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Mimeses, realismo, modernidade e vanguarda: geração de 70

Quem inicia os estudos literários, mais cedo ou mais tarde, passa por um texto central
que guiou (podendo dizer que até mesmo hoje ainda guia) a maneira de pensar
literatura: a Poética de Aristóteles. Logo no início, o filósofo define a essência da poesia
(termo aqui corresponde à literatura, uma vez que essa palavra só entra em circulação
no séc XVII), a mimeses (em tradução livre significa imitação), conceito que Platão, na
República, empregou na critica aos poetas, uma vez que estes “copiam” em três graus
de distância à “verdade” ou o mundo das ideias. As leituras posteriores de Aristóteles
levaram os escritores a procurar um maior grau de “realismo”, assim, a literatura seria
um espelho, um reflexo da realidade. Entretanto, parece não ser bem isso o que o
filósofo conceitua, já que diferencia claramente literatura de história, esta como o que
“é” e aquela como tudo que “poderia ser”, além da utilização do termo verossimilhança,
tido como uma verdade na obra literária, não tendo que corresponder à realidade,
dizendo que é preferível contar algo impossível na realidade, mas passível de ocorrência
na obra, do que algo possível da realidade, mas pouco crível na obra. Mas sigamos. Nos
séculos XVIII e XIX, os escritores buscaram dar o maior grau de realidade, “realismo”,
contudo, isso já ocorria anteriormente como bem observou Ian Watt na “Ascensão do
Romance”, vendo em Fieldings, Defoe e Richardson, como precursores. Desta forma, o
que seria esse “realismo” que os poetas buscavam¿ Vejamos algumas respostas,
tomando a geração de 70 do Séc. XIX de Portugal para exemplificação.

Em 1865, em Portugal, há disputas entre intelectuais, por meio de diversos textos,


poemas, artigos jornalísticos e cartas abertas, sobre as novas formas de pensar literatura.
Tal disputa pode ser vista de dois polos: um defendido por Antônio Feliciano de
Castilho e seus discípulos e o outro pela geração de 70, como se definiu posteriormente.
O primeiro era defendido por escritores românticos, em voga nesse período, Castilho era
um deles, que viam na literatura uma arte bela que afirma os ideais e paixões uma
nação, em grande parte com sentimentalismo e devaneios. A segunda, composta por
estudantes universitários que estudaram em Coimbra (daí o nome dessa disputa: questão
Coimbrã), que viam na literatura uma incongruência entre a sociedade e a literatura em
voga, aquela marcada por revoluções e transformações sociais que se espalhavam na
Europa, principalmente na França, e esta ensimesmada, ou seja, eles viam um poder
transformador pela literatura. Posteriormente, os jovens da geração de 70 se reúnem em
um cassino e buscam uma nova concepção política, cultural e literária em Portugal, pois
o país estava enquadrado por uma decadência em todos os setores da sociedade.
Observando que estas questões não acompanhavam o cotidiano português, assim,
estando atrasados com o resto da Europa, eles propõem diversos pontos para uma
modificação reflexiva baseada nos demais países europeus: culturais, sociais, artísticos e
científico. Na literatura, propõem uma literatura mais “objetiva”, sem o sentimentalismo
e devaneio retrógrado e mais crítica à sociedade burguesa, descrevendo suas mazelas.
Posteriormente, esses escritores põem em prática esses pontos, assim, instaura-se uma
nova escola em Portugal, o “realismo”, como ocorreu em grande parte do mundo
ocidental nesse período. Assim, podemos entender o “realismo” como forma essencial
do romance, vista anteriormente por Ian Watt e como uma corrente estética do séc XIX
que tem características marcadamente sociais, marcada por uma “racionalização” e
suposta “objetividade” (apesar do uso da linguagem menos afetada e do excesso da
descrição, visto por Roland Barthes como uma técnica para aumentar a ilusão do “efeito
de real” e de explicações científicas, uma vez que toda linguagem, incluindo aqui a
literatura, não pode alcançar, representar o real, mas apenas referi-lo).

Por fim, podemos notar indícios da modernidade já na geração de 70. Vimos que os
jovens dessa geração, Antero, Eça, Teófilo, buscavam “acelerar” a política, cultura e
literatura portuguesa rompendo com o “passado” para alcançar algo melhor. Ora, não é
precisamente isso que define a modernidade¿ Uma época de aceleradas transformações,
com a crença de que a tecnologia, a ciência e as artes caminhavam para o bem maior, ou
seja, uma progressividade histórica. Como maior exemplo da modernidade, há os
modernistas, alimentada pelo modernismo: Mário de Andrade nosso maior exemplo.
Não confundir os dois termos: modernidade é usada em relação ao período pós-idade
média, já modernismo é um movimento intelectual-artístico do século XX. Observando
as características dos modernistas fica difícil não incluir a geração de 70 nesse grupo:
espírito pioneiro, nojo e aversão às artes presentes, seguiram o modelo dos movimentos
revolucionários, preferiam agir coletivamente, olhavam para além do reino das artes,
fizeram manifestos. De acordo com Bauman em “O Mal- Estar da Pós-Modernidade”,
os modernistas, em contraponto com nossos artistas atuais (pós-modernismo),
acreditavam que “tudo o que vem depois é também (tem de ser ou deve ser) melhor,
enquanto tudo que reflui para o passado é pior”. Desta forma, os modernistas não
queriam romper com a realidade, mas se viam como “propulsores”, confiantes de que há
uma progressividade história. Para encerrar, sabemos que toda classificação literária é
falha, nada é puro, seja gênero ou uma escola literária. Entretanto, seguindo o
pensamento de Bauman, a geração de 70 pode ser tida como a “vanguarda” no mundo
artístico moderno, antes mesmo que os modernistas, já em meados do séc XIX.
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