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11/20/2018 Aprendendo com os ingleses - 20/11/2018 - Joel Pinheiro da Fonseca - Folha

Joel Pinheiro da Fonseca (/colunas/joel-pinheiro-da-fonseca/)

Aprendendo com os ingleses


É melhor não imitar abandono de acordos proveitosos por arroubo nacionalista

20.nov.2018 às 2h00

EDIÇÃO IMPRESSA (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2018/11/20/)

O nacionalismo está em alta no mundo. Trump segue com um discurso de


protecionismo econômico, abandono de acordos internacionais, fechamento
de fronteiras e mudança de postura dos EUA para com seus aliados. A China
já se beneficia da retração americana e busca ocupar esse espaço na
economia globalizada. Ainda é cedo, contudo, para avaliar as mudanças, pois
poucas alterações concretas aconteceram. 

A exceção é o Reino Unido. Lá, a ideologia nacionalista levou a melhor e o


país se vê às vésperas de decidir como se dará a saída da União Europeia. O
acordo que a primeira-ministra Theresa May conseguiu negociar com a UE
não agrada a ninguém. O sonho romântico de uma Inglaterra livre das
amarras europeias se esborrachou no chão duro da realidade.

Apenas sair de uma vez, sem acordo nenhum, seria catastrófico: o Reino
Unido se tornaria um país isolado e sem os seus mais importantes laços
econômicos. Hoje em dia, quase metade das exportações britânicas vai para
a UE.

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Se o Reino Unido quiser preservar seu acesso ao mercado europeu, terá que
se submeter às regulamentações europeias, com a diferença de que não terá
mais nenhuma influência em sua formulação. Novos acordos econômicos —
ambição nutrida por uma minoria mais esclarecida dos defensores do Brexit,
e não pela maioria que só queria uma Inglaterra protegida da concorrência
internacional e sem imigrantes— também terão que esperar por anos a fio
antes de sequer iniciar negociações, e ficarão igualmente limitados.

A tentação burocrática de tudo regulamentar e insistir no objetivo de uma


união política que nunca foi desejada pela Inglaterra (e que encontra
resistência entre os países continentais também) criou as bases para a
decisão atabalhoada do Brexit. Dado o tamanho do fiasco, já se especula
sobre a possibilidade de um novo referendo, o que seria um tapa na cara na
ideia da soberania popular. Seja qual for a solução, para nós ficam algumas
lições.

A primeira é que o referendo é um jeito ruim de tomar decisões coletivas.


Compromete o destino da nação à opinião popular mensurada em um
momento específico, sujeita às vicissitudes da propaganda e dos sentimentos
momentâneos. 

É para evitar esse exercício potencialmente tirânico do poder das massas (e


dos demagogos que se aproveitam delas) que temos a democracia
representativa. Escolhemos representantes com mandatos curtos e que
preservam sua autonomia para julgar as circunstâncias do momento e,
munidos da informação necessária, tomar a escolha que lhes parecer melhor.

A segunda lição é sobre como se relacionar com o mundo. Ernesto Araújo,


nosso futuro chanceler, acredita que os acordos internacionais aos quais o
Brasil se sujeita são parte de uma conspiração globalista para destruir a
humanidade. Se esse delírio conspiratório guiar nossa política externa, o
Brasil trabalhará contra a ordem mundial liberal da qual se beneficia e que
ajudou a construir.

A Inglaterra oferece uma pequena amostra do que está envolvido nessa


decisão e da mentira que está por trás dela. A soberania nacional não é
ameaçada quando se escolhe fazer parte de acordos com outros países. Essa

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adesão é livre, traz sim alguns compromissos e, também, imensos benefícios


dos quais, de tão comuns, é fácil esquecer. 

Caso o Reino Unido de fato efetue sua separação, estará em busca de novos
parceiros comerciais. É uma oportunidade que não podemos perder. Quanto
ao exemplo de abandonar acordos proveitosos por um arroubo nacionalista
popular, esse é melhor não imitar.

Joel Pinheiro da Fonseca


Economista, mestre em filosofia pela USP.

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