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dentre tantos outros precedentes, no
HC 143.021/SP, Relatado pelo Minis-
tro Moura Ribeiro, da Quinta Turma
do Superior Tribunal de Justiça, julga-
do em 22/04/2014, no qual se assentou
que a contagem do prazo prescricional
se inicia com a “(...) constituição do crédito
tributário”.
Com a devida vênia, o entendimento
disposto na Súmula Vinculante do Su-
premo Tribunal, acolhido integralmente
pelo Superior Tribunal de Justiça, es-
pecialmente quando se analisa os seus
efeitos práticos, como por exemplo essa
“contagem diferida do prazo prescri-
cional”, é tecnicamente incabível, ain-
da que possa ser político-criminalmente
compreensível.
Explique-se: é que, para além da exigibi-
lidade do prévio exaurimento da fase ad-
ministrativa nos crimes contra a ordem
diz respeito à tipicidade, antijuridicidade ou tipicidade por tributária, estão compreendidos no regime jurídico desses
ser exterior ao fato, e nesse diapasão, tampouco se pode crimes também os mecanismos da suspensão da punibili-
cogitar que haja consciência e vontade do sonegador de se dade pelo parcelamento do débito tributário e a extinção
submeter a processo administrativo no momento em que a da punibilidade pelo integral pagamento do imposto de-
conduta ocorre. E desde esta mirada, não se pode chegar a vido. Não entraremos aqui, pela exigu idade do espaço,
outra conclusão senão a de que o lançamento definitivo do nas cabíveis críticas à administrativização do direito penal
tributo se constitui em condição objetiva de punibilidade verificável nesses dispositivos legais, visto que se trata de
do crime tributário. uma finalidade eminentemente arrecadatória por parte do
Há fundados argumentos que caminham noutra linha, asse- aparato criminal: “pagou está livre”, independentemente
verando que o lançamento definitivo não diria respeito à pu- da gravidade das fraudes cometidas para a sonegação.
nibilidade propriamente dita (com o que se afastaria a nature- O fato é que, da soma de todos esses elementos, chega-se à
za de condição objetiva de punibilidade), mas à possibilidade construção de um crime que tutela um dos mais importan-
jurídica de início do processo penal, ou seja, tratar-se-ia de tes bens jurídicos (segundo dados do Sindicato Nacional
uma condição de procedibilidade. dos Procuradores da Fazenda Nacional – Sinprofaz - so-
Analisando-se as duas linhas de interpretação do instituto, mente nos meses de janeiro a julho deste ano de 2014, o
seria lícito concluirmos que a hermenêutica realizada pelo valor dos impostos sonegados no Brasil chega a 300 bilhões
Supremo Tribunal Federal no sentido de que a exigibili- de reais – o que significa doze vezes o tamanho dos gastos
dade do lançamento definitivo do tributo é elemento da para a Copa do Mundo) mas que dispõe de um dos mais
tipicidade, é no mínimo, uma opção dogmática bastante benéficos regimes jurídicos. Apenas para se exemplificar
controversa. Além disso, e como nos alerta Gustavo Scan- a suavidade do tratamento a esse tipo de crime: o par-
delari (O crime tributário de descaminho, Porto Alegre: Lex Magis- celamento de uma fraude tributária de milhões, que ao
ter, 2013, p. 158 e ss.) o equívoco de se entender o término final é quitada, redunda na extinção da punibilidade do
do processo administrativo como elemento do tipo, traz fraudador. O parcelamento do valor de uma bicicleta fur-
na sua esteira o raciocínio de que o crime tributário só se tada, que ao final é quitado, somente será avaliado pelo
consuma com o trânsito em julgado da decisão adminis- magistrado no momento da fixação da pena do acusado.
trativa. Ou seja, o crime não existe antes disso, ainda que Desse panorama, quer nos parecer, e essa é a hipótese
a conduta, nexo causal e resultado já tenham acontecido que se lança nesse rápido artigo, político-criminalmente
muito tempo antes. não se poderia dar aos acusados do cometimento de cri-
Essa visualização de tal tipo de crime terá como condão mes tributários ainda mais essa benesse legal: contagem
construções jurídicas que podem ser classificadas ao menos do tempo prescricional durante todo o tempo em que
de inusitadas. Como por exemplo, a consumação de um o processo administrativo estivesse tramitando. Ainda que
crime por uma pessoa já falecida (alguém sonega um im- para tanto, seja necessário se lançar de uma interpretação
posto em 2009; esta mesma pessoa falece em 2010. Após, jurídica bastante questionável, e que confunde condição de
instaura-se procedimento administrativo em 2011, o qual procedibilidade (ou de punibilidade) com elemento da tipici-
transita em julgado em 2012, “consumando o crime”). dade, o que ao final e ao cabo, acaba trazendo impactos na
Ou ainda, o entendimento jurisprudencial vislumbrado, interpretação dos marcos referentes à prescrição.
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vista, deve-se deslocar a discussão para os moti-
vos que levam à indesejabilidade desta conduta
e a legitimidade de sua tutela pelo Direto penal,
que deveria se preocupar apenas com aquelas
condutas lesivas a bens jurídicos essenciais à
vida humana em sociedade.
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tos fundamentais do cidadão, no caso da
cautelar real, na inviolabilidade de seus
bens sem o devido processo legal (artigo
5º, inciso LIV, CR/88).
Como ensina Luis Antonio CÂMARA
“as providências cautelares reais, como, de res-
to, toda medida de natureza cautelar, se marcam
pela acessoriedade, instrumentalidade e proviso-
riedade” .3
Destarte, não é por outro motivo que o
artigo 131, inciso I, do Código de Pro-
cesso Penal preconiza que a medida de
seqüestro de bens será levantada caso a
ação principal não seja intentada no pra-
zo de 60 (sessenta) dias.
Ora, se a medida cautelar real serve para
assegurar eventual execução da sentença
penal condenatória e, em virtude disso,
tal medida é caracterizada pela aces-
soriedade e instrumentalidade4 à ação
penal principal, não existe razão para a
sua manutenção quando a acusação não ÇÃO EM INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE
oferece em tempo razoável a respectiva inicial acusatória. COISA APREENDIDA. LAVAGEM DE DINHEIRO.
Com efeito, pensar ao contrário equivale a admitir ser possível SEQÜESTRO DE BENS. EXCESSO DE PRAZO.
a antecipação dos efeitos da sentença penal condenatória sem RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. ART. 5º,
a instauração sequer do processo crime, o que, evidentemen- LXXVIII, CF. APELO PROVIDO.
te, macula a interpretação mais rasa que se pode fazer dos 1. A Lei n. 12.683/2012 alterou profundamente a Lei
princípios do devido processo legal e presunção de inocência, n. 9.613/98, de sorte que na atual sistemática as medi-
previstos no artigo 5º, incisos LIV e LVII, da Constituição da das assecuratórias não estão mais adstritas a qualquer
República. prazo.
Ocorre que, como é cediço, a Lei 12.683/2012 alterou a 2. Contudo, o art. 5º, LXXVIII, da Constituição Fede-
redação do artigo 4º da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei ral assegura a todos a razoável duração do processo, de
nº 9.613/98), excluindo do seu enunciado a previsão do modo a impedir que as partes sujeitem-se por tempo
prazo máximo de duração da medida cautelar decretada incompatível aos efeitos deletérios de uma ação judicial,
durante a investigação preliminar, que até então era de que se mostram ainda mais gravosos no âmbito penal.
120 (cento e vinte) dias. (...)4. Apelo provido.
Diante dessa inovação legislativa, impõe-se a seguinte inda- (TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, ACR 0011952-
gação: Com a nova legislação, as medidas de sequestro de 28.2007.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FE-
bens aplicadas nos casos penais que tenham por objeto cri- DERAL COTRIM GUIMARÃES, julgado em
me de lavagem de dinheiro, na fase policial, não possuem 05/02/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/02/2013)
prazo máximo de duração? Não vigora nesta situação a Todavia, para além de se afirmar a provisoriedade das
provisoriedade e acessoriedade das medidas cautelares? medidas cautelares é preciso determinar o prazo máxi-
Destarte, a alteração legislativa, por elementar, não atinge mo para sua duração, sob pena de se deixar ao arbítrio
o regime jurídico das medidas cautelares, de modo que fica do juiz/estado a declaração da ilegitimidade da medida.
juridicamente inviável conceber a existência de uma medida Isto, evidentemente, não é nada salutar, pois em tempos
cautelar que não se submeta à provisoriedade. de decisões proferidas conforme a consciência do julgador5 não
Sim, pois, diante da garantia da duração razoável do pro- é difícil se deparar com malabarismos hermenêuticos do
cesso prevista no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constitui- tipo “complexidade do caso”, “ponderação de valores em jogo”, etc,
ção da República de 1988 e da acessoriedade e provisorie- que acabam por afastar as garantias processuais.
dade das medidas cautelares é inconcebível a inexistência Dessarte, em virtude do regime jurídico das cautelares, a
de prazo máximo de duração das mencionadas medidas melhor solução parece ser a aplicação subsidiária do artigo
que, como se sabe, têm nítida natureza de medida restriti- 131, inciso I, do Código de Processo Penal à medida de se-
va de direito fundamental. questro de bens decretada na fase policial com base na Lei
Nesse sentido, ainda que de forma tímida, já se manifestou 9.6913/98 que, rememore-se, estabelece o prazo máximo
o E. Tribunal Regional Federal da Terceira Região: de 60 (sessenta dias), o que, aliás, é perfeitamente possível,
PROCESSUAL PENAL. RECURSO DE APELA- nos termos do artigo 17-A da Lei 9.613/98.