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A SITUAÇÃO DO PLANO OCLUSAL

Excertos em tradução livre de conferência proferida pelo Dr. Pedro Planas.

Dedicamo-nos há mais de vinte anos ao ensino oficial, e após ministrar


cursos e conferências em diversas partes do mundo, demo-nos conta da
grande dificuldade que têm grande parte dos profissionais em compreender
importância que tem a "situação do plano oclusal" dentro do sistema
1
estomatognático, para que este venha a funcionar ou não equilibradamente.

Por exemplo, quando adquirimos um automóvel, a primeira coisa que


exigimos é que funcione; depois entraremos em detalhes de cor, forma de
carroceria, tapetes, etc., mas estes detalhes estarão sempre subordinados a
um bom funcionamento.
Da mesma forma, quando observamos uma boca para diagnosticar sua
patologia, ou damos por terminada nossa intervenção terapêutica, ou um
tratamento ortodôntico, não devemos observar apenas os aspectos estéticos
do alinhamento dentário em oclusão estática ou a beleza do sorriso. Se assim
atuamos deixaremos de ser médicos para transformarmo-nos em instituto de
beleza. Como médicos da boca devemos observar essa boca como um órgão
que funciona, funcionamento que não se reduz aos movimentos de abertura e
fechamento, pois não são fisiológicos no bom sentido da palavra. Esses
movimentos apenas são empregados para bocejar, cantar ou gritar. Apenas se
pode considerar fisiológico o necessário para introduzir os alimentos na boca.
Nossa máquina mastigatória, motivo de nossa existência como
estomatologistas, e com a correspondente obrigação de mantê-la viva até a
morte do indivíduo, como o oculista com a vista, o otorrino com o ouvido,
etc., a sábia Natureza a fez dispor de umas ATMs complicadas, uma variedade
de músculos e inserções ligamentares em variadas direções, complementados
por dentes e configurando um sistema dotado de um esquema oclusal muito
particular que apenas poderá funcionar em seu máximo e verdadeiro
rendimento se estiver equilibrado, e esse equilíbrio depende principalmente
da situação do plano oclusal.
Não tenho dúvida que a maioria dos profissionais sabe identificar as
características de uma oclusão em máxima intercuspidação e seus requisitos
formais, porém, julgo interessante esclarecer o quê entendemos por
"equilíbrio funcional".

OCLUSÃO FUNCIONAL EQUILIBRADA


A oclusão funcional equilibrada é uma oclusão dinâmica que, partindo
de uma cêntrica com máxima intercuspidação, permite movimentos de 2
lateralidade mandibular, de tal forma que durante todos esses movimentos,
cada um dos dentes da arcada inferior, por suas faces oclusais de seus
antagonistas da arcada superior, toquem-se, sem que nenhum deles, durante
tais movimentos, sofram a mínima sobrecarga nem perda de contato em
qualquer mínimo espaço de tempo.
Toda a força da mandíbula deverá ser absorvida e recolhida pela arcada
da maxila em qualquer posição, seja cêntrica ou lateral. Nunca poderemos
aceitar como fisiológica ou equilibrada a perda de contato de algum dente ou
grupo de dentes, em geral do lado de balanceio, e que a força de tração
muscular seja absorvida pelo côndilo ou côndilos das ATMs.
Para que essa oclusão equilibrada possa se realizar, é condição
imprescindível que o plano oclusal esteja em sua posição correta dentro do
sistema mastigatório, e esta é uma e única. Qualquer mínima variação virá
seguida de um desequilíbrio. Muito sumariamente descreveremos o
movimento equilibrado da mandíbula contra o maxilar, distribuindo-o em três
zonas separadamente, apenas para fins didáticos, mas que funcionam
simultaneamente, a saber, a incisiva, a de trabalho e a de balanceio, esta
última a mais difícil de obter, e por isso, a mais negligenciada por muitos
autores.
Lembrando-nos do princípio de Claude Bernard, que pontifica “... que a
função cria o órgão e o órgão proporciona a função”, diremos que se uma
boca está equilibrada, funciona; e se funciona é porque que está equilibrada.
Simples assim.
A ZONA INCISIVA OU DE CORTE
Para que uma mandíbula possa exercer essa função contra a maxila, a
primeira condição é que tenha a forma que chamamos de “quadrada". A
forma arredondada de finalização observada em muitas terapias ortodônticas
parece-nos patológica, pois pode ser considerada funcional apenas em oclusão
cêntrica, porém desequilibrada nos movimentos de lateralidade que são
intrínsecos à função mastigatória. 3
Partindo de uma boca ou mandíbula devidamente conformada, o
movimento ou trajeto funcional dos incisivos inferiores contra os superiores é
o seguinte: em um movimento de trabalho, por exemplo, do lado direito, o
incisivo central inferior direito resvala sua vertente vestibular pela face
lingual do central superior, de mesial para distal e algo adiante, até chegar a
uma posição topo a topo ao final deste movimento.
O incisivo lateral direito resvala sua vertente vestibular pela face
lingual do incisivo central e lateral superior, de mesial para distal e algo
adiante, até colocar-se topo a topo com os superiores. O incisivo central
inferior esquerdo resvala sua vertente vestibular pela face lingual do incisivo
central superior esquerdo, bem como o incisivo lateral inferior esquerdo
resvala sua vertente vestibular pela face lingual do incisivo superior esquerdo
até colocar-se em situação de topo a topo.
Precisamente para que esta situação de "tesoura cortante" possa ser
realizada, é o motivo pela qual a arcada inferior deva assumir forma
quadrada. Esses movimentos devem ocorrer simetricamente, tanto em
trabalho quanto em balanceio.
Prosseguindo, o canino inferior do lado de trabalho, por seu bordo disto
vestibular resvala pela vertente mésio lingual do canino superior, até chegar
topo a topo com sua vertente mesial. O canino do lado de balanceio trabalha
no vazio, pois não contata com qualquer antagonista.
Com esse movimento de autêntica tesoura, os incisivos realizam a
função de cortar o que previamente havia desprendido dos caninos. Essa
operação de escape e corte a civilização eliminou a expensas da boa educação
e do emprego da colher e garfo; e se a isso acrescentarmos a alimentação de
textura mole como leite em mamadeiras, cremes, hambúrgueres, tortas, etc.,
favorecemos a atrofia do sistema, pois se anulam os estímulos dos
movimentos de lateralidade, com a correspondente excitação das ATMs
responsáveis pelo desenvolvimento mandibular, e os de crescimento vertical,
por falta de interposição, entre os dentes, de alimentos fortes e duros.
Temos tido oportunidade de observar índios do Brasil e negros do
Senegal e Quênia com bocas maravilhosas e que nunca usaram a escovação de
dentes nem foram ao dentista fazerem tartarectomias. Mas possuíam bocas 4
perfeitamente equilibradas.

O LADO DE TRABALHO
Está formado por pré-molares e molares do lado no qual se mastiga, ou
seja, o lado para o qual se move a mandíbula com o bolo alimentar interposto
entre os dentes, os quais movimentam-se desde máxima intercuspidação até
uma oclusão de cúspides vestibulares e linguais inferiores com cúspides
vestibulares e linguais superiores, simultaneamente, sem sobrecargas nem
perdas de contato nesse movimento que é para fora, para baixo e algo para
adiante. O côndilo desse lado gira em um eixo vertical e muito pouco no eixo
horizontal frontal, apenas o que o sujeitam as alturas cuspídeas.
Aqui devemos fazer a seguinte observação: nesse lado de trabalho
podemos encontrar várias situações factíveis para o plano oclusal que
permitem uma função equilibrada, porém, quando esse lado de trabalho passa
a balanceio, apenas uma única situação será válida para trabalhar
equilibradamente, e essa será a verdadeira situação do plano oclusal.

O LADO DE BALANCEIO
Este é o lado mais complexo, o determinante verdadeiro da exata
situação do plano oclusal posição exclusiva, precisamente por esse motivo é
negligenciado por muitos autores.
Nesse lado, os pré-molares e molares inferiores, partindo de uma
intercuspidação total, deslocam-se para frente para baixo e para dentro
seguindo a trajetória condilar, determinando o Ângulo Bennett, de tal forma
que da passam a ocluir a cúspides vestibulares inferiores, pelas suas vertentes
mésio linguais, contra as cúspides linguais dos superiores, pelas suas vertentes
disto vestibulares; e igualmente nesse movimento não pode haver nem
sobrecarga nem perda de contatos entre os dentes antagonistas.
Quando esses movimentos e contatos descritos dos três grupos citados,
incisivo, trabalho e balanceio se processam simultânea e bilateralmente,
podemos nos assegurar que o plano oclusal atingiu sua posição exclusiva e que
o sistema estomatognático funciona equilibradamente. Mas como se tudo isso 5
fosse pouco, existem leis, como tais, indiscutíveis, como as de Hanau, que
suponho por todos conhecidas, mas talvez mal compreendidas ou mal
interpretadas, por cujo motivo permito-me breve recordação.

LEIS DA HANAU
Constam de cinco elementos que devem se associar em condições
especiais e determinadas para que se configure o que denominamos de
"equilíbrio oclusal". Cada autor enumera em ordem distinta, mas acreditamos
que devam ser enunciadas na seguinte ordem:
o Trajetória condilar
o Situação do plano oclusal
o Altura cuspídea
o Curva de decolagem
o Inclinação e eixos dos incisivos

A trajetória condilar, que é o movimento que se realiza durante o lado


de balanceio, é o que condiciona a verdadeira situação do plano oclusal, em
um movimento de trás para diante e de cima para baixo, movimento este que
é único e característico para cada indivíduo.
O lado de trabalho pode reunir várias posições possíveis, porém, será
aceitável unicamente aquela que permita ao lado de balanceio aqueles
contatos mencionados, por conseguinte, desprezando todas as demais
posições por considerá-las traumáticas. Se uma boca possui trajetórias
distintas em cada ATM, assim mesmo a situação do plano oclusal terá
diferente inclinação em cada lado.
Temos, pois, analisadas e relacionadas duas das Leis de Hanau, a saber:
trajetória condilar e situação do plano oclusal, em função direta de uma e
outra. Porém, à medida que os dentes possuam maior ou menor altura
cuspídea, estabelece-se no plano oclusal uma curva chamada por nós de
“curva de decolagem”, mais exagerada quanto maior for a altura cuspídea. A
inexistência dessa curva de decolagem é a verdadeira situação do plano
oclusal, que coincide na dentição decídua, com suas cúspides já desgastadas
no período de troca, e na segunda dentição do idoso, pois ambas as dentições 6
já devem estar sem cúspides por abrasão natural, cujo significado fisiológico é
evidente.
Temos pois analisadas duas das leis de Hanau, que também estão em
relação mútua, ou seja, curva de decolagem e altura cuspídea. Por último a
inclinação dos eixos dos incisivos, assim como o ressalte e a sobremordida
estão em função da altura cuspídea.
Vemos pois que, o determinante de todo posicionamento do plano
oclusal é a trajetória condilar. Quando em uma boca essas leis estão
presentes, pode-se afirmar que o plano oclusal está situado em sua exata
posição.
OBS: (Dr. Pedro Planas apresenta uma série de slides para justificar o texto
que segue).
Como somos de opinião de que uma imagem é melhor que cem
palavras. Apresentaremos uns modelos comercializados no mercado didático
odontológico. Esses modelos são de fato muito estéticos, porém, com eles
não se pode aprender Odontologia, pois não funcionam, nem podem funcionar
porque possuem três grandes defeitos, a saber:
a) A mandíbula não está quadrada, sem aptidão para exercer a função
de corte, e em consequência, incapacitada para manter a posição
de equilíbrio do grupo incisivo.
b) Montados tais modelos em um articulador semi-ajustável e
orientado com o plano de Camper a 15o com o de Frankfurt, nunca
se poderá obter uma situação equilibrada, por muito que busquemos
e variemos as trajetórias condilares, devido a que o plano oclusal é
totalmente falso.
c) As faces oclusais possuem fossas e sulcos em lugar de facetas de
trabalho e deslizamento, que é o fisiológico em uma boca
considerada adulta.
Uma vez montados os modelos no articulador e convencidos que não
podiam funcionar, fez-se um set-up completo no modelo inferior e parcial no
superior, respeitando-se neste o grupo canino e incisivo. Fixou-se a trajetória
condilar em 30o e montaram-se os dentes como se tratasse de uma prótese
total equilibrada. Tivemos que quadrar a mandíbula e ao mesmo tempo 7
buscar a situação do plano oclusal em função das trajetórias e alturas
cuspídeas. Dessa forma chegamos à sua situação de equilíbrio, com contatos
em cêntrica e laterais, tanto em trabalho quanto em balanceio. Qualquer
variação das trajetórias condilares produzirá desequilíbrio, e
conseqüentemente, trauma oclusal. Esses modelos assim obtidos são os que
deveriam ser comercializados.
Colocamos o modelo superior original e o inferior equilibrado pelo set-
up, e pudemos apreciar a falta de coincidência de seus planos oclusais, que se
separam em sua parte anterior. A seguir, colocamos o modelo inferior
original e o superior equilibrado, e podemos apreciar a falta de coincidência
de seus planos oclusais, que se separam em sua parte anterior. A seguir,
colocamos o modelo inferior original e o superior equilibrado, e pudemos
apreciar que se separam e divergem pela parte posterior.
Depois de todas essas observações, cabe a pergunta: - como se cria o
plano oclusal funcional equilibrado?
O plano oclusal fisiológico e equilibrado, em qualquer boca, cria-se
espontaneamente, à custa de uma função equilibrada desde o nascimento,
com muito movimento de lateralidade e nenhum impedimento nas erupções
dentárias.
Estas imagens que apresentamos são em diferentes períodos de
desenvolvimento, sem impedimentos de lateralidade nem de erupção, ou
seja, uma evolução e desenvolvimento fisiológicos. Isto é o que nós
realizamos com nossa Reabilitação Neuro-Oclusal, permitindo liberdade de
movimentos mandibulares e não inibição da erupção dentária. Por meio de
nossos desgastes seletivos, pistas diretas com compósitos, nossas placas com
pistas, nosso Equiplan, etc. Em verdade, lutamos contra a atrofia funcional,
que é o que verdadeiramente posiciona o plano oclusal em uma situação
patológica.
Uma vez estabelecido um plano oclusal patológico na segunda dentição,
e mais especialmente, na puberdade, será de todo impossível levá-lo à
situação fisiológica. Em certos casos apenas se pode obter uma oclusão
cêntrica mais ou menos estética, mas que a longo prazo recidivará, ou criará
lesões periodontais. 8
Repetiremos o citado anteriormente, para conseguir que o plano
oclusal se estabeleça em sua posição exata, devemos procurar desde a
erupção dos primeiros dentes decíduos que a mandíbula, no ato mastigatório,
mova-se exageradamente para ambos os lados. Se esse movimento não surgir
espontaneamente, é que existem impedimentos, então, vamos educá-lo com
nossas pistas de rodagem direta ou indireta, ou demais terapêuticas citadas
anteriormente.
Quando o plano oclusal se estabelece, ou o estabelecemos
normalmente na dentição decídua, devemos controlar para que o mesmo
também se estabeleça na segunda dentição, como se pode ver no diapositivo,
a sobremordida fisiológica em cêntrica e os incisivos permanentes com sua
situação topo a topo nas excursões laterais, bem como a oclusão dos molares
dos seis anos em cêntrica, tanto em trabalho quanto em balanceio.
Nós não podemos equilibrá-la, equilibra-se com uma função exagerada,
que é o que devemos proporcionar com nossa terapêutica, sem impedir com
arcos e bandas que os dentes busquem sua posição de equilíbrio. Não nos
esqueçamos que a situação do plano oclusal está em razão direta das
trajetórias condilares e a curva de decolagem em função das alturas
cuspídeas.
Somos de opinião que se em lugar de pretender fazer diagnósticos de
más-oclusões e tomar decisões terapêuticas por meio de documentações
convencionais, dedicássemos a transportar os modelos do caso a estudar por
meio de um arco facial acoplado a um articulador semi-ajustável,
registrássemos as trajetórias condilares, e uma vez assim instalados
pretendêssemos imprimir movimentos de lateralidade à parte superior do
articulador, imediatamente identificaríamos a patologia ou normalidade do
plano oclusal, podendo, dessa forma, orientar a terapêutica.
Se a isso acrescentarmos um set-up, como se faz para o typodont, e
fizermos a montagem da boca de forma equilibrada, talvez modificássemos
muitas técnicas, e é na busca de uma terapêutica fisiológica que estamos há
mais de 40 anos.
Dessa forma se aprende onde deve estar o plano oclusal, que é a
primeira condição necessária para que uma boca sobreviva sem problemas 9
estéticos nem periodontais até a senilidade, única finalidade médica de nossa
estomatologia.

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