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Anotações sobre a Grammaire du sens

et de l’expression, de Patrick Charaudeau

Claudio Cezar Henriques (UERJ)

Si l’école veut rester en prise sur la vie et le monde extérieur,


tout en maintenant une de ses tâches prioritaires que est
l’enseignement de l’écrit, c’est bien en choisissant de travailler
avec/sur une langue vivant, au risque d’avoir à se confronter
avec sa diversité.

A Grammaire du sens et de l’expression, de Patrick Charaudeau, é o-


bra relativamente recente, publicada em 1992 pela editora Hachette, de Pa-
ris. Trata-se, porém, de trabalho relevante que, no Brasil, tem sido utilizado
e referido em outros livros e estudos no âmbito dos cursos de Letras, por
professores e pesquisadores do recorte teórico a que podemos chamar de
lingüístico-gramatical, como Agostinho Dias Carneiro, José Luiz Fiorin,
Francisco Platão Savioli, Helênio Fonseca de Oliveira, entre outros.
Como se vê por esta brevíssima apresentação, a obra de Charaudeau
se insere na bibliografia básica dos estudos de Análise do Discurso, cujas
origens remontam às discussões dos formalistas russos (década de 60), as
quais propiciaram o surgimento de um tipo de estudo lingüístico que leva
em consideração algo que transcendia os limites da frase, do período, ou
seja, alcança as relações de encadeamento interno do texto em sua totalida-
de. Esta é característica fundamental da escola francesa de análise do dis-
curso, que se restringe ao tipo escrito, em oposição à escola anglo-saxã de
análise do discurso, que focaliza os propósitos comunicacionais da lingua-
gem oral.
O objetivo desta comunicação é apresentar alguns comentários sobre a
Grammaire du sens et de l’expression, de Patrick Charaudeau, reportando a
exposições e conteúdos da obra e partindo da afirmação do autor de que a
linguagem é o material que permite ao homem construir o sentido no mun-

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do e estabelecer uma comunicação com o outro, pois é ela sentido, expres-
são e comunicação, não sendo sucessivamente nem uma coisa nem outra,
mas as três a um só tempo.
Este é seu argumento para elaborar uma gramática do sentido e da ex-
pressão, que se interessa em descrever os fatos da língua em função de três
condições: a primeira se refere às intenções do sujeito falante, as quais são
suscetíveis de exprimir, o que requer que os diferentes sistemas da língua
sejam reagrupados ao redor dessas intenções; a segunda se refere às instân-
cias comunicativas que os fatos da linguagem revelam, o que exige que os
diferentes sistemas da língua sejam tratados do ponto de vista do sentido; a
terceira se refere aos efeitos do discurso que os diferentes sistemas da lín-
gua podem produzir, o que exige que os variados registros de uso lingüísti-
co sejam passados em revista, e não apenas os usos literários.
Se, por um lado, uma gramática com essas características só é possível
na hipótese de resolver o problema da diversidade das teorias lingüísticas,
por outro ela precisa levar em conta a existência de uma tradição gramatical
essencialmente escolar, para pôr em cena uma gramática morfológica que
descreva as partes do discurso (formas e sintaxe) e os componentes da frase
(orações), sempre ajudada por uma nomenclatura (nome, adjetivo, verbo,
oração principal ou subordinada, etc.) que esteja totalmente incorporada
pelos usuários escolarizados da língua.
E isso tem mesmo razão de ser, se concordarmos que existe uma tra-
dição de estudo lingüístico que, apesar das diferenças de pontos de vista,
tem estabelecido um consenso ao redor de conceitos e de procedimentos de
descrição dos sistemas da língua, especialmente no que se convencionou
chamar de abordagem semântica da linguagem. Como essa herança consti-
tui uma espécie de reconhecimento, a única forma de linguagem posta à
disposição desses usuários para falar o idioma, é necessário levá-la conta,

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mesmo que se queira criticá-la.
Para atingir esses objetivos, Charaudeau organiza três seções em sua
gramática. A primeira (Os Mecanismos do Sentido e a Construção das Pa-
lavras) fala do signo lingüístico, de seus conceitos (referencial, estrutu-
ral/contextual e situacional) e de sua forma (aspecto material e morfológico
e categorias formais), fala também da construção do sentido (o que se dá a
partir de diferenças por relações opositivas e combinatórias e se caracteriza
por domínios de experiência, conferindo ao sujeito falante uma relativa au-
tonomia na escolha da expressão) e da existência de três classes conceituais
para os signos lexicais (nome, verbo, adjetivo e advérbio): os seres, os pro-
cessos e as propriedades – vistos em suas características semânticas e for-
mais. Fala ainda das operações de classificação das palavras pelo ponto de
vista semântico, e da construção de palavras em decorrência das situações
de especialização, vulgarização ou cotidianidade (que se submetem a pro-
cedimentos de derivação, composição, abreviação e empréstimo – onde se
encontra um valioso comentário sobre o tema da preservação do idioma
francês diante da invasão dos elementos estrangeiros).
Trata, em seguida, dos procedimentos de transferência de sentido, um
recurso (atividade) que se destina a produzir algum efeito de discurso, que
pode ser de focalização, de distanciamento, de quantificação, de valoriza-
ção, de metaforização.
E, por fim, do valor social do signo, onde faz considerações a respeito
do conceito de “ameaça” à integridade da língua, do valor de identidade
dos socioletos e dos componentes da “marcha” lingüística.
A segunda parte do livro de Charaudeau se intitula “As Categorias da
Língua” e trata exaustivamente (da p. 119 à 629 = 510 páginas) do uso e
dos valores semânticos dos pronomes pessoais, dos artigos (atualizadores),
dos possessivos (marcadores de dependência), dos demonstrativos (marca-

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dores de designação), dos quantificadores (numeradores, intensificadores
ou indeterminadores), dos indefinidos (identificadores indeterminados), dos
apresentadores, dos qualificativos, das ações e dos atores, da localização
espacial, da situação temporal (coincidente, anterior ou posterior; pontual,
durativa e correlativa), da argumentação e das relações lógicas, da afirma-
ção e da negação, da modalização e da enunciação.
Cada um dos capítulos desta segunda parte é iniciado com considera-
ções sobre os problemas de terminologia e de definição no tratamento dado
pelas gramáticas tradicionais. Logo em seguida, o autor expõe sua própria
definição, que se baseia fundamentalmente nos aspectos semânticos.
“Os Modos de Organização do Discurso” é o título da terceira parte.
Nela, expõem-se os princípios de organização do discurso e, em seguida,
explicam-se quais as características do modo enunciativo, descritivo, narra-
tivo, argumentativo.
Construindo sua obra com a proposta de investigar quais os meios de
que o sujeito falante dispõe para se exprimir, Charaudeau mostra que o sen-
tido se constrói numa relação que subordina a referência do mundo à inter-
subjetividade dos interlocutores. E para isso, como se pretendeu aqui de-
monstrar, o instrumental teórico da gramática tradicional se mostra mais
uma vez – e em formato inovador – indispensável.

@@@@@@

Publicado nos Cadernos do CNLF, 2000.

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