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MIRCEA ELIADE: O SAGRADO

Escritor e historiador romeno nascido em Bucareste (1907), Romênia, considerado o mais importante e influente especialista em
história e filosofia das religiões, ficou conhecido pelas pesquisas que empreendeu sobre a linguagem simbólica das diversas
tradições religiosas. • De uma família de cristãos ortodoxos, desde jovem se tornou poliglota, aprendendo o italiano, inglês,
francês e alemão. Formou-se em filosofia pela Universidade de Bucareste (1928) onde defendeu uma tese de mestrado sobre a
filosofia na Renascença italiana, de Marcilio Ficino a Giordano Bruno.
Influenciado pelo humanismo na Renascença foi para a Índia onde estudou sânscrito e filosofia hindu na Universidade de Calcutá e
ainda e aprendeu o hebraico e o parsi. Também estudou as filosofias do sudeste asiático, sob a orientação do mestre Surendranath
Dasgupta (1885-1952), professor emérito da Universidade de Calcutá e autor de 5 volumes sobre a história da filosofia da Índia,
Motilal Banarsidass (1922-1955). De volta à Romênia (1932), doutorou-se no departamento de filosofia com a tese publicada em
francês Yoga: essai sur les origines de la mystique indienne (1933). Esta edição deu-lhe reputação internacional e o levou a publicar
outras obras sobre ioga e outros textos sobre filosofia.
Trabalhou como adido cultural e de imprensa nas representações diplomáticas romenas em Londres e Cascais, Portugal. Após a
Segunda Guerra Mundial (1945), durante a qual serviu na legião romena na Inglaterra e Portugal, por suas convicções direitistas
não voltou para a recém Romênia comunista e estabeleceu-se em Paris, e tornou-se professor de religião comparativa na École des
Hautes Études, na Sorbonne, enquanto escrevia em francês. Emigrando para os EEUU, estabeleceu-se definitivamente em Chicago,
onde passou a lecionar história das religiões na Universidade de Chicago (1956). Passou a chefiar o Departamento de Religião da
Universidade de Chicago (1958), cargo que ocupou até à sua morte, ocorrida em Chicago, Estados Unidos (1986).
Entre suas principais obras, caracterizadas pela interpretação das culturas religiosas e a análise das experiências místicas, foram
Traité d'histoire des religions (1949) e Le Sacré et le profane (1965). Mircea Eliade define o sagrado por oposição ao profano: "O
que se pode definir do Sagrado é que ele se opõe ao profano". O profano é o comum, o corriqueiro, aquilo que carece de
significado especial em nossa vida. O sagrado é o incomum, o especial, o que apresenta um significado particular em nossa vida,
de modo absoluto e definitivo.
O homem, para Eliade "toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra como qualquer coisa de
absolutamente diferente do profano". A esta manifestação do sagrado, Eliade dá o nome de hierofania, isto é, "algo de sagrado se
nos mostra". Assim sendo, o sagrado, segundo M. Eliade, na expressão de W. Piazza, “não é uma 'ideia', ou seja, uma expressão
puramente conceitual do homem que ele faz do mistério da vida e do universo, mas uma 'experiência' de algo que se manifesta e
ao mesmo tempo se oculta no mundo sensível”.
Tanto assim que o sagrado permanece idêntico a si mesmo, embora assuma vários aspectos fenomenológicos segundo as várias
condições de vida do homem - pastores, caçadores, agricultores. (...) Ou, por outra, o homem interpreta a sua experiência do
Sagrado segundo as estruturas culturais em que vive, mas a experiência do Sagrado apresenta-se em todas estas culturas como
algo que transcende. Assim, o animista interpreta a experiência do sagrado como uma força vital - o mana -, enquanto o xamã vê
no sagrado a manifestação de potências celestes".
Dando ênfase ao termo "hierofania" - manifestação do sagrado -, Eliade afirma que a história de todas as religiões, desde as mais
primitivas às mais elaboradas, "é constituída por um número considerável de hierofanias, pelas manifestações das realidades
sagradas". A partir da mais elementar hierofania - por exemplo, a manifestação do sagrado num objeto qualquer, uma pedra ou
uma árvore - e até "a hierofania suprema que é, para um cristão, a encarnação de Deus em Jesus Cristo, não existe solução de
continuidade".
Para Eliade, o homem moderno oferece resistência às manifestações do sagrado em pedras e árvores. Mas "não se trata de uma
veneração da pedra como pedra, de um culto da árvore como árvore. A) A pedra sagrada, a árvore sagrada, não são adoradas
como pedra e árvore, são-no justamente como hierofanias, porque mostram qualquer coisa que já não é pedra nem árvore, mas o
sagrado, o ganz andere, o totalmente outro. B) Manifestando o sagrado, um objeto qualquer torna-se outra coisa, e contudo
continua a ser ele mesmo, porque continua a participar de seu meio cósmico envolvente.
“Uma pedra sagrada nem por isso é menos pedra; aparentemente - de um ponto de vista profano - nada a distingue das demais
pedras. Para aqueles a cujos olhos uma pedra se revela sagrada, a sua realidade imediata transmuda-se numa realidade
sobrenatural”. Em outros termos, prossegue Eliade, para aqueles que têm uma experiência religiosa, "toda a Natureza é suscetível
de revelar-se como sacralidade cósmica. O Cosmo, na sua totalidade, torna-se uma hierofania". O homem religioso procura ficar o
mais possível num Universo sagrado e, por conseguinte, como é que se apresenta a sua experiência total da vida em relação à
experiência do homem privado de sentimento religioso, do homem que vive, ou deseja viver, num mundo dessacralizado.
Digamos imediatamente que o mundo profano na sua totalidade, o Cosmo totalmente dessacralizado, é uma descoberta recente
da história do espírito humano. (Não nos incumbe mostrar por que processos históricos e em consequência de que modificações
do comportamento espiritual o homem moderno dessacralizou o seu mundo e assumiu uma existência profana). Para o nosso
propósito, basta constatar que a dessacralização caracteriza a experiência total do homem não-religioso das sociedades modernas
e, por consequência, este último sente uma dificuldade cada vez maior em reencontrar as dimensões existenciais do homem
religioso das sociedades arcaicas".
A separação do sagrado e do profano - essas duas experiências do ser humano - se encontra “lendo as descrições concernentes ao
espaço sagrado e à construção ritual da morada humana, ou às variedades da experiência religiosa do Tempo, ou às relações do
homem religioso com a Natureza e o mundo dos utensílios, ou à consagração da própria vida humana, à sacralidade de que podem
ser carregadas as suas funções vitais como alimentação, sexualidade, trabalho etc”. Bastará lembrar no que se tornaram para o
homem moderno e a-religioso a cidade ou a casa, a Natureza, os utensílios ou o trabalho, para captar ao vivo tudo o que o
distingue de um homem pertencente às sociedades arcaicas ou mesmo de um camponês da Europa cristã. Para a consciência
moderna, um ato fisiológico, como a alimentação, a sexualidade etc., não é, em suma, mais do que um fenômeno orgânico,
qualquer que seja o número de tabus que o embaraça (ainda que esse ato imponha certas regras, por exemplo, para 'comer
convenientemente' ou que interdite um comportamento ‘sexual’ que a moral social reprova). Mas, para o 'homem primitivo', um
ato nunca é simplesmente fisiológico; é, ou pode tornar-se, um 'sacramento', quer dizer, uma comunhão com o sagrado".
A história demonstra que o sagrado e o profano são duas modalidades de ser no mundo, "duas situações existenciais assumidas
pelo homem ao longo da sua história. Esses modos de ser no mundo não interessam unicamente à história das religiões ou à
sociologia, não constituem unicamente o objeto de estudos históricos, sociológicos, etnológicos. Em última instância, os modos de
ser sagrado e profano dependem das diferentes posições que o homem conquistou no Cosmo, e, por consequência, interessam
não só aos filósofos mas também a todo investigador desejoso de conhecer as dimensões possíveis da existência humana".
Eliade acentua fortemente a linguagem simbólica dos mitos, pois é através dela que se manifesta o significado último do sagrado.
Partindo dessa perspectiva, ele estuda a fenomenologia religiosa sob dois aspectos fundamentais: o espaço sagrado e o espaço
profano; o tempo sagrado.
Espaço sagrado e espaço profano
Para M. Eliade, toda essa religiosidade primitiva, num esforço primário de delimitação subjetiva do mundo, pensa o espaço de
maneira heterogênea e o diferencia em função de suas qualificações. Há, portanto, o espaço sagrado, real e de forte significado, e
aquele outro indefinido, sem qualquer expressão ou consciência, o espaço profano. Tal dicotomia constitui uma expressão sensível
que, de certa forma, é homóloga à "fundação do mundo", pois é a ação do corte espacial que descobre e determina o "ponto fixo",
o centro a partir do qual emana o sagrado como realidade absoluta.
Assim, diferentemente da experiência profana em que o espaço é homogêneo e neutro, o homem religioso funda o seu mundo
numa definição de centro orientada para uma projeção cósmica. Sim, porque o "seu mundo" é um universo no qual o sagrado se
manifestou através de sinais misteriosos e no qual permanece presente. Igreja, templos etc., são marcos espaciais cujas portas
estabelecem o limiar, a fronteira de separação entre mundos opostos. No seu interior, o profano é transcendido, havendo a
possibilidade de comunicação direta com os deuses: os templos "re-santificam“ continuamente esse mundo que ele representa e
contém.
Eliade quer dizer que o espaço sagrado é especial, dotado de um significado particular como o do "centro do mundo", como lugar
hierofânico, ou seja, da manifestação e do encontro com o Sagrado. O espaço profano é o indefinido, "sem qualquer expressão ou
consciência", ou seja, é comum, sem significação particular. Poderia existir mas, também, poderia não existir. Tem uma forma, mas,
também, poderia apresentar uma outra - problema da contingência.
Tempo sagrado
Para Eliade, é sobretudo em relação ao tempo vivido pelo homem religioso que podemos melhor entender a dicotomia
sagrado/profano, uma vez que aí se faz presente, através de ritos, uma delimitação entre eles. Enquanto "tempo sagrado" é aquele
"reversível", sempre "passível de ser tornado presente e atuante", "o tempo profano decorre continuamente e sem retorno".
Sendo reatualizado a cada cerimônia religiosa, o momento sagrado é ontologicamente temporal, circular, igual a si mesmo,
retomando sempre a origem primordial da atividade divina da criação.
Assim é que, ao identificar ao Cosmo o ano em sua sucessão de dias, o homem religioso acredita que o mundo se renova
periodicamente, isto é, a cada Ano Novo o sagrado original é reiterado, renasce. Por isso se faz mister, no início desse período, a
purificação dos templos e a expulsão dos demônios; é a restauração do tempo puro, tal como existiu no momento da criação. A
regeneração do tempo, ou seja, o seu recomeçar como tempo sagrado, é simultâneo ao "renascimento do homem" que, dessa
forma, começa uma nova existência, pleno de forças vitais, tal como em seu nascimento.
Essa busca do tempo original é, para o homem religioso, a repetição do ato criador dos deuses. Esse encontro se faz através de
múltiplas cerimônias - festas periódicas -, nas quais, pelo comportamento distinto daquele dos outros dias comuns, o homem
denota integração em sua atmosfera sagrada, consciente de que em seus mínimos detalhes está executando os atos exemplares
do criador in illo tempore, isto é, naquele tempo primordial, inicial, o tempo fabuloso do princípio quando tudo foi criado pelos
deuses.
Assim, o homem se torna contemporâneo dos deuses: sai do seu tempo histórico, constituído pela soma dos eventos profanos e
pessoais, para participar de um tempo eterno, mítico, "o tempo da origem", aquele que "não decorre" porque não está integrado
à duração temporal da existência cotidiana. Satisfaz, portanto, seu desejo de aproximação dos deuses: a sua necessidade de
retorno à origem.
Todas as religiões possuem o seu tempo sagrado, "circular", que renova o mundo periodicamente. Os ciclos litúrgicos do
cristianismo: Natal, Quaresma, Semana Santa, Páscoa, Pentecostes etc., todos apresentando uma "integração na atmosfera
sagrada" do in illo tempore. Segundo Piazza, tanto o espaço como o tempo sagrado podem ser naturais ou determinados pelo
homem. São naturais quando indicados por uma experiência religiosa, como no caso do sonho de Jacó: "Este lugar é santo. Não é
nada menos que uma casa de Deus e a porta do céu" (Gn 28,18). De resto, são indicados pelo homem, como templos, tapetes de
oração etc.

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