You are on page 1of 5

Fala na X mostra de pós-graduação

Munidos de doutrinas de impacto social como a do pecado, da disciplina, do


inferno, entre outras, nos finais do IV século, o poder do discurso cristão ascético sobre
a sociedade foi além de algumas pretensões e tensões que trazia estoicismo a tempos, a
exemplo, de quando aspirou infligir a todos os deveres do “sábio”. O poder do discurso
cristão, sobretudo dos anacoretas, não tiveram êxitos somente pela extraordinária
elaboração. Estes, muito mais do que aqueles, estiveram em posição privilegiada em
relação aos demais intelectuais cristãos, em virtude do processo histórico cultural que o
império sofreu desde o III século. Em grande medida, a valoração moral dos bispos e
ascetas cristãos do IV século os transformaram em “missionários morais” sem dúvida,
um reflexo histórico que tem suas origens em diversas culturas antigas.

O discurso do asceta cristão cobriu os espaços e pode dar novos significados a eles.
Para o professor Paulo Augusto Tamanini (2015) , sobre novos olhares, o deserto, um
lugar que “não há civilização” passou também a significar um lugar não somente de
protesto, mas uma espécie de estágio para santificação, um lugar para purificação do
homem e da mulher de Deus. Tornou-se com o tempo um lugar de desprendimento do
mundo e uma escola para o autoconhecimento onde homens e mulheres ao entrarem ali
nunca mais seriam os mesmos. O deserto passou a ser o espelho da alma, o local de
encontrar com a verdadeira natureza humana e com o tempo transformou-se, sobretudo
onde eremitas mantinham suas vidas, em rotas de peregrinações, lugar de culto e
veneração. O deserto foi atravessado por centenas de pessoas em busca da verdade, da
espiritualidade, e de outros problemas a resolver. Essa construção do deserto foi possível
graças às investidas dos Pais da Igreja gregos e latinos.
No mesmo sentido, o professor Gabriel Castanho em um artigo intitulado A
Polissemia (social) do deserto: uma história dos tópos histórico e historiográfico da
solidão monástica no contexto latino medieval (2015) diz que o conceito de deserto
imensamente utilizado pela atual historiografia medieval qual seja, de que o deserto
medieval seria a floresta, lugar onde o monge cristão se isola totalmente para ficar a sós
com Deus, tratar-se-ia de uma ideia que contrapõe cultura erudita a natureza, ou coloca
em oposição, o espiritual e matéria.
Entre os medievalistas, esta forma de definição se tornou auto
evidente nos últimos anos. Pode-se dizer que ela se constituiu em
um tópos, um senso comum, de grande força e cuja eficácia
retórica levou historiadores a prescindir de uma de suas
ferramentas mais importantes: o aparato crítico e de erudição.
(120)

No estudo semântico da palavra deserto, Castanho diz encontrar a solução que


evitaria tal equivoco por parte dos historiadores. Desde os pais do deserto existiria uma
diferença entre deserto enquanto terra isolada e com ruínas e ermo como um local jamais
habitado. O fato é que admite-se um polissemia no vocábulo. Assim, seria possível
admitir que um lugar deserto pode ser um local dantes habitado e ao escolher esse local
para morada seria uma espécie de reutilização, seja porque o local já possui benfeitorias
garantidas ou porque é necessário garantir o estatuto de despovoado pelos religiosos.
(p.125). “o lugar deserto não é definido pela ausência ou não de ocupação humana, mas,
sim, pela maneira como os homens ocupam e, sobretudo, valorizam esse espaço. [...] Por
essa razão tenho defendido que solidão medieval é uma relação social e não o seu
contrário”.
Essa conclusão torna-se possível ao propor uma análise da transferência histórica
semântica da noção geográfica do deserto (do norte da África e do Oriente Médio) em
direção à abstração metafórica deste espaço e sua relação com a noção de solidão
empregada nos textos latinos medievais. Castanho busca nos vocábulos bíblicos e em
alguns autores a solução para o problema de simplesmente metaforizar o deserto bíblico
(assim como o espaço dos Pais do Deserto) aplicando-o a uma geomorfologia diferente:
a floresta ou o ermo.
Na Bíblia, especialmente no Antigo Testamento a palavra “uasta solitudo”
configura-se como um lugar inóspito e isolado que suscita o terror entre os seguidores de
Deus, tal como aconteceu com Israel quando de sua estada em terras estrangeiras (opostas
à terra prometida)”. 129. O deserto no Antigo testamento, em grande parte, é o local onde
Deus pode estar, mas nem sempre o encontra. Temido, o deserto permanecerá um
ambiente só para aqueles cuja proteção divina foi retirada. Como explicar a passagem
dessa imagem amplamente negativa da solidão bíblica marcada pela ausência (oposto da
terra prometida e do auxílio divino) em local privilegiado da presença de Deus (e sua
contemplação) tão comum nos textos medievais?
Por essas duas análises, podemos chegar a compreender o impacto que o estudo da
ideia de deserto nas Epístolas de São Jerônimo poderia realizar, pois este faz coro com
um grupo de personagens cristãos que construíram a “ponte” semântica que permitiu a
leitura do deserto no Antigo Testamento e projetou a noção de solitudo medieval. Ao dar
significado a uasta solitudo, a ideia de deserto jeronimiana transportou o deserto antigo
para sua vizinhança contemporânea.
Para nós, ele é um grande propagador do cristianismo ascético nos finais do IV
século. Jerônimo esteve em Roma, após sua estadia em Calcis (deserto) exercendo uma
função importante junto ao líder da igreja romana, o bispo Dâmaso, uma espécie de
consultor bíblico, o que lhe proporcionou aproximar-se de figuras importantes para o
fortalecimento de sua autoridade. Algumas dessas pessoas constituíram-se como alvos
estratégicos para o monge estridonense cooptar para seu círculo de discípulos inclinados
ao ascetismo. Contudo nosso trabalho visa percorrer suas correspondências a procura das
representações que faz do deserto. As epístolas foram escritas durante um período de
aproximadamente 45 anos, isto é, de 374/75 d.C., até a morte de Jerônimo em 419 d. C.
Endereçadas às mais diversas pessoas, o epistolário tem 154 cartas, destas, cento e vinte
cinco compreende-se que são de sua autoria.
Na rota traçada desde Antão, ninguém alçará aos altos níveis espirituais sem viver
o deserto. A caminhada para a perfeição, para o retorno ao estado perdido no Éden seguia
os passos daqueles, cujas narrações faziam ecoar suas histórias nas celas ou quartos dos
e das pessoas voltadas para tamanha glória. A caminhada ascética projetava os indivíduos
para o conflito já antecipado pelas hagiografias, pelas vidas dos homens e mulheres que
lá chegaram. Era certo, no deserto habita Deus e o Diabo, a santidade e a tentação, anjos
e demônios.
Pelo tempo, exponho apenas um trecho da Epístola 14 ao monge Heliodoro, já ao
final da carta quando, depois de tanto exaltar a vida monástica, ainda tem fôlego para nos
dizer:

“Oh, deserto (desertum) adornado com as flores de Cristo! Oh, solidão (solitudo)
na qual se encontram aquelas pedras com as quais no Apocalipse se constrói a cidade do
grande rei! Oh, ermo (heremus) que goza da familiaridade divina! Que fazes, irmão, no
século, tu que es maior que o mundo? Até quando os tetos te oprimirão com tuas sombras?
Até quando te reterá o cárcere fumegante destas cidades? Crê-me, aqui pode ver um não
sei o que de mais luminoso. É possível deixar a carga do corpo e voar ao puro fulgor do
céu. Temes a pobreza? Cristo chama bem aventurados os pobres. Assusta-te o trabalho?
Nenhum atleta é coroado sem suores. Preocupa-te a comida? A fé não sente fome! Tens
medo de deixar cair sobre a dura terra teus membros extenuados pelo jejum? Há teu lado
jaz o Senhor. Horroriza-te a descuidada cabeleira de uma cabeça suja? Tua cabeça é
Cristo. Aterra-te a imensidão infinita do deserto (heremi)? Passeará em espírito pelo
paraíso. Sempre que subas ali com o pensamento, deixarás de estar no deserto (heremo).
Que a pele se põe áspera por falta de banhos? O que se há lavado uma vez em Cristo não
necessita voltar a se banhar! Escuta, em suma, o que a tudo isto responde o apóstolo: ‘Não
são comparáveis o sofrimento deste mundo com a glória que se a de manifestar em
nós’(Rom. 8,18) Muito cômodo seria, querido meu, se pretendes gozar aqui com o século,
e depois reinar com Cristo. (SAN JERÔNIMO. Epístola 14.10 a Heliodoro, monge)
O termo eremus possui claramente um sentido muito próximo do signifcado de
desertum (lugar não habitado, não cultivado e distante do tecido social urbano), mas com
a vantagem de não estar ligado a uma morfologia geográfica ou ecológica exata e de
remeter a um espaço supostamente virgem (isto é, livre do domínio humano). Essa
mutação semântica do deserto foi realizada através de um processo de metaforização do
sentido concreto em direção a um sentido abstrato. O deserto nas Epístolas de São
jerônimo constitui-se tanto como um lugar quanto um estado. Se, como argumenta o
professor Castanho, o imaginário dos primeiros cristãos, a “uasta solitudo” bíblica faz,
assim, parte da tópica antiga do “locus horridus” (local terrível, sem civilidade) e do
“locus amoenus” (o lugar ameno que estimulava a prática da filosofa) na Idade Média, o
deserto é o meio que não chega a ser nem um local onde jamais pode haver erudição nem
um lugar agradável como as cidades, contudo é ele que irá favorecer a ascensão a Deus.

Nesse sentido, o deserto no Epistolário é um tanto polissêmico. Nesse espaço pode


Deus estar como pode os demônios lhe perseguir. Podes ter fome e dores, mas com Deus
serás alimentado e sarado. Lembrando de quando Antão depois de quase morrer nas mãos
dos demônios
Notando que a ajuda chegara, Antão respirou livremente e sentiu-se aliviado de suas
dores. E perguntou à visão: "onde estavas tu? Por que não aparecestes no começo para
deter minhas dores?" E uma voz lhe falou: "Antão, eu estava aqui, mas esperava ver-te
enquanto agias. E agora, porque agüentaste sem te renderes, serei sempre teu auxílio e te
tornarei famoso em toda parte".
EP. 23 a Marcela sobre a morte de Lea 384d.c.
A vida de Lea é retratada como um deserto quando comparado ao de um rico, mas
Jerônimo não cita a palavra deserto se não que trás a idéia consigo no sentido simbólico
da vida

Ep. 24 a Marcela sobre a vida de Asela 384d.c.


O deserto está sendo carregado pela vida de Asela, um não-lugar. O símbolo e o
significado desse não-lugar são permanentes na vida de Asela. Asela por seu esforço
havia condenado o mundo 23.3. Asela é apresentada como alguém que preferia a solidão
que a companhia, habitava no secreto da solidão que jamais se apresentou em público.
Nem mesmo a sua irmã virgem não via, somente a amava. Asela encontrou o DESERTO
DOS MONJES NA CIDADE. et in urbe túrbida inueniret heremum monachorum.
23.4. Por fim um elogio a Marcela por ser próxima a Asela em castidade de desertificação
santa. 23.5

You might also like