairros vizinhos ao Centro de Aracaju, observa-se
um conjunto eclético remanescente de grande valor representativo das
transformações urbanas no Brasil do final dos séculos XIX até o início
do XX. Nos bairros vizinhos ao Centro, a partir de 1910 até 1930, são
construídas edificações que buscam um contraponto ao ecletismo e que
também alteram a paisagem urbana da maioria das cidades brasileiras,
esse estilo é denominado Neocolonial (http://www.piratininga.org/estilo-
-missoes/estilo-missoes.htm> acesso 26 de maio de 2013).
O Neocolonial foi um estilo muito empregado no Brasil após a Pri-
meira Grande Guerra e pode ser dividido em dois grupos: o Neocolonial
Luso-Brasileiro e o Neocolonial Hispano-Americano também chamado
de Missões. Apesar de o senso comum dizer que o Neocolonial teria genui-
namente se originado no Brasil, ele teve como origem os Estados Unidos,
a partir do final do século XIX nas áreas colonizadas por espanhóis, como
a Califórnia, Novo México, o Arizona, o Texas e a Flórida. Existem pou-
cas ou quase nenhuma referência teórica sobre o Neocolonial no Brasil.
Esse aspecto é justificado pelo triunfo da arquitetura moderna sobre o
ecletismo e especialmente sobre o Neocolonial, considerado por muitos
arquitetos do paradigma modernista como uma arquitetura “grotesca”
ou exemplos construídos de “aberrações” estilísticas.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

170 | 214
Sem sombra de dúvidas, o Neocolonial/Missões alterou a paisa-
gem urbana das cidades brasileiras entre os anos de 1910 até 1940,
tendo se espalhado na década de 1930 por todas as cidades brasileiras,
inclusive Aracaju.
A ideologia marcante do Neocolonial no Brasil está associada à
retomada de uma cultura local, própria, de busca de uma “identidade”
nacional contrapondo-se a exagerada utilização e prestígio dado aos revi-
vais historicistas europeus, especialmente, o neorrenascimento, nos con-
juntos ecléticos que predominaram da metade do XIX até o início do XX.
Em grande parte das cidades brasileiras deste período podiam ser
vistos inúmeros exemplares edificados sobre a mescla do Neocolonial/
Missões, como na cidade de São Paulo, no Jardim América, bairro da clas-
se média alta, podem ser encontrados ainda inúmeros remanescentes
de construções neste estilo, às vezes, denominadas pelos paulistanos de
casas de “alpendres”.
No nordeste brasileiro, na maioria de suas capitais, o Neocolonial/
Missões pode ser facilmente encontrado, especialmente nos bairros vi-
zinhos às áreas históricas centrais, como em João Pessoa na Paraíba
(http://ppgau.ufba.br/urbicentros/2012/st303.pdf> acessado em 27
de maio de 2013)
Entender como o estilo Missões ganhou tanta popularidade no Brasil,
como também nas construções da década de 1930 em Aracaju, é com-
preender os simbolismos que este tipo de construção expressava e que
estavam ligadas às transformações do modo de viver agora agenciado pela
cultura norte-americana de Hollywood, ou seja, no American way of life.
Entretanto outras questões do gosto da época, como a delicade-
za e graciosidade das formas hispânicas frente à rusticidade das formas
luso-brasileiras poderiam melhor explicar esse gosto adquirido, espe-
cialmente em Aracaju, devido a sua relação com a imigração espanhola
daquele período.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

171 | 214
Dois “maravilhosos” exemplos de tipologia de Sobra-
dos/Residências, estilo mesclado entre Neocolonial e Mis-
sões, podem ser apreciados na Av. Ivo Do Prado, 792 e 896.
Em ambos, pode-se verificar o telhado em quatro águas, o
que denota uma característica luso-brasileira, entretanto, o
elemento marcante são os arcos com bases largas, utilizadas
na América hispânica, influenciada pela arquitetura árabe e
alterados para cumprir a função de dar passagem a “mulas”
que transportavam cargas dos dois lados (Figura 93).
Na mesma Av. Ivo do Prado no número 312, pode-se ve-
rificar novamente a presença do estilo mesclado, entretanto
variando mais para Missões no que diz respeito ao uso do arco,
aos balcões com balaústres torneados de madeira, o motivo A B
mourisco como guarda-corpo em um dos arcos e os arcos or-
namentados com aduelas de pedras ou imitação. O Neocolo-
nial ficaria apenas por conta das telhas coloniais (Figura 94).
Ainda na Av. Ivo do Prado, 586, pode-se verificar a mes-
cla entre Neocolonial/Missões. O telhado caracteriza-se a par-
tir das chamadas “telhas coloniais de ponta arrebitada” e da
ligeira curvatura antes de atingir os beirais numa indicação
do “galbo” característica das construções luso-brasileiras. A
influência do estilo das Missões pode ser verificada nas grades
de ferro batido artisticamente trabalhadas nas janelas e de
uso muito comum nesta variação do Neocolonial (Figura 95).

C D

Figura 93: A – Capitania dos Portos de Sergipe, Av. Ivo do Prado, 792,
bairro São José; B – Sobrado Neocolonial/Missões na Av. Ivo do Prado,
896, bairro São José. Fonte: Donizeti da Silva, 2013 (B), 2014 (A).
Figura 94: C – Sobrado Neocolonial/Missões na Av. Ivo do Prado,
312, Centro; Figura 95: D – Sobrado Neocolonial/Missões na Av. Ivo
do Prado, 586, Bairro São José. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

172 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


Outros exemplos de Sobrados remanescentes podem ser encon- Uma das ruas que apresenta um conjunto remanescente de Sobra-
trados na Rua Riachuelo, 431, 439 e 455. Na edificação 431, pode-se dos com ótimos exemplares Neocoloniais/Missões é a Dom José Thomaz.
verificar a mescla Neocolonial/Missões no telhado, sendo que a curva- No Sobrado, 55, apresenta uma das características mais importantes do
tura do beiral segue a curvatura larga do arco na qual as telhas avançam estilo Missões que é a torre circular com telhado de beiral, um dos elemen-
sobre o beiral (característica expressiva do estilo MISSÕES). No número tos de maior frequência neste tipo de composição estilística, os números
439 predomina o estilo Neocolonial a partir da forma de quatro águas 62, 75 e 91 mesclam o Neocolonial luso-brasileiro e Missões (Figura 97).
do telhado, já no 455 é muito interessante a liberdade compositiva entre
Neocolonial/Missões que domina as formas e ornamentações emprega-
das no “alpendre” e na varanda do pavimento superior (Figura 96).

B C D E

Figura 96: A – Rua Riachuelo n. 431; B – Rua


Riachuelo n. 439; C – Rua Riachuelo n. 455.
Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

Figura 97: D – Sobrado Neocolonial/Missões na Rua


Dom José Thomaz, 55 (demolida em 2015). Desenho:
Adriana Dantas, a partir de foto antiga, 2017; E – Sobrado
Neocolonial/Missões na Rua Dom José Thomaz, 62.
Fonte: Donizeti da Silva, 2017; F – Sobrado Neocolonial/
Missões na Rua Dom José Thomaz n. 75. Fonte: Donizeti
da Silva, 2014; G – Sobrado Neocolonial/Missões
na Rua Dom José Thomaz, 91, (demolida em 2017).
Desenho: Adriana Dantas, a partir de foto antiga, 2017.
A F G

173 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


Na mesma rua ainda se pode verificar nos números 129 e 436,
grande liberdade de composição e jogos de volumes, bem como no úl-
timo exemplo aparecem às típicas colunas retorcidas ou “salomônicas”, Figura 99: C – Sobrado da Rua Itabaiana, 724; D – Sobrado da Rua
Itabaiana, 852; E – Sobrado da Rua Itabaiana, 864. Fonte: Donizeti
ornamentação muito empregada nestas expressões plásticas da década da Silva, 2014; F – Sobrado da Rua Itabaiana, 983, (demolida em
de 1930 (Figura 98). 2014). Desenho: Adriana Dantas, a partir de foto antiga, 2017.

A B C D

Figura 98: A – Sobrado Neocolonial/Missões na Rua Dom José Thomaz, 29;


B – Sobrado Neocolonial/Missões na Rua Dom José Thomaz, 486.
Fonte: Donizeti da Silva, 2014 e 2017 respectivamente.

Na Rua Itabaiana encontram-se bons exemplos de tipologia dos


Sobrados no estilo Neocolonial/Missões, como no número 724, com os
beirais sustentados por simulacros de “cachorros”. Nos números 852 e
864, pode-se verificar, por volta de 1930 a 1940, a grande liberdade de
composição empregada pelos projetistas na mescla entre esses dois es- E F
tilos. No número 983 desta rua, verifica-se a predominância do Neocolo-
nial, uma vez que a torre se torna quadrada, numa variação de liberdade
compositiva inspirada na vertente circular do estilo Missões (Figura 99).

174 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


Encontra-se essa arquitetura em outros pontos dos bairros vizinhos
ao Centro, como na Rua Vila Cristina, 382, sendo um bom exemplo de
Sobrado no estilo Missões, com torreão circular com beirais, com jane-
las com gradis de ferro batido em motivos árabes. Na Rua Campos, 496,
ocorre um exemplo em bom estado de conservação no estilo Missões
mesclado ao Neocolonial, com torreão em forma circular, varanda na
entrada principal sustentada por “cachorros” e telhados tipicamente em
quatro águas. Nesta edificação, bem como em outras, chama a atenção
o uso de janelas de madeira pintadas na cor branca tipo “venezianas”.
Outro Sobrado pode ser observado na Praça da Bandeira, 104, com tí-
picas colunas levemente retorcidas e grande composição de jogo de
volumes no telhado (Figura 100).

A B

Figura 100: A – Sobrado no estilo Missões


na Vila Cristina, 382; B – Mescla de
Neocolonial/Missões na Rua Campos, 496;
C – Sobrado mescla Neocolonial/Missões
na Praça da Bandeira, 104. Fonte: Donizeti
da Silva, 2014 (A e B), 2017 (C).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

175 | 214
Esta tipologia de Sobrados no estilo Neocoloniais/Missões tem sido B E
alvo, em todas as cidades brasileiras, de inúmeras demolições e muitas in-
tervenções pautadas em reformas descaracterizantes para abrigar ativida-
des como de restaurantes e clínicas, como na Rua Itabaiana esquina com
a Praça Olímpio Campos (Figura 101). Este aspecto está associado não
apenas a crescente especulação imobiliária que se abate sobre os bairros
residenciais vizinhos às áreas centrais, mas também à cultura arquitetôni- F
ca estabelecida pelo paradigma modernista, que impôs a partir de 1940,
transformações sobre a paisagem urbana das cidades brasileiras.
A tipologia dos Sobrados Art Déco no conjunto remanescente de
Aracaju não é tão significativa quanto o conjunto da mescla do Neoco-
lonial/Missões ou do Modernismo, apresentando alguns remanescentes
depois de 1930, como o Sobrado na Av. Ivo do Prado, edificação chamada
de Sobrado Gazeta de Sergipe. Também se encontram Sobrados rema-
nescentes na Rua João Pessoa, 127, 287, 298 e 307; na Rua Laranjeiras
ainda existe um Sobrado Art Déco, 224 e 228 (Figura 102).
C
A
Figura 101: A – Sobrado
Neocolonial na Rua Itabaiana
esquina com Olímpio Campos,
após descaracterizações. Fonte:
Donizeti da Silva, 2013.
Figura 102: B – Sobrado Art Déco
chamado Gazeta de Sergipe na
Av. Ivo do Prado; C – Sobrado Art
Déco na Rua João Pessoa, 127;
D – Sobrado Art Déco na Rua João
Pessoa, 287/307; E – Sobrado
D G
Art Déco na Rua João Pessoa,
298; F – Sobrado com feições
Art Déco na Rua de Laranjeiras,
224/228; G – Edificação na Rua
José do Prado Franco. Fonte:
Donizeti da Silva, 2014.

176 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


O Art Déco foi de grande expressividade e transformador da paisa-
gem urbana das cidades brasileiras do início do século XX. Um dos maio-
res exemplos de conjuntos tombados nacionalmente pode ser encontra-
do na cidade de Goiânia (BLUMENSCHEIN, 2004). Esse estilo teve início
em Paris, por volta de 1925, e esteve diretamente relacionado às novas
tecnologias industriais e os simbolismos provenientes das inovações que
ao mundo então eram apresentadas, como os novos eletrodomésticos,
veículos, música, etc. O Art Déco foi influenciado pelo Art Nouveau e pe-
los movimentos chamados de Vanguarda, além de Artes Antigas como a
Egípcia, Mesopotâmica e Ameríndia.
As edificações de tipologia de Sobrados no estilo Art Déco em
Aracaju, como o prédio da Gazeta de Sergipe na Av. Ivo do Prado,
encontram-se atualmente em péssimo estado de conservação (como
tem sido comum aos remanescentes deste modelo por todo o Brasil).
O pavimento térreo sofreu descaracterizações, já a fachada do andar
superior apresenta a variação de planos verticais em alto e baixo relevo
numa repetição de linhas rítmicas.
O edifício da Rua João Pessoa, 127, valoriza o uso da esquina com
a localização da entrada principal. As pilastras constituem parte da vo-
lumetria da fachada marcando um ritmo repetitivo relacionado ao con-
ceito de “linhas de força” ou linhas aerodinâmicas que provocam um
dinamismo no corpo da edificação. As janelas possuem desenhos que
acompanham o ritmo das pilastras; a platibanda harmoniza o conjunto
juntamente com a marquise de contorno que acompanha sinuosamen-
te a curvatura da esquina. Nesta rua, o edifício, 287/307, caracteriza-se
pela verticalidade da platibanda em pilastras representativas de linhas de
força contrastando com a horizontalidade do edifício numa tipologia de
Loja de Departamento mais do que de edificação assobradada.
Ainda na Rua João Pessoa, um pequeno Sobrado, 298, descaracte-
rizado pelo uso do “tapume” de propaganda comercial, apresenta a volu-
metria que faz lembrar as caixas de baquelita (plástico térmico rígido) dos
rádios da década de 1930, com suas linhas de força expressiva e arremates
lembrando o zigue-zague do coroamento das muralhas mesopotâmicas.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

177 | 214
Um Sobrado na Rua Laranjeiras, 224/228, apresenta o mesmo
problema de poluição visual comercial e caracteriza-se por uma volume-
tria constituída de uma geometria mais “seca”, ou seja, sem a variação de
ritmos das pilastras que se destacam nas outras edificações.
Na Rua Pacatuba, 707, pode-se encontrar um Sobrado Art Déco, pro-
jeto do alemão H. A. Von Altenesch com as linhas se remetendo a forma
de um navio. A inspiração náutica na execução das edificações Art Déco foi
muito utilizada, como no Teatro de Goiania, um dos exemplares mais sig-
nificativos deste estilo. O desenho deste prédio da Região Centro-Oeste
imita um transatlântico ancorado e as janelas são em forma de escotilhas
com superfícies curvas e linhas aerodinâmicas (BLUMENSCHEIN, 2004,
p. 48), sendo seu conjunto fiel ao estilo Art Déco utilizado em cinemas e rá-
dios. A edificação de Aracaju, apesar de tipologia Residencial, procura tirar
partido deste conceito náutico, inclusive nas janelas e nos ornamentos na
forma de escotilhas que povoam o guarda-corpo do pavimento superior,
a cor empregada na “Casa Barco” em Aracaju é o azul marítimo, uma das
cores mais usadas pelo estilo (Figura 103). Outras cores utilizadas no Art
Déco são o verde claro, tons pastel amarelados, os tons da cor ocre e o pó
de pedra (mica) para o revestimento de acabamento do reboco.

Figura 103: Sobrado/Residência na Rua Pacatuba, na Praça Camerino, Art Déco


de influência náutica. Fonte: Donizeti da Silva, 2013 e 2014 respectivamente.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

178 | 214
Apesar dos Sobrados no estilo Art Déco terem expressividade no
conjunto remanescente da área central de Aracaju, são as edificações di-
tas mais monumentais, ou seja, as de tipologia de Palácios que se desta-
cam como objetos de grande significação deste estilo de 1930 a 1940,
como o Palácio Serigy, o Palácio Carvalho Neto e a Sede do Instituto
Histórico e Geográfico, bem como as edificações de tipologia Religiosa,
a Estação Ferroviária e Armazéns. Essa última, provavelmente, fruto de
alterações e mudanças na composição de fachadas ecléticas para este
estilo, considerado na época mais moderno.
Para Pevsner (1981, p. 7), em sua clássica obra Origens da Arquite-
tura Moderna e do Design, é preciso entender a arquitetura “Protomoder-
nista” e Modernista em paralelo à compreensão da arquitetura remanes-
cente de uma cidade, condição essa que em Aracaju é capaz de expressar
as Transformações Arquitetônicas sofridas pelas cidades brasileiras do final
do XIX até a metade do século XX.
A arquitetura que se estabelece de 1930 até 1960 em Aracaju pro-
põe um capítulo final de transformações urbanas iniciadas no final do
século XIX, uma vez que atingem a partir do Art Déco, conceitos como
segurança, conveniência, propriedade, ou seja, a “adequação” das partes
à concepção de cada coisa é muito importante para a beleza como um
todo. Como na construção naval, em que a construção de cada parte é
delimitada e regulada para a navegação e quando a embarcação funciona
os marinheiros acham que ela é uma “beleza” (PEVSNER, 1981, p. 9).
Então a casa ou a edificação deveriam demonstrar plena adequação entre
as partes – estrutura e beleza em conexão – e servir a sua função. Talvez
seja por esse motivo que se podem encontrar muitas residências/edifi-
cações em Aracaju e em outras cidades brasileiras na forma de barcos.
Outra característica importante dessa Arquitetura após 1930 é a
elevação definitiva da importância dos materiais e da técnica constru-
tiva no projeto e execução da edificação. Como o domínio não apenas
individual mas em conjunto do ferro/aço, do vidro e do concreto, os
quais necessitaram de exercícios construtivos no século XIX para atin-

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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girem maturidade depois da segunda metade do XX. São essas as pala-
vras de Viollet Le Duc, citadas na metade do século XIX e descritas em
Pevsner (1987, p. 16):

Quando os engenheiros inventaram a locomotiva, não ocorreu


a eles imitar a forma de uma diligência. Se os arquitetos querem
evitar que sua profissão se torne obsoleta, devem tornar-se cons-
trutores habilidosos, prontos a tirar proveito de todos os recursos
fornecidos por nossa sociedade.

Desta forma, é que se puderam ver algumas construções do pe-


ríodo em Aracaju e outras cidades brasileiras denominadas de “Pro-
tomodernas”, como o Instituto de Tecnologia e Pesquisa de Sergipe,
edificação de 1947, no Bairro São José (Figura 104). Isso significa que
“experimentos” buscavam tornar a edificação plena no vigor da eficiên-
cia funcional e do uso dos novos materiais, aproveitamento ao máximo
dos recursos locais disponíveis. Contudo, essa nova experimentação es-
barrava nos conceitos que se estendiam desde a metade do século XIX.
Não era tarefa fácil adequar a edificação aos novos sentidos e direções
das novas mentalidades urbanas, “esquecendo” tudo o que se havia ma-
turado ao longo dos últimos 100 anos.

Figura 104: Instituto de Tecnologia e Pesquisa de Sergipe, na Rua Campo do Brito


no bairro São José, construído entre 1947 e 1951. Fonte: Donizeti da Silva, 2013.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

180 | 214
Para que a arquitetura atingisse a condição de ser plenamente
Moderna, como fundamentalmente nova e diferente, foram necessá-
rias novas condições sociais e novos materiais de construção no Brasil e,
especificamente, em Aracaju, mas isto não significava que ela não fosse
uma continuação e uma derivação natural daquela que existia. Neste
sentido, Dorfles comenta:

Exatamente com este propósito tentaram mesmo alguns autores


estabelecer paralelos entre as diversas tendências atuais e a de vá-
rias épocas da história, vendo em alguns princípios modernos de
construção a repetição de motivos góticos, renascentistas, barro-
cos ou do extremo oriente. (DORFLES, 1971, p. 14)

No Brasil, Modernidade e Tradição tinham uma pendência e o con-


ceito de Moderno era veiculado a uma variação do Ecletismo. Um dos
exemplos mais marcantes disso foi a Semana de Arte Moderna de 1922
que não mostrou nenhuma construção (SEGAWA, 1997, p. 42). Na dé-
cada de 1920, o debate estava nas obras executadas por Mariano Filho e
Ricardo Severo no estilo Neocolonial. A arquitetura Moderna se funda-
mentou inicialmente nos debates a partir de 1925 e era subsidiada pe-
los conceitos de praticidade e economia, arquitetura de volumes, linhas
simples, poucos elementos decorativos, nada de mascarar a estrutura do
edifício. Rino Levi declarava que a busca deveria ser por essas caracterís-
ticas desde que com alma brasileira (SEGAWA, 1997, p. 44).
Assim, entre 1910 a 1930, o Brasil não deixou de sentir obras mo-
dernizadoras, no entanto, mesmo tendo Warchavchik como pioneiro,
as arquiteturas deste período também foram chamadas de “Modernas”,
“cubistas”, “Futuristas”, “comunistas”, “judias”, “estilo 1925”, estilo “caixa
d’água” e, por que não, Protomodernas.
O edifício escolar mais importante ligado à linguagem da arquite-
tura racionalista no Brasil foi realizado na cidade do Salvador: o Instituto
de Educação da Bahia, construído em 1937. Outra obra importante em

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

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Salvador foi o Instituto do Cacau, obras do arquiteto belga
Alexander Buddeus (SEGAWA, 1997, p. 68).
A questão é: Até que ponto existem características racio-
nalistas nas edificações modernistas de Aracaju? Certo é que
a arquitetura propriamente definida como Moderna só será
apresentada ao Brasil e a Aracaju no período de 1929 a 1945.
As plataformas da Modernidade foram definidas no
Brasil por Lúcio Costa, tendo a engenheira Carmem Portinho
como grande entusiasta (SEGAWA, 1997, p. 81). O grande
marco foi à sede do Ministério da Educação e Saúde, iniciado
em 1937 e terminado em 1942. Portanto, quais as relações
construtivas teóricas e técnicas que aproximam o edifício
Walter Franco (Figura 105), no Centro de Aracaju, deste sím-
A
bolo modernista?
Ainda no ano de 1960, uma cidade do porte de São
Paulo não tinha uma edificação da tipologia de Estação Ro-
doviária ou Terminal Rodoviário e quase todas as cidades
brasileiras desconheciam essa tipologia (SEGAWA, 1997,
p. 168). Essa tipologia significava mais do que um local de
transporte, constituía um local de vivência e lazer, encon-
tros e, novo atrator urbano. O Terminal Rodoviário Luiz
Garcia de Aracaju seria inaugurado em 31 de março de
1962 e significou mais do que um local de viagens. Ele mar-
cou a regulamentação de critérios de localização e a inser-
ção de uma nova tipologia Moderna na cidade que acompa-
nhava novas leis de uso do solo e parcelamento, bem como
de novas técnicas construtivas (Figura 106).
B

Figura 105: A – Edifício Walter Franco localizado na Praça Fausto


Cardoso. Fonte: Donizeti da Silva, 2013 e 2014, respectivamente.
Figura 106: B – Rodoviária Luiz Garcia, inaugurada em 31 de março
de 1962, na área central de Aracaju. Fonte: Donizeti da Silva, 2013.

182 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


Na tipologia Habitação, neste caso diferente de habitação chamada
de “popular”, exemplos interessantes de Sobrados em Arquitetura Mo-
derna, apesar da maioria já adentrar a década de 1960, podem ser vistos
na Rua Vila Cristina, localizada no bairro vizinho à área central de Aracaju,
na Praça Graccho Cardoso, 95, e na Rua Campos, 194. Também se pode
mencionar na Av. Ivo Do Prado as edificações 296, 282 e 734, e na mes-
ma avenida, na qual se destaca a residência Modernista Calumbi Barreto
e um Sobrado Protomoderno mesclado a elementos neocoloniais na Rua
Itabaiana, esquina com a Rua Senador Rollemberg (Figura 107).
As características que podem ser encontradas nestas edificações
se remetem, de forma geral, a conceitos como a busca do aperfeiçoa-
mento funcional das residências e dos serviços urbanos. Elas estão as-
sentadas em volumes simples e a planta-baixa como princípio gerador,
traçados geométricos reguladores, e se concentram na proposta de po-
der ver o interior, nem tanto pelo uso do vidro, mas pelo conceito do
exterior se tornar uma projeção do interior, as edificações parecem ser
objetos construídos em série, ou seja, repetem a mesma a solução uma
vez que se baseiam no pressuposto da casa ser uma “máquina de morar”
(BENEVOLO, 2001, p. 430).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

183 | 214
A B C

Figura 107: Sobrado Moderno


na Rua Vila Cristina, 194 (A), 236 (B),
D E F
254 (C), 270 (D), 288 (E).
Fonte: Donizeti da Silva, 2014;
389 (F), (demolido em 2014).
Desenho: Adriana Dantas, a partir
de fotos antigas, 2017; Sobrado
na Av. Ivo do Prado, 282 (G), 296 (H), 734 (I);
Sobrado Moderno na Praça Graccho Cardoso,
95 (J); Sobrado Moderno na Rua Campos,
194 (L); Casa Modernista Calumbi Barreto
na Av. Ivo do Prado (M); Sobrado Missões
mesclado com Protomodernista na Rua
Itabaiana esquina com a Sen. Rollemberg,
mesclado com elementos neocoloniais (N).
G H I Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

N
J L M

184 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


Todas essas edificações, especialmente, na Av. Ivo do Prado, 296 e
282 (verificar como esta última faz lembrar a Vila Savoye), a Residência
Calumbi Barreto também nesta avenida, os números 288 e 389 na Rua
Vila Cristina e numa variação “abrasileirada” o número 194 expressam
as ideias da arquitetura moderna sistematizadas por Le Corbusier, em
que se expressou da seguinte forma quando esteve no Brasil: “Desde que
estou na América querem fazer de mim um filósofo. Dizem que defendo
ideias filosóficas. Pouco me importa o que pensem” (anotação no Rio de
Janeiro, 1929, in SEGAWA, 1997, p. 77). Semelhante a casa sobre Pilotis,
que provoca a suspensão da edificação sobre o terreno e permite que a
luz e a ventilação penetrem nos locais escuros e úmidos, tornando pos-
sível a coexistência da estrutura com a forma através do uso do concre-
to armado, a casa fica no ar longe do terreno, o jardim passa sob a casa,
sendo possível também estar no teto. O concreto armado e a laje imper-
meabilizada permitem coberturas mais homogêneas. Razões técnicas,
econômicas e funcionais levam a adoção do teto-jardim, ou ao menos da
laje como solução de cobertura da edificação.
Todas as residências citadas possuem o conceito de Planta-Livre.
Antes, no conceito do ecletismo, a planta se tornava escrava das pa-
redes de sustentação, neste momento, o concreto armado possibili-
ta a casa uma liberação da existência interna de paredes, os andares
não precisam ser encaixados mais uns sobre os outros (verificar o jogo
de formas nas edificações citadas e sua sobreposição irregular). Isso
determinava a racionalidade da planta. As janelas são elementos es-
senciais, elas podem correr de um lado a outro da fachada, chamado
Elemento Mecânico-Tipo. As fachadas são apenas frágeis membranas,
de paredes isoladas ou de janelas enaltecendo o conceito de Fachada
Livre (BENEVOLO, 2001, p. 433 e 434).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

185 | 214
Palácios/Palacetes/Monumentos – Art Déco
e Art Nouveau
O significado maior do Art Déco era representar um processo de
modernização que então ocorria no mundo. Esse processo estava asso-
ciado a manifestações e consolidação do modernismo no Brasil.
Esse estilo deveria demonstrar nos “fluxos”, nos novos “ritmos”,
que a economia havia tomado novos rumos; em Aracaju e no Brasil, de-
veria representar a vitória da economia urbana sobre a economia rural,
sendo que essa última já havia desfalecido com a queda da Bolsa de Nova
York de 1929.
Desta forma, procurava-se contrapor, especialmente, a partir de
edificações públicas um ideário novo. Os prédios representativos desse
objetivo passaram a ser os administrativos, como as Agências de Cor-
reios e Telégrafos, as Estações de Trens, como a Central do Brasil no Rio
de Janeiro, sistemas de infraestrutura de transporte como o Viaduto do
Chá em São Paulo e o Elevador Lacerda em Salvador, esculturas como o
Cristo Redentor no Rio de Janeiro; etc.
O Art Déco também é considerado uma das últimas manifesta-
ções do Ecletismo e uma das primeiras manifestações do Modernismo
(BLUMENSCHEIN, 2004, p. 24).
As edificações públicas representadas pelos “novos” Palácios como
o das Esmeraldas em Goiânia deveriam possuir leveza e elegância, ins-
piradas nas vanguardas como o cubismo, o construtivismo e o futuris-
mo, portanto, às vezes, chamadas de edificações futuristas, utilizavam
novos materiais e processos construtivos diferentes do período eclético,
como tijolos de vidro, novas tonalidades de cores, como as metálicas e
pó de pedra no revestimento das paredes, como no caso do Palácio das
Esmeraldas, para imitar a pedra preciosa que empresta o nome a edificação
(BLUMENSCHEIN, 2004, p. 48).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

186 | 214
Em Aracaju, como havia ocorrido no Ecletismo, o Art Déco apesar
de seguir regras bem determinadas na sua composição, apresentara a
busca de uma personalização, assim, o Palácio Serigy teve uma alusão
simbólica ao índio da região, ou seja, ao significado da palavra tupi “ca-
minho dos siris” (OLIVEIRA, s/d. fl. 5). Isso significava a retomada da
tradição local, mas agora, tendo na construção da ideia de pertencimen-
to do índio na sua busca de identidade. No Palácio das Esmeraldas em
Goiânia, a volumetria predominante é a horizontal, no Palácio Serigy,
em Aracaju, o volume parece pender para uma horizontalidade reforça-
da pelas linhas de força que marcam volumetricamente sua platibanda.
Contudo, o edifício possui uma verticalidade que se sobrepõe a espacia-
lidade da praça a sua frente (Figura 108).

Figura 108: Palácio Serigy na Praça General Valadão. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

187 | 214
No Palácio Serigy (Secretaria do Estado da Saúde), as pilastras rit-
madas e as janelas são características encontradas de forma ampla no es-
tilo Art Déco, entretanto, a platibanda, um coroamento acentuado com
linhas de força horizontal – frisos – que promovem um dinamismo e
movimento, é representação de uma arquitetura de personalidade local.
A esta composição se soma o uso de grandes esferas de concreto (bolas)
ornando os muros laterais desta edificação. A verticalidade não é apenas
marcada na entrada principal, mas se estende por todo o corpo do prédio,
não se empregou o uso de marquises e jogo volumétrico do prédio está
assentado no corpo central que avança na direção da praça. As janelas
basculantes promovem um rendilhado geométrico simétrico e repeti-
tivo dando ritmo diferenciado entre cheios e vazios. Os vidros parecem
possuir uma textura opalescente. A forma geral assumida pela edificação
é geometricamente simplificada e retilínea se sobressaindo à tonalidade
ocre avermelhada dos frisos da platibanda sobre o róseo claro da fachada.
No Palácio Carvalho Neto (Arquivo Público do Estado de Sergipe)
chama a atenção o escalonamento não muito acentuado da platibanda
em contraste com a maior elevação ou verticalidade da continuidade do
acesso central fazendo lembrar a torre de um relógio, as linhas de força
formadas pelos desenhos das pilastras e das janelas definem um ritmo de
dinamismo e variação compositiva. A edificação é realizada para ter qua-
tro fachadas expressivas e que rebatem suas composições. Há elementos
ornamentais colocados abaixo das janelas basculantes lembrando “setas
indígenas” estilizadas. A cor é de uma tonalidade pastel amarelada, tam-
bém muito utilizada no Art Déco de Goiânia (Figura 109).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

188 | 214
Figura 109: A – Palácio Carvalho Neto na Praça Olímpio
Campos. Detalhes das janelas, do escalonamento da
platibanda e das “setas” acima das janelas basculantes.
Fonte: Donizeti da Silva, 2014 e 2017, respectivamente.
Figura 110: B – Sede do Instituto Histórico e Geográfico
de Sergipe. Detalhes da fachada apresentando
janelas com vidros basculantes estilizados, e linhas
de força acentuando a verticalidade. Fonte: Donizeti
da Silva, 2014; centro e direita em 2017.

A SEDE do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe é constituí-


da pela categórica característica do jogo de escalonamentos inspirados
na arte mesopotâmica dos ziguratos. A volumetria do prédio sofre uma
força de expansão vertical que parece querer estendê-lo para além do
limite construtivo em direção ao céu assemelhando a edificação a um fo-
guete, ou melhor, às asas de um avião. As janelas e os gradis de ferro que
as sobrepõem em ziguezague reestilizados, não fazem apenas um jogo
ritmado entre cheios e vazios, também fazem um jogo ritmado de saliên-
cias e reentrâncias com a platibanda numa pretensa complementação de
continuidade. Outra característica são os motivos florais ornamentando
o interior das caixilharias das janelas. As cores possuem tonalidade azu-
lada que simbolizam o céu (Figura 110).
B

189 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


A Ponte do Imperador não poderia deixar de estar entre as repre-
sentações Art Déco de maior significado em Aracaju, apesar das colunas
da entrada serem no estilo Eclético, inclusive com simbólicos índios no
topo, a Ponte é reconstruída por volta de 1920/30. Sua marquise e co-
lunas são grande representação do uso do concreto no estilo Art Déco. A
marquise segue as ondulações e tende-se a harmonizar com a curvatura
do Rio Sergipe de forma organicista. As colunas se inspiraram na repre-
sentatividade das colunas palmiformes egípcias reestilizadas. O Atraca-
douro da Av. Ivo do Prado também apresenta características dentro do
estilo Art Déco (Figura 111).

Figura 111: Ponte do Imperador, detalhes da coluna e da laje.


Fonte: Donizeti da Silva, esquerda e direita 2017 e centro 2013.

Muitas das edificações de Tipologia Unifamiliar, bem como, os


Palácios e Palacetes receberam, no início do século XX, acréscimos or-
namentais Art Nouveau que conviveram com o estilo Eclético, como
a Associação Comercial, Hospital Gabriel Soares na Rua Itabaiana e
Casarão dos Rollemberg. Estas edificações recebem esta decoração
da “arte nova” sem maiores critérios e como nas indicações de Lemos
(in FABRIS, 1987, p. 75), tratam-se da inclusão de ornamentações flo-
rais aqui e ali, numa vidraça, numa almofada de porta, numa maçaneta
ou gradil do jardim (Figura 112).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

190 | 214
A

Figura 112: A – Detalhe dos gradis de ferro dos


muros da Associação Comercial; B – Detalhe dos
gradis e ornamentações nas fachadas do Hospital
Gabriel Soares; C – Detalhes das ornamentações Art
Nouveau do casarão dos Rollemberg. Fonte: Donizeti
da Silva, 2014, 2017 e 2013, respectivamente.
B

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

191 | 214
Sigfred Giedion disse que o Art Nouveau era um interessante “inter-
mezzo” entre os séculos XIX e XX (HISTÓRIA Geral da Arte, 1997, p. 4).
Este movimento se estendeu na Europa até a Primeira Grande Guerra e,
no Brasil, ainda pode-se ver sua inclusão até meados de 1930.
O termo Art Nouveau vem da Loja de S. Bing, aberta em Paris em
fins de 1895. O termo correspondente em Alemão é Jungendstil, mas
alguns vão afirmar que o estilo nasceu com Victor Horta em Bruxelas
em 1892 (PEVSNER, 1981, p. 43). As características mais expressivas
se relacionam a valorização dos temas ligados à natureza, como flores,
plantas, árvores, animais e insetos, bem como o uso da figura feminina e
das linhas curvas.
O edifício da Associação Comercial tem nos gradis de ferro dos
muros de sua entrada clássicas representações Art Nouveau com uma
forte influência do estilo austro-húngaro. No prédio que hoje ocupa o
Hospital Gabriel Soares, as fachadas, bem como os gradis, recebem orna-
mentações florais (característica marcante deste estilo). No Casarão dos
Rollemberg, o mesmo trabalho ornamental nos gradis de entrada pode
ser notado, bem como nas janelas.
O Art Nouveau tem como significado a representação de variadas
expectativas simbólicas por parte da sociedade urbana daquele perío-
do, como a dependência da produção industrial em série, a valorização
da lógica e do conhecimento racional, o desenvolvimento da burguesia
industrial. Fatores esses que, sem dúvida, moldaram as transformações
urbanas das cidades brasileiras do final do XIX ao início do XX, e que,
em várias ideologias, especialmente a da racionalidade da arquitetura, se
estenderam até 1950.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

192 | 214
Armazéns/Casas/Comércios – Art Déco
Na Rua Jose Prado Franco e no Beco dos Cocos existem exemplos
de tipologia de Armazéns no estilo Art Déco que alteram antigas edifica-
ções ecléticas, demonstrando características relacionadas a novas ativi-
dades que então eram inseridas no comércio da cidade, como as lojas de
eletrodomésticos e as lojas relacionadas à venda e conserto de eletroele-
trônicos ou motores elétricos, ou seja, as famosas “Casas de Eletricida-
de” que se tornam presentes na paisagem urbana das cidades brasileiras
por volta de 1930/40 e 1950 (Figura 113).

A B

Figura 113: A – Edificações alteradas para o Art Déco na Rua


José Prado Franco; B – Edificações alteradas ou construídas em
estilo Art Déco no logradouro conhecido como Beco dos Cocos.
Fonte: Donizeti da Silva, 2017 e 2014, respectivamente.

Esse conjunto remanescente da área central de Aracaju simboliza


a busca de uma nova forma de vida urbana inspirada nas questões mo-
dernas, nos automóveis, nos novos valores do modo de viver associados
à indústria, à tecnologia, ao automóvel, à música popular, à emancipação

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

193 | 214
da mulher. Não é de se estranhar que é nesse período que surgem ruas
caracterizadas por um tipo de comércio, como a rua das peças de auto-
móveis, a rua dos aparelhos eletrônicos, a rua das lâmpadas, que se asso-
ciam a antigas ruas já determinadas pelo uso no período do ecletismo,
como a rua dos armarinhos, a rua das quitandas, a rua do mercado, a rua
das flores, a rua das panelas, a rua dos calçados, etc. Outras ruas, neste
processo de transformação tenderam a diminuir suas atividades, como
as ruas das selarias, constituindo um quadro de transformações urbanas
da área central quase que finalizado por volta de 1950.

Estação Ferroviária
A 20 Estação Ferroviária de Sergipe está entre as mais importantes
representações monumentais Art Déco da cidade de Aracaju, construída
por volta de 1950. Sua construção foi realizada praticamente na mesma
época da Estação Ferroviária de Goiânia (BLUMENSCHEIN, 2004, p. 52).
Contudo, a de Goiás produz um impacto visual imediato, como a Central
do Brasil no Rio de Janeiro, devido à verticalidade da torre do relógio.
A Segunda Estação Ferroviária de Aracaju, apesar da menor expres-
sividade vertical também explora a implantação destacada da área de
vizinhança imediata. A estação de Aracaju como a de Goiás tem carac-
terísticas acentuadas horizontais de simplicidade e geometrização. Ape-
sar da falta do zigue-zague escalonado, as ornamentações na platibanda
na forma de frisos mesopotâmicos em baixo e alto relevo produzem um
jogo de luz e sombra, digno de nota, também lembram as métopas dos
templos gregos e enriquecem a composição volumétrica da edificação
aracajuana. A Estação de Aracaju não possui torre central, entretanto a
edificação fica elevada do terreno, com acesso por escadas, o que realça
ainda mais a horizontalidade do prédio (Figura 114).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

194 | 214
Figura 114: 2ª Estação Ferroviária de Sergipe no Bairro
Siqueira Campos. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

O grande simbolismo das Estações como local das idas e vindas,


não apenas de mercadorias e pessoas, mas também de gente influente e
políticos, destaca o que se poderia chamar como o local de recepção, ou
sala de visitas das cidades.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

195 | 214
Religiosas – Art Déco
A Segunda Igreja Batista de Sergipe possui uma entrada em forma Figura 115:
de torre verticalizada com detalhes escalonados. Contudo, é a Igreja de A – Segunda Igreja
Batista de Sergipe na
Nossa Senhora Menina na Rua Itabaiana, 719, a representação tipológi- Rua Dom José Thomaz;
ca Religiosa de maior representatividade Art Déco na cidade de Aracaju B – Igreja de Nossa
(Figura 115). Senhora Menina na Rua
Itabaiana n. 719.
Esta edificação, projeto do arquiteto H. Von Altenesch, é uma das Fonte: Donizeti
personalizações mais expressivas de Aracaju. Lembrando um foguete ou da Silva, 2014.
asas de um avião, destaca-se pela verticalidade da torre central e variações
escalonadas com a cruz latina estilizada sobreposta sobre o corpo da torre.

196 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


Hospitais – Eclético/Art Nouveau
No Hospital Gabriel Soares, edificação Eclética/Art Nouveau, na
Rua Itabaiana, 690, possui o acolhimento de vários revivais historicis-
tas atendendo a todas as transformações arquitetônicas e urbanas que
as construções estiveram sujeitas do final do XIX até o primeiro terço
do XX, como: o afastamento lateral com jardins, avarandamento tipo
corredor externo, tipologia interna com grandes salas de recepção, uso
de balaustradas no guarda-corpo da varanda e da sacada dentro de um
neorrenascimento italianizado amaneirado, uso de colunas com capitéis
coríntios “reinventados” ao estilo do Palladianismo, simulacro de rusti-
cação medievalista nas pedras da parte inferior da fachada da constru-
ção, bossagens nas quinas – pilastras – simulando pedras. E com esses
elementos, convivem simultaneamente as decorações Art Nouveau nos
gradis de ferro dos limites do prédio e em frisos ornamentais de rama-
lhetes de flores abaixo da cimalha/lagrimal abaixo da platibanda. Sendo
um exemplo muito importante das transformações diversas e complexas
que as arquiteturas das cidades brasileiras estiveram sujeitas, do final do
XIX até o início do XX (Figura 116).

Figura 116: Hospital Gabriel Soares. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

197 | 214
Terminal Rodoviário
São várias as questões construtivas que podem ser abordadas no
prédio Modernista Rodoviário Luiz Garcia, entre elas, chama a atenção
os pilares com desenhos diferentes dos retangulares tradicionalmen-
te utilizados até 1930. Este tipo de solução construtiva, bem como os
Tetos-Planos tipo pilzendeck e rippendeck, as lajes mistas e de lajes-co-
gumelo e o desenho de vigas e pilares com dimensionamento e perfis
variáveis foram muito expressivos nos trabalhos e estudos desenvolvi-
dos em Pernambuco, na cidade do Recife, pelo arquiteto Luiz Carlos
Nunes de Souza por volta de 1935 (SEGAWA, 1997, p. 84) e incon-
testavelmente influenciaram as edificações da arquitetura Moderna em
Aracaju (Figura 117).

Figura 117: Terminal Rodoviário Luiz Garcia (esquerda) e detalhes


dos pilares em forma de “aletas” e ou “asas” invertidas (direita).
Fonte: Donizeti da Silva, 2013 e 2017, respectivamente.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

198 | 214
O Terminal Rodoviário Luiz Garcia poderia ser inserido em um ca-
pítulo chamado de O Concreto Armado e a Pré-Fabricação no Brasil. Não
se pode precisar quando começou a pré-moldagem na construção, en-
tretanto, no Brasil, a firma dinamarquesa Christiani-Nielsen executou em
1926 o Hipódromo da Gávea no Rio de Janeiro (VASCONCELOS, 2002).
Alguns monumentos importantes em concreto-armado no Brasil reali-
zados no mesmo período do Terminal em Aracaju são Monumento aos
Mortos da II Guerra Mundial no Rio de Janeiro, o Portal do Cemitério de
Botucatu no interior de São Paulo, a Ponte de Parati em 1930, a ponte
sobre o Rio Real na Bahia (VASCONCELOS, 2002, p. 153-220).
Os pilares em forma de grandes brises na forma de “aletas” ou
“asas” invertidas, nas fachadas da edificação é uma das execuções perso-
nalizadas modernistas mais interessantes da arquitetura brasileira, bem
como, esta edificação segue os conceitos modernistas de Planta-Facha-
da-Livre. O Terminal Rodoviário compreendeu esforços de aprimora-
mento dos cálculos estruturais e dos materiais pertinentes à realização
da obra, além de servir como exemplo das técnicas e preceitos que eram
desenvolvidos nos canteiros de obras no período Modernista no Brasil.

Casas Unifamiliares – Art Déco;


Neocoloniais e Modernista
Exemplos Art Déco também podem ser vistos em tipologias de
casas térreas unifamiliares como na Casa da Cópia, na Av. Ivo do Prado
(Figura 118). Entretanto, são as construções Neocoloniais e Modernis-
tas as representações mais expressivas. Bem como, aparece um exemplo
de construção Art Nouveau que extrapola a questão decorativa, na Rua
Campos, 499, inspirada em insetos (Figura 119).

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

199 | 214
A C E

Figura 118: A – Casa Art Déco na Av. Ivo do Prado. Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

Figura 119: B – Casa “Cara de Inseto” na Rua Campos n. 499.


Fonte: Donizeti da Silva, 2013.

Figura 120: C – Casa unifamiliar em estilo Missões na Rua Itabaiana n. 715;


D – Casa na Av. Ivo do Prado n. 246; E – Casa em estilo Missões, já descaracterizada,
na Av. Ivo do Prado n. 232. Fonte: Donizeti da Silva, 2014 (C e D) 2017 (E).

Figura 121: F – Casa modernista unifamiliar na Rua Campos 194.


Fonte: Donizeti da Silva, 2014.

B D F

As residências unifamiliares apresentam exemplos interessantes


na Rua Itabaiana número 715, no estilo Missões e na Av. Ivo Do Prado
também no estilo Missões mesclados com Neocolonial, números 246 e
232 (Figura 120).
Vertentes inspiradas nas construções modernistas, com preceitos
baseados nas sistematizações de Le Corbusier, especialmente na Planta-
-Livre, mas com apenas um pavimento térreo, podem ser vistas pelos
bairros vizinhos ao Centro de Aracaju, um exemplo fica na Rua Campos,
194 (Figura 121).

200 | 214 arquitetura aracajuana : a imposição do tempo


Instituições de Ensino e Prédios Públicos –
Art Déco e Modernista
O Colégio Patrocínio São José construído na década de 1940, no
Bairro São José é uma grande edificação no estilo Art Déco. Constituído
por uma volumetria fortemente horizontal, de matriz clássica, quebrada
por duas curvaturas semicirculares e com desenho de janelas combinadas
que produzem um conjunto de ritmos de linhas de força (Figura 122).

Figura 122: Colégio Patrocínio São José em frente à Praça Tobias


Barreto no Bairro São José. Fonte: Donizeti da Silva, 2017.

arquitetura aracajuana : a imposição do tempo

201 | 214
Depois de 1940, a arquitetura aracajuana se desdobrou
em direção ao Protomoderno e, logo em seguida (1950 a
1960), atingiu o Modernismo. Neste contexto podemos citar
o Instituto de Tecnologia e Pesquisa de Sergipe, edificação Pro-
tomodernista de 1947, a Galeria Álvaro Santos um Protomo-
dernismo personalizado e o Edifício Walter Franco, plenamen-
te caracterizado pelos conceitos Modernistas (Figura 123).
O Edifício Walter Franco tem uma marquise mais alta e
larga sustentada por grandes colunas circulares – Pilotis – que
permitem a passagem dos pedestres. No Centro, na fachada
da quina da esquina, um painel do célebre pintor modernista
Jenner Augusto, lembrando os trabalhos de pintura em azu-
lejos de Candido Portinari, mas com temas locais. Sua grande
característica é a Planta-Livre, o uso de brises em uma das fa- A B
C
chadas, janelas de vidro corridas por toda a extensão de um
dos lados, o que permite visualizar sua estrutura livre, a partir
de suas lajes bem marcadas e de seu interior livre de colunas
internas, separadas apenas por divisórias.
É uma edificação que representa significativamente a ar-
quitetura Modernista no Brasil, sendo que muitas de suas ca-
racterísticas lembram o Ministério da Educação e Saúde do Rio
de Janeiro, considerada a “primeira” plenamente modernista
no Brasil realizada entre 1937-1945, um ícone da arquitetura
moderna brasileira a partir dos conceitos de Le Corbusier.
Algumas semelhanças deste edifício com o Edifício
Figura 123: A – Instituto de
Walter Franco podem ser citadas, como no painel em azu-
Tecnologia e Pesquisa de Sergipe;
lejos azuis que reúne novamente a arquitetura, pintura e a B – Galeria Álvaro Santos,
escultura, característica plástica perseguida pela arquitetura na Praça Olímpio Campos;
moderna, a estrutura “portante livre”, que é uma caracterís- C – Edifício Walter Franco na
Praça Fausto Cardoso. Fonte:
tica importantíssima nos projetos modernistas e o uso do Donizeti da Silva, 2013, 2017
brise-soleil na fachada norte. e 2014, respectivamente.

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Entretanto, as duas edificações guardam diferenças marcantes,
como a maior verticalidade da carioca, seu pé-direito mais expressi-
vo e o vazado sob a edificação. Contudo, como citado, repetem-se a
atmosfera e muitos conceitos que nortearam a arquitetura brasileira
de 1940 a 1960.

Cinemas/Restaurantes
O Cine Palace é, categoricamente, uma tipologia de Cinema em
estilo Art Déco com elementos clássicos dos odeons; imita uma grande
caixa de rádio e um navio, com as típicas janelas quadriculadas bascu-
lantes que rasgam de cima a baixo parte da fachada lateral da edificação
e janelas na forma de escotilhas. Questão atípica é a pequena marquise
acima da entrada principal. O volume é simplificado e formal. Possui al-
gumas questões Protomodernistas, como as linhas retas e sóbrias, que
provocam uma sensação de monumentalidade, simetria axial e fronta-
lidade (Figura 124).

Figura 124: Cine Palace na Praça Fausto Cardoso e detalhes da fachada, janelas em forma
de escotilhas e vidros basculantes.Fonte: Donizeti da Silva, 2014 e 2017, respectivamente.

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Cacique Chá é uma edificação de tipologia de Restaurante/Bar na Figura 125: A – Painel
de Jenner Augusto.
área central de Aracaju que tem no Neocolonial/Tradicionalista as carac-
B – Cacique Chá. Fonte:
terísticas de sua construção. Os painéis pintados por Jenner Augusto (Pin- Donizeti da Silva, 2017.
tor sergipano que trabalhou pela renovação das artes plásticas na Bahia)
tem forte inspiração na obra de Candido Portinari, localizados no interior
da edificação representam um marco na arquitetura modernista e nas
artes plásticas de Sergipe (Figura 125). (http://macvirtual.usp.br/mac/
templates/projetos/seculosxx/modulo2 acesso em 27 de maio 2013).

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O que aproxima todas essas Tipologias que ocorreram do final do
XIX até a metade do XX? O que as torna representativas de um “con-
junto” urbano e arquitetônico capaz de expressar As transformações
sofridas pelas cidades brasileiras do final do século XIX até a metade do
século XX? O que as interliga, as fazem coexistir simultaneamente, agre-
gando-as? Por que consideramos esse período possuidor de rupturas,
possuidor de contraposições construtivas expressivas com o Ecletismo
e o Modernismo?
Os fatores que respondem estas argumentações se inserem na pró-
pria essência da formação das mentalidades dessa época, associada nas
suas próprias origens e reunidas por muitos historiadores da arquitetura
com de uma época chamada de Arte Moderna e que estariam indepen-
dentemente do estilo indissociavelmente ligadas. Pevsner (1981, p. 7)
chamou esse momento de época das Massas.
Desta forma, este período, que inclui Ecletismo, Art Nouveau, Neo-
colonial, Art Déco, Arquitetura Protomoderna e Moderna possuem em
comum suas origens e seus usos para um mundo urbano, um mundo das
massas. São edifícios feitos para educação, lazer, política, saúde, comér-
cio, não apenas de poucas pessoas, mas de muitas, para centenas de es-
pectadores, tendo a velocidade da locomoção, da troca de informações,
da compra e venda rápida, a expressão que sempre se baseia no fanatis-
mo tecnológico de novas soluções.
Esse conjunto remanescente de Aracaju simboliza a ciência, a tec-
nologia, a produção e o consumo de massa, a predominância da arqui-
tetura sobre os espaços, a predominância da cidade grande sobre a pe-
quena e sobre o mundo rural, nas novas técnicas, nos novos materiais,
mentalidades de vida, usos e transições.
Este conjunto, formado pelas três praças e entorno, pelos mercados
e entorno, pelos conjuntos das ruas do Centro de Aracaju e suas edifica-
ções históricas, bem como pelos edifícios isolados pertencentes aos bair-
ros vizinhos ao centro, como Bairro São José, representam as transforma-
ções urbanas e arquitetônicas sofridas pelas cidades brasileiras do final do
século XIX até a metade do século XX, devendo, portanto, ser inquestiona-
velmente protegidos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aracaju guarda fortes marcas da presença do Estado na construção


do seu espaço urbano, desde o seu nascimento até os dias atuais, quando
se constata a formação de um espaço metropolitano.
O crescimento da cidade incidiu sobre condições ambientais frá-
geis com o aterro de lagoas, de riachos e do manguezal, desmonte de
dunas, conduzindo à degradação ambiental, com incidência sobre o Rio
Sergipe, forte marco na identidade urbana e na paisagem cultural.
A poluição do Rio Sergipe reduziu a relação da população com o
mesmo, através do lazer (natação, pesca, remo), sendo que, atualmen-
te, ocorre apenas um lazer contemplativo. Assim, a construção de uma
rede de esgotamento sanitário e de ações de despoluição são neces-
sárias a fim de reaproximar a população ao seu convívio, como lazer, e
integrando-o mais fortemente à paisagem cultural urbana. A rede de
esgotamento está em fase de ampliação, mas, ainda há grandes áreas
descobertas desse serviço.
O manguezal marca a paisagem cultural da cidade, resistindo forte-
mente às pressões da ação antrópica. Aracaju é uma das poucas capitais
brasileiras onde é possivel a convivência com o manguezal, no interior da
malha urbana consolidada, criando a possibilidade de seu uso para ações
educativas e para o turismo ecológico.
Embora seja protegido pela legislação ambiental, o manguezal con-
tinua sendo pressionado pelos agentes promotores do espaço urbano,
com certa aquiescência da população que, ao longo de sua história, se
acostumou a aterrá-lo, criando novas áreas de ocupação. Entretanto,
mesmo diante da pressão antrópica sobre suas condições ambientais, a
cidade ainda apresenta a possibilidade de convivência com o manguezal

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e com o Rio Sergipe, se constituindo como parte integrante da paisagem
cultural urbana. No mundo tropical, o manguezal tem funções bioló-
gicas importantes, se constituindo num berçario para espécies mari-
nhas, por isso, é considerado como área de preservação permanente,
pela legislação ambiental. Em Aracaju, sua incorporação ao imaginário
urbano marca fortemente sua paisagem cultural, ganhando mais sig-
nificado para o conjunto de sua população. Assim, sugere-se que os
manguezais de Aracaju, no futuro, sejam incorporados ao patrimônio
nacional, garantindo mais ainda a sua perservação, tanto do ponto de
vista ambiental quanto histórico e cultural.
O espaço urbano de Aracaju apresenta formas diferenciadas a par-
tir de seus agentes promotores, sendo a cidade dos conjuntos habitacio-
nais, marcas da ação do Estado, ou a cidade das vilas, encravadas nos mio-
los de quadras, resultante da rigidez geométrica de suas quadras. Ainda
as ocupações subnormais que incidem nas margens dos rios, destruindo
os manguezais ou nas encostas de morros, se constituindo em áreas de
risco. Estas formas de ocupação se mesclam no espaço de forma discre-
ta, escamoteando, muitas vezes, a pobreza que a cidade sabe tão bem
esconder. Entretanto, os bairros centrais apresentam uma paisagem cul-
tural com marcas dos processos sociais e políticos que pontuaram a vida
brasileira devendo ser preservada para as gerações futuras.
Aracaju possui uma diversa e complexa arquitetura remanescente
e representativa das transformações sofridas pelas cidades brasileiras do
final do século XIX até a metade do século XX e é esta polifonia de obje-
tos, de estilos, de elementos arquitetônicos e da própria continuidade do
traçado urbano da cidade a partir do projeto de Pirro que caracterizam
significados portadores de juízos de valores patrimoniais.
Sempre foi muito clara que a dificuldade de reconhecimento do
patrimônio arquitetônico de Aracaju estava relacionada à percepção dos
objetos como portadores de juízos de valor pela própria característica
expressiva de uma multiplicidade e variabilidade do conjunto remanes-
cente. Portanto, tornou-se evidente que conceitos teóricos únicos e

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assentados em apenas uma temática ou condição teórica não dariam
conta de justificar essa complexa e diversa tipologia urbana.
Não se tratou aqui de desconstruir o que já havia sido pensado, mas
sim de “ressignificar” pesquisas e inventários produzidos por estudiosos
de arquitetura e urbanismo; de pesquisadores da história local e teóricos
da conservação e restauração. Esta Ressignificação dos remanescentes
patrimoniais das três praças e entorno, do mercado e entorno, das ruas
e edificações isoladas na área central e nos bairros vizinhos ao Centro
demonstraram naturalmente cinco condições representativas da cultu-
ra arquitetônica nacional presentes na história das cidades Brasileiras e,
ainda, possíveis de fruição nesta cidade.
Aracaju representa, dessa forma, os processos de implantação e
formação dos espaços urbanos assentados no conceito de “esvaziamen-
to da arquitetura” que é um critério do Ecletismo, provocador de vários
desdobramentos da formação das cidades brasileiras, desde os aspectos
simbólicos até os aspectos que poderiam explicar a “gênese” de falta de
construção de uma identidade patrimonial sobre esses objetos.
Bem como, todos os remanescentes arquitetônicos e o conjunto
urbano de Aracaju carregam “simbologias” representativas da formação
da mentalidade de vida urbana deste período no Brasil. Esses remanes-
centes em Aracaju são capazes de proporcionar ao observador fruidor o
privilégio de observar um conjunto arquitetônico caracterizado por to-
dos os “momentos” de transformação urbana do final do século XIX até
a metade do XX em apenas 100 metros de extensão, ou seja, num mes-
mo quarteirão. Essa situação pode ser encontrada em várias Ruas deste
conjunto, entretanto, é num pequeno trecho na Praça Fausto Cardoso
que temos uma edificação eclética do final do XIX (Prédio da Delegacia
do Ministério da Fazenda), ao lado de uma de 1930 (Palácio Carvalho
Neto), ao lado de outra de 1950 (Edifício Walter Franco).
Também seus remanescentes formam um conjunto que caracteriza
uma espacialidade única, uma personalidade única, capaz de ser reconhe-
cida pelo “senso de massas em movimento”, ou seja, os volumes que se

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formam a partir da diversidade e complexidade da arquitetura remanes-
cente em Aracaju produzem uma espacialidade entre construído/rio/
mar apenas possível de ser fruído nesta localidade, um outro exemplo,
dessa atmosfera espacial produzida é a área dos Mercados e seu Entorno.
Outra questão que eleva o conjunto remanescente de Aracaju a
conquistar a proteção federal como representação incontestável de uma
cultura urbana produzida no Brasil é sua dependência e, ao mesmo tem-
po, independência do “Culto à Linha”, conceito urbano provocador do
arranjo, da modelação e da remodelação ocorrida nas cidades brasileiras
a partir das transformações das mentalidades humanas do final do XIX
até metade do XX, dos usos e adaptações do traçado e objetos arquite-
tônicos, representando uma das matrizes mais importantes da formação
das cidades nacionais.
Junto a essas Ressignificações justificativas da espacialidade urbana
de Aracaju como representativa das transformações urbanas no Brasil
do final do XIX até a metade do XX encontram-se as “tipologias”, diver-
sas e complexas, que trabalham junto e materialização as ideologias pre-
sentes nos estilos de cada momento, coexistindo. Assim, Ecletismo, Art
Nouveau, Art Déco, Modernismo e suas inúmeras variações e personali-
zações compõem remanescentes patrimoniais locais. As Ruas possuem
esses remanescentes intrincados, como a Rua João Pessoa, Itabaiana,
Jose Prado Franco, Santa Rosa, entre outras, constituem a possibilidade
de contar a “história através da arquitetura de uma rua”.
Aracaju, após 1960, vai conhecer um período econômico de es-
tagnação, tese que poderia ser desenvolvida para explicar a permanência
desse conjunto arquitetônico ao longo desses últimos 40 anos, mesmo
com as perdas que poderiam ser consideradas “naturais” durante as
transformações. Entretanto, no início do século XXI, o esvaziamento e
crise permanente das áreas centrais da maioria das cidades brasileiras
que pertencem ao período em estudo, somados à especulação e, conse-
quente, destruição desses remanescentes que se acentuam a cada dia,
somados à dificuldade de reconhecimento pelos órgãos federais de pro-

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teger objetos representativos que ainda não foram reconhecidos, apon-
tam para a essencial proteção do conjunto formado pela complexa e va-
riada arquitetura das cidades brasileiras espelho da vida urbana moderna.
Assim, inquestionavelmente, este estudo é capaz de demonstrar
esta espacialidade apresentada pelos remanescentes patrimoniais arqui-
tetônicos da cidade do Aracaju capazes de representar as transformações
urbanas sofridas pela maioria das cidades brasileiras do final do XIX até a
metade do XX, tornando inconteste a necessidade de ações que venham
preservar todas estas edificações para a fruição das futuras gerações.

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