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Um ensaio cheiode esperança realista.

Um livro de

Npya Mag

ias dos afro^pessimistas.'


Júliá Ficatier, La Èroix

iistoriador. Publicou Histoire de/7lfr/gueno/m(Hatièr), dirígiii


is volumes dá monumental Històire générale de tíffriqúe
(UNESCO) e Lá Natte des autres: pour up développement

S
éndogèneen Afrique(Karthala). i

iReiié Holenstein,doutorado em história, vivéhámuftosános


®» Uagadugu (Burkina Faso), onde se tem especializado em
[destões do desenvolvimento. •

PA HA QUANDO AFRICA? -
JOSEPH
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quando África?

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Para quando África
Joseph Ki-Zerbo

Eata-quando-AíriGa-?
Entrevista com René HoLenstein

Tradução de
Carlos Aboim de Brito
PARA QUANDO ÁFRICA?
Entrevista com René Holenstein
Título original: A Qucmd 1’Afrique?
Entretien avec René Holenstein

'TuTtor: Jòseph Ri-Zerbo


Tradução: Carlos Aboim de Brito

Capa: Campo das Letras

Fotografia da capa: Christian Hans Stengler


© Éditions de TAube, 2003
para a edição portuguesa
© CAMPO DAS LETRAS - Editores, S. A., 2006
* Rua D. Manuel II, 33 - 5.° 4050-345 Porto
Telef.: 22 6080870 Fax: 22 6080880
E-mail: campo.letras@mail.telepac.pt
Site: www.campo-letras.pt
Impressão: Tipografia do Carvalhido - Porto
1 a edição: Março de 2006
Depósito legal N.° 241103/06
ISBN 989-625-050-2
( Y»digo dc barras: 9789896250508

< “nln i|(io: Questões Mundiais-2

( Yuligo do livro: 1.068.002

i i. • »» .iT.mxlo titulo da colccção “Questões Mundiais”. Esta colecção resulta de uma


t i *lrtI M »i.u, .lo com a Aliança dos Editores Independentes (www.alliance-editeurs.org), asso-
í •", t" « i Kid.t cm Fiança, cm 2002, com o objectivo de agrupar profissionais do livro de
vAiu»% |»«IM S, independentes dos grandes grupos, que se dispõem a promover acordos
... .. ... h inr. .'.nlidáiios entre si, suscitando e desenvolvendo, em particular, alguns processos
d-' < n rdn,.io l; o caso deste livro que é editado cm língua portuguesa, simultaneamente,
•MM Portugal (cninpo.lctras@mail.telcpac.pt), no Brasil (cristinawarth@hotmail.com), An-
goln (chacaxindc@ebonct.net) e Guinc-Bissau (kusimon@bissau.net), sob a chancela de
cdítoias nacionais envolvidas no projccto da “Aliança de Editoras Independentes”.
índice

^ Agrade^ ,, .. ................... .7-—_


Introdução - A memória, trampolim para o futuro 11
Mundializadores e mundializados 21
Guerra e paz 45
Democracia e governação 63
Ciência sem consciência não é mais do que mina
da alma e do corpo * ‘ 87
Direitos do homem, direitos das mulheres? I í) I
Se nos deitamos, estamos mortos 11 7
O desenvolvimento não é uma corrida olímpica IM
A África: como renascer? ‘ 163
Notas biográficas 171
Notas 179
Bibliografia 189
Agradecimentos

O autor agradece vivamente a René Holenstein sem o qual


esta obra Talvez nao tivesse nascido. ’ ~
Exprime igualmente a sua gratidão à D. Cornélia Gautschi
Holenstein, bem como a todas e todos os que contribuíram para
a
realização deste projecto com o seu interesse e as suas
sugestões:
Loic Barbedette, Jacqueline Ki-Zerbo, Lazare Ki-Zerbo, Jean-
-Claude Naba, Olivier Pavillon, François de Ravignan, Pascal
Thiombiano, Alain Édouard Traoré, Isabelle Zongo.
. Esta obra foi escrita a partir de entrevistas realizadas entre
2000
e 2002 em Uagadugu, Genebra, Pádua e outros locais.
N'an laara, an Sara.

JOSEPH Kl-ZERBO
Introdução -----------------

A memória, trampolim para o futuro

No decurso destas entrevistas, gostaria que me falasse das


questões e dos desafios que o século que agora começou repre-
senta para África. Dirijo-me a si porque è um historiador céle-
bre, porque foi. uma testemunha privilegiada de uma grande
par-
te da história africana do século passado. Além disso, foi desde
sempre um personagem contemporâneo politicamente compro-
metido, que representou e defendeu os interesses e os pontos
de
vista do continente africano em numerosas conferências e em
comissões internacionais de alto nível. No seu país, comprome-
teu-se como político de renome com o futuro do seu país —
muitas
vezes com prejuízo pessoal. Como historiador, através dos seus
livros e das suas conferências, contribuiu para dar a conhecer a
história mundial a partir de uma perspectiva africana. No
decur-
so das nossas conversas, pedir-lhe-ei que comente os aconteci-
mentos históricos actuais de um ponto de vista africano. Ora,
hoje, mostram-nos África mergulhada no caos, embndhada em
conflitos étnicos, embora essas imagens sejam encaradas como
uma coisa normal. Quais são as grandes questões que se colo-
cam hoje em África?

Entre as grandes questões, em primeiro lugar há a questão do


Estado. O Estado acabado de nascer é agredido por instituições
como o Banco Mundial. Estas exigem cada vez menos Estado e a
11 —
influência das empresas transnacionais impõe-se cada vez mais.
Para quando África?
nial ou um Estado étnico que não é um verdadeiro Estado que
liansccndc os particularismos pelo bem comum. Que tipo de Es-
tado acabará, finalmente, por aparecer? Depois, há a questão da
unidade e do esboroamento de África. A minha ideia, como você
sabe, é que a África deve constituir-se através da integração, por-
que de momento ela não existe verdadeiramente. É pelo seu
“ser”
que a África poderá realmente aceder a tê-la. A um ter autêntico;
não a um ter da esmola, da mendicidade. Trata-se do problema
da
identidade e do papel a desempenhar no mundo. Sem identidade,
—-'■'somosTmrrrtTjecl^
tros: um utensílio. E a identidade é o papel assumido; é como
numa peça de teatro em que cada um é munido de um papel a
desempenhar. Na identidade, a língua conta muito. O século que
começou, assistirá à decadência das línguas africanas? A lenta
asfixia das línguas africanas seria dramática, seria a descida aos
infernos para a identidade africana. Porque os africanos não po-
dem contentar-se com elementos culturais que lhes vêm do exte-
rior. Através dos objectos manufacturados que nos vêm dos paí-
ses industrializados do Norte, no que eles têm de carga cultural,
somos forjados, moldados, formados e transformados. Em
contrapartida, enviamos para o Norte objectos que não têm qual-
quer mensagem cultural a dar aos nossos parceiros. A troca
cultu-
ral é muito mais desigual do que a troca dos bens materiais.
Tudo
o que é valor acrescentado é vector de cultura. Quando se utiliza
estes bens, entra-se na cultura daquele que os produziu. Somos
transformados pelo vestuário europeu que usamos, pelo cimento
com o qual construímos as nossas casas, pelos computadores que
recebemos. Tudo isso nos molda, enquanto nós enviamos para os
países do Norte o algodão, o café e o cacau bruto que não
contêm
valor acrescentado específico. Por outras palavras, estamos con-
finados a zonas onde produzimos e ganhamos o menos possível.
E a nossa cultura tem menos hipóteses de se difundir, de partici-
par na cultura mundial. E por isso que um dos grandes problemas
de África é a luta pela troca cultural equitativa. Para isso, é
neces-
sário infra-estruturar as nossas culturas. Uma cultura sem base
Introdução —

Você pertence, juntamente com o senegalês CheikAnta I )iop\


àquela geração de historiadores africanos eméritos que redeseo
briram a história africana e reinterpretaram a história mundial a
partir de uma perspectiva africana Você devolveu aos a/i n uu
. s * \

a sua história. De objectos da etnologia europeia que ram, v,


< >. .

fez deles sujeitos do seu próprio destino. Como se sair ate ./. •

anos sessenta era difundida na Europa a crença tju<' n a mh


, /// ■

tinha uma história que valesse a pena ser contada )ua! e o lucat
(

da história de África na historiografia geral':*

África é o berço da humanidade. Todos os cientistas tio mim


do admitem hoje que o ser humano emergiu cm A l i o . 1 Ninguém
o contesta, mas muita gente o esquece. Estou certo dc que, se
Adão e Eva tivessem aparecido no Texas, ouviríamos falar disso
todos os dias na CNN2. É verdade que os próprios africanos não
exploram suficientemente esta “vantagem comparativa” que con-
siste no facto de que África foi o berço de invenções fundamen-
tais, constitutivas da espécie humana durante centenas de milha-
res de anos. Foi a partir do continente africano que o homo
erectus
- graças ao fogo que descobriu (Prometeu também era africano) e
graças ao biface3, um instrumento e uma arma com grande
perfor-
mance - pôde migrar para a Europa. Outrora, no Norte do planeta,
coberto de calotes geladas, a vida era impossível; não há vestígios
humanos na Europa durante os períodos mais recuados. Foi no
Egipto que a maior civilização da Antiguidade surgiu. O Egipto é
o filho natural dos primeiros tempos de África como berço da
humanidade, embora se tenha tentado desligar o país dos faraós
de África pretendendo que faça parte do Médio Oriente*. O lídn
da Frente Nacional em França, Jean-Maric Le Pen, e os seus cow
sortes, deveriam aprender a história real do mundo Isso leva !<>•.
-ia directamente a reconhecer que os seus antepassados loiam ••
primeiros emigrados vindos de África.

Você tem um percurso fora do comum: passou uma grande


parte da sua infância no Alto Volta (hoje Burkina Easo), no Sem ■

13
gal e no Mali, onde fez os seus estudos básicos e secundários
------- Para quando África?

Depois, durante os anos cinquenta, estudou História na


Sorbonne,
em Paris, e foi o primeiro africano a obter um doutoramento de
História, a mais alta distinção académica. Que motivos o
levaram
a estudar História? Quem foram os seus professores? Ocupou-se
da história africana enquanto era estudante?

Não, e aliás, a história africana não era conhecida. Fiz todos


os
meus estudos no âmbito francês, com manuais franceses. No pro-
grama não havia nada que tratasse de África. Ainda em pequenos,

assim: “Os nossos antepassados, os gauleses”. Assim, no início da


nossa formação houve deformação. Repetimos maquinalmente o
que queriam inculcar-nos. Mais tarde, na universidade, fiz todos
os meus estudos sem uma única referência à história de África,
salvo de modo superficial, em ligação com a história europeia,
por exemplo, para assinalar o papel de África durante o tráfico
dos negros. Posso citar-lhe ainda os assuntos do doutoramento:
“Florença no século XV”', “A Alemanha de Weimar”.. mas nada
sobre África! Pouco a pouco, esta exclusão foi-me parecendo uma
monstruosidade. Ao estudar a Idade Média europeia ou o período
. contemporâneo, tive vontade de conhecer a história africana. Co-
meçava a interessar-me porque, precisamente, a sua ausência nos
doía e nos deixava sequiosos. O desejo de a exumar, de nos en-
volvermos nela, nasceu desta contradição.
Em primeiro lugar, tinha optado pela História porque o meu
pai viveu muito tempo. Era um homem de História. Era portador
de uma parte da nossa história local, dado que era o primeiro cris-
tão do Alto Volta e adorava contar histórias. Assim, fui preparado
para o ofício de historiador por esta educação. Considero também
que a História é “mestra de vida” {historia magistra vitaé). É
uma
disciplina formadora do espírito, porque nos ensina a raciocinar
logicamente e, para lá da ciência, pela consciência. Pouco a
pouco,
forjou-se
14 em mim uma dupla atitude. Uma, consistia em dizer:
“quero regressar às minhas raízes”, um movimento que é capi-
Introdu çã o ------------------------

todas as regiões do mundo no tecido da História. Foi assim que a


minha personalidade “se situou por oposição”, como dizem os
filósofos. Considero que é um privilégio beneficiar de uma “per-
sonalidade multidimensional”4.
Além disso, o que despeitou o meu interesse pela história
afri-
cana foi o facto de os nossos colegas mais velhos na Sorbonne,
como os poetas Aimé Césaire5, Léopold Sédar Senghor6, René
Depestre7 e outros, nos terem iniciado num olhar alternativo sobre
África, um olhar sem complexos que ripostava ao desprezo atra-
.desafio. Eles prpprios tinham ficado traumatizados con 1
esta educação coxa, míope, que desprezava e ocultava os valores
da cultura africana - desde as línguas até à civilização material.
Eles responderam juntamente com Alioune Diop* com uma “pre-
sença africana”: uma mensagem de renascimento.
Os historiadores africanos realizaram a mudança indo ainda
mais longe. Afirmámos a necessidade de refundar a História a
partir da matriz africana. O sistema colonial prolongava-se até à
èsfera da investigação. Todas*as investigações em agronomia, em
geografia ou em economia eram feitas em grandes institutos no
estrangeiro. A investigação era um dos instrumentos da coloniza-
ção, de tal forma que a investigação em história tinha decidido
que não havia história africana e que os africanos colonizados
estavam pura e simplesmente condenados a endossar a história
do colonizador. Foi por essa razão que dissemos que tínhamos de
partir de nós próprios para chegar a nós próprios. Você sabe que
procurámos novas fontes da história africana, nomeadamente a
tradição oral. Provei que a palavra “pré-história” era uma palavra
mal utilizada. Não vejo por que razão os primeiros humanos que
inventaram a posição erecta, a palavra, a arte, a religião, o fogo,
os primeiros utensílios, os primeiros habitais, as primeiras cultu-
ras, deviam ficar fora da História! Ninguém me contradisse. Onde
quer que haja humanos, há História, com ou sem escrita! Como
vê havia muitas coisas a endireitar. De qualquer modo, recons-
truímos a História sobre bases que não são especificamente afri-
canas, mas essencialmente africanas. Pode-se dizer que nós, his-
toriadores, fizemos um enorme esforço. Não digo que tivéssemos
15
Para quando África? —

Irito tudo, mas partimos da metodologia, da problemática, da


heurística da nossa disciplina para a renovar ao serviço do conti-
nente africano, mas em primeiro lugar ao serviço da ciência como
gostava de repetir Cheilc Anta Diop.
Na Sorbonne, lancei-me de corpo e alma nos estudos, com
paixão, aproveitando ao máximo a oportunidade muito rara que
nos cra oferecida de sermos discípulos de grandes mestres da ciên-
cia histórica e política, como Pierre Renouvin, André Aymard,
Fernand Braudel, Raymond Aron e outros. Durante este período,

nitidamente. Os estudantes africanos da época estavam mais ou


menos marcados por esta ideologia devido à Guerra Fria. Éramos
“súbditos coloniais” com uma superstrutura intelectual que era
incompatível com esta condição. O marxismo desmascarava as
realidades camufladas e descodificava os discursos alienantes de
álibi. Ele apresentava um voluntarismo capaz de fazer a História,
de transformar as sociedades e de caminhar para a elaboração,
para
a criação de um “homem novo”. Assim, havia simultaneamente a
luta concreta e a rejeição radical do statu quo. Era o tipo de
compro-
misso exigido pela nossa condição de africanos nesse momento.
Ao mesmo tempo, fui muito marcado por Emmanuel Mounier,
um filósofo cristão, que reteve muitos elementos da tradição euro-
peia do espírito crítico e de luta para libertar a pessoa humana de
todas as forças de opressão e de obscurantismo. Emmanuel Mou-
mer sublinhava que o combate pela justiça não deve abafar a liber-
dade, mas a liberdade humana, longe de ser uma condição, era
sempre uma liberdade sob condições.
Obviamente, os comunistas africanos autoproclamavam-se
“verdadeiros progressistas” e recusavam renunciar à plataforma
do “socialismo científico”. Para nós, os cristãos progressistas eram
suspeitos dc complacência com os ocidentais, porque, ao consi-
drraimos a luta de classes como uma certificação histórica, re-
cusávamos inscrevê-la como uma opção teórica e uma estratégia
unívoca. Para nós, a revolução não consistia necessariamente
numa
16
fractura violenta, mas na transformação estrutural inscrita no
tempo,
preocupada com a maioria dos despojados, mas, simultaneamente
Introdução -

iccii.sando transferir para minorias os custos humanos incompatí


veis com um mínimo de direitos e recusando o reformismo cíim
plice da violência estrutural do statu quo. Os cristãos africanos
demonstraram, na prática, que eram tão nacionalistas como quais
quer outros. Em revistas como Tam-Tam por exemplo, tomaram a
dianteira no debate sobre a “descolonização” e sobre um
socialismo
democrático adaptado às realidades, aos interesses e aos valores
da África.

ao passado. Gostava de o convidar a precisar a sua concepção


da História. O desenrolar dos processos históricos é um produto
do acaso ou os desenvolvimentos históricos estão submetidos a
leis? Enquanto historiador, como apreende o futuro?

A História anda sobre dois pés, o da liberdade e o da necessi-


dade. Se considerarmos a História 11a sua duração e na sua totali-
dade, compreenderemos que há simultaneamente continuidade e
ruptura. Há fases em que as invenções se atropelam: são as fases
da liberdade criativa. E há fases em que, porque não foram rc-sol
vidas as contradições, as rupturas se impõem: são as fases da nr
cessidade. Na minha compreensão da História, os dois aspn (o
estão ligados. A liberdade representa a capacidade do ser humam
>
para inventar, para se projectar para diante rumo a novas opções,
novos somatórios, às descobertas. E a necessidade representa as
estruturas sociais, económicas ou culturais que, pouco a pouco, se
vão instalando, por vezes de forma subterrânea, até se imporem
desembocando à luz do dia numa coisa diferente. De uma certa
maneira, a parte necessidade da História escapa-nos, mas pode-se
dizer que, mais cedo ou mais tarde, se imporá por si própria. As-
sim, não podemos separar os dois pés da História - a história-
-necessidade e a história-invenção - do mesmo modo que não
podemos separar os dois pés de alguém que anda: os dois estão
combinados para avançar. Na medida em que a História tem este
pé da liberdade, que antecipa o “sentido” do processo, continua a
17 ---------
existir uma grande poita aberta para 0 futuro. A história-invenção
------------- Para qua ndo África?

reclama o faturo; incita as pessoas a propulsarem-se para algo de


inédito, que ainda não foi catalogado, que não foi visto em parte
alguma e que, subitamente, é estabelecido por um grupo de pes-
soas. Isto significa que nem tudo está fechado a cadeado pela
his-
tória-necessidade: continua a haver sempre uma abertura.
Apresento um caso muito concreto para mostrar que as duas
bases, os dois motores da história estão estreitamente ligados: a
unidade africana. Ela vai realizar-se mais cedo ou mais tarde,
mas
não sabemos exactamente como. Quando Kwame Nkrumah9
piração, uma visão e uma vontade política que puseram em mar-
teve
cha os jovens universitários que éramos na época. E o que eu
chamo o pé da liberdade. Mas o presidente da Costa do Marfim,
Houphouét-Boigny não queria a unidade africana nessa época.
Foi o que ele quis dizer ao afirmar que a Costa do Marfim não
devia ser a vaca leiteira da Federação dos Estados da África Oci-
dental. No entanto, a necessidade impôs-se a ele. Quando criou
indústrias na Costa do Marfim, apercebeu-se de que era necessá-
rio que outros países enviassem trabalhadores para as plantações
ou para a construção civil da Costa do Marfim. Também tinha
necessidade dos países vizinhos como compradores. Assim, foi o
próprio Houphouét-Boigny que lançou o Conselho de amizade
que agrupa os Estados da África ocidental francófona. E um caso
muito preciso em que vemos que há, de tempos a tempos,
grandes
personalidades que fazem com que se dê alguns saltos em frente
pela sua imaginação. Mas, por vezes, fica-se sob o pé da necessi-
dade subterrânea durante muito tempo, até ao dia em que as pes-
soas dizem que é absolutamente necessário mudar de direcção.
Qual é o lugar da revolução na sua concepção da História?

A revolução é o processo estrutural que, de forma invisível,


/
faz avançar as coisas até ao momento em que a potencialidade
destas estruturas é tal que é absolutamente necessário dar um salto
qualitativo. Menciono mais uma vez o caso da unidade africana.
Suponhamos que continuamos sem unidade durante mais
cinquenta
Introdu çã o -----------------------

anos e que os problemas se agravam do ponto de vista das epide-


mias, do analfabetismo, do emprego, etc. Estou certo de que gru-
pos cada vez mais numerosos da sociedade civil dirão um dia:
“Isto não é possível, basta, isto é demais!, e farão os Estados Ge-
rais do continente africano. Será como na noite de 4 de Agosto de
1789, durante a qual a Assembleia Nacional Constituinte france-
sa vota a revogação dos últimos privilégios da nobreza e do clero.
Será um acto tão revolucionário como no momento em que Jean
Sylvain Bailly, que presidiu a esta sessão memorável da Assem-

nome do terceiro estado: “O povo reunido não pode receber or-


dens.” A revolução é o sentido oposto do existente. É não só virar
a página, mas mudar de dicionário.

O historiador pode predizer esse futuro?

Não, o historiador pode avaliar ou prognosticar, mas não fazer


predições proféticas. Haverá leis gerais na História? Esta questão
foi a pedra de toque das teorias marxistas e do cientismo em ge-
ral. Filósofos como o francês Auguste Comte, antes de Karl Marx,
quiseram predizer a evolução da história humana e dos modos de
produção, baseando-se aliás na evolução sobretudo do Ocidente
europeu. Ao desenvolverem uma “teoria dos estádios”, julgaram
que havia um desenvolvimento mecânico, puramente materialis-
ta, da história humana. Deixaram de ter confiança na capacidade
de liberdade e na exigência fundamental de liberdade que exis-
tem na natureza humana. Foi através da sua própria
indeterminação
que a espécie humana se desligou e distinguiu dos animais para
se constituir como tal.
Agora, cai-se num outro pensamento único que considera
que
o liberalismo total - não a liberdade! - deve libertar todas as
ener-
gias positivas. Como se a famosa “mão invisivel”12 existisse!
Nada
é tão contraditório como este termo, dado que a abordagem do
1Q
liberalismo pretende estar baseada na racionalidade mais pura.
Se
Para quando África?

racionalidade! 0 liberalismo toma-se uma religião porque, preci-


samente, jcá não se baseia em coisas racionais e os resultados posi-
tivos não se vêem. Se a mão é invisível, o pé que espezinha os
direitos dos mais fracos não é.
No que me diz respeito, direi que chegámos a um grande mo-
mento da história humana. Quando a mundialização fracassar - e
está no caminho do fracasso porque produziu não só a pobreza
mas a pauperização será o momento das opções estratégicas
còrrectas para a humanidade no seu conjunto. Quando se provar
que o capitalismo também não tem uma resposta determinante,
decisiva, definitiva a dar para uma história humana correcta, tal-
vez estejam reunidas as condições para descobrir finalmente uma
solução específica: para instalar uma nova decoração, inventar
um novo cenário e fazer uma nova escolha de actores para uma
nova peça mais digna do ser humano.

— 20
Mundializadores
e mundializados

O processo de mundialização registou nos anos noventa unia


aceleração extraordinária. A economia em rede é omnipresente, j
a i(aldeia planetária " tornou-se proverbial. Mas, cio mesmo
tempo, j
desenvolve-se a resistência contra o neoliberalismo. Nos países
industrializados, muitas pessoas consideram-se mais como víti-
mas do que como beneficiárias da mundialização.
Aparentemente,
os capitães da economia mundial estão cheios de'compreensão
relativamente aos motivos da oposição. Alan Greenspan, o patrão
do Banco Central dos Estados Unidos, reconhece o "receio leçí-
timo " que os altermundialistas13 têm de perder ao nível local o
controlo político do seu. destino. Klcius Schwab, o fundador do
World Economic Forum de Dcivos14, declara cpie os temores ex-
pressos nos movimentos de protesto são compreensíveis. Michel
Camdessus, antigo director-geral do Fundo Monetário Interna-
cional (FMI) pensa que a "mundialização, na medida em que
aproxima os povos, pode ser uni avatlÇO para a Unidade do num
do". Segundo ele, “não se deve mmi sai ralizá Ia, mnn dlabi>ii á
-la, mas tentar humanizá la em muar
Qual é asna apreciação da mimdiali -açuo * I ,/m u tinta # \m
j tamente? Quais são os desafios para os países , I/I /< . nn <■

Do ponto de vista africano, a nuindiali/.u, iim .»« ulnim u !• ■


*
do sistema capitalista de produção, liste atinam um JMI tm u n
partir do qual deve necessariamente adquirir dimens<>< ■ pl IIH ' i
rias —ou desaparecer. Os conceitos de competitividade r d«* i. 1,1
2:
»
bilidade levam a uma espécie de darwinismo15 económico V rsul
Para quando África?

<(<• vagões. Mesmo que a locomotiva aumentasse a sua vcloci


dadc, isso em nada mudaria o estatuto das carruagens; nunca se
viu carruagens a ultrapassar a locomotiva! Mas sabemos que são
estmturalmente complementares, pelo menos enquanto as carrua-
gens aceitarem o seu estatuto.
África evoluiu como todos os outros povos do mundo, de
ma-
neira progressiva, desde os primeiros colectivos humanos da An-
tiguidade egípcia até ao século XVI, através das chefias, dos rei-
nos, dos impérios cada vez mais importantes, isto apesar da difi-
um desenvolvimento notável, atestado pelos cientistas e viajantes
da época, tinha integrado a escrita e a civilização autóctone do
saber e do poder. Nos séculos XIII e XIV, a cidade de Tombuctu
era mais escolarizada do que a maioria das cidades análogas na
Europa. Escolarizada em árabe, bem entendido, mas por vezes as
línguas subsarianas também eram expressas na escrita árabe. Lec-
cionavam aí cientistas e professores do ensino superior que eram
tão estimados no mundo da intelligentsia17 - tanto em África como
no mundo árabe e na Europa - que os discípulos atravessavam o
Sara para ouvirem estes mestres de Tombuctu, de Djenne e de
Gao.
No século XVI, começou a invasão do exterior: uma ingerên-
cia dc relevo, com as “grandes descobertas” de África a sul do
Sara e da América Latina. Estas descobertas implicaram, como
sabe, o tráfico dos negros. Depois do genocídio dos índios, o trá-
fico custou a vida a dezenas de milhões de africanos que foram
arrancados a este continente e expedidos em condições atrozes
além Oceano. Nenhuma colectividade humana foi mais inferio-
rizada do que os negros depois do século XV. Foram encomenda-
dos escravos negros aos milhões; utilizaram-se os negros como
reprodutores de outros negros em cercas para'reproduzir novos
negrinhos para o trabalho nas plantações. Quantas crianças afri-
canas foram lançadas borda fora ou abandonadas nos mercados
de escravos, longe das mães que eram levadas, porque era preciso
muito tempo para as alimentar até que fossem exploráveis? Eram
comprados às toneladas. Amputava-se e esquartejava-se como
------- 24
Mundializadores e mundializados

carne bruta os rebeldes ditos “negros castanhos”. Durante todo


este tempo, na Europa, os teólogos debatiam doutamente a ques
tão de saber se os negros tinham uma alma. Foi uma pergunta
qu<*
não se fez a propósito de outros grupos humanos. Tudo is:;o <
conhecido, ninguém pode negá-lo. Mas como épossível não iceo-
nhecer que toda a espécie humana foi inferiorizada, humilhada,
crucificada por estes tratamentos? O tráfico dos negros foi o ponto
de partida de uma desaceleração, de um arrastamento, de uma
paragem da história africana. Não digo da história em África, mas

mos o que se passou com o tráfico dos negros, não se compreende


nada sobre África.
A colonização realizou uma segunda forma de economia-
-mundo. Primeiro, através do tráfico dos negros e da escravatura,
África tinira contribuído para impulsionar a Europa para a indus-
trialização. A colonização foi muito mais curta do que o tráfico
dos negros. Mas foi mais detenninante. O colonialismo foi um
sistema que substituiu inteiramente o sistema africano. Fomos
alienados, isto é, substituídos por outros, inclusive no nosso passa
do. Os colonizadores prepararam um assalto à nossa história
O “pacto colonial” queria que os países africanos produzissem
apenas produtos em bruto, matérias-primas a enviar paia o Norie,
para a indústria europeia. Apropria África foi aprisionada, d i v i
dida, esquartejada, sendo-lhe imposto o seguinte papel lómn < i
matérias-primas. Este pacto colonial dura até hoje. Se analisarem
a balança comercial dos países africanos, verão que 60% a 80%
do valor das exportações destes países são matérias-primas. Para
alguns deles, é o cobre, para outros é a bauxite, o urânio ou o
algodão. Quando, juntamente com Kwame Nkrumah, Amílcar
Cabral18 e outros, nos batíamos pela independência africana, re-
plicavam-nos: “Vocês1 nem podem produzir uma agulha, como
querem ser independentes?”. Mas, por que razão não podiam os
nossos países produzir uma agulha? Porque, durante cem anos de
colonização, nos tinham remetido para esse papel preciso: não
produzir nem sequer uma agulha, mas matérias-primas, isto é,
despojar todo o continente. No plano político, os africanos foram
25 ---------
------- Para quando África?
mobilizados para “lutas nobres”. Não falo das guerras sujas colo-
niais onde se utilizava uns contra os outros - no Vietname, 11a
Argélia, em Madagáscar e noutros locais. Durante a primeira e a
segunda guerras mundiais, os nossos irmãos, as nossas irmãs, os
nossos pais participavam na luta contra o nazismo e o fascismo.
Contribuíamos, como seres humanos, para defender os princípios
sagrados da dignidade humana.
Hoje, quando nos falam de mundialização, compreenderá as
hesitações dos africanos. Bem entendido, há africanos de estatuto
-..,soclalmais^yiidaqH&j^ã.amQD^^
de vida ou pelo seu papel nas organizações internacionais ou na-
cionais, fazem parte dos mundializadores como seus parceiros de
equipa. Mas a maioria consciente que já sofre os efeitos negati-
vos desconfia do isco, porque não é a primeira vez que lhe falam
de economia-mundo. Os movimentos e mobilizações dos sindi-
catos contra as privatizações são significativos. Porque os traba-
lhadores sabem que a lógica implacável do lucro nos empresários
privados é exercida à sua custa.

Quais são os pontos comuns das três fases da


mundialização?

Há elementos de continuidade, pelo menos no próprio princí-


pio da economia capitalista, nomeadamente o lucro. É a ideia de
manter o mercado livre e de fazer crer que toda a gente retirará
dele o máximo e o óptimo proveito. Mas com as novas
tecnologias
da comunicação, estamos perante um mercado novo que deu uma
nova forma ao capitalismo. O Estado nacional é ultrapassado e,
mais do que nunca, estamos perante uma economia da oferta: pro-
duz-se em quantidade, procurando-se fabricar consumidores para
os adaptar à produção. Creio que é este o centro do sistema actual
do capitalismo. E África, mais uma vez, está muito mal dotada
neste domínio.
Desde as independências dos Estados africanos, nunca se pro-
cedeu a tantas reformas nos domínios político e social como
du-
Mu ndializa dores e mu ndia liza dos -------------------------------------------

africanos a sul do Sara fazem parte dos perdedores da mundia-


lização. Qual é o problema?

Este terceiro episódio da mundialização é o estádio supremo


e
último da domesticação. Evoquemo-la rapidamente, começando
pelos aspectos ambientais. Como sabe, estamos em vias de des-
povoar os mares africanos. Os recursos haliêuticos são
verdadeira-
mente saqueados, a desertificação avança, as florestas tropicais e
equatoriais estão em processo de subdesenvolvimento. A Costa
do
~Marámff.eixleujÍQÍsj£D^s^^
Como quer que não se caminhe para o deserto? Outro aspecto da
destruição ambiental são os resíduos tóxicos que as empresas do
Norte transferiram para África, por vezes com a cumplicidade
dos nossos dirigentes. Um chefe de Estado foi acusado de ter
con-
cedido espaços do seu país para enterrar os resíduos, cuja
natureza
e toxicidade nem sequer eram conhecidas.
No plano económico, as consequências são desastrosas.
Ainda
no tempo colonial; havia uma complementaridade de produtores.
Uns estavam especializados na indústria, os outros limitados à
pro-
dução de matérias-primas. Mas esta produção de matérias-primas
reduz-se cada vez mais, porque temos cada vez menos
necessidade
de matérias-primas naturais. Todavia, o Banco Mundial empurra
os
países africanos para produções de arrendamento. Porquê? Por-
que as produções de arrendamento são pagas em dólares que ser-
vem para reembolsar a dívida. Consequência: quarenta anos de-
pois da independência, nem sequer produzimos uma
esferográfica.
A nossa balança comercial sofre com isto e os povos, além da
insegurança ambiental (biodiversidade), sofrem com a
insegurança
alimentar que era menos grave no tempo colonial e pré-colonial.
O Banco Mundial e o FMI pressionam os países africanos a
Para quando África? —

liabalho susceptíveis de interessar os médicos. Mas, a partir do


momento em que o Banco Mundial propôs ao governo a priva-
ti/açno do sistema de saúde, era necessário rentabilizar. O go-
verno comprimiu os orçamentos da saúde por ordem do Banco
Mundial. A privatização consistia na orientação de uma transfe-
rencia dos hospitais públicos para a hospitalização privada, em-
bora tivesse havido uma corrida para constituir clínicas. Hoje, os
médicos remetem pura e simplesmente os doentes para as suas
próprias clínicas quando os consultam no hospital. Mas as clíni-

de saúde são muito mais caros nelas. Quando se entra num hospi-
tal, tudo é pago, aliás, tanto para entrar como para sair. Uma vez
terminados os tratamentos, quem não pagar não sai do hospital.
Em breve, a saúde será um bem reservado exclusivamente aos
ricos: um bem privatizado.

A pobreza nacional nos países do Sahel 20 é acompanhada por


uma grande desigualdade na distribuição dos rendimentos. Na
maioria dos países, mais de metade do rendimento nacional
está
concentrado nas mãos de 20% dos mais ricos, enquanto 20% dos
mais pobres dispõem apenas de cerca de 5% do rendimento nci-
(ional. Qual é a lógica deste sistema? Quais são as
consequências
sociais desta situação?

Na Europa, o capitalismo foi construído sobre a exploração.


A acumulação foi feita à custa dos trabalhadores com proveito
pai a as outras categorias sociais, de tal forma que a Europa se
toi nou num modelo universal. A lógica do sistema exige a
acumu-
lação do capital à custa de certos factores de produção, nomeada-
mente os custos humanos. E aqui que o capitalismo geralmente se
desclassifica: para promover um ser humano, € preciso esmagar
dois ou três. Os ocidentais querem que os países africanos façam
como a Europa, mas no espaço de algumas décadas, não em al-
guns séculos como na Europa. A exploração é muito mais dura,
porque é comprimida num período de tempo muito curto. É a
corri-
da às taxas de crescimento e não a corrida à promoção humana.
Mundializadores e mundializados

() sisicma gera ipso facto a pobreza e desemboca na pauperização.


Não convém considerar que a pobreza é a causa do
subdesenvol-
vimento ela é um produto do sistema actual. Mas actua-se como
se a pobreza fosse uma entidade metafísica que afecta, infeliz
mente, certos grupos da espécie humana por razões que têm a
ver
com eles. A pobreza é tratada a posteriori sem pôr em causa as
molas e as estruturas do sistema. Habitualmente, esta
contradição
fundamental não é esclarecida.
i No decurso da sua história, o capitalismo produziu muitas in-
ygiiçoés é iinpeliu^s
povos^ãrãmfâís^Teal^zaçoesZifVfaSJ^ãtFífí^sn^O^" ~
j tempo, sempre produziu pobreza. No tempo pré-colonial, e mesmo
durante a colonização, as sociedades africanas eram marcadas
por
um certo equilíbrio dos rendimentos, do nível de vida e do poder
de compra dos diferentes segmentos da população. Isso devia-se
em grande parte ao défice na industrialização, estando 90% da
população votada à agricultura, com equipamentos pouco diferen-
ciados entre as unidades de exploração. A maior parte dos agri-
cultores ou chefes de família não dispunham de um número de
; trabalhadores superior ao ponto de ser decisivo cm relação aos
outros; o trabalho assalariado quase não existia. Nessa époi a,
quando eram organizadas jornadas dc trabalho colectivo, iala\ a
-se de um “convite” de uma família ou dc uma aldeia pma vii
ajudar no trabalho do campo. Este trabalho não era ivinunnado
economia de dons e de contra-dons, de prestígio c dc partilha
A partir das independências, estes factores iniciais foram cada
vez mais alterados. Hoje, há a possibilidade de alugar ou de
pagar
mão-de-obra, de ser proprietário de terreno ou de investir no
sec-
tor terciário, nos centros urbanos. Tudo isso criou uma nova
cate-
goria de trabalhadores que não existia na África tradicional.
29 -----------------------
Com
a ajuda desta mercantilização progressiva e da gestão corrupta,
ou mesmo mafiosa, dós bens do Estado, construíram-se
-------------- Para qua ndo África?

do que se chama “os custos humanos” do crescimento. Mas


aqui,
contrariamente à burguesia ocidental inicial, praticamtrd Ç5 óC
ílCiW

coiTe risco. O Estado é privatizado ao nível patrimonial e, em


vez
de acumular em África, transfere-se os bens para os bancos-refú-
gio do Norte e para os paraísos fiscais.
Os resultados desta política de paupcrização são terríveis.
O Burkina Faso, embora o seu governo aplique as directivas do
Banco Mundial e do FMI, continua a ser um dos países mais po-
bres do mundo. O rendimento per capita em África, como sabe, é
^nquerira-vezes^iiferioM^reirdnnento-de^mi^uíeoT-de^m^frari—
cês ou de um canadiano. A esperança de vida diminuiu drastica-
mente em muitos países africanos, fixando-se em vinte cinco
anos
menos do que nos países industrializados. Por outras palavras,
um africano médio vive uma geração menos do que um europeu.
Há mais contrastes agudos da mesma amplitude no interior dos
próprios países africanos, de tal modo que se cria uma distância
explosiva entre os pobres e os milionários. Os que sofrem mais
com esta situação são as mulheres e os jovens, que funcionam
como fusíveis no sistema: quando há um agravamento, são eles
que mais sofrem. Citei uma vez as palavras de uma jovem prosti-
tuta de Uagadugu que um jornalista entrevistou no local de traba-
lho com outras amigas. “Você não tem medo de contrair sida?”,
perguntou-lhe ele. Uma destas raparigas de 14 anos respondeu-
-lhe: “Eu prefiro morrer de sida do que morrer de fome”. É esta a
verdadeira situação da miséria. A miséria é a anulação da
escolha.
H hoje, em África, as pessoas têm cada vez menos escolha.

A adaptação das estruturas económicas e sociais dos países


pobres às exigências do mercado mundial é, desde há alguns
anos,
a receita padrão do FMI e do Banco Mundial O seu país, o Bur-
Idna Faso, é um caso tipo para a história passada e presente do
programa de ajustamento estrutural Após dez anos de cura
neo-
liberal do tipo dose de cavalo, que balanço faz?
Mundializadores e mundializados

estruturas que decidem do nosso futuro não dependem do facto


de o nosso orçamento ter um desequilíbrio de alguns poníosJVfas
dependem, por exemplo, dos preços das matérias-primas. Obri-
gam-nos, como acabei de dizer, a produzir algodão para ganhar
dólares. No entanto, o problema é que ao longo da fileira do algo-
dão, os circuitos de produção, de distribuição e de fixação dos
preços nos escapam. Ninguém fala em mexer na estrutura que
fixa o preço do algodão, do cacau ou do café: essa é intocável.
Para o nosso mercado, não se trata de uma variável. Trata-se de

Se você não obtiver dólares suficientes a partir do algodão,


como vai comprar o arroz de que necessita para sobreviver e que
é pago em dólares? Você está a ver, estamos metidos em estruturas
que nos escapam. Quando se fala de programas de ajustamento
estrutural, as verdadeiras estruturas do capitalismo estão fora de
contestação. Aliás, não dependem da iniciativa autónoma dos afri-
canos. Quando era deputado na Assembleia nacional do meu país,
tinham-nos apresentado um projecto de lei sobre as
privatizações
acompanhado de uma nota do governo a dizer: “Se não votam
esta lei, não teremos o crédito que esperamos de uma instituição
financeira.” Era como se dissessem: votem ou morrem... O ajus-
tamento é para os pobres, quanto aos países ricos, esses podem
subsidiar a sua agricultura.

A convenção de Lomé, nascida em 1975 e renovada de


cinco
em cinco anos, está na origem de uma ideia de parceria
original
entre os países da União Europeia e setenta e um países do
Sul,
dos quais quarenta e oito são africanos. Situando-se no
prolon-
gamento das relações coloniais, estes acordos baseavam-se na
ideia de que dar um apoio público ao desenvolvimento era
uma
medida louvável, mas que era ainda melhor ajudar os países
11
do
• Para quando África?

No que diz respeito à comfenção de Cotonou, nada de funda-


mental foi tocado, tal como não foi no tempo da convenção de
I -omc. Os dirigentes europeus e africanos procuram manter um
tipo dc relações privilegiadas entre o continente africano e a União
Europeia. Do ponto de vista comercial, a convenção de Cotonou
pretende abrir canais de escoamento garantidos para as indústrias
africanas. No tempo do terceiro-mundismo, nos anos sessenta a
oitenta, países como a Suécia tinham decidido deliberadamente
diminuir a capacidade de produção das suas fábricas têxteis a fim
~ ~lfê“1^vT)íêÇêflÍnipúl^
decisão está amplamente ultrapassado hoje, dado que as
produções
estão distribuídas por todo o mundo, a fim de tirar proveito das
vantagens comparativas. Não vemos como possa haver uma
harmonização de perspectivas entre o desejo de manter relações
particulares e a intenção dos mundializadores de abrir todo o
mundo ao anonimato do capitalismo mundial. Esta perspectiva é
contrária à do capitalismo de hoje, que aspira a quebrar todos os
particularismos a fim de abrir o mundo aos fluxos de capitais
sem
barreiras nem zonas protegidas. Assim, os africanos não podem
aparecer com um projecto integrado e autónomo de produção.

Enquanto a reparação se tornou um princípio aceite para as


vítimas do holocausto europeu da Segunda Guerra Mundial, ne-
nhum princípio deste género foi adoptado no que diz respeito
à
desestabilização sustentada e deliberada de que o continente
afri-
cano foi vítima no decurso dos últimos quinhentos anos, parti-
cularmente através da instituição da escravatura e do tráfico
dos
negros. Por que razão se deveria prever este princípio para a
África subsariana?

De facto, falou-se frequentemente de um plano Marshall21


para
África3 2a fim de lançar a economia africana e para restabelecer os
povos africanos nos seus direitos. Tudo o que se passou desde o
século XVI mereceria bem um pequeno plano Marshall, mas isso
Mundializadores e mundializados

dos “direitos dc créditos especiais”. O que eu peço não é tanto


o.
reconhecimento do erro que foi cometido com os negros como
negros, mas o erro que foi cometido com a espécie humana atra-
vés dos negros. Não creio que haja grupos humanos que tenham
sido mais inferiorizados do que os negros. No dia em que se reco-
j nhecer isso, seremos integrados na espécie humana. Não basta
dizer simplesmente: “Sim, são negros, fomos muito severos com
eles, batemos demais nesses pobres negros, temos de pedir des-
culpa. .A reparação de que falo comporta várias etapas. É pre-

lidade que se teve no que se passou e ter em conta o facto de que nós
próprios, os negros, temos uma responsabilidade neste assunto.

Que pensa do problema da dívida?

Sou daqueles que pensam que é necessário anular a dívida.


A campanha internacional para a anulação.da dívida é válida, pelo
menos a curto prazo. Mas, a longo prazo, ela não é válida porque
se dirige não à causa do subdesenvolvimento, mas a um efeito do
I sistema. E enquanto este mesmo sistema existir, a dívida rena:;
cerá das cinzas. Basta ver abalança comercial dos países ali a anos
- que é negativa - para compreender. A dívida está estrutural*
mente incluída no pacto colonial em que uns têm todo o valoi
acrescentado dos produtos e os outros não têm quase nada. A dí
vida é o filho natural deste tipo de estrutura e, pior ainda, deste
género de sistema.
|
Entre os pontos litigiosos no centro do debate sobre a mundia-
lização encontram-se os dois conceitos de “mercado ” e de “Es-
tado Para aqueles a que chama de “mundializadores ”, o mer-
1
cado é sinónimo de modernidade e de democracia. Mas para os
i altermundialistas, mais mercado significa a desmontagem do Es-
tado e uma concorrência individual. Será isso realmente tão mau?

Penso que o que está em jogo é o projecto africano endógeno


original. Arrastar toda a África para o mercado, sem preparação,
-------------- Para qua ndo África?

é.querer a abolição da civilitação e da cultura africanas. É um


hara-kiri programado cujo programa está no computador do
mer-
cado. Nós, africanos, não conhecemos este princípio do “tudo
mercado”. Talvez porque o mercado, tal como está em vigor
desde
o século XVII na Europa, era limitado em África. Existiam cir-
cuitos comerciais, mas os povos viviam numa base em que
muitas
coisas estavam situadas fora do mercado para garantir o mínimo
a
toda a gente. A água, por exemplo, não era vendida ao preço do
mercado. Aconteceu-me muitas vezes no mato do Burkina Faso,
quando tinha uma avariTftínrâfftV^^
masse de mim para me oferecer água. Ninguém lhe tinha pedido
a
água, mas é uma lei para aqueles que vêm de longe, ao ponto de
o
ditado dizer: “O estrangeiro é a água.”
Sinceramente, o ser humano animalizar-se-ia se colocasse
tudo
no mercado. Outro ditado mostra bem este humanismo africano,
quando se diz que “o velho vale muito mais do que o seu preço”.
Não se, diz “mais do que o seu preço” porque, precisamente, o
velho não está no valor venal do mercado. Se disséssemos “mais
do que o seu preço” isso equivaleria a dizer que podia ser com-
prado, mesmo a um bom preço. A vida é sagrada; é por isso que
não a podemos colocar no mercado, tal como a saúde ou o traba-
lho. Também se diz: “O dinheiro é bom, mas o homem é melhor,
porque responde quando o chamam”.
No sistema africano, a propriedade foi sempre mínima. A
pro-
dução ficou confinada durante demasiado tempo ao nível fami-
liar, clânico - num contexto em que não havia escassez de temas.
Assim, a corrida à propriedade nas relações de produção não foi
um dos grandes motores do processo de desenvolvimento econó-
mico em África. Além disso, neste sistema, foram tomadas pre-
cauções para evitar que alguns se apoderassem do capital terra.
No modelo de base desta organização, a comunidade e os indiví-
duos tinham direitos sobre a terra. Havia proprietários
Mundializadores e mundializados

Posso ilustrar esta relação com a propriedade com um


exem-
plo muito pessoal. O meu pai era o proprietário usufrutuário dos
nossos campos. A grande família tinha um grande campo e cada
membro da família tinha um pequeno campo no espaço perten-
cente à grande família. A minha mãe, por exemplo, tinha um
cam-
po de amendoins e também alguns retalhos à volta da casa para a
horticultura, com uma policultura muito característica de legu-
mes e de frutos. Recordo-me que quando entrava na horta tratada
pela minha mãe ficava radiante: era fresco, húmido e repleto de
—eerS'aS“beaS“para-eoineFl-^-gmnde-oan^p^4ifíM-^ô-4rome-de~mw^ -----------------------
gulé (em língua san), o que significa o grande campo, o bem pú-
blico, isto é, o campo destinado à colectividade. Aliás, a mesma
palavra designa também o Estado e todo o seu domínio.
O sistema africano tradicional visava limitar os desperdícios
e
evitar o monopólio da propriedade por alguns indivíduos, reser-
vando para cada indivíduo a possibilidade de dispor de um lote
de
terra, a fim de afirmar as suas próprias capacidades de criação.
Havia simultaneamente a ideia que não se devia colocar a terra
no
mercado e deixá-la à mercê dos mais fortes. Mas também não se
devia deixar a terra à disposição do Estado. Nem o privado-priva-
do, nem o Estado, era esse o lenia. No sistema africano tradicio-
nal podia haver sectores reservados. Por exemplo, nas minas de
ouro do império do Mali, as pepitas de ouro cabiam ao rei e o pó
de ouro aos garimpeiros. O sistema estava organizado de tal ma-
neira que era assegurado o mínimo a toda a gente. Ao mesmo
tempo, evitava-se que os detentores de poder açambarcassem a
propriedade ao ponto de frustrar a maioria da população. Assim,
os mossi, a etnia maioritária do Burkina Paso, continuam a tei
este sistema tão característico de separação de poder entre o
nciabci,
o chefe político,, e o têng-soba, o proprietário da terra. A ideia
profunda que está subjacente a isto é evitar que uma única pessoa
3 5 ----------------------
tenha ao mesmo tempo o poder da propriedade e o poder político,
- Para quando África?

biente que está inteiramente ehtregue à privatização mundialistn.


No meu livro Compagnons du soleiL citei um texto hebraico
intitulado “A terra, propriedade e proprietária”. Afinal, é a terra
que c proprietária do homem! Desde a Antiguidade grega e roma-
na, que se colocou um acento muito pronunciado na propriedade
e na privatização da propriedade. Em contrapartida, no sistema
africano, a propriedade privada foi “desintoxicada” antes de ser
entregue ao consumo.

^VeÃJrica ~ainda apresenià um Interesse parei o Ocidente é


de-
vido à sua demografia. No plano económico, o continente ao sul
do Sara está fora de jogo — 1% do PIB -mundial, 1% dos investi-
mentos directos estrangeiros, 1,5% do comércio internacional.
Tendo em conta este fraco peso económico de África, vê uma
al-
ternativa à mundialização? Poderão os países africanos jogar a
carta do regionalismo face à mundialização dos mercados?

Face à mundialização, somos tentados a utilizar as palavras


de
Margaret Thatcher, quando dizia: “TINA - there is no alterna-
tivoÉ verdadeiramente o pensamento único, o McDonald’s
único, os carris únicos, o preservativo único... Mas isso não sig-
nifica que não se possa agir. De qualquer modo, sou daqueles que
pensam que não se pode fazer nada sozinho. Em África, cada vez
que se tentou fazer uma reforma micronacional de um sistema,
houve um fracasso. Todas as tentativas micronacionais de liberta-
ção de África - Sékou Touré23 na Guiné, Kwame Nloumah24 no
(iana, Thomas Sankara25 no BurkinaFaso — fracassaram, em
grande
parte porque foram solitárias e não solidárias. Penso que se deve-
ria colocar como postulado a seguinte fórmula: a libertação de
África
será pan-africana ou não será.
A regionalização já está feita em alguns sectores. Trata-se de
realizar um verdadeiro quadro pan-africano da divisão do trabalho
em função
36 das vantagens comparativas internas à própria África.
Depois disso, poderemos voltar-nos para a competição mundial.
Não creio que os mundializadores estejam muito interessados na
regionalização. Pergunto-me se não estarão mais interessados em
Mundializadores e mundializados

manter os sistemas micronacionais, organizando um espaço pau


africano a seu bel-prazer, de acordo com os seus interesse*; e o*,
seus valores. Talvez o modelo liberal dos mundializadoies con
sista em deixar funcionar os sessenta Estados africanos, que man
têm as suas insígnias, os seus aparelhos e aparatos formais, a íim
de deixarem, ao nível económico, o campo aberto às transnacio
nais. Na minha opinião, é para mascarar a necessidade de uma
verdadeira regionalização africana que os mundializadores falam
de mundialização com a alta-roda dos quadros da pseudo-burgue-
— -- ------ - ——

Assim, somos obrigados a constatar que a perspectiva


regional
é radicalmente rejeitada pelas instituições financeiras internacio-
nais. O seu objectivo é.incluir todo o mundo no mesmo esquema
dizendo que não convém imaginar outra coisa, porque é cco fim
da
história”. O aspecto mais horroroso da mundialização é quererem
descer a cortina sobre a história humana. Agem como se o
homem
não pudesse inventar nada de diferente, num momento em que
este sistema está a aumentar o numero de excluídos. Ora, ó cxac
tamente o inverso: este sistema não é legítimo. Como remediai
isto num mundo em que o poder do dinheiro, o poder do abri <■
o
poder militar estão concentrados nas mãos da nir .ma minona p<a
todo o mundo? Ou se é cúmplice, ou é preciso sei advn ái m, «»n
mesmo inimigo. De qualquer modo, quem náo entia no )<>*,<>
*;n í
excluído. Ou então será incluído à força antes de sei r.xcluído
parcialmente. Pergunto-me se se pode lutar contra este sistema de
pauperização por desconexão como Samir Amin26 sugeria
outrora.
Creio que será difícil deixar o espaço do capitalismo neoliberal.
A Coca-Cola é omnipresente! O espaço deixado pelas transna-
cionais é quase inexistente.
Face a: situações tão constrangedoras, é inútil pretender uma
união entre os países do Sul só para enfrentar o desafio. Seria
conveniente uma aliança mundial dos Estados-nação e3 7dos gru-
pos da sociedade civil de todo o mundo. Mas, na minha opinião,
também seria necessário que alguns pesos pesados da economia
mundial, talvez mesmo até no seio do capitalismo, aceitassem em
certa medida um New DeaF da produção mundial Poi exemplo,
------ Para quando África?

com uma série de planos Marshall de um novo tipo para acom-


panhar as invenções de um mundo novo, de um novo Novo
Mundo28.

Como se pode promover um desenvolvimento económico


sus-
tentável em África?
Creio que é um problema de opção no plano da economia
po-
^éiffleHt-es-é~bvma-das-â4âvanGâs~4c
lítica e no plano da ideologia social. Algumas pessoas dizem que
mento global de um país, dado que favorece a criação de uma
poupança burguesa que permite criar as empresas. Outros pen-
sam, na esteira de Keynes, que a procura e o poder de compra das
populações são um factor-chave para estimular o crescimento.
Deste ponto de vista, a remuneração do trabalho é um elemento
importante na política económica de um país. Na minha opinião,
a magra burguesia nacional não poderá lançar a produção da eco-
nomia em África, por três razoes: primeiro, só recolhe algumas
migalhas do bolo económico, dado que não controla as engrena-
gens fundamentais da economia. São os estrangeiros — europeus,
americanos e libaneses - que controlam o comércio grossista e as
principais fábricas desde o tempo colonial. Segundo, a poupança
c a acumulação continuam a ser muito fracas devido ao cliente-
lismo africano, por um lado, e à mentalidade da burguesia africa-
na, por outro. Uma mentalidade que consiste não em ser e/ou em
produzir, mas em parecer e em distribuir. Assim, a burguesia afri-
cana não investe no sector produtivo, mas no sector visível, tangí-
vel e passageiro. Terceiro, não há acumulação local porque os
fundos acumulados são transferidos para os paraísos fiscais no
estrangeiro. Por conseguinte, apostar numa política da oferta atra-
vés do enriquecimento de uma classe de poderosos é apostar um
pouco no vazio em África. Em contrapartida, a política que conta
com a procura solvável e que consiste em aumentar ao máximo
o poder de compra da massa da população é mais promissora.
O objcctivo do desenvolvimento visa dai a uns c a outros o
mí ni mo
I M * rs sério paia nua as prssoas i mo moi iam dr
lom<' r nAo unam
Mundializadores e mundializados --------
na miséria, tornando-se assim inúteis para si próprios e para a
colectividade.
Insistirei mais uma vez no facto de que a dimensão
micronacio-
nal não é adequada ao desenvolvimento e ao crescimento. Não se
pode fazer uma acumulação suficiente, mesmo privada, em pe-
quenos países. Só numa grande escala é possível cobrar os im-
postos necessários sobre os rendimentos que permitam, por sua
vez, iniciar eventualmente uma política social. A riqueza nacional
tornou-se, pois, uma realidade volátil. Hoje, o dinheiro já não se
—acumula no local onde foi ganho. Já não é como no século XIX
europeu, onde o sistema financeiro estava concentrado num mes
mo país.
Para concluir neste plano, penso que, em primeiro lugar, é
ne-
cessário assegurar o mínimo às populações, singularmente às
maiorias pobres e, em segundo lugar, preparar a integração afri-
cana dos sistemas de produção que estão na base da acumulação
financeira necessária para lançar o aparelho produtivo e propor-
cionar as possibilidades de lucro. Em terceiro lugar, é preciso de-
*
fender o papel do Estado. É evidente que não se pode construir
uma sociedade com base no princípio do “tudo privado”. Não
será necessário um árbitro, mas sim um guardião do bem comum
que tente impedir que a pequena minoria de ricos devore inteira-
mente a maioria da população.

As migrações constituem um dos fenómenos mais


marcantes
da mundialização. No passado, a mobilidade foi umfactor
essen-
cial de adaptação das populações da África Ocidental às
mudan-
ças do seu ambiente. Hojet esta fluidez do conjunto regional
ten-
de a reduzir-se sobretudo devido à crise económica nos países
mais ricos da região. Qual foi, do ponto de vista histórico, a
rela-
ção dos africanos com o espaço natural?;
Para quando África? Mundializadores e mundiaLizados -
do continente, durante muito tempo as pessoas puderam dispor A escrita, como a geometria do Antigo Egipto, provém da li
do espaço como queriam. Evidentemente, abusaram, embora o xação da população. Enquanto as pessoas estiveram no Sara, nin
ordenamento do território africano não tenha obedecido a uina guém sc preocupou em anotar o que quer que fosse; havia espeu
regulamentação tão restritiva e rigorosa como no Ocidente. Con- em profusão. Mas a partir do momento em que a desertiíieaçao
vém não perder de vista que a propriedade fundiária não era regu- começou, as pessoas enfiaram-se no vale do Nilo. A densidade
lada pelo direito de tipo latino; a disponibilidade permanente em aumentou e tornou-se necessária a organização para sc saber
usufruto do solo facilitou a instalação dos grupos humanos. O ha- quem
bitat africano sempre foi móvel, com incessantes partidas e che- estava instalado e em que sítio. A demarcação levou à ideia da
gadas. É preciso partir daqui para compreender o carácter absur- computação, da escrita e do desenho que se utilizava para presei
var as marcas da propriedade.
rígidas, geométricas, artificiais e por vezes imaginárias. A contra-
dição fundamental entre o metabolismo de base dos povos, por dade de deslocação. A quase opacidade das fronteiras é um fenó-
um lado, e os impedimentos, as barreiras, as proibições que lhes meno relativamente recente, que começou com a colonização.
são levantados pela administração de diferentes países, por outro, Assinalemos, de passagem, que, na realidade, os colonos de que
explica em parte o subdesenvolvimento africano. nos queixamos exploraram menos as fronteiras do que os dirigen-
tes africanos actuais. No quadro da África Ocidental francesa,
Quais eram as consequências a longo prazo da disponibilida- num espaço imenso de oito países actuais, as pessoas podiam des-
de do espaço? locar-se como queriam. Os membros de uma mesma etnia não
estavam separados, a não ser que estivessem em dois territórios
África foi uma terra de transumância, de deslocações inces-
dependentes de dois países europeus diferentes29. Os haussá do
santes através de todos os obstáculos. Só Deus sabe o que há
Níger e da Nigéria, por exemplo, foram divididos em dois blocos.
neste continente de obstáculos mal colocados, como o Sara, que
divide África de forma tão má. O facto de o Sara separar dois Quais são os lados positivos e negativos das migrações '
grandes subespaços de África foi um começo terrível, mas nunca
impediu os movimentos da população através deste deserto. Esta Há os aspectos económicos e políticos e os dois bloqueiam
capacidade de partir sempre para o outro lado é uma das leis seriamente o desenvolvimento e o desabrochar africanos hoje. No
mais importantes da evolução dos estabelecimentos humanos plano económico, dou-lhe o exemplo dos migrantes mossi do Bur-
em África. Isso trouxe também inconvenientes muito pesados: kina Faso. A liberdade de instalação em diferentes partes do país
durante séculos, não havia vantagens em fazer construções sóli- levou as pessoas do planalto mossi a ocuparem as porções do ter-
das, porque as pessoas viam-se sempre obrigadas a partir para ritório nacional menos densamente povoadas. Por vezes, infeliz-
outro lado. As deslocações frequentes fizeram com que as insti- mente, esta dispersão dos mossi fez-se sem regulação; as pessoas
tuições não se pudessem fixar e não fossem favoráveis ao siste- instalaram-se com mentalidades não de bons pais de família, mas
ma da escrita. de gente de passagem. Em suma, uma mentalidade de colecta e
não de acumulação e de salvaguarda. No plano político, não hou-
doderia explicitar a relação entre as migrações e a escrita? ve da parte dos dirigentes africanos, em nenhum país, uma estra
A densidade da população é uma condição das inovações? tégia de ordenamento do território em função da ocupação das
/♦O
terras pela população. Isso facilitou os contenciosos interétnicos
41
--------- Para quando África? ^
ou inter-sociais. As fronteiras sâo bombas-relógio, no sentido
em
que há conflitos em perspectiva. Os desequilíbrios demográficos
deveriam ser compensados e regulados, mas, em gem^, ignora-
se
em que bases isso deverá ser feito. Também não há uma vontade
de explicar às pessoas em que direcção se deve caminhar.

Quando se fala da política migratória, há um paradoxo:


défice
em migração dos países ricos, excesso de migrantes nos países
pobres. Que pensa das políticas em matéria de migração na Eu-
JXípalMsLsuajçipMã^^
das pela riqueza do Norte? Os países do-Sul não lhes oferecem
perspectivas?

Os países do Norte fecharam-se em fortalezas com “torres de


vigia”, linhas de fronteira semeadas de miradouros. A maioria
dos
países dão prioridade ao “direito do solo”, alguns outros
recorrem
aos “direitos de sangue” para impedir que as pessoas do exterior
venham “invadi-los”. É a defesa do nível de vida, a recusa de
par-
tilhar e a recusa de um mundo plural Mas, ao mesmo tempo, os
países do Norte recorrem às pessoas do Sul por causa do
envelhe-
cimento da população. Têm necessidade de quadros e de
técnicos
de grande qualidade. Se a degradação da natalidade seguir o seu
curso e os países ditos desenvolvidos mantiverem esta política
de
rejeição dos outros, caminharão para o despovoamento. Todas
estas
interferências levam-me a pensar que a política da repulsa dos
“condenados da terra” não poderá continuar etemamente.
As pessoas não partem de casa de bom grado. Se o fazem é
porque41 são mais rejeitados no seu país do que atraídos pelo
Norte.
Mundializadores e mundializados

será preciso desenvolver? Como diminuir os preconceitos e as


dificuldades ligados às diferenças culturais e religiosa

No que diz respeito às migrações no Sul, a primeira das


coisas
é a formação; é preciso lima consciencialização nacional e inter-
nacional. Estou persuadido que algumas pessoas, sobretudo os
analfabetos, que nem sequer têm uma ideia da distribuição e da
densidade do povoamento, consideram os migrantes como agres-
sores. Um trabalho de explicação pode ajudá-los a compreender

gração Norte-Sul, deve-se agir na fonte e provocar a recuperação


económica dos países pobres de tal maneira que as pessoas
fíqurm
no seu país e não sejam tentadas à aventura: partir ou monri
É possível diminuir os preconceitos através da integração <vn
nómica, política, social e cultural dos estrangeiros. Infclr/mniiig
os ilegais (sem papéis) tornaram-se um paradigma do mundo no
limiar do século XXI: tecnicamente, há possibilidades dc dcslo
cação de comboio, de barco, de ávião, mas também sei ia ncccssá
rio ter os papéis! Assim, a integração cultural será difícil d<*
irali/.n
Como fazer para que os cristãos, os muçulmanos, os budistas, ru
vivam juntos? Se as comunidades querem coabitar harmoniosa
mente, são necessários modelos de inclusão extremamente pro
fundos que sejam os produtos de uma consciencialização geral da
sociedade. Tenho a sensação de que os africanos são muito tole-
rantes no plano da religião, das línguas e da cultura em geral. Hm
África, o estrangeiro é um valor em si. Ser o estrangeiro de al-
guém é uma relação privilegiada. Por exemplo, quando há uma
disputa entre um estrangeiro de passagem e um membro da famí-
lia, normalmente o chefe de família defende o estrangeiro. Por
vezes, os estrangeiros são disputados; quando há um falecimento,
disputa-se mesmo os despojos mortais do estrangeiro! É quem se
ocupa dele que tem o direito de o inumar. Isto parece aberrante.
No entanto, está inteiramente na linha da concepção africana da
relação com o “estrangeiro”. Neste contexto cultural, esta palavra
43
perde o seu sentido habitual no mundo ocidental. Esta maneira de
eniradmi os r-.íi ungcnos íácilila a gestão das relações inter-
- Para quando África? -

c intcrcultiirais. A questão da religião também não se coloca da


mesma maneira que na Europa, onde a religião mascara uma di
fci cncia •• - profunda entre os estrangeiros e os europeus. Por
sua
vez, em África, as pessoas da religião tradicional têm os mesmos Guerra e paz
alicerces que os muçulmanos ou os cristãos. Pertencem todos a
um ramo principal que é a cultura tradicional africana, à qual se
juntou a religião cristã ou muçulmana.
Para terminar, gostaria de chamar a sua atenção para um as-
Durante os anos noventa, a posição de África no mundo mu-
pecto mais político das migrações. Poder-se-á criar um Estado
potência distante, antiga metrópole colonial ou bastião revo-
África viveu desde sempre numa base pluralista; aliás, é muito
tarde para constituir em África Estados-nação centralizados. lucionário, desapareceram. Esta modificação operou-se a favor
Creio da multilateralização da relação políticay diplomática e econó-
que a opção do mundo mundializado leva os africanos a optar mica,. Quais foram as consequências do desaparecimento do
pela via federal, isto é, por fórmulas de desmultiplicação do po- sis-
der e pelo princípio da subsidiaridade. O federalismo, retomarei tema bipolar? Como foram redistribuídas as cartas? Há conti-
esta questão mais adiante, resolverá muitos problemas africanos, nuidade ou ruptura das relações neocoloniais?
tanto económicos como inter-étnicos. Resumidamente, podemos dizer que o poder dos países colo-
nizadores que dominavam África desde o final do século XIX é
posto em causa. É certo que este poder ainda tem as suas laízes
em África, mas é abalado por novas forças. Forças internas uíi i
canas, mas sobretudo forças externas, representadas por Estados
não africanos e por potências económicas, as transnacionais. Ao
nível das organizações internacionais, o Banco Mundial, o FMÍ e
a Organização Mundial do Comércio (OMC) intervêm cada vez
mais em África. Elas não estão dependentes dos países coloniza-
dores. Pelo contrário, em certos aspectos, estas instituições inter-
nacionais cooperam com eles. Em certos aspectos, a França, a
Grã-Bretanha e a Bélgica são obrigadas a submeter-se às
perspec-
tivas, às directivas do FMI ou do Banco Mundial. Assim, do
pon-
to de vista económico, há uma espécie de nivelamento, de
reposi-
cionamento geral de todos os actores em África. Este novo jogo
nem sempre favorece os países ex-colonizadores que tentam de
44 fender os seus próprios interesses. Mas os interesses l i a m <• .<•
..
britânicos e belgas estão, por assim dizer, dissimulados nos
inl<
resses mais vastos das transnacionais.
--------- Para quando África?
As organizações internacionais e as transnacionais actuam
' cada vez mais em vez e no lugar dos Estados. A propósito, gos-
taria de fazer alusão a um mapa publicado em Junho de 2001
pela revista francesa Caravane, que mostra até que ponto o di-
nheiro exterior invade o sector das minas do Congo. Neste mapa,
à volta dos nomes das multinacionais - Ridgepointe, De Beers,
Banro, Darney, Cluff, etc. - estão indicados os produtos minei-
ros que são visados. Subindo do sul para o norte da República
Democrática do Congo (RDC), encontramos: o cobre, o urânio,
■ ~Tremuo7TrroEait07irm^
diamante, o coltanl\ o nióbio e o ouro. Através deste mapa, ve-
mos que se trata de um rush, de um verdadeiro assalto, como na
aurora da colonização. Recordo-me de que, quando Laurent-
-Désiré Kabila32 avançava para Kinshasa, a capital do que viria
a scr a RDC, era acompanhado por verdadeiras matilhas, por
grupos que farejavam a sua concessão mineira. No decurso da
progressão, negociava-se ao mesmo tempo os direitos relativos
aos diferentes sectores mineiros do país. Assim, há hoje um
novo
tipo dc partilha de África que não confessa o seu nome, mas que
se faz através da invasão capitalista, sobretudo financeira, nas
diferentes zonas do continente.
Isto mostra bem que os povos não interessam nada a esta
gente. Há guerras que são sustentadas, apoiadas, nomeadamente
tráfico de armas, por estas organizações e companhias mineiras
transnacionais. Por vezes, elas não hesitam em suscitar rebeliões
para enfraquecer o país com o qual negoceiam. Tanto podem
intervir quando há adversários - o que lhes permite fazer chan-
tagem - como, se não há rebeliões, ficam enfraquecidos durante
a negociação. Já disse isto: isto equivale a repetir o esquema, o
modelo do tempo do tráfico dos negros. Durante o tráfico dos
negros, os barcos negreiros1 ancoravam ao largo dos portos das
grandes cidades africanas e, a partir dos barcos, os negreiros
interferiam na política interna dos chefes africanos. Ora apoia-
vam um, ora outro, porque sabiam que estes combates, estes
choques, tinham como fruto os cativos dc guerra que podiam
sei vendidos A vontade
Gu erra e pa z -------------------------

A partir de 1998, a França oficializou a sua retirada de


África
zzrzrrés de uma reforma institucional da sua cooperação e do
encerramento das suas bases militares na República Centro-
Afri-
cana. Mesmo que quisesse, a França já não poderia imiscuir-se
tão abertamente como no passado nos assuntos do continente.
Concorda com esta análise? Há um declínio das potências euro-
peias, nomeadamente da França e da Bélgica?

Sim. Objectivamente, a retirada dos antigos países coloniza


^oi^es^síá-a-verifíca-i-sev-A^p^d^^u^aJLIniãoJ^fricana.fGr-lcj la,
voltarei a isto, ela tirará os trunfos à França e à Bélgica. Entu*
tanto, estes países tentam perenizar a sua influência. No âmbito
do neocolonialismo, os antigos países colonizadores tem .1 sua
carta a jogar, sobretudo através da língua, que tem um i mpai to
económico, político e geoestratégico. A língua é um veículo p*
>■ l<
roso e um apoio estrutural importante nas negociações, no c<
>1101
cio e nos tratados com carácter económico. Os franceses piomo
vem a língua porque é a sua muralha inexpugnáve 1. Ac111 aln 1
<*111 < \
há grandes esforços para fazer da francofonia simultaneamnii*
um património cultural comum e um investimento que benel u 1.1
sobretudo a França. O Canadá também investe muito neste domí
nio, sobretudo 0 Quebeque. No entanto, aprazo, creio que os pai
ses africanos francófonos exigirão cada vez mais 0 uso da sua
língua nacional na escola. Até agora, a tendência era substituir
todas as línguas africanas pelo francês, a partir da entrada na es-
cola. É um objectivo estratégico importante que um dia talvez
adquira dimensões conflituais graves, do género Kulturkampf
(combate cultural).
Acrescentarei ainda um novo exemplo relativo ao domínio
cultural. No museu real da África Central, em Tervuren (Bélgi-
ca),1 encontra-se praticamente todo o património cultural da Re-
pública Democrática do Congo. É certo que os congoleses
ainda
têm objectos de arte no seu país. Mas, tendo visitado os dois
paí-
Para quando África?
país na Europa”, eles irão à Bélgica quase obrigatoriamente, poi
que c ali que eles podem encontrar-se e reencontrar-se. É o que
se
chama “mercados cativos”, é quase uma relação de servidão. Há
coisas esplêndidas no museu de Tervuren, de uma ucleza de cor-
lar o fôlego! Mas os pequenos congoleses, que estão em cresci-
mento, não têm a vantagem de comunicar com o seu passado co-
lectivo. E não estou seguro que os pequenos belgas estejam
muito
interessados. Mas têm a vantagem de dispor dele a um quarto de
hora de casa, de automóvel.
^BfetudÓ^ as ántig^poiéncíásl!^^
redes e de circuitos através dos países que colonizavam, tanto
em
termos de quadros económicos como de dirigentes políticos e de
líderes de opinião na sociedade civil. Através de todas estas
redes,
estes países ex-colonizadores podem agir com muito poder nas
re-
lações entre eles e os países africanos. A França, desde o tempo
do
general Charles De Gaulle, manteve relações muito directas com
os dirigentes políticos e os chefes de Estado africanos. Na época,
havia um telefone directo entre De Gaulle e alguns chefes de
Esta-
do africanos. Depois, havia as redes do “Senhor África” de
Charles
De Gaulle e de Georges Pompidou, Jacques Foccart. Estas redes
encarregavam-se de decidir quem era preciso pôr e em que lugar
ao
nível político em África, a fim de assegurar a perenidade da
influên-
cia francesa nos países africanos. Do ponto de vista geopolítico,
as
intervenções militares faziam-se consoante a importância do
objec-
tivo. No tempo de Giscard d’Estaing, pára-quedistas franceses
de- - 48

sembarcaram em Kolwezi33 porque havia um interesse político


ime-
Guerra e paz

Finalmente, mencionarei também os gabinetes de estudos que


são agências extremamente poderosas para veicular a inlluéucí a
nos países africanos, sem falar das confrarias, dos clube.,
da*.»«>ti
gregações missionárias, que desempenham um papel „!;avi . -la
educação e da saúde. Através destes sectores, loca se rui a .p«« !»•
económicos extremamente importantes: o malrual -..iiiif/ui»♦, •»
remédios, o material escolar e universitário, a ; edifoi a*. « u
IHIIM
isso fornia um bloco, como se sabe, enfio se pode iiatai da mlh»»
n
cia da França em África sem pôr em causa todo . * a« , • » ....
............................................................................................ 11
■^Ma^^feTraÍ7SOCTai“e-exx)rrómicci7“No ti iía i ii» q u a n do < » . , < > . m n -
-democratas se tomaram maioritários na Europa, vnilu -.<* uma
certa distanciação em relação aos problemas internos de África.
Creio que isto é contrário aos interesses das classes conservado-
Quem
ras ou vai preencherMas
neocolonialistas. essea conjuntura
vazio? Quem vaifacilmente
pode tirar partido da
provo-
abertura do espaço continental?
car a inversão do pêndulo no sentido dos interesses
multisseculares
dos Evidentemente, são os Estados Unidos, por várias razões. Pri-
lobbies coloniais.
meiro, controlam o maior número de transnacionais no mundo.
Depois, têm interesses planetários em matéria de abastecimento
em produtos brutos estratégicos, indispensáveis para a sua econo-
mia, em particular para as suas indústrias de ponta. Na
aeronáutica,
são cada vez mais necessários minerais muito raros, como o famo-
so coltan ou o cobalto de que falei há pouco, que se encontra
sobre-
tudo em África. Através das suas multinacionais, os americanos
têm necessidade de espaço livre onde possam opeiai sem entraves.
Aliás, é por isso que difundem poi lodo o lado a ideologia do libe
ralismo absoluto. Têm interesse cm que haja um va.oo em A111<
a.
um vazio criado pela rctuada dos < olom adon . < mnp< u . * p* la
incapacidade dos países africanos paia •.« p nn m a u ... .........

A retirada francesa de África mtei \nn num numa nta * m ,/n*


as potências regionais se afirmam na eanilnenie o/M» ano a
Para quando África?
Nigéria na África Ocidental, o Uganda e seus aliados no centro
do continente, África do Sul e Angola no hemisfério austral.
Além
disso, a Nigéria arbitrará mais do que nunca os conflitos na
Áfri-
ca Ocidental. Ouem serão os ganhadores e os perdedores desta
recomposição política e económica no continente negro?

Fundamentalmente, os países anglófonos estão mais bem


pre-
parados do que os países francófonos para desempenhar um im-
portante papel na África de amanhã, porque os deixaram voar
^om^rs^uas-próprias^sas—Nâe^iveram-xH^nesmr^píetensa-pi^tec-v.
ção do antigo colonizador. No dia em que a Comunidade dos Es-
tados da África Ocidental (CEDEAO) decidir a abertura total dos
mercados, os países francófonos passarão por uma fase difícil
que,
aliás, já começou. Admitamos que são suprimidas as barreiras
alfandegárias entre os nossos países da África Ocidental: estou
certo dc que o Togo e o Benin, que se encontram entalados entre
o
(iana c a Nigéria, correrão o risco de fagocitose. Todo esse
espaço
será um mercado anglófono, com produtos provenientes essen-
cialmente dos países anglófonos. A razão é que os países angló-
fonos - o Gana e a Nigéria na África Ocidental, o Quénia e o
Uganda na África Oriental e os países anglófonos na África Aus-
tral - dispõem de um tecido de pequenas indústrias. Além disso,
prepararam-se para a liberalização enquanto os países
francófonos
sempre viveram mais ou menos agarrados ao guarda-chuva ató-
mico do franco francês. A França tirou partido do cabaz de
divisas
geradas por si própria a fim de reger a vida económica dos países
francófonos. É uma situação artificial, dado que o franco CFA35 é
fundamentalmente sobrestimado. Assim, nós, os africanos
francó-
fonos, não estamos preparados para lutar com as pessoas que es-
tão habituadas à confusão, na medida em que saímos debaixo do
balão de oxigénio onde sobrevivíamos artificialmente.
Gu erra e pa z ------------------------

poderá controlar todas as fileiras do mercado da África Ociden-


tal. Assim, vale mais apostar na realidade.
No entanto, países francófonos como a Costa do Marfim
esta-
vam no bom caminho. A Costa do Marfim tinha conseguido
indus-
trializar-se, porque tinha um mercado interno e países francófonos
vizinhos ligados a ele. A Costa do Marfim desempenhava um pa-
pel de um país tutor-colonizador, vendendo produtos manufactu-
rados e comprando a força de trabalho e, por vezes, os produtos
brutos dos países vizinhos. Se tivesse desempenhado este papel
gional. Mas hoje - que contradição! - é a opção pela “maríin ida<
le'',
isto é, pelo isolamento. A “marfinidade” trará conflitos, sobiem
do através da questão da propriedade da terra. De qualquci mo< I.

irá contra o desenvolvimento económico da Costa do Marfim < l.u
l< >
que deixará de dispor à vontade da mão-de-obra a baixo preço, <

produtos brutos e de servir-se dos países limítrofes como vi;r. <!«
escoamento.
O outro aspecto é que com a abertura cada vezmaior do eo
mércio mundial, os asiáticos rapidamente responderam As
nova*,
oportunidades. Na época do Alto Volta, os direitos alfandegái
IOS

eram tais que os automóveis japoneses eram praticamente proibi


dos a fim de proteger os automóveis franceses. Era como um
cm
bargo que era infligido aos países africanos. Eram fortemente
pre
judicados colectiva e individualmente unicamente porque eram
antigas colónias francesas. Pouco a pouco, esta abertura aumen-
tou. Os carros japoneses têm hoje a parte de leão no mercado
automóvel e isto também é válido noutros domínios: os tecidos,
as máquinas fotográficas, o papel higiénico e de cozinha, o ar-
roz... Há uma série de produtos que antes vinham de França e
que são cada vez mais substituídos por artigos vindos de outros
Para quando África? Guerra e paz

n.io carrega uma imagem de país colonizador. Há também a qua- Dou-lhe o exemplo da recente etnogénese algo mons(aios.»
lidade dos produtos alemães, que faz com que estes produtos se mim
imponham. Penso que a Alemanha é um dos países que mais se cenário de genocídio entre os hutus e os tutsis. Por que 1.1 MO *
aproveitará deste vazio que se cria em África. A Alemanha é a >
primeira potência europeia e tem um método de extensão comer- tutsi e os hutus não foram tentados pelo genocídio nos srcul»»
cial já muito experimentado, muito eficaz e muito metódico. XVIII ou XIX? No século XIX, os tutsis e os luilu d<> i niiim.h
Hoje, eram mobilizados conjuntamente para combatei os luisis« •».
é certo que os alemães podem tirar partido disso. Imiu
do Ruanda que, por sua vez, também sc uniam Poiqm ' 1 *»»i•
Após o fim da Guerra Fria, a democracia, os direitos do ho- j11«
nnerrreirezxmv^mkrprtrecmrrr^ havia um processo nacionalista em gestação e n t t e m u , I m m i i
.1 10

únicos valores universais. No entanto, em África como noutros di, por um lado, e a nação ruanda, por outro N e s s a rpm a, não <
sítios, a guerra continuou a ser de grande actualidade no decur- tratava de um conflito entre os hlitus e os tut .r. do l'uanda. 1 ul
so dos anos noventa. Por que razão algumas guerras se prolon- jffvn I ( í< 1111 i 11.1111< r
garam? Porquê o nascimento e a perenidade de alguns !< • l< mpo
conflitos? pré-colonial, um hutu, ministro dc um rei tutsi, podia até ser mais
De que tipo de guerra se trata? importante do que um pequeno chefe tutsi de província Fala-se
mesmo da possível passagem da mesma pessoa de um dos estatu-
Hoje, em África, primeiro há as ambições pessoais, nomea- tos para outro. A partir da colonização, hierarquizaram as etnias
damente as dos senhores da guerra, as guerras de fronteira, etc. africanas como hierarquizaram as raças, os brancos em cima, os
A multiplicação das guerras provém dos problemas estruturais negros em baixo. Foi então que foram criados os germes
que contempo-
não foram resolvidos pela independência. As guerras estruturais râneos do conflito actual. As nações burundi e ruanda foram apa-
provêm da condição africana legada por séculos de história. Bem nhadas em pleno voo e deixaram de poder pensar na respectiva
entendido, não devemos procurar as causas nem no tempo dos realização. As contradições entre os grandes chefes ruandas e
egípcios, nem na “Idade Média” africana. Fundamentalmente, burundis desapareceram para dar lugar a contradições de tipo in-
podemos dizer que as principais causas das guerras e dos confli- terno, intrínseco. Estas contradições, que não eram antagónicas
tos remontam à segunda metade do século XIX. Mas eu diria que, no século XIX, foram progressivamente vistas como flores vene-
além disso, convém notar que os africanos não se sentem bem por nosas que germinavam durante o período precedente. Os hutus e
razões que talvez datem do tráfico dos negros e do tempo da os tutsis assistiram a um tipo de divisão do trabalho diferente do
colo- que prevalecia anteriormente. Os tutsis foram privilegiados no
nização. Desde essas épocas perduraram elementos de contradi- acesso ao alto clero ou no exercício de funções no exército e na
ção. Traduzem-se por um estado de medo e de complexo que pro- administração pública. A sua superstrutura e a sua mentalidade
vém do facto de os africanos terem sido muito atingidos durante foram assim reforçadas.
quatro ou cinco gerações. Daí resultou a destruição do sentimento A contradição agravou-se com a introdução da
de pertença, uma crise de identidade profunda. Por conseguinte, democracia
encontramos nas tensões actuais elementos constituídos numa formal de tipo europeu. Nas independências, após a partida
escala multissecular. dos
europeus, cada um dizia: “Sou eu que devo comandar”. <
Poderia dar um exemplo de uma guerra estrutural?
)s tutsi
52 apoiaram-sc nas suas funções dc dneeçáo tradicional na
-------- Para quando África?

de etnias diferentes, quando, na realidade, têm a mesma língua e a


mesma cultura social. Uns e outros tiveram funções colectivas
diferentes, mas pertencem ao mesmo povo. Retiro a conclusão
seguinte: se se quiser resolver o conflito a partir das suas raízes,
deve-se inventar uma nova formação social que assegure aos
hutus
e aos tutsis uma participação igual, isto é, equilibrada, nas estru-
turas democráticas.

Os países ocidentais e os Estados Unidos não cessam de


dizer
qtte^ãoq}elã~pãz^mMfri-eãrd4a~Svtarepmião?~será-apen&s~dis&>tP-~
so? Qual é a responsabilidade dos países ocidentais no prolon-
gamento dos conflitos?

São pela manutenção da paz, porque não querem ser obriga-


dos a comprometer-se. Os americanos, tal como os franceses, são
obrigados a ter em conta a opinião pública no seu próprio país, de
modo que já não podem enviar os seus rapazes para todo o lado.
() que podem eles fazer se pretendem a qualquer preço ter acesso
aos minérios e às fontes de energia? Vão apoiar os regimes que
lhe:; são favoráveis. Ora, nem todos os regimes africanos lhes são
favoráveis. Assim, serão levados a dividir África sob o risco de
guerras de todos os tipos. Não estão muito interessados na paz...

Por que não? Poderia explicar um pouco mais?

Do mesmo modo que os negreiros do século XVI, que


queriam
a guerra entre os africanos, porque a guerra lhes fornecia os es-
cravos. Hoje, a situação não é tão crua, mas é a mesma coisa. As
potências ocidentais querem que haja dirigentes africanos e pode-
res políticos que sejam acomodatícios e, de qualquer modo, com-
patíveis com os seus interesses estratégicos. Quando Pascal
Lissouba, o antigo presidente do Congo-Brazzaville, quis termos
mais justos para com o Congo em matéria de exploração do pe-
tróleo, viu-se face a face com a Elf-Aquitaine36. Foi “despedido”
com a ajuda dc uma guerra civil Isso não mudou: as potências têm
interesse cm que haja divisões entre os «li u anos I'videiifemonte,
M
Guerra e paz

se todos os africanos dissessem: “Não há nenhum problema! Ve-


nham, está tudo livre. Escavem onde quiserem! Levem o que qui-
serem!”, as potências estrangeiras não interviriam para pôr os
afri-
canos uns contra os outros.

Esta ingerência externa explica a maior parte dos conflitos


em África?

Não. Mas o que é certo é que esta ingerência externa tem uma
~4nfluência.4rotóna^LLimaesma^etejaiimanteyxm,aiguiiS-C.cui[] i h
nomeadamente onde haja grandes reservas de minerais raros ou
fontes de energia (RDC, Angola, Chade, Sudão). É tão simples
como isto: cada um quer escavar ali. Todos os homens ou grupos
do poder económico ou político, africanos e não africanos, estão
agarrados aos produtos raros do continente e querem controla
-los. Daí os permanentes conflitos, dado que cada um tem os seus
interesses: as transnacionais entre si, cada uma das transnacionais
com as potências africanas, as potências africanas entre si c cada
um dos africanos com as diferentes transnacionais. É por isso que
a gueixa está na ordem do dia.

A Libéria e a Serra Leoa foram devastadas por pretensas


guer-
ras tribais. Seitas religiosas aterrorizam as populações no
Uganda.
No Burundi, tutsi e hutu não conseguem chegar a acordo para
assinar um tratado de paz. Os conflitos étnicos e religiosos
serão
o destino de África?

É preciso ver donde vêm estes cenários de instabilidade e de


guerra. Hoje, entre as múltiplas causas dos afrontamentos, o tráfi-
co de diamantes é uma das principais fontes da guerra em África,
bem como o desejo dos senhores da guerra de construir impérios.
Os conflitos pretensamente “étnicos” são, na realidade, con-
flitos sociais. Dou-lhe dois exemplos. O primeiro diz respeito ao
caso dos burquinos que são expulsos do centro e do5 5 oeste da
----------------------

Costa
------- Para quando África?

do Marfim são sobretudo conhecidos como burquinos. O outro


exemplo diz respeito aos conflitos entre os peul e os
cultivadores
desta ou daquela etnia. Também aqui, trata-se na realidade de
con-
flitos sociais. Não é porque uns são peul e os outros bobo que os
conflitos se produzem, mas sim porque uns são criadores de
gado
e os outros agricultores. Estou convencido que se se permitisse a
livre circulação dos povos, se acabaria com o essencial dos
afron-
tamentos étnicos. Muitas etnias só se reúnem ultrapassando as
fronteiras pretensamente nacionais. Estes dois exemplos
ilustram
questão do .Estado';"''-
ainda menos a questão da nação. E enquanto não forem
estabeleci-
dos princípios fundamentais, estratégicos, para resolver esta
questão,
deflagrarão conflitos aqui e acolá. Mas isso não serve as
minorias
dirigentes. Por vezes, para estas, o país é um fundo de comércio:
o
presidente fala em nome do seu país, utiliza o seu nome, mas
são
feitas negociações mafíosas ou não em nome do seu país. Serve-
se da soberania, das vantagens, dos direitos e das prerrogativas
soberanas do seu país para obter vantagens pessoais.
O outro aspecto da questão é que é necessário ter em conta
as
raízes económicas de uma situação de tensão potencial: o facto,
por exemplo, de certas etnias serem mais comerciantes do que
outras. Mas são tensões que não devem ser transferidas para o
registo “etnia”, ou “raça”, ou religião, como por vezes se ouve
di-
zer. São tensões sociais e é necessário tratá-las como tais.
Quando
-------
são 56
transferidas para o plano da etnia, corre-se o risco de falar
de
etnias onde elas não existem, como entre os tutsis e os hutus. E
uma
I

Guerra e paz ■
parentesco por afinidade, instalaram-se relações económicas MV
lidas em benefício de lima ou outra etnia. lí necrssauo » ultn u
estas estruturas interétnicas e transétnicas positiva .. ■ I..
podem ajudar a resolver problemas. É evidente qu»’ a ru. n i mm .
acabará se se teima em ver apenas as cimas qu* mmi.i « ,
ultrapassam as fronteiras nacionais. l ; oi poi iv.oq m «li » < J I M a
união africana será construída com giandes lialullm ...... ...... r..
chamei “as novas pirâmides”: cm ve/ dr vn as» 01 i ........... impo
étnico e de mobilizar para se defendei »• levantai IMIM H.I m
mi!rbsr?"precf^õ^lrcffmr soIííc;õc-; ml< i ali i< .m.r. « num o <
um
peus fizeram com o carvão e o aço com a I liinio dita mmeii.i
nos
anos cinquenta. Cada um dos países não tem meios paiu n mais
longe no domínio das grandes infra estruturas Em contrapartida,
se forem fixados objectivos comuns, que exigem a união de
todas
as energias, mobiliza-se toda a gente para atingir resultados afri-
canos que transcendam o nível nacional.

Pode-se pôr termo às guerras em África?

Actualmente, penso que não é possível pôr termo aos confli-


tos africanos. Hoje, quando há uma pequena guerra, é legítimo
que se tente pôr termo a ela. Mas, muitas vezes, aqueles que ten-
tam pôr termo a estas guerras são os mesmos que vendem armas
secretamente, ou então, que defendem os seus interesses petrolí-
feros à custa de guerras civis entre africanos. Os países industria-
lizados consagram pelo menos um terço das suas despesas na in-
vestigação em armamento. Que eu saiba, cxccptuando a África
do Sul, o Egipto e Marrocos, todos os países africanos abaste-
cem-se de annas no exterior na Europa, n a Kíi aa < nos I
;lados
: Unidos. Por conseguinte, os países ricos tem unia pai tc
important<
nos conflitos africanos. A par das vias normais dr com» .. .... la
armas, há vias de tráficos subterrâneos (|iic rm li< m A ln« a «!•
ai 57
mas ligeiras. África está cheia de armas ligrna . ( K I*« u . m u po
ciosos de África como o diamante, o ouro c o m a m o < a v* m
pai *
introduzir em África muitas armas que sao utilizada . p< !»•
Para quando África?

há um embargo, como actualmente na Libéria, que impede este


país de receber armas ou de comercializar diamantes, mas é im-
possível controlar este comércio. O comércio das armas é um ele-
mento capital.
E o mesmo sistema que está em jogo, como o do crédito e do
endividamento: do mesmo modo que há países endividados em
África e credores que têm interesse em recuperar o dinheiro que
injectaram, há países produtores de armas e outros que as com-
pram. As armas alimentam a guerra e a guerra alimenta a produ-
“npão^asmmasrG^rpmsesrindtistriafeâdos^eoncimtaima^foduzi-r-
armas porque, caso contrário, teriam de destruir as indústrias de
amiamento. Continua-se a arrastar reflexos de guerras, quando as
guerras dos séculos passados deveriam ser impensáveis hoje. O
sa-
dismo prevalece sobre o raciocínio. A vontade de poder é uma
das
pulsões fundamentais do ser humano, mas ela decorre mais da
bestialidade residual que habita o ser humano.

Que pensa da constituição de uma força autónoma africana


para a prevenção de conflitos, a manutenção e o reforço da
paz?

A questão da resolução dos conflitos ao nível de África só se


pode
colocar numa base interafricana e mesmo pan-africana. A França
diz-nbs: “Vamos formar pessoas nos exércitos africanos”. Mas,
ao mesmo tempo, quer manter o statu quo e manipular os chefes
de Estado isoladamente para que possa continuar a festança como
antes. A melhor prova é que no conflito congolês se descobre
cada
vez mais a implicação de uma sociedade como a Total-Fina-Elf37,
com tudo o que isso pressupõe de corrupção. Ao mesmo tempo
que eram vendidos aviões e minas antipessoais, faziam-se com-
promissos com esta ou aquela transnacional, com este ou aquele
dirigente africano.
Os africanos têm interesse em resolver eles próprios os seus
problemas. Isso põe em relevo a influência principal das superpo-
tências africanas porque só elas podem manter estes exércitos de
intervenção africana como a Força oeste-africana de interposição
Guerra e paz ------

lia e a África do Sul - têm novas responsabilidades. Não sei como


irão exercê-las. Se tivermos de constatar que é para um micro-
-imperialismo entre africanos, será um mau começo. .Mas, não
sendo os polícias de África, se elas conseguirem prever, evitar ou
conter conflitos, poderão desempenhar um papel extremamente
importante.

Que papel se deverá atribuir aos exércitos na evolução dos


países africanos para a democracia?

Os militares desempenham ainda um enorme papel em Á


frii.i
Imiscuem-se permanentemente na política africana. Creio que n a
Voltaire que dizia: “O primeiro que foi rei foi um soldado frli/
Foi através do exército que, em quase todos os países do mtmd<»
os dirigentes chegaram ao poder. Cerca de metade dos dii iprntrs
africanos são militares ou antigos militares. Os militares cwi.in
menos bem colocados do que os civis para gerir 0 listado. N01
malmente, deveriam obedecer aos dirigentes civis. O exército
deve
ser um exército do povo e não um exército contra o povo I; pn*
ciso evitar que 0 exército fique à parte, separado do povo, vivem
l< >
como um quisto no seio do país. O exército não deve tei autono
mia em relação ao bem comum, à república. Na República romã
na, todos os grandes actos do Estado eram precedidos pela Í01
mula seguinte: Senatuspopulusque romanus (O Senado e o povo
romanos decidem). Os chefes militares limitavam-se a receber as
ordens dos civis. Historicamente, a subordinação do poder militar
ao poder político foi um progresso importante. Não é por acaso
que na maioria dos países é a Assembleia nacional que vota a
declaração de guerra. Mas um exército republicano é um tesouro
para a democracia.
i !
Que hipótese tem a paz em África?

Na minha opinião, a unidade africana é um dos antídotos da


guerra em África. Geralmente, as micronações são levadas a
afrontamentos poiqtie, em ;i mesmas, são cstruturalmente
instá-
Para quando África?

\ . r. Km unidades frágeis, há uma luta pennanente pela posse do


I.. M In Nestas condições, depressa se encontra uma pequena
guerra
t mu o e xt e ri o r para distrair a atenção dos compatriotas. Se hou-
v < v.e espaços mais amplos, as possibilidades de crescimento
eco-
n ó mi eo : . r i i a m maiores e os riscos de instabilidade seriam
meno-
i< . Depois, as etnias que actualmente são desmanteladas pela
p,u lilli.i colonial estariam menos divididas do que hoje. Esta
tória
divi- dos seus sentimentos de auto-realização. O facto de poder
deslocar-se
:; a o c uma sem barreiras
condição éque
um elemento
predispõe deà solução
gueixa, a porque
uma crise
as
potencial.
populações
não scAssentem
guerrasbem actuais não podem serEm
psicologicamente. justificadas por uma
compensação, con-
em uni-
cepção africana da gueixa. Também já não se pode afirmar que os
africanos não conhecem a gueixa. A evolução de África é
pontuada
por guerras como a evolução de todos os outros países. As guer-
ras africanas são guerras mínimas ao lado das guerras europeias
ditas mundiais ou em relação à guerra de Secessão nos Estados
Unidos. No entanto, convém não esquecer que, por todo o lado,
os Estados-nação nasceram no sangue. Enquanto a África Oci-
dental vivia numa fase de paz, no tempo do império do Mali, a
guerra dos Cem Anos entre França e Inglaterra causava estragos.
Veja também a Itália que se formou como Estado-nação graças a
Giuseppe Garibaldi e ao conde de Cavour- mas através de
quantas
guerras? Não se concebe uma transformação da Europa sem esta
sucessão terrível dc guerras. Quero dizer com isto que os confli-
tos e as guerras são um assunto humano banal, vulgar, que se
onconiia na história dc todos os povos. Os interesses em causa
ao diIri entes, mas uma vez que a guerra é desencadeada, todas
as m i m a s assemelham. Os senhores da guerra existiram em
\ li n a desde há muito tempo, como em todos os países do mun-
do, p<«i exemplo na (Tina, no Japão e na Europa.
< mo que os povos africanos são em geral bastante pacíficos.
V« ja como os africanos passam o tempo a saudar-se, a apertar a
60
m ».» Por vezes pergunta-se: “Passaste a noite em paz?”,
“Levan-
Guerra e paz
taste-te em paz?”, “Na tua casa vive-se em paz?”, “Fulano vive
em paz?”. Como num exorcismo ou num sortilégio, npeln • ,i
paz. Durante séculos, os povos africanos viveiam cm conlnfnt.ii«»
e geralmente sem guerra ou com pequenas guei i a11a •; q11.11. t
• 11 i i
zavam armas que não podiam provocar uma dr-anih, KM tn in,t , »
de vidas humanas. A maior parte das soeicdadr. r ,ia\.1......... ..
turadas com uma mentalidade de procura dc pa/ :;»>bh ludo IHM
países onde a guerra podia pôr termo à existência dc um.i cuiid.i
de social ou política, as pessoas procuravam ó in onci .1 r u m a
"Além disso', as gueiras pn > olomais eram
guerras civilizadas. Quero dizer com isto que eram combinadas
pausas no meio das guerras para observar tréguas que permitis-
sem continuar a produção agrícola para 0 ano seguinte, sem es-
quecer que era necessário retomar as armas depois das colheitas.
Do mesmo modo, havia códigos de conduta: alguns actos contra
mulheres ou crianças eram proscritos, algumas destruições eram
tabus e as mulheres podiam dedicar-se aos seus rituais (como, por
exemplo, desnudarem-se) para conjurar certas decisões de vio-
lência catastrófica. Além disso, as missões dos mediadores eram
facilitadas e protegidas. Assim, quando os franceses chegaram a
Uagadugu, enviaram um caçador senegalês ao rei dos mossi, o
Moro-Naaba, para lhe comunicar a ordem de rendição. O rei re-
plicou-lhe: “Tens a sorte de ser um enviado, senão mandava-te
decapitar aqui mesmo”. Este exemplo mostra que certas regras de
direito internacional eram respeitadas. E uma vez que os africa-
nos tivessem conseguido obter a paz, não cultivavam o rancoí
como demonstram os comportamentos de dii igentes ali icanos
das
guerras de libertação após a assinatura da pa/ 11a Argélia, na <
iiimr
-Bissau ou em Moçambique. Isto está bem de a.-ni Jn. mmuliiado
“Não se lava o sangue com sangue, ma*. romagua“ D* la. 1.» di
-se: “Se houvesse alguma coisa de bom na puma. na ,n*i* v iud
id.%
os cães tê-la-iam encontrado”.
Democracia e governação

A quase totalidade dos Estados subsarianos orientaram-se


durantç.a
última.démda.pai^^micj>^súSJÍeAemocmtizaçã()^iMna^
dos por políticas de desinvestimento e de descentralização .
No
plano regional e sub-regional, foram feitos esforços de
intcgraçi i< >
De uma maneira geral, as populações aspiram a mais dcmocm
cia, transparência, justiça e mobilidade. Mas estas transfi
>mu /<, - ■■ .
positivas são acompanhadas por evoluções contrários <10 r< h
das nações africanas e à promoção económica, social r poliín
o
das populações. Os golpes de Estado que afectaram vários />.//
ses de África desde 1999-Níger, Serra Leoa, Contares, (.<osío
do
Marfim - ilustram o difícil enraizamento da democracia cm
ÁJ'n
ca. O Estado africano vive um problema fundamental dc crise
de
governação. Será que o continente negro sofre de um défice
de
cultura política?

Não creio que haja um défice de cultura política. O


verdadeiro
problema consiste na maneira de conceber o político em África.
O período colonial não foi uma boa preparação para a democra-
cia. O regime colonial era paternalista e autoritário ou mesmo
totalitário. Enquanto as pessoas se consideravam como súbditos
e
Para quando África?

herdeiros deste sistema autoritário e brutal. A maioria dos.diri-


gentes africanos que tomaram o poder nesse momento não eram
verdadeiramente legítimos. Além disso, nessa ocasião não houve
lima aprendizagem da democracia. Durante o período colonial,
na África francófona, houve alguns simulacros de poderes demo-
cráticos. Foram organizadas eleições para enviar africanos para
as assembleias francesas. Mas foi uma selecção de alguns
funcio-
nários que foi enviada para França para a Assembleia nacional, o
Senado, o Conselho da República. Eles aprenderam ali algumas

gados de ensinar a democracia aos “súbditos africanos”, pelo


que
os regimes independentes passaram rapidamente do multiparti-
darismo para o monopartidarismo. Os dirigentes africanos da
época
tinham medo de ser apeados e não se dedicaram ao multipartida-
rismo. Preferiram amordaçar os outros partidos, embora não os
suprimissem directamente. O monopartidarismo, no caso dos
países
francófonos, durou aproximadamente até ao discurso de
LaBaule38,
após a queda do muro de Berlim. Foi nesse momento que foi
intro-
duzida a condicionalidade de uma democracia formal.
Hoje, os Estados decompõem-se porque os programas de
ajusta-
mento estrutural foram impostos com a ideia fixa de que o
Estado
era a forma menos boa para gerir os assuntos públicos. Era
preciso,
a qualquer preço, que o Estado desse lugar ao privado. Tratava-
se
de destruir todo o poder do Estado ou de o diminuir
consideravel-
mente transferindo ao máximo tudo o que é da competência do
Estado para organizações privadas ou estruturas
14
descentralizadas.
E este o postulado do neoliberalismo posto em voga pelo Banco
Mundial e pelo FMI. O Estado neocolonial foi substituído pelo
privado. Mas como o privado africano não está solidamente im-
I)nmn< hu la o governação
-nação não significa nada pma nó ,, o Istado nliic ano nem sequer
é uma verdadeira rcali/iç;ío do Iv.tmlo nação, é uma metamorfo-
se, uma sequela do sistema colonial.

Quais são as ! ' < ■ / / < ' / , / / / , / , / , / < - . v < • os />iii tu ularidades da
demo-
cracia? Iltivcrá elementos especijieamente africanos da demo-
cracia?
As principais referências da democracia são a participação

partilha do poder bem como a solidariedade. Estas referências


são universais. Existiam sob formas variadas consoante os países
e consoante as estruturas criadas pelos povos africanos, quer fos-
sem reinos, impérios, sistemas do tipo patrimonial e clânico ou
democracias de tipo aldeão. Em todas estas categorias de organi-
zação do poder, com ou sem Estado visível, há em África um
esforço para a limitação, a.partilha do poder, a participação e uma
certa solidariedade que consiste em dons e contra-dons. Na base
do sistema africano há uma poderosa organização autogcstionái ia
pelos próprios povos.
A gestão do bem comum existia em África, como disse ante-
riormente, sob o vocábulo de forobà (em língua diulá), que re-
presenta a concepção africana da “coisa pública” (res publica).
A democracia de base existia ao abrigo de estruturas aldeãs com a
representação das diferentes famílias. Estas reuniam-se regular-
mente, quer através do grupo dos dirigentes destas famílias - os
anciãos ou os decanos - a fim de discutir todos os problemas rela-
tivos à aldeia, quer sob a direcção de uma chefia importante ou de
um reino. Todavia, na base havia sempre esta autonomia campo-
nesa e aldeã. Era o fundamento mais caractcrístico da autogestão
africana. Ao nível superior, os chefes c os reis estavam rodeados
por conselhos de anciãos, que representam os diferentes rias ou
as diferentes etnias presentes na aldeia ou na cidade
No plano da aldeia, o essencial eia comunicai,
apresentai dianh
de toda a gente os problemas comuns se fo.se pict iso in Hiei
estrangeiros e dai lhes tmiis, decimai guctia a outia aldeia
poi
-------------- Para qua ndo África?

esta ou aquela razão, como organizar-se no seio da aldeia, etc.


Cada um devia pronunciar-se sobre o problema apresentado. Os
mais antigos ou os mais autorizados tomavam a palavra em
último
lugar para fazer uma síntese e escolher a melhor decisão, a mais
conforme à expressão de uns e outros. As decisões tomadas por
consenso eram impostas a todos. A todos os níveis, o africano
era
acima de tudo um ser social. Todas as etapas da vida eram
marcadas
por reuniões. Foi por isso que se falou do debate permanente
afri-
cano que se realizava debaixo das árvores - a assembleia - onde

obrigação de se exprimir.
As fórmulas de participação eram extremamente numerosas.
Antes de se dirigir ao lugar da deliberação, a família tinha
chegado
;i um acordo sobre a opinião a dar. Muitas vezes, as mulheres
tinham sido consultadas antes da saída de casa do chefe de famí-
lia para o local da assembleia. Por vezes, a discussão era adiada
para permitir que as mulheres ou os velhos fossem consultados
em casa. Uma assembleia podia durar dias, ou mesmo semanas
ou meses, porque o princípio era chegar ao consenso máximo.
Preferia-se adiar os debates dez ou vinte vezes a decidir, insta-
lando uma contradição grave da aldeia ou na sociedade. A
demo-
cracia não existia sob a forma de assembleia nacional em que o
indivíduo era representado pelos eleitos designados por um
voto.
Exprimiam-se em grupo. Os escravos da coroa, por exemplo,
que
por vezes eram grandes dignitários militares, tinham um direito
de palavra à semelhança dos príncipes que dirigiam o exército.
Neste plano, penso que o poder era amplamente distribuído.
Dizia-se que quanto mais o poder é partilhado, mais ele
aumenta.
O poder
—— 66 era comparado a um ovo: quando é apertado com muita
força, parte-se nas mãos; mas quando não é agarrado com firme-
za, pode deslizar da mão e partir-se também. Então, era necessá-
rio exercer o poder nem com demasiada severidade nem com
D emocra cia e governa çã o -----------------------------------

Não fazemos romantismo retrospectivo. Houve tiranos em


África e continua a haver. Mas queremos ficar com as pepitas e
não com os maus bocados do nosso património sociocultural.
O Estado africano tradicional era uma instância de gestão do bem
comum e das decisões tomadas em nome de toda a cidade, de
todo o reino. Foi destruído, esmagado pela colonização e, no me-
lhor dos casos, substituído por novas formas de regimes demo-
cráticos aos quais os africanos não estavam habituados e nos
quais
não podiam reconhecer-se nem moldar-se como acontece nos paí-
-ses-eurepeus-:----------- ——-— --------- - — --- —— --------------

Diz que contrariamente às ideias feitas, muitas formações


sociais epolíticas em África tinham atingido o nível de um / um r
no de direito, sobretudo nas comunidades aldeãs. Na sua ><;>i
nião, a colonização é analisada como uma ruptura na vo vn n u
ção africana. Como eram tratadas as minorias nas soacdadi•*.
tradicionais?

Em função do assunto, havia a noção de compatível c inmm


patível. Quando se tratava de um assunto extremamente giav<
por exemplo, a acusação de feitiçaria -, pedia-se ao intn i< lo
para abandonar a aldeia. Quando se tratava de um assunto mnn >i
isso não impedia que as pessoas continuassem a coabitar.
Gostaria de acrescentar um outro aspecto que garantia o
podu
popular em África. O facto de a escrita não estar difundida foi a
das cidades do Sahel sudanês ou da costa oriental. Porque é atra
vés da escrita que o poder se concentra e que se orienta para
estruturações mais fortes. Ora, na ausência da escrita, discutia-
se
sobre tudo e toda a gente podia discutir. Não havia poder exclu-
sivo reservado aos escribas e aos mandarins.

Para as elites políticas dirigentes, um conceito central do


Es-
tado de direito é terem de prestar contas perante as cidadãs
e 67 os
cidadãos. Ora, as elites africanas retomaram as estruturas do
Estado e em muitos casos perseguiram objectivos pessoais.
Daí
Para quando África?

servir-se cio que a servir. Como vê as elites africanas no poder?


(hiais eram os mecanismos de controlo da elite política que
exis-
tiam na Á frica pré-colonial? Como podem estes ser explorados
positivamente hoje?

Nenhum Estado africano é capaz de fazer respeitar o bem co-


mum. O Estado não transcende os interesses particulares ao
ponto
de fazer respeitar o bem comum por todas as cidadãs e por todos
os cidadãos. Em África, o Estado é muitas vezes um Estado
patri-

bens públicos como bens patrimoniais, é como se o Estado desa-


parecesse pura e simplesmente. O que caracteriza certas elites
polí-
ticas é o espírito de irresponsabilidade. O dirigente europeu do
tempo colonial era alguém muito duro que exigia a disciplina dos
africanos. Apesar disso, considerava-se como responsável das
populações sob as suas ordens. Assim, o comandante de círculo
devia responder pelas suas aeçoes perante o governador. O
gover-
nador de território devia responder pelas suas acções perante o
governador-geral da Federação. Em contrapartida, muitos diri-
gentes africanos tomaram o poder abandonando esta ideia de res-
ponsabilidade que, tradicionalmente, também existia nos dirigen-
tes africanos. Os chefes de Estado têm uma tendência para querer
dirigir sem responder pelos seus actos.
Neste plano, é útil precisar a noção de responsabilidade do
poder africano tradicional. Um ditado africano declara: “Não é o
rei que tem o reino, é o reino que tem o rei”. O poder em África
era amplamente partilhado entre diferentes grupos que rodeavam
o chefe ou o rei. Fazia-se compreender ao rei, antes de ser inves-
tido, que devia reinar em proveito do povo. O rei, na maioria dos
casos, fazia juramentos e comprometia-se solenemente, cm nome
dos seus antepassados, a trabalhar para a população e a não
come-
ter abusos, actos dc roubo, de desvio de mulheres, etc. Um con-
trato que ligava o in A sua população através dc um
compromisso
leeiproco cia grralmente concluído, por exemplo, na região
Democracia e governação —
A ss im , no sistema dos reinos yoruba, no Benin, os grandes con
sclhciros do rei tinham o poder de sancionar. Quando viam que o
rei tinha errado ou se comportava de maneira autocrática, envia
vam-lhe ovos de periquito ordenando-lhe que se suicidasse Poi
sua vez, os feiticeiros exprimiam ao rei as ideias e as críticas da
população. Estas críticas não podiam ser formuladas por qualquci
um; tradicionalmente, só os feiticeiros tinham o direito de se ex-
primir com muita liberdade perante o rei. Estas declarações assu-
miam a forma de provérbios ou de contos que davam a entender
clàramènte que o rerefr^ado7mas evítmdo humílhá^ diante
de toda a assistência. Deviam ser levadas a sério, pois toda a
gente
compreendia o que tinha sido dito. Mesmo que não fossem feitas
por meio de comentários injuriosos em relação ao rei, todos os
adultos compreendiam e tomavam nota.
Toda uma panóplia de rituais advertia o rei e mostrava-lhe
que
devia exercer as suas funções com toda a responsabilidade. Aliás,
entre os mossi, o candidato à chefia apresentava-se da forma mais
simples antes de ser designado ou investido. Vestia umas peque
nas calças, tinha o busto nu e o corpo coberto com uma pele d<
carneiro. Isso significava que, à partida, o rei estava despojado de
tudo; chegava sem nada ao poder e devia comportar-se dc modo a
não enriquecer à custa dos seus súbditos. O rei devia estar subme-
tido aos deveres e às obrigações da sua nova condição; as suas
obrigações eram-lhe recordadas em todas as grandes cerimónias
ou “saudações”.
Actualmente, o que é muito característico entre os dirigentes
africanos, é que a ideia de ter de prestar contas a certas instâncias
— uma ideia que era muito forte durante o período pré-colonial e
no
tempo colonial - desapareceu na generalidade dos casos. É certo
que estas elites são geralmente legais porque funcionam em con-
formidade com as leis, mas não são legítimas. Na minha opinião,
uma elite deveria estar acima do comum das pessoas do ponto dc
vista jurídico, mas também no plano ótico e moral que fimdamen
ta a legitimidade. Hoje, todas estas qualidades faltam a um giandc
69 lhes .1
número de dirigentes africanos; neste caso, é preciso negai
denominação de elite. Muitas vezes, os dirigentes africanos chc-
--------Para quando África?

gam ao poder quando estão longe de ser ricos. Servem-se do po-


der para acumular bens de todos os tipos - através de uma apro-
priação de terrenos e campos de cultivo, de operações
fraudulentas
por ocasião da atribuição de mercados públicos, da recuperação
de avultadas comissões, há mil maneiras de enriquecer. Estabele-
ce-se assim uma cumplicidade mais ou menos mafiosa entre os
dirigentes políticos e os operadores económicos. É ao nível da
família dos dirigentes políticos e dos seus próximos como inter-
mediários que os bens económicos são acumulados.
T)aT fésúltà' a não existência, ainda, de uma tradiçao como
na
África pré-colonial: pessoas que assumam para com a população
uma responsabilidade real e que se considerem ao serviço de um
colectivo. Um dos grandes defeitos de África é não ter elites
inde-
pendentes que gozem de meios financeiros que lhes garantam
uma
autonomia em relação ao poder político; não há burguesia ou
classe
média constituída. Mesmo as elites intelectuais alinham muitas
vezes pela posiçã.o do poder político e económico. Devido ao
nepotismo e/ou à corrupção, a direcção dos Estados africanos não
pode assegurar correctamente a sua responsabilidade em relação
aos interesses das camadas maioritárias da população.
Na minha compreensão de um Estado de direito, a ideia de
multiplicar a responsabilidade parece-me muito importante. No
termo de responsabilidade há uma ideia dupla: é
simultaneamente
a responsabilidade dos cidadãos de inventar ou de decidir e é o
facto de prestar contas. Quando se multiplicam as instâncias de
bens comuns, multiplica-se a participação, a responsabilidade
dos
cidadãos. Há níveis em que o Estado não deve imiscuir-se. É a
gestão directa pelos cidadãos de um certo número de interesses,
de bens, de serviços, de valores que faz com que cada um dê a
medida da sua própria criatividade, sem ser invadido pelo medo
7()
de não ser confomie a um superior hierárquico. O conceito de
res-
ponsabilidade de dupla dimensão permite garantir a boa
Democracia e governação

pacto social e democrático e ancorado nas tradições do conti-


nente? Como se pode repensar o Estado a partir da natureza
plurinacional das sociedades africanas?

Os reinos e os impérios eram baseados na divisão do trabalho


entre autoridades territoriais e temáticas. Por exemplo, no impé-
rio do Mali, um ministério ocupava-se dos estrangeiros, outro dos
impostos e um terceiro dos assuntos religiosos. Ao mesmo tem-
po, tinham uma responsabilidade territorial. Nesta função, super-
visionavam os detentõféJs1Mtfó!póUérato 7>TO“
vincial. Os chefes dos exércitos, os governadores das diferentes
províncias eram ministros do rei. Não dirigiam directamentc <>
seu território, mas serviam de ponte com os dirigentes que deprn
diam do rei nesse território. Os chefes de cantão, quando vinham
ver o rei mossi, passavam necessariamente por um ministro <|tn
os albergava. Assim, este ministro tinha uma espécie de tutH.i.
mas não o direito de tratar directamente os problemas drsi<
cantões. O chefe de cantão era um príncipe, enquanto 0 minisim,
embora próximo do rei, não era da família real. Os ministios < m
torno do rei tinham a prerrogativa de acompanhar os chclrs <l<
cantão junto do rei. No reino do Mali, o imperador não se ompa
va da resolução dos problemas da aldeia, excepto quando se traia
va de uma aldeia de garimpeiros. Nos cantões, chamados kafu,
havia um sistema de governo autónomo ou tributário dc um pr in
cipado superior. Alguns pequenos reinos também dependiam di
rectamente do império. À volta da capital, havia um território di
rectamente governado pelo próprio imperador com toda uma sé-
rie de funcionários estritamente organizados e com a fiscalidade
bem estruturada de um Estado de tipo moderno.
Esta fórmula de subdivisão do poder no plano territorial
como
na base dos sectores de actividades, era uma espécie de “modelo”
do sistema africano. No império do Mali, houve reis com
diferentes
comportamentos ou temperamentos. Mas a ideia de base era dis-
tribuir 0 poder ao máximo para que cada um tivesse uma parcela
e se sentisse participante. Creio que foi isso que permitiu que es-
71
tes sistemas atravessassem os séculos durante tanto tempo. Aliás,
Para quando África?
< :.!(**> sistemas de organização refinada do poder não tinham
nada
.1 invejar às organizações mais sofisticadas noutras partes do
mun-
do hin França, no tempo de Luís XIII e de Luís XIV, os grandes
mmislros da época eram também burgueses, não príncipes. A fór-
mula do sistema federalista é bem indicada para este tipo de poder
político c|iic abrange vastos espaços. Mas eram verdadeiros Esta-
dos de direito. “E o reino que tem o rei” equivale a uma regra
constitucional que obriga o rei a vergar-se a uma norma acima de
lodos. A ideia de base integrava simultaneamente a
regionalização,
Que lugar foi reservado às diferentes etnias neste Estado
3-federalismo-c
federalista a-ifescciiírafearção:,,M I IM1 ■-
tradicional?

Este tipo de federalismo africano incluía também as etnias e


os grupos sociais que falavam línguas diferentes. Nos akan, no
Gana, era proibido evocar o estatuto de escravo de quem se tinha
libertado. Era uma maneira de incluir esta categoria social, sem
referência ulterior ao passado. Em geral, o lugar que foi reservado
às diferentes etnias dependia do príncipe no poder. Etnias mino-
ritárias à partida criaram e dirigiram impérios. Raramente, mas
por vezes, as exacções e perseguições assumiram uma coloração
anti-étnica. Por exemplo, o rei Sony Ali Ber, um sonrai, que foi
um dos primeiros imperadores do império do Gao39, foi muito
duro em relação aos pcul. Diz-se que os dizimou de tal modo que
os sobreviventes podiam ficar à sombra de uma única árvore.
No entanto, o processo habitual em África é a liberdade conce -
dida a todas as etnias no seio de um mesmo império. Os impérios
r cr. MUOOS leuiiiiani indivíduos de diferentes etnias. Evidcnte-
111**111* lia\ ia h IHUII » ia», i|r inclusão que podiam II até à inclusão
t u 11m 1 1 « )io|lt(i i * ndo o nbjri tivo realizai a homogeneidade
ii»» mu IMM «lo IPÍIIO I * M o i a ,o dos mosn, que constituíram ao
lian <• d*i i ». ulm *i principais reinos étnicos construídos a
pai m d i M *|*11 15 1 » H i Miit M tniic^ Ai lualmnile, o reino mossi é
com
l ,M 1 * |***t niii'i niiicii rtniii que, por sua vez, è o resultado da ínclu
= 4 * d» imm »t M d« * liiiai ptrcM istenlcS, algumas dai quais intofr
—I ___ ^
Democracia e governação

viveram como escravas. Os povos autóctones tinham inteics.r


em renunciar à sua língua. Quando se fala a língua do rei, Icm .»
maiores possibilidades de beneficiar de alguns direitos, poi r\rm
pio, no tribunal. No reino mossi, houve também uma r.p<S M*
«I*
atraeção pela guerra e pelos casamentos dos povos coin o | H »v*
*
dominante, de modo que este modelo mossi de inlrgnn.uo m o i
ma e de homogeneização dos povos sob o domínio do um IIIIK <*
rei é diferente do modelo maliano do Gao hmboiao. ( .1 .annuitn
cornos autóctones tenham feito com que numciosos n 1 •. ou • lu
íç< > • ' ( l Jiil>ri ingo,c . u )
Quanto ao império do Gao, era tão vasto que não podia ser
contro-
lado por uma única etnia. Em suma, o modelo maliano é verda-
deiramente característico do que os africanos fizeram de melhor
em matéria de estruturação territorial, jurídica, política e cultural
na África Ocidental para casar 0 poder central com as exigências
de tipo federal e com a autonomia das bases e das margens.

O que é a cidadania num Estado multinacional e


federalista?

Os africanos podem reclamar-se de vários tipos de cidadania.


Cada cidadania tinira, por assim dizer, o seu âmbito, o seu
território,
os seus grupos de gestão e de autogestão. Assim, todos os que
perten-
ciam ao reino do Mali, tinham uma espécie de cidadania maliana.
Quando as pessoas se deslocavam, eram reconhecidas como ori-
ginárias do Mali A partir da última aldeia pertencente ao Mali,
aqueles que vinham dc ióia ciam vislos como pertencentes a ou-
tras entidades, ()s originai ms do Mali eram mandinka. Este termo
designava simullanraur ulr aquele que vinha do país mandinga e
0 originário do unpcno do Mali Poi Ioda a Alia a, a referência â
grande família, a aldeia, ao haitio, ao eanlfto,» nula muito
Quando
um afncfliio prigiuila a alguém “t.hiem lu 7 \ qun .afiei a que
grupo porUmcr, doitd* vun, qual e *» Mia identidade rolectivn «
social e, poi r 1 via, * 01110 deva tialá lo (joando 01 iiio ? u • Ii •
-------------- Para qua ndo África?

Este sentimento de pertença a várias esferas designa a


cidada-
nia em África. Assim, proponho um sistema piramidal de cidada-
nias: a cidadania local, a cidadania federal e a cidadania regional.
Este dispositivo tradicional pode ser encarado como um modelo
para o futuro dos nossos países. Permite simultaneamente consti-
tuir espaços imensos - subcontinentais, continentais ou transcon-
tinentais - e refugiar-se no espaço periférico e básico, onde há
uma
autonomia de gestão. Hoje, as tecnologias de ponta da comunica-
ção permitiriam simultaneamente o espaço máximo e o espaço
~lníninfd; dadõqlie é po$siveíjtIfTt2^^
sentimento de pertença nestes diferentes níveis. É preciso apro-
veitar este encontro entre a opção africana de cidadania e as capa-
cidades das tecnologias ultramodemas.

Em que base linguística este Estado multinacional e federa-


lista deveria constituir-se? Que lugar conceder às línguas nacio-
nais?

E necessário ultrapassar um equívoco: tem-se a impressão de


que África está dividida apenas em três grandes bocados - os
angló-
fonos, os francófonos e os lusófonos. No entanto, não se pode
constituir a África federal e multinacional sobre esta base. Não se
pode, por exemplo, constituir um Estado federal unicamente en-
tre países francófonos, na base da União Económica e Monetária
da África Ocidental (UEMOA). Isso seria desprezar a realidade
africana multi-étnica, com etnias que se sobrepõem às fronteiras
da francofonia! Por exemplo, o árabe também é omnipresente.
Assim, é necessário saber por conta de que entidade ou
identi-
dade se trabalha. Se é verdadeiramente pela identidade africana,
não se pode, apesar de tudo, estabelecer o multi-étnico e o
multina-
cional na base de línguas estrangeiras. É evidente que, na África
francófona, o francês não assegurou o domínio sobre a maioria da
população. As pessoas utilizam o francês como um instrumento,
mas a sua identidade profunda reside no facto de pertencerem a
esta ou aquela etnia africana. Assim, não sc pode estabelecer um
Estado federal com base numa língua estrangeira, dividindo as
Democracia e governação

etnias que se encontram nos países anglófonos, lusófonos ou


arabófonos vizinhos.
Para repensar o Estado a partir da natureza plurinacional das
sociedades, seria necessário, na minha opinião, regressar à alfa-
betização e à escolarização nas línguas maternas africanas. Isso
abriria espaço à identidade de cada um. Um Estado, uma nação
federal, o que é? Sobretudo, são objectivos a atingir, inclusive ao
nível das línguas. Em África, não se pode instalar um Estado fe-
deral com cerca de trinta línguas. Mas, reduzindo o seu número a
rtrêsr
lação. Se os custos desta estratégia são muito pesados, os ganho:;
são incomensuráveis.
Os nossos países são chamados países francófonos,
anglófom»■
ou lusófonos não. obstante o facto de cerca de 70% a K()% da*,
populações não falarem essas línguas. 80% da população NCIK
galesa fala o wolof. No entanto, não se diz que o Senegal <•
wol<»
fófono mas francófono. Na minha opinião, é um abuso dc
linr.ua
gem. Mas há países que poderão fornecer modelos ou via ., í Ja
África do Sul, por exemplo, há uma escolarização cm divrr.a-.
línguas, tanto em inglês como nas línguas nacionais, hsias lín
guas, que desempenham um papel transversal através das dilr
rentes etnias e países da região, poderão servir de base paiu o
federalismo na África Austral.
O problema das línguas é fundamental porque diz respeito ã
identidade dos povos. E a identidade é necessária tanto para o
desenvolvimento como para a democracia. As línguas também
dizem respeito à cultura, aos problemas da nação, à capacidade
de imaginar, à criatividade. Quando repetimos numa língua que
não é originalmente a nossa, exprimimo-nos de uma forma mecâ-
nica e mimética, salvo excepções. (Mas govema-se para as ex-
cepções?) Não fazemos mais do que imitar. Mas quando nos ex-
primimos na nossa língua materna, a imaginação liberta-se. Estou
persuadido de que o federalismo iria muito mais depressa se o
esta- 75 -
belecêssemos na base das línguas africanas. O haussá, o bambará
e o diulá, são línguas-pontes que já existem. O diulá é falado pelo
Para quando África? Democracia e governação

« ui qualro ou cinco, entre os quais a Nigéria, que constitui larga- pensar c dc uma linha ideológica do que de uma afinidade lin
m«me metade da população da África Ocidental. As passagens guística ou étnica.
linguísticas entre as diferentes regiões da África Ocidental ajuda- O multipartidarismo continua a ser válido, embora nem
rrun todos esses países a constituir-se rnais rapidamente. Se ti- '.<*111
véssemos partido destas bases desde as “independências” em pre seja fundamentado da mesma maneira que na Europa, onde.
1960, historicamente, os partidos se basearam em classes sociais. < )
teríamos estruturações sociopolíticas extraordinárias e um fede- países onde a escolarização está avançada c onde as pessoa . po
ralismo extremamente original. Mas fizemos uma espécie de fuga dem ter acesso a uma plataforma ideológica, abandonam 1 apida
para a frente, instalando-nos no sneocolonial. mente o multipartidarismo étnico ou regionalisla Os alia ano.
Dito isto, é impensável e impossível rejeitar as línguas impos- são muito tolerantes 110 plano étnico. Pode-se ultrapassar lacil
A
^ ' o -----------------
'i!IeirtõrT^ÍTp2rrra^ álrens r politi
no nosso património cultural, elas unem povos africanos entre si
cas. Dou 0 meu caso como exemplo: eu dirijo um partido multi-
e com a comunidade internacional. As línguas fazem-nos aceder
-étnico. Em nenhum momento senti que a minha autoridade era
a filões fabulosos de culturas e de história que são portas
minimizada por pertencer a uma etnia minoritária. Sou o líder do
incontor-
partido, eleito por pessoas provenientes de todas as regiões. Mas
náveis para entrar no mundo contemporâneo. Na condição de
xar as nossas próprias línguas no vestiário ou no caixote de lixo há outros partidos onde esse problema se coloca de forma acen-
sair-
do mundo moderno. Numerosas tuada, porque a referência à ideologia é menos forte. Quanto mais
mos do estatuto de colonizados e deexperiências
que não nos da Europaa edei-
obriguem da
Ásia o programa se impuser ao conjunto dos militantes e mais o acento
podem inspirar-nos. for colocado na formação, tanto mais o risco de deriva étnica di-
Um dos argumentos utilizados contra a introdução e a minui. Quando não há programa, deixa-se o caminho aberto à
propa- etnia e à região.
gação das línguas africanas no sistema escolar africano é dizer Na maioria dos países africanos, os chefes consuetudinários
que isso favoreceria o etnicismo e o Que pensa desta
receiam que a refundação do Estado seja atentatória da sua au-
objecção? Pode-se evitar que as línguas nacionais sirvam de pre-
toridade. Que lugar será necessário concederás autoridades tra-
texto a um multipartidarismo étnico?
dicionais num Estado multinacional?
De facto, uma oposição pode estar ligada ao objectivo das lín-
guas, como vimos na África do Sul com a formação nacionalista Na maioi ia dos casos, os colonizadores apoiaram-se nas auto-
zulu, o Inkatha Freedom Party (IFP), na região do Kwa/ulu-Na- ridades liadieionais deixando lhes uma espécie de autonomia e
tal. Mas é muito perigoso deixar fundar partidos dc oposição cm servindo se delas como intei mediarias entre a nova autoridade
bases puramcntc linguísticas. Também nno convém rejeitar o colonial c as populaçò» , I a inJinu t ruir dos ingleses Foi prati-
mtilli- cada poi toda a pai le onde havia auh a idades (1 adicionais
parlidarismo porque liagmcnliuui o pais, la/eudo correspondei eapazes
um partido a uma regilu ou a uma rima |'{ nrceiNArio comgti dc assumi! a lesponsabiliflade de geiii o «eu povo sob a direeçflo
uma eventual tendência paia o Pluji umu poi meio de lai loics do podei 1 tihuual
...... .... ' 1 .... Il ti, ■" polllu . i in |if i ,1 No que di# iPMpeilo ao tugiu a tiii dm 11 As auto!idadis
1
doa (n i1 .... 1111M I111 a tiadh h»
||#|9IP|f| IIIMÍlll IHill (f Í I MI IÂIÍMI il# IIIIIA (o! MH! tjp nais, & evldrnt# qiin nos oiiiDtiiilrtiiiiii aqui 1 oiu unia PspAeiP
*!M
,.. 1 j 11 t.ii . • lado qu 11 iado MMMIPMIO nãiH um I lado I 1,1 *1
-------------- Para qua ndo África?

Ora, o sistema tradicional é um sistema de tipo feudal que consi-


dera que as populações são compostas por súbditos do chefe; a
estrutura das chefias não admite que todos sejam cidadãos iguais.
É por isso que julgo que há uma incompatibilidade teórica entre
esta chefia tradicional e a República. Não se pode considerar os
cidadãos como súbditos. O chefe não tem atribuições e legitimi-
dades modernas que sejam diferentes das legitimidades que o
poder
do Estado moderno pode conferir-lhe. Os chefes compreenderam
bem que a sua autoridade era posta em causa pelas instâncias de-

mente à margem ficariam à mercê de qualquer lei que pudesse


marginalizá-los ou exclui-los.

Esta representação da chefia tradicional nas instituições re-


publicanas é específica do Burkina Faso? Como se apresenta a
situação noutros países africanos?

Creio que é por toda a parte a mesma coisa — a menos que


em
certos países o Estado não tenha em conta os chefes tradicionais -
com uma retribuição dada aos chefes que lhes permita manter o
seu estatuto e um certo nível de vida como chefes, bem como
certas atribuições como auxiliares da justiça e da administração,
por exemplo. Do ponto de vista de um Estado de direito, há um
problema de intrusão ou de inclusão do sistema tradicional no
sistema republicano e democrático. Muitos camponeses conside-
ram um chefe que se apresenta como candidato às eleições
legislativas, não só como o seu chefe concidadão, mas sobretudo
como o seu chefe tradicional. Assim, durante as eleições, aconte-
ceu que alguns chefes se instalassem sob as grandes árvores ao
lado da uma de voto, rodeados pela sua corte, apresentando-se
simultaneamente como candidato democrático republicano e
como
chefe da sua aldeia ou da sua região. Alguns chefes tentavam con-
trolar os votos dos seus concidadãos, que consideravam como
seus
súbditos, dizendo: “Eu opto por este candidato”. Nestes casos, o
78
chefe não pode estar cm igualdade com os outros candidatos que
são considcrmlos prlos < amponrses como súbditos do candidato
D emocra cia e governa çã o -------------------------------------

que é chefe. Em suma, se o chefe não obedece à lei, é um


soberano
que finge solicitar os sufrágios ao povo soberano! Neste caso,
conviria recorrer a sanções para demonstrar às pessoas que o che-
fe não está acima da lei. A lei é a mesma para toda a gente, por
conseguinte, será necessário agir de acordo com a lei.

Que solução se pode então encarar? Poder-se-á resolver a


contradição entre as chefias e as instituições republicanas?

—-Sim-Mas não temos interesse em liquidar a chefia tradicumaI,


na condição de ela aceitar submeter-se às leis da República. Mui
tas expressões culturais, estéticas e religiosas, sem as quais não
podemos passar, estão ligadas à chefia. Poderíamos falai da mu
sica dos mossi, que está ligada à chefia, bem como dos traje:; dos
feiticeiros e dos tamborileiros. Não se pode destruir isso <• .1» i.
«h
tar que se pode preservar o património cultural tal como é A s s i m ,
temos interesse em conservar a chefia, mas não como ci a no <
culo XVII, embora alguns*dos seus princípios de boa
governa»,.»«»
possam eventualmente inspirar mesmo legislações demoei áln as

Que fazer então?

Se retirarmos aos chefes toda a autoridade e os rebaixai m<>s


a» >
ponto de as pessoas serem levadas a desprezá-los ou a con ud< i
a
-los como coisa pouca, tudo o que envolve a chefia corre o risca»
de desaparecer. A melhor solução, é fazer compreender aos elic
fes que há um novo dado: um New Deal40 no qual os chefes .ao
obrigados a submeter-se ao conceito de igualdade perante a lei lá
não há regime feudal, mas um regime democrático em que não se
pode submeter os cidadãos como antes eram submetidos os súb-
ditos. Se os chefes aceitarem esta norma, devem ser-lhes
atribuídas
funções para a promoção da cultura no seu domínio. Sobretudo,
79
deve ser-lhes manifestada uma deferência e tolerar, durante um
certo período, que as populações lhes testemunhem o seu respeito
— - -- Para quando África? Democracia e governação

vemos os camponeses mossi prostemar-se, vergar-se, ajoelhar-se os deputados não têm uma linha, pertencem praticameiite ao pai
diante do seu chefe, poderíamos dizer que é preciso suprimir tudo tido. E como o partido também não tem uma linha, o podei
isso. Todavia, isso não poderá desaparecer de imediato, porque "uionai
seria uma perda para o conjunto do país, um vazio sem substitui- quiza-se” cada vez mais. Assim, há um processo negativo: em
ção. Não podemos realizar monarquias constitucionais muito de- vez de ter um multipartidarismo que assegure a expressão plm d
mocráticas como na Holanda, na Bélgica, na Dinamarca ou na da vontade política do povo, há um monopartidai eu no de l.n m
Noruega. E um monopartidarismo que assegura um podei p< onl ao
Mas podemos integrar os chefes em estruturas de tipo consul- presidente. Num sistema deste género, é se escolhido poi * nnpi.i
tivo, ou então eles podem inserir-se, a título individual, em estru- ção. Uma vez que se é deputado no Parlamento, enti a ,< no ri
-turarS-de-hberativas- upn
República. Os chefes são pessoas que podem ser extremamente privilegiado que garante a si próprio todas a:; vantagem, do pod «
úteis porque conhecem a sociedade; podem dar conselhos, não só i
para compreender melhor esta sociedade, mas também para a le- lic éiúíáTim elos seus
var a obedecer a decisões tomadas no âmbito do Estado. Penso morri
que há que encontrar um equilíbrio. No que diz respeito à gestão bros redistribuindo todos os bens que dependem do poder. Nestas
da terra, dever-se-ia tirar partido da disposição tradicional de que condições, os deputados ao Parlamento não podem desempenhar
falei acima e fazer de modo a que os chefes de terra sejam reque- um papel de equilíbrio do poder em proveito do seu partido. Pelo
ridos e utilizados em certos domínios e os chefes políticos nou- contrário, existem para aumentar tanto quanto possível os ele-
tros domínios. Mas dever-se-ia manter esta divisão do trabalho mentos do seu poder. A sua fórmula consiste em apanhar tudo.
tal como a tradição a concebera nas aldeias: o chefe político não Deixa de haver a democracia, existe, isso sim, a cooptação para
tem de imiscuir-se nos problemas de gestão das terras. Por outro um punhado de aristocratas da política. Tal Parlamento não pode
lado, os chefes como tais não podem oficiar como membros da contribuir
O que verdadeiramente
está a descrever para
sãoa fundação
os excessosdo de
Estado
um de direito.de
sistema
sociedade civil quando são militantes de um partido ou clientes Tanto
domi- mais que o presidente tem o poder constitucional de recor-
associados às migalhas do poder. rer ao referendo
nação e de dissolver
que transfere para asa mãos
Assembleia nacional.
do presiden te um poder
quase
Como muitos países africanos, o Burkina Faso tem um siste- monárquico. A oposição terá alguma hipótese neste sistema?
ma presidencial. Que efeito tem este sistema no Parlamento?
Que Considero que ;i oposição deve ser muito apoiada nos
experiências teve neste domínio como deputado da Assembleia países
nacional? aliiennos I)evcnios dai lhe uma ajuda porque ela c tão
() Pui lamento devei iu estai muito mais pioxuno d.i necessá-
população i ia â demoeiai ia como o podei I evidente que sem oposição
do qilO o podei executivo O» deputado** o» eleito** pelo não
povo, se pode l.dai d» demociac ia No entanto, é necessário que seja
iiuimalineule
lululoiu ( tem lai/a* no povo Mu*;, g« lulmnite, M uma vndadriia oposição, qnc não seja um gmpo antagonista
leahdade é que
• hl* i* ui* No | llll I M. , I , i mph» dm mh . timl t visa ximplriím nie a alteinAiu na < m pensai na alternativa A
•I
de
mm meia implu a o la; to de o{en» * i uma eu olha ao povo,
cabe a
-------------- Para qua ndo África?

Se as eleições não dão a possibilidade de escolher entre várias


coisas diferentes, não vale a pena organizá-las.
É trágico o que se passa em África actualmente, por vezes
com
a União Europeia satisfeita com um multipartidarismo de
fachada.
Creio que isto vai afastar os jovens do militantismo partidário.
São
encorajadas práticas que ameaçam a democracia. Em vez disso,
se
se favorecesse um verdadeiro multipartidarismo, o povo, no mo-
mento das eleições, poderia dizer: “Seguimos esta equipa, ela
fun-
cionava numa determinada base. Constatámos que não vai bem.
Ela
engana-nos. Vamos escolher outra ibmuil^ progmmãT^^ÉtStCr
a soberania do povo. Sem sermos idealistas, é este o princípio.
Creio que só uma verdadeira oposição pode abrir caminho a
esta problemática do exercício da soberania pelo povo. Não
sendo
isto, é mitologia, aparências, paródia. E cinema em que o cenó-
grafo, o realizador, o produtor, o argumentista, os grandes actores
c ate os figurantes estão muito longe do povo: é uma farsa trági-
cómica! Em África, em muitos casos, é exactamente o que se
passa. Todavia, o grande problema da oposição é a miséria. E ne-
cessário um mínimo de logística da democracia, são necessários
meios de deslocação para ir até à aldeia e falar às pessoas na sua
língua. Na medida em que nem todas as pessoas são
escolarizadas
na mesma língua e em que a televisão e a rádio são monopoliza-
das pelo partido no poder, só resta uma possibilidade: a
deslocação
às aldeias, até junto das pessoas, e lançar-lhes uma mensagem
directa na sua própria língua. Mas isso tem um preço, isso custa
tão caro como a democracia. Infelizmente, estão colados à capital
porque não têm meios de transporte. Há um risco permanente de
aniquilação estrutural da oposição. Esta não pode viver enquanto
não for visível; não é credível se não estiver presente no terreno.
Ora, durante este tempo, os observadores e os parceiros estran-
geiros estão em ligação permanente e directa com o poder, direi
D emocra cia e governa çã o -------------------------------------

A questão dos poderes locais está na ordem do dia no


mundo
inteiro e não deixa de ter relação com a mundialização da
econo-
mia. Para os defensores do liberalismo, é um dos meios de
desmantelamento do Estado e do projecto de privatização.
Para
os partidários de uma democracia participativa, trata-se de
dar
mais poder aos meios populares, sendo a dimensão local um
dos
dos assuntos locais? Qual é a sua posição relativamente ao pm
lugares de resistência ao neoliberalismo e à ausência do
cesso de descentralização no seu país?
Estado
nos domínios-chave como a educação e a saúde. Quais são as
Em princípio, a descentralização e a participação populai r.
vantagens e os perigos sociopolíticos do reforço dos poderes
duas faces de uma mesma medalha. Devemos deixai a cada nív
lo-
• I
1
descentralizado o cuidado de tratar dos seus problema ; A van
tagem da descentralização é que se tem muito mais facilmmh a
autenticidade, arealidade, a veracidade da democracia Íírliiu* •-
<*
a democracia como o poder do povo pelo povo c para o povo ' ••
damos um poder real à instância do tipo cidadão que conu »,a
p« la
grande família, estamos certos de não apostarem vão porque J<
.
cemos até à base, à rocha-mãe. Além disso, o poder local c <>
and
monopólio do poder, é a garantia de que o poder é verdadni.t
mente partilhado, que é socializado. É a garantia da demociai ia.
da república, da procura e da conquista do bem comum e do d<
senvolvimento. Ao nível local, a identidade individual e
colcetiva
é salvaguardada, porque as pessoas sabem defender o que depen
de da sua responsabilidade e o que constitui a sua personalidade
No Burlcina Faso, o que está em causa na descentralização não
é tanto o facto de dar o poder à periferia; é a natureza do poder
qué levanta problemas. O governo elaborou textos de 83 orientação
sobre a descentralização em 1998 sem precisar as atribuições
das
novas estruturas. Mesmo que as atribuições fossem precisadas,
------ Para quando África?

textos de base sobre a descentralização saírem do bolso do par-


tido no poder, não se pode garantir uma verdadeira descentrali-
zação. Infelizmente, os parceiros europeus deixam-se enganar
pelas formas e pelos aspectos institucionais da descentralização.
Consideram que desde que haja eleição municipal, a democracia
local está em movimento. No entanto, se estas eleições são inte-
gradas na lógica e na dinâmica de um partido único, de facto, não
significam estritamente nada. Ou então significam algo de menor
valor do que alguns outros temas como o da impunidade.

Como define as relações entre o Estado central e as colecti-


vidades descentralizadas? Que papel deveria desempenhar o
Estado nacional num quadro descentralizado?

Na minha opinião, o Estado não deveria retirar-se antes de o


local ter ficado operacional. Se ele se retira antes de realizar o que
quer que seja ao nível local, as pessoas ficam entre duas cadeiras.
Por vezes, as pessoas são tão limitadas que já nem têm condições
para sobreviver; estão à mercê do primeiro que chegar. Se nem
sequer têm a segurança alimentar e não sabem como comer no dia
seguinte, é evidente que esta concepção de uma gestão local está
votada à servidão e não à autonomia. Muitas vezes, no plano lo-
cal, as pessoas não têm escolha. Estão de tal modo fragilizadas
que são obrigadas a aceitar o que lhes vem de cima. Mesmo que a
administração central ceda umas migalhas de poder, o partido do
poder pode recuperar a totalidade desse poder através dos presi-
dentes das câmaras que são na totalidade seus militantes.
No Burkina Faso, a experiência mostrou que há poucos muni-
cípios que têm um verdadeiro poder descentralizado. As leis
sobre
a descentralização existem, mas a sua aplicação levanta problc
mas As condições pai a a d< serutiali/açâo não estão pteenehulns,
em primeiro lunat ao uivei orçamental Muitas vr/es, existem
"i mi* II I M •!• Iiiin hoi 11iM iitii i illiagetll (lo oM,aiuentm|ii I sfatlo,
* a • »»♦ a t, o 111 o 11 1 • • . !• M - • i»111 • niii | tt i H li il i vt t lliiaiM
*|MP » uh tado
a M pelo extetlnt Ai t Amaiai itttttiii ipaiii (tão eMÃo ao alaiMo
Democracia e governação

plamcnte do nível da produção das actividades do município, ()i


n,
esta produção económica no plano municipal cslá longo de .* i
controlada pelos municípios. Mesmo os município:; que h*m m
dústrias estão dependentes de condições que não conhnl.mi, <|n*
i
seja o preço mundial das matérias-primas produ/ída .. qm i »»
po...
mundial dos intrants.

Por que razão o modelo de Estado multincuional b a u u h f t >


na
descentralização e ancorado nas tradições do c<>ntin< nf< nõo fnn
--r— - ... ... ........ ...... ......... . ” .......
ciona em Ajricar

Porque o Estado-nação começou mal e é mal compreendido.


No sistema africano de hoje, o chefe do Estado-nação apodera-se
de todo o poder em detrimento dos poderes judicial, parlamentar
ou legislativo. O verdadeiro nó do poder de hoje é o executivo do
pseudo-Estado-nação. Todos os outros poderes estão enfraqueci-
dos; o federalismo praticamente não existe, a descentralização
tam-
bém não. O sistema político africano depende demasiado das de-
cisões do chefe do executivo.
O Estado africano digno desse nome para o século XXI deve-
ria ser um Estado federal, certamente a partir dos Estados actuais.
Penso que um dia será necessário recolocar o problema territorial
africano. Em vez de substituir ou gerir o legado colonial, trata-se
de realizar a produção do espaço optimizado. Não podemos conti-
nuar etci namente prisioneiros das fronteiras que os colonizadores
instalaram Duma maneira ou dou!i a, é necessária uma
refundação
de tipo ledei al tendo por base uma descentralização máxima para
entidade . leahmmte auténtii a . I .I r; entidades ou colectividades
rrpirseiilaiimn mellini os ínleiesses <• a cultura das diferentes cn-
tldmlei da hasr | enfie m dois pnd« havei uma mitOV idade média
que sei ia já uma pequena I* • I* i II, à< » A pi ande (édemçflo Ict
la au
toi idade pai a li alai t imiih MM t 111#§ (a n podei dos iieporins
M u dan (Inativa* e da I I I i»«ti« u m d
m iam 11 IIH dia, *mila uma 1 , 1•
é I
-------- Para quando África?
ter em conta, por exemplo, os factos senufo, haussá ou sonrai
num reordenamento da África Ocidental? É difícil gerir certas
realidades em que há tensões actualmente. Ora, será necessário
tomar as fronteiras actuais o mais ligeiras possível, fazendo
delas
pontilhados em vez de muros de betão, e transformá-las de estru-
turas belígeras em fontes de prosperidade e locomotivas de
novas
configurações.
Ciência sem consciência -
não é mais do que a ruína
da alma e do corpo

Há estagnação do desenvolvimento tecnológico em África?

Sim. Podemos dizer que não há desenvolvimento


tecnológico
fora de um certo nível de industrialização. Fundamentalmente, a
tecnologia anda com a indústria - a tecnologia condiciona a in-
dústria e a indústria condiciona a tecnologia. Não é por acaso
que
as tecnologias do mundo contemporâneo se desenvolveram nos
países onde havia mais manufacturas, como certas cidades italia-
nas na Idade Média, no vale do Reno ou nas cidades do Mar do
Norte, na Holanda ou, sobretudo no século XIX, em Inglaterra e
na Escócia. Na medida em que África está reduzida, até hoje, ;i
comercializar apenas produtos brutos, não foi impelida a
inventai
Na Antiguidade, o Egipto estava muito avançado em astronomia
Tales e Euclides “abasteceram-se” junto dos egípcios. No inicio
da Idade Média, as invenções dos árabes e dos chineses foram
muito úteis ao Ocidente. Este último só teve ligação com as con-
quistas da Grécia através dos árabes. Os árabes desenvolveram
as
descobertas da China e a Europa aperfeiçoou as descobertas da
China relativas à bússola, à imprensa, à pólvora para canhão.
Fo-
ram estas grandes descobertas que permitiram à Europa enrique-
cer, acumular e preparar as vias da tecnologia industrial.
Desde o século XVI até aos nossos dias que África 87 foi
inibida.
Foi confinada à imitação, ao consumo das invenções de outrem.
----— Para quando África?

Inglaterra o acesso à supremacia industrial. Não é por acaso que


Londres, Manchester e Liverpool se tornaram as capitais indus-
triais da Europa. Era neste meio que se estava mais bem prepa-
rado para inventar máquinas. Havia aí uma espécie de aspiração
funcional e estrutural para ir mais longe em matéria de equipa-
mento. Assim, foram aperfeiçoadas e desenvolvidas a máquina a
vapor e as máquinas de fiar e de tecer.

Por que houve um desenvolvimento descontínuo das ciências


-
e-
a ciência é particularmente desenvolvida em certas partes do
mundo?

Muitos elementos interagem aqui. Na Europa, a tecnologia e


a
indústria não chegaram a toda a parte ao mesmo tempo. Por que
razão os Balcãs não têm o mesmo surto industrial que a Grã-
Bretanha no início do século XIX? Por que razão o desenvolvi-
mento industrial em França ocorreu nas regiões do Centro, en-
quanto só começou um século mais tarde na Bretanha e no
Maciço
Central? Eu explico estas diferenças por uma espécie de
dialéctica:
nas regiões onde a ciência e a técnica estavam avançadas, o pro-
gresso tinha maiores possibilidades de arrancar. Não é um círculo
vicioso casual, mas o arranque inicial; geralmente, o big bang da
ciência é um efeito de patamar proveniente do encontro fortuito
ou combinado de vários “estimulantes positivos”.
Insisto em algumas proibições para explicar o
colonial . No dcci urso de uma longa gu CIOI , este grande a li ícano
desenvolvimento
demorisi
descontínuotro que eslavaem
de África á altuta dos àseEuropa.
relação ui adveis anos Cldois
Vejamos nbora li
exem-
u
plos.n O lllUí diz respeito á luta do chefe malinkc, Samory
primeiro
VCMC i IIUII ti [ ) ineiioM soliMii adas eupmgah lai que datavam
41 UM i) |ie|(icontra
MM» do tliUli o
Touré
m II < im, (na Alta-Guiné,
d
a chegada dos franceses
OÍ negioi Para n na época
i abaOt
* 1 Hl M i*
l H li# Ml HIIOU IIMIIIIlIa 1* |Modu^ |y de ai
MM H I In, li MU 1 jV» H ti i ( ri
f
o FM hta pgdii ui laiidiiiaa
i
= M i i t - i I | M * MMIIHH
IO 1
Ciência sem consciência...
arrancado aos franceses nos combates. Mas uma vez que Samoí
y
Touré foi derrotado pelos franceses, as manufacturas de produ»,
ao
de armas foram proibidas. Fizera aquilo que os japon* •> . mam
fazer umas décadas mais tarde: imitar os produtores ruinp* " 1
Com a ultrapassada técnica da fundição a cera, os pioduim. . aln
canos tinham imitado todas as armas que lhes ndain nas mim
Por outras palavras, tinham uma capai idade < nd
ção muito assinalável. Se tivessem estabcln ido um si a< m i «I»
cooperação e de parceria a partir dessa cpoi a, cm v< d qut i i
^éSfíilga^lds"dcondèná-lõs^cpcTi^;riifu> ihWntai--m mais nada.
África estaria hoje industrializada.
O outro exemplo mostra que havia por parte dos invasores e
dos colonizadores uma vontade de embargo sobre a tecnologia e
a ciência em África. Já no século XVI, o rei A.fonso do Congo 42
tinha preparado tudo para mandar vir produtores europeus.
Ainda
não havia indústrias, mas artesãos de altíssima qualidade que
pro-
duziam àmão: pedreiros, ferreiros, carpinteiros, etc. Afonso que-
ria'que os portugueses lhe enviassem artesãos para formar,
acom-
panhar e enquadrar os seus próprios produtores endógenos. Re-
cusaram-lho, embora ele estivesse, de todos os pontos de vista,
ao
mesmo nível que os europeus, no sentido em que se tinha
conver-
tido à religião cristã e que lutava mesmo para suprimir a religião
tradicional africana. Afonso procurava uma verdadeira parceria.
Em vez disso, foram instalados mercados negreiros para
comprar
os seus prúpi ios súbdilos c de próprio escapou a um atentado
na
igreja, mesmo no meio da missa . Através destes exemplos pre-
tendo (ii/ei que eniboia ,i ciência de tipo europeu não se tivesse
desenvolvido cm \lm » ta un extremamente desen-
IV
volvido*. I Jni VIUIMIPO In .tóiH O’* impediu que a África
benefi-
( lav.e da . ttoi a , < om a I mopa e o mundo aiahe No (im de
con-
Para quando África?

O desenvolvimento técnico da humanidade fez-se, em diferentes


momentos, através de todos os continentes, tendo cada
continente,
por sua vez, contribuído para ele. Por toda a parte, o espírito hu-
mano está à espreita, em busca de compreender, de melhorar, de
progredir. As inovações tecnológicas ocorreram porque houve
pessoas que tinham o espírito alerta, inventivo, mas também por-
que ocorreu uma associação de ideias e de factos. Segundo
Emmanuel Mounier, a ciência, como a liberdade, existem sob
condições: épreciso que certas condições objectivas estejam reu-
razão alguns países europeus nunca tiveram prémios Nobel da
ciência? Se houve uma explosão de descobertas em certas re-
giões da Europa, é exactamente a mesma questão que devemos
colocar a propósito do vale do Nilo. Por que razão o Egipto ul-
trapassou os outros países antigos? Por que razão, naquilo que
sc chama a “pré-história”, a África superou a Europa? Não era
dc maneira nenhuma pelo mérito superior dos pré-hominídeos
africanos. Foi na base de certas condições objectivas que as des-
cobertas se realizaram e que o próprio homem, o inventor, se
constituiu em África.
Por conseguinte, eu diria que é necessário distinguir uma du-
pla dimensão. Na medida em que não há manufactura e indústria,
o espírito humano não é solicitado. E na medida em que o espírito
humano não é solicitado, estiola-se, entra em hibernação, desco-
necta-se e desenvolve um complexo de inferioridade que desar-
ma as suas capacidades para inventar. E uma espécie de demissão
que consiste em dizer: “Não é o nosso ramo, não é o nosso terre-
no”. Assim, pretendeu-se que os africanos não tinham capacidade
para compreender as matemáticas. Evidentemente, esta tese ab-
surda desapareceu. Mas houve um período em que muitos africa-
nos acabaram por aceitá-la. Como consequência disso, desmobi-
lizaram o espírito e deixaram-se arrastar pelo mimetismo e pela
extroversão.

()s métodos tradicionais de investigação têm aspectos cien-


tíficos?
90
Ciência sem consciência...

Os africanos fizeram progressos enormes no conhecimento e


na utilização das plantas, por exemplo, para a cura de hepatites, a
redução das fracturas... Os africanos também tinham um conhe-
cimento dos solos extremamente avançado, bem como da prepa-
ração e conservação de certos alimentos. A acumulação destes
conhecimentos não era tão científica como na Europa. No entan-
to, convém não concluir que não há nada de científico. Desde que
o espírito humano se põe em movimento, segue um certo número
de regras que são as mesmas por toda a parte. E através destes

diferença que, nos sítios onde não havia escrita, a acumulação


dos
conhecimentos fazia-se menos bem. Quando a transferencia dos
conhecimentos entre as gerações se realiza por via puramente 01
al,
é evidente que háperdas muito maiores. Foi isso que abiandou -
travou o conhecimento científico africano. Do mesmo modo, a
perturbações na estabilidade e a acumulação desencadeada p*-l«»
tráfico desaceleraram e desconstruíram os processos de pmgn
..«>
Infelizmente, todas estas invenções foram ocultadas paia qu*
os países africanos fossem objectos a explorar sem lhes dai a
p<».
sibilidade de realizar um desenvolvimento endógeno! I\ hoje, ...
cientistas europeus interessam-se pelos achados de África Vem
recolher as cascas das árvores, as raízes, as folhas, a fim de t< nta
rem descobrir os seus princípios activos para a produção de i eme
dios. Remédios que são vendidos em África muito mais caio
a<»\
inventores desprovidos de patentes...

Será preciso voltar atrás para voltar a pôr em andamento a


máquina de invenção tecnológica?

Não é voltar atrás! Se tivessem permitido que Samory Touré


tratasse com os europeus de igual para igual, se não houvesse
aquela vontade de dominar, de submeter e de impedir que se de-
senvolvesse, teríamos realizações inimagináveis hoje.91 E se
Afonso
tivesse podido lançar as suas manufacturas e se tivesse havido
Para quando África?

dcsenvolvemo-nos. Por outro lado, creio que não se trata de vol:


i;u aliás porque aquilo que é aplicado pelos africanos, mesmo
hoje, é por vezes avançado para a época.

/loje, o que é que África poderia dar à Europa em termos


de
inovação?

No âmbito do Conselho Africano e Malgache para o Ensino


Superior (CAMES) que dirigi durante uma dezena de anos, orga-

Libreville, em Kigali, em Lomé e em Niamey. Juntava curandei-


ros africanos e universitários ditos modernos. Constatámos que
no sector da terapêutica, os africanos inovaram muito. Não há
doenças que os africanos não tenham tentado curar. O que é
carac-
terístico é a abordagem psico-sócio-somática das terapias afri-
canas. Alguns psicoterapeutas franceses demonstraram que os
africanos associaram sempre o remédio, a mobilização do espí-
rito do doente e o acompanhamento social. Há remédios que fun-
cionam quando o curandeiro dança com o doente, quando mobili-
za todas as energias psíquicas do paciente. Em matéria de terapia,
como se sabe, não basta deixar o doente e o medicamento frente a
frente. A ciência não é apenas os achados mecânicos, químicos e
bioquímicos. E também a mobilização dos recursos e das ener-
gias que estão latentes no homem e que, na maior parte dos casos,
ainda estão por explorar e por conhecer.
Ainda há tanto a aprender. Por exemplo, devcr-sc-ia não só
revisitar a concepção africana da terapia, mas lambem a psicolo
gia africana. Os africanos dão muita impoi láneia à psicologia Poi
exemplo, o aspecto psicológico da piesença humana r o pi mirim
dos remédios Quando rntiamos num lu» pilai em I ian«,a,« mi.ia
(amos que há salas mima , onde n , doente •» ♦ Udn < 1111« eu* < am
equipamentos, ao* ientediou <ent ninguém ao MMI lado ( omo
MU poda i ui MI mula* i nitdlgóe*? ha M M t pulha i =* MI m IMI na piáth
a
p*?h nlóyi. a ijn = alin anoa, VMiaMi tília há ttiMMliltihfif d* » MMIM * l
IM^IlIm pol dí i o lu h I M t e I 1 # MM5 MIM HlllIlMl HIIIÍI IN |H M|I t
!
Ciência sem consciência...

nistas, decretou que a abordagem africana não tinha nenhuma


con
tribuição a dar aos progressos da ciência.
Em matéria de ciência, bastaria conjugar o que é bom por
toda
a parte para atingir algo de verdadeiramente universal. Porque o
universal não é simplesmente a adição dos diferentes pailu ula
res. E também não é um particular que, esmagando todos os ou
tros, pode autoproclamar-se universal. O universal c o t|ii«* há
d<
mais precioso em todos os particulares, que devem en eontiai s«
como os planos laterais no vértice de uma pirâmide.

O que é que impede o desenvolvimento da investigação na


África negra?

Se não tivessem refreado os negros, teríamos hoje muito


mais
investigadores, entre os quais alguns prémios Nobel. Temos ex-
celentes investigadores que fizeram as suas provas nos centros
mais qualificados do planeta. Infelizmente, como se sabe, há
cem
mil especialistas africanos fora de África enquanto albergamos
cem mil investigadores do Norte nos centros de investigação em
África. Aqui, a igualdade aritmética dos números não deve mas-
carar a distorção dos papéis científicos e políticos desempenha-
dos por estes dois contingentes. Por um lado, é a quantidade cuja
ausência impede um verdadeiro arranque da investigação endógena
em África Por outro, é uma assistência técnica marginal para o
Norte, decisiva para \!i íca ()s africanos trabalham nas institui-
mar; pi< limada'; no r.tiaiigrno, quci por razões económicas
ou polltc a qu< i pniquc não 1**111 os equipamentos
necessários
rm Áliu o. o qiM lalla riu \li ira r a organização.
Nao « x i. i» « oinumdadi i i« ulllica suliricntc para provocara
iicutnuliK,ao ih a»h« i I m|Uiiiitn m uivrsii^adoici estiverem fe-
i hid« i • PI a | M i«tu § m i* M M titi iiMKtii e 11«i * 11 i v * MI
u i dações enfre H t,
a i jlut ia hão a IM* M i ISthjne a iiivr a)y<nf iio » jenllln a I
avança
«li i « • ! 111| 11 f ã 1111 « jll |t|i| f lllh I |t Mhllh,
------------ - Para qua ndo África?

africanos não poderão apresentar a sua medida científica e


tecno-
lógica.
O outro aspecto que tenho de sublinhar é que a acumulação
dos conhecimentos se faz na Europa. Antes de termos criado o
CAMES, os investigadores e os professores que queriam passar
de um grau para outro enviavam os seus dossiês e as suas pro-
duções científicas para França. Assim, todos os anos caíam em
França, gratuitamente, todas as investigações feitas pelos maio-
res investigadores africanos. A recapitulação e a acumulação
Têifaseml
eram
sendo estas investigações necessariamente publicadas, podiam
ser
mantidas em segredo. É por isso que a questão da ciência não
pode ser examinada independentemente de considerações políti-
cas e dos interesses geopolíticos. Hoje, muitos africanos partici-
pam em equipas de investigadores. Mas os directores de investi-
gações, os mestres, encontram-se na Europa e as investigações
são, ainda hoje, acumuladas nos Estados Unidos ou na Europa.
O resultado ou a patente são obtidos a esse nível.
Penso que há enormes possibilidades em África. Mas é
neces-
sário dizer que a velocidade de evolução da investigação
científica
é tal que, se os africanos não realizarem muito rapidamente pro-
jectos de investigação consequentes, não só não serão visíveis,
como não existirão. Isso ameaça-nos do mesmo modo que
ameaça
alguns países europeus que ainda não entraram verdadeiramente
na dança da ciência. Mais uma vez, podemos fazer a pergunta:
quem é o sujeito e quem é o objecto da história? Fomos inibidos,
severamente limitados, mas nada nos diz que não possamos pro-
gredir. Veja o que a índia realizou. Em pouco tempo, este país
impôs-se em numerosos domínios. África, com todos os seus re-
cursos naturais, poderia ser uma sede da ciência, sobretudo em
matéria de biodiversidade - na condição de os seus recursos se-
rem utilizados inteligentemente. Mas não convém que sejamos
como o94gorila na floresta: instalado no meio dos elementos e
pas-
sando de um ramo para outro para consumir desde que a floresta
existe. Por outras palavras, a floresta não ó uma riqueza
Ciência sem consciência...

Como se pode valorizar os saberes tradicionais dos


campone-
ses africanos?
No que diz respeito às variedades de milho de alto
rendimento
que foram introduzidas, sabe-se há muito tempo que implicam,
para as sementes por exemplo, uma maior dependência dos cam-
poneses em relação ao mercado mundial. Ora, durante séculos,
os
camponeses seleccionaram sementes variadas, adaptadas às dife-
rentes condições ecológicas e fitossanitárias. Estas variedades
ultrapassadas ou rejeitadas quando consti-
tuem uma reserva muito importante para os camponeses. Feliz
mente, hoje, começa-se a reconhecer que os camponeses cncon
traram fórmulas mais respeitadoras da natureza.
Os saberes camponeses devem reter toda a nossa atençu»
Pm
exemplo, os métodos autóctones de conservação dc semente *.
<|u<
os africanos descobriram: muitas vezes são notáveis! A COII.-
.IMI
ção dos celeiros é não só uma arte no plano arquitertónico, ma*,
sobretudo uma técnica. Permite guardar o milho-miúdo cm < pi
ga ou outros cereais em condições de segurança tota I d111;m l r
.i nu•.
Estes armazéns de conhecimentos correm o risco de dc. ip.m <«
i
pouco a pouco, se não tomarmos atenção. Daí a convemèm i.»

fazer balanços dos saberes acumulados. Sei que alguns mvc
A\\\,\
dores estabeleceram nomenclaturas de tennos científicos
afi.m<»
em matéria de botânica e de ciências veterinárias. Recordo rin-
que uma vez, no decurso das minhas deslocações, sentámo-nos
na beira da estrada no meio das plantas do mato. Pois bem, nesse
pequeno espaço em que nos instalámos, uma das nossas camara-
das, com uma certa idade, reconheceu de imediato à sua volta
quatro plantas que serviam para alguma coisa! Através desse
exem-
Para quando África?
sua iniciação às ciências “modernas”. Muitas vezes, não conhe-
cem nada das realidades e das coisas que os rodeiam; caíram na
armadilha.

Historicamente, como se realizou o acesso à inovação?


Havia
técnicas de divulgação?

Dependia dos domínios. No conhecimento das plantas, as


inovações faziam-se simultaneamente no plano individual e colec-
-tivo^tómitmmosiqtremm^ mi-
"
portantes na cura de um caso de doença difícil. Esta descoberta
difundia-se como um fogo de palha e o curandeiro em questão via
a sua clientela aumentar rapidamente. Por essa via, as novidades
eram rapidamente socializadas, pelo menos para os clientes que
tiravam partido delas.
Uma das limitações das ciências africanas é o seu carácter
esotérico. Mas o esoterismo também está presente nos grandes,
laboratórios! Quanto mais recente é a novidade, mais é escondi-
da, salvaguardada pelo próprio curandeiro. Esta reserva constitui
um risco importante para o progresso da ciência em África, dado
que não favorece a acumulação dos saberes. Na maior parte dos
casos, os curandeiros esperavam até ao último momento para es-
colher aquele a quem deviam revelar as suas descobertas. Em
geral,
decidiam iniciar os seus filhos num certo número de conhecimen-
tos. Todavia, esperavam muitas vezes a proximidade da morte
para escolher o seu herdeiro em matéria dc saber. I evavam tem
po a estudar o carácter, o comportamento, os hábitos daquele que
iria herdar os conhecimentos. Como sc diz: o sabei é pesado e
perigoso. Por vezes, as plantas que unam àn as mesmas que < n
venenam Poi isso, os t uianduios nao podiam dívulpai os s* us
eonhu unentns %em as devidas pie. M I Ç A . s Ihíell/meuM pndiam
morrei subitamente, o que piovni alia utlta de ?a» • l> en,õu dn * .
.*
Illlf I tlltuitton ilt) || 11104
! 4(14 i onhet iMiHitM4 t ono lambem mmtn «ot t^h#ad>^
no**n
tiilo nu qtr# PitiViiir M nMNáft 0§ gfMáK BllfiBÉlUH
MÍM vendiam u* «»-M# |4| M «I U I H 4, dMHUMd# m t MM *t mi.l *
•I
Ciência sem consciência...

dos seus serviços. No momento de adquirir estes conhecimento:;,


faziam o juramento de nunca vender os seus produtos. I Jma dn .
doutrinas dos curandeiros dizia que aquele que vende, ictiia o
potencial curativo ao remédio. Em geral, os clientes deviam qu<
rer fazer um gesto simbólico para marcar o seu reconhecimento
alguns caurins ou um frango ou seja, não pagar absolutam» ni-
nada. E de louvar este humanismo africano que soube manf< i o
princípio que nem tudo deve ser colocado no incit ado. No nu i
mo, o produtor de saúde podia esperar uma contra oferta
oração- a >ler i i vn po r
r!: i s r, e
etária era outra via da divulgação dos conhecimentos. No
decurso
da iniciação, os jovens de uma mesma aldeia ou de uma
“pequena
região” retiravam-se para espaços reservados no mato. A inicia-
ção era verdadeiramente uma sede da transferência dos saberes
em todos os ramos úteis ao ser humano: ambiente, vida sexual,
terapias, cura, conhecimentos sociais. De certo modo, era uma
comunicação gratuita dado que o conjunto da aldeia se encarre-
gavaAdos iniciados.
Internet Acontecia
difunde-se querapidamente
mais o rigor das do
provas
que implicava
qualquer
por
ou- vezes acidentes mortais.
tro meio de comunicação anterior. Mas a maior parte da popu-
lação mundial não participou nesse desenvolvimento. O ‘ fosso
digital", isto c, a distância entre o equipamento em tecnologias
da informação dos países industrializados , por um lado, e os
,
nvolvimento por c difícil
outro, depreen-
chei Is tecnologias
novos da informação c da comunicação
serão instrumentos de desenvolvimento?

i« 111| MI 1111 i| i n i MI i li »1 iltfl M«| lu III 11II t n i r ..li tecnologias de


jMthht, |ti«I«|iIM • » viilrnte quf3 o i OIII|MI( aloi nó hióí o gi Ho que lhe
- UftMPI A IIH^H HtÍH* IHÍ|^ÕM9 qu»* i|iVf||| HPI MIIIM •
gftllfll gnu toi|o« MIN |)#VÍ Vil il#
MIIIM
!#et!lhfê ÍIP (Mia HM* (fMHittliHS A #MH§HtMi»lif *ÍH« IIA*|HI M#ll
I

----------- -- Para qua ndo África? Ciência sem consciência...

como instrumentos novos. Neste plano, os africanos não ficarão


na beira do caminho. Aliás, receio que sejam demasiado tentados dições, se o ser humano não eleva a sua consciência à medida que
a utilizar sempre o que há de mais novo sem dominar completa- eleva a ciência, pode desembocar em actos irreparáveis. Como
mente o seu espírito. Será conveniente que as novas tecnologias François Rabelais dizia na época: “Ciência sem consciência é a
intervenham num contexto bem preparado. Em primeiro lugar, os
mina da alma.”
programas devem ser adaptados à realidade africana, por exem- E neste sentido que se deve gerir a Internet com uma cons-
ciência nova do homem do século XXI. Se não fizermos progres-
plo, no ensino. Depois, temos necessidade de técnicos africanos
sos neste sentido, ficaremos prisioneiros, escravos e vítimas das
eminentes que estejam enraizados na sua própria cultura. Caso
invenções que se vão acumulando. Quanto mais se descobrem
contrário, recebe-se estas tecnologias como brinquedos: dedilha-
coisas que podem libertar o homem, tanto mais outros grupos hu
'^e7*é~agradã:vtrl7^oduz~efertO‘S^uaTav4fhoses7-«^s-4ião44â^^
-manos-as-
verdadeira apropriação da inovação tecnológica. E como os paí-
ses do Golfo que tinham mandado lançar um satélite geoesta- prio da condição humana e singularmente do sistema ocidental:
cionário para comunicar entre si. Mas comunicar para dizer o há grandes princípios, mas, enquanto a indústria e a invcsfigaç.K>
quê? de armamento absorverem e se apoderarem de metade do; mv<
É preciso um conteúdo! No meu livro La Natte des autres, o timentos disponíveis, é um sistema anti-humano. A partir d< * nm
capí- mento em que a razão foi instaurada, o ser humano drvcia < i
tulo introdutório intitula-se: “O desenvolvimento na cabeça” e susceptível de progresso não só na invenção e na dr .fmi \ a«» d i
não “na mão”. O desenvolvimento na mão seria precisamente o coisas, mas também no governo do seu próprio cspíiit<» . da n \
computador cujo funcionamento interno não é compreendido e própria consciência.
cujo programa não se é capaz de mudar. E o aparelho no estado
bruto: ensinam-nos mecanicamente a utilizá-lo, mas não o inte-
gramos como uma engrenagem do nosso próprio sistema. E esse
o problema capital da introdução das tecnologias de ponta em
África.
Além disso, trata-se de impedir que as pessoas façam uma
ges-
tão da Internet com a mentalidade do homem de Cro-Magnon.
Ter acesso à Internet é uma coisa, a ética é outra. Não basta ser
cien-
tista, saber manejar as equações, dominar a álgebra e a geometria
ou a econometria. Como sublinhou o filósofo Blaise Pascal: o
conhe-
cimento e a consciência são duas categorias diferentes. O que faz
a
diferença entre o ser humano e os animais é a consciência. E pre-
ciso que a consciência se vá elevando ao nível da ciência para a
ultrapassar. Quanto mais a ciência avança, mais se tropeça nós
objectivos
98 que põem em causa opções morais, éticas e políticas. 99
Podemos fazer a clonagem dos seres humanos? Poderemos res-
ponder a esta pergunta não por meio de exercícios puramente
\
Direitos do homem,
direitos das mulheres?

Mais de cinquenta anos depois da proclamação da Dtulara


ção Universal dos Direitos do Homem pelas Nações Unidas, no
dia
10 de Dezembro de 1948, em Genebra, o valor universal e a
indi-
visibilidade dos direitos humanos são reconhecidos no discurso
oficial dos Estados e das organizações internacionais. A par da
protecção universal dos direitos humanos no seio da ONU,
vimos
nascer também instrumentos regionais de defesa dos direitos
hu-
manos promovidos por grupos homogéneos de países no seio da
Organização da Unidade Africana (OUA). Qual é a importância
da referência aos direitos humanos em países onde a dignidade
humana é constantemente achincalhada, sem dúvida, por causa
da pobreza reinante? O que devem fazer estes países, pobres
de
qualquer modo, para a protecção dos direitos humanos?

< )s direitos humanos em Afiica estão consignados em


vários
textOS fundamentais que os Estados acoitaram ratificar. Estes
di-
reitos figuiam na Dcdaiação Universal dos Direitos do
Homem
de 19'IK < n.t < ii 1 1 A li ícana dos I )ii cilos do l lomem e
dos Povos.
Além div.n, du< iin. individuais, económicos, sociais, civis,
polili»«»% • ciiltuiais «slílo i onsi^nados cm Iodas as
constituições
rtliii anau i om mau ou meno** iiiaO/es
-------- Para quando África?
analfabetos, não garante o direito à educação. Mas se este direito
não é reconhecido, porque não é possível aplicá-lo nas condições
actuais, é como se fosse recusado. O direito à educação faz parte
dos direitos imprescritíveis, que devem ser absolutamente reco-
nhecidos; é uma exigência da dignidade humana. Considero que,
para os direitos imprescritíveis, os Estados devem preencher as
condições necessárias e suficientes para que estes direitos sejam
garantidos. Que os governos nos digam: “É verdade que o res-
peito dos direitos humanos custa caro. Mas nós fazemos o possí-
~ vèí para que o orçamento de Estado hão
pela necessidade de respeitar a vida humana.”
No entanto, muitos dirigentes políticos comportam-se como
se estes direitos não existissem. Além disso, são muitos os regi-
mes africanos que, sistematicamente, através de textos de lei e de
decretos, esvaziam os direitos protegidos pela Constituição da sua
substância. Apresento-lhe o caso típico do artigo 37 da nossa
Cons-
tituição no Burkina Faso. A Constituição fixava o mandato do
presidente da República em sete anos com a possibilidade de ser
reeleito uma única vez. No final da primeira legislatura, em 1997,
os deputados do partido maioritário votaram uma proposta de lei
que muito simplesmente suprimiu as duas palavras “uma vez”,
deixando o seguinte texto amputado: “E reelegível.” Aqui está
uma lei que matou a letra e o espírito da Constituição. E isso só
foi possível porque o presidente dispunha de uma maioria qualifi-
cada na Assembleia (três quartos) que lhe pemiitia rever a Cons-
tituição sem recorrer a um referendo. Felizmente, essa lei foi por
sua vez posteriormente modificada, mas sem clarificar totalmente
a situação. É uma prática frequente em África que permite escapar
à Constituição refugiando-se na lei, quando a Constituição é supe-
rior à lei: Na minha opinião, seria necessário instaurar um debate
sobre este assunto: como fazem os Estados para esvaziar as suas !
constituições da sua carga positiva servindo-se da lei? E, por sua
vez, como conseguem eles esvaziar a lei de todo o seu conteúdo
benéfico por meio de um decreto? As constituições africanas
ofere-
cem um quadro mirífico dos direitos humanos, mas estes direitos
san “< .va/lados" pela lei, depois poi decielos, segundo as
necessi-
to;
Direitos do homem, direitos das mulheres? --------

dades dos regimes no poder. No entanto, temos regimes que agi-


tam diante de todo o mundo constituições magníficas. Na realida-
de, eles destroem-nas ao longo dos anos em proveito do executivo
e em detrimento dos poderes legislativos das Assembleias.

Os direitos humanos são verdadeiramente universais?

A ideia de direito, ao nível dos direitos naturais e do respeito


da dignidade humana, existe em todas as culturas humanas. Os

inventaram os direitos humanos. Enterrar um ser humano, é um


acto quase religioso para satisfazer o respeito da dignidade huma
na. Não é concebível que se deixe devorar um ser humano por
feras ou por aves de rapina.
Além dos direitos naturais, existem em todas as culturas d u
n
tos civis, sociais e políticos. Estes direitos estão presentes na * *
>n
cepção moral que impede de matar, de deixar morrer ou de ala*
u
os mensageiros. O direito à solidariedade para com os oufros
*,<•
res humanos é também um direito reconhecido, segundo mo«lah
dades de aplicações diferentes. Na África pré-colonial, as prv,*
>a
consideravam que a solidariedade era um dever moral e uan um
camente jurídico. Um ditado bambará diz: “Se vires ladrcV; a
ala
car um homem, não digas aos ladrões: ‘Deixem o homem’, di/
-lhes antes: ‘Deixem-nos’. Se vires feras a atacar um homem,
na.»
digas: ‘Deixem o homem’, mas ‘Deixem-nos’. Se vires aves
*1*
rapina a devorar o cadáver de um homem, não digas: ‘Deixem o
cadáver desse homem’,
Na mentalidade mas
e na ‘Deixem-nos,
cultura africana, porque
não é todos os ho
conveniente
mens
dei- são solidários”’. É quase um texto de comando, uma inti
mação,
xar uma referência
subsistir um mal. Oética.
mal é concebido como uma ruptura
103 de

Quais são os outros pontos de enraizamento na tradição


his-
------- Para quando África? í
equilíbrio. E se não é remediado, não só quem cometeu o mal,
mas
toda a sociedade, ou mesmo todo o cosmos, sofre com isso. No
Egipto, a deusa Maat figurava este equilíbrio simultaneamente
ético, jurídico e biológico. Era eliminado quem desrespeitava os
direitos de outro ser humano, por exemplo, o feiticeiro. Certa ou
erradamente, era eliminado porque só a sua presença punha em
perigo o equilíbrio social e cósmico. Quando um homem tinha
cometido um adultério com a mulher de outrem, havia julgamen-
tos para reconhecer o criminoso. Havia métodos - aliás nem muito
"xresirítfiOTiTfleiinn^
de verdade utilizando um ferro em brasa ou bebendo certas po-
ções que, no caso de ser inocente, eram inofensivos, mas no caso
contrário, causavam a morte. Tudo isso era um pouco ao acaso,
mas a ideia era que não se devia deixar instalar o vazio e que o
equilíbrio devia ser restabelecido.
Muitas vezes, as sanções pelo não respeito dos direitos huma-
nos ou das leis não eram sanções através da prisão, mas sim atra-
vés da compensação e da reparação de uma maneira ou de outra.
Por exemplo, para os adultérios, havia compensações materiais
e/ou pedidos de desculpa públicos oficiais perante certas autori-
dades. Estes gestos, estas demonstrações, eram considerados
como
uma maneira de apagar o que se tinha passado e serviam para
restabelecer o equilíbrio. Na ausência deles, temia-se que as coi-
sas ficassem torcidas, mancas, e dessem origem a outras desgra-
ças. Aliás, eu não conheço a existência em África, a sul do Sara,
de prisões construídas, excepto durante o período do tráfico dos
negros, quando se metiam os escravos cm jaulas, pequenas caba
nas, esperando a passagem de um barco negreiro Mas eia uma
outra lógica, estabelecida pata domesticai o gado humano
Nos tempos antigos, hadicionalmenle, in unhe* ia * \ ue» *
sidiidc de um inluiiuo vital pina tudoí I u piúpiii» ainda vivi o
irspe Ito do diicllo olinn irto m M« n mpt» nuand.i IM « * *>»
lado dp um * atlipo P tinha IMUMV podia apanha* dl**M MniMiO dita#
SU(i§( eipl|ii di tttllhn é$n 1 M MAH »#I ptoihi
é* ú* d§ ia aifhliÉ *1 f-
iii
Direitos do homem, direitos das mulheres?

miúdo da época. Era um princípio de precaução para gaiantu iim.i


margem de segurança. Isso ia no sentido do respeito da vida, «lo
direito à alimentação. E claro que poderíamos analisai o mottnpò
lio que o patriarca tinha de retirar cercais do celeiro comum i
mm»
um abuso de poder. Mas, na realidade, era uma gaiaiilia I i a m*
cessário que houvesse uma gestão dc salvaguarda, de pntd» n« ia.
de modo a evitar que a família ficasse na pcniíi ia ou na«> h v» -
«»
suficiente.
Dava-se uma terra a todos aqueles que vinham de Ima, mas
HíaoTem sêTéFTómado^ çocs na análise do - aso (.)uando
alguém vinha instalar-se com a família numa aldeia e pedia a hos-
pitalidade aos aldeãos, estes deviam, em princípio, dar-lhe uma
terra. Havia júris, nomeadamente os donos de terra, especialmente
habilitados para o eleito. Por outro lado, havia elementos
esotéricos
e religiosos ligados à terra, considerada como um espírito. Na
medida em que a terra recebia sementes, julgava-se que era a pró-
pria terra que tinha a virtude da reprodução. Assim, a terra não
era
um bem mercantil que se pudesse manipular de qualquer maneira.
Do mesmo modo, como já se referiu anteriormente, o direito
à
água era garantido. Os autores portugueses contam-nos que à sua
chegada ao Congo, entre o mar e a capital do rei, de légua a légua,
havia canaris43 de água que eram instalados pelo rei para os via-
jantes. Isso quer dizer que o rei assumia esta responsabilidade
para com os visitantes públicos e oficiais. Os rios e os lagos eram
< o ns id t l ad o s I m m) d e p o si tár io s d e fo r ça s ocultas. Ali ás ,
o gesto
li ad ie to n al n u Áli u a d e d ei i u m. i t u m pouco dc água ou
dolo (cer-
v< i i i! id .... .. tl) N" • hao .1111■ . (h b eb ei mo s lia b e m que sc
con-
• ebi.i i Ima < mtio uma » nlidnde a < IVII pi 101 ilaiiamente. Con-
linha uma Im^a qu» nos ligava a iiistilheias superiores,
Alrut tios diiPitoi individual», havia dinulos l oipoialtvos e
ptoíbialtiMãi i ; | M » I í »t ui|i|o (tuia m h iifUios, os lumhoi ihuios r
1 1
*|AM lnfiMt#ittPtiÍP, havia tljsi i Mi§ até ingieg *
------- Para quando África?

categorial por “ordens” permitia que os feiticeiros e os ferreiros


desempenhassem um papel específico. Efectivamente, considera-
va-se que tinham poderes tais que não era possível enfrentá-los
sem correr graves riscos. Quando se pretendia iniciar as diligên-
cias para um casamento difícil ou “de estatuto elevado”, eram en-
viados feiticeiros como emissários e porta-voz. Do mesmo modo,
em caso de conflito, os ferreiros serviam de mediadores. Ora, a
esse
título, estavam protegidos pelo direito dos emissários. “O raio não
cai sobre o mensageiro nem sobre o embaixador.” Fiquei
surpreen-
'^didoão ver qlieeste nòssTT3ít2ífoTse‘en^
termos, nos Camarões. Isto mostra que o pensamento africano era
muito difundido através dos intercâmbios entre dois povos hoje
distantes. Em suma, muitos destes direitos individuais foram en-
terrados durante o tráfico dos negros, dado que este dava o direito
à guerra para ter escravos e o direito sobre a vida de outrem.

Será que há uma contradição entre a lógica do mercado


capi-
talista e o respeito dos direitos humanos?

Não forçosamente. Entre todos os direitos, há direitos mais


importantes do que outros que não podem ser metidos no merca-
do como qualquer outra coisa. Os direitos à alimentação, à educa-
ção, à saúde, à vida, à participação democrática são direitos que
não podemos desprezar! Privatizar a saúde? Privatizar a educa-
ção? Mesmo que sejam privatizadas, é preciso que o Estado
guarde
um mínimo de autoridade para enquadrar o privado sem o substi-
tuir. Ou então deixamos os cidadãos entregues a si próprios, sem
protecção, e deixamos ao mercado o encargo de decidir se deter-
minada categoria da população deve sobreviver ou não. Mas o
mercado é quem? A lei do lucro é tal que se o mercado não for
regulado, se a mão invisível e cega do mercado dominar sem limi-
tes, o respeito de certos direitos elementares não estará garantido.
E isso vai contra os interesses da maioria dos cidadãos. Há um
— 106
patamar que é necessário não ultrapassar em matéria de respeito
da propriedade privada. Quem vai ocupar-se dos cidadãos burqui-
nos, que não têm o mínimo necessário para pagar a entrada no
Direitos do homem, direitos da s mu lheres? ---------------------------------------------------------

hospital, se abandonarmos tudo ao mercado? É preciso impedir


que o mercado esmague os mais fracos, o mínimo social deve
ser
garantido pelo Estado.

Gostaria agora de abordar consigo a situação das mulheres.


No Ocidente, as desigualdades entre homens e mulheres,
embora
globalmente crescentes, tendem a reduzir-se. As mulheres
conquis-
taram uma visibilidade no espaço público e viram reconhecido
o
seu papel económico essencial. Como foi transformada a vida
da
^w*lhei^n.f&t.a£G±Uiv.iDS-dp.r.ndas enj/lfrica? Qual é a
situação da
mulher africana hoje?

Em geral, a situação das mulheres depende dos países, da n*h


gião, dos costumes étnicos, da capacidade pessoal das mullicir*. ■
do mercado. Dou o exemplo do que se chama a economia intui
mal ou popular para mostrar que as mulheres africanas pudriam
abrir novas perspectivas. Creio que foi nesta economia <juc < la
avançaram mais. A economia informal substitui pouco a pmn o ,i
economia formal. A economia de mercado tal como foi impost i
em África do exterior, sobretudo no tempo colonial, c mar, ou
menos posta de lado porque os africanos não dominam os n
parâmetros. Baseia-se essencialmente na moeda, que cm minio
casos é inexistente, embora haja uma espécie de regresso, poi un
e por outros, a uma economia paralela, um mercado “de chão
cuja situação os bancos não dominam. As mulheres conliol.im
este mercado porque ele existe à sua dimensão. Não são apli< ad,r.
nele quantias consideráveis de créditos que as mulheres não i< m
No campo da alimentação e da nutrição, as mulheres estão pi<
sentes a todos os níveis: nas hortas, produzem elas próprias os
legumes, os ffiitos e quaisquer outros produtos ao seu alcance.
Elas próprias recolhem e transportam, vendem e compram. E um
mercado vital dado que nas cidades as pessoas comem cada vez
mais fora de casa. Não é como há trinta anos, em que107 -------
cada um
regressava a casa para almoçar.
Para quando África?

homens cm matéria de formação universitária. Hoje, mais nin-


guém duvida que a capacidade para a educação e para a instrução
<• igual no que diz respeito ao género. Já na África tradicional, não
snliinm discriminação. Havia mulheres terapeutas, sacerdotisas,
soberanas rivais da faraó Hatshepsout. As actividades quotidianas
levavam nas a controlar numerosos saberes. Mais tarde, a coloni-
zação deteriorou a situação das mulheres em matéria de saber.
Primeiro, não eram recrutados funcionários mulheres. Depois,
nessa época não se imaginava o ensino para as raparigas. As esta-
—tfstfca-s" usculai esnirnstraiTrxfara^^
desconsideradas na educação. Durante-a época colonial,
raramente
vi raparigas irem à escola e aí permanecerem muito tempo. No
entanto, neste plano, não se pode acusar erradamente os africa-
nos, porque foi o reflexo da situação nos países colonizadores.
De
facto, no século XIX, via-se muito poucas mulheres instruídas
na
Europa ao nível superior. Penso que os colonizadores se escon-
diam atrás da civilização africana dizendo que as mulheres eram
desconsideradas. Ao mesmo tempo, ignoravam os poderes para-
lelos que as mulheres tinham na sociedade africana. Aliás, nunca
ouvi um debate do tipo: “Serão as mulheres capazes de fazer isto
ou aquilo?5’. É mais no terreno do dever que as pessoas se
interro-
gam: “Será bom para a família e para a sociedade que as
mulheres
prossigam os estudos?55. O problema da família a que
geralmente
se faz alusão nestas afirmações é a reprodução biológica. As mu
lheres sempre estiveram amarradas a sistemas cm que deviam
“produzir produtores”. Aí, elas desempenham um papel insubsti
tuível, evidentemente Finalmente, convém mio rsquem que o
direito de voto das mulhcMs cm I lança data dr depois da N»
gim
da Guerra Mundial

(Jlltll e / tl If lugtlf tltl\ n uilht h s lh » sisttiihl Othlh htihtl , / c LHI

(d O tio futt/tl *
Direitos do homem, direitos das mulheres? -

dcs papéis. O papel económico em primeiro lugar, porque tinham


mais poder económico do que na África de hoje. As nuilheies *
Ir.
punham de campos pessoais que não eram adquiridos cm plrn.i
propriedade, mas que, a título de usufruto, lhes permitiam pm
duzir e acumular ao seu próprio nível. As mulheres tinluun a
possibilidade de ter pequenos campos e hortas, no pálio ou a
volta da casa em solos muito férteis. Os frutos desta rxpli >i .1*,
.u.
pertenciam-lhe,,enquanto a colheita do grande campo na dr.ti 1
buída por decisão do patriarca da grande família. As nmllinrs
operacional noqtfõUdTãnò a’ 111 cIIu 1 T\ qliellirs
era dada a parte de cereais que devia ser consagrada à alimenta-
ção quotidiana. Assim, havia uma espécie de divisão do trabalho
entre 0 decano, que ordenava os gastos, os jovens que subiam
ao celeiro e as mulheres que recebiam o milho miúdo para a
alimentação quotidiana. Este tipo de divisão do trabalho é muito
típico da cultura africana. As mulheres podiam ter bens pessoais
que lhes permitiam gozar de uma certa autonomia de comporta-
mento.
As mulheres africanas detinham poderes inimagináveis, por
exemplo, no domínio religioso. Controlavam as organizações
pura-
mente femininas com carácter profissional e religioso, por exem-
plo, sociedades mais ou menos secretas. Além disso, tinham a
capacidade de gerir as actividades que tinham uma incidência no
futuro As sementeiras deviam ser realizadas pelas mulheres dado
que eram símbolos de fecundidade. E claro que eram sobre-
> .11 n r.hl.i. com uma \n 1 r dc trabalhos. I)urante todo 0 dia,
eram
« ••anafada*. poi múmci.is laiel.r. M,r. .1 divisão do trabalho era
tal
• 11 ** 1 • t *1 * 11. que ♦ \igiam maioi foiça llsica estavam
reservadas
aoi 11 * MIM u poi r*umip|o, •» liahalho d» ai roteamento dos eam-
P« M \1 o!!u il i . * * 111 M | M 11 1. i|tn • « i < o MIM umliMin àt
imilhcics
ha iiiitfi« lado a IIIIÍIIM I aílh atin maiiiiiiha lnçim
rHiiemanifaite
( M |0 # . MIM a Mia I anilha d* Htigf m 1
■ pao nl* * o pc I M ladn .1 1 1

♦MMIIII 1t t f i í iMiíi (tiMHio Hiaif HilgrhtH M q»|H h y a s a HMMIM Miaiã


------- Para quando África?
legiadas e não podem de modo algum ser transgredidas. Além
disso, a mulher africana conservava o seu nome de família.
Geral-
mente, a mulher é chamada pelo nome da sua família de origem.
Não era obrigada a usar o nome do marido. Os filhos eram
desma-
mados mais tarde, com três ou quatro anos; durante este período,
dependiam da mãe. Depois de ter sido transportada na barriga, a !
criança era transportada às costas durante muito tempo, pelo que
a relação das crianças com a mãe era extremamente forte. A
partir
de um certo período, os filhos escapavam ao poder da mãe. Mas
~aJtílíiãrffiaTTtM^ ----
A mulher africana podia regressar à sua família de origem
em
numerosas ocasiões. Devia regressar para obrigações sociais
como
os nascimentos, os casamentos e os falecimentos. Podia decidir
dei-
xar a casa do marido por não suportar os tratamentos sofridos.
Quando regressava à família, o marido era obrigado a fazer
nego-
ciações, por vezes muito longas, para recuperar a mulher. Todo
este
aspecto doméstico assegurava à mulher uma certa autonomia.
No plano político, a mulher desempenhava um importante
pa-
pel como mãe e mulher de rei. A rainha-mãe, encarregada da
tra-
dição wolof no Senegal, tinha a sua corte real exactamente como
o seu filho, tendo homens como cortesãos. Ao nível militar,
alguns
contingentes estavam reservados para a guarda pessoal da
rainha-
-mãe. A mulher do rei tinha também uma posição de poder.
Aliás,
em certos reinos, quando o rei morria, o seu herdeiro era o seu
sobrinho, isto é, o filho da irmã. Por esta via, a mulher tinha uma
grande influência dado que cada um sucedia ao seu tio materno.
Direitos do homem, direitos das mulheres?

As mulheres estariam submetidas ao mesmo sistema de con-


trolo que os reis de que falámos anteriormente?

Sim, as mulheres eram obrigadas a submeter-se. Mas nunca vi


na história nenhum caso em que se peça a uma mulher que se
mate. Por vezes, a rainha e os serviçais do rei eram condenados a
ser enterrados com ele, a fim de o acompanhar no outro mundo e
de lhe assegurar os serviços no além. Foram obrigações terríveis
mas que pareciam normais, dado que, por vezes, os serviçais dis-
.^n^avam^-honra de acompanhar o rei. Hm suma podemos dizei
que o poder feminino era uma realidade poderosamente origin;iI
na África de origem. Creio que é um dos traços caracterísl i c < <
l.i
civilização negro-africana que põe o acento no lugar da muII** i
na sociedade, ainda que, na praça pública, a mulher nfto :;<• d«
.1.1
que. O resultado de tudo isto é que a mulher africana, indr|H n
dentemente do que se diga, goza de uma capacidade d<- mu iati\ *
certa até aos nossos dias.
Todavia, por vezes sofriam mutilações corporui. < nm.» i
excisão45 que, felizmente, não existia por todo o lado Na\ * ima.
em que era uma prática corrente, as mulheres sofriam na < .inn i
mente. Mas penso que é necessário situar estas prática ; iitun < <
>u
junto sociológico que, embora não desculpe dc modo alj uim a
práticas deste género, as explica amplamente. Pois é. cm qu.i •
todas as culturas do mundo, as mulheres sofreram e S(>frcm nuh
i
formas de mutilação!

As missionárias Sceurs Blanches chegaram em 1912 ao Alto


Volta onde ergueram congregações que iniciaram as r a / x i n g u s
nas í(artes domésticas”, na higiene, na alimentação ~ em suma,
nos valores do tempo da Belle Epoque na Europa. Qual era o
ideal de mulher que predominava? Que efeitos teve ele na
prátU a
da acção missionária? O que é que a Missão mudou para as ra
111
parigas?
Para quando África?

mossi no Alto Volta que consistia, para um chefe, em dar uma


rapariga a alguém com a obrigação, para este último, de dar a sua
primeira filha ao chefe que poderia dispor dela como entendesse.
Evidentemente, esta prática fazia-se em detrimento da mulher
como mãe e como cônjuge, a quem se recusava o direito de esco-
lher o marido; foi sistematicamente atacada pelos missionários
Pères Blancs e Sceurs Blanches. Muitas raparigas e mulheres es-
caparam ao casamento forçado por essa via e muitos lares cris-
tãos foram constituídos através desta recuperação.

sempre na história, convém evitar as análises apressadas e unila-


terais. Por um lado, as Sceurs Blanches ajudaram as raparigas a
escapar ao casamento forçado e a aprender um oficio. O facto de
a religião cristã insistir no valor individual de cada pessoa ajudou
a libertação da mulher. Mas, por outro lado, a religião cristã, de-
pois de São Paulo, pregou a submissão da mulher ao marido, o
que faz que a Igreja tenha sido geralmente apresentada como
misógina. Convém, pois, restituir os discursos e as práticas aos
seus respectivos contextos.

Quais são as maiores limitações para as mulheres hoje?

A partir das independências, as mulheres fizeram conquistas


consideráveis no plano individual. Apesar de tudo, continuam em
atraso em relação aos homens. Isso é devido, em grande medida,
às limitações em diferentes domínios do conhecimento c da
instrução. Penso nomeadamente nos casamentos precoces e no
facto de as raparigas estarem mais submetidas aos trabalhos do
mestiços do que os rapazes Tomo como exemplo o caso dos M
pazes peul que vivem como pastou . no mato Pm** brin, (M IJM* n
temente os rapazes são aliviados d* ta lai» la p» lo par t mpianlo
não há est apatói ia pai a as iapai ipas imo» ou ii" • jm MI « th
Vem ajuda! todo* o* dia * no Uahalho da* ma* * ( HtJUftiitn *
a» I daa
dom#*!|i o pi* MH no* orníuo* da* tuj
ptMHtaHtHitio aliatada* I! liahalho dom^fOt o é a pitm ipaj IHMIP
dr opii -tio d# MÍUIIH I MA* è pi*s i*o # * MUAÍ % ‘ I |ÍMIM H Í

Ml
Direitos do homem, direitos das mulheres? -

sociológica a ausência de ganhos em matéria de emprego c de


rendimentos financeiros (créditos).
Na situação actual, receio que os encargos que recaem solat-
as mulheres possam aumentar, devido à pauperi/açao gci al (è
rural, prostituição, etc.). As mulheres são cada vez mar, abando
nadas enquanto anterionnente não se podia repudiar uma tnullx i
tão facilmente. Hoje, os elos sociais estão distendido:; c o <
ontioln
social tomou-se menos coercivo. Alguns homens al>;mdoíian\K
mn
pletamente os seus deveres para com os filhos deixando o . a
^ ............. .......... ............
Em suma, metade da sociedade está limitada, inibida e impe-
dida de fornecer a sua parte de criatividade. Creio que é algo de
estrutural e os dirigentes africanos devem assegurar a resolução
desta questão como um objectivo estratégico de primeira ordem.
As mulheres merecem protecção e o código de família é um dos
terrenos no qual esta protecção deve ser erigida. No entanto, a
causa das mulheres, que será defendida pelas próprias mulheres
em primeiro lugar, é um objectivo primordial para a sociedade no
seu conjunto.

Que análise faz do desenvolvimento do feminismo no


decurso
dos últimos anos?

Durante a Conferencia Mundial das Nações Unidas sobre as


Mulheres, em Pequim (1995) surgiu uma fractura entre as femi-
nis!.r. aliu an.i . e a\ feministas dos países do Norte. Durante todo
um pri lodo. as l< mmistas aIVusinas tinham o mesmo discurso
que
as dos piihes do Noite, nomeadamente do Canadá, que era uma
da. * d* do I* num mo mundial A paitu dr Pequim, as mulheres
ah h anus t ohii . aiauí ii lidai das nia . aspuaçdeM especifica!*
Idas
i » »• ' . a t a m . * 1. » 1 1 * . ! » | * l a a l m h U . | i » l m . H l M p " l I m i - | U . •
ay* n*la da HUIUM O .!• nuMa M* yio* l ha lia

pilàp# |ÍHMlMttél podUlH MílMuh» MM M4 He* * -4 ÍÍH n


MN eftfHlMii Mpciltf o? i« mnlhn* «ftf 4i;«i dioMMMm
4 Arn iHrin léfúh *« tg§ (Mu tt IHHI| ni f n > « *
------ Para quando África?

parte das suas preocupações. Isso compreende-se muito bem


por-
que as pulsões do sexo e os impulsos da consciência não são os
mesmos em todas as sociedades. Ainda que nas sociedades
europeias ou americanas as mulheres tenham chegado a um
está-
dio em que consideram que devem ser livres de ter cônjuges do
mesmo sexo, isso não é hoje um problema prioritário para as
mu-
lheres negras. No fundo, trata-se de uma luta pela não dependên-
cia. Creio que esta luta se impõe em todos os domínios, não ape-
nas no domínio dos problemas do género mas também no domí-
nio da indepéndencíá pblítíõgCTO ------- ~—1
por toda a parte a exclusão e a dependência. A permissividade
em
todas as direcções não é a liberdade. A liberdade das mulheres e
dos homens está submetida a um certo número de limites ou de
autolimites sem os quais ela se encaminha para riscos inéditos e
novas escravidões.

Comç evoluirá a situação das mídheres no século XXI?

É difícil de predizer. Mas estou certo que a libertação avan-


çará. O que não significa que não haja regressões parciais ou lo-
cais. As mulheres acumularam um capital enorme; constituem
uma
força avançada. Não serão libertadas do exterior, elas próprias
se
libertarão, individual ou colectivamente. Ora, neste plano, dis-
põem já de uma margem de manobra considerável. Não creio
que
haja uma força capaz de as impedir. Disse muitas vezes às
nossas
mulheres africanas que a sua situação diminuída até hoje
provém
dos seus próprios erros. É certo que se as mulheres se entendes-
sem verdadeiramente, dirigiriam o mundo.
114
E o mundo seria diferente se as nmlheres estivessem no
Direitos do homenq, direitos das mulheres?

luções em que se viu mulheres terríveis. Mas são excepções. Ge-


ralmente, as mulheres estão mais ligadas à vida, inclinam-se para
o lado da moderação, do equilíbrio, do entendimento, da compai-
xão. Por sua vez, o homem está mais inclinado para a polémica e
para a agressividade, mesmo que seja necessário vencer sem con-
vencer.
As mulheres devem lutar para serem elas próprias. Elas exer-
cem o poder, infelizmente em muitos regimes africanos, na base
de uma afectação em domínios marginais, periféricos, auxiliares.
—^Q4h^s^das^mções-GGmplementar^smo-âmbitQ do-ludi c<>r<
lo
divertimento, da festa: a festa para satisfazer os homens, emboM
.1
função tenda a prevalecer. Algumas mulheres aceitam este papel
porque o poder sexual (0 quinto poder?) permite uma icnli/nçá» >
individual àquelas que estão politicamente comprometidas f i 1. ■
é tanto 0 controlo do poder, enquanto poder político, mu*; M I M < >
controlo do poder sexual que é apresentado: trata se de con .«MIÍI
ser a senhora do senhor! O resultado é que são confmail;r; paia
pequenos haréns, para não dizer pequenos guetos.
Felizmente, muitas mulheres resistem à instnimcn i. il 1
n, m
É preciso reconhecer que há muitas mulheres forte s cm Áfi M
a
sobretudo em todos os sectores da sociedade civil. Tem u m
piand.
espírito comunitário que lhes pennitiu desempenhai um p ap. I
heroico e sublime nos movimentos de libertação e na luta pela
independência. Mesmo quando os maridos, os filhos e os 11
ma< >
eram capturados, presos ou eliminados nos combates, as mu lh t
res continuavam a militar no mato com os homens. Aliás, esle -
um sinal que África não oprimiu demasiado as mulheres na sua
história. Caso contrário, haveria uma espécie de défice natural c
permanente como o que aflige as pessoas que sofreram a
servidão
durante muito tempo e que se tomaram incapazes de se gerir.
115
Não
se sente nenhuma tara do género entre as africanas. Não têm ne-
Se nos deitamos, estamos mortos

Há mais de quarenta anos que os países africanos indepcn


iniciativa comliiíídTiihbj\'ao pfnru tárL t
nova: pôr fim à miséria extrema em que a maioria da população
do planeta vivia, pôr fim às desigualdades, dar a cada um as
condições de vida que permitam o seu desenvolvimento pessoal.
Para as elites dos países recentemente libertados dos sistemas
de
dominação estrangeira, era evidente que tendo a colonização
cau-
sado a miséria, o seu desaparecimento implicaria rapidamente
uma igualização mundial das condições materiais. Nessa época,
esteve na primeira linha deste combate pela independência e
pela
unidade de África. O que motivava então a sua militância? De
que modo as ambições e os sonhos dos líderes africanos da
época
0 influenciaram?

0 meu comprometimento político, social, intelectual e inter-


nacional começou no final dos meus estudos em França. Já tinha
rc
ponsabilidadrs * omo estudante Durante os meus estudos na
A o i h o n n e , e m Paus, criei a Associação dos Estudantes do Alto
1 e Itii eo fundador da Associação Católica dos
1 md inh . dn, \íitilhn <. Alia a e de Madagáscar. Também ani-
m ‘ * nu» i"ii» d • Unia ii *)in .i i 11o111o\ i llun Iam. eia uma revista

»( M I *dI» o milue MU |t!iib|«H!iai político*, km iaiH, Idrológiooi, cs»


phltuaU M i ulImaU I|P ÁIM» a
1 1*1 MM tÍMal dHi HÍMIIIM^ I|MP IMN (#41(1 H| a (MIHIM Mrt llltrt pp|tl
-------------- Para qua ndo África?

candidatos franceses. Em 1958, criei o Movimento de Libertação


Nacional (MLN), um movimento pan-africano que tinha secções
em França, no Alto Volta, no Senegal, no Dahomey e nos Cama-
rões. O MLN fez campanha pelo não à Comunidade franco-afri-
cana por ocasião do referendo de 28 de Setembro de 1958, orga-
nizado pelo presidente Charles De Gaulle. No final do escrutínio,
constatámos que só a Guiné tinha optado pela independência, de
acordo com as nossas próprias opções pela independência ime-
diata e pela constituição dos Estados Unidos de África, na base de
xmrscRáaíiOTiCT^Hfn^
te a campanha que a França “não levantará obstáculos” à indepen-
dência, algumas semanas depois da declaração da independência
da Guiné, a França chamou todos os seus assistentes técnicos. A
sua
intenção era pôr a Guiné de joelhos. A Guiné era o único Estado
africano francófono a rejeitar em massa a Comunidade franco-
africana. Tendo feito campanha pelo não ao referendo, fui chama-
do depois pelo presidente Sékou Touré. Enviou-me um emissário
a Dacar para me pedir que fosse trabalhar na Guiné. Foi nesse
momento que decidi abandonar a minha carreira de professor de
liceu em Dacar.
Antes de partir, fui ver o reitor da Universidade de Dacar. Ele
disse-me: “Senhor professor, tem diante de si uma carreira bri-
lhante, reflicta antes de a sacrificar”. Respondi-lhe que não tinha
vindo discutir com ele, mas para o informar da minha decisão. E
no
momento de me despedir dele à porta do seu gabinete, prometia-
-me a lua ao dizer: “Senhor professor, repito-lhe, reflicta um
pouco
mais. Tem diante de si uma carreira! Vamos africanizar!”. Ainda
prometeu nomear-me professor na universidade, quando eu ainda
leccionava nos últimos anos do liceu. E assim nos despedimos.
Sei que se tivesse querido seguir essa via, teria recolhido os divi-
dendos, dado que, juntamente com A. Moumouni46, éramos os
pri-
meiros professores a esse nível depois de Léopold Sédar Senghor.
Mas fomos para a Guiné, a minha mulher Jacqueline e eu, e lan-
çámos a nossa carreira pela borda fora. Éramos cerca de trinta
professores, engenheiros e módicos africanos, vindos de toda a
Se nos deitamos, estamos mortos

“salvar a Guiné”, como se dizia. Era um episódio fantástico, pal-


pitante, de luta anticolonialista e pela Unidade. Recordo-me que,
antes das independências, o movimento dos jovens era poderoso,
porque tinha um objectivo: a independência. Todos nós éramos
animados por essa luta. Não tínhamos alternativa: era necessário
lutar. A elite vanguardista da juventude tinha optado sem espírito
de concessão pela “independência, já!”. Era uma opção não ne-
gociável. Isso significava que estávamos dispostos a fazer
sacrifí-
cios que, aliás, não eram considerados como tais.
Nkrumah, Aimé Césaire, Amílcar Cabral, Patrice Lumiimba47 e
Léopold S. Senghor. O que nos atraía nestes líderes era a idcolo
gia da independência, da unidade e do socialismo. Lembro inr d<
ter escrito várias vezes na revista Tam-Tam sobre Kwame Nki
iim.ili
que nessa época ainda não tinha encontrado. Um dos nieir; .11
iip >
intitulava-se: “Kwame Nkrumah, um piloto”. Está a vei, <••,•,<•
tiiuln
era já todo ele um programa. Precisamente antes de partii j»ai .1
a
No Burkina
Guiné, Faso, chamam-lhe
tinha conhecido Nkrumah, amuitas vezes
partir do lo d o M ./.
“o opositor
maniír I ! J
sempre "por se
que lhe tinha ter opostoOs
apresentado. aosmeus
diferentes regimes
encontros vigenU
com Nkmi 1 lah
*.v
ror
101.in 1 </u<
manteve
uma esta fantástica,
revelação posição durante todos estes
uma confirmação anos? político.
no plano Por que
continiu 1
a combater?
De facto, estive na oposição desde o início. Não mudei
porque
a posição colonial e neocolonial não mudaram. Depois de ter
pas-
sado um ano na Guiné-Conakry, onde ensinei no liceu enquanto
a
minha mulher era dire.ctora do colégio das raparigas, fui
nomeado
director-geral da Educação Nacional no Alto Volta. Nesse
momen-
to, expliquei a Sékou Touré que precisava de regressar 119
ao meu
país porque a luta pela independência continuavã noutros territó-
rios. Acabou por aceitar. No Alto Volta, não me revia de
- Para quando África?

;'i cabeça do Alto Volta pelas autoridades francesas. Não seguia


de
maneira nenhuma a mesma linha que nós. O seu regime era mes-
mo a antítese do que tínhamos sonhado para os países africanos.
Imlao, o MLN tornou-se clandestino em 1958 e assim permane-
cemos até 1970.
A minha escolha do estatuto de opositor não éuma escolha de
princípio ou mesmo voluntária. Não é porque nunca aceitarei
governar que recuso qualquer participação no governo. Como
par-
tido político, nós queremos, evidentemente, exercer um dia o po-
Libertação Nacional era extremamente claro e rigoroso neste as-
pecto. Era pela independência em relação aos poderes estrangei-
ros, pela unidade e por um socialismo refundado nas realidades,
nos interesses e nos valores de África. Este programa indepen-
dentista, anticolonial e antineocolonial, também progressista, vi-
sava transformar África. Queríamos fazê-la viver sobre as suas
raízes a fim de dar uma versão moderna da africanidade e uma
versão africanizada da modernidade graças ao desenvolvimento
endógeno. Creio que esta linha política é dificilmente compatível
com o tipo de regimes que tivemos sucessivamente, primeiro no
Alto Volta e depois no Burlcina Faso.
No tempo da revolução, a partir dc 1983, comi “o pão do exí-
lio” em Dacar durante nove anos. Durante todo o regime do Con-
selho Nacional da Revolução (CNR), primeiro sob Thomas San
kara, e depois, após a execução dc Thomas Snnkara, sob a Frente
Popular, fui ameaçado. < > novu) pailidí) peidou muitos »
amaiada ,
I)a Frente Populat, pav.uinos ao irgimc dito drinnt iático dr I
liar.r
CompnoM " I Ur nq_»ime loiililitia a dai cohritma a liquidai,iV-.
listras r a mantn a imptlhldadr, ia/áo ppla qual iiito podcinon
npolá lo Ao loh||o dr i > I * *> )»• a I»»dot dr^IM I UMJ atà
hnjp já
la/ maÍM d» quao nla tMtot, o qup ê ittuihr mr uio tia vida d* uni
povo
1
• •| yVilllot
• • aqui * a» á poiiihllMid*
........................
olé •• ••• t ili iiiliai * HI pn- t i
Hoi I I H Uniáo H |F HiHiUlM rOHI MHi Htl d»d| minMO» HIU |ii%
*
Se nos deitamos, estamos mortos

caso, seria uma inclusão para chegar a uma exclusão pai a t mal
mente desaparecer no xadrez político. Aliás, tivemos caso:; de
outros partidos políticos que foram “morder o isco" ao a. eiinicm
juntar-se ao governo de Blaise Compaoró. Desapareceiam qua ..
todos como partidos, nomeadamente como linha politn a a dei. n
der. Pouco a pouco, desmantelaram-nos, chamando alguns el«
mentos para cargos ministeriais, corrompendo outros e maniendo
ainda outros sob a chantagem de revelar os seus desvios
Nós não dizemos: “Quaisquer que sejam as condições, nao
pairicipare govemojT:TOâ?dcírios anula menos.
“Quaisquer que sejam as condições, estamos dispostos a partici-
par em todos os governos”. As condições são as seguintes: em
primeiro lugar, um contexto de salvação pública ou de crise a
resolver bem identificada por uma estrutura consensual; em se-
gundo lugar, compatibilidade do programa da composição deste
governo com a nossa própria linha; e, em terceiro lugar,
limitação
no tempo e delimitação das etapas com avaliações e obrigações
de resultados.
Sabemos que é muito difícil estar na oposição: trabalhamos
com os nossos próprios meios. Os nossos militantes ainda sofrem
mais do que nós. Apesar de tudo, a oposição deve sobreviver
para
que haja a esperança de uma alternativa. Como sabe, os nossos
dirigentes africanos nao se baseiam nas realidades africanas para
dirigir, mas cm “mercados” onde são objectivamente cúmplices
dc valoirs <* dc interesses minoritários ou estrangeiros. Frequen-
lrmr,
d<\ o-, ah h anos sao espoliados, o seu ambiente é destruído,
“ I" 11 "l* " ' • * * mim i ar. pieriosos sao anancados do seu solo,
' 1
• *|ti* ‘o atentados aos inteie, ses superiores dos povos.
I n ain»nM
alnm mJlrti
n i ií♦rtiul^Mtuit
d» \ . o• ?*outio
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mnitl opi» 1 qu
t Uan, em. rafgot,
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4. num m a n to s
nova
sim pl e sm en t«
ptatiftwinn t e um a MMI inttulufftii ÉM Nyit
* to... -M.I,, IHM« « i i . . . » , mtgt
Para quando África?
Se nos deitamos, estamos mortos

tildo é regulado pelo Estado, onde tudo pertence ao Estado, onde


o Estado se apodera dos bens e espolia as outras instâncias dos aviso, no caso de alguém decidir opor-se-lhes. Respondi-lhe à
outros níveis ao ponto de pôr tudo no seu próprio saco. Primeiro, minha maneira, directamente, para dizer que nunca tínhamos
isso não é eficaz economicamente, depois isso não é democrá- exer-
tico. Sou por um socialismo democrático. Infelizmente, temos de cido o poder, que tínhamos um programa, um ideal que defendía-
constatar que muitos projectos alternativos que tinham sido desen- mos sem rodeios há muitos anos. E, embora tivéssemos cometido
volvidos nos anos sessenta e setenta - a nova ordem económica erros (o que é inevitável em política), também era necessário ter
mundial, o socialismo da ujamaa30 na Tanzânia, os modelos de em conta as conquistas positivas da nossa acção.
desen- Depois disso, tentei retomar o contacto e pedi outro encontro.
volvimento socializantes nas antigas colónias portuguesas - rom- Em vão. Após os ataques públicos contra mim, foi o exílio. E foi
então que Sankara tomou a iniciativa, através de personalidades
tica: “É necessário que volte. É o seu país e ele precisa de si”.
Gostaria de saber porque se opunha Thomas Sankara ao seu
Respondi que, em princípio, não havia problema, mas no im<
partido e porque foi então ameaçado ao ponto de ter de se
diato, isso exigiria algum tempo. Sankara era um patriota suu < M
exilar.
»
Tenho a impressão de que algumas das opções do período
e desinteressado, um idealista voluntarista. Não se deu conta, .i
Sankara
tempo, de que as condições objectivas da revolução não r*.lavam
não lhe desagradavam...
Compreendo que as pessoas se preocupem com esta questão reunidas. Além disso, o contexto opunha-se à realizaçao do •.••u
porque não‘compreenderam as posições por parte do regime “re- programa.
volucionário” instaurado no Burkina Faso a partir de 1982-1983. O conceito da sociedade civil é hoje universalmente ti ti Ir
Mas creio que é necessário reflectir antes de responder a essa a
ques- do, mas em sentidos muito diferentes epor vezes opostos O ipte
tão. Muitos factos continuam camuflados ou por conhecer. Eu è certo é que o conceito da sociedade civil não pode ser <'om
não fui actor. Por outro lado, o historiador que sou não pode ex- preendido sem ser reposto no contexto social da sua génese e da
primir-se com a rapidez do jornalista. sua utilização. Do seu ponto de vista, qual é o seu signijicado
De facto, não conheci muito bem Thomas Sankara, encontrei- específico?
-o uma vez durante cerca de uma hora. Foi por ocasião do meu O conceito da sociedade civil é um conceito relacional face
regresso ao país, após a tomada do poder no dia 4 de Agosto de ao
1983. No dia a seguir à minha chegada, fui colocado em prisão Estado e designa o que não é do Estado, o que é um contra-poder
domiciliária. Assim, tomei a iniciativa de pedir um encontro com ao Estado, sem no entanto ser sistemática e estruturalmente opos-
ele. A resposta demorou. Provavelmente, isso reflectia as diferen- to ao Estado ou confundir-se com um partido político do poder ou
ças de atitude em relação a mim. Finalmente, o encontro realizou- da oposição. Na minha opinião, é necessário precisar a relação
-se no Conselho de Amizade, na presença do chefe da polícia. com o Estado, porque isso é o essencial da sociedade civil. Pode
Fiquei espantado pela liberdade das suas afirmações. Foi uma acontecer que organismos da sociedade civil estejam de acordo
troca com o Estado sobre um ponto particular e circunstancial. Sem se
de pontos de vista muito franca e directa que consistia em expli- opor a ele, encontram-se numa mesma plataforma que o Estado,
car porque tinham feito o golpe: “Nós tomámos o poder, porque mas continuam a dispor de uma independência. Creio que Georg
se tratava de libertar o nosso povo”, dizia Sankara. Era uma apre- W. Friedrich Hegcl, na sua definição de sociedade civil, insistiu
12 I
scntação da revolução do d de Agosto de 1983, bem como um
Para quando África?

muito nas relações com o Estado e na diferença em relação ao


IMado. Segundo ele, aqueles que não estão no Estado - como
funcionários e participantes do poder — pertencem obrigatoria-
mente à sociedade civil. Por sua vez, o filósofo italiano Antonio
(ii ainsci pôs o acento no poder de Estado bem como na
hegemonia
cultural que é necessária ao Estado para se perpetuar. Segundo
(ir-ainsci, para conseguir tomar o poder do Estado é
indispensável
alcançar previamente uma hegemonia cultural e ideológica. O
facto civil é a organização e a consciencialização cidadã. A partir
dade
de momento
do em que se
ser independente dodiz “cidadão”
Estado e dashásuas
uma instituições
referência a éum
o
elemento
bem público. Se organizarmos produtores de cenouras e não nos
interessarmos por mais nada, poderemos ser classificados dentro
da sociedade civil? Não concebo que os produtores de cenouras,
que não fazem mais nada a não ser produzir cenouras, sejam
mem-
bros da sociedade civil. O facto de ter um objectivo relacionado
com o bem comum parece-me constitutivo da sociedade civil.
Inclui a chefia tradicional na esfera do poder?

Sim. Actualmente, os chefes contribuem para criar esta hege-


monia de que falei há pouco. Estão não só associados, mas estrei-
tamente ligados ao Estado. Dificilmente os chefes poderiam ser
independentes. E se são independentes a título individual, não o
são como corpo. No Uuikmn laso, os chefes são classificados
como mcmhios, como icpiesenlanles da sociedade civil, da ( o
missão Eleiioial Na» lona! Independente (< I Nl) que dirige ai
rlei
çòes no nosso paU ( sluii convém (do que t íi mea i não t lai n de
moldo! li» situa los ia na • I* ia tlmlMeh i ijtt< |M t iiltl m a ideo
logíit do podí I
Se nos deitamos, estamos mortos

Poderemos imaginar uma reinvenção do político através da


sociedade civil? Qual é o futuro dos partidos nestas condirdes ’

O problema dos partidos políticos em África é muito » mu


plexo, talvez mesmo mais complexo do que nos par.. , mi.l. . >.
partidos políticos foram constituídos na base d a luta <> • t a l í l a
1 Europa, as corporações da Idade Media tinham sido substituUln'.
I pouco a pouco por partidos que datam em grande parte da Kr
volu
| ção francesa. A Revolução suprimia as corporações d e tipo
leudaj
O Bstítuif pbFgiaipõFde ideias c ãss()ciaç(K-s d e
cidadãos
Depois, estes grupos cristalizaram-se em partidos que optavam
por interesses sociais diferentes. No século XIX, os partidos ope-
rários procuraram organizar-se na base dos interesses dos operá-
rios e do marxismo O pensamento marxista insistiu na necessi-
dade de que cada classe social podia e devia estar representada
na
luta política por partidos diferentes.
\. Ora, em África não existem clivagens sociais do mesmo
género
das que existiam e existem nos países europeus. Na medida em
que não há verdadeiras indústrias, a classe operária é fraca; o nú-
$ mero de operários foi estimado em cerca de 1% da mão-de-obra
nos países africanos. Podemos colocar a questão de saber que tipo
de partidos existem em África. Em geral, organizam-se em bases
ideológicas que prevaleceram na Europa, nomeadamente durante
Nas athtv noventa, dr/nds da dt smanuhuncnta dia \< HÍallstno
a (hierra Fria. E claro que havia na época um antagonismo entre
da tipo asialinltla houve tfuent ifuteesu* lanhai na* abata da lha
os partidos de obediência marxista, por um lado, e, por outro, os
da HhhUia simultaneamente a t ontUta l este t teste e a apoia da
que optavam pela via capitalista.
[ -------- Para quando África?
uma opinião diferente. Segundo este, quando se estende ao
espaço
internacional a questão social tal como ela se coloca no
interior
dos Estados onde ontrora nasceu a esquerda, constata-se que
a
esquerda não foi até ao fim do seu caminho., cpie ela apenas
o
O que vale a ideia de esquerda ou de direita em África quando
começou ”. Na sua opinião, a diferença esquerda-direita tem
estas referências remetem para uma história social que não se
um
re-
sentido em África?
gados a estas denominações que deveriam servir de parâmetros
para uma identificação-classificação. Por um lado, para a direita,
os princípios de ordem, de disciplina, de segurança, de hierar-
quia, de nacionalismo, de prevalência do privado sobre o Estado,
da propriedade sobre o trabalho, etc. Por outro lado, a prioridade
dos trabalhadores, da igualdade sobre a liberdade, do intema-
cionalismo sobre o nacionalismo, das relações de produção sobre
a produção, da economia de mercado sobre a sociedade de mer-
cado. Mas, sobretudo, seria necessário realizar análises aprofun-
dadas das realidades africanas antes de destacar os parâmetros
que servem para identificar os partidos pelos seus programas e
pelos seus projectos de sociedade. A sigla de um partido não
basta
para o classificar, é necessário, sobretudo, ter em conta as suas
práticas. O nosso partido, o Partido para a Democracia e o Pro-
gresso/Partido Socialista (PDP./PS), depois de uma análise das
realidades, dos interesses, dos valores das categorias sociais do
nosso país, optou por um socialismo democrático que deve ser
forjado a partir das realidades africanas. Não queremos voltar a
copiar pura e simplesmente; também não queremos ser
populistas,
isto é, basear-nos unicamente no povo tal como existe.
Com a pauperização ligada aos programas de ajustamento es-
trutural, a classe média funde-se c apaga-se, deixando o terreno
livre para os extremos: os plutocratas e os miseráveis. Esta polari-
zação convida cada um a escolher o seu campo; deveria ser a ori-
gem da escolha das pessoas cm matéria política c levá-las a optar
cnlir a minoria dos aba-,lados r a cair.a do povo A burguesia em
Se nos deitamos, estamos mortos ------

África constitui, como se dizia há algum tempo, uma “burguesia


compradoreOs burgueses africanos vivem à custa da burguesia
internacional beneficiando, como saprófitas, das migalhas que
restam. Na minha opinião, mesmo quando não se é objectivamente
um pobre ou um operário, pode-se constituir uma categoria social
aliada dos pobres e decidir defender os seus interesses - enten-
dendo que os interesses de todos nós ficam dependentes da pro-
moção desse povo. Bem entendido, não podemos imitar os países
ricos do Norte que podem permitir-se uma política de redistri
'^—^—btheã^^oeiahdr-típroNcejm^sMTO^Os-qTartrdas^aciairr^lcmrT
1 cratas na Europa vivem em sociedades onde a acumulação foi
I realizada e onde as classes sociais estão a desaparecer, enquanto
estão a constituir-se em África. Não seria espantoso que, ao con
j trário, em África, tenha chegado o momento do poli 1 ico r al<* da
} política partidária.

Em África, constata-se uma baixa crescente do inU7 < v.vr7 u


7.1
política partidária, enquanto parece reforçar-se a disposição ju
mi
a mobilização pela defesa dos direitos fundamentais c da p<\ \
0,1
humana. Porquê?

Creio que há um duplo embuste por parte dos partidos no


po
der. Por um lado, houve uma tentativa de apoderar-se dc tudo,
de
pôr tudo ao serviço de um partido esmagador. Para que serve 1 1
militar num partido deste tipo? Por outro lado, a oposição
desem
penhou mal o seu papel em muitos países africanos. Muitas ve-
zes, ela não apresenta uma alternativa. Apresenta-se como um
conglomerado de interesses variados, por vezes puramente
indi-
viduais, para defender causas que não têm nada a ver com as
da
maioria da população. Quando 0 povo acaba por detectar que,
127 -----------
na
realidade, não existe um objectivo que mereça os seus
— Para quando África?
os interesses e a luta dos diferentes grupos interessados. É
através
dos partidos políticos que este debate sobre a partilha do poder,
do ter c do saber, que é o próprio centro do político, pode organi-
zai-se. A sociedade civil não visa a conquista do poder de
Estado.
Sc a deixarmos face a face com o Estado, na realidade só ficará o
Eslado. A não ser que a consciencialização pela sociedade civil
desencadeie apenas uma jaequerie, uma revolta ou uma
agitação.
I altaPoderão
uma teoriaosclaramovimentos
dos objectivossociais
e das opções estratégicas
reencontrar da
uma
mudança qualitativa na mundialização.
capacidade
de mobilização análoga à dos anos 1950-1982?

Recordo-me que um dia, quando era director-geral da Educa-


ção Nacional, um jovem do Alto Volta veio ver-me no meu gabi-
nete para me perguntar: “Como hei-de fazer para ir para
Angola?”.
Ele queria a todo o custo alistar-se ao lado daqueles que comba-
tiam contra o colonialismo português em Angola. Hoje, onde é
que se pode encontrar esta mobilização? Cada geração deve fixar
os seus objectivos. Os jovens não devem esperar que a nossa ge-
ração lhes indique o que devem fazer; não se pode fazer esse tra-
balho no seu lugar. Evidentemente, podemos dar-lhes conselhos,
bênçãos, podemos fazer com que os regimes vigentes não ofere-
çam às mulheres e aos jovens simples prebendas, pequenas pren-
das para os entreter, quer corno donas de casa, quer como crian-
ças a quem sc dá brinquedos pnia que llqucm sossegados na sua
área dc brincadeira IVvmalnicnte, considero qur vale a proa lu
tai pelo objectivo th» mlnM»»sáo ah a ma 1 m vi / dc df-isai ns
eludes de I slado apodciai » d* <lc iihjci livo da unidiub alihana
que, dc qthdqUf I tlMulo, hfto qn« i* m h nl|#*M » fida MIM IIIM
I M* I M )
IfU iUi Õill} » *' • " 1 1 ‘ • “*I■ ■ ! 1
‘ ; *»• •
*- • ! i i
I III I IIMHIU l|Mc * h li l(lMIM dl MMI IHIMHHIIÍ ^
IMUMlÉI
|l)|i fUH flli* |n indiM A UfH flHqih nhj M i M > > M i *!M | 1 , ,

# Mlllllfllk* I HMIH HHIM |*i» IMIIÍI* I \ i I


I Se nos deitamos, estamos mortos • —

do crescimento económico - há as línguas africanas a promovei,


a história a recuperar, o ambiente a salvaguardar, a nossa
imagem
no mundo a cuidar e a restaurar.
Há uma responsabilidade particular para os jovens inteirei
uai*,
da cidade em relação às camponesas e aos camponeses Não
pode esperar que o sinal venha das cidades. Mas também uBo se
deve tentar avançar sem eles, porque é sempre perigoso qutiei
substituir o povo. Quando começámos a luta pela independem ia,
éramos pequenos grupos de intelectuais. Mas nunca se deve aban
a ácfédiTái que os
nHcícé
tuais têm ipso facto uma vocação para exercer o poder em vez da
gente do povo. Convém nunca ficar isolado do resto da caravana.
Ao sair da clandestinidade, a palavra de ordem do MLN era: “Li-
gação com o povo”. Mesmo antes de sair da clandestinidade,
tínha-
mos recrutado no mundo camponês; um facto que os camponeses
de uma certa idade me recordam ainda hoje na minha aldeia. Ce-
lebram essa época que, para eles, era um momento exaltante do
militantismo. Contam-me como nos encontrávamos às 3 ou 4
horas
da manhã em aldeias distantes. Os camponeses são capazes de
compreender tudo; aderiram ao nosso movimento. Hoje,
quarenta
anos depois, são os apoios mais sólidos do nosso partido.
Por conseguinte, diria que não há que hesitar em ligar-se às
massas, evitando falar no seu lugar e pretender que se é o seu
guia. Encontrámos líderes camponeses extraordinários; aliás,
milita', vezes as mulheres são líderes excepcionais que ultrapas-
sam de longe os homens. Fim geral, são mais fiéis nos seus com-
proinissm M» smnqur haja uma vanguarda, é necessário que haja
g» nu d»» povo nr i vangu uda I la não podo a*i pura r simples
niHi!* tutelei tual, * on*Hlh||da poi quadrini diNttuadoM a dirígil
oMtfni lUiávamiii I*MIU iMg ini/adn^ & p^Mutuitidiui pniqu*1 tinha
HtHi intfM*IM#utit um «iit^ma dp (MMMI* iH** Ni t» ahdad*% M ipin i
--------- Para quando África?

Qual é o objecíivo da luta? Trata-se de conquistar o poder


político ou uma espécie de hegemonia cultural na sociedade?

Os dois, creio. A hegemonia cultural deve preparar, mais


cedo
ou mais tarde, uma forma de poder político. Isso não significa
que seja uma democracia popular, será, isso sim, uma democracia
que aceita o lugar da sociedade civil, que oferece oportunidades
na participação nas decisões, nos frutos do crescimento. Não sou
necessariamente da opinião que só o poder do povo é que conta e
^p^todosros^oajtras~sãuxonsirfemdosncx)r]^burguos^sr4v4a^mes^
mo assim sou por um poder do povo. O objectivo desta luta não é
simplesmente limitar os poderes existentes. Não basta conten-
tarmo-nos com a limitação do poder dos ditadores ou ripostar ao
regime vigente. O objectivo último e estratégico é constituir-se
para tomar o poder, sendo este acto um objectivo de etapa que
levanta mais problemas do que os que resolve. Segundo a filoso-
fia política africana, como já expliquei, é a realeza que tem o rei:
6 o poder que possui aqueles que o tomam.

No Burkina Faso, a obstinação do jornalista Norbert Zongosl


- que pagou com a vida a sua audácia — fez tremer as bases do
regime do presidente Blaise Compaoré, que se julgava solida-
mente instalado. Como interpretar o que se passa no seu país?
Quais são os aspectos transcendentes, proféticos, desta luta
con-
tra a impunidade?

Penso que o que faz do assassinato de Norbert Zongo um


acon-
tecimento histórico é que houve simultaneamente mobilização,
consciencialização e união. A partir de 3 de Janeiro de 1966,
quan-
do o presidente Maurice Yaméogo foi afastado do poder na se-
quência de um movimento de greve, nunca se conheceu uma
mobilização de tal amplitude. E o movimento de 3 de Janeiro
durou apenas alguns meses... Hoje, há uma mobilização excep-
cional que tem um carácter histórico particular no sentido em que
110
não ó uma mobilização circunstancial. Sente-se que é uma mobi-
lização por causa de um objectivo relevante. Foi desencadeada
Se nos deitamos, estamos mortos

pelo massacre de Norbert Zongo e dos seus camaradas no dia 13


de Dezembro de 1998 e desembocou numa espécie de surreição
ou de insurreição popular.
Em seguida, houve consciencialização. Anteriormente,
tinha-
-se vivido os desaparecimentos de seres humanos, de militares,
de civis, de quadros, de intelectuais, desaparecimentos que a po-
pulação sofria sem reacção, sem reflexão suficiente para se mobi-
lizar. Foi preciso este massacre para que houvesse uma tomada
de
consciência. O que é a consciência? É uma reflexão em segundo

se. É o facto de assumir acontecimentos e classificá-los não só na


ordem da compreensão intelectual, mas na ordem ética do devei
do admissível e do inadmissível, do legítimo e do ilegítimo nau
- só a legalidade, mas a legitimidade.
É por isso que os egípcios denominavam a conscicm u «»
coração”; era o coração que era pesado após a morte p o i q t i e e u u
vector da consciência. O coração era passível, tinha de pi» ,I.H
contas, de tudo o que alguém tinha sido e tinha feito dmaiih a ua
vida. Era avaliado pelo tribunal de Osíris, composto poi quau ni i
juízes. E punha-se na balança o coração de cada um eom M.i.ii, .
deusa da ordem, do equilíbrio e do direito, representada pni um ■
pena de ave. O coração devia ser tão leve do ponto de vr.i i *lo
responsabilidade como uma pena de ave. O mesmo é d i / < i <|u*
seria melhor que o coração estivesse livre de qualqiai mm* I • >
que se chamava o julgamento de Osíris após a morte b pn*u .
mente aqui que se poderia equiparar o tribunal de Osíris - mn n
combate do Colectivo das organizações democráticas de ma i -
dos partidos políticos contra a impunidade: não convém i|ti<* *»
coração do homem se torne mais pesado devido a actos qn< II.K
*
são conformes ao direito,;à ética, aos deveres, ao respeito da dig
nidade humana. De facto, hoje, pedimos o julgamento de () n i*.
para que o coração de uns e de outros seja colocado na balança;
para que se veja nesta prova quem é conforme ou não à nossa
compreensão do direito, do bem e do mal, do suportável 131 e do
insuportável, do aceitável e do inaceitável.
------ Para quando África?
Finalmente, houve união. Antes da morte de Norbert Zongo,
houve tentativas para aproximar os partidos políticos dos grupos
da sociedade civil. No entanto, todas essas tentativas fracassa-
iam. O próprio Norbert Zongo estava muito reticente face às
amálgamas entre partidos políticos e sociedade civil, classifican-
do-se a si próprio no seio da sociedade civil. Não queria mesmo
ser recuperado por um partido político. E quando o Grupo do 14
de Fevereiro (G-14), um agrupamento de partidos de oposição,
fez diligências junto das organizações da sociedade civil com o
-obj eGOvo-do-eonsthui-F-iní^espéeie-ée-fTente-
faoe^os^p^rrgcrs^de^
correntes do modo como Blaise Compaoré e seus acólitos exer-
ciam o poder, fomos confrontados com uma recusa categórica
por
parte dos grupos da sociedade civil. Disseram-nos: “Não é possí-
vel pôr em conjunto grupos de natureza tão diferente. Só pode-
mos aceitar uma coisa: a unidade de acção. Tentemos ver se há
terrenos nos quais possamos unir-nos para arrancar concessões
ao poder”. Acabámos por compreendê-los; evidentemente, tería-
mos preferido a constituição de uma frente, mas preparámo-nos
para apresentar um programa de luta no quadro de uma unidade
de acção. Subitamente, dois dias após o assassinato de Norbert
Zongo e dos seus companheiros, o Colectivo foi constituído.
Dei-
xámos de nos interrogar se se tratava de uma unidade de acção
ou
de uma frente. A união de todas as forças tornou-se uma
realidade
criada pela amplitude, pela gravidade e pela profundidade do
acon-
tecimento. O sacrifício hcróico de Norbert Zongo teve o dom de
cristalizar, como initn passe dr mágica, a união da sociedade
civil
e dos partidos políticos no Murkinn Faso sob os auspícios do ( o
lcctivo Acnnçftndnt nleotlvo c|Ur irúnc mais dr t mqu< nf i oiga
m/açôes foi um sobm*ilto iimullaiu'tiiunitr humano r t ulluml
Foi ai qm* snntlliioq tjlir u m ‘ n »» MIO • uit nt» d* tum *»•»
niih I I I » i
mento,i dr (oima o diilniíi »h * iMt• § | JÍM na»* > jndjiit M •
MMI
Se nos deitamos, estamos mortos

os seus parentes desconhecem... Aliás, em África, O lacto dr n.io


enterrar os mortos é algo de muito grave porque, no momento da
inumação dos defuntos, os africanos têm gestos, palavias <• piali
cas que são consideradas como rituais sagrados. Mas o irgunr d o
Burlcina Faso não se embaraçava com estes deveres d e t i po M M I I I I
taneamente cultural e religioso. Os mortos sem sepultura li- am
sem repouso.
Neste caso, há também o político. O próprio Norbcit Zongo
não fazia política paitidádii<nn;iS-.ao.n i:a n ■ 11 . ... (ia a nnpuur-'
dade dos crimes de sangue cometidos em série no nosso país con-
tra todos aqueles que eram opositores ao poder, tinha entrado no
centro do político. O que o levou à morte foi o seu combate para
encontrar os culpados do assassínio horroroso de David Oué-
draogo, o motorista do irmão do presidente Blaise Compaoré.
Até
esse dia, tentou-se mascarar a ligação entre os dois massacres,
mas a ligação é evidente; aliás, foi confirmada por uma comissão
internacional independente em 1999. Este género de comporta-
mentos levou à crise do Burkina Faso e destruiu a confiança dos
governados em relação aos governantes. A morte de Norbert
Zongo
foi o sinal de partida que lançou todos os compatriotas e progres-
sistas dignos desse nome deste país no mesmo grupo, sem se per-
guntarem quem fazia o quê anteriormente.
Esta mobilização, esta consciencialização e esta união
consti-
tuem um acontecimento histórico notável não só para o Burkina
I'•»■;<>, tuas paia toda a sub-região. Não conheço nenhum país
afri-
cano man ado por este tipo dr processo, l ; , videntemente, há
comba-
t e , ddl< r ii nouhos lados Foi exemplo, o modo como os jovens
do
M di condu/ihini o minha!» pela queda «lo piesidente Moussa
I laon * htnthcin foi aleadulamenle lieióli o () que ó cxh aoidmá
Mn MII Mui M IM la^o è a liya^io do inovlinenln ronha a iiupnnl
NÉII0M # HioMr hHrticd dr alynrin qu# tf Multa llPltii 4ilo
como
-------------- Para qua ndo África?

condição, corria maior perigo; não pretendia tomar o poder, que-


ria muito simplesmente exercer os direitos imprescritíveis num
Estado de direito. Foi esta a razão de viver e de morrer de
Norbert
Zongo. Na verdade, é um mártir.

Como criar um movimento a longo prazo destinado a


reapro-
priar-se da iniciativa política a fim de constmir uma nova rela-
ção de forças?

histórica, de todos os pontos de vista. Já marcou a vida política,


social e cultural do nosso país para além de todas as expectativas.
O regime de Blaise Compaoré foi desmascarado por este assassí-
nio baital, ignóbil. Tivemos a oportunidade de o denunciar em
muitos comícios. Durante anos, o regime escondia crimes impu-
nes que, pouco a pouco, foram revelados. Começou por ter medo
porque as revelações internas foram corroboradas por acusações
que vinham do exterior em matéria de participação em redes ma-
flosas de tráfico de diamantes, de ouro, de armas, etc. Tudo isso
está ligado, como se sabe. Assim, este regime é posto em causa
na
sua legitimidade, porque a legitimidade assenta na confiança e a
confiança foi-lhe retirada, em massa, e não só nas cidades. Até
nas aldeias, as pessoas estão informadas do que se passa. Por
isso,
cu pude afirmar um dia que o rei vai nu no Burkina Faso. Por
conseguinte, este regime já não é compatível com “o país dos
homens íntegros”. Mesmo que o regime não seja culpado, é res-
ponsável.
O movimento social está criado, mas a sua transformação em
acção política constitui outro problema. A questão da oposição e
da sua concepção coloca-se no Burkina Faso como em muitos
outros países africanos. É preciso saber quem é a verdadeira opo-
sição. Vimos pessoas que eram membros do Colectivo e que o
abandonaram para ir gritar com o poder. Estas acções comprome-
tem a cristalização de uma oposição capaz de alterar a relação de
forças. 134
Nas próximas eleições54, veremos se a vida e a morte he-
roicas dc Norbci ( Zongo serviram de lição para o povo burquino.
Se nos deitamos, estamos mortos

Mesmo que o povo ainda não tivesse compreendido, é certo que


se trata de um marco, de uma baliza, de uma referência na
história
deste país, e é certo que já ninguém poderá voltar atrás, é uma
situação irreversível. A morte heroica de Norbert Zongo é uma
parte decisiva e determinante da longa história do “país dos ho-
mens íntegros”.
Terminarei dizendo que o combate pelos direitos do homem
faz parte do. combate dos partidos políticos visando respeitar o
direito à vida e a dignidade humana. Lutar para que as pessoas
não
-sejan^-que-imadas^ara^ue^nãcusejamJIassadasILcoinQuSje.. fòsscn i _
peças de caça - como fizeram com David Ouédraogo ó funda
mental na luta política, porque são coisas animalescas que nao
são dignas do ser humano, a fortiori de um ser humano que pi
tende ser um “homem íntegro”. É por isso que a hipon i ria de i«
regime deve ser denunciada. Espero que o povo do Hui k ma I i ^
seja suficientemente consciente, consistente c cociente com a
suas próprias convicções para continuar esta luta sem a <|ua! n
i*>
haverá salvação. Como dizemos nos comícios seguindo a palaM •
de ordem que lancei um dia e que foi adoptada pelo (tr ••
“N’an laara, an Sara. - Se nos deitamos, estamos moitos "

135
!
i

0 desenvolvimento
não é uma corrida olímpica

UJõssò éri^e M^aísès^ NÒrtéédooiil nunca foi (ao pró


fundo. Qual é a natureza das relações entre o Norte e o Sul?
His-
toricamente, como se desenvolveu este fosso?

Penso que as relações entre a Europa e África começaram mal


e transmitiram uma herança muito pesada, que não foi exorciza-
da. Há uma espécie de pecado original cometido desde o
primeiro
encontro no século XVI e o tráfico dos negros. Por assim dizer,
com a colonização houve uma recidiva. Durante este tempo, os
europeus fizeram autodesenvolvimento, apoiando-se, é claro, na
exploração de outros povos. Em África, queriam fazer um
desen-
volvimento concedido, o que denominavam no tempo colonial
“valorização”. Este mal-entendido fundamental e estrutural
existe
há séculos. Este termo parece-me anódino e deveria suscitar de
imediato a pergunta: “Valorização para quem?”. Na realidade,
era
■i dominação c a exploração que denominavam a “valorização”.
Nio*uno
Ao IIK st* th(empo queat se
\ » IrtiH esperava
lotNf «H que os hd
africanos
ttlí | ,| t se desenvol-
‘íhH* 1" t*
s ‘ • m, u i llirs colocado um quadro gol ilha que era contrário

ao
• u MUndi <‘U!\ n|v i insulo I »i oiiii ,i. pala vi,r., deve* sc
colocar o
ma d » ! o l i^fu i NOIIP Sul na ua ha ,< Nrnfto é um diálogo
dn4Uldo9
---------Para quando África?

ceu este pólo de poder com a Líbia e o Egipto. Até ao século


XVI,
houve equilíbrios viáveis para África com o exterior. Este conti-
nente desempenhou um papel importante, sobretudo ao nível eco-
nómico, nomeadamente com o ouro do Sudão, no qual o historia-
dor francês Femand Braudel insistiu. Mas tudo ruiu a partir do
século XVI; a estagnação, o declínio e a deterioração começa-
ram. A partir desse momento, África participou no seu próprio
declínio dado que alguns grupos sociais africanos ajudaram a ex-
plorar África. No fundo, podemos interrogar-nos se não é este
~modeloê£-uegativo-que--d<3mina-o-4nundo-!iá'-quatro--séculô^o~
modelo do sistema do tráfico dos negros.

Na sua opinião, o tráfico europeu e transatlântico pode ex-


plicar a situação actual de África. Poderia aprofundar essa
ideia? A fragilização duradoura do continente e a sua coloniza-
ção pelo imperialismo europeu do século XIXtêm origem nesse
período?

íi um modelo onde existem, fora de África e em África, gru-


pos cúmplices para explorar os povos. Se analisar os arquivos dos
séculos XVII e XVIII, verá situações que se repercutem até aos
nossos dias: vê-se o navio negreiro ancorar ao largo e os estran-
geiros que vêm expatriar os seus habitantes à espera que a situa-
ção melhore entre os chefes africanos que lutam entre si para apa-
recer de novo. É exactamente o mesmo sistema, estruturalmente,
que produz aqui ou acolá, em África e noutras regiões, o mesmo
cenário relatado pelos meios de comunicação.
Isto significa que as relações entre Norte e Sul são
estabelecidas
não na base de uma oferta, mas na base de interesses e de poder.
O que se chama desenvolvimento é o autodesenvolvimento dos
países do Norte em conformidade com as realidades, os interesses
e os valores desses países. É por isso que este desenvolvimento
não se realiza nos países africanos. Será necessária uma alteração
copemiciana55, uma mudança de sentido das relações para que
haja um verdadeiro desenvolvimento. É claro que, em certos
países, 138
registou-se uma taxa de crescimento interessante, mas trata-se de
0 desenvolvimento nã o é u ma corrida olímpica ----------------------------------------------------------

crescimento sem autodesenvolvimento. É nestes termos que con-


vém colocar o problema e interrogarmo-nos se alguma vez estas
condições foram realizadas em África para um verdadeiro desen-
volvimento: um desenvolvimento que não estivesse ao serviço do
desenvolvimento de outrem. Em vez de apenas crescimento arit-
mético e estatístico, seria preciso um processo de progresso auto-
-sustentado. As árvores do crescimento não devem esconder-nos
a floresta do desenvolvimento.

-— ~7Ípó$~trSt
via permitir que os países do Terceiro Mundo se aproximassem
do
Ocidente foi considerado como um problema geral da política
dos Estados do Terceiro Mundo. Durante a Guerra Fria, con&tii
ta-se grandes similitudes entre este conceito de
desenvolvimento
de recuperação propagado pelo Ocidente e a industriali.u tem >
mio
capitalista forçada, como a praticada na ex-URSS. Qual e ,i \uo
crítica em relação ao socialismo planificado e buroerâtU o ./
antigos países do Leste? Que efeito teve este modelo de de.\envt
<1
vimento nos países do Terceiro Mundo?

Durante a Guerra Fria, alguns regimes estiveram <-


iivolv'nl«»«
com os países de Leste. Esta influência marxista sobic pura I*
leguiados pela União Soviética levou-os a dar lima impoil.m. u
demasiado grande ao Estado e ao Planeamento. Num mommi.i
em que o Estado ainda não existia verdadeiramente e cm que <>
planeamento se tomava quase impossível dado que não havia da
dos de base fiáveis, indispensáveis para planear. As condições
técnicas, sociais, políticas e por vezes diplomáticas não estavam
realizadas para que essa perspectiva de planeamento pudesse pro
duzir resultados positivos. ,
É certo que, geralmente, o Estado pós-colonial ou era um
Es-
tado neocolonial, ou era um Estado imbuído de opções ideológi-
139
cas miméticas em relação ao modelo estalinista de tipo soviético
ou maoísta. Estes modelos eram totalmente deslocados nos
países
africanos, demasiado afastados das condições que prevaleciam
— Para quando África?

produção em superstraturas enormes cujas mais-valias iam cair no


bolso de uma nomenklcituro56. Fui a Moscovo durante o período
pós-cstalinista. Fiquei horrorizado ao ver que não havia proprie-
dade, que toda a gente era de facto usufrutuária. Até os pequenos
serviços de cabeleireiro pertenciam ao Estado, até aqueles que
serviam nos restaurantes eram funcionários do Estado. Era uma
loucura! Penso que é um excesso invivável. Nem mesmo o regime
czarista era tão autocrático. A experiência mostrou que isso não é
eficaz, que isso não é produtivo. Além disso, não é democrático,
há tantos controladores’
como produtores.
Países como a Argélia, que se tinham lançado na via da
indús-
tria pesada, tinham muitos trunfos à partida. Mas as populações
saíram frustradas porque, em contrapartida, não foi obtida nenhu-
ma acumulação. Além disso, no interior das unidades de produ-
ção burocratizadas, foram suprimidos os incentivos para os traba-
lhadores. A gestão burocrática e administrativa transferida para o
quadro das grandes unidades como os complexos petrolíferos ou
para as pequenas explorações agrícolas não era adequada ao lan-
çamento do desenvolvimento nos países africanos.

O desenvolvimento è um termo que serve parei tudo. É


frequen-
temente utilizado na linguagem corrente como absolutamente
óbvio. Tacitamente parte se do princípio de que o desenvolvi
,

mento conduz da base da est ida pina o alto, Qual e a sua princi-
pal critica à ideia europehi da desenvolvimento *

' ' " I ' l i m ' ’ » » ! « ! I I n I 1H I I I | f l | . I J M l H l V I í ! I I * < * I I V I * I \


1

Micilto 11li UilÇHtlfi |»i,|im ilMlMl» HlMi Ntl |*»!i|ll» ||M VMIMÍM* *1
prtliiVh! nld f* IlHtt * 11111*• =* «!* •* M\ M | M I H IhiiHMH
tlll ii fll»ilã * A |»ftUv M iilll Mlilp • MMIM Ml i itltMA I * M» HVÍIIHMIP
lllrtill# i I ||i { Í | M HI M t M U|() M I H H HÍHH M * Ull MM - M)j»t

HHIM* Hl. IIMIM *•* Í*MI IMIIM M HOm»ÍM i n i Í M I 4I M I H M H

ètmmÚÊQ&à Mt* i
]
0 desenvolvimento não é uma corrida olímpica

entendido, toda a gente procura um desenvolvimento a título m


dividual e colectivo. Por exemplo, na minha língua malcrna (o
san) quando se saúda alguém, diz-se: “Que Deus junte alguma
coisa ao que temos!”. É um desejo muito comum que indn .1 que . 1
\ noção de acumulação, de adição de bens, existe na tiadiç.ío
aíii
cana, mas não exactamente no sentido capitalista. Aposta .«• •,»
m
pre em mais coisas.
A principal crítica da ideia europeia do desenvolvimento é . 1
pergunta: acumulação para quem? Pode-se afirmar que a mão
in-
’ viáivHdòmêrcaaF^ pI i mo pa 1 a
todos e para cada um, mas não é verdade. Há sacrificados. Se
não
queremos que o crescimento seja cego, podemos procurar
respon-
der a esta questão fundamental. Qualquer crescimento capitalista
produz ricos e pobres. Como remediar isso de maneira
preventiva
ou curativa? Assim, no plano ideológico, podemos colocar a
ques-
tão da validade deste paradigma de desenvolvimento que signi-
. fica simplesmente 0 crescimento e a acumulação aritmética,
física,
de bens e serviços. Supõe-se que o objectivo estratégico último é
já conhecido. Reduz-se o projecto de sociedade a um projecto
económico. E de reducionismo em reducionismo, acaba-se por
reduzir o desenvolvimento à taxa de crescimento e ao ganho rea-
lizado ao nível
t’i*o hojM Si da balança
tuo* ceitil comercial
Mi» ilvtM* e daPIIIbalança de pagamentos.
IMMII pah Iqtme PUIIM
o§ HIHM do mundo.
Hoje, os dirigentes M * M§HIHconvidam
ocidentais I ou* nloi de Metcde*
África du como
a fazer
cies. todo
titM* MasH se
dia oAumundo
MM MMMinteiro
tempo pfizesse como os
--MU# IMOMMM americanos,
d« fi«nt« e d* o
ccossistema planetário romper-sc-ia devido ao sobreconsumo de
energia Propor este modelo ó um embuste, ó um discurso menti-
I M M ) Sabemos que os países do Sul nunc a poderão
aproximar-se
d" * pai * J mdusli lah a d o , No entanto, continua se a dizei
“Apio
^Mn* 1 1 1 »A *I* mW I «1111 t omo núi!" l o m o o ermo do
Ituikma
-------------- Para qua ndo África?

Isto mostra que o que se chama desenvolvimento deve ser revisto


e corrigido. Caso contrário, é não só um embuste, mas uma
fraude.
Felizmente, a maioria das populações africanas não compreende
o que se passa! Caso contrário, haveria revoltas permanentemente.
Os limites do absurdo e o seu carácter estrutural provocariam ex-
plosões em série.
Em suma, diria que a ideia europeia do desenvolvimento aca-
ba por cair numa espécie de casino planetário. Será esse o objec-
tivo do espírito humano? Será que o espírito humano se pôs em
"TirçãtrparrmverrtaiTpar^
tando-se de um verdadeiro desenvolvimento, seria necessário
colocá-lo em termos alternativos, não em termos repetitivos e
miméticos. Há coisas que estão, que devem estar, acima e fora do
mercado. Cabe aos africanos descobrir, inventar novos
paradigmas
para a sua própria sociedade. Actualmente, estarão os países do
Sul em condições de mudar de cartas? Conseguirão estes países
operar uma síntese que lhes permita conservar o melhor de si pró-
prios e integrar o melhor do que lhes chega do exterior? Há ra-
zões para dizer sim, como há razões muito mais fortes para dizer
não. Há esforços em certos países, como a China e a índia, para
combinar o crescimento económico com o desenvolvimento
cultu-
ral proveniente das profundezas da sua própria história ao longo
de
milénios.

Estes sistemas tradicionais poderão sobreviver? O certo é


que
a dinâmica da mundialização continua a favorecer o estabeleci-
mento de uma “cultura mundial uniformizada A ameaça da
homo-
geneização é bem real Será inelutável?

É a pergunta que eu faço. Evidentemente, para países tão con-


sistentes do ponto de vista demográfico, económico, cultural e
religioso como a índia, podemos esperar que tenham o peso
---- -- 142
neces-
sário para salvaguardar o seu ser no mundo. No entanto, a influên-
cia da economia de mercado é de tal modo poderosa que a sua
capacidade nociva em relação às culturas autóctones é fantástica.
Na minha pcrspectiva, este problema constitui um objectivo para
0 desenvolvimento nã o é u ma corrida o límpica -----------------------------------------------------------

toda a humanidade. Trata-se de saber se haverá uma erosão das


culturas locais até à erradicação, ou se vamos “deixar florir cem
flores”. Mas ninguém pode ter ideias preconcebidas sobre o futu-
ro. Não podemos antecipar e dizer que todo o planeta ficará sub-
metido a uma “peneplanície” de culturas por clonagem generali-
zada, reproduzindo pura e simplesmente a cultura dominante. De
qualquer modo, considero que se todas as culturas tivessem de
ser alinhadas pela do Texas, seria uma perda irremediável para os
próprios texanos: deixaria de ser possível o enriquecimento. A
clo-
^agem^uituFaTé-o4im-4ar^vúfeâção^^—-—~------------------------------------
Assim, regressando ao desenvolvimento: é necessário defini
-lo, saber em que consiste, o que se quer. As relações Norte Sul
podem desempenhar um papel para rectificar as noções que m
volvem e mascaram como numa ganga o paradigma do drsmv<>|
vimento.

Pode-se conceber uma outra forma de integração das vnrn


dades humanas num conjunto que as ultrapasse do mesmo
tem fu •

que as valoriza? Qual poderia ser a contribuição de J/'rie<i '

E preciso que o Norte tenha bom senso e modéstia suluimi*


para compreender que pode aprender alguma coisa com os pai-
<
do Sul. Na realidade, ajuventude dos países do Norte compn - u
de-o em certos domínios. Muitos vêm a África procurai aljjm <
jm*
lhes falta e para preencher um défice cultural dentro do seu m<
»< l< •
de vida. Mas a confrontação das culturas entre Norte e Sul «• tal
que os detentores da cultura ocidental não concebem que
possam
aprender alguma coisa de essencial com os países pobres: no ma
ximo, não um suplemento da alma, mas de folclore e também dc
boa consciência.
África ofereceu, desde há séculos, muitos elementos que a
civi- ✓ 143 -----------
lização ocidental captou e integrou. São pouco conhecidos ou
são
desconhecidos e deduz-se que não existem. A música, a dança e
as artes africanas foram reconhecidas como dignas de ser uma
------------- Para qua ndo África?

uma arte da alteridade, da abertura aos outros que QS europeus


não encontram nos seus países. Lamento que as bases desta cultu-
ra africana estejam prestes a apagar-se. De tempos a tempos, tive-
mos algumas luzes individuais que brilharam na noite como fa-
róis ou estrelas dos pastores, como o historiador Amadou
Hampâté
Bâ57, por exemplo. Mas quantos deixámos morrer? Talvez milha-
res, estruturalmente amordaçados, não tenham podido falar. É um
apocalipse em ritmo lento, uma perda enorme para a humanidade.
Em África, temos a sorte de ter culturas muito fragmentadas e
‘divèrsificadas! Tfnlrarhós sòciedadesTeclTadas sbbfe éi ri^
Beneficiaram de uma tolerância suficiente para não serem erradi-
cadas no quadro de grandes conjuntos simplificadores. Hoje, são
culturas frágeis, porque não estão baseadas na escrita. A sua ri-
queza não foi armazenada em documentos fiáveis e duradouros,
embora sejam susceptíveis de se apagar sem deixar vestígios.
Infelizmente, a maior parte dos dirigentes africanos estão
con-
vencidos de que não há grande coisa a tirar da cultura africana..
Lançam-se perdidamente nos valores ocidentais. Nestas condi-
ções, o papel da política deveria consistir em fixar objectivos es-
tratégicos e em orquestrar o conjunto da produção cultural no
quadro de um projecto que se alimenta a partir das próprias fontes
africanas, mas na condição de as refundar sobre bases materiais e
logísticas sólidas no quadro de uma economia industrial que per-
mita a sua reprodução. É necessário infra-estruturar as nossas
cultu-
ras para as perenizar. O djembé58 não basta, tal como o
McDonald’s
não basta para afirmar e difundir a cultura americana.

Face a esta erosão cultural, crê que há um perigo na


tentação
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0 desenvolvimento não é uma corrida olímpica

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Mas nada nos diz que um dia, quando as frustrações forem
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tivo deve ser não uma amálgama informe dc rc ;posta\ pau MI
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um mundo solidário e responsável.
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dades do Sul: por um lado, a escolha da inserção internacional,
incondicional, com o papel preponderante do Banco Mundial e
do FMI; por outro lado, a tentação de se fechar. Na minha opi-
nião, o problema não é que as relações sejam mais estreitas ou
não, é a natureza profunda destas relações. Na realidade, não te-
mos possibilidade de escolha. Estamos mergulhados no mundo
ao nível das televisões, das rádios, dos computadores, da
Internet.
Não temos a possibilidade de nos desligarmos. Não temos a
liber-
dade de nos libertarmos. Não temos a liberdade de sermos não
alinhados. Nenhum de nós é verdadeiramente independente
desta
carga irresistível que cai dos países industrializados e nos
entrava
através das grilhetas da produção e do consumo.
A erosão lenta mas segura das culturas africanas saldar-se-á
por um enfarte civilizacional definitivo, por um encefalograma
raso? Vivemos hoje a “crónica de uma morte anunciada” das
cul-
turas africanas? Na minha opinião, a curto prazo, trata-se mais
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de mimiSidoí HijwéHli n * *#♦»!<
erosão. Mas nem toda a esperança está perdida. As culturas estão
suficientcmentr armadas, internamente, para resistir às agressões
mais dolela ias Ivslão protegidas pela sua própria pobreza, que as
impede dc mil na ala nação adocicada do consumo dos bens cul-
------------- Para qua ndo África?

víduos c das colectividades. A Revolução Francesa, por exemplo,


contém fermentos que nunca estão totalmente esgotados; cada
geração de franceses poderá reinterpretá-los para o seu uso pes-
soal. Veja-se o que se passou nos Estados Unidos ou no Brasil
com a diáspora negra: é fantástico. Ao longo dos séculos, fez-se
tudo para esmagar os negros a fim de que não pudessem recons-
tituir-se. Apesar de todas as violências e de todos os ardis,
preser-
varam a mensagem da sua cultura.

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relações entre a Europa e África?

Há três modelos: o primeiro é instalar-se nas relações de tipo


negreiro, com lacaios negros, mantidos, domesticados, manipu-
lados pelo lucro das potências externas. Os negreiros de hoje já
não são as empresas artesanais que outrora percorriam os mares.
São potências planetárias que mantêm um sistema de corrupção e
dc rendimento muito mais total do que no tempo dos negreiros.
Mas, tal como nessa época, mantém-se um discurso de “boa
cons-
ciência”: “Se os negros não têm alma, podemos submetê-los sem
preocupações. Se têm uma alma, o tráfico impõe-se para os con-
verter e salvar. Em qualquer dos casos, não há nada a criticar!”.
O mesmo tipo de “boa consciência” existe hoje sob a forma da
“ingerência humanitária”. O segundo modelo é o prolongamento
da tendência actual. Salda-se por revoltas crónicas como na
Idade
Média. É a continuação do modelo aristocrático em que o
campo-
nês - hoje o Sul - levava o clero e a nobreza às costas. De tempos
a tempos, podia haver erupções sociais que seriam dominadas a
qualquer custo (veja-se a Colômbia, a Bolívia, o Chile, a
Argenti-
na, Chiapas, etc.). Na minha opinião, seria,uma catástrofe que
todas as energias humanas fossem consagradas principalmente a
apagar os incêndios ateados pelos “condenados da terra”. O ter-
------- 146
ceiro modelo é o pós-económico: é sair do economismo
neoliberal
para ir para um modelo humanista de desenvolvimento planetá-
rio. Neste modelo, os valores terão o seu lugar e poder-se-ia jun-
tar a eles tudo o que há de mais suculento, de mais requintado, de
0 desenvolvimento nã o é u ma corrida olímpica ---------------------------------------------------------

mais humano em todas as culturas do mundo, transcendendo o


economismo actual. Será que somos capazes de dar este salto para
o desconhecido para atingir os objectivos estratégicos inéditos?
Nomeadamente, a acumulação deixaria de se fazer
exclusivamente
na ordem dos bens materiais, para se fazer também na ordem dos
elos sociais. Será isto possível? Resposta: será isto necessário?
Ou mudamos ou morremos.

O Terceiro Mundo era portador de esperança nos anos cin-


^uei^tajQuandQdm2çamQSMniJ^Uxcu^scd)nuxmmidajleJiqf^p(a:guii ......
tamos: onde está o eixo de um mundo novo a favor da igualdade
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Quem são os portadores de esperança? Quais são as forças \o
ciais que podem fazer progredir a causa da “libertação do Tct
ceiro Mundo ”?

O Ocidente tinha seguido dois paradigmas principais . 1 MU i


dade e a igualdade. Quantas guerras, quantas sublevaçoe*. pHa
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luta fantástica para assegurar um mínimo de igualdade I |> u i
ultrapassar a má utilização da liberdade apregoada pela l'< \<-lu
ção de 1789, houve a vontade do povo de exigir um pai i
cada ser humano. Estas ideias foram defendidas por vai ias i ■ ■
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luções, nomeadamente a Revolução de 1917, na Rússia
Hoje, tudo se passa como se o padrão da igualdade tivesse
d< i
parecido. A igualdade já não tem padrão a Leste. Nacpoea, a I
Iman
Soviética e a China eram consideradas, na minha opinião criada
mente, como portadoras da bandeira da igualdade, enquanto
que
o Ocidente se apresentava como guardião da liberdade. A partii
do momento em que a União Soviética desapareceu da cena e
que
a China se virou para o capitalismo, quem é o protagonista da
igualdade? É um problema no mundo de hoje, porque 147o valor
da
igualdade parece-me tão importante como o valor da liberdade.
São as duas faces de uma mesma moeda.
Em suma, há uma espécie de vazio; falta um porta-
estandarte
— Para quando África?

duplo: África foi esvaziada da sua substância; ora, o que lhe trou-
xeram também está vazio. Pergunto-me se as futuras gerações
ainda poderão apoiar-se nos restos das culturas africanas. O que
virão a ser os jovens que foram privados destes valores? A soli-
dariedade social tão cara aos africanos contém uma das respostas.
Quanto à sociedade civil, que parece ser a intermediária entre es-
tas duas frentes, tudo depende da sua organização e da sua orien-
tação, isto é, do seu estatuto e da sua legitimidade como força
independente não estatal, não partidária, advogada do povo sem
15rocufarmMiímen^
Estado, ao privado capitalista, aos senhores da guerra, a socieda-
de civil africana tem diante de si tarefas esmagadoras mas exal-
tantes.

Poderão as Igrejas ou aqueles que fazem referência à teolo-


gia da libertação desempenhar esse papel?

As Igrejas já não desempenham o mesmo papel que na Idade


Média ou mesmo em períodos mais recentes. A laicização do
mundo implicou a diminuição da influência das Igrejas. A posi-
ção do papa João Paulo II é ambivalente. Em certos aspectos, é
progressista e muito crítico em relação ao mundo dc hoje. Sente-
-se que é um apelo por um mundo diferente, que não aposte uni-
camente em “toda a liberdade”.
No plano da vida sexual, o papa parece opor uma barreira á
libertação da pessoa humana Mas não sc trata dc lacto do mesmo
combate? A procura dc “Ioda a IibcidadrM cm mat< na .* «mal < i
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defensável? tJurslAn tcitlvel ijiit se i♦ Im HUI » ♦ mu \ vida, » mu »
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I)H Éatla um *
0 desenvolvimento não é uma corrida olímpica

uma terra. Por conseguinte, os postulados do proletariado africano


são muito menos radicais do que os dos campesinos latino a m e i i
canos que se batem para ter uma parcela de terra para cultivai
Depois, a colonização em África amoleceu os espíritos c cnoti
uma hegemonia cultural que preparou os espíritos para uma e s p e
cie de submissão, de demissão muito maior do que nos p n i s e . d a
América Latina.

A partir das independências.


parte dos Estados africanos foram incapazes de melhorar as con-
dições de vida das populações mais pobres. Que explicações
pode
dar sobre este estado de coisas?
Não devemos espantar-nos por não ter havido, de forma estru-
tural, uma melhoria das condições de vida, porque as condições
desta melhoria não estavam reunidas. Se se tivesse colocado cor-
rectamente o problema desde o princípio,’ter-se-ia sabido que há
condições prévias ao desenvolvimento. Creio que, à partida, em
qualquer programa de desenvolvimento em África, é necessário
distinguir duas noções diferentes: os meios e as condições. É evi-
dente que quando nos consagramos unicamente à procura de
meios, perdemos dc vista as condições de base fundamentais sem
as quais os meios, por maiores que sejam, não podem desenca-
deai o mecanismo do desenvolvimento, Distinguirei três condi-
või i paia um veidadeno desenvolvimento a primeira condição ó
o espaço ati h anu d* desenvolvimento I IA um espaço económico
MIIMIIMII « MI o qual iiuiii a hrtveiltf desenvolvimento lundamenlnl
nos tiHMMft |MI=?» Í Nrti» tiã hitiiio JMIHI A f i h a fhi n il«t
liileyirtçSo a
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* MiuIlvIiV ^
MMAHPUlf iL todo M po* tq
------ Para quando África?
víduos e das colecti vidades. A Revolução Francesa, por
exemplo,
contém fermentos que nunca estão totalmente esgotados; cada
geração de franceses poderá reinterpretá-los para o seu uso pes-
soal. Veja-se o que se passou nos Estados Unidos ou no Brasil
com a diáspora negra: é fantástico. Ao longo dos séculos, fez-se
tudo para esmagar os negros a fim de que não pudessem recons-
tituir-se. Apesar de todas as violências e de todos os ardis, preser-
varam a mensagem da sua cultura.

relações entre a Europa e África?

Há três modelos: o primeiro é instalar-se nas relações de tipo


negreiro, com lacaios negros, mantidos, domesticados, manipu-
lados pelo lucro das potências externas. Os negreiros de hoje já
não são as empresas artesanais que outrora percorriam os mares.
São potências planetárias que mantêm um sistema de corrupção e
de rendimento muito mais total do que no tempo dos negreiros.
Mas, tal como nessa época, mantém-se um discurso de “boa
cons-
ciência”: “Se os negros não têm alma, podemos submetê-los sem
preocupações. Se têm uma alma, o tráfico impõe-se para os con-
verter e salvar. Em qualquer dos casos, não há nada a criticar!”.
O mesmo tipo de “boa consciência” existe hoje sob a forma da
“ingerência humanitária”. O segundo modelo é o prolongamento
da tendência actual. Salda-se por revoltas crónicas como na Idade
Média. É a continuação do modelo aristocrático em que o campo-
nês - hoje o Sul - levava o clero e a nobreza às costas. De tempos
a tempos, podia haver erupções sociais que seriam dominadas a
qualquer custo (veja-se a Colômbia, a Bolívia, o Chile, a Argenti-
na, Chiapas, etc.). Na minha opinião, seria uma catástrofe que
todas as energias humanas fossem consagradas principalmente a
apagar os incêndios ateados pelos “condenados da terra”. O ter-
ceiro modelo é o pós-económico: é sair do economismo
neoliberal
para ir para um modelo humanista de desenvolvimento planetá-
rio. Neste
146modelo, os valores terão o seu lugar e poder-se-ia jun-
tar a eles tudo o que há dc mais suculento, de mais requintado, de
0 desenvolvimento na o é u ma corrida olímpica ---------------------------------------------------------

mais humano em todas as culturas do mundo, transcendendo o


economismo actual. Será que somos capazes de dar este salto para
o desconhecido para atingir os objectivos estratégicos inéditos?
Nomeadamente, a acumulação deixaria de se fazer
exclusivamente
na ordem dos bens materiais, para se fazer também na ordem dos
elos sociais. Será isto possível? Resposta: será isto necessário?
Ou mudamos ou morremos.
O Terceiro Mundo era portador de esperança nos anos cin-
^queíUa^QuandaJmzçaniQSMnuolhaj^sQbjxuijmuidajieJiqp^.peLgu
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tamos: onde está o eixo de um mundo novo a favor da
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Quem são os portadores de esperança? Quais são as forças vo
ciais que podem fazer progredir a causa da “libertação do ler
ceiroOMundo
Ocidente ”? tinha seguido dois paradigmas principais: a libn
dade e a igualdade. Quantas guerras, quantas sublevações p< h
liberdade e pelá igualdade! A Revolução de 1848 em França foi
iim.i
luta fantástica para assegurar um mínimo de igualdade. E pm.t
ultrapassar a má utilização da liberdade apregoada pela Revolu
cão de 1789, houve a vontade do povo de exigir um mínimo pai
a
cada ser humano. Estas ideias foram defendidas por várias revo-
luções, nomeadamente a Revolução de 1917, na Rússia.
Hoje, tudo se passa como se o padrão da igualdade tivesse
desa-
parecido. A igualdade já não tem padrão a Leste. Na época, a
União
Soviética e a China eram consideradas, na minha opinião
errada-
mente, como portadoras da bandeira da igualdade, enquanto que
o Ocidente se apresentava como guardião da liberdade. A partir
do momento em que a União Soviética desapareceu da cena e
que
a China se virou para o capitalismo, quem é o protagonista da
igualdade? E um problema no mundo de hoje, porque 147o valor da
igualdade parece-me tão importante como o valor da liberdade.
São as duas faces de uma mesma moeda.
-------------Para qua ndo África?

uma arte da alíeridade, da abertura aos outros que QS europeus


não encontram nos seus países. Lamento que as bases desta cultu-
ra africana estejam prestes a apagar-se. De tempos a tempos, tive-
mos algumas luzes individuais que brilharam na noite como fa-
róis ou estrelas dos pastores, como o historiador Amadou
Hampâté
Bâ57, por exemplo. Mas quantos deixámos morrer? Talvez milha-
res, estruturalmente amordaçados, não tenham podido falar. É um
apocalipse em ritmo lento, uma perda enorme para a humanidade.
Em África, temos a sorte de ter culturas muito fragmentadas e
lii versificadas? sóciedadesTeclTadas1 sòbre' éi
mesmas!
Beneficiaram de uma tolerância suficiente para não serem erradi-
cadas no quadro de grandes conjuntos simplificadores. Hoje, são
culturas frágeis, porque não estão baseadas na escrita. A sua ri-
queza não foi armazenada em documentos fiáveis e duradouros,
embora sejam susceptíveis de se apagar sem deixar vestígios.
Infelizmente, a maior parte dos dirigentes africanos estão
con-
vencidos de que não há grande coisa a tirar da cultura africana..
Lançam-se perdidamente nos valores ocidentais. Nestas condi-
ções, o papel da política deveria consistir em fixar objectivos es-
tratégicos e em orquestrar o conjunto da produção cultural no
quadro de um projecto que se alimenta a partir das próprias
fontes
africanas, mas na condição de as refundar sobre bases materiais e
logísticas sólidas no quadro de uma economia industrial que per-
mita a sua reprodução. E necessário infra-estrutnrar as nossas
cultu-
ras para as perenizar. O djembé58 não basta, tal como o
McDonald’s
não basta para afirmar e difundir a cultura americana.

Face a esta erosão cultural, crê que há um perigo na


tentação
de recuo para o passado com uma certa atracção pelas ideolo-
gias identitárias? Como evoluirá a relação entre Norte e Sul?
Tor- 144
nar-se-á mais estreita no decurso das próximas décadas?

Sim. Também há um reflexo identitário de recuo para o


0 desenvolvimento não é uma corrida olímpica ■

Sara dc cair em semelhantes derivas cultnralistas ou integristas.


Mas nada nos diz que um dia, quando as frustrações forem muito
graves e a pauperização for mais profunda, não haja reacções
deste
tipo. Para evitar tais degradações, pelo menos a reflexão pelos
intelectuais e a proposta de soluções positivas impõem-se como
tarefas prioritárias do século XXI em África. Um projecto coice
tivo deve ser não uma amálgama informe de respostas parciais,
mas um conjunto orgânico e vivo: um projecto para África, para
um mundo solidário e responsável.
,
*’’^DTOTteiTdt^ ameaçam esquartejar as^'õclc^
dades do Sul: por um lado, a escolha da inserção internacional,
incondicional, com o papel preponderante do Banco Mundial e
do FMI; por outro lado, a tentação de se fechar. Na minha opi-
nião, o problema não é que as relações sejam mais estreitas ou
não, é a natureza profunda destas relações. Na realidade, não te-
mos possibilidade de escolha. Estamos mergulhados no mundo
ao nível das televisões, das rádios, dos computadores, da Internet.
Não temos a possibilidade de nos desligarmos. Não temos a liber
dade de nos libertarmos. Não temos a liberdade de sermos nao
alinhados. Nenhum de nós é verdadeiramente independente desla
carga irresistível que cai dos paises industrializados e nos entrava
através das grilhetas da produção e do consumo.
A erosão lenta mas segura das culturas africanas saldar-se-á
por um enfarte civilizacional definitivo, por um encefalograma
raso? Vivemos hoje a “crónica de uma morte anunciada” das cul-
turas africanas? Na minha opinião, a curto prazo, trata-se mais de
erosão. Mas nem toda a esperança está perdida. As culturas estão
sufícientemente armadas, intemamente, para resistir às agressões
mais deletérias. Estão protegidas pela sua própria pobreza, que as
impede de cair na alienação adocicada do consumo dos bens cul-
turais do Norte por défice de solvabilidade.
Se não houver uma luta de autodefesa permanente, é evidente
que a relação entre Norte e Sul se saldará por uma deterioração
muito grave e talvez mortal para as culturas. Há nas culturas uma
virtude vital que faz com que, mesmo mil anos depois, possam
ser encontrados elementos ainda exploráveis para a vida dos mdi
145
-------------- Para quando África?

Isto mostra que o que se chama desenvolvimento deve ser revisto


e corrigido. Caso contrário, é não só um embuste, mas uma
fraude.
Felizmente, a maioria das populações africanas não compreende
o que se passa! Caso contrário, haveria revoltas
permanentemente.
Os limites do absurdo e o seu carácter estrutural provocariam ex-
plosões em série.
Em suma, diria que a ideia europeia do desenvolvimento aca-
ba por cair numa espécie de casino planetário. Será esse o objec-
tivo do espírito humano? Será que o espírito humano se pôs em
~TCUçttrpar3rinventai7pfflTrdiegaradstx^
tando-se de um verdadeiro desenvolvimento, seria necessário
colocá-lo em termos alternativos, não em termos repetitivos e
miméticos. Há coisas que estão, que devem estar, acima e fora do
mercado. Cabe aos africanos descobrir, inventar novos
paradigmas
para a sua própria sociedade. Actualmente, estarão os países do
Sul em condições de mudar de cartas? Conseguirão estes países
operar uma síntese que lhes permita conservar o melhor de si pró-
prios e integrar o melhor do que lhes chega do exterior? Há ra-
zões para dizer sim, como há razões muito mais fortes para dizer
não. Há esforços em certos países, como a China e a índia, para
combinar o crescimento económico com o desenvolvimento
cultu-
ral proveniente das profundezas da sua própria história ao longo
de
milénios.

Estes sistemas tradicionais poderão sobreviver? O certo é


que
a dinâmica da mundialização continua a favorecer o estabeleci-
mento de uma “cultura mundial uniformizada A ameaça da
homo-
geneização é bem real. Será inelutável?

E a pergunta que eu faço. Evidentemente, para países tão con-


sistentes
-------- 142
do ponto de vista demográfico, económico, cultural e
religioso como a índia, podemos esperar que tenham o peso
neces-
0 desenvolvimento nã o é u ma corrida olímpica ----------------------------------------------------------

toda a humanidade. Trata-se de saber se haverá uma erosão das


culturas locais até à erradicação, ou se vamos “deixar florir cem
flores”. Mas ninguém pode ter ideias preconcebidas sobre o futu-
ro. Não podemos antecipar e dizer que todo o planeta ficará sub-
metido a uma “peneplanície” de culturas por clonagem generali-
zada, reproduzindo pura e simplesmente a cultura dominante. De
qualquer modo, considero que se todas as culturas tivessem de
ser alinhadas pela do Texas, seria uma perda irremediável para os
próprios texanos: deixaria de ser possível o enriquecimento. A
clo-
^iagem~euftumTé~e4inv4âr04VÍ4izâÇâo^-——— ------------------
Assim, regressando ao desenvolvimento: é necessário defini
-lo, saber em que consiste, o que se quer. As relações Norte Sul
podem desempenhar um papel para rectificar as noções que rn
volvem e mascaram como numa ganga o paradigma do descnvnl
vimento.

Pode-se conceber uma outra forma de integração das sane


dades humanas num conjunto que as ultrapasse do mesmo
tempo
que as valoriza? Qual poderia ser a contribuição de África?

É preciso que o Norte tenha bom senso e modéstia suficientes


para compreender que pode aprender alguma coisa com os países
do Sul. Na realidade, a juventude dos países do Norte compreen-
de-o em certos domínios. Muitos vêm a África procurar algo que
lhes falta e para preencher um défice cultural dentro do seu modo
de vida. Mas a confrontação das culturas entre Norte e Sul é tal
que os detentores da cultura ocidental não concebem que possam
aprender alguma coisa de essencial com os países pobres: no má-
ximo, não um suplemento da alma, mas de folclore e também de
boa consciência.
África ofereceu, desde há séculos, muitos elementos que a
civi-
lização ocidental captou e integrou. São pouco conhecidos ou são
desconhecidos e deduz-se que não existem. A música, a dança e
as artes africanas foram reconhecidas como dignas de ser uma
fonte de inspiração. A arte ocidental foi profundamente143 influen-
ciada. Há uma arte de viver africana, uma arte da solidariedade,
-------------- Para quando África?

produção em superstraturas enormes cujas mais-valias iam cair no


bolso de uma nomenklotura5(\ Fui a Moscovo durante o período
pós-estalinista. Fiquei horrorizado ao ver que não havia proprie-
dade, que toda a gente era de facto usufrutuária. Até os pequenos
serviços de cabeleireiro pertenciam ao Estado, até aqueles que
serviam nos restaurantes eram funcionários do Estado. Era uma
loucura! Penso que é um excesso invivável. Nem mesmo o regime
czarista era tão autocrático. A experiência mostrou que isso não é
eficaz, que isso não é produtivo. Além disso, não é democrático,
firÁcíonariá,' há tantos controladores
como produtores.
Países como a Argélia, que se tinham lançado na via da
indús-
tria pesada, tinham muitos trunfos à partida. Mas as populações
saíram frustradas porque, em contrapartida, não foi obtida nenhu-
ma acumulação. Além disso, no interior das unidades de produ-
ção burocratizadas, foram suprimidos os incentivos para os traba-
lhadores. A gestão burocrática e administrativa transferida para o
quadro das grandes unidades como os complexos petrolíferos ou
para as pequenas explorações agrícolas não era adequada ao lan-
çamento do desenvolvimento nos países africanos.

O desenvolvimento é um termo que serve para tudo. E


frequen-
temente utilizado na linguagem corrente como absolutamente
óbvio. Tacitamente, parte-se do princípio de que o desenvolvi-
mento conduz da base da escala para o alto. Qual é a sua princi-
pal crítica à ideia europeia do desenvolvimento?

Depois da Segunda Guerra Mundial, a palavra “desenvolvi-


mento” foi lançada pelos americanos. No tempo de Voltaire, a
palavra não existia. Gomo se diz “desenvolvimento” nas línguas
africanas? A palavra não existe como tal; a ideia existe, evidente-
mente. O desenvolvimento, concebido como um fenómeno endó-
geno, encontra-se por todo o mundo. Pode-se aproximar o termo
“desenvolvimento” e a ideia de acumulação. Mas é necessário
compreender a acumulação na sua totalidade como um bloco in-
tegiado tanto em bens e serviços como em valores sociais. Assim
140
0 desenvolvimento não é uma corrida olímpi( .1
entendido, toda a gente procura um desenvolvimento . 1 titulo m
dividual e colectivo. Por exemplo, na minha língua in.no u , <..
san) quando se saúda alguém, diz-se: “Que Deu . junt* .1 11 mui
coisa ao que temos!”. É um desejo muito comunique in< IM I * 1 *
■. 1

noção de acumulação, de adição de bens, existe na ti.idh io . 1 h I


cana, mas não exactamente no sentido capitalista Aposta a .nu
pre em mais coisas.
A principal crítica da ideia europeia do desenvolvimento < 1
pergunta: acumulação para quem? Pode-se afirmar que a mão m
'viáfvelddmercado âissegura o crésH^ mo para
todos e para cada um, mas não é verdade. Há sacrificados. Se não
queremos que o crescimento seja cego, podemos procurar respon-
der a esta questão fundamental. Qualquer crescimento capitalista
produz ricos e pobres. Como remediar isso de maneira preventiva
ou curativa? Assim, no plano ideológico, podemos colocar a ques-
tão da validade deste paradigma de desenvolvimento que signi-
fica simplesmente Q crescimento e a acumulação aritmética, física,
de bens e serviços. Supõe-se que o objectivo estratégico último é
já conhecido. Reduz-se o projecto de sociedade a um projecto
económico. E de reducionismo em reducionismo, acaba-se por
reduzir 0 desenvolvimento à taxa de crescimento e ao ganho rea-
lizado ao nível da balança comercial e da balança de pagamentos.
Hoje, os dirigentes ocidentais convidam África a fazer como
eles. Mas se o mundo inteiro fizesse como os americanos, o
ecossistema planetário romper-se-ia devido ao sobreconsumo de
energia. Propor este modelo é um embuste, é um discurso menti-
roso. Sabemos que os países do Sul nunca poderão aproximar-se
dos países industrializados. No entanto, continua-se a dizer:
“Apro-
ximem-se de nós! Façam como nós!”. Tomo o caso do Burkina
Faso hoje. Vemos cenas incríveis: embora este país figure entre
os mais pobres do mundo, há engarrafamentos de Mercedes du-
rante todo 0 dia. Ao mesmo tempo, pessoas morrem de fome e de
todos os tipos de doenças. É certo que o aumento de pneumopatius
em Uagadugu tem algo a ver com o aumento da poluição piovo
cado pela extensão dos mercados de ptodulos rmop* m* d» OMIM
da mão em África (veículos, meditam» nUn, mujia u nM » »l * * •
>
--------------Para qua ndo África?

ceu este pólo de poder com a Líbia e o Egipto. Até ao século XVI,
houve equilíbrios viáveis para África com o exterior. Este conti-
nente desempenhou um papel importante, sobretudo ao nível eco-
nómico, nomeadamente com o ouro do Sudão, no qual o historia-
dor francês Femand Braudel insistiu. Mas tudo ruiu a partir do
século XVI; a estagnação, o declínio e a deterioração começa-
ram. A partir desse momento, África participou no seu próprio
declínio dado que alguns grupos sociais africanos ajudaram a ex-
plorar África. No fundo, podemos interrogar-nos se não é este
--medekA

modelo do sistema do tráfico dos negros.

Na sua opinião, o tráfico europeu e transatlântico pode ex-


plicar a situação actual de África. Poderia aprofundar essa
ideia? A fragilização duradoura do continente e a sua coloniza-
ção pelo imperialismo europeu do sécidoXIXtêm origem nesse
período?

É um modelo onde existem, fora de África e em África, gru-


pos cúmplices para explorar os povos. Se analisar os arquivos dos
séculos XVII e XVIII, verá situações que se repercutem até aos
nossos dias: vê-se o navio negreiro ancorar ao largo e os estran-
geiros que vêm expatriar os seus habitantes à espera que a situa-
ção melhore entre os chefes africanos que lutam entre si para apa-
recer de novo. É exactamente o mesmo sistema, estruturalmente,
que produz aqui ou acolá, em África e noutras regiões, o mesmo
cenário relatado pelos meios de comunicação.
Isto significa que as relações entre Norte e Sul são
estabelecidas
não na base de uma oferta, mas na base de interesses e de poder.
O que se chama desenvolvimento é o autodesenvolvimento dos
países do Norte em conformidade com as realidades, os interesses
e os valores desses países. E por isso que este desenvolvimento
não se realiza nos países africanos. Será necessária uma alteração
coperniciana55, uma mudança de sentido das relações para que
haja um verdadeiro desenvolvimento. E claro que, em certos
países,
I V J M .I OII se itni;i laxa de crescimento interessante, mas trata-se de
0 desenvolvimento nã o é u ma corrida olímpica ----------------------------------------------------------

crescimento sem autodesenvolvimento. É nestes termos que con-


vém colocar o problema e interrogarmo-nos se alguma vez estas
condições foram realizadas em África para um verdadeiro desen-
volvimento: um desenvolvimento que não estivesse ao serviço do
desenvolvimento de outrem. Em vez de apenas crescimento arit-
mético e estatístico, seria preciso um processo de progresso auto-
-sustentado. As árvores do crescimento não devem esconder-nos
a floresta do desenvolvimento.

via permitir que os países do Terceiro Mundo se aproximassem


do
Ocidente foi considerado como um problema geral da política
dos Estados do Terceiro Mundo. Durante a Guerra Fria, consta
ta-se grandes similitudes entre este conceito de
desenvolvimento
de recuperação propagado pelo Ocidente e a industrialização mio

capitalista forçada, como a praticada na ex-URSS. Qual c a sua


crítica em relação ao socialismo planificado e huroaâtn o *lo\

antigos países do Leste? Que efeito teve este modelo de


</<‘\et m»/ a Guerra Fria, alguns regimes estiveram envolvido .
Durante
vimento
com nos países
os países do Terceiro
de Leste. Mundo? marxista sobre pai:.» .
Esta influência
i<
leguiados pela União Soviética levou-os a dar uma impoiláru ia
demasiado grande ao Estado e ao Planeamento. Num mommio
em que o Estado ainda não existia verdadeiramente c em qu< <»
planeamento se tomava quase impossível dado que não havia da
dos de base fiáveis, indispensáveis para planear. As condiçnc.
técnicas, sociais, políticas e por vezes diplomáticas não estavam
realizadas para que essa perspectiva de planeamento pudesse
pro-
duzir resultados positivos. ,
É certo que, geralmente, o Estado pós-colonial ou era um
Es-
tado neocolonial, ou era um Estado imbuído de opções ideológi-
cas miméticas em relação ao modelo estalinista de tipo soviético
ou maoísta. Estes modelos eram totalmente deslocados 139 nos
países
africanos, demasiado afastados das condições que prevaleciam
------- Para quando África?

produção em superstmturas enormes cujas mais-valias iam cair no


bolso de uma nomenklatura56. Fui a Moscovo durante o período
pós-cstalinista. Fiquei horrorizado ao ver que não havia proprie-
dade, que toda a gente era de facto usufrutuária. Até os pequenos
serviços de cabeleireiro pertenciam ao Estado, até aqueles que
serviam nos restaurantes eram funcionários do Estado. Era uma
loucura! Penso que é um excesso invivável. Nem mesmo o regime
czarista era tão autocrático. A experiência mostrou que isso não é
eficaz, que isso não é produtivo. Além disso, não é democrático,
.. há tantos controladores?
como produtores.
Países como a Argélia, que se tinham lançado na via da
indús-
tria pesada, tinham muitos trunfos à partida. Mas as populações
saíram frustradas porque, em contrapartida, não foi obtida nenhu-
ma acumulação. Além disso, no interior das unidades de produ-
ção burocratizadas, foram suprimidos os incentivos para os traba-
lhadores. A gestão burocrática e administrativa transferida para o
quadro das grandes unidades como os complexos petrolíferos ou
para as pequenas explorações agrícolas não era adequada ao lan-
çamento do desenvolvimento nos países africanos.

O desenvolvimento é um termo que serve para tudo. É


frequen-
temente utilizado na linguagem corrente como absolutamente
óbvio. Tacitamente parte-se do princípio de que o desenvolvi-
,

mento conduz da base da escalei para o alto. Qual é a sua princi-


pal critica à ideia europeia do desenvolvimento?

Depois da Segunda (iimiu Mundial, a palavra "dr.envolvi


mento" Iui lançada pelu.* anifih aiim Nn irntpn de Volfaiie, a
palaviu nflo f MMIn • niu»i «lu ‘«I* »* IIVMIVÍMIPIIIU UM* língua s
iflIfiMii? A palavia ml MIIIM (aí 11 ! i» nn
IIIPIIIP < > ilPuriíviilvhiiPHii^ ntnm um I* MHIHHIM * Hdo
y» UOj HM Mlllti |Hlt IIHIO tí MHIMIIM ISMI M

» i it ninnlavln (fi niâ * = > Í $ IM UIII M $ to


f*tfl hH*f e 1*1 V l^nt Mllim Pil! t If f#ti
MM
I

0 desenvolvimento não é uma corrida olímpica

entendido, toda a gente procura um desenvolvimento a título in


dividual e colectivo. Por exemplo, na minha língua materna (o
san) quando se saúda alguém, diz-se: “Que Deus junte ale,uma
coisa ao que temos!”. É um desejo muito comum que indica qtir a
j noção de acumulação, de adição de bens, existe na tradição ali i
cana, mas não exactamente no sentido capitalista. Aposia .*• m
j pre em mais coisas.
A principal crítica da ideia europeia do desenvolvimento r a
pergunta: acumulação para quem? Pode-se afirmar que a m;Io m
f™ visível do méícãdolilSê èconoíma)7)]ánno para
j todos e para cada um, mas não é verdade. Há sacrificados. Se não
queremos que o crescimento seja cego, podemos procurar
respon-
der a esta questão fundamental. Qualquer crescimento capitalista
produz ricos e pobres. Como remediar isso de maneira
preventiva
ou curativa? Assim, no plano ideológico, podemos colocar a
ques-
tão da validade deste paradigma de desenvolvimento que signi-
. fica simplesmente o crescimento e a acumulação aritmética,
física,
de bens e serviços. Supõe-se que o objectivo estratégico último é
já conhecido. Reduz-se o projecto de sociedade a um projecto
económico. E de reducionismo em reducionismo, acaba-se por
reduzir o desenvolvimento à taxa de crescimento e ao ganho rea-
lizado ao nível da balança comercial e da balança de
pagamentos.
Hoje, os dirigentes ocidentais convidam África a fazer como
eles. Mas se o mundo inteiro fizesse como os americanos, o
ecossistema planetário romper-se-ia devido ao sobreconsumo de
energia. Propor este modelo ó um embuste, ó um discurso
menti-
mso Sabemos
MM« 0*9 M|«O« que
d d*osM|países
* Ã * *tio
tioSul
i|tatnunca poderão
O AOOI-HIO têtiaproximar-se
pte «IMS I ItM
do * pil.es indusli lali/.idos No entanto,
* o) I ^§4flogO I «o «tgo i * «o MM M nootolo i continua se a di/cr
»“Apio-
idu MtM* 4- d ihH ■ *d — d f | f f í i
HMin in «0 d* nrtut I «pitu i muo nos!” Intuo o caso do
liurkmu
I *190 1)0(i1 Veiuoi t diM 11li ilVfMn eniboia e^te pai* llyuie enlie
M*i Otftli JIMIMPÍ do OtOodt*, I\h MliyAItfllHOM Uto^ do M HIIM du
MHIP lodo H dia Ao oo 40io teoipo, p» #Í?MÉ« OIOÍIHO d** looie de
--------------- Para qua ndo África?

Isto mostra que o que se chama desenvolvimento deve ser revisto


e corrigido. Caso contrário, é não só um embuste, mas uma
fraude.
Felizmente, a maioria das populações africanas não compreende
o que se passa! Caso contrário, haveria revoltas
permanentemente.
Os limites do absurdo e o seu carácter estrutural provocariam ex-
plosões em série.
Em suma, diria que a ideia europeia do desenvolvimento aca-
ba por cair numa espécie de casino planetário. Será esse o objec-
tivo do espírito humano? Será que o espírito humano se pôs em
~TK^ãnrp3rrinveHtTrrrpm'3xhe
tando-se de um verdadeiro desenvolvimento, seria necessário
colocá-lo em termos alternativos, não em termos repetitivos e
miméticos. Há coisas que estão, que devem estar, acima e fora do
mercado. Cabe aos africanos descobrir, inventar novos
paradigmas
para a sua própria sociedade. Actualmente, estarão os países do
Sul em condições de mudar de cartas? Conseguirão estes países
operar uma síntese que lhes permita conservar o melhor de si pró-
prios e integrar o melhor do que lhes chega do exterior? Há ra-
zões para dizer sim, como há razões muito mais fortes para dizer
não. Há esforços em certos países, como a China e a índia, para
combinar o crescimento económico com o desenvolvimento
cultu-
ral proveniente das profundezas da sua própria história ao longo
de
milénios.

Estes sistemas tradicionais poderão sobreviver? O certo é


que
a dinâmica da mundialização continua a favorecer o estabeleci-
mento de uma "cultura mundial uniformizada A ameaça da
homo-
geneização é bem real. Será inelutável?

É a pergunta que eu faço. Evidentemente, para países tão con-


sistentes
— do ponto de vista demográfico, económico, cultural e
142
religioso como a índia, podemos esperar que tenham o peso
0 desenvolvimento nã o é u ma corrida olímpica ----------------------------------------------------------

toda a humanidade. Trata-se de saber se haverá uma erosão das


culturas locais até à erradicação, ou se vamos “deixar florir cem
flores”. Mas ninguém pode ter ideias preconcebidas sobre o futu-
ro. Não podemos antecipar e dizer que todo o planeta ficará sub-
metido a uma “peneplanície” de culturas por clonagem generali-
zada, reproduzindo pura e simplesmente a cultura dominante. De
qualquer modo, considero que se todas as culturas tivessem de
ser alinhadas pela do Texas, seria uma perda irremediável para os
próprios texanos: deixaria de ser possível o enriquecimento. A
clo-
^agem^^tnmhé-^fína-dar-civlhzação^ --------*------ —------ -----------
Assim, regressando ao desenvolvimento: é necessário defini -
-lo, saber em que consiste, o que se quer. As relações Norte-Sul
podem desempenhar um papel para rectificar as noções que en
volvem e mascaram como numa ganga o paradigma do desenvol
vimento.

Pode-se conceber uma outra forma de integração das sot n


dades humanas num conjunto que as ultrapasse ao mesmo
temp< >
que as valoriza? Qual poderia ser a contribuição de ÀJriea ’

É preciso que o Norte tenha bom senso e modéstia


suficiente*,
para compreender que pode aprender alguma coisa com os paíse*.
do Sul. Na realidade, a juventude dos países do Norte coinprmi
de-o em certos domínios. Muitos vêm a África procurar algo que
lhes falta e para preencher um défice cultural dentro do seu modo
de vida. Mas a confrontação das culturas entre Norte e Sul ó tal
que os detentores da cultura ocidental não concebem que possam
aprender alguma coisa de essencial com os países pobres: no má-
ximo, não um suplemento da alma, mas de folclore e também de
boa consciência.
África ofereceu, desde há séculos, muitos elementos que a
civi-
lização ocidental captou e integrou. São pouco conhecidos ou
são
desconhecidos e deduz-se que/ não existem. A música,143 a dança e
as artes africanas foram reconhecidas como dignas de ser uma
------- Para quando África?
uma arte da alíeridade, da abertura aos outros que QS europeus
não encontram nos seus países. Lamento que as bases desta
cultu-
ra africana estejam prestes a apagar-se. De tempos a tempos,
tive-
mos algumas luzes individuais que brilharam na noite como fa-
róis ou estrelas dos pastores, como o historiador Amadou
Hampâté
Bâ57, por exemplo. Mas quantos deixámos morrer? Talvez milha-
res, estruturalmente amordaçados, não tenham podido falar. É
um
apocalipse em ritmo lento, uma perda enonne para a humanidade.
Em África, temos a sorte de ter culturas muito fragmentadas e
TiíveTsilIca3ã<rTíiMm^
Beneficiaram de uma tolerância suficiente para não serem erradi-
cadas no quadro de grandes conjuntos simplificadores. Hoje, são
culturas frágeis, porque não estão baseadas na escrita. A sua ri-
queza não foi armazenada em documentos fiáveis e duradouros,
embora sejam susceptíveis de se apagar sem deixar vestígios.
Infelizmente, a maior parte dos dirigentes africanos estão
con-
vencidos de que não há grande coisa a tirar da cultura africana..
Lançam-se perdidamente nos valores ocidentais. Nestas condi-
ções, o papel da política deveria consistir em fixar objectivos es-
tratégicos e em orquestrar o conjunto da produção cultural no
quadro de um projecto que se alimenta a partir das próprias
fontes
africanas, mas na condição de as refundar sobre bases materiais e
/'i/i t* ti t \hi ehuuhi i iilhêttil, IT4 HA utn fatigo fui tetihiçilo
logísticas sólidas no quadro de uma economia industrial que per-
HÍ fHÈNÊ $BÊêÊÊmê MM HMH i * tt*i u*«, /u Ln /»/#
mita a sua reprodução, li necessário infra-estruturaras nossas
M/M
cultu-
($Í0HtttAPktãf »* r\ ohid ti ti / f /iii t/i) t nif v Nut 10 0 Sul1 i\u
ras
h d f i fpara
f l M Uas
t h pcrcniziir. t Uiljembá**
i h i M M<t f i> I u i i h i f / U f nfio
U U U Ubasta,
I t f é t t u tal
l i í * *como o
Md)onald's
ulo basta para altimai c difumlii a cultura americana
0 desenvolvimento não é uma corrida olímpica -

Sara dc cair em semelhantes derivas culturalistas ou integrisias


Mas nada nos diz que um dia, quando as frustrações forem muito
graves e a pauperização formais profunda, não haja rcacçõcs
deste
tipo. Para evitar tais degradações, pelo menos a reflexão pelo*,
intelectuais e a proposta de soluções positivas impõem se mino
tarefas prioritárias do século XXI em África. Um projccto colei
tivo deve ser não uma amálgama informe de respostas pare lais,
mas um conjunto orgânico e vivo: um projccto para Áft ica, para
um mundo solidário e responsável.
esquaTl^fiT; i :; soeie
dades do Sul: por um lado, a escolha da inserção internacional,
incondicional, com o papel preponderante do Banco Mundial e
do FMI; por outro lado, a tentação de se fechar. Na minha opi-
nião, o problema não é que as relações sejam mais estreitas ou
não, é a natureza profunda destas relações. Na realidade, não te-
mos possibilidade de escolha. Estamos mergulhados no mundo
ao nível das televisões, das rádios, dos computadores, da Internet.
Não temos a possibilidade de nos desligarmos. Não temos a liber-
dade de nos libertarmos. Não temos a liberdade de sermos não
alinhados. Nenhum de nós é verdadeiramente independente desta
carga irresistível que cai dos países industrializados e nos entrava
através das grilhetas da produção e do consumo.
A erosão lenta mas segura das culturas africanas saldar-se-á
por um enfarte civilizacional definitivo, por um encefalograma
raso? Vivemos hoje a “crónica de uma morte anunciada” das cul-
turas africanas? Na minha opinião, a curto prazo, trata-se mais de
erosão Mas nrm toda a esperança está perdida. As culturas estão
sul a ientiftieutf aunadas, mtemamrnte, paia leuMír ás agressões
mais drlHrt l a s I Mão pinhyldas pala sua piópi ia polue/rt, qup a s
impí dn # Ii t hl M » *!« .. . I• # adm h ida
dl« I MM 01)10 doí 11| ii | . n!
tuiali do NMIIP pof diMlt H dt* lo|vaMIldadp
------- Para quando África?
víduos e das colectividades. A Revolução Francesa, por
exemplo,
contém fermentos que nunca estão totalmente esgotados; cada
geração de franceses poderá reinterpretá-los para o seu uso pes-
soal. Veja-se o que se passou nos Estados Unidos ou no Brasil
com a diáspora negra: é fantástico. Ao longo dos séculos, fez-se
tudo para esmagar os negros a fim de que não pudessem recons-
tituir-se. Apesar de todas as violências e de todos os ardis,
preser-
varam a mensagem da sua cultura.

—Nvstas^oTrdiçõesr^Gmo-evohi&ãe^nãis^spe&fie&m&nt&ras
---------- —

relações entre a Europa e África?

Há três modelos: o primeiro é instalar-se nas relações de


tipo
negreiro, com lacaios negros, mantidos, domesticados, manipu-
lados pelo lucro das potências externas. Os negreiros de hoje já
não são as empresas artesanais que outrora percorriam os mares.
São potências planetárias que mantêm um sistema de corrupção
e
de rendimento muito mais total do que no tempo dos negreiros.
Mas, tal como nessa época, mantém-se um discurso de “boa
cons-
ciência”: “Se os negros não têm alma, podemos submetê-los sem
preocupações. Se têm uma alma, o tráfico impõe-se para os con-
verter e salvar. Em qualquer dos casos, não há nada a criticar!”.
O mesmo tipo de “boa consciência” existe hoje sob a forma da
“ingerência humanitária”. O segundo modelo é o prolongamento
da tendência actual. Salda-se por revoltas crónicas como na
Idade
Média. É a continuação do modelo aristocrático em que o
campo-
nês - hoje o Sul - levava o clero e a nobreza às costas. De
tempos
a tempos, podia haver erupções sociais que seriam dominadas a
qualquer custo (veja-se a Colômbia, a Bolívia, o Chile, a
Argenti-
na, Chiapas, etc.). Na minha opinião, seria uma catástrofe que
todas as energias humanas fossem consagradas principalmente a
apagar os incêndios ateados pelos “condenados da terra”. O ter-
0 desenvolviment o nã o é u ma corrida olímpica ----------------------------------------------------------

mais humano em todas as culturas do mundo, transcendendo o


economismo actual. Será que somos capazes de dar este salto
para
o desconhecido para atingir os objectivos estratégicos inéditos?
Nomeadamente, a acumulação deixaria de se fazer
exclusivamente
na ordem dos bens materiais, para se fazer também na ordem dos
elos sociais. Será isto possível? Resposta: será isto necessário?
Ou mudamos ou morremos.

O Terceiro Mundo era portador de esperança nos anos cin-


-~quenta^QuattdadançamQSMmurtha]zsQbixuumM2dajieJ2ú&pet:guii=~
tamos: onde está o eixo de um mundo novo a favor da
igualdade?
Quem são os portadores de esperança? Quais são as forças so-
ciais que podem fazer progredir a causa da (ilibertação do Ter-
ceiro Mundo ”?

O Ocidente tinha seguido dois paradigmas principais: a libcr


dade e a igualdade. Quantas guerras, quantas sublevações pela
liberdade epelá igualdade! A Revolução de 1848 cm Fiança foi
uma
luta fantástica para assegurar um mínimo dc igualdade l; paia
ultrapassar a má utilização da liberdade apregoada pela l‘* \ olu
ção de 1789, houve a vontade do povo de exigir um mínimo p.uu
cada ser humano. Estas ideias foram defendidas por vái u . i<•
v«»
luções, nomeadamente a Revolução de 1917, na Rússia
Hoje, tudo se passa como se o padrão da igualdade tivesse
d< a
parecido. A igualdade já não tem padrão a Leste. Na época, a I
lm.n*
Soviética e a China eram consideradas, na minha opinião muda
mente, como portadoras da bandeira da igualdade, enquanto qur
o Ocidente se apresentava como guardião da liberdade. A partii
do momento em que a União Soviética desapareceu da cena c
que
147
a China se virou para o capitalismo, quem é o protagonista da
igualdade? É um problema no mundo de hoje, porque o valor
da
------- Para quando África?

duplo: África foi esvaziada da sua substância; ora, o que lhe


trou-
xeram também está vazio. Pergunto-me se as futuras gerações
ainda poderão apoiar-se nos restos das culturas africanas. O que
virão a ser os jovens que foram privados destes valores? A soli-
dariedade social tão cara aos africanos contém uma das
respostas.
Quanto à sociedade civil, que parece ser a intermediária entre es-
tas duas frentes, tudo depende da sua organização e da sua orien-
tação, isto é, do seu estatuto e da sua legitimidade como força
independente não estatal, não partidária, advogada do povo sem
procuílfmstmffi
Estado, ao privado capitalista, aos senhores da guerra, a socieda-
de civil africana tem diante de si tarefas esmagadoras mas exal-
tantes.

Poderão as Igrejas ou aqueles que fazem referência à


teolo-
gia da libertação desempenhar esse papel?

As Igrejas já não desempenham o mesmo papel que na Idade


Média ou mesmo em períodos mais recentes. A laicização do
mundo implicou a diminuição da influência das Igrejas. A posi-
ção do papa João Paulo II é ambivalente. Em certos aspectos, é
progressista e muito crítico em relação ao mundo de hoje. Sente-
-se que é um apelo por um mundo diferente, que não aposte uni-
camente cm “toda a liberdade”.
No plano da vida sexual, o papa parece opor uma barreira â
libei (ação da pessoa humana Mas não sc trata de facto do mesmo
combato? A procuia dts “toda a liberdade" rm matri in sexual sria
defensável? QueslHo terrível que se ndanona eotu a vida, nun a
di inogiafia o t oni o ueyuml* pmii Ipío o sexo humano níto deve
*if i poMo no mt o ado ao iiMiiiii titulo que o piexetVfttlvo Mas
■ * domínio, i|UfMit gMiitlftiA o« ymm1
d* t ada liiii *
A ^olo^ia da IINHMVÃM ti H IMM ímp ii m muito (imitado MM
Am» •*, |MIM> HM | ». - 1'MM» •*> i » ti«*itt
0 desenvolvimento não é uma corrida olímpica

uma terra. Por conseguinte, os postulados do proletariado africano


são muito menos radicais do que os dos campesinos latino amei i
canos que se batem para ter uma parcela de terra para cultivai
Depois, a colonização em África amoleceu os espíritos v criou
uma hegemonia cultural que preparou os espíritos para uma <-\pc
cie de submissão, de demissão muito maior do que nos países da
América Latina.

A partir
parte das inc africanos foram incapazes de melhorar as
dos Estados
con-
dições de vida das populações mais pobres. Que explicações
pode
dar sobre este estado de coisas?
Não devemos espantar-nos por não ter havido, de forma
estru-
tural, uma melhoria das condições de vida, porque as condições
desta melhoria não estavam reunidas. Se se tivesse colocado
cor-
rectamente o problema desde o princípio,’ter-se-ia sabido que

condições prévias ao desenvolvimento. Creio que, à partida, em
qualquer programa de desenvolvimento em África, é necessário
distinguir duas noções diferentes: os meios e as condições. É
evi-
dente que quando nos consagramos unicamente à procura de
meios, perdemos de vista as condições de base fundamentais
sem
as quais os meios, por maiores que sejam, não podem desenca-
dear o mecanismo do desenvolvimento. Distinguirei três condi-
voes para um
A MpunM HHMIverdadeiro desenvolvimento:
ÍVÃM è a f. n>» >. í,. j. imattcMttfa »|
primeira condição
P IMIIM M IM
é
In* I M H II I M á »ilii* A^Ãil» h I* a patlit tlãi t HHt|tH«ÍFti n*
o espaço ah icnno de desenvolvimento. I lá um espaço
t|itn||atla§
t*** Í¥HIHÇIH anlHiMl ifcif pMVMf êttt moí I
económico rti
mínimo sem o qual II.nunca
qMiMlMNiMtmmM I* J»|iÍPhaveria desenvolvimento
^H!.| I- .,Á,n f 4

fundamental
nnq nmsoti pirites Nflo há lutuio pau Alii» a fora da integraçflo
a
tmlmi tm nlveii, m< hmive nu inveMIgaçSo cimtilh a
------------ Para qua ndo África?

A terceira condição de um desenvolvimento real é a


democra-
cia de base, ao nível dos municípios, das colectividades locais,
mas
também das associações, dos grupos socioeconómicos. O desen-
volvimento só pode fazer-se nestas condições. Se estas condições
tivessem sido reunidas, África teria podido encontrar o seu cami-
nho rapidamente.
A crítica da ajuda internacional não é nova. No início dos
anos setenta, Tibor Mende59 já descrevia a ajuda externa nestes
ermõs: Y'A ajuda eStrãngeirà é ã Wilã ãlHXrfffifrisr
Quando está em flor, é bastante agradável pela sua forma e
cor.
Com o tempo, torna-se uma planta com picos, da qual apenas
uma pequena parte é comestível”. Recentemente, diversos
estu-
dos do Club du Sahel60 revelaram também as principais fraque-
zas da cooperação internacional A crítica expressa incide no
facto
de a ajuda conduzir a uma maior dependência e criar uma men-
talidade de assistido. Além disso, estaria submetida às vicissitu-
des das correntes na moda, acompanhadas por condicionalismos
particularmente duros. Que juízo faz sobre a ajuda ao desenvol-
vimento? Crê que para
A cooperação ela pode melhorar a situação
o desenvolvimento já não édos países
o que era. em

vias de desenvolvimento?
muitos Quais podem
desencantos e decepções ser os
das duas efeitos
partes. Osda ajuda?
povos dos
países ditos subdesenvolvidos sofreram as mais graves conse-
quências, dado que registam os efeitos de uma pauperização real.
Podemos representar esta pauperização pela curva dos preços das
matérias-primas que se mantém estagnada enquanto o preço dos
produtos manufacturados aumenta de forma exponencial. A culpa
é de quem? E claro que os afro-pessimistas sobrecarregam os afri-
canos com toda a espécie de acusações. Por sua vez, os africanos
acusam o Norte e os antigos países colonizadores. Resultado: já
não se espera verdadeiramente que os países africanos arranquem
um dia. Então, para ter uma certa tranquilidade de consciência,
dá-sc alguns apoios sob a forma de ajuda que se subordina a
condi-
cionalismos
150 Hem :r forçou os países africanos a entrar em certos
0 desenvolvimento nã o é u ma corrida olímpica -----------------------------------------------------------

“coletes de força” para chegar ao desenvolvimento - mas não se


passa nada, a maionese não ganha consistência! Em vez de se
procurar compreender, meteu-se na cabeça que há condições úni-
cas para todo o mundo: os países africanos devem repetir o itine-
rário estereotipado dos países ocidentais.
A cooperação internacional não poderá endireitar a situação.
A ajuda internacional instalou-se em formas muito repreensíveis,
ou mesmo criminosas, dado que, por vezes, é abandonada a gru-
pos maflosos. Tanto ao nível da ajuda como ao nível do comércio,
mãoTrá^ersperaTOandenque-a^ffiea-semianteiúia-s-obre-os-^etis-pr'
prios pés e possa realmente falar de igual para igual com os gi-
gantes do mundo. É uma ideia fixa acreditar que tudo se encontra
no mercado, incluindo o desenvolvimento. A fórmula bem conhe-
cida “Not aid but trade” esconde o facto de que as condições não
61

são as mesmas para todos os países; não há verdadeiros jogos, há


muito anti-jogo neste mercado mundial.

As organizações não governamentais (ONG) impõem se cada


vez mais como actores nas relações internacionais A sua < 'apai /
dade de mobilização das opiniões e, sobre alguns assuntas. d<
arrastar os governos fá-los aparecer como novos actores da di
plomacia. A ajuda ao desenvolvimento é o sector em (pie a
//.//>./
lho das ONG ê há mais tempo reconhecido pelos poderes púhh
cos ocidentais. As ONG representam uma alternativa <) e<><
>/>< > ,i
ção Sim
bilateral?
e não. As organizações da sociedade civil poderiam
de-
sempenhar um papel importante, sobretudo em alguns países
que
não têm tradição de dominação e de exploração. Mas, muitas
v<
zes, a sua posição é ambígua. Muitas delas estão dependeules
da
opinião pública dos países ricos. Outras ficam agarradas a situa
ções de urgência e algumas desejariam que estas situações
duras- 151
sem o mais possível, porque lhes permitem fazer a sua
publicidade
-------------- Para qua ndo África?

mobilizar meios. Não é o que se passa com todas as ONG, mas



algumas que se especializam de tal maneira na catástrofe que,
por
assim dizer, acabam por viver disso. Por outras palavras, as
orga-
nizações não governamentais têm muitas coisas a censurar-se.
No
entanto, esta forma de ajuda deveria ser a do futuro, muito mais
do que a proveniente dos países industrializados que são, como
disse De Gaulle, “monstros frios”.
Em resumo, estamos confrontados com um dilema muito gra-
ve: por um lado, os países africanos não se organizam para jogar
elii'Situação' de igualdade no' mercado mundial; por oiitro
lado’,r
muitos deles instalam-se na ajuda que não traz um desenvolvi-
mento sustentável, tanto mais que desenvolve mentalidades de
assistidos ou mesmo de mendigos. Muitos responsáveis políticos
parecem dizer que, de qualquer maneira, haverá um acréscimo
de
farinha ou de leite em pó provenientes de qualquer parte. Ora,
nunca se estabeleceu a prosperidade nem a dignidade de um país
sobre a indústria da compaixão.

Desde o fim da Guerra Fria, a concessão de ajuda da coope-


ração internacional está ligada à condição do respeito, pelo
país
“beneficiário ”, dos direitos humanos e dos princípios gerais
da
democracia e da economia de mercado. Que pensa destes con-
dicionalismos?

Hm primeiro lugar, a Cooperação internacional deveria deixar


dr consagrai regimes africanos autoritários enviando observado
res i|iir se di/em iinitiou Um provérbio africano di/ que “é quem
se delta na nitrira que Balir que tipo de pulga há na esteira’* Vindo
do esteiliM pieglsautPIlte poi um petiodo de ohaeiva^áo, náo «g
p!. MI PMíMit ial t ts O I ISPI vadotes isltatigeltos m r >
quando i lipgant na véspeia ou na anMv^ipHfa d§H P|HVÕ*Í, |4 tudo

Hloo^nto do * HiinilM da- ||M4# ÍHI HMM da tMilfr» i ÍH


da tu lai I m s M H d * - s. t«*
0 desenvolvimento não é uma corrida olímpica

ticos importantes, é certo, mas são puramente formais c podem


muito bem ser combinados com regimes autocráticos ou ditatoi i
ais que se servem deles como álibis.
Um dos condicionalismos deveria ser o reconhecimento de
uma
oposição. Convém notar que a oposição real nos países afi u anos
não tem um espaço próprio no sistema actual. Ora, o que chamei
a “logística da democracia” continua a ser uma ficção enquanto
não dispusermos de meios materiais para acorrermos
direetamente
às pessoas. Além disso, actualmente, não nos consultam sobre os
profflSnáFHopm í c de
ÉStSdfõdõliíétí
país: “Senhor presidente, é extraordinário que nunca tenha tido
necessidadeEmde contrapartida,
tíssemos. nos consultar”. De facto,
quando quando há
há eleições, grandes
dizem-nos:
“Parti-
mani-
cipem nas do
festações eleições!”.
poder, Assim, se esta situação
por exemplo a cimeira nãoFrança-Africa
for endireitada,
62
,
0
clientelismo económico nos nossos países será acompanhado
nunca
por
somos um convidados
clientelismocomo
político. Isso da
líderes seria a morte É
oposição. da como
oposição eo
se não
reinado
exis- sem partilha do poder único: o executivo acompanhado
por um legislativo às ordens, uma justiça alinhada e um poder
mediático partidário.
Aliás, pergunto-me por que razão os países europeus não su-
bordinam a sua ajuda aos países africanos à obrigação de fazer
formação cívica sobre a questão da democracia e do Estado de
direito. Entendo por isso uma formação permanente, em todas as
dirreções, tocando todas as gerações c toiA^ç os grupos sociais,
incluindo oi partidos políticos no poder e na oposição, Irico cs
pautado (pie hapt uma mhciia pavorosa neile domínio n que, pia
li H M ul t maioiia da popiila i > d» m.i.mada A Mia Moiin
1
>\- !• »! * MM |?ol U id ld» i * IMU
------------- Para qua ndo África?

plicidade tácita, de não assistência a povos em perigo ou de


tragi-
comédia assumida.

Durante muito tempo, quando queriam que os países se


desen-
volvessem, muitos países do Terceiro Mundo recusavam conce-
der aos direitos humanos a importância que lhes cabia . Poderia
precisar a relação que existe entre direitos humanos,
democracia
e desenvolvimento? As restrições aos direitos do homem justifi-
cam-se
Há de tempos a tempos?
concordância entre direitos humanos e democracia. Os
direi-
tos humanos frizem parte da democracia; a democracia também
deve
visar a realização de direitos para o conjunto dos cidadãos. Em
contrapartida, no passado, os Estados africanos opuseram muitas
vezes o desenvolvimento aos direitos humanos. “Silêncio,
estamos
a desenvolver!” Foi essa a palavra de ordem de muitos deles no
início das independências. Segundo eles, era necessário esperar
que
um certo nível de desenvolvimento fosse atingido antes de aplicar
a
democracia e os direitos humanos. Ora isso não é possível.
Também
não digo que se deva aplicar todos os direitos democráticos antes
dc avançar para o desenvolvimento. Mas o desenvolvimento e a
democracia devem ser conjugados de forma dialéctica para que
al-
guns direitos não sejam pretensamente sacrificados ao
desenvolvi-
mento. E evidente que não se pode, em nome do
desenvolvimento,
torturar, amputar ou matar pessoas a fim de atingir um nível sufi-
cièinte de desenvolvimento que permitiria, um dia, falar
democratica-
mente. E aqueles que morreram pelo “bem do desenvolvimento”?
-------- 154
A quem é útil o desenvolvimento se as pessoas desapareceram?
Para que os direitos humanos sejam respeitados, deve-se
0 desenvolvimento nã o é u ma corrida olímpica ----------------------------------------------------------

De facto, pode acontecer que uma situação grave num país


exija a limitação de certos direitos. No entanto, os ditadores
abusam
destas situações que eles próprios criam para poder desrespeitar
os direitos humanos. É por isso que o próprio carácter excepcio-
nal da situação deve ser objecto de um consenso democrático, se
necessário de um referendo. Os revolucionários franceses já ti-
nham dito que os direitos de cada um cessam onde começam os
direitos de outrem. Há não só limites, mas também deveres. Do
mesmo modo que cada um tem direitos, os outros têm direitos e
""os direitos dos"outros constituem para mínildeveres a respeitar.

Há já alguns anos, escrevia que o problema do desenvolvi-


mento de África não é uma questão de meios, mas em primeiro
lugar de identidade. Forjou o conceito de “desenvolvimento
endó
geno” e resumiu-o na fórmula: “Não desenvolvemos, desenvolve
mo-nos,\ Esta concepção do desenvolvimento, no contexto
aetual
da mundialização, não estará ultrapassada? Não está a defendei
uma concepção tradicionalista da política de ajuda ao desenvtil
vimento, desfasada em relação às interpenetrações e. às depen
dências actuais?

Bem! Antes de ultrapassar o desenvolvimento endógeno, .u


1.1

necessário atingi-lo! Penso que tivemos dificuldade em fa/ri .t<


<*i
tar esta fórmula, este paradigma, este modelo. Recordo nu «|n<
nos anos setenta, era um punhado de pessoas que militava |>"i
esta fórmula de desenvolvimento endógeno. Apropria UNE\S(
(>
não estava muito disposta a ouvir falar desta fórmula que suigia
como algo de retrógrado - uma espécie de regresso a um
passado
já superado, a uma autarcia. Censuravam-nos por não
querermos
entrar na modernidade ocidental, considerada como155a única
modei
nidade. Mas nós fizemos compreender que o desenvolvimento
-------- Para quando África?

linha de evolução, o itinerário seguido durante séculos pelos paí-


ses hoje desenvolvidos. De facto, é preciso rejeitar, recusar o
modelo linear do desenvolvimento. Infelizmente, muitas pessoas
concebem o desenvolvimento como uma corrida olímpica onde
os povos andam uns atrás dos outros.
De acordo com o que os historiadores sabem, nenhum povo
se
desenvolveu unicamente a partir do exterior. Se se desenvolve, é
porque extrai de si mesmo os elementos do seu próprio
desenvol-
vimento. Na realidade, todo o mundo se desenvolveu de fornia
Imdogen^^ mTtãlouWpfàiprp^
mão à espera de ser desenvolvido. Se quiséssemos representar
por uma figura geométrica este tipo de desenvolvimento ideal,
seria preciso vê-lo como uma espiral ascendente ou como o
paradigma da árvore. A árvore está enraizada, vai ao fundo da
cultura subjacente, mas também está aberta a trocas multiformes,
não está murada e fechada. Assim, é estando profundamente en-
raizado que se fica disposto a todas as aberturas. Como dizia
Aimé
Césaire63: “Poroso a todos os fôlegos do mundo”.
Dei várias definições de desenvolvimento, posso recordar
duas
delas aqui. Para mim, o desenvolvimento é a passagem de si a si
mesmo a um nível superior. Disse também que o
desenvolvimento
é a multiplicação das escolhas quantitativas e qualitativas.
Nestas
definições, há elementos que permitem não se deixar fechar no
reducionismo cconomicisla Recordo me que depois de uma das
minhas eonfciem ias sobic o desenvolvimento a li irano, um estu
danlr sfuiegídf i roprimiu ii mesma idein di/cndo “Senhoi pio
í r W a i t , t omo i l " n i j t M I I H S piot MiaiilON tiAu é o deiruvolvuuen
to, é a I* li* idad» I j mna ItM MMlIrtí, Ao ij||p t nlni a o prohlemA di
MHMIfMli illh lí Mle
I I »h ^ MVo|vim* Hto é llffl (NlrtlMHhM |oln| t|MP à |||>« rthlH
V#t NmMm m tlll I M MII IIj *1***4 iMtAltdad M í**#* 11 ill
IHH*
0 desenvolvimento não é uma corrida olímpica

Mas como quantificar a cultura para poder injectâ-la nos inclir i


dores do desenvolvimento? E um problema, porque os aspectos
mais íntimos do desenvolvimento são quase indefiníveis •*
impai
páveis, como a felicidade, a saúde, a alegria.
É por isso que é necessário tomar a decisão dc rcconhn n que
é difícil classificar países pelo nível de desenvolvimento. í* » n
m
que a ciência postula, exige mesmo a quantificação. Mas as coi-
sas requintadas, refinadas, são realizadas em muitos países po
bres do mundo. Pense-se na cozinha, no vestuário, no artesanato,
ila arte ou -ainda'W delicadeza'"^ lio" refínm^^
em certas línguas: são coisas que tomam o homem perfeito, no
plano humanista, mas que não podem ser tomadas em considera-
ção na identificação ou na classificação do desenvolvimento.

Há mais de dez anos, no seu livro Eduquer ou Périr, fez a se-


guinte constatação: “A educação escolar surge como um quisto
exógeno, um tumor maligno no corpo social. Efeçtivamente, o
sistema educativo actual das sociedades africanas não está ape-
nas em atraso em relação ao dos países industrializados; está
sobretudo em contradição com as necessidades vitais,
alimenta-
res e elementares das referidas sociedades ”. Por que razão o
sis-
tema educativo das sociedades africanas não corresponde às
ne-
cessidades das referidas sociedades? Qual é a importância da
educação como utensílio que permite desenvolver o potencial
humano da África?

A ninou, ao deve vi eonsidei acla como o coração do


desenvol-
• imento I lojc, isso justilh a ■ lauto mar. poiquanto o principal
no * i l i l l i H i t o à o da IÍ||M|iprm ja, d a mah M.i « in/enta Mais do
que
IIIIIM a a PI hl» * %* <»* * ii * I - ' u VM| y ||l»»nlo d‘* v'lli s»
a i tostou em Pipia
- Para quando África?

resse em diminuir o número de escolas, porque elas não estão


adaptadas aos nossos países, nem cultural nem socialmente. O sis-
tema está adaptado ao sucesso individual de uma minoria que tem
sucesso, não por causa do sistema, mas apesar dele. Sem contar
que, qualquer que seja o sistema, os espíritos superiores terão sem-
pre sucesso.
É aqui que será necessário transformar a educação e não ape-
nas aumentar o número de escolas mantendo os conteúdos e as
estruturas actuais. Como já disse há dezenas de anos, o que nós

educação, mas mudar a direcção dos carris. No entanto, nunca o


fizeram. Até agora, os próprios Estados africanos renunciam a
esta tarefa primordial do desenvolvimento. Recordo-me que, em
1960, tínhamos ideias sobre a transformação da escola. Eu pró-
prio comecei por mudar o conteúdo dos programas de história a
fim de produzir manuais escolares da história africana. Foi um
trabalho que demorou dezenas de anos. Nessa época, tínhamos
feito uma opção audaciosa ao dizermos: “Mudemos esta escola,
em seguida procuraremos multiplicar o número de escolas!”. Era
uma atitude estrutural, sistémica, estratégica. Sem uma
verdadeira
educação africana, não há nada a esperar.
Em que é que a crise do sistema educativo está ligada a
uma
crise mais global do continente? Quais são os elementos-chave
para transformar o sistema educativo?
\ Creio que é necessário considerar, como sempre, as coisas de
maneira holística. A colonização era um sistema com
subsistemas
articulados, que constituíam o sistema colonial. E evidente que a
educação era um subsistema mais importante do que os outros.
Hoje, talvez alguns elementos tenham desaparecido ou caído no
anonimato - mas contínua a haver outros que sobrevivem. Geral-
mente, a educação faz parte destes subsistemas do sistema colo-
nial que devem ser erradicados. Estou convencido de que a
educação
deve ser transformada para que a sociedade seja transformada.
Eslnmos . 1 l i d ai co m u ma es p é ci e d e re l a ção clialéctica
0 desenvolvimento não é uma corrida olímpica ---------

A alfabetização é uma condição sine qua non desta mudança


multiforme, inclusive ao nível da inventividade e da competiti-
vidade económica de um país. Não creio que se possa alfabetizar
os africanos sem recorrer às línguas africanas. Em contrapartida,
se recorrêssemos a estas línguas, poderíamos fixar como objecti-
vo a médio prazo assegurar a alfabetização total. Por conseguin-
te, seria necessário iniciar uma espécie de Kulturkampf ao nível
da sociedade, civil e política a fim de nos vermos livres de uma
praga tão vergonhosa como o analfabetismo, em vez de nos insta-

restaura-se ao mesmo tempo a dignidade do camponês. Os cam


poneses estão mergulhados num complexo de inferioridade pelo
facto de lhes falarem numa língua estrangeira. Devo dizer-lhe
qu<\
se passamos ao registo das línguas africanas, os camponeses api
<•
sentar-se-ão como a elite e não como aqueles que se arras Iam <
que devem ser puxados à força. É uma abordagem psicológi» a
que satisfaz os formandos camponeses, valorizando u m a ( ullm a
em que se sentem como peixe dentro de água.

A par da educação e da democracia, considera a intcyj


aça* »
regional em África como uma das condições principais de um
desenvolvimento endógeno. Temos exemplos históricos'' <
onui
poderiam ser utilizados para um desenvolvimento futuro?

O preconceito pretende que todos os países africanos pmdu


zam a mesma coisa: assim, não poderiam organizar um
mercado
interno africano com complementaridades. Todavia, num
período
pré-colonial, os africanos distinguiam-se pela policultura, havia
possibilidades de trocas. Entre as zonas ecológicas e climáticas
africanas existiam as bases de uma grande complementaridade
O peixe do rio Níger proveniente de Mopti, no Mali, descia até
à 159
floresta marfínense, do mesmo modo que o tecido dos haussá
--------------Para qua ndo África?

cas de África. O comércio transariano era imenso. Actualmente,


perguntamo-nos como era possível que caravanas de vários mi-
lhares de camelos e de pessoas atravessassem durante semanas e
meses os países limítrofes da “orla do deserto”, o Sahel. O ouro
do
Sudão era um produto totalmente adaptado a este tipo de negócio,
dado que eram necessários produtos com um valor muito grande,
um volume reduzido e um pequeno peso. Em troca, os países do
Sahel recebiam sal que muitas vezes era vendido a peso de ouro.
A alteração do mapa económico da África Ocidental e do Norte
HComeçarcrmranoOTpHçã^^
mentos fundiários do Norte para o Sul. Foi a partir desse
momento
que os países da Costa Ocidental e da África Central se
instalaram
nos camarotes de primeira num sistema em que o conjunto da
Áfri-
ca negra era reduzido a uma função servil na economia-mundo.
Foi porque não se deixou África funcionar numa base endó-
gena que se continua a viver sobre bases artificiais. É evidente
que num mercado interno africano os países seriam levados a or-
ganizar-se em função das vantagens comparativas das diferentes
regiões. Por vezes, digo para comigo que os países africanos de-
veriam começar a união africana pela infra-estrutura. Numa de-
terminada época, espíritos inventivos tinham concebido a ideia de
um caminho-de-ferro transariano - teria sido algo de fantástico!
Infelizmente, o sistema ferroviário africano, tal como existe,
asse-
melha-se hoje a garras enterradas no continente para retirar o
máximo de coisas e levá-las para a costa. Não é uma rede
osmótica
que tenha sido construída no interesse dos países africanos. A
par-
tir do momento em que se preconiza um nacionalismo estreito,
não serve de nada ter belas estradas e belos caminhos-de-ferro.

Não existe o perigo de confundir desenvolvimento endógeno


e 160
autarcia?

Não. A autarcia emana de uma vontade política. Quando se


0 desenvolvimento não é uma corrida olímpica -

c foi mais aberto do que África. Mas nós não queremos ser ingeri
dos até sermos digeridos. Também não se trata de culturalismo
identitário, estreito. Muitas pessoas crêem que queremos refugiai
-nos na nossa cultura, nas nossas etnias. Alguns intelectuais afi i
canos avançam a ideia das etnias ignorando que se trata dc fabr
ira
ções recentes. Na realidade, não havia etnias fechadas no sistema
africano pré-colonial, sempre houve entre as etnias uma mistura
fantástica que é demonstrada pelo mapa actual dos povos africa
nos. Porquê? Porque as pessoas coabitavam de facto. Houve
guer-
só havia tiranos que se autodestruíam mutuamente. Fundamen-
talmente, sou contra o culturalismo identitário que não leva a lado
nenhum no plano económico. Estou convencido de que não se
pode realizar o desenvolvimento no quadro de pequenos países: o
desenvolvimento endógeno será interafricano ou não será. E a
abertura ao mundo, que não é um fim em si, só será positiva atra-
vés das estruturas regionais, únicas, capazes de fazer de África
uma força entre as forças do mundo. Efectivamente, a abertura
hipócrita e escancarada actual, que prevalece há séculos, não nos
fez avançar substancialmente. Porque a abertura para a selva
exige
condições, precauções e preparativos. África deve constituir-se
antes de descer ao campo de jogo, à arena, mesmo e sobretudo se
for para entregar uma mensagem de paz.

161
I
A

África: como renascer?

Em Porto Alegre, uma cidade do sul do Brasil, todas as


forças
e todos os movimentos que, de uma maneira ou de outra,
criticam
a mundialização neoliberal, voltaram a encontrar-se este ano64.
Para eles, tratava-se de tentar mostrar que é possível um
mundo
diferente, mais solidário e menos inumano. Já anterior mente,
em
Seattle, em Washington, em Praga, em Génova, centenas de
mi-
lhares de pessoas tinham protestado contra a desigualdade e a
injustiça sociais e contra os danos causados por todo o mundo
pelos excessos da economia liberal Estes protestos e estas
mani-
festações são um sinal de esperança?

Estou convencido disso. Hoje, os defeitos inerentes e qualita-


tivos do capitalismo estão a ser desmascarados. O sistema capita*
lista segregou danos tais que não podemos lançá-los na conta dc
alguns bodes expiatórios. Somos obrigados a assumir a sua rcs
ponsabilidade e a corrigi-los - ou avançar para o caos. Creio que
o sistema atingiu os seus limites: será cada vez menos defensável.
Mas terá cumprido a sua missão histórica? O sistema estalinista,
que o desafiou e também acumulou horrores, desmoronou-se an-
tes dele. Isso não absolve o capitalismo por todas as suas obras,
pelo menos pelos seus malefícios e perversidades.
O modo, o processo de cristalização das energias dos pobres
é
uma das grandes questões que se colocam ao século XXL 163 -----------
Ainda
não se vê sob que forma ela se realizará. No Norte, a sociedade
civil ganhou amplitude ao passo que em África é, de certo modo,
Para quando África?

Actualmente, há uma contestação, uma resistência tais que pode-


ria desenhar-se uma espécie de aliança mundial das cidadãs e dos
cidadãos, sendo possível que se chegue a fortalecer o sistema afri-
cano e que os movimentos de protesto se consolidem no Norte.
Manifestações como a de Porto Alegre ou “o outro D avos”65, na
Suiça, tentam corrigir o que há de anti-humano no desenvolvi-
mento segundo o evangelho do neoliberalismo. Mas é uma luta
terrível, será certamente uma das batalhas essenciais do século
XXI.
O Norte - essa entidade que dispõe de rendimentos quarenta a
■ xinquerrtoTezeTOTpeTroresTXjrfrabTtant^
não tem nenhuma razão aparente para renunciar a este tipo de
pseudodesenvolvimento de custos canibais em termos de sacrifí-
cios humanos.
No que diz respeito ao contra-sistema ou ao sistema alternati-
vo, podemos estabelecer como princípio: pensar globalmente e
agir localmente, não esquecendo que o pensamento nunca deve
ser separado da acção e reciprocamente. Não podemos entrin-
cheirarmos no nosso pequeno feudo e dizer que resistiremos à
mundialização sozinhos, em privado, de forma autárcica. A
autarcia
não é possível face a uma economia de informação em que não há
fronteiras. Em primeiro lugar, é necessário estabelecer o contexto
com as suas condições e limitações e ver em que medida a relação
de forças no plano internacional é susccptível de transformação.
Penso que c necessário vci o espaço na sua mundialidade. () sis-
tema c susccptível de modificação c dr transformação. I )igo bem
transformação nlo \e iiatn imm de o destitui totalmcntc nem de o
reloimil mnplemi» nte, IMIO •, de aplu ai pomadas cosméticas
paia
atenuai o NnlliiniMllt) dai |)PMOM3 liata 4e de Identificai
aMcMiu
tílias que poili lll i IMIld^il in e de peii|uil outio nUteina total
' U ild» »n »|M í !
’ i 1'MIII p ihliili l I Ulttfl |" i | o .
WÊ OHjMMlti que IIAM «eji ||o HMHllUlill §ftin lo* e*(fthiu«ttii i
1

qi»p dpu HHigptH lll«*|ila»In H IIH M!|H


África : como rena scer? ---------------------------------

versai c aos valores. Quando falo de valores, penso nos valores


morais, psicológicos, ideológicos e religiosos, mas não só. Pro-
ponho, pois, um projecto, um foguetão com três andares: os bens
económicos, as ligações sociais (que compreendem as relações
humanas, os serviços e a organização humana) e os valores lí.sir
projecto humano não visa simplesmente maximizar o consumo
material. Será construído na base dos valores da solidariedade, da
convivialidade, da alteridade, da compaixão, do autocontrolo, da
piedade e do equilíbrio inspirado na Maat faraónica.
w
'T3eTaci: Ó^eTqWque:'Áfffeã pMeTíeser^ cpã~
pel. Podemos ir ao fundo da nossa cultura, da nossa civilização,
para encontrar um espírito que concilie simultaneamente a liber-
dade e a igualdade. A economia solidária tal como existe actual-
mente em África é uma economia de partilha baseada no huma-
nismo (mogoya em língua bambará, em suma, a “humanitude”).
Há investimentos ao nível das comunidades, uma responsabi-
lização por parte das famílias que não encontramos nem no “pri-
vado-privado” do mercado capitalista, nem na economia estatiza-
da. Mas como estruturar um ponto intermédio, como reencontrar
a comunidade africana original? Como distribuir a propriedade
privada? Poderá ser transferida num novo sistema que não seja
pura e simplesmente a privatização capitalista nem a comunidade
africana tradicional? No plano teórico, já temos alguns elementos
a fim de criar um mundo menos selvagem do que o da selva do
capitalismo ncolibcral. Estes elementos têm em conta simultanea-
mente dimensões positivas da cultura social africana e contribui-
çõcs uveutes dr outras civilizações, Conviria que os africanos
!i « V.Í ui uma irlIcMlo aprofundada a paitu da propriedade, da
piuiltiçAo ilaa iflaçõe» di pioduçlo coiutinitárla, poi um lado, e
l a , . . ! ! , > * . .... i i . tu m u» t «lula p*a

fÇHiH iM# H | ^ I #«### 9i|r| fígi


-------------- Para quando África?

meiro lugar, o centro somos nós. Diria que, em primeiro lugar,


seria necessário, como alternativa, um projecto de conjunto: quem
somos nós? Onde queremos ir? Desde que somos independentes,
não respondemos a estas perguntas. O que é que fizemos? O que
é que realizámos? Donde viemos? A partir desta plataforma de
conjunto, conviria pôr de pé uma força avançada - consistindo
em ideias, em recursos humanos e em organização - que possa
construir um lugar na relação de forças mundiais.
Intelectualmente,
podemos construir uma nova África. Temos algumas potência-
■“IMadesTisrcforetiidt^^
vestigadores, os inventores, os produtores, os criadores no plano
da música, da dança, das artes plásticas, do teatro, da vida em
comum, da convivialidade, de tomar a cargo os mais fracos, do
management original do ambiente, da relação com a saúde e com
a morte, com os antepassados, com o amor, com a gestão dos
conflitos...
Aliás, nos séculos XV e XVI, não havia a questão do centro
ou
da margem, nem no espírito dos colonos portugueses, nem no
espírito dos africanos. Assim, um autor português relata-nos que
os marinheiros portugueses que desembarcavam no reino do
Congo
tiravam o chapéu e saudavam o rei do Congo da mesma maneira
que saudavam o rei de Portugal em Lisboa. “Os congoleses ti-
nham uma alta ideia de si próprios”, diz-nos o autor contemporâ-
neo deste primeiro encontro.
Assim, é necessário fazer uma operação mental, primeiro in-
dividual, depois colectiva, e dizer: “Sou o centro de mim
mesmo”.
Como dizem os africanos: “Não se pode pentear alguém que está
ausente”. Isto quer dizer que ninguém pode substituir-me, a não
ser que eu deixe. É preciso partir do seu centro ultrapassando a
periferia por meio do espírito, fundando-se e refundando-se em si
mesmo. Considero que o progresso, o que se chama o desenvolvi-
mento, é “dar o máximo” da sua capacidade como ser humano
para ser um emissor e um receptor de valores. De tempos a tem-
pos, o 166
ser humano pode “dar o máximo” por alguns segundos
deste ou daquele valor. É fugaz, mas dá uma ideia da realização
plena de que falam as religiões ou certas filosofias como o
taoísmo.
África : como rena scer? ----------------------------------

Quer seja no amor, na descoberta de uma verdade científica, na


amizade, na estética ou na música - é aí que se situa o verdadeiro
habitat do homem. E neste domínio nunca se poderá atingir o fim
da história, dado que, contrariamente à acumulação de bens, não
haverá limites para os valores. O mundo dos valores é uma imen-
sidade que ultrapassa de longe o mundo material.

Como imagina no futuro as relações entre os países desen-


volvidos e os do Terceiro Mundo? Em que valores deveriam ba-
-s-earse?------------------------------ ----- ------------------------------------ -------------------- ------ --------------------------------------- -------------------—~-------------------------------------------------------------------------------------------------------

Tenho a impressão que a Europa não consegue conceber (|ii<


África possa desempenhar um papel benéfico para a hurna1 1 idade
A Europa continua a olhar-se principalmente ao espelho do uln
XIX. Reduz o itinerário de África às últimas décadas cm que A fi
i< .1

foi colonizada e mal descolonizada. Para a Europa, enquanto 1 1 .u>


se resolver este mistério da dificuldade de sair de s i, dc * • • a
■. 1 pa 1 »I <
si mesma, de ir ao encontro dos outros, de os conhecei c <l< 0 1 .
reconhecer, de os compreender e de adoptar um mínimo <l< ali<
ridade, não se compreenderá e todo 0 mundo sofrei;í com 1 .»•
Ninguém acha que há alguma coisa de positivo a lirar de A li i< 1 ,
exceptuando 0 folclore. Nisto, concede-se aos africanos um
p<m..»
de imaginação.
E por isso que se deve começar pela história e terminai p< l a
história. Fora desta revisão dilacerante no plano histórico, nan
haverá uma nova visão do mundo, uma nova cosmogonia qn<
seja portadora de bens, de serviços e de valores. Isso equivalei ia
a
descer, maisuma vez, os degraus de uma contra-história humana
Diz-se que a guerra era uma coisa muito séria para a confiar
apenas
aos generais. Creio que o desenvolvimento dos seres humanos c
demasiado sério para 0 deixar apenas nas mãos dos economistas.
Na medida em que os “desenvolvimentistas” reduziram 0 desen-
volvimento às suas dimensões mais estreitas, mais materiais,
167 será
necessário sair, de uma maneira ou de outra, desta mentira. O
neolo-
gismo “desenvolvimentiroso” que introduzi não está mal
— Para quando África?

dimensões aritméticas do indicador de crescimento, da taxa de


lucro ou da cotação da Bolsa é um reducionismo quase crimino-
so. Em suma, é reduzir o ser humano colocando-o num jogo que
não é o seu.
Mantenho a esperança de que um dia os países do Sul
atinjam
um mínimo vital, do ponto de vista do crescimento, sem abando-
narem a sua própria cultura. Espero também que os países do
Norte
ataquem obstinadamente alguns muros do crescimento
desenfreado
de hoje, num liberalismo que não tem nada a ver com a liberdade,
eòutfõs"^
dos aspectos puramente materialistas da produção. A humanidade
poderá finalmente dar o poder à imaginação e à criatividade, isto
é, à cultura. Na minha opinião, vale a pena, a partir de África
lançar um olhar sobre esse para além da humanidade, hoje redu-
zido à sua dimensão mais mesquinha, de modo a que ela possa
um dia exprimir-se abertamente na liberdade, na justiça, no res-
peito, na fraternidade e na solidariedade. #
É evidente que também convém não ser demasiado lírico
quan-
do se fala destas coisas. Os interesses dos complexos militar-
-industriais ou biogenéticos são imensos e ninguém sabe como
contorná-los ou sobrevoá-los. Diante destes poderes de produ-
ção, de reprodução e de destruição, que utilização a humanidade
fará deles? Deixará ela algum espaço para a humildade e a cons-
ciência? Penso que entre a ciência, o dinheiro, o poder e a violên-
cia, caberá á humanidade litzci uma sintose que dê direito cons-
t uua ia À s giand» * leligiften ta eitam hem uma ideia há um além
do -u i humano, pelo que ele vegeta no mundo de hoje A cosmo
grm UM »!t U fitai «jMt iMUa gimilmente o sei humano t oiiill UM!
mill
pãiiheiio, IÍÍII n ipu Pm língua hamlnuá), i nua» um
MPHlP| UM • i ! Mpiii p||p |*M« » i « auhlllHe pnh
África: como renascer?

cultivada, semeada, regada, porque tem algo a ver com a vida


Está ligada à ética, à estética e ao lúdico; integra cada vez mar;
dados novos e, como na vida, a consciência não c uma máquina
que é montada pela razão para dar resultados previsíveis. Tome
mos como exemplo a ideia dos direitos individuais e colcctivos
Esta ideia não existia como tal, salvo a níveis individuais, nos
tempos dos gregos, dos romanos e do Egipto dos faraós. I ,<>go,
a
consciência enriquece-se. A consciência é um valor, é uma enti
dade que não pode ser traduzida numa equação a descobrir num
TáblãFatõnb!' CónfenTunia^ sei
hpmrii'
superfície, mesmo quando se crê que só existe a morte, a destrui-
ção total, a aniquilação, a redução a nada. A vida e a consciência
são valores da mesma ordem, enquanto a razão é um valor de uma
ordem diferente.
Estou convencido que os mais pobres não são os menos ricos
em matéria de consciência. Há pessoas extremamente ricas, ditas
desenvolvidas, e sociedades extremamente ricas onde o nível de
consciência não é tão elevado como nas sociedades mais pobres.
Por toda a parte há humanos e anti-humanos, mas não há por toda
a parte condições mínimas para a dignidade. Normalmente, seria
necessário associar tudo ao máximo: a ciência, a consciência e a
vida. É verdadeiramente a vocação do ser humano. Se ele se
consi-
dera como superior aos animais, é preciso que consiga não só
descobrir fórmulas, mas também viver como um ser humano su-
perior, investigador c conquistador dc sentido, capaz de construir
um inundo diferente, um outro mundo, de justiça, dc solidarie-
dntln, dr n .p eito mútuo rntir os homens e as mulheres.

/ rui eoif/|fiiq'ii HO HII ro *Ai /ilsftUht 7o è (Wti hlfitAHÇii?


/M• meHI/í/lM t/MP Ho fim i O i UNO iélH hl
------- Para quando África?
Por exemplo, quando as pessoas se coligam com a ideia de uma
sociedade civil internacional, destinada a contrariar o Leviatão
do mercado surdo, mudo e cego, é um progresso da consciência
colectiva.
A consciência é a responsabilidade.
É o guia que governa o foco incandescente do espírito
humano.
É o “coração” que um dia será pesado no tribunal de Osíris.

tá1#:»

.Ouahigoiiya

Toma

Koudougou OUAGADOUGOU
Diapaga

Bobo-Dioulasso r+H V : v -'V.

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BURKINA FASO
Notas biográficas

Joseph Ki-Zerbo, filho de Alfred Diban Ki-Zerbo e de


Thérèse
-J^cuJO^JiasceiijaJLLJb^ ,Vive
o,
“reino da infância” (Léopold Sédar Senghor) em Toma, a sua al-
deia natal, no noroeste do país. Cresceu num meio rural e campo-
nês. no seio de uma grande família africana. O seu pai é conside-
rado como o primeiro cristão do Alto Volta. Segundo o próprio
Joseph Ki-Zerbo, os onze primeiros anos da sua vida no campo
marcaram fortemente a sua personalidade. “O essencial da minha
relação com a matriz africana provém daí, tanto a relação com a
grande família como com a natureza. São os anos de inocência e
de forte impregnação na base no que diz respeito aos conheci-
mentos e aos valores da nossa sociedade e da nossa cultura.”
De 1930 a 1940, é aluno em escolas de missão (católicas) em
Toma, em Pabré (a cerca de vinte quilómetros da capital l Jagadu
gu), em Faladié (no Mali), depois segue uma formação supci ioi
no seminário de Koumi (perto de Bobo-Dioulasso). Tm I>;u ar .
ensina durante alguns anos ao mesmo tempo que exerce <livu :;,r,
profissões, como um grande número de emigrados. É empregadt
>
dos caminhos-de-ferro em Dacar durante algum tempo e ti abai In
para o semanário católico Afrique nouvelle. Com 27 anos, Joseph
Ki-Zerbo passa com distinção o último ano dos estudos secund.i
rios em Bamalco. As suas excelentes notas valem-lhe uma bolsa
de estudos em Paris, onde começa a estudar História na Sorbonne
em 1949, seguindo cursos de Ciências Políticas no Instituto dc
Ciências Políticas. Termina os estudos de História com o douto-
ramento. As actividades políticas de Joseph Ki-Zerbo começam
171
enquanto é ainda estudante universitário. É co-fundador e presi-
dente da Associação dos Estudantes do Alto Volta em França
------- Para quando África?

(1950-1956) e da Associação dos Estudantes Católicos de África,


das Antilhas e de Madagáscar. Em 1954, o jovem combatente
anti-
colonialista publica na revista católica Tam-Tam um artigo notá-
vel sob o título “Procura-se nacionalistas”. Em Paris, encontra
alguns dos intelectuais de vanguarda da época, entre outros o
histo-
riador senegalês Cheik Anta Diop e o actual presidente do
Senegal,
Abdoulaye Wade. E de passagem por Bamalco que conhece a sua
futura mulher, Jacqueline Coulibaly, com quem terá cinco filhos,
três rapazes e duas raparigas. Jacqueline Coulibaly é filha de um
■^fêbnTsíM erifiili^ noririovi-
"
mento sindical. Após ter terminado os estudos, Joseph Ki-Zerbo é
professor de História em Orleães e em Paris. Ensina a partir de
1957 num liceu de Dacar, onde goza do estatuto de funcionário
francês como doutorado e cidadão francês antes das independên-
cias africanas.
A segunda metade dos anos cinquenta é um período de pro-
fundas alterações no continente africano. O. Gana é o primeiro
país da África Ocidental a conquistar a independência, no dia 6
de Março de 1957. Joseph Ki-Zerbo cria em 1957 o Movimento
de Libertação Nacional (MLN) cujo manifesto de criação apre-
sentará a Kwame Nkrumah, o primeiro presidente do Gana. Ki-
-Zerbo recorda-se ainda hoje do dirigente independentista caris-
mático (ver p. 121). Em resumo, o programa político do MLN
defende: a independência imediata, a criação dos listados l Jnidos
de África e o socialismo. O MLN leva a cabo cm véiios países da
África Ocidental uma campanha, que sr revelou mfmtlleia, pelo
não ao referendo oigam/ado ^eiirial < bailei I >» < nmlh IM
polo

htr a ciiaçAo de uma < nmuindade (nua o a f l h ma I Indo* MM


palies d» AftU a, MM a HMÍIIF» < MMakry d* fende uma ind* jH
iaMn m
i hl ím> diaia e V M I H pe|u » M M U M f» 0 M * M ! M A de U#IIMH
I * * * 11 !
« i I* • |
* ' IHM h hiHMli . (III
«Hl( M l t t M H l ) - t t f è t ê l i « d m u N « è í « • I H»f
Notas biográficas

ou então íamos carregar às costas as realidades da independer)


cia”. Para Jacqueline Ki-Zerbo, que foi directora do ensino pri
mário feminino de Conakry, a mobilização para a Guiné era um
acto de solidariedade política e de credibilidade pessoal.
Em 1960, Joseph Ki-Zerbo regressa ao Alto Volta. Justifica
este regresso nos termos seguintes: “Expliquei a Sékou Tourc
que
era necessário regressar ao meu país para continuar a luta pela
independência noutros territórios”. Depois de alguns anos de en-
sino em Uagadugu - na época, era não só o primeiro professor
mado -, Joseph Ki-Zerbo é nomeado em Outubro de 1965 ins-
pector da Academia e director-geral da Educação, da Juventude e
dos Desportos. Em seguida, é professor na universidade de Uaga-
dugu (1968-1973). É co-fundador e secretário-geral (de 1967 a
1979) do Conselho Africano e Malgache para o Ensino Superior
(CAMES), que defende uma política académica autónoma dos
países africanos. O CAMES desempenha um papel pioneiro na
investigação sobre a farmacopeia africana e a promoção do de-
senvolvimento científico em África.
Joseph Ki-Zerbo expõe as suas ideias sociais e políticas em
numerosas publicações sobre a história e a cultura africanas. Re-
dige um manual escolar dc história que é publicado em 1963. Em
1972, é publicada a sua célebre Ilistoíre de 1'Afrique noire, des
ori-
yjnrs d nasJoun\ que sc torna a obra dc* referência da história
afri-
( mia A pottii da mtiodiMo, o autoi icllita a dr.si riçlo, cntflo eor-
i* 11 1* * ui 11 «m%a, itiah ada pelo denpir/o e pelo racismo, de
África
(MIMO um i I»M!MM nte Meu IO, M MI 111 ll i ii a e lèlit lilstni ia í Zeiho K

piova pelti i Mtiifáilo, I|MM Állii i Unha «i!Iii^éilii mtt iillo nível de
♦MM |<MIMI» ia| g I MIIMIa| HIIM * *I# Ma » • MIM \a» In
M »t1 IIMIM (IM (KMtMè MI« 11 fMio aM Ml)* H IIMI ( SI |$VHI e à eoloilMa
-------------Para qua ndo África?

(1960-1966), todos os partidos políticos são proibidos. O MLN


recruta os seus militantes sobretudo nos meios sindicais de pro-
fessores e do campesinato. Ali Lankoandé, antigo ministro do
Ensino e companheiro de luta de Ki-Zerbo, recorda-se: “íamos
para
os campos; Joseph passava todo o tempo ao volante do cano.
Ficá-
vamos dias e noites inteiras a discutir com os camponeses.” Os
sin-
dicatos e o MLN desempenham um papel importante na organi-
zação do movimento popular que, no dia 3 de Janeiro de 1966,
conduz à queda do presidente Yaméogo. Como secretário-geral
do
-MLNr-Joseph-KF^rbo-^fes^rrfa-se-às-efei-eões-degtslativas^de^
1970, onde o seu partido obtém seis lugares. Em Fevereiro de
1974,
o Parlamento é dissolvido, as actividades políticas proibidas e a
Constituição revogada na sequência do golpe de Estado militar.
O país vivia numa tensão política motivada pela seca que devas-
tava o Sahel há anos. Em Outubro, a proibição dos partidos polí-
ticos é levantada; um mês mais tarde, é adoptada a Constituição.
É formada a União Progressista Voltaica (UPV), composta pelos
sete partidos recentemente constituídos e sob a direcção de Joseph
Ki-Zerbo. Esta organização política sucedeu ao MLN. A UPV re-
presenta a oposição ao novo partido governamental, a União De-
mocrática Voltaica-União Democrática Africana (UDV-RDA).
De 1972 a 1978, Ki-Zerbo é membro do conselho executivo
da UNESCO e trabalha na publicação, sob a égide da UNESCO,
de uma história de África em oito tomos. L Histoire générale de
VAfrique resume para um vasto público os resultados mais im-
portantes da historiografia africana e reabilita, segundo a opinião
de Amadou Mahtar M’Bow, antigo director-geral da UNESCO, a
identidade do continente africano, negligenciado durante tanto
tempo. Joseph Ki-Zerbo, presidente da Associação dos Historia-
dores Africanos de 1976 a 2001, é também professor na universi-
dade de Uagadugu. Em 1980, funda o Centro de Estudos para o
Desenvolvimento Africano (CEDA), cuja divisa é: “Não desen-
17/» desenvolvemo-nos”. Na base de uma análise crítica do
volvemos,
imperialismo nas relações Norte-Sul, Ki-Zerbo postula um “de-
senvolvimento endógeno” que teria em conta valores ecológicos
e sociais e a identidade cultural de África.
Notas biográficas

Em 1983, um grupo de jovens oficiais toma o poder sob a di-


recção do capitão Thomas Sankara. Uma nova era começa para o
Alto Volta, que se toma o Burkina Faso (“país dos homens ínte-
gros”) a partir de 1984. O Conselho Nacional da Revolução de-
fende a ruptura total com a herança colonial e uma transformação
social radical que concederia às massas populares uma participa-
ção mais importante nos poderes político e económico. Sob a
pres-
são do novo governo militar, Joseph e Jacqueline Ki-Zerbo são
obrigados a deixar o país em 1983. “Consideraram-no um refor-
preendeu essa linguagem; e decidiu partir.” Em 1985, um tribunal
popular revolucionário condena Joseph e Jacqueline Ki-Zerbo,
por contumácia, a dois anos de prisão e a uma pesada multa por
“fraude fiscal”. (O julgamento será revisto após o seu regresso do
exílio e o Supremo Tribunal reconhecerá não haver motivo para
procedimento judicial.) A biblioteca dos Ki-Zerbo, composta por
onze mil obras, é saqueada. Em 1987, o presidente Thomas
Sankara
é assassinado no decurso de um golpe de Estado que leva ao po-
der Blaise Compaoré, seu antigo companheiro de luta.
Durante o exílio, Ki-Zerbo funda um novo Centro de Investi-
gação para o Desenvolvimento Endógeno (CRDE). Ensina na
universidade Cheik Anta Diop e prossegue as investigações no
Instituto Fundamental da África Negra (IFAN), em Dacar. Em
1990, é publicado, em colaboração com a UNESCO e a UNICIT'.
o seu livroÉduquer ouPérir, que abordaa crise do sistema cdiu a
tivo africano. Em 1992, o CRDE publica, sob o título La Nattr
des autres, as actas de um colóquio internacional organizado poi
Ki-Zerbo em Bamako (Mali) sobre o tema do desenvolvimento
endógeno. Mesmo no exílio, Ki-Zerbo continua activo nas redes
internacionais. Desde 1986, é membro do Grupo de Vézelay, a
aliança por um mundo responsável e solidário; um agrupamento
internacional de personalidades.
Em 1992, Joseph Ki-Zerbo e sua mulher regressam ao
Burkina
Faso, cujo sistema político registou mudanças sob a influência
das alterações internacionais. Em Uagadugu, Ki-Zerbo esforça-
175
-se por reconstituir o CEDA e cria o Partido para a Democracia e
— Para quando África?

o Progresso (PDP) do qual é presidente. Nas eleições legislativas


de Maio de 1997, o PDP obtém 10,1% dos votos, ou seja, 6 dos
111 assentos da Assembleia Nacional, e torna-se assim o partido
da oposição mais importante do país. Ki-Zerbo é eleito deputado
para o Parlamento, mas pede a demissão em 1998. Depois do as-
sassinato do jornalista Norbert Zongo, no dia 13 de Dezembro de
1998, participa na criação do Colectivo das Organizações Demo-
cráticas de Massa e dos Partidos Políticos, um agrupamento de
vários partidos de oposição e de organizações da sociedade civil,

micos. Ki-Zerbo toma-se um dos líderes e uma figura de proa


do movimento e participa, apesar da sua idade, em quase todas
as marchas e manifestações. “O caso Norbert Zongo suscitou
nele a mesma revolta que a que sentia em relação ao colonialismo
e às exacções coloniais”, diz Jacqueline Ki-Zerbo. Na opinião
de Halidou Ouédraogo, presidente do Colectivo, foi graças à
luta contra a impunidade que a juventude burquina descobriu a
grandeza e a importância de Joseph Ki-Zerbo. “O Burkina Faso
tem nele um homem, um monumento, uma personalidade, uma
riqueza que não explora suficientemente”, declara ele. E acres-
centa: “Quando convivemos com o professor, temos a impres-
são que ele será eterno. O professor considerou-me como seu
filho e isso dá-me confiança, porque ele é um líder natural”.
Tolé Sagnon, dirigente sindical activo no seio do Colectivo, ad-
mira também a frescura juvenil de Ki-Zerbo: “Admiro muito a
sua disponibilidade e a sua vontade de discutir facilmente com
toda a gente. É alguém que submete as suas ideias a debate com
toda a gente e que brinca com os jovens como com os compa-
nheiros da sua idade. Encoraja a juventude a lutar pelo seu fu-
turo dizendo-lhe que não haverá salvação se ficar sentada de
braços cruzados”. No plano internacional, Ki Zcibo alargou rc
ccntcmontc a sua militância lula pelo M*< unlundinriito da » *.
à

i ravalura n du liAllui doi IIPKIM* CMMIO * iim<*11 iutlia a hum uu


daitf # pau* i|u*‘ Allh a *§H #ha ItiibunhiM*,fU-?
f t t i i I u M é n i M puMuiM NMM alt#tnftit¥H pata as
suas IH
VMll«ÉyA«4 - MtlilMSii f MÍM HfMémiH
IM
Notas biográficas —

Nobel alternativo-mais conhecido intemacionalmente sob o n<mu-


de Right Livelihood Awcird - é atribuído a pessoas ou projn !<>,
que se esforçam por encontrar soluções práticas e exemplai < . pai
a
as questões urgentes da protecção da natureza e do ambinii«\ da
ajuda ao desenvolvimento, dos direitos da pessoa humana ou da
investigação pela paz. Em 2000, Joseph Ki-Zerbo rec ebe o pn mio
Kadhafi dos direitos do homem e dos povos c, em 2001, nvrhi-u
o título de doutor honoris causa da universidade de IVidua. un
Itália.
i TTétb<Yé <) uite 1
eetua!
africano que melhor conseguiu associar ciência c acção política.
“Creio que é um verdadeiro intelectual. Não se deixa abalar pelos
ataques, pelas críticas e pelas análises de curto prazo. Tem uma
espécie de firmeza nas escolhas”, diz a sua mulher Jacqueline Ki-
-Zerbo durante um dos nossos encontros. Eu pergunto-lhe: “Por
que razão o seu marido não ficou na universidade e não agarrou
a hipótese de prosseguir uma carreira científica internacional?”.
“Sim, é uma crítica que muita gente lhe faz”, responde ela. “Di-
zem que Joseph teria podido desempenhar outro papel se não se
tivesse metido na política. Mas não podia. Todas as suas análises
o levaram a tomar posição contra o que observava. É precisamente
o prolongamento do intelectual que investe na política para
inflectir
René Holenstein
a ordem das coisas.”

III
Notas

1
Nascido em 1923, no Senegal, Cheik Anta Diop criou uma nova escola
de estudos históricos e antropológicos sobre África e, em particular, o Egipto
Antigo na sua relação com a África negra. De 1981 até à sua morte, leccionou
na Faculdade de Letras e Ciências Humanas de Dacar (capital do Senegal).
2
Grande rede norte-americana de notícias, de alcance mundial.
3
O biface é um pedaço de pedra de formato aproximadainente oval.
com uma extremidade larga, por onde está preso, e a outra alongada, com a*,
duas bordas laterais cortantes. Essa borda é feita pela percussão com um
seixo duro, de modo a retirar lascas da pedra, até lhe dar o formato apiopi ia
do. É o mais antigo utensílio fabricado pelo Homo erectus.
4
Sobre este assunto, ver as obras de Herbert Marcuse.
5
Nascido na Martinica, em 1913, Aimé Césaire formou .<• na I• .< ol.»
Normal Superior de Paris. Quando estudava em França, começou a rs< n vu
e fundou, junto com Senghor (ver nota 6) e outros, a revista I.Ktudiant
Noir. Voltou a Martinica como professor. Foi presidente da cidade de Imi
deFrance, de 1945 a 2001, e deputado na Assembleia Nacional Fiance*. i, d<
1946 a 1993. Em 1957, criou o Partido Progressista Martiniquês, com a j»i - -
posta de independência por uma via comunista de inspiração pau aíi K am ,la
Sua vasta obra inclui poesia, ensaios e peças teatrais.
6
Léopold-Sédar Senghor nasceu em 1906, no Senegal. Licenciou :;«*
em Letras em Paris, onde conheceu Aimé Césaire (ver nota 5), com quem
estabeleceu os fundamentos da negritude. Tomou-se professor e, durante a
Segunda Guerra Mundial, quando lutou no exército francês, participou da
Frente Nacional Universitária. Em 1945, foi eleito deputado pelo Senegal.
Em 1955, foi eleito Secretário de Estado e, em 1960, tomou-se o primeiro
presidente do Senegal, cargo que ocupou até 1980, quando se retirou da
vida política, passando a viver em França, onde morreu em 2001.
7
René Depestre nasceu em 1926, no Haiti. Em 1945, somente com o
curso secundário completo, publicou a sua primeira colectânea de poesia e
fundou o jornal La Ruche, um espaço para os intelectuais haitianos que luta-

179
----- Para quando África?
vam pela identidade nacional. Após uma insurreição fracassada em 1946, foi
exilado. Em França, estudou Letras e ligou-se ao movimento anticolonia-
lista. Expulso em 1952, passou por vários países (inclusive o Haiti, de onde
foi novamente expulso), até se fixar em Cuba, onde trabalhou no Ministério
das Relações Exteriores e no Conselho Nacional da Cultura, além de fundar a
editora Casa de las Américas. Em 1978 foi trabalhar na UNESCO, em Paris.
8
Alioune Diop (1910-1980) nasceu no Senegal e bacharelou-se em Fi-
losofia na Universidade de Argel (capital da Argélia). Após a Segunda Guerra
Mundial, passou a trabalhar na administração colonial. Em 1947, fundou o
jornal Presença Africana, que actuou como um pólo de concentração do movi-
'TfiênfolínfTcõlomaTTsTTl^
Artistas e Escritores Negros (1956) e criou a Sociedade de Cultura Africa-
na, de que Alioune Diop foi secretário-geral até à sua morte.
9
Kwame Nkrumah (1909-1972) nasceu na antiga Costa do Ouro (actual
Gana). Estudou Educação e Filosofia na Universidade Lincoln, nos EUA,
onde lecionou após a graduação. Nesse período, foi eleito presidente da Orga-
nização dos Estudantes Africanos da América e do Canadá. Foi para Ingla-
terra em 1945, onde ajudou a organizar o Sexto Congresso Pan-Africano,
em Manchester, e foi vice-presidente da União dos Estudantes da África
Ocidental, participando da luta pela descolonização.Voltou à Costa do Ouro
em 1947 e tomou-se secretário da Convenção da Costa do Ouro Unida (UGCC).
Foi preso em 1948 e, depois de libertado, fundou o Partido da Convenção
do Povo (CPP), que tinha o lema “auto-govemo já” e pregava a desobediên-
cia civil. Foi novamente preso em 1950. Inglaterra concordou em dar a inde-
pendência ao país, e nas primeiras eleições, em 1951, Nkrumah, ainda preso,
foi eleito para a Assembleia Legislativa. Libertado, concordou em liderar o
novo governo, colaborando com os ingleses para encaminhar a independên-
cia, proclamada em 1957. Como primeiro-ministro e depois presidente de Gana,
Nkmmnh seguiu uma orientação marxista, estabelecendo o unipartidarismo
e 1HI*U ando promovei a industriali/açlo. Em 1966 foi deposto por um golpe
militar apoiado pglos M IA e pnmou a vivei no exílio alé A sua morte.
*" Á Ahu a «l»v* unir aa
" A HHU do fouH da Nla MM U pavilhão th» jo|tia do PaUno d**
VaifalMs,
JHsjdpMf H tdlt la! do IPI ftaiM ãa I m Maio ib I /I4 I ult H VI HMIVMIOMI ã
Notas -----------------

da nobreza. No dia 9 de Julho, constituíram a Assembleia Nacional Consti-


tuinte que, na noite de 4 de Agosto, proclamou a extinção dos direitos feu-
dais em França. A única excepção na eliminação das antigas regras de desi-
gualdade foi a escravidão dos negros nas colónias, que permaneceu.
!2
A mão invisível do mercado, considerada pelo liberalismo como o
regulador natural das actividades económicas.
13 Chamado originalmente “antimundiaíismo”, o altermundialismo sur-

giu como um movimento de resistência contra o modelo económico neo-


liberal. Aos poucos, incluiu novas bandeiras fora do âmbito económico, como
a preservação de identidades culturais e direitos humanos. Passou, assim, de
uma contestação intra-ocidental a um movimento mundial, voltado parada
busca de modelos alternativos de desenvolvimento.
14 O Fórum Económico Mundial (World Economic Forum, WEF) é uma

fundação criada em 1971, com sede em Genebra (Suíça), cujos membros


são escolhidos pela sua posição no ramo dos negócios ou no seu país de
origem, e pela dimensão global das suas actividades. Esses membros, as
cerca de mil maiores empresas do mundo, pagam uma anuidade de $12,500;
os parceiros são cerca de 100 membros com direito de decisão, que pagam
uma anuidade de $250,000. A reunião anual, para a qual são convidados
alguns líderes políticos, intelectuais e jornalistas, é realizada em Davos, na
Suíça. O WEF é visto, pelos seus membros, como um lugar privilegiado
para o debate dos principais problemas económicos do planeta, e, pelos seus
críticos, como um fórum empresarial em que as grandes corporações inter-
nacionais negociam entre si e criam mecanismos para pressionar os gover-
nos para que aceitem seus planos de negócios.
Charles Darwin (1809-1882), médico inglês, formulou uma teoria da
15

evolução das espécies, que contrariava totalmente o pensamento científico


oficial da época, fundamentado na doutrina bíblica da criação, ao afirmar
que as espécies actualmcnte existentes resultam de um processo evolutivo,
sendo que a direção da evolução é dada pela sobrevivência dos indivíduos
mau cnpn/rs cie onda griaçAo I V.a Icoiin foj indevidamcntc aplicada ao
t Mudo dai mu )pdad> i liiimanm, dando uma 1 *o .< pMudoncmlIlna A ideia
(lo
qup o topo da pvtdut,Ho humana cutuim# no indivíduo do grumo mnat ulino,
htittit o vivHiido num m*Mo cubano tio * atnpo da p* onoml#, a íd* ca d>
luta
tatént ittllM MMMii tonpl r ãg§ « 11# glflifc#

tlÉÉBW
----------- Para quando África?

17
Termo criado na Rússia czarista, que designa uma elite intelectual
constituída como classe social.
1X
Amílcar Cabral nasceu na antiga Guiné Portuguesa (actual Guiné-
-Bissau), em 1924. Em 1932, foi para Cabo Verde, onde começou a trabalhar
na Imprensa Nacional. Estudou Agronomia em Lisboa, e, em 1952, passou
a trabalhar nos Serviços Agrícolas e Florestais da Guiné. Expulso do país
em 1955, foi para Angola, ligando-se ao Movimento Popular de Libertação
de Angola (MPLA). Em 1955, foi criado o Partido Africano da Independên-
cia da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) na Guiné Portuguesa. Em 1960, o par-
tido abriu uma delegação em Conakry, de onde Amílcar Cabral passou a
^dm^rr^lntaTrel^rmaeprendêncrra^e^TSsatr-Em-l-^ST-GabfaFfo-h-assa-ssina—
do por um comando da Guiné Portuguesa, apoiado pelo governo de Conakiy,
que realizou uma operação para prender e eliminar os dirigentes do PAIGC
sediados nesse país. Sobre Nkrumah, ver nota 9.
19
Capital de Burkina Faso.
20
Zona de transição entre o Sara e a região de clima equatorial húmido
ao sul do deserto.
21
Temendo que o empobrecimento pós-guerra dos países europeus fa-
vorecesse o crescimento do comunismo, os EUA realizaram um programa
de ajuda financeira para a reconstrução da Europa, que mobilizou 12 bi-
lhões de dólares entre 1948 e 1952.
22
Não existe alternativa.
23
Ahmed Sékou Touré (1922-1984) foi militante sindicalista na antiga
Guiné Francesa e, depois, secretário-geral do Partido Democrático Guineense.
Em 1957, tomou-se presidente da cidade de Conakry, deputado e vice-pre-
sidente do Conselho. Trabalhou pelo não no referendo de 1958, que indaga-
va sobre a adesão das colónias francesas à comunidade franco-africana. Nesse
ano, Guiné-Conakry tomou-se independente. Sekou Touré foi eleito o seu
primeiro presidente em 1959, cargo em que permaneceu até à sua morte,
ligado inicialmente aos países socialistas e, mais tarde, aos islâmicos.
24
Ver nota 9.
25
Thomas Sankara nasceu em 1949, no antigo Alto Volta, e seguiu a
carreira militar. Em 1976, passou a fazer parte de uma organização secreta de
jovens militares, denominada Grupo dos Oficiais Comunistas, a que também
pertencia Blaise Compaoré (ver nota 49). Sankara tomou-se Secretário de
Estado de Informação, em 1982, mas renunciou ao cargo no ano seguinte.
Após o golpe de 1982, foi nomeado primeiro-ministro, mas foi logo demitido.
Em 1983, após um golpe organizado por Blaise Compaorc, tomou-se presi-
dente, trocando o nome do país para Burkina Faso. Governou com uma
Notas

orientação socialista e anti-imperialista, lutando contra a corrupção e pro-


movendo a educação, a agricultura e os direitos da mulher. O seu programa
revolucionário provocou uma forte oposição por parte das lideranças tradi-
cionais. Sankara foi deposto e assassinado em 1987.
26
Samir Amin nasceu no Egipto, em 1931, e estudou Economia Política
em Paris. Entre 1957 e 1963, trabalhou no planeamento económico do Egipto
e de Mali. Depois foi leccionar para França. Entre 1970 e 1980, dirigiu o
Instituto Africano para o Desenvolvimento e Planeamento Económico, da
ONU, em Dacar (Senegal). Em 1980, passou a dirigir o Escritório Africano,
em Dacar, do Fórum do Terceiro Mundo (ONG internacional de pesquisa e

guem quatro linhas principais: crítica à teoria do desenvolvimento; proposta


de método alternativo para análise do capitalismo global; releitura da histó-
ria das formações sociais; e reinterpretação do que denomina sociedades
pós-capitalistas. Um dos seus conceitos mais importantes é o da desconexão:
segundo ele,,os países subdesenvolvidos devem separar-se do mundo eapila
lista e abandonar os valores do Norte, desenvolvendo a democracia c o soria
lismo no Sul.
27
Nome dado a um conjunto de planos de emergência criados pelo go-
verno americano, entre 1933 e 1938, para reverter o quadro da grande de
pressão económica que afectou os EUA em 1929.
28
Até ao século XV, o mundo conhecido nos centros político-culturais
europeus incluía Europa, África e Ásia. A partir do século XVI, esse con
junto passou a ser chamado de Velho Mundo, e as Américas e ilhas adjacen-
tes, de Novo Mundo. A ideia subjacente era a de que a humanidade passou a
existir na região a partir da chegada dos europeus.
29
No final do século XIX, a França dominava os actuais Marrocos, Ar-
gélia, Mauritânia, Senegal, Gâmbia, Mali, Guiné, Costa do Marfim, Burkina
Faso, Benim, Níger, parte do Chade, República Centro-Africana, Congo,
Gabão, Djibuti e Madagáscar; Inglaterra, os actuais Serra Leoa, Gana,
Nigéria, partes da Líbia, do Chade e da Somália, Egipto, Sudão, Quénia,
Uganda, Malaui, Zâmbia, Botsuana e África do Sul; Portugal, os actuais
Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique;
Alemanha, os actuais Togo, Camarões, Tanzânia e Namíbia; Itália, os actuais
Eritréia, norte da Líbia e oeste da Somália; Espanha, o sul de Marrocos e a
Guiné Equatorial; Bélgica, o actual Zaire. Eram independentes somente a
actual Etiópia, a Libéria, o Transvaal (incorporado à África do Sul) e Orange
(actual Lesoto).
10
Região da África Central que abrange partes de Uganda, Quénia, Zaire,
Tanzânia, Zâmbia, Ruanda e Burundi.

183
Para quando África?

! 31
Minério raro, formado pela combinação de columbita (uma das prin-
cipais fontes de nióbio) e tantalita (fonte de tântalo), necessário para o fabri-
co de telemóveis, naves espaciais, computadores e mísseis, pois presta-se à
produção de circuitos integrados e ligas especiais para fios e turbinas.
32
Laurent-Désiré Kabila nasceu em 1939, em Catanga (no antigo Zaire).
De 1960 a 1961, lutou contra o exército oficial de Catanga, durante a inde-
pendência temporária da província (ver nota 47). Em 1962, com a reintegra-
ção à república do Zaire, exerceu os cargos de chefe dos gabinetes de infor-
mações e de obras públicas e foi conselheiro suplente da Assembleia pro-
vincial. No fim de 1963, reuniu-se ao Comité Nacional de Libertação (CNL).

sendo encarregado dos negócios estrangeiros no governo provisório do CNL.


Depois da derrota da revolução no Congo, exilou-se no Quénia. Em 1996,
passou a liderar a Aliança das Forças Democráticas pela Libertação do Congo-
-Zaire, contra a ditadura de Mobutu (ver nota 34). Vitorioso, Kabila tomou-
-se presidente da República Democrática do Congo (RDC), cargo que exer-
ceu de 1997 até 2001, quando foi assassinado.
33
Cidade mineira no sul do Zaire, tomada pelas milícias revoltadas con-
tra a ditadura de Mobutu (ver nota 34), em Maio de 1978. Em poucos dias,
o governo francês, enviou uma companhia de paraquedistas, apoiada por
outros países (como os EUA), que derrotou os rebeldes.
34
Joseph-Désiré Mobutu (1930-1997) foi militar e jornalista no antigo
Congo Belga. Foi figura-chave no golpe de Estado que depôs o primeiro-
-ministro Patrice Lumumba, em 1960 (ver nota 47). Em 1965, tomou o po-
der, sustentado pela CIA e pelo governo belga. A sua ditadura foi marcada
por execuções em massa de adversários, genocídio e corrupção. Foi deposto
em 1997. Quando governava, adoptou o nome Mobutu Sese Scko Nkuku
Ngbendu Wa Za Banga (o todo-poderoso guerreiro que, por causa <ic sua
resistência c inílcxívcl vontade dc vencer, irá de conquista em conquista,
deixando o fogo aliás de to)
11
I iam o da ( oinumdadp Finam «ma Af 1 i« nua, aulniloimanta dcnoiut
nado I iam o dai ( olóhiM I i>nn • <!n d* Alll* a
iiiiM* dai dc# maiotHH|M«*M^ pMitdlÍMai do mundo, »oni HM
haiiv*
Notas

39
Uma das regiões do império subsariano de Mali, localizada aproxi-
madamente na actual fronteira entre Mali e Níger.
40
Ver nota 27.

41
Samory Touré (cerca de 1835-1900), nascido em Mali, desde 1850
que alugou os seus serviços como soldado. Em 1860, tomou-se chefe de
guerra dos Kamara (família de sua mãe). Criou o primeiro exército profissio-
nal da região, equipado com armas de fogo. Combinando guerra e diploma-
cia, em 1878 tinha conquistado todo o Alto Níger. Entre 1886 e 1889, assi-
nou diversos tratados de cooperação com os franceses, para preservar seus
territórios; mas, a partir de 1890, enfrentou uma longa guerra contra as tro-
pas coloniais.' FÓÍpfésõ^eHèpòrtacíóeml^ST^ - —• - -
42
Mvemba-a-Nzinga, da dinastia Ntotila do antigo reino do Congo, bap-
tizado com o nome de Afonso I, reinou de 1509 a 1540. Era filho do rei
Nzinga-a-Nkuwu (chamado pelos europeus Manicongo), baptizado com o
nome de João I, com quem os portugueses entraram em contato em 1491,
quando começaram a explorar a região do Congo.
43
Canari é um grande recipiente de terracota, usado para armazenar
bebidas.
44
Ou Daomé, na actual Benim.
45
Diversos povos africanos, de várias etnias e religiões, têm, entre as
suas tradições, a prática de diferentes formas de mutilação genital feminina,
que incluem a excisão do clitóris e/ou dos pequenos lábios, o estreitamento
ou fechamento da vagina por sutura, a raspagem e cauterização do interior
da vagina, etc. Essa prática, realizada como preparação para o casamento,
visa controlar a sexualidade da mulher. Os riscos imediatos incluem dor
intensa, hemorragias e infecções que podem levar à morte; a longo prazo, a
mulher terá graves danos ao nível emocional, reprodutivo e sexual.
Autor de L ‘lulucation vn Afriqut\ o seu nome foi dado á
4A

Universidade
<lr Niam^y, no Nlgei

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**M?I
------------ Para qua ndo África?

Lunuimba foi demitido por Kasavubu. Tentou reagir, mas um golpe de estado
do coronel Mobutu (ver nota 34), apoiado por Kasavubu, teve sucesso e
Lumumba foi preso. A crise interna do Congo foi utilizada pelos envolvidos
na Guerra Fria, dentro da ONU. Torturado e humilhado, Lumumba foi trans-
ferido de uma prisão para outra, sendo assassinado em Janeiro de 1961, com
o apoio de tropas belgas. Para as outras personalidades citadas, ver notas 5,
6,9e 18.
48
Maurice Yaméogo (1921-1993) nasceu no antigo Alto Volta. Orde-
nou-se padre católico, mas abandonou a batina para casar. Filiado ao partido
União Democrática Voltaica (MDV), tomou-se vice-presidente do conselho
de governo do Alto Volla^.u^9£Qr-hogo^m^eguiiiffr7f Tol
declarado independente, tomou-se no seu primeiro presidente, governando
num regime unipartidário que recebeu muitas manifestações contrárias de
estudantes e trabalhadores. Foi deposto por um golpe militar em 1966.
49
Blaise Compaoré nasceu em 1951, no antigo Alto Volta, e seguiu car-
reira militar. Foi um dos activistas comunistas que lutaram pela indepen-
dência do país. Em 1983, junto comThomas Sankara (ver nota 25), instalou
cm Uagadugu o Conselho Nacional da Revolução. Entre 1983 e 1987, foi
ministro de Estado do governo de Sankara. Em. 1987, passou a apoiar o
Movimento de Retificação. Em Outubro, fundou o partido Congresso pela
Democracia e o Progresso (oficialmente marxista e seguidor do pensamento
de Sankara), deu um golpe de estado, que resultou no assassinato de Sankara,
e assumiu o poder, como líder da Frente Popular. Em 1990, convocou uma
Assembleia constituinte; em 1991, foi eleito presidente e, em 1998, foi
reeleito por um novo período de sete anos. O partido tomou-se um instru-
mento de poder para Compaoré, abandonando oficialmente o marxismo em
1997. Em 2005, tomou-se presidente da organização internacional Autori-
dade de Liptako-Gourma, reunida em Mali, e da Comunidade dos Estados
Sahelo-Sarianos (CEN-Sad).
50
Modelo implantado por Julius Kambarage Nyerere (1922-1999), pro-
fessor, líder socialista, activista do movimento de independência de
Tanganica, presidente daTanzânia (Tanganica e Zanzibar) de 1964 a 1985 e
um dos líderes do pan-africanismo. Ujamaa, que significa “parentesco” em
kishwahili, é o termo que ele usa para descrever o socialismo que propõe,
opondo-o tanto ao capitalismo, baseado na exploração do homem pelo ho-
mem, quanto ao socialismo doutrinário, baseado na teoria do conflito estru-
tural. Considerando as características do país, foi priorizado o desenvolvi-
mento rural; o povo foi levado a viver e a trabalhar em aldeias organizadas
em cooperativas: as aldeias ujamaa, criadas e governadas pelo povo, com
base nos seus valores tradicionais.

186
Notas
51
Para o economista inglês Keynes (1883-1946), uma economia encon-
tra o seu ponto de equilíbrio num nível alto de desemprego, porque nem
produtores nem consumidores conseguem utilizar todos os recursos dispo-
níveis; portanto, só voltará a haver pleno emprego se o governo tomar medi-
das que afectem a procura e os investimentos.
52
Norbert Zongo era jornalista, presidente da Associação dos Editores
da Imprensa Privada de Burkina Faso e director do semanário O Indepen-
dente. Em 1998, Zongo foi assassinado, junto com o irmão e dois colabora-
dores, quando viajavam a lOOkm de Uagadugu. Uma comissãoJndfipsn
—dente-rroTrckmT qué^Zongoníoi morto por razões políticas, pois estava a in-
vestigar o assassinato de David Ouédraogo, motorista de Francis Compaoré,
irmão do presidente (ver nota 49). Francis foi acusado do assassinato, mas
foi inocentado por um tribunal militar. Em 2000, cinco membros da scgu
rança do presidente foram julgados e condenados pelo crime.
53
Moussa Traoré, nascido em 1936, em Mali, frequentou a Escola hr
paratória de Oficiais de Além-mar em França. Retomou a Mali cm 1960. no
momento da independência. Poucos anos depois, foi para Tanganica, como
instrutor de combatentes de movimentos de independência. Eoi depois no
meado instrutor da escola militar de Kati, em Mali. Em 1968, participou d<>
golpe de estado que derrubou o presidente Modibo Keita (dc orientas ao
socialista). Tomou-se presidente do comité militar de libertação nacional, <
depois chefe de Estado. Abandonou o socialismo e estabeleceu um irgnnr
policial, proibindo as actividades políticas. A morte de Modibo Kcila na
prisão, em 1977, desencadeou uma grande mobilização popular à qual o
regime reagiu violentamente, havendo muitas prisões e mortes durante os
anos seguintes. Em 1990, foram criadas várias associações que organizai ;mi
o combate ao regime. Em 1991, um golpe militar depôs Moussa Traoré, que
foi preso e condenado à prisão perpétua.
54
Na primeira eleição multipartidária do país, em Novembro de 2005,
Blaise Compaoré (ver nota 49) foi eleito com 80,3% dos votos. Os observa-
dores internacionais afirmaram que as eleições foram limpas.
55
O astrónomo polaco Nicolau Copémico, no início do século XVI, pro-
pôs o modelo do sistema solar, com os planetas girando em tomo do Sol,
que ia contra a teoria, aceita até então, de que o centro do mundo seria a Terra.
56
Sistema desenvolvido na URSS durante o estalinismo, no qual o po-
der real era exercido por um pequeno grupo de altos funcionários adminis-
trativos que abrangiam todas as áreas da economia.
57
Amadou Hampâté Bâ nasceu em 1900, em Mali, de uma família nobre
islâmica. Escritor, poeta, etnólogo e historiador, trabalhou na administração

187
------- Para quando África?
colonial francesa, e depois em instituições culturais e fundações internacio-
nais. Mais tarde, seguiu carreira diplomática, tomando-se membro do con-
selho executivo da UNESCO. A partir de 1970, abandonou todos os cargos
oficiais e dedicou-se a registrar os testemunhos orais dos contadores de his-
tórias do seu país. Morreu em 1991.
58
O djembê é um tambor típico da cultura dos povos mandingas (Mali,
Costa do Marfim, Guiné). É feito de madeira e fechado com uma pele esticada
por um trançado de cordas. Tem forma de cálice e, por causa do seu grande
tamanho, costuma ser tocado de pé. É levado a tiracolo por meio de uma
correia fixada em duas alças metálicas. O djembê foi muito valorizado por
alguns governos de tendência socialista (como o de Sékou Touréem Guiné-
-Conakry), que priorizaram a cultura tradicional como portadora da identi-
dade nacional.
59
Estudioso franco-húngaro, que tem, entre as suas principais linhas de
reflexão, os países do Terceiro Mundo.
60
O Club du Sahel et de l \Afrique de l ’Ouest (CSAO) é um fórum infor-
mal de intercâmbio e reflexão, que une os sectores público e privado, traba-
lhando pela melhoria da ajuda ao desenvolvimento. Foi criado em 1976 e
hoje reúne os países da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvi-
mento Económicos) e da África Ocidental: Burkina Faso, Benim, Cama-
rões, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné-Bissau, Guiné-Conalcry, Ilhas
Maurício, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Cabo Verde, Serra Leoa,
Senegal, Tchade e Togo.
61
Não à ajuda, sim ao comércio.
62
Encontro anual dos países francófonos.
63
Ver nota 5.
M
No Fórum Social Mundial de Janeiro de 200 F O FSM é um
encontro
de ntganj/nçõcg da sotiedmlo civil (()N(í e outias) «llemumdinhstiri
(vei
nota I t) Foi citado em 2001, em Darai, e promove em onlioa anuaiu
em
vAi hm paina*, §»mln uma da* lemtllV* coincidente t oin a do
FólUltl l < onó
mico Mundial (vm nota 14)
FHCMHMM ije yiopMi altHimiodiailita*, otyfml#ado p*da t INI I intenta
clonal AI lAl t[A«® M * H M MH pnoi |« h*atioH dn* Í MO ^ H I HH * poin FAldc
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190
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