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Luís Mendes
Geógrafo, investigador, Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, Lisboa Portugal,
e-mail: luis.mendes@ceg.ul.pt
Resumo
Inicialmente, este artigo apresenta algumas considerações sobre a definição do conceito de regeneração
urbana, apresentando uma revisão da literatura científica sobre a origem do conceito e situando-o rela-
tivamente aos restantes fenómenos e processos “re” que decorrem como tendência no espaço urbano:
reurbanização, revitalização, reestruturação, recomposição, renovação, reabilitação, requalificação etc.
Num segundo ponto, serão discutidos alguns pressupostos e características do processo da regeneração
urbana e que são simultaneamente princípios que orientam a teoria e a prática do processo no planea-
mento urbano, nomeadamente o facto de ser abrangente, integradora, estratégica, flexível, apoiada em
parcerias e promotora de sustentabilidade/resiliência. Nessa linha de problematização será traçada a
evolução do conceito ao longo das últimas cinco décadas, em função de várias alterações que se verifica-
ram no contexto socioeconómico e político-ideológico do espaço urbano, desde o fordismo até ao pós-for-
dismo, tendo em atenção os principais atores-chave e stakeholders, bem como as principais estratégias e
preocupações de política urbana.
Abstract
This paper will initially foreground some considerations about the deϔinition of the concept of urban regen-
eration, presenting a review of the scientiϔic literature about the origin of the concept and placing it in rela-
tion to other “re” phenomena and processes that have emerged as trends in the urban space: reurbanization,
revitalization, restructuring, recomposition, renewal, rehabilitation, requaliϔication etc. Secondly, a number
of assumptions and characteristics of the urban regeneration process will be discussed, which are simulta-
neously principles that orient the theory and the practice of this process in urban planning, namely to be
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outras palavras, a regeneração urbana, seja ela lenta espaços públicos ou (2) uma estratégia de carácter
e pontual ou rápida e global, não é por certo/de todo social e assistencial dirigida a problemas específi-
um fenómeno novo. Eras passadas de política urbana cos de grupos que são socioespacialmente margina-
já haviam conhecido a introdução de muitas novas e lizados e segregados, até a (3) ações mais abrangen-
bem intencionadas intervenções visando à resolução tes de revitalização social e económica. Associado
de problemas particulares em áreas urbanas já conso- ao conceito de reabilitação surge o conceito de
lidadas ou de outros que decorriam após ou durante requalificação que visa restituir a qualidade a um
o desenvolvimento da expansão urbana (SHURMER- determinado espaço a partir da melhoria das condi-
SMITH; BURTENSHAW, 1994). ções físicas dos edifícios e/ou dos espaços urbanos,
No que toca concretamente à definição concep- podendo ser alterada a função primitiva de forma a
tual de regeneração urbana, ainda que por meio de dar resposta às exigências da época.
uma abordagem um pouco primária, é pertinente
distinguir esse conceito de outros com os quais ge-
ralmente é ou pode ser confundido, a saber: os de Em direção a uma definição conceptual
renovação, reabilitação e requalificação. de regeneração urbana
De acordo com o vocabulário da Direção Geral
de Ordenamento do Território e Desenvolvimento A ideia de transformação urbana, indepen-
Urbano (DGOTDU), por reabilitação urbana deve- dentemente do seu grau ou intensidade, e de me-
mos entender: processo de transformação urbana, lhorias (improvements) na vida urbana de uma
compreendendo a execução de obras de conserva- forma geral subjaz todos os conceitos referidos.
ção, recuperação e readaptação de edifícios e de es- Entretanto, no caso da RU, a ideia de improvement
paços urbanos, com o objetivo de melhorar as suas surge associada à de desenvolvimento funcional
condições de uso e habitabilidade, conservando, ao nível da visibilidade e autoestima ou ao nível
porém, o seu esquema estrutural básico e o aspecto da posição relativa de dado território numa hie-
exterior original. Portanto, o conceito de reabilita- rarquia, como resposta a um período de declínio.
ção urbana supõe o respeito pelo carácter arquite- Dessa forma, a RU surge essencialmente como
tónico dos edifícios, não devendo, no entanto, con- tentativa deliberada de contrariar as forças e os
fundir-se com o conceito mais estrito de restauro, o fatores que numa determinada conjuntura são
qual implica a reconstituição do traçado original de a causa da degeneração urbana (HALL, 2006;
edifícios, no mínimo, das fachadas e das coberturas. JONES; EVANS, 2008; PACIONE, 2001).
Reabilitação urbana não se confunde também com Peter Roberts e Hugh Sykes, na introdução do
renovação urbana. São conceitos diferentes e que, livro Urban Regeneration: A Handbook (2000),
igualmente segundo a DGOTDU (2005), se distinguem, referem a RU como sendo um tipo de interven-
sobretudo, pelo tipo de obras inerentes às respectivas ção largamente experenciado nas últimas dé-
operações: na reabilitação urbana alega-se o respeito cadas, mas pouco compreendido, não existindo
pelo carácter arquitetónico dos edifícios, ao passo que ainda consensos estabelecidos em torno de sua
na renovação urbana é permitido o processo mais ou definição conceptual. Esses autores assumem a
menos pontual de demolição e reconstrução. A reno- existência de um vazio teórico, ou pelo menos a
vação urbana é uma ação que implica a demolição das ausência de um bloco teórico consolidado e uni-
estruturas morfológicas e tipológicas existentes numa versalmente aceite, ainda que registem alguma
área urbana degradada e a sua consequente substi- extensa compilação de experiências, observações
tuição por um novo padrão urbano, como novas edi- e sínteses de implementações.
ficações. Por conseguinte, essas intervenções de reno- Esses mesmos autores propõem uma definição
vação urbana desenvolvem-se sobre tecidos urbanos de RU que tem vindo a ser aceite pela comunidade
degradados, aos quais não se reconhece valor como científica e subscrita pela esmagadora maioria dos
património arquitetónico e histórico. teóricos da regeneração:
Assim, o processo de reabilitação urbana abran-
ge um vasto leque de intervenções que pode ir des- [Urban regeneration] is a comprehensive and
de (1) a simples recuperação do edificado e dos integrated vision and action which leads to the
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resolution of urban problems and which seeks to decorrem profundas alterações, quer no âmbito do
bring about a lasting improvements in the eco- ordenamento do território, quer no âmbito da geo-
nomic, physical, social and environmental condi- grafia urbana (TALLON, 2010 .
tion of an area that has been subject to change1 Em suma, trata-se de uma nova política urbana
(ROBERTS, SYKES, 2000, p. 17). que procura a requalificação da cidade existente,
desenvolvendo estratégias de intervenção múl-
Embora, à partida, esta definição não nos surja tiplas, orquestrando um conjunto de ações coe-
como um ponto de partida muito operacional para rentes e de forma programada, destinadas a po-
facilitar a intervenção urbana, a verdade é que per- tenciar os valores socioeconómicos, ambientais e
mite, numa primeira abordagem, o estabelecimento funcionais de determinadas áreas urbanas, com a
de critérios que garantem aferir se um determina- finalidade de elevar substancialmente a qualidade
do plano ou operação se enquadra realmente no de vida das populações residentes (COCHRANE,
seu âmbito. Por exemplo, determinadas operações 2007; TALLON, 2010).
ou conjuntos de ações não relacionadas entre si, ou A conjugação de uma série de problemas urba-
passíveis de serem confundidas com a obrigação nos nas últimas décadas exige, a quem planeia a
das instituições públicas de garantir as infraestrutu- cidade, a necessidade de encontrar modos de in-
ras essenciais à população ou ainda implementadas, tervenção para contribuir para a sua resolução ou,
sem levar em linha de conta o contexto económico pelo menos, para a atenuação das consequências
e social do território a que se aplicam, não poderão que daqueles resultam. Houve a necessidade de pla-
em nenhum caso ser entendidas como RU. near não pensando apenas no edificado, mas assu-
Por outro lado, Roberts e Sykes referem que mindo também que os fatores económicos, sociais e
a RU é resultado da relação entre forças exóge- ambientais deve ser parte integrante do processo.
nas e/ou endógenas que ditam a necessidade de Parte-se também da ideia de que a valorização da
constante adaptação, e uma resposta aos desafios prosperidade económica pode constituir uma po-
e oportunidades que num determinado contexto derosa ferramenta no sentido do bem-estar social
temporal e espacial podem resultar da degrada- e da melhoria das condições físicas (JONES; EVANS,
ção urbana. Por isso, a RU é na sua própria na- 2008) e de que qualquer iniciativa será tanto mais
tureza, de acordo com esses autores, e embora bem sucedida quanto melhor responda a interes-
pareça um lugar comum dizê-lo, um fenómeno di- ses e expectativas dos atores e agentes envolvidos
nâmico e não estático, pelo que dificulta em muito nos processos, enquadrando-os e envolvendo-os na
a possibilidade de apreender numa única defini- tomada de decisões (McCARTHY, 2007). De que o
ção conceptual todas as particularidades da sua ritmo da mudança urbana é cada vez maior e a so-
prática corrente no planeamento urbano. lução que for adotada para um determinado proble-
Indiscutível é, assim, a opção de assumir como ma num determinado tempo, pode já não se revelar
ponto de partida o facto de que a RU, como res- suficiente a posteriori.
posta proativa a problemas urbanos específicos, Planear com base nesses requisitos exigiu, pois,
e em função dos diferentes contextos urbanos em um processo que fosse um exercício de busca de
que surge, possui uma especificidade enquanto respostas positivas. Esse exercício se daria a partir
forma de planeamento urbano que a distingue das de uma abordagem multisectorial, estrategicamen-
demais intervenções e que ditará o seu modo de te definida, assente em características endógenas
implementação no território. É um tipo de planea- e suportada pela criação de parcerias, e que, de
mento urbano de carácter fortemente estratégico, forma sustentada e sustentável, resultasse na me-
formalizado de um modo geral em intervenções de lhoria da qualidade de vida de quem, de um modo
fundo, numa série de dimensões que não apenas ou de outro, usufrui da área negativamente afetada
o do mero renovar do espaço edificado, e do qual (McCARTHY, 2007).
¹ A regeneração urbana consiste numa visão abrangente e integrada, que visa à resolução de problemas urbanos, e que procura gerar
mudanças duradouras ao nível da condição económica, física, social e ambiental de áreas que tenham sido sujeitas a transforma-
ções/alterações [tradução nossa].
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Continuação daslinhas
Reconstrução e extensão Enfoque nas ações de Grandes projetos de desenvol-
orientadoras dos anos 50.
de antigas áreas e cidades, renovação in situ e planos vimento e redesenvolvimento. Abordagens mais abrangentes
Estratégia principal e Crescimento suburbano e
frequentemente baseadas de bairro. Projetos flagship develop- e integradas das políticas e
orientação periférico.
num plano diretor. Continuação do desenvolvi- ment. das práticas de intervenção.
Primeiras tentativas da
Crescimento dos Subúrbios. mento periférico. Projetos fora da cidade.
reabilitação.
Ênfase no sector privado e
Governos central e local. Atuação no âmbito de um Papel crescente do sector
Atores-chave e agências especializadas. As parcerias como abordagem
Promotores e empreiteiros maior equilíbrio entre o sector privado e descentralização no
intervenientes Crescimento das parcerias dominante.
privados. público e privado. governo local.
publico-privadas.
Reintrodução da perspectiva-
Inicialmente a nível regional No início dos anos 80,
Escala espacial de Ênfase a nível local e a nível Aparecimento da escala estratégica.
e local; mais tarde, dando enfoque à escala do lugar/
atuação do lugar/sítio/local. regional de atividade. Crescimento da atividade
enfoque maior a nível local. sítio; mais tarde, a nível local.
regional.
Continuação do que sucedia Recuo de recursos no sector
Investimento do sector públi- Maior equilíbrio entre o
nos anos 50, mas com uma público compensado com o Sector privado domina com
Foco económico co com algum envolvimento financiamento público,
crescente participação do crescimento do investimento fundos públicos seletivos.
do sector privado. privado e voluntário.
investimento privado. privado.
Melhoria a nível da
Autoajuda da comunidade, Ênfase no papel da comu-
habitação, das condições de Melhorias sociais e de Ação das comunidades locais
Conteúdo social com apoios altamente seleti- nidade numa perspectiva
habitabilidade, bem como de bem-estar. e maior empowerment.
vos por parte do Estado. neoliberal.
qualidade de vida em geral.
Grandes projetos de
Continuação do que aconte-
Restituição de centros reestruturação e de redesen- Mais modesto do que nos
ceu nos anos 50 com uma Maior extensão da renovação
Ênfase física históricos e alargamento das volvimento. anos 80; património e
reabilitação paralela de áreas de antigas áreas urbanas.
periferias. Projetos flagship develop- conservação.
degradadas existentes.
ment.
Introdução de uma ideia mais
Abordagem Gestão paisagística e algum Melhorias ambientais com Crescimento das preocupa-
Melhorias seletivas. generalizada de sustentabili-
ambiental cuidado ecológico. algumas inovações. ções ambientais.
dade ambiental.
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é, até à crise da década de 70. Esta obrigou que se e, também, em espaços industriais suburbanos
revelassem as profundas incapacidades, por parte ou mesmo periurbanos, as cidades-centro e as
do modelo de produção fordista, de manutenção próprias periferias conheceram um declínio do
e promoção do crescimento económico e lucro emprego industrial e, paralelamente, um acrés-
(CASTELLS, 1985; SCHONBERGER, 1988). Em pri- cimo do sector dos serviços. Nos anos 80, dá-se
meiro lugar, ocorreu, a partir de finais dos anos 60, um aprofundamento da divisão internacional do
um gradativo esgotamento da capacidade de pro- trabalho e da globalização do sistema produtivo
cura das famílias dos países avançados por novos que potenciam a crescente especialização e seg-
produtos duráveis (automóveis, eletrodomésticos mentação dos processos de fabrico. Reforça-se a
etc.), tornando-se necessária, quer a procura de tendência de transferência dos sectores indus-
novos mercados de exportação, quer um esforço de triais intensivos em mão de obra e de baixo valor
redução da durabilidade dos produtos como obje- acrescentado para os países em desenvolvimento.
tivo de assegurar a sua substituição e rotatividade. A desindustrialização, quer por esta via, quer por
Estava lançada a condição primordial para o dese- via da transferência das indústrias para a perife-
nho de uma crise de superprodução. ria das cidades ou áreas suburbanas, potencia o
É essa crise de superprodução associada à tran- aparecimento de enormes porções de terreno li-
sição de uma economia fordista para uma econo- vre, muitas vezes em áreas urbanas centrais, em
mia pós-fordista que, no ver de Neil Smith, explica processo de degradação ou de simples obsoles-
a reestruturação urbana (reconfiguração do espa- cência e consequente abandono, ou em processo
ço construído) subjacente, entre outros, à emer- de declínio. Aumenta a pressão do sector econó-
gência do fenómeno do redesenvolvimento urba- mico emergente dos serviços e a terciarização
no, prelúdio das estatégias de regeneração urbana afirma-se por via da requalificação dos espaços
que surgiram mais vincadamente a partir de finais já existentes (BARATA SALGUEIRO, 1994, 2006).
da década de 80 e vigoraram durante os anos 90. Efetivamente, uma das características mais mar-
Com efeito, a transição do fordismo para o pós-for- cantes das transformações das economias urbanas
dismo é datada historicamente por Smith (1986) nos anos 80 e inícios de 90 do século passado consis-
e Harvey (1987, 1989) aquando da eclosão da cri- tiu na clara afirmação do sector dos serviços (tercia-
se dos anos 70, considerada como um período de rização), incluindo-se aqui a gestão empresarial dos
inflexão entre dois padrões de acumulação capita- grupos económicos, os serviços financeiros, as ativi-
lista, responsável por importantes modificações dades de investigação e desenvolvimento (terciário
que emergiram no seio do regime de acumulação qualificado e superior), mas, também, os serviços
e no modo de regulação social e política do capi- de limpeza, a restauração e o próprio comércio (ter-
talismo mundial. De facto, despontam-se, a partir ciário desqualificado e inferior). Esse crescimento
dos anos 70, formas alternativas mais flexíveis de dos ramos mais e menos qualificados dos serviços
organização da produção, do trabalho, da socieda- contribuiu para acentuar as dicotomias sociopro-
de, do consumo e do território com a afirmação do fissionais e dos salários nas grandes cidades, como
paradigma pós-fordista, etapa última do capitalis- sustenta a tese da polarização. Concomitantemente,
mo tardio, impondo um regime de acumulação de facilitou o processo de precarização das relações la-
capital também mais flexível. borais, uma vez que acentuou as lógicas de externa-
No domínio do mercado de trabalho, a intro- lização e contratação temporária (para a realização
dução de novas tecnologias permitiu a redução do de limpezas, por exemplo) ou sazonal (na restaura-
pessoal nos ramos da indústria. Adicionalmente, ção etc.) (HAMNETT, 1994, 1996).
a rigidez da lógica das funções específicas no Contudo, o novo regime de acumulação flexível
quadro da linha de montagem foi sendo substitu- ou pós-fordista aparece, evidentemente, associado a
ída pela ideia de polivalência e de flexibilidade, um novo quadro regulatório; neste quadro, o Estado,
podendo os trabalhadores desempenhar várias pressionado simultaneamente pelas grandes empre-
funções, pelas quais devem assumir correspon- sas, por algumas organizações internacionais de ca-
sabilidade. Com a relocalização das unidades in- rácter político-económico como a União Europeia e
dustriais em países em vias de desenvolvimento pelas próprias autarquias regionais e locais (segundo
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o princípio da subsidiariedade), assume um papel capital imobiliário. Na RU, evidencia-se o papel de re-
diferente, marcado pela partilha de poderes e por levo do marketing territorial na gestão estratégica da
uma redução no intervencionismo direto. Ao Estado imagem da cidade, de forma a levar a que cada cidade
produtivista e bastante interventivo, embora com va- se diferencie das outras, valorizando-se e projetando-
riantes consoante os países, sucedeu um Estado que -se no contexto internacional, atraindo o investimento
procurou transferir muitos serviços para a esfera desejado (BARATA SALGUEIRO, 2001).
privada (transportes, habitação, redes de distribui- A promoção do espaço urbano passa, neste con-
ção de comunicações e de eletricidade), acentuando texto mais recente, por dois tipos de estratégia: a de
a ideia, quantas vezes aparente, de efetuar uma regu- exploração de existência de uma base económica
lação mais eficaz das atividades económicas (através forte, inovadora e com potencial de internaciona-
de legislação, de fiscalização, da instalação de comis- lização; e a de aposta num determinado evento de
sões reguladoras do mercado bolsista, das telecomu- projeção supranacional. Na concretização dessas
nicações etc.). estratégias, o recurso à RU afigura-se imprescindí-
Este mesmo Estado, que nos anos 80 e 90 foi mar- vel, principalmente através dos projetos de ϔlagship
cado pelo quadro de referências neoliberal que ainda development, apostando na recuperação das frentes
hoje tem um peso significativo (MELA, 1999; PIMENTA ribeirinhas, na criação de pólos tecnológicos e de
DE FARIA, 2002; SMITH, 1989, 2001, 2002, 2005), re- serviços, parques temáticos, complexos de congres-
forçou as lógicas competitivas de carácter territorial sos e exposições ou então em grandes operações ur-
(DOMINGUES, 1996; PEIXOTO, 2000) e das políticas banísticas, sustentadas ou não, por acontecimentos
de RU. À crise das grandes cidades que marcou o final de projeção internacional (SMITH, 2012).
do ciclo económico do pós-guerra, sucedeu uma nova
política urbana, muito mais orientada para o merca-
do e, portanto, marcada pelas lógicas da promoção Considerações finais: crise do Estado-
do consumo, da competitividade entre metrópoles, -providência e emergência da
do protagonismo dos atores privados no processo regeneração urbana como estratégia
de planeamento e de produção da cidade (BARATA global do urbanismo neoliberal
SALGUEIRO, 1998, 1999, 2000; HALL; HUBBARD,
1996; HALL, 2006; LEY, 1980). O fim, debilitação ou a reformulação inevitável
As administrações centrais, fundamentalmente do Estado de Bem-Estar Social passaram a ser alar-
as de direita, procuram uma redução gradual dos deados com intensidade redobrada, tanto no mundo
poderes executivos de todo o sector público, ten- político, como no académico, na esteira do impacto
tando transferir para o sector privado todos aque- da crise do petróleo da primeira metade da década
les que não tinham necessidade absoluta de ser de 70. Nas três últimas décadas, a designada crise do
pelo Estado executados. A maior parte dos gover- Estado-Providência tem sido objeto de análise de um
nos urbanos assumem posições neoliberais, par- número crescente de estudiosos, das mais diversas
tindo da convicção de que o investimento privado, áreas científicas. Os principais sintomas detectados
quando fomentado pelo mercado, gera emprego e foram-no logo na década de 50, quando o suposto
riqueza, produz diretamente bem-estar social na impacto inflacionário dos gastos sociais era reco-
cidade (BARATA SALGUEIRO, 1999; BRENNER; nhecido como obstáculo ao crescimento económico.
THEODORE, 2002; DIAMOND et al., 2010; HEALEY Esses ataques eram oriundos da Direita e de alguns
et al., 1995; PORTER; SHAW, 2009). economistas preocupados com a perspectiva de a rá-
É, pois, nesse contexto, e na sequência das polí- pida expansão do sector público asfixiar o funciona-
ticas de reabilitação dos anos 70, que nos anos 80 e mento do mercado.
90, as políticas de RU surgem como um dos principais Nos anos 60 e 70, a expansão e consolidação do
instrumentos para promover a cidade como porta de Estado-Providência deram-se no sentido da diversi-
entrada e atração de capital privado internacional. ficação da oferta estatal de bens e serviços sociais e
Reconhece-se nas áreas urbanas abandonadas ou em da elevação do valor dos benefícios e da qualidade
processo de declínio, áreas oportunidade, para atrair da oferta. A persistência da desigualdade e a emer-
investimento privado e garantir a reprodução de gência de novas procuras parecem ter sido em larga
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medida contra-atacadas pela consolidação e expan- fez-se paralelamente à superação do fordismo pelo
são dos direitos sociais, tendo sido esta a época da pós-fordismo, tornando cada vez mais difícil para
discriminação positiva, dos programas de combate o Estado reunir os recursos necessários para ga-
à pobreza, da melhoria dos serviços sociais e do fo- rantir a intervenção da despesa pública ao mesmo
mento do valor dos benefícios e transferências. ritmo que se atingira em anos anteriores. À inevi-
A respeito do pacto fordista e o welfare state, o for- tável precariedade da situação laboral dos traba-
dismo representou indiscutivelmente algo mais do lhadores mais desqualificados e dos grupos sociais
que um modelo de desenvolvimento económico. Na mais desfavorecidos, acumulou-se a desregulação
verdade, a natureza desse modelo favoreceu a emer- do mercado de habitação e do uso do solo urbano,
gência de um conjunto bem definido de atores sociais que tende a valorizar um padrão mais aleatório na
e reuniu as condições para a criação de esquemas típi- produção temporal e espacial dos acontecimentos
cos de regulação das relações entre eles. A partir dos urbanos. Esse padrão é simplesmente produto so-
anos 40 do século XX, o Estado tornou-se num prota- cial do jogo do mercado imobiliário pouco regula-
gonista importante na intervenção assistencial junto do, de processos especulativos de valorização, e não
dos segmentos da população mais desfavorecida. Essa tanto das condições locais em termos de distância
intervenção generalizou-se e difundiu-se, embora em ao centro ou a zonas de emprego, do nível local do
diversas modalidades e intensidades geograficamen- comércio, de equipamentos ou da qualidade do am-
te díspares, em quase todos os países desenvolvidos. biente. O governo urbano orienta-se por um modelo
Tornou-se popular a expressão welfare state para de- gestionário (gestão estratégica importada do meio
signar a orientação da política estatal em que o poder empresarial) em que o uso dos recursos públicos
organizado se emprega deliberadamente para mo- se faz para atrair investimento, o fornecimento dos
dificar o movimento das forças de mercado em pelo serviços passa a fazer-se pelo mercado e pelo sec-
menos três direções: garantindo aos indivíduos e às tor privado e são valorizadas as parcerias público-
famílias um rendimento mínimo; reduzindo o grau de -privadas (HALL, 2006).
insegurança e colocando os indivíduos e as famílias em Dada a ausência ou fragilidade dos mecanismos
condições de enfrentar determinadas contingências e políticas de coordenação internacional, os gover-
sociais (por exemplo, a doença, a velhice, o desempre- nos nacionais têm incentivos para se envolverem na
go), que, de contrário, conduziriam a crise individuais competição internacional por investimentos, o qual
e familiares; assegurando que sejam oferecidos a to- supostamente exige a redução do valor dos benefí-
dos os cidadãos os melhores padrões possíveis a uma cios sociais, a minimização da provisão estatal de
gama moderada dos serviços sociais (MELA, 1999). serviços sociais e o alívio da carga fiscal (da parte do
As políticas keynesianas acompanharam e es- capital, não do trabalho) que tem financiado o welfa-
timularam a urbanização fordista, desenvolvendo re state. A provisão estatal de bens e serviços sociais
uma cidade do “bem-estar” (do welfare state), de tem vindo a ser progressivamente rebaixada a um
forma a assegurar o pacto fordista entre patronato “mínimo denominador comum”. Trata-se, na verda-
e assalariados, de maneira a que a ordem social se de, de sugerir um processo de convergência forçada;
mantivesse e o sistema capitalista se reproduzisse. a qual faria com que a provisão estatal de bem-estar
Tal era conseguido pelo estímulo estatal à economia social de países muito distintos se tornasse cada vez
por via do financiamento público dos equipamen- mais residual e organizada em torno da exigência de
tos coletivos e da habitação social e favorecendo a comprovação de carência para o acesso a bens e ser-
industrialização das atividades de construção e de viços minimalistas, conformados segundo princípios
obras públicas através de encomendas maciças e de eficiência e que gerem incentivos ao envolvimen-
repetitivas. No entanto, esta forma de produzir o es- to do indivíduo no mercado de trabalho. Ademais,
paço urbano e toda a coerência fordista estão, atual- parece evidente que o impacto da maior mobilida-
mente, em crise (ASCHER, 1998). de do capital internacional sobre as políticas de RU
Os primeiros sintomas da crise do welfare state tem reflexo na aceitação generalizada da ortodoxia
começaram a manifestar-se por volta de meados dos macroeconómica neoliberal, que prega a redução da
anos 70. A partir de então, a gradual desagregação intervenção governamental e visa apontar as distor-
do modelo predominante de intervenção pública ções sobre o mercado geradas pelos mecanismos de
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proteção social e por sistemas tributários altamente Imbuído de um papel de intervenção e crítica so-
progressivos. Isso constitui o arcabouço que dá sus- cial, Smith (1996) denuncia que o discurso “regene-
tentáculo à pressão por reformas das políticas fiscais rativo” do redesenvolvimento no âmbito de políticas
e sociais, cujo objetivo é ampliar a competitividade e de valorização da imagem da cidade2 ainda que vise à
gerar um “clima económico” favorável (JESSOP, 2002; fixação da população já existente, a modernização do
PECK; TICKELL, 2002; PIMENTA DE FARIA, 2002). tecido económico, o aumento do emprego e o cresci-
É um facto que, associado aos primeiros sintomas mento económico; a verdade é que não deixa também
da crise do welfare state e emergência do neolibera- de funcionar como mecanismo de legitimação do po-
lismo, por volta dos anos 80, mas, sobretudo, 90 e der instituído e da mobilização de grande investimen-
recentes em Portugal, designadamente à desagrega- to público que, em última análise, é desviado do auxí-
ção daquele modelo de intervenção pública, esteve à lio aos mais carenciados, funcionando como subsídio
origem de novas e crescentes desigualdades sociais, aos mais ricos (Banca, instituições financeiras, gran-
que se tendem a agravar com a tendência vigente des grupos económicos e de construção civil, empre-
dos países de desenvolvimento mais avançado para endedores, governantes etc.).
regredirem da fiscalidade direta para a indireta, ou, Denota-se em toda a obra estruturalista desse
pelo menos, para reforçarem a pressão fiscal sobre autor o carácter impregnadamente ideológico, ca-
os rendimentos do trabalho em benefício dos rendi- racterístico do marxismo; além disso, destacam-se a
mentos do capital. A propósito do desmantelamento necessidade do despontar de perspectivas de futuro
das políticas de assistência pública como tentativa de alternativas e a ideia de resistência política por par-
incutir alento à iniciativa económica dos privados, de te do operariado e das classes pobres residentes dos
que o neoliberalismo dos governos urbanos se tem bairros populares, em face da invasão burguesa pro-
vindo a revestir; e de como a crise do welfare state movida pela gentrificação na cidade-centro e pela RU
está associada também à afirmação de intenções de uma forma geral em todo o meio urbano. Parte-se
conservadoras, responsáveis pela produção de trans- da dedução preliminar que na sociedade capitalista o
formações radicais no governo da cidade e nas políti- conjunto de leis que a regem é necessariamente bur-
cas de RU, Smith (2005, p. 75) defende o conceito de guês (sob domínio das classes dominantes, em termos
cidade revanchista, referindo: sociais e económicos) e existe para servir os interes-
ses do capital e não da maioria social. O mesmo pode
Las enormes subvenciones concedidas al capital ser dito do Estado que, mesmo sob o disfarce liberal e
mundial; la destrucción y el desmantelamiento siste- formalmente voltado (no sentido de discurso teórico)
mático de servicios públicos (por ejemplo, la educa- para o interesse de toda a sociedade, representa parti-
ción) y la crisis de la reproducción social; y las nuevas cularmente sob este modo de produção a dominação
ambiciones políticas de las ciudades en la economía da “classe burguesa”, isto é, dos grupos de maior es-
global. [...] El argumento general que deseo plantear tatuto social e económico e dos interesses do capital.
aquí es que la ciudad revanchista [...] forma parte de O poder central assegura uma forte estabilização
todo un nuevo régimen de desarrollo desigual que do sistema territorial e reforça a sua capacidade de
encaja com el nuevo globalismo. Conjuntamente con resistência à mudança social, pois a administração
una mayor represión política, representa elementos fomenta a hierarquia e a procura social através dos
centrales de un nuevo régimen de desarrollo desi- processos de planeamento e das políticas urbanas
gual que se vuelve cada vez más visible en las econo- de regeneração dos espaços centrais urbanos3. As
mías capitalistas avanzadas. intervenções públicas que provocam valorização
² A gentrificação dos novos produtos imobiliários e reestruturação urbana, no quadro de um incremento da competitividade
interurbana.
³ Aqui a RU surge materializada como conceito em Inglaterra no início dos anos 80, como a forma privilegiada desenvolvida pelo
governo de M. Tatcher para a intervenção nos tecidos urbanos obsoletos. São então criadas as Enterprize Zones, áreas específicas
dentro das cidades inglesas para as quais é desenhado um pacote específico de medidas e incentivos. São igualmente criadas as
Urban Development Corporations, entidades que materializam as parcerias e que asseguram o investimento privado necessário
para a regeneração (VILARES, 2003). Smith (2001, 2002) é crítico de ambas.
urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana (Brazilian Journal of Urban Management), v. 5, n. 1, p. 33-45, jan./jun. 2013
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