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O Brasil feliz de novo?

“O melhor governo é aquele que menos governa”


Henry Thoreau (no livro “Desobediência Civil”, de 1849)

“A felicidade é como a pluma


Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar”
Vinicius de Moraes

No primeiro turno da campanha eleitoral de 2018, praticamente todos os candidatos associaram


alto crescimento econômico com felicidade. Jair Bolsonaro enalteceu o alto crescimento da
época do “milagre econômico”, nos anos de chumbo da ditadura militar, mas não falou nada do
fracasso do governo Figueiredo. Fernando Haddad teceu loas aos anos de médio crescimento
do governo Lula, mas omitiu - ou forneceu desculpas pouco convincentes - o fracasso do governo
da presidenta Dilma Rousseff (que foi rejeitada nas urnas de Minas Gerais).

Segundo o pensamento econômico tradicional o alto crescimento do PIB gera emprego, gera
renda, gera recursos para o Estado investir em infraestrutura e em gastos sociais, enfim, gera
felicidade geral para a nação. O gráfico abaixo mostra as taxas anuais de crescimento do PIB
(colunas azuis) e os octênios (média móvel de oito anos) de crescimento da economia, no
período 1948 a 2018. Na primeira metade do século XX, os octênios variavam entre 3% e 6% ao
ano. Em 1955 o octênio referente ao período 1948-1955 (governos Dutra e Vargas) atingiu o
nível mais alto da série histórica, até aquele momento, com o valor médio de 7,2% ao ano. Este
valor foi superado em 1961, com crescimento de 8,2% ao ano, referente ao octênio 1954-61
(maior parte transcorrido no governo JK).

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Nota-se que a economia brasileira começou uma fase de aceleração do crescimento a partir do
fim da Segunda Guerra Mundial e atingiu o pico durante os governos militares, pois o octênio
com desempenho recorde foi de 1969-1976 (governos Médici e Geisel), quando apresentou
crescimento médio anual de 10,1%. A média de crescimento continuou acima de 7% ao ano até
1980.

Mas com a crise dos anos 1981 a 1983 (governo Figueiredo) a média do crescimento anual do
PIB caiu para algo em torno de 3% ao ano. Na sequência, com a crise econômica dos governos
Sarney e Collor a média do crescimento econômico brasileiro caiu ainda mais e atingiu a pior
média do século XX no octênio terminado em 1994, com valor de 1,6% ao ano.

Portanto, a economia brasileira estava com inflação alta e baixo crescimento quando foi feito o
Plano Real. O ponto alto do octênio 1995-2002 (governo FHC) foi no ano 2000 com média de
3,1% ao ano (em 2002 a média foi 2,4%). As duas últimas décadas do século XX foram de baixo
crescimento, mas a primeira década do século XXI foi de recuperação. A média de crescimento
do octênio 2003-2010 (governo Lula) foi de 4,1% ao ano e o octênio recordista do atual século
foi em 2011, referente ao período 2004-2011, com média anual de 4,4% ao ano.

A partir de 2011 a economia brasileira entrou em declínio acentuado e os octênios seguintes


apresentaram valores cada vez menores até atingir o mais baixo crescimento médio anual da
história, que foi de 0,6% em 2018, referente ao quinquênio 2011-18 (governos Dilma e Temer).
Portanto, o Brasil vive a sua mais longa e profunda crise econômica, sendo que os últimos 8 anos
(2011-18) foram os que apresentaram o pior desempenho econômico da história republicana
do país. O crescimento do PIB nunca foi tão fraco. Desta forma, não é de se estranhar que o
Brasil esteja tão polarizado e com tanto rancor e divergência política na flor da pele.

Entre 1930 e 1980, o PIB do Brasil cresceu mais do que a média da economia mundial e mais do
que a média do PIB dos países emergentes. Neste sentido, o Brasil ganhou peso relativo e se
tornou uma das 10 maiores economia do mundo. O Brasil era um país emergente. Mas a partir
de 1981 a economia brasileira passou a crescer menos do que a média mundial e a média dos
países emergentes, se tornando um país submergente.

O gráfico abaixo compara o crescimento do Brasil e dos países emergentes, entre 1980 e 2020,
com base nos dados do FMI (abril de 2018). As linhas pontilhadas apresentam o crescimento
anual e as linhas cheias a média móvel trienal. Nota-se que os únicos períodos em que a
economia brasileira cresceu acima da média dos países emergentes foram nos anos de 1984 a
1986 e 1993 a 1995. A partir de 1996, o Brasil passou a ter um desempenho consistentemente
pior do que os países emergentes e a distância se ampliou e atingiu uma diferença considerável
na atual década (2011-2020).

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O gráfico abaixo (também com dados do FMI, de abril de 2018) mostra que, desde os anos de
1980, o Brasil cresce consistentemente abaixo da média mundial e bem abaixo da média dos
países emergentes. No período 1980-1985 (governo Figueiredo) a diferença entre a taxa média
de crescimento anual do PIB do Brasil, do mundo e dos países emergentes não era tão grande.
No período 1986-94 (governos Sarney, Collor e Itamar), a diferença aumentou, especialmente
no último período do gráfico.

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Nos oito anos do governo FHC (1995-2002) a economia brasileira cresceu em média apenas 2,3%
ao ano (menos do que no período 1980-1994) e isto ocorreu em um momento em que o PIB do
mundo e dos países emergentes estava se acelerando. Nos oito anos do governo Lula (2003-
2010) houve uma aceleração do crescimento da economia brasileira que se aproximou bastante
da média da economia mundial, mas ficou bem abaixo da média dos países emergentes que se
beneficiaram do superciclo da commodities e dos ganhos dos termos internacionais de troca.
Nos oito anos dos governos Dilma e Temer (2011-2018) o Brasil teve o seu pior desempenho da
história, crescendo apenas 0,7% ao ano, bem distante dos 3,7% aa do mundo e dos 5% dos países
emergentes.

Considerando todos os dados anteriores, nota-se que, depois da Segunda Guerra Mundial, os
dois períodos de maior crescimento da economia brasileira foram nos governos JK (1956-61) e
durante um pedaço da ditadura militar (governos Médici e Geisel), sendo que o período do
chamado “milagre brasileiro” o crescimento do PIB bateu todos os recordes dos 518 anos de
história do Brasil. De 1980 para cá (fase de baixo crescimento), os 8 anos do governo FHC foram
de baixo crescimento (2,3% ao ano), mas os quase 14 anos do PT (2003-2016) também foram de
baixo crescimento (2,5% ao ano, quando o mundo crescia 3,9% ao ano e os países emergentes
cresciam 6% ao ano no período 2003-16). Mas nada se iguala à mediocridade dos 8 anos dos
governos Dilma-Temer (0,7% ao ano).

Entre 1901 e 1980, o PIB brasileiro cresceu em média 5,7% ao ano. Mas no período 1981 a 2018
o crescimento médio anual do PIB foi de somente 2,1% ao ano. O Brasil que, entre 1901 e 1980,
era um país emergente e crescia acima da média mundial, passou a ser um país submergente a
partir de 1981, pois iniciou um período de crescimento abaixo da média mundial e muito abaixo
da média dos países emergentes. O Brasil cresce (pouco) em termos absolutos e fica para trás
da média mundial, em termos relativos.

Todos estes dados mostram que o próximo governo brasileiro, que será eleito em 28 de outubro,
para o quadriênio 2019-2022, vai herdar uma situação muito delicada na economia brasileira,
cujos passivos podem ser apresentados, sinteticamente, da seguinte maneira: baixo
crescimento econômico, altas taxas de desemprego e subemprego, grandes déficits fiscais
(primário e nominal), crescimento elevado da dívida pública, baixas taxas de investimento, baixa
produtividade da economia, crise na saúde, na educação, na segurança pública, etc.

Embora a economia brasileira tenha apresentado sinais de grande debilidade nas últimas quatro
décadas e esteja passando pelo pior octênio da história (2011-18) os dois candidatos que
disputam o segundo turno das eleições prometem recuperar o “passado glorioso” do Brasil, quer
seja o patriotismo dos anos autoritários ou o internacionalismo terceiro-mundista dos governos
de esquerda.

O candidato Jair Bolsonaro, que sempre faz elogios ao regime militar, promete retomar o
período de grande crescimento da economia brasileira e faz questão de dizer que no período da
“lei e da ordem” do governo militar o PIB brasileiro crescia bem acima da média mundial e o
Brasil era um dos principais países emergentes do globo. Houve grande redução da pobreza
naquele período e as taxas de homicídios eram muito baixas. Mas o que o candidato não fala
sobre o triste processo de concentração da renda e supressão das liberdades e dos direitos
humanos.

Já o candidato Fernando Haddad promete fazer o país ser feliz de novo repetindo o octênio do
governo Lula, que embora tenha mantido um crescimento do PIB cerca de três vez menor do
que no período do milagre econômico, foi o período de maior crescimento da fase submergente

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da economia brasileira (1981-2018), tendo a seu favor um crescimento conjugado com redução
da pobreza e da desigualdade social, num ambiente político democrático.

Portanto, os dois candidatos prometem grande crescimento da economia como solução para
todos os males nacionais. Sendo que Bolsonaro (recém convertido ao neoliberalismo) promete
crescimento com maior presença das leis de mercado, maior liberdade de iniciativa e maior
autoritarismo na política; enquanto Haddad promete crescimento com maior interferência
estatal, melhores políticas sociais e respeito às instituições democráticas. Evidentemente,
caberá ao eleitorado escolher qual o melhor modelo a seguir e os riscos inerentes a cada
modelo.

Porém, o quadro internacional e nacional não é róseo. Utilizar palavras bonitas para prometer
crescimento da renda e a solução dos problemas sociais é fácil, o difícil é transformar estas
palavras em realidade. De modo geral, nas campanhas eleitorais, os candidatos subestimam a
complexidade dos problemas e superestimam as promessas e a capacidade de solução das
carências econômicas e sociais do país. O perigo é ignorar o tamanho do rombo fiscal e passar a
sensação de soluções que na verdade se transformam em um estelionato eleitoral.

Nenhum programa de governo apresentado pelos candidatos apontou de maneira clara e


realista de onde sairão os recursos para realizar as promessas de campanha. Além do mais, a
panaceia do crescimento econômico pode não se concretizar devido a três motivos: primeiro o
Brasil tem se mantido preso à “armadilha do baixo crescimento” desde 1981 e não tem
conseguido crescer mais do que a média mundial e muito menos em relação aos países mais
dinâmicos (possui baixa produtividade dos fatores de produção).

Em segundo lugar, os países emergentes têm diminuído a taxa de crescimento, pois a China
reduziu pela metade os seus recordes do PIB e diversos outros países estão enfrentando grandes
reverses econômicos como a Argentina, a Turquia, a Nigéria, a Venezuela, etc. Em terceiro lugar,
todo o desenvolvimento econômico do mundo tem sido feito com grande degradação ambiental
e um colapso ecológico pode se transformar em um colapso civilizacional.

Portanto, independentemente da alternativa que sairá vencedora em 28 de outubro, a


possibilidade de repetir altas taxas de crescimento econômico está cada vez mais distante.
Qualquer que seja a alternativa vencedora das eleições vai enfrentar uma realidade de baixo
crescimento econômico que vem se consolidando nas últimas quatro décadas. E o pior, nos
próximos tempos, o mundo caminha para a estagnação secular (período de baixo crescimento
no longo prazo), conviverá com o fim do bônus demográfico e o forte envelhecimento da
população e terá que arcar com os custos econômicos e sociais das mudanças climáticas.

Sustentar todas as promessas eleitorais na ideia do crescimento econômico pode ser um fiasco,
pois parece impossível se retomar às altas taxas de crescimento do passado e, mesmo que se
consiga, pode ser uma vitória de Pirro, pois pode agravar ainda mais a relação entre
desenvolvimento e meio ambiente. Não será fácil articular democracia, economia e ecologia. O
novo relatório do IPCC mostra que o mundo caminha para um colapso ambiental se não
conseguir limitar o aquecimento global no limite de 1,5º Celsius em relação ao período pré-
industrial.

É claro que o Brasil precisa mais de professores e de democracia do que de militares e


autoritarismo. Mas os candidatos que vão disputar o segundo turno precisam fazer propostas
menos grandiloquentes e alertar a população brasileira para a difícil situação nacional e
internacional. Ninguém chega à felicidade com base na ilusão ou em bilhetes premiados.

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Não será fácil fazer o Brasil crescer de forma economicamente inclusiva, socialmente justa e
ambientalmente sustentável. Esta utopia não é fácil de se alcançar e, caso seja minimamente
alcançável, não será tarefa de apenas um governo. É preciso tomar cuidado para que a eleição
de 2018 não repita o estelionato eleitoral de pleitos passados e que não seja, simplesmente, um
plebiscito entre os dois períodos de maior crescimento dos últimos 50 anos: o “milagre
econômico” da ditadura militar e o período do superciclo da commodities do governo Lula.

O Brasil está em uma situação de impasse econômico e social e as eleições de 2018 indicam uma
radicalização do discurso do “nós contra eles” que pode tornar o país ingovernável. Pode ocorrer
um desastre de grandes proporções se o Brasil ficar mais 4 anos em clima de ódio e de cegueira
política e econômica. A nação não merece o populismo, nem de direita e nem de esquerda. Não
merece também um Congresso sem renovação e com a consolidação de uma representação
conservadora, fragmentada, distante do perfil médio da população e sem propostas para fazer
o país avançar.

O resultado do primeiro turno apresentou um tsunami anti-petista e mostrou os equívocos do


partido que adotou uma tática sectária isolando, por exemplo, o candidato Ciro Gomes ao
impedir uma aliança do PDT com o PSB e pela afirmação da presidenta da legenda que diz que
“Ciro não passa no PT nem com reza brava”. O PT não teve a visão correta de fazer uma proposta
que unificasse a esquerda.

Agora no segundo turno, as forças progressistas precisariam se unir para evitar o abismo de
propostas inconsequentes do radicalismo infantil de direita e realizar as transformações
estruturais tão necessárias. Mas a unidade não pode ser feita com base em propostas estreita e
nem de forma a ignorar o combate às práticas corruptas. A autocrítica é fundamental para
superar a desconfiança. É preciso reforçar os valores democráticos, mas sem deixar de
reconhecer que a democracia brasileira não está conseguindo promover o bem-estar da maioria
da população nos últimos 30 anos (dados os privilégios, a incompetência e o mal funcionamento
de suas instituições). No segundo turno, o debate deve ser mais aprofundado e deve haver a
montagem de um “bloco histórico” avançado e inovador que evite a demagogia enganadora das
soluções simples e equivocadas.

Não cabe focar em um projeto de partido na eleição de 28 de outubro, mas sim, transformar
esta oportunidade em um momento para se discutir um novo e pluripartidário projeto de país
– que foque em uma nação justa, próspera e ambientalmente sustentável no longo prazo. O
momento exige uma frente ampla democrática para pacificar o país e fazer o básico dos
fundamentos econômicos, sociais, políticos e ecológicos.

Para tanto é preciso uma grande mobilização da sociedade civil, com transparência e
determinação para fazer o que é possível se conquistar, com ética e firmeza de princípios, numa
total conscientização utópica capaz de agregar a esperança e o esforço individual e coletivo,
mesmo sabendo que estamos diante de um cenário global cada vez mais distópico.

Um registro: não existe determinismo histórico, mas em todas as eleições da Nova República
quem venceu o primeiro turno venceu o segundo turno. Também quem vence em Minas Gerais
venceu no Brasil. As próximas 3 semanas vão requerer muita reflexão do eleitorado. Pesquisa
Datafolha indicou que o apoio à democracia nunca foi tão alto no país. Mas ironicamente, a
democracia nunca esteve tão ameaçada e enfraquecida na dinâmica concreta da política.

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O país vive um momento crítico. A nação brasileira pode estar indo para o abismo e
consolidando uma irreversível trajetória submergente. É bom lembrar o alerta de Vinicius de
Moraes que dizia: “Tristeza não tem fim, felicidade sim”!

José Eustáquio Diniz Alves


Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População,
Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE;
Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

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