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Anabela Ramos1
Lúcio Cunha1
INTRODUÇÂO
1
Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT), Universidade de Coimbra, Portugal, ana-baia@sapo.pt;
luciogeo@fl.uc.pt
Vulnerabilidades e Riscos: Reflexões e Aplicações na Análise do Território
Figura 1 – Distribuição dos epicentros no globo terrestre. Ocorrências sísmicas mostradas segundo a profundidade
da localização do foco ou hipocentro: amarelo (superficiais) = profundidade do
foco até 25 Km vermelho (intermédios) = profundidade do foco entre 26 e
75 Km negro (profundos) = profundidade do foco entre 76 e 660 Km
(http://domingos.home.sapo.pt/sismos_3.html)
A estratégia de identificação dos fatores que contribuem para o risco de desastre quando ocorre um terramoto começa
por tentar descrever todos os fatores que juntos contribuem para esse mesmo risco. Os principais fatores que contribuem
para o risco de desastre em caso de sismo são os seguintes (Oliveira e Ferreira, 2007):
1 – Hazard ou Perigosidade;
2 – Exposição;
3 – Vulnerabilidade;
4 – Impacte no Exterior;
5 – Capacidade de Resposta.
Os efeitos colaterais que advêm de um sismo estão relacionados por exemplo com os tipos de solo, declives e outras
morfologias de cada cidade (Os riscos colaterais provocados por abalos sísmicos tais como incêndios, liquefação ou
tsunamis são os responsáveis pela contaminação das águas, solos, florestas, etc.).
A exposição diz respeito ao conjunto de elementos que numa cidade estão exposto ao risco. Não importa a perigosidade
ser muito elevada em determinada espaço se não tiver uma população e infraestruturas associadas e expostas a esse
mesmo processo perigoso; se assim for, não haverá danos nem interrupções e consequentemente não haverá risco. Desta
forma pode dizer-se qua a exposição inclui:
- Exposição da População;
- Exposição das Infraestruturas;
- Exposição das Actividades Económicas;
- Exposição Sócio-Política.
Ao abordarmos a vulnerabilidade, esta deve abranger:
- Vulnerabilidade da População, ou seja vulnerabilidade social
- Vulnerabilidade das Infraestruturas e Vulnerabilidade das Actividades Económicas, ou seja o valor dos bens
potencialmente afetados (custos potenciais);
- Vulnerabilidade Sócio-Política, ou seja a vulnerabilidade indireta.
O impacte no exterior constitui um fator que indica de que forma as perdas económicas, as interrupções nas redes de
comunicação, a vida política e social serão afetadas para além do local onde se registou o abalo. As cidades vão para além
das suas fronteiras. Por exemplo, o sismo do Faial 1998 teve repercussões a nível nacional e não apenas nas ilhas onde foi
sentido o sismo e onde se registaram os estragos. Outro exemplo, em que se verifica que de facto não existem fronteiras
para alguns processos naturais perigosos, foi o caso da erupção vulcânica, em 2010, na Islândia, que comprometeu
seriamente as redes de comunicação e transportes em muitos países europeus, com os consequentes prejuízos
socioeconómicos.
O fator Capacidade de Resposta descreve a eficiência de uma cidade em restabelecer as suas atividades e, para
isso,necessita de uma organização e planeamento operacional antes de ocorrer o sismo, recursos financeiros equipamento
e recursos humanos disponíveis, bem como de uma fácil mobilidade no pós-sismo.
possível, dos catálogos sísmicos existentes, históricos e instrumentais. A publicação dos primeiros catálogos sísmicos
(sismicidade instrumental) ocorreu no início do séc. XX com a instalação dos primeiros sismógrafos mecânicos.
Os catálogos sísmicos contêm informação sobre a data e a hora da ocorrência do sismo, localização geográfica,
profundidade do foco e magnitude. Durante o séc. XX ocorreram, em cada ano, por todo o globo, cerca de 15 sismos com
magnitude superior ou igual a 7. De referir que um bom catálogo sobre informação sísmica é disponibilizado online pelo
Instituto de Geofísica de Espanha (www.ign.es).
A partir da década de 1960, com o aumento do número de estações e a melhoria dos instrumentos, foi possível
detetarem-se sismos de magnitude cada vez menor. Em 1963 foi intalada a rede mundial americana (WWSSN – World Wild
Standard Seismographic Network).
A sismicidade histórica (observada antes da existência de registos instrumentais) é baseada em relatos escritos que
indicam que a sismicidade se estende até ao séc. XVI na Europa, havendo referências a sismos ocorridos no início da Era
Cristã; estende-se a algumas centenas de anos atrás nos EUA; no Japão e no Médio Oriente estende-se até há mais de
2000 anos e na China até há cerca de 3000 anos.
A sismicidade passada pode também ser avaliada a partir de evidências de caráter geológico, pelo estudo da
paleossismicidade.
A Lei de Gutenberg e Richter (1954), para a caracterização das fontes sísmicas, diz que em cada região sismogénica os
sismos de menor magnitude são os mais frequentes, existindo uma relação linear entre o logaritmo decimal de N e M:
LogN = a-bM
A atividade sísmica ocorre aleatoriamente distribuída ao longo do tempo. Há períodos de elevada atividade e períodos
de calma. Tendo em conta a magnitude dos sismos, é possível estimar “períodos de retorno” para eventos de diferentes
magnitudes.
A perigosidade sísmica (Hx) é definida como a probabilidade (P) da aceleração máxima do solo nesse local (Ax) exceder
um dado valor de referência da aceleração do solo (Ar) num certo intervalo de tempo ("t) (Baker, 2008).
Hx = P (Ax > Ar) "t
Sismicidade em Portugal
A sismicidade, em Portugal, não é, normalmente, nem muito intensa, nem muito frequente. No entanto, o território tem
sido atingido por diversos sismos com elevada magnitude e intensidade, tendo sido detetados eventos desde há mais de
dois milénios.
Bezzeghoud et al. (2012) e o website da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica mostram o registo histórico dos
sismos mais significativos ocorridos em Portugal. O sismo mais antigo de que há registo em Portugal terá ocorrido no ano
63 AC. Afetou o que são hoje as costas portuguesas e da Galiza e terá provocado um enorme tsunami, com as populações
a fugirem do litoral para o interior. Em 382 há registo de outro grande sismo, com relatos de tsunami que fizeram desaparecer
ilhas que havia ao largo do Algarve. Outro dos grandes abalos em Portugal teve lugar em 1356 (24 de Agosto), com
intensidade semelhante ao de 1755.
De entre os acontecimentos que marcaram a história da sismologia em Portugal, Bezzeghoud et al., (2012) destacam os
seguintes eventos:
26 de Janeiro de 1531 - Causou severos danos no centro de Portugal continental e em particularmente na região de
Lisboa. O seu epicentro situa-se provavelmente na região de Benavente.
27 de Dezembro de 1722 - Afetou principalmente a região Algarvia provocando danos consideráveis em Loulé. Teve o
seu epicentro provavelmente no mar e gerou um tsunami local em Tavira.
1 de Novembro de 1755 - Um dos maiores sismos de que há memória histórica. Foi o sismo com consequências mais
catastróficas em Portugal, causando destruição generalizada na região de Lisboa e Algarve, tendo sido sentido nos
Açores, na Madeira, em Marrocos e por toda a Europa. Desencadeou um tsunami de enormes proporções. O número de
vítimas provocado por este sismo foi entre 60000 e 80000 pessoas, sendo grande parte desse número em consequência do
tsunami.
11 de Novembro de 1858 - Um dos grandes sismos que afetaram Portugal, provocando danos na zona de Setúbal.
23 de Abril de 1909 - Foi o sismo com maior intensidade que afetou Portugal continental no séc. XX, registado em vários
observatórios sismográficos, destruindo Benavente, onde se situou o epicentro. O epicentro deste sismo situa-se na
margem sudoeste portuguesa no entanto não existe ainda consenso relativamente à sua localização exata;
Sismo de 28 de Fevereiro de 1969 – Trata-se do maior sismo instrumental jamais registado em Portugal. Teve o seu
epicentro numa região localizada 200 km a sudoeste do cabo de S. Vicente, no limite sul da Planície da Ferradura. Apesar da
sua elevada magnitude (Ms=8.0) e elevadas intensidades sentidas (em particular na região algarvia com intensidade
máxima VIII) não causou qualquer vítima mortal, tendo só provocado danos materiais na região algarvia.
Em Portugal os eventos sísmicos têm os epicentros localizados, quer interplaca, quer intraplaca (figura 2), que se
relacionam com as zonas sismogénicas que geram os sismos que afetam Portugal (figura 3).
As figuras 4 e 5 mostram a estimativa do zonamento do risco sísmico para Portugal, resultantes da investigação de
vários autores.
Figura 4 - Estimativas do risco sísmico para Portugal.(a) Zonamento adotado pelo LNEC (1983); valores de
PGA para um período de retorno de 975 anos (b) Intensidades para um período de retorno de 500 anos
(Sousa, 1996). (c) PGA com um período de retorno de 475 anos (Pelaez and Lopez Casado,2002).
(d) Mapas de perigosidade sísmica para Portugal Continental
(Vilanova e Fonseca, 2007).
Sousa (2006) mostra os mapas das perdas económicas e humanas para cenários de sismos históricos semelhantes aos
de 1909 e 1755 para os períodos de retorno de 475 e 975 anos (figura 5).
Metodologia
Os conceitos utilizados no modelo conceptual de risco que seguimos estão de acordo com as propostas de Julião et al.
(2009). As cartas de suscetibilidade e perigosidade, vulnerabilidade e risco sísmico foram criados através do software
ArcGis10, recorrendo sobretudo às ferramentas das extensões 3D Analyst e Spatial Analyst.
Para a determinação da suscetibilidade e da perigosidade sísmica, os fatores tomados em linha de conta foram a
litologia, a tectónica (alinhamentos neotectónicos e núcleos diapíricos) e a distribuição dos epicentros, com os respetivos
valores de magnitude para os últimos cerca de 20 anos. Foi determinada a Vs30, ou seja, a velocidade das ondas de corte
(ondas s) nos primeiros trinta metros de profundidade, definida pelas características geológicas locais (Eurocódigo 8 – EN
1998). Outro fator importante é o Peak ground acceleration (PGA), ou aceleração de pico, que avalia a aceleração das
partículas do solo à passagem das ondas sísmicas. Para este estudo foi considerada o valor médio de aceleração de pico
de 100-150 cm/s2 em rocha podendo atingir valores superiores à superfície, devido ao agravamento da ação sísmica pelos
solos (Carvalho et al., 2004).
Testou-se a aplicação do modelo de atenuação de Carrilho e Oliveira (1997) por ser aquele que se pode aplicar a
magnitudes de valores próximos dos existentes na área em análise e em condições de Crosta Continental Estável. A
aplicação dos modelos de atenuação no cálculo do risco sísmico têm importância para o conhecimento da forma como se
dá a propagação das ondas sísmicas e dos fatores que mais contribuem para esse padrão.
A carta de vulnerabilidade construiu-se tendo em conta os censos de 2011 e contemplou a população exposta, edificado
e a vulnerabilidade social.
A carta de risco sísmico obteve-se por operações de cálculo matricial (álgebra de mapas): Risco sísmico = Perigosidade
sísmica x Vulnerabilidade.
Figura 6 – Localização da área de estudo Figura 7 – Distribuição das Vs30 nas formações
(elaboração própria) geológicas da área de estudo
(elaboração própria)
As figuras 8 e 9 mostram, respetivamente, os principais acidentes tectónicos que afetam a área e a distribuição espacial
dos epicentros sísmicos, cujas magnitudes não ultrapassam M#4.4.
Figura 8 – Localização dos principais acidentes tectónicos Figura 9 – Distribuição dos epicentros
( falhas e diapiros). Carta Neotectónica de Portugal (Org. Ramos, A. M. 2014; www.ign.es)
esc. 1000 000 (Cabral e Ribeiro, 1988).
Se admitirmos a repetição de um evento semelhante na atualidade, tendo em conta a ocupação urbana e o tipo de
edificado (em muitos casos desconhecido), principalmente em zonas próximas do litoral, estuários e planícies aluviais, será
de classificar a área em estudo com risco sísmico elevado quando se tratam de fontes sísmicas externas e tendo em conta
os registos dos sismos históricos.
Convém referir que no cálculo do risco associado a processos naturais perigosos como sismos e vulcões, o impacte no
exterior constitui um fator que indica de que forma as perdas económicas, as interrupções nas redes de comunicação, a
vida política e social serão afetadas para além do local onde se registraram os eventos.
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