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PROCESSO Nº 0377/09-E
I- SANEAMENTO
O processo é o próprio;
Não existem excepções dilatórias nem peremptórias que obstem ao conhecimento do mérito
da questão
II-RELATÓRIO
- Que foi trabalhador da T.A.A.G-Linhas Aéreas de Angola durante 31 anos, isto é, desde
1978, enquadrado na categoria de Chefe de Operações de voo Sénior, auferindo uma
remuneração mensal de USD 4 000,00 (quatro mil dólares norte americanos), mas que à data
da sua desvinculação, exercia a função de Chefe de Escala;
- Que no decorrer das suas actividades, isto é, no dia 20 de Fevereiro de 2009, o recorrente
e o seu Delegado foram interpelados pelo corpo de segurança aeroportuária, depois da saída
da aeronave da recorrida, voo DT 588 de Lusaka para Luanda, pelo facto de se ter detectado
a transportação de bagagem não acompanhada, com preterição das regras procedimentais;
- Que o passageiro de nome Sambulo Nadlovu, ao ser questionado sobre a supracitada
bagagem, afirmou que o recorrente lhe tinha pedido que a recebesse de um outro passageiro
e a registasse em seu nome;
- Que o mesmo revelou ainda ter visto o recorrente receber o valor de USD 230,00 (duzentos
e trinta dólares norte americanos) pela mala de uma pessoa não identificada, que não
embarcou;
- Que o recorrente recebeu, efectivamente, o dinheiro do alegado passageiro, correspondente
ao excesso de 38 kilos, tal como procedeu, com os outros cinco passageiros que se
encontravam em situação similar, e foi ele, recorrente, quem afirmou ter recebido dinheiro
destes últimos, e não um terceiro;
- Que não passou os respectivos recibos como prova de pagamento do referido excesso de
bagagem, uma vez que no momento em que foi detectada a irregularidade, não se fazia
acompanhar do livro de recibos, o qual se encontrava no escritório central.
- Que, a posteriori, provou os recibos comprovativos do pagamento do excesso de bagagem;
- Que não exerceu eficazmente as suas funções porque as condições precárias de
funcionamento no aeroporto não possibilitam, razão pela qual, os tickets de excesso são
elaborados no escritório situado na cidade.
- Que sempre pautou a sua conduta no sentido do cumprimento escrupuloso da ordem e
disciplina no Check in, e é do conhecimento da recorrida que por várias vezes o recorrente
foi vítima de ameaças e injúrias por causa do rigor e disciplina que exigia ao funcionar.
Alegou que pretendeu solucionar o dissídio que o opõe à recorrida de forma conciliatória,
sem lograr êxito.
Determinou o valor da acção em Kz 5.289.000,00 (Cinco Milhões, Duzentos e Oitenta e
Nove Mil Kwanzas).
Juntou procuração forense, 8 (oito) documentos e arrolou testemunhas.
Por despacho, ordenou-se a citação da recorrida nos termos do artigo 17º da Lei nº 22-B/92
de 9 de Setembro para, querendo, no prazo de oito dias contestar, sob pena de ser condenada
no pedido, nos termos do nº 2 do artigo 19º do Decreto Executivo Conjunto nº 3/82, de 11
de Janeiro. E, em igual prazo a remessa do processo disciplinar, sob pena de lhe ser aplicada
uma multa, sem prejuízo das penas correspondentes ao crime de desobediência se houver
lugar a elas, nos termos do artigo 17º, in fine, da Lei nº 22-B/92 de 9 de Setembro.
- Que a recorrida alicerça toda a sua defesa na matéria apurada no processo disciplinar que
junta por ordem do tribunal e para todos os efeitos legais, considera não só totalmente
reproduzido o seu teor, como ainda, na sua globalidade, da sua contestação fazendo parte;
- Que é parcialmente falso o alegado no artigo 7º da petição inicial, porquanto, só é verdade
o que concerne à recepção pelo recorrente, da importância aí referida, pois o dono da mala
em causa não era passageiro, pelo que, não se poderia tratar de excesso de bagagem;
- Que é falso que qualquer uma das bagagens existentes no referido voo foram despachadas
pelos respectivos passageiros, devidamente etiquetadas, constando o nome dos referidos
passageiros;
- Que ficou provado que o recorrente recomendou ao Sr. Henry Lhedoro que entregasse a
sua mala ao Sr. Sambulo Nadlovu;
- Que, de acordo com as declarações do Delegado Sr. Fernandes, o recorrente não tinha
permissão de efectuar qualquer trabalho no aeroporto, mas que, contudo, aparecia junto do
check-in;
- Que o recorrente podia não ter bloco de recibos consigo, porém, pessoas ligadas ao seu
staff tinham, e ele não podia deixar de saber;
- Que os comprovativos pecaram por deles não constar os nomes ou número dos bilhetes,
para comprovar que a bagagem foi acompanhada, procedimento que é contrário às regras
de aviação, em geral, e da companhia em particular que reclamam o pré-pagamento;
- Que o teor do artigo 17º da petição inicial é evasivo, porquanto, o aeroporto tem, e já tinha,
condições para, embora sem grandes exuberâncias, se desempenhar o trabalho específico,
pelo que não colhe igualmente o vertido nos artigos 18º e 19º das mesma peça.
- Que no domínio das regras concernentes à segurança da aviação civil, considerando o
concreto local em que se achava a operar, sendo o recorrente Chefe de Escala, no estrangeiro,
essa sua conduta envolveu simultaneamente, a violação de acordo internacional (cf. Nº 30
de fls. 4 do processo disciplinar), justamente num período em que a recorrida se debatia para
se ver livre das sanções internacionais, aplicadas também por condutas dessa índole.
- Que as consequências, em termos de imagem para a recorrida, em virtude da atitude do
recorrente, são incomensuráveis, razão pela qual tal atitude não deixou outra alternativa para
a recorrida que não fosse o seu despedimento imediato.
Terminou pedindo, a improcedência da presente acção, por não provada.
Juntou procuração e processo disciplinar.
IV- FUNDAMENTAÇÃO
1- De Facto
Para a justa decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
- O recorrente foi, até à data do seu despedimento trabalhador da recorrida durante 31 anos,
isto é, desde 1978, e auferia o salário equivalente em kwanzas a USD 4 000,00 (quatro mil
dólares americanos). Provado por confissão.
- No passado dia 20 de Fevereiro de 2009, o recorrente e o seu Delegado foram interpelados
pela segurança aeroportuária, depois da saída da aeronave da recorrida, Voo DT 588, de
Lusaka para Luanda. Provado por documento constantes no processo disciplinar.
- A interpelação baseou-se no facto de terem detectado a transportação de bagagem não
acompanhada, com preterição das regras procedimentais. Provado por documento constantes
no processo disciplinar;
- O passageiro de nome Sambulo Nadlovu, ao ser indagado, afirmou que o requerente lhe
tinha pedido que recebesse a mala de um outro passageiro não identificado, e a registasse
em seu nome. Provado por documento constante no processo disciplinar;
- O requerente não passou os respectivos recibos como prova de pagamento do referido
excesso de bagagem, uma vez que no momento em que foi detectada a irregularidade, não
se fazia acompanhar do livro de recibos, o qual se encontrava no escritório central. Provado
por confissão.
2- De Direito
As partes celebraram um contrato com perfeita subsunção no artigo 1152º do Código Civil,
sendo um direito fundamental que encontra o seu respaldo legal no artigo 76º da Constituição
da República de Angola de 3 de Fevereiro de 2010.
Tal como deriva da Lei nº 2/00 de 11 de Fevereiro, Capítulo X que tem como título Extinção
da Relação Jurídico-Laboral, a cessação do vínculo laboral deve ser circunscrito nos marcos
da legalidade e não na plena liberalidade do empregador.
Ora, apesar de sobre o trabalhador recair a prática de infracção disciplinar grave, apenas, só
em sede de um processo disciplinar se pode aferir sobre a responsabilidade disciplinar do
mesmo, sendo-lhe aplicada a competente medida disciplinar.
Segundo António Vicente Marques, na sua obra Comentário a Legislação Laboral Angolana,
“o exercício da acção disciplinar destina-se a punir o trabalhador que culposamente adopte
qualquer conduta que, representa violação grave dos deveres contratuais a que este está
obrigado”.
O processo existe e foram cumpridos os pressupostos essenciais, mas apesar de que a al. b),
do nº 2 do artigo supracitado, estabelecer que a entrevista deve ter lugar antes de decorridos
10 dias úteis sobre a data da entrega da convocatória, isto é, não estabelecer um prazo
mínimo entre a data da entrega da convocatória e a data da realização da entrevista, é
necessário que a convocatória seja entregue ao trabalhador dentro de um prazo razoável que
lhe permita preparar convenientemente a sua defesa, o que não foi cumprido porque o
recorrente foi convocado dia 6 de Abril e foi ouvido dia 8 do mesmo mês, ficando, assim,
diminuída a garantia de defesa do mesmo.
Conclui-se, que foi observado o formalismo que a lei impõe para o Procedimento
Disciplinar, o que culminou com a medida de despedimento imediato do recorrente,
resultando dos autos que a recorrida teve como fundamento para o despedimento as alíneas
f), g), i) e m) do artigo 225º da Lei 2/00 de 11 de Fevereiro.
Pois bem, dispõe o nº 1 do artigo 224º da referida lei que “o despedimento só pode ser
validamente decidido com fundamento em justa causa como tal, se considerando a prática
da infracção disciplinar grave pelo trabalhador ou ocorrência objectivamente verificável,
desde que num ou outro caso se torne praticamente impossível a manutenção da relação
jurídico-laboral”.
Depreende-se, portanto, que para que haja justa causa, devem necessariamente ser
observados os requisitos que acima se aludem. Neste sentido, diz-nos ainda o Dr.
NORBERTO MUISÉS MOMA CAPEÇA, na sua obra Da Ilicitude do Despedimento
Disciplinar e suas Consequências, 1ª Edição, 2012, pág. 64), “para que haja justa causa
disciplinar é necessário um comportamento culposo do trabalhador, que pela sua gravidade
e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de
trabalho”.
Acrescenta, porém, a este entendimento, que “a mera verificação dos vários componentes
constantes no art.º 225.º da LGT é insuficiente para decidir da existência de uma justa causa
para despedir”.
Nos diz a Prof.ª MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO (ob. cit. pág. 904) que “a
impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser imediata”, ou seja, “este
requisito exige que o comportamento do trabalhador seja de tal molde a comprometer, de
imediato, o futuro do vínculo laboral”. Neste mesmo sentido, o Prof. ANTÓNIO
MONTEIRO FERNANDES (ob. cit. pág. 580), “a justa causa só pode ter-se por verificada
quando não seja exigível ao empregador o uso de medida disciplinar que possibilite a
permanência do contrato”, ou seja, só é legitima quando tal infracção gere uma situação de
imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, isto é, quando a crise disciplinar
determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de uma
providência de índole conservatória. Ainda nesta senda, o Prof. PEDRO ROMANO
MARTINEZ (ob. cit. pág. 853) diz-nos que para que se verifique a justa causa, “é necessário
que, objectivamente, não seja razoável exigir do empregador a subsistência da relação
contratual.”
Em harmonia com as posições supra descritas, nos ensina o Dr. NORBERTO MOISÉS
MOMA CAPEÇA (ob. cit. pág. 64), que a impossibilidade de subsistência da relação de
trabalho “deve ser entendida não em sentido material, mas em sentido jurídico, e como
sinónimo de inexigibilidade: existirá justa causa para o despedimento quando o
comportamento do trabalhador, dadas as suas gravidade e consequências, crie uma situação
tal em que a desvinculação imediata se torna tão valiosa juridicamente que a ela não pode
obstar a protecção da lei à continuidade tendencial do contrato nem a defesa da especial
situação do trabalhador. Esta impossibilidade ou inexigibilidade é referida ao futuro da
relação.”
Ora, sendo a recorrida uma pessoa colectiva de direito público, tendo a dimensão que tem,
como variados postos de trabalho, não nos parece que a conduta do recorrente fosse
suficientemente capaz de inviabilizar a subsistência do vínculo laboral.
Resulta dos autos, que o recorrente esteve há mais de 30 (trinta) anos ao serviço da recorrida,
não resultando que do referido período de tempo o recorrente tivesse sido submetido a
qualquer processo e/ou sanção disciplinar. E mais, além de o mesmo ser réu primário,
colaborou no acto da entrevista confessando os factos, o que diminui o grau de culpabilidade,
verificando-se efectivamente que a medida aplicada foi excessiva.
Atento a esse facto, em harmonia com o supracitado preceito legal, e em homenagem ao
princípio da estabilidade de emprego consagrado no art.º 76º da CRA e, na senda do Dr.
ALDINO PEDRO DA FONSECA, na sua obra Contrato de Trabalho No Ordenamento
Jurídico Angolano Antes e Depois da Nova Lei Geral de Trabalho, pág. 135, “o fundamento
deste princípio radica na ideia da continuidade da relação laboral e, em última análise, no
princípio da protecção que constitui a trave mestra sobre a qual foi construído o edifício que
é hoje o direito do trabalho”.
Assim, somos a concluir que a medida disciplinar aplicada pela recorrida ao recorrente
mostrou-se excessiva, porquanto o artigo 49º da LGT coloca à sua disposição outras medidas
de carácter conservatória, visto que na esteira do Dr. ALDINO PEDRO DA FONSECA (ob.
cit, pág. 135) “nos dias de hoje é unânime a ideia de que o trabalho constitui a principal, se
não a única fonte de rendimento do trabalhador. Contudo, mais do que constituir a principal
fonte de rendimento do trabalhador, o emprego, o lugar, o posto de trabalho são factores de
estatuto social e condições de equilíbrio psicológico, interferem com os valores da
personalidade (situando-se no domínio da defesa da dignidade pessoal e da inclusão social)”.
Assim, o recorrente tem direito a título de salários base a que teria recebido se estivesse a
prestar o trabalho, com o limite máximo de 9 meses, o valor de USD 36.000,00 (Trinta e
Seis Mil Dólares Norte Americanos), bem como 50% do salário base no valor de USD
2.000,00 (Dois Mil Dólares Norte Americanos) à título de subsídio de férias, e de igual modo
50% do salário base no valor de USD 2.000,00 (Dois Mil Dólares Norte Americanos) à título
de subsídio de natal.
V- DECISÃO
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