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NARRATIVA EPISTOLAR
BE S j F - J — J / t /

UMA VIAGEM E MISSÃO J E S U Í T I C A


PELA BAHIA, I L H E O S , P O R T O S E G U R O , PERNAMBUCO,

ESPIRITO SANTO, RIO D E JANEIRO,

S. VICENTE, (s. PAULO), ETC. DESDE O ANNO D E 1385

AO DE 1 3 3 0 , INDO POR VISITADOR

O P. CHRISTOVAM • DE GOUVEA

Escripta e m d u a s Cartas ao P. Provincial e m Portugal

P. FERNÃO CARDIM
M I M S T n O DO COLLCGIO DA COMPANHIA EJf ÉVORA, ETC. ETC.

LISBOA

1847.
~ t o *

KA IMPRENSA NACIONAL.
Á MEMORIA

DO

CON EGO JANUÁRIO DA. CUNHA BARBOSA,

PELOS SEUS IMPORTANTES DESVELOS

P \ R t FOMENTAR OS TRABALHOS E PUBLICAÇÕES LTTTERARIA9

NO BRAZIL,

C.

Esta humilde publicação


O Editor.
PROLOGO DO EDITOR.

N i o trataremos de fazer a apo-


logia do escripto que offerecemos
ao publico, pois seria ella suspeita
sendo do Editor.
O leitor se comprazerá de certo
com as narrações animadas de Fer-
não Cardim, e terá por dias uma
idéa clara que preciosidade já era
o Brazil, quando Filippe 2." o en-
castoou na sua Coroa.
•Nesta parte o proprio contem-
porâneo Gabriel Soares de Sousa,
que escreyeu muito mais extensa-
mente pôde supprir bem as infor-
mações que Fernão Cardim dá to-
das como testemunha de vista, ao
descrever com tanta arte os encan-
tos virgens de que seus olhos se
regalavam.
Parece-nos que Cardim era ho-
"inem feito para viajar: devia ser
um bom missionário. Não é desses,
que estão sempre com saudades de
um quintalinho que não torna a
ver, de um bom prato que já não
prova! Deixando a terra em que
vivera até ali, deixou nella todas as
prevenções, e sabe apreciar a muita
hospitalidade, que dos indígenas e
colonos do Brazil recebe.
De hoje em diante esperamos
não deixará de ser contado no nu-
mero dos escriptores portuguezes.
ERRATAS.

Pag. Lin.
5 18 Sr. Irmão
8 18 guadamias quadamicins
14 1 e padres sc. padres
15 11 e meninos sc. meninos
21 li aparta dgs apertados
23 11 quem • quando
32 16 ferve vê
73 12 dez 50
80 18 Capitã Capitania
Ao P.e Provincial em Portugal.

JJM este com o favor divino darei conta


a Vossa Reverendíssima da nossa viagem
e missão a esta província do B r a z i l , e
d e t e r m i n o contar todo o principal que
nos tem succedido, não somente na via-
gem , mas também em todo o tempo da
v i s i t a , para que Vossa Reverendíssima
tenha maior conhecimento das cousas
desta província , e para maior consola-
ção m i n h a , porque em tudo desejo de
communicar-me com Vossa Reverendis-
sima e mais padres e irmãos desta pro-
vinda.

Recebendo o padre Christovão d e


Gouv^a patente d e nosso padre g e r a l ,
Cláudio A q u a v i v a , para visitar esta pro-
1
^
vincia lhe foi dado por companheiroo pa-
dre F e r n ã o C a r d i m , ministro do collegio
d ' É v o r a , e o irmão B a r n a b é T e l l o : jun tos
ein Lisboa no principio de O u t u b r o de-62
résfdiníos ahi cinco mezes pela detença
que fez o Sr. governador M a n u e l Telles
Barreto : em lodo este tempo se apare-
lhava matalotagem e s e negociaram mui-
tas cousas , ás quaes linha ido o padre
Rodrigo de F r e i l a s . O padre visitador
tratou por vezes com alguns prelados e
letrados casos de muita importancia so-
b r e ou cativeiros, baptismos c casamen-
t o s dos índios e escravos de G u i n é , de
cujas resoluções se seguiu g r a n d e fructo
e a u g m e n t o da christandade depois q u e
chegámos ao Brazil. T a m b é m faltou al-
g u m a s vezes com E I R e i , o qual com mui-
ta liberalidade lhe fez esmola de quinhen-
tos cruzados para os padres que residem
nas aldeas dos índios, e deu uma provi-
são para se darem ornamentos a todas
as igrejas que os nossos tem nesta pro-
v i n d a , para frontaes e vestimentas de
damasco com o mais aparelho p a r a os
altares, o q u e tudo importaria passante
de dous mil cruzados, e por sua g r a n d e
benignidade e z e l o q u e tem d a christan-
daile e protecção da C o m p a n h i a , deu ao
p a d r e cartas em seu favor e doa indios
p a r a todas as capitaes e c a m a r a s das ci-
dades e viJlas, encomendando-lhes muito
o padre e o a u g m e n t o de nossa sancta
íe e que com elle tratassem particular-
m e n t e todas as cousas pertencentes não
somente ao serviço de D e u s , mas lam-
bem ao governo da terra e conservacào
d e s t e seu estado.
C h e g a d o o tempo da partida nos
embarcámos com o Sr. governador na
náo C h a g a s S. Francisco, em companhia
de u m a g r a n d e f r o t a . Viemos bem aco-
modados em u m a camera g r a n d e e b e m
providos do necessário. Aos ô de M a r -
ço de 83 levámos anchora , e com bom
t e m p o , em 9 dias arribámos á ilha da
M a d e i r a , onde fomos recebidos do padre
.Rodrigues, Heitor, e dos mais padres e
irmãos, com grande alegria e caridade.
O governador saindo em t e r r a , se aga-
salhou em o collegio e foi bem servido,
e t c . O padre visitou aquelle collegio co-
mo V. R e v . a tinha ordenado, declarou-
lhe as r e g r a s n o v a s , e com práticas e
colloquios familiares ficaram todos müi
consolados: foi por vezes visitado do Sr.
1 *
Bispo e mais principaes da terra. Pas-
sados dez dias nos fizemos á vella aos
24 de M a r ç o , vespera de N . Senhora
da Annunciação, e com tal guia e e s t r e l -
la d o m a r cursando as brizas, que são os
N o r d e s t e s g e r a e s d a q u e l l a p a r a g e m , nem
tomando o C a b o V e r d e , em breve nos
achámos em 4 gráus da e q u i n o c i a l ,
aonde por cinco ou seis dias tivemos gran-
des calmarias , trovoadas , e chuveiros
tào excessivos e medonhos, e tão fortes
^ v e n t o s , que e r a cousa d ' e s p a n t o , e no
meiodia ficavamos n ' u m a noite mui es-
cura. N e s t e tempo (pelas grandes cal-
mas, faltas de bons mantimentos, e a b u n -
dancia de pescado que se tomava e co-
mia, por não ser muito sadio) adoeceram
muitos d ' u m a s febres tão coléricas e
a g u d a s que em breve tempo os punham
em perigo manifesto de vida. E r a m es-
tes doentes d e nós ajudados em suas ne-
cessidades, os quaes com confissões, prá-
ticas , lição das vidas de s a n c t o s , e ani-
mados de d i a , e de n o i t e , e no tempo-
ral ajudados com m e d e c i n a s , e outros
mimos de doentes, conforme as suas ne-
cessidades, e nossa pobreza e possibili-
dade ; com elles houve não p e q u e n a ma-
teria de m e r e c i m e n t o , e não pequena
consolação , porque com as diligencias
que se lhe faziam, foi Nosso Senhor ser-
vido que só um m o r r e s s e , excepto ou-
tro que caiu ao m a r , sem lhe podermos
ser bons.
Os nossos também participaram
desta visitação das mãos de D e u s , o pri-
meiro que caiu foi o p a d r e v i s i t a d o r ,
das mesmas febres tão a g u d a s , e rijas,
q u e nos parecia que não escapava da-
quella,*foi sangrado tres v e z e s , enxa-
r o p a d o , e purgado , provido de todas as
gallinhas, alcaparras, perrexil, chicorias,
e alfaces v e r d e s , e cousas d o c e s , e ou-
tros mimos necessários , que parecia es-
tarmos em ocollegio de C o i m b r a ; e tu-
do se deve á caridade do ^ r . Sebastião
G o n ç a l v e s , que com g r a n d e amor mais
que de p a i , e m ã i , provê a todos q u e
se embarcam para estas p a r t e s ; o segun-
do foi o padre Rodrigo de F r e i t a s , que
adoecendo das mesmas febres chegou
a g r a n d e f r a q u e z a , da qual com tres
s a n g r i a s , e u m a purga se convaleceu :
os mais companheiros tivemos s a ú d e ,
nem nos pesou p a r a os curai', e servir :
graças ao Senhor, com tudo. T o d o o tem-
po de viagem exercitámos nossos miste-
res com os da n á u , confessando, pregan-
do, pondo em paz os discordes, impedin-
do juramentos e outrasoffensas de D e u s ,
que em similhantes v i a g e n s , se come-
tem todos os d i a s , á noite havia ladai-
nhas e miserere em canto d ' o r g ã o , a
menção da gloriosa Ressureição se cele-
brou com muitos f o g u e t e s , a r v o r e s , e
rodas do f o g o , disparando algumas pe-
ças d ' a r t i l h a r i a , depois houve procissão
pela náu, e prégação. O governador, com
iodos os seus, t r a t a r a m sempre o padre
com g r a n d e respeito e r e v e r e n c i a , al-
g u m a s vezes o convidava a j a n t a r , o q u e
o padre visitador lhe aceitou algumas
v e z e s : toda a viagem se confessou co-
m i g o , e algumas vezes na B a h i a ; mas
como chegaram os frades B e n t o s , logo
se confessou com elles.
Passada a equinocial e n t r a r a m os
ventos geraes, com que arribámos á B a h i a
de todos os Sanctos , a 9 de Maiteo de
33, gastámos na viagem c o m o s dez dias
de d e t e n ç a na ilha da M a d e i r a (ir. dias :
os padres visitador, e Rodrigo de Frei-
las, (lous ou tres dias antes cia c h e g a d a ,
tornaram a recair g r a v è m e n f é t e tanto
que demos f u n d o veio ií n á u , o p a d r e
Gregorio Serrão, Reitor, e outros padres:
saímos logo em terra na praia:; á nortà
da nossa cerca, nos esperavam quasi ; os
mais padres e irmãos, q u e nos levaram
ao collegio com g r a n d e alvoroço, e co«-,-
t e n t a m e n t o : estava um cubículo enna+
mado e bem c o n c e r t a d o , para o padre
visitador, no qual foi curado com gran-
de c a r i d a d e , nào faltando medico, e mui-
tos e diligentes e n f e r m e i r o s , e os mais
mimos de todas as conservas , e cousas
necessarias p a r a sua s a ú d e , e com suar
cada dia Ires ou q u a t r o camizas nunca
f a l t a v a m . D a h i a tres ou q u a t r o dias ,
adoeceu o irmão B a r n a b é T e l l o , esteve
muito ao cabo, foi sangrado sete vezes,
e p u r g a d o ; tinha g r a n d e f a s t i o , e com
vinho se lhe f o i ; e pela bondade de D e u s ,
e diligencia g r a n d e , que com elles se
t e v e , todos recuperaram a saúde deser
j a d a , e a D e u s com orações de todos pe-
dida.
Convalecido o p a d r e , começou vi-r
silar o Collegio, lendo-se primeiro a pa-
t e n t e na primeira p r á t i c a ; n e l l a , e em
outras muitas que fez, e mais colluquios
familiares, consolou muito a todos. O u -
viu as confissões geraes , renovaram-se
os votos com devoção, e alegria ^ d i s t r i -
buiu a todos muitas reliquias, A g n u s D e i ,
relicários , i m a g e n s , e contas bentas ,
deram-se a todos regras novas, e se pu-
zeram em execução as que ainda a n ã o
t i n h a m , com que todos ficaram em maior
l u z , renovando-se no espirito de nosso
instituto. E r a matéria de g r a n d e conso-
lação , ver a alegria com que todos de-
claravam suas consciências ao p a d r e , o
fervor das penitencias, com outros exer-
cícios d e virtude , e humildade.
Q u a n d o o padre visitou as classes,
foi recebido dos e s t u d a n t e s , com gran-
d e alegria e f e s t a ; estava todo o pateo
enramado, as classes bem armadas com
g u a d a m i a s , painéis e varias 6edas. O
p a d r e M a n u e l de Barros, lente do cur-
so, teve uma eloquente oração, e c s es-
t u d a n t e s duas em prosa, e v e r s o : recita-
ram-se alguns e p i g r a m a s , houve boa mu-
sica d e vozes, cravo, e descantes : o pa-
d r e visitador lhes mandou dar a todos
Agnus D e i , reliquias, econtas bentas,
de que ficaram agradecidos : dahi a dous
ou tres d i a s , vindo o Sr. governador a
c a s a , 06 estudantes o receberam com a
mesma f e s t a , recitando-lhe muitos epi-
g r a m a s ; o padre M a n u e l de Barros lhe
teve u m a oração cheia de muitos louvo-
res , onde e n t r a r a m todos os t r o n c o s , e
avoengos dos Monizes, com as mais m a - A
ravilhas que tem feito na í n d i a , de que
ficou muito satisfeito.
T r o u x e o padre uma cabeça das on-
ze mil virgens, com outras reliquias en-
gastadas em um meio corpo de p r a t a ,
peça rica e bem acabada : a cidade e o s
e s t u d a n t e s lhe fizeram um g r a v e e-ale-
g r e recebimento : trouxeram as sanctas
reliquias da Sé ao Collegio em procis-
são s o l e m n e , com f r a u t a s , boa musica
de v o z e s , e d a n ç a s : a s é , que era um
e s t u d a n t e r i c a m e n t e vestido, lhe fez u m a
falia do contentamento, que tivera com .
sua vinda-, a cidade lhe entregou a s c h a - ^
v e s ; as outras duas v i r g e n s , cujas ca-
beças j á cá tinham, a receberam á por-
ta de nossa igreja, alguns anjos as acom-
panharam , porque tudo foi a modo de
d i a l o g o ; toda a festa causou g r a n d e ale-
gria no povo, que concorreu quasi (odo.
A Bahia é cidade d ' E l R e i , e a cor-!
te do B r a s i l , nella residem os Sr. 8 bis-
po, governador, ouvidor geral, com ou-
— 10 —

tros ôíficiacs, e justiças de Sua M a g e s -


t u d e : dista da equinocial treze g r a u s :
não está muito bem s i t u a d a , mas por
ser sobre o mar é de vista aprazível
p a r a a terra, e p a r a o r n a r : a barra tem
quasi Ires legoas de boca, e u m a enseada
com algumas ilhas pelo m e i o , que terá
em circuito q u a s Í 4 0 léguas, é terra far-
ta de m a n t i m e n t o s , carnes de v a c c a ^
porco, galinhas, ovelhas, e outras cria-
ções ; tem J(J e n g e n h o s , nelles se faz o
melhor a s s a c a r de toda a casíia, tem mui-
tas madeiras de páus de c h e i r o , de vá-
rias cores, d e grandes p r e ç o s i terá a c i -
dada com seu termo passante d e três mil
+ visinhos p o r t u g u e z e s , oito mil indios
chrislãos, e tres ou quatro mil escravos
de G u i n é ; (em seu cabido d e cónegos,,
vigário geral provisor, etc. com dez ou
doze freguezias por f o r a , não faliando
em muitas i g r e j a s , o capellas que al-
g u n s senhores ricos tem em suas fazen-
das. y.
Os padres tem aqui collegio novo
Y quasi a c a b a d o , é uma q u a d r a formosa
com boa Capella, livraria, e alguns tres
c u b í c u l o s , os mais delles tem as janel-
Jas para o i t i a r ; o edifício é todo d e pe-
—11 —

d r a , e cal d'08tra ^ q u e é tão boa como


a d e pedra de P o r t u g a l ' oscubiculos são
g r a n d e s , os portaes d e pedra, as portas
d'angelim forradas d e cedro 5 d a s járiéí-»
las descobrimos g r a n d e parte da Bahia,
e Vemos os cardumes dos peixes e ba-
leas andar saltando n ' a g o a , os navios
estarem tão perto q u e q u a s i ficam á fal-
ia ; a igreja é c a p a z , bem cheia d e ri-
cos ornamentos de damasco branco e ro-
xo, veludo verde e c a r m e s i m , todos com .
t e l a d ' o u r o , tem uma cruz e ihuribulo de <<>
p r a t a , uma boa custodia para as endoen-
ças, muitos e d e v o t o s painéis das divin-
dades e todos os Apostolos : todos os tres
altares tem d ó c e i s , com suas cortinas
de tafetá cramesim , tem u m a cruz de
p r a t a d o u r a d a , de maravilhosa o b r a ,
com saneio lenho, Ires cabecas das onze 1
* 1
mil v i r g e n s , com outras muitas e g r a n - !
des reliqüias d e s a n e t o s , e u m a imagem
de Nossa Senhora de S. L u c a s mui for- J,
mosa e devota.
A cerca é mui g r a n d e , b a f e o mar
n e l l a , por dentro se vão os padres em-
b a r c a r , tem uma fonte perenne de boa
a g u a com seu Ianque, aonde se vão re-
crear ; está cheia de alvores d ' e s p i n h o ,
—21 —

parreiras de P o r t u g a l , as quaes se as
podam a seus tempos, todo o a n n o e s t ã o
v e r d e s , com u v a s , ou m a d u r a s ou em
a g r a ç o , a terra tem muitas f r u c t a s ;
a n a n a z e s , p a c o b a s , e todo o anno ha
f r u c l a s no r e f e i t o r i o ; o a n a n a z é fructa
r e a l , dá-se em umas como pencas de
cardos ou folhas d ' e r v a b a b o s a , _ s ã o da
feição e tamanho de pinhas, todos cheios
d e olhos, e o s quaes dão umas formosis-
p.simas flores d e varias c o r e s ; são de bom
gosto, cheiram b e m , para dor de pedra
sãosalutiferos : delles fazem os indios vi-
nho, e tem outras boas comodidades: a
maior parte do atino os h a : tem alguns
c o q u e i r o s , e uma arvore que chamam
cuhieira que não dá mais que c a b a ç a s ,
é fresca e muito para v e r : legumes não
faltam da terra, e de P o r t u g a l ; bringel-
las, alfaces, couves, abobaras, r a b â o s ,
e outros legumes , e hortaliça : fóra de
casa tão longe como Villa-Franca de
C o i m b r a tem um tanque mui f e r m o s o ,
em que a n d a r á um born navio, anda cheio
de p e i x e s : junto a elle ha muitos bos-
ques de arvoredos mui frescos, alli se vão
r e c r e a r os asuetos, e no tanque e n t r a m
algumas ribeiras d ' a g o a em grande quan-
tidade.
— 13 —

O Collegio tem três mil cruzados


d e r e n d a , e algumas terras adonde fa-
zem os m a n t i m e n t o s ; residem nelle de
ordinário sessenta; sustentam-se bem dos
m a n t i m e n t o s , carnes e pescados da ter-
ra, nunca falta um copinho d e vinho de
P o r t u g a l , sem o qual se_nâo^susienta
bem a natureza por a terra ser deleixa-
d a , e o s m a n t i m e n t o s f r a c o s ; vestem e
calçam como em P o r t u g a l , estão bem
empregados a u m a lição de t h e o l o g i a ,
outra de casos , um curso d ' a r t e s , duas
classes de h u m a n i d a d e , escola de lêr e *
e s c r e v e r , confissão, e p r é g a r em nossa
i g r e j a , s é , &c. outros empregâm-se na
conversão dos indios, e todos procuram a
perfeição com g r a n d e cuidado, e serve-
se Nosso Senhor muito deste collegio
ao que será honra e gloria.
Depois da renovação dos votos, quiz
o p a d r e vêr as aldêas dos indios breve-
m e n t e para ter alguma noticia delias :
partimos para a a l d ê a do E s p i r i t o Sane- <
t o , sete léguas da Bahia , com alguns
trinta indios, que com seus arcos e fre-
chas vieram p a r a a c o m p a n h a r o p a d r e ;
e revezados d e d o u s em dous o levaram
n ' u m a r e d e , os mais companheiros ia-
— l i -

mos a cavnllo, os tapyaras ^ p a d r e s mo-


radores iam a pé eoin suas a b a s na cii>
ta , descalços como d e ordinário costu>-
mam : aquella noite nos agasalhou um
homem r i c o , h o n r a d o , devoto da Com-
panhia , em orna sua f a z e n d a , com Io-
das as aves 5 e c a ç a s , e o u t r a s muitas
iguarias, que nos a j u d a r a m passar aquel-
te dia muitos rios c a u d a e s ; u m delles
passaram osindios o padre na rede pon-
do-a sobro as cabeçass, porque lhe dava a
a g u a quasi pelo pescoço, os mais o p a s -
saram a cavallo com bem de trabalho ;
passado e s t e , chegamos ao g r a n d e rio
J o a n e s ; este passámos em uma j a n g a -
da d e p á u 8 levíssimos, o padre visitador
ía na j a n g a d a sobre uma s e l l a , por se
mio molhar, o os indios a nado levaram
a j a n g a d a . C h e g a n d o o padre a terra ,
começaram os flautistas tocar silas f r a u -
tas com muita f e s t a , o que t a m b é m íi>
zeram em q u a n t o jantámos debaixo d e
tim arvoredo de aroeiras mui altas. Us
meninos indios, escondidos em um fres-
co bosque, cantaram varias cantigas de-
votas em q u a n t o c o m e m o s , que causa-
ram devoção, n o m e i o daquelfes matos,
principalmente u m a pastoril feita de no-
— 15 —

• v a , para o recebimento do padf-e visí-^


tadory seu novo piastor : chegámos á al-
d ê a á tarda 9 antes delia um bom q u a r -
to de-leg.ua., começaram as festas q u e t
os indios tinham a p a r e l h a d a s , as quaes;
fizeram em uma rua de altíssimos e fres-
cos arvoredos, dos quaes saíam uns Can-
t a n d o e t a n g e n d o a seu m o d o , outros
em ciladas -safcwan com g r a n d e g r i t a , ou-
tros q u e nos a t r o a v a m , e-faziam estre-
mecer : os cunumis e meninos com mui tos
molhos d e frechas levantadas para c i m a ,
faziam seu motim de g u e r r a , e davam
sua.grita, e pintados de varias cores, nu-
sinhos, vinham com as mãos levantadas
r e c e b e r a benção do padre, dizendo em
p o r t u g u e a , «douvadoseja Jc-sus Christo;»
outros saíram com uma dança d'escudos
á p o r t u g e e z a , fazendo muitos trocados
re dançando a o soin d a v i o l a , pandeiro,
e tamboril, e f r a u t a , e j u n c t a m e n t e re«
presentavam um breve dialogo, c a n t a n - *
do a l g u m a s cantigas p a t r i a s y tudo cau-
sava devoção debaixo de ta es b o s q u e s ,
em terras e s t r a n h a s , e muito mais por
não se esperarem taes festas de goníe
tão b a r b a r a ^ n e m faltou um A n h a n g á , se.
diabo, q u e saiu de um mato, este era o
— 16 —

indio Ambrosio R o d r i g u e s , que a Lis-» t


boa foi com o padre Rodrigo d e F a r i a ; '
a esta figura fazem os indios muita fes-
ta por causa da sua formosura, g a t i m a -
nhos, e tregeitos que faz; em todas as suas
festas meltem algum diabo, para ser del-
les bem celebrada. E s t a s festas acaba-
d a s , os indios M u r u b i x a b a , sc. princi-
paes, deram o Ereiupe ao padre que quer
dizer vieste? e beijando-lhe a mão, rece-
biam a benção : as mulheres núas (cou-
sa para nós mui nova) com as mãos le-
v a n t a d a s ao G e o , t a m b é m davam seu
Ereiupe, dizendo em p o r t u g u e z , « louva-
do seja J e s u s Christo, » assim de toda a
aldèa fomos levados em procissão á igre-
ja com danças e boa musica de f r a u t a ,
com T e D e u m l a u d a m u s : feita oração
lhes mandou o padre fazer u m a falia na
l i n g u a , de que ficaram muito consola-^
dos e satisfeitos : aquella noite os indios
principaes , grandes linguas , p r e g a r a m
da vinda do padre a seu modo, q u e é da
maneira seguinte : começam a pregar na
rede por espaço de meia hora, depois se
alevantam , e correm toda a aldêa pé
a n t e pé mui d e v a g a r , e o p r é g a r tam-
b é m é pausado, freimatico, e vagaroso,
—ir -

[ «^3repetem muitas vezes as palavras por


g r a v i d a d e , coniam nestas pregações to-
dos os t r a b a l h o ^ , t e m p e s t a d e s , perigos
d e morte que o p a d r e p a d e c e r i a , vindo
d e tào longe para os visitar, e consolar,,,
e j u n c í a i n e n t e o s i n c i t ã o a louvar a D e c s X
pela m e r c ê r e c e b i d a , e q u e t r a g a m seus
presentes ao padre, em a g r a d e c i m e n t o .
E r a para os ver vir com suas cousas, sc.
patos, gallinhas, leitões, beijús com algu-
mas raizes, e legumes da terra : q u a n d o
dão estas cousas coinumente, não dizem
n a d a , mas pot ando-as aos pés do p a d r e
se tornam l o g o ; foi o p a d r e delles visi-
tado muitas v e z e s , agradecendo-lhe a
caridade. O p a d r e lhe d a v a das cousas
de P o r t u g a l , como facas, tezouras, pen-
t e s , fitas, g u a l t e i r a s , A g n u s Dei em
nominas de seda ; mas o com q u e mais
f o l g a v a m , era com u m a vez d e / a g u í - cJ
e t é , sc. vinho de P o r t u g a l . A o dia se- >
g u i n t e da visitação de s a n c t a I s a b e l ,
precedendo as confissões geraes, renova-
ram os padres e irmãos das aldêás seus
v o t o s , para que estavam todos alli j u n -
tos, e o padre visitador disse missa can-
tada com d i á c o n o , e s u b d i a c o n o , oífi-
ciada em canto d ' o r g ã o pelos i n d i o s ,

i
— 18 —

coni suas f r a u t a s . Dalli fomos á a l d ê a de


S. J o ã o , duas léguas desta, onde houve
semelhantes recebimentos e festas, com
m u i t a consolação dos i n d í o s , e nossa.
^ E ' cousa de g r a n d e alegria ver os
* muitos rios c a u d a e s , e frescos bosques
d e altíssimos arvoredos, que sempre es-
tão verdes, e cheios de fermosissimcs pas-
saros, que em sua musica não dão mui-
ta a v e n t a g e m aos c a n a r i o s , r o u x i n o e s ,
e pintasilgos de P o r t u g a l , antes lha le-
vam na variedade e formosura de suas '
pennas ; os índios caminhavam muito por
t e r r a , levando o padre sempre de galope
passando muitos rios e a t o l l e i r o s , e tão
d e p r e s s a , que os de cavallo os não po-
díamos a l c a n ç a r : nunca e n t r e elles ha
d e s a v e n ç a nem peleja sobre quem levou
mais tempo ou m e n o s , etc. mas em tu-
do são muito amigos e conformes ; outra
cousa me espantou não p o u c o , e f o i ,
que saímos de caza algumas q u a r e n t a
p e s s o a s , sem cousa a l g u m a de c o m e r ,
nem dinheiro ; porém onde quer que che-
gávamos, a qualquer hora, éramos aga-
salhados toda a g e n t e de todo o neces-
sário de comer , carnes , pescados , ma-
r i s c o s , com t a n t a a b u n d a n c i a . , que não
—19 —

fazia fal ta a ribeira d e L i s b o a , nem fal-


tavam c a m a s , porque as redes, q u e ser-
vem de c a m a , levavamos s e m p r e com-
nosco , e este é cá o modo de peregri-
nar , sine pena, mas Nosso Senhor a to-
dos sustenta nestes desertos com a b u n -
dancia.
Passados tres mezes de visita depois
da nossa chegada aos 18 d'A gosto p a r -
timos para P e r n a m b u c o : sc. o padre visi-
tador, padre provincial, padre Rodrigo de
Frei tas, os irmãos Francisco Dias y e Bar-
n a b é Tello e outros P a d r e s e i r m ã o s ; e
logo ao dia seguinte com vento contrá-
r i o , por mais não p o d e r m o s , arribámos
á B a h i a , tornando a partir o dia seguin-
te com o mesmo vento c o n t r á r i o , lançá-
mos anchora em a barra do. C a i n a m ü ,
terras docollegio da Bahia (que delia dis-
t a 18 l é g u a s ) : aqui estivemos oito dias
esperando t e m p o , vendo aquellas ter-
ras. O C a m a m ü s ã o d o z e léguas d e ter-
ra , por c o s t a , e seis em q u a d r a , pa-
ra o s e r t ã o : tem uma barra de tres lé-
guas de boca, com u m a bahia e formo-
sa enseada, q u e terá passante de quin-
ze léguas^ em roda e c i r c u i t o : toda el-
la está cheia de ilhotes mui aprazíveis,
«»
cheios de muitos p a p a g a i o s : d e n t r o n e l -
]a e n t r a m tres rios c a u d a e s t a m a n h o s ,
ou maiores que o Mondego de Coim-
b r a , afora o u t r a s m u i t a s ribeiras aonde
h a agoas para oito engenhos c o p e i r o s ,
e podem-se fazer outros rasteiros, e tra-
piches. As terras são muito b o a s ; estão
por c u l t i v a r , por serem infestadas dos
G u a i m u r é s , gentio silvestre, tão b a r b a -
ro que vivem como brutos animaes
nos matos , sem povoação , nem casas :
a enseada traz muitos peixes b o n s : os
l a g o s t i n s , o s t r a s , e mariscos não tem
c o n t a : se estas terras fossem povoadas
bem poderiam sustentar todos os colle-
gios desta p r o v í n c i a , e ainda f a z e r al-
g u m a s caridades m a x i m é d e a s s u c a r a
esta província ; mas como agora está ,
r e n d e pouco ou n a d a . O governador
M e m d e Sá fez doação destas terras ao
collegio da Bahia.
Do C a m a m ü tornámos a t e n t a r a
v i a g e m , e não podendo, arribámos á ca-
pital dos Ilhéus, donde temos c a s a , a
qual o padre visitou por espaço de oito
dias q u e esperámos t e m p o : da v i s i t a f i -
c á r ã o os nossos mui consolados e ani-
mados. Os porluguezes maiores visitá-
_

ram por vezes o p a d r e , com m u i t a s mos-


tras de a m o r , e fazendo os b a s t i m e n t o s
para a v i a g e m , com galinhas, patos, e
farinhas e outras cousas, conforme a sua
c a r i d a d e e possibilidade.
Os Ilhéus dista da Bahia 30 l é g u a s :
he capitania do senhorio, sc. de F r a n c i s -
co Giraldes : é villa intitulada d e S . J o r -
g e ; terá 50 visinhos com seu v i g á r i o :
tem tres engenhos de a s s u c a r : he terra
a b a s t a d a de m a n t i m e n l o s , criações de
vaccas , p o r c o s , g a l i n h a s , e a l g o d õ e s : ^
não tein aldêas de Índios , estão muito
apartados dos G u a i m u r é s , e com e l l e s ^
em contínua g u e r r a : não se e s t e n d e m /
pelo sertão a d e n t r o mais de meia a t é
u m a l é g u a , e pela c o s t a , de cada par- 7
t e , duas ou tres léguas.
Os nossos tem aqui casa, onde re-
sidem de ordinário s e i s : tem q u a t r o cu-
bículos d e sobrado bem accomodados ,
i g r e j a , e officinas: está situada em lo-
g a r alto sobre o mar : tem sua cerca apra-
sivel, com coqueiros, l a r a n j e i r a s , e ou-
tras arvores de espinho e fruclas da ter-
ra : as arvores de espinho são nesta ter-
ra tantas que os matos estão cheios d e
laranjeiras e limoeiros de toda a s o r t e ,

I
e por mais que cortam não ha desinça-
Jos.
A c a b a d a a visita dos I l h é u s , tor-
námos a partir aos 21 de setembro,' dia
do glorioso apostolo S . M a t h e u s : ao dia
s e g u i n t e nos deitou o tempo em Porto
S e g u r o . E ainda que eram arribadas, tu-
do caía em proveito, porque visitava o
p a d r e de caminho estas casas, e o tem-
po contrário dava Jogai para t u d o : fo-
mos recebidos de um irmão com muita
caridade', porque os outros tres esta-
vam na aldêa de S. M a t h e u s com o Sr.
Administrador , que tinham ido á fes-
ta. Partimos logo para a mesma aldêa
visitar aquelles indios : passámos um rio
caudal m u i f e r m o s o e g r a n d e : caminhá-
mos u m a legoa a pé, em romaria a uma
nossa Senhora da A j u d a , que antigamen-
t e fundou um padre nosso; e a m e s m a
igreja foi da c o m p a n h i a : e c a v a n d o j u n -
.to delia o padre Vicente Rodrigues ir-
mão do padre J o r g e j ü i j o — que é um
sancto velho, que dos primeiros que vie-
ram com o padre Manuel da N ó b r e g a ,
elle só é vivo — cavando como digo, j u n -
to d a igreja, arrebentou uma fonte d ' a -
g u a , que sáe debaixo do altar da Se-
nhora, e faz muitos milagres, ainda ago-
r a : tem um retábulo da A n n u n c i a ç ã o
de maravilhosa p i n t u r a , e d e v o t í s s i m a :
o padre q u e edificou a casa que he um
velho d e setenta annos , vai lá todos os
sabbados a pé dizer m i s s a , e p r é g a r a
quasi toda a g e n t e da villa, q u e a l l i cos-
t u m a ir os sabbados em romaria, e pa-
ra sua consolação lhe deu o padre licen-
ça que se e n t e r r a s s e naquella igreja
q u ^ i fallecesse ; e bem creio que reco-
lherá a Virgem um tal devoto e r e c e b e r á *
s u a a l m a n o C e o , pois a tem tào bem ser-
vido. C h e g á m o s á aldêa, que dista cin-
co léguas da villa, por caminho de u m a
alegre praia : foi o padre recebido dps
indios com uma d a n ç a mui graciosa de
meninos todos e m p e n n a d o s , com seus
diademas na c a b e ç a , e outros atavios
das mesmas p e n n a s , que os fazia mui-
to lustrosos , e faziam suas m u d a n ç a s ,
e invenções mui g r a c i o s a s : d'alli torná-
mos á villa, e vindo encalmados por u m a
p r a i a , eis que desce de um f i t o monte
uma india v es i j ^ ç o m o j d l a s cos tu m a m ,
«om uma porcelana da índia , cheia de ^
queijadinhas d ' a s s u c a r , com um g r a n - çp*»
de púcaro d ' a g u a f r i a ; dizendo que

L
íiquillo m a n d a v a seu senhor ao padre
i provincial José : tomamos o padre visi-
tador e eu a s a l v a , e o mais dissemos
desse ao padre José, que vinha de traz
com as abas na c i n t a , d e s c a l ç o , bem
c a n ç a d o : é este padre um sancto de
g r a n d e exemplo e o r a ç ã o , cheio de to-
d a a p e r f e i ç ã o , despresador de si e do
m u n d o ; uma columna g r a n d e desta pro-
víncia , e tem feito g r a n d e c h r i s t a n d a -
de e conservado g r a n d e exemplo : d e o r -
""dinario anda a pé, nem ha retira-lo de an-
dar sendo muito enfermo. E i n l i m , sua
vida é verè apostolica.
Depois que o padre visitou a ca-
>. sa , ouvindo as confissões geraes com
m u i t a consolação de todos, e deixan-
do os avisos n e c e s s á r i o s , partimos pa-
r a outra aldêa de S. A n d r é , dahi cin-
co léguas : está situada j u n t o de um
rio c a u d a l , e da villa S a n c t a C r u z ,
que foi o primeiro porto que tçmou Pe~
dr' Al ves Cabral no anno de mil e quinhen-
tos , indo para a í n d i a ; e por ser bom
o p o r t o , lhe chamou Porto Seguro. 1.°
fi, dia do anno préguei na matriz da v i l l a :
hduve muitas confissões, e communhões,
com extraordinaria consolação do povo
— 20 —

por haver dias que não ouviam missa ,


por estar seu vigário s u s p e n s o : dos mo-
radores portuguezes e Índios, fomos bem
agasalhados , com g r a n d e s signaes d ' a -
mor, e a b u n d a n c i a do necessário.
A capitania de Porto Seguro é do
D u q u e d ' A v e i r o : dista da Bahia GO lé-
guas : a villa está situada entre-dois rios
caudaes em um monte a l t o , mas tão
chão, e largo q u e p u d é r a ter uma g r a n -
de cidade : a barra é perigosa, toda cheia
de arrecifes : terá q u a r e n t a visinhos com
seu vigário : na misericórdia tem um cru-
cifixo de e s t a t u r a de um homem, ornais
bem acabado , proporcionado, e devoto
que v i , e não sei como a tal terra veio
tão rica cousa. A g e n t e é pobre, por es-
t a r a terra j á g a s t a d a , e estão a p e r t a -
dos dos G u a i m u r é s : as vaccas lhe mor-
rem por causa de certa h e r v a , de q u e
ha c o p i a , e c o m e n d o - a , logo a r r e b e n -
tam : tem um engenho de a s s u c a r : foi
fértil de algodão e f a r i n h a s , mas t a m -
bém estas duas cousas lhe vão j á faltan-
do , pelo que se despovoa a terra.
Aqui temos casa em q u e residem
de ordinário q u a t r o : tem igreja bem ac-
c o m o d a d a , e o r n a d a ; o sitio é mui lar-
go com u m a fermosa cerca d e todas as
arvores d'espinhos, coqueiros, e outras
da t e r r a , hortaliça, etc. toda a caza é
aprasivel por estar edificada sobre o m a r .
iJs padres tem a seu cargo duas aldêas
de i n d i o s , que terão passante duzentas
pessoas; e visitam outras cinco ou seis
a l d ê a s , com muito perigo dos G u a i m u -
rés.
J u n t o a Porto Seguro q u a t r o léguas,
está a villa chamada S a n t a C r u z , situa-
da sobre um formoso r i o ; terá q u a r e n -
ta visinhos com seu v i g á r i o ; he algum
t a n t o mais a b a s t a d a , que Porto S e g u -
ro. D e S a n c t a Cruz partimos aos dois
de o u t u b r o , com um camboeiro que em
um dia e noite nos deitou sessenta ie-
g u a s , e tornando a calmar , corremos
com nordeste f r a n c o tuda a tarde para
a B a h i a , j á determinados de não ir na-
quellas monções, que se iam acabando,
a P e r n a m b u c o , e também porque se che-
g á r a o tempo da c o n g r e g a ç a o , que se
havia de começar a 8 de D e z e m b r o .
Chegados á Bahia , vendo o p a d r e
visitador q u e todo aquelle anno e o se-
g u i n t e , a t é j u n h o , não podíamos ir a
Pernambuco^ começou de tratar muito
mais de proposito dos negocios de io-
da a p r o v í n c i a ; tomando mais noticia
das pessoas d e l i a , e das mais cousas que
nella occorrem. Occupou-se muito (em-
po com os padres Ignacio Tolosa, e pa-
dres Quiricio C a x a , Luiz da F o n s e c a -
e outros padres supplentes e Theolo-
g o s , e concluir algumas dúvidas de ca-
sos d e c o n s c i ê n c i a ; e fez fazer uili com-
pendio das principaes duvidas q u e por
cá occorrem, principalmente nos casa-
mentos e baptismos dos indios, e e s e r a - *
vos de G u i n é , de que se seguio g r a n -
de f r u c t o ; e os padres ficaram com maior
luz para se poderem haver em s e m e -
lhantes casos ; fez também compilar os
privilégios da companhia, declarando os
q u e estavam mal entendidos, e fez que
os confessores tivessem a parte distinc-
ta dos que lhe pertencem, para q u e e n -
tendessem os poderes que tem ,' e de tu-
do s e s e g u i o muito f r u i l o : gloria ao Se-
nhor.
C h e g a d o o tempo da congregação,
se começou a 8 de D e z e m b r o estando
presentes o padre provincial com os pro-
fessos d e q u a t r o votos que estavam no
collegio, q u e eram somente q t í a l r o , o
o s u p e r i o r dos I l h é u s , com o p a d r e A n -
tonio G o m e s p r o c u r a d o r da p r o v í n c i a ;
p o r q u e aos mais não c h e g a r a m as c a r t a s
a t e m p o , nem poderam vir por falia d a s
m o n ç õ e s , e e m b a r c a ç õ e s : foi eleito o
p a d r e A n t o n i o G o m e s por p r o c u r a d o r .
N o t e m p o da c o n g r e g a ç ã o se r e c o l h e u
o p a d r e visitador em nossa Senhora d a
E s c a d á ; e r m i d a do c o l l e g i o , q u e d i s t a
d u a s l é g u a s d a c i d a d e . A c a b a d a a con-
g r e g a ç ã o por ordem do p a d r e v i s i t a d o r ,
'foi por reitor do collegio do Rio de J a -
n e i r o o p a d r e I g n a c i o de Tolosa c o m
t r c s padres e alguns i r m ã o s ; foram b e m
a c c o m m o d a d o s em nosso navio. T a m -
bém deu profissão de q u a t r o votos ao pa-
d r e L u i z da F o n s e c a , c o m p a n h e i r o do
p a d r e provincial , e q u a t r o padres coa-
d j u t o r e s e s p i r i t u a e s , e très irmãos t e m -
porãos e n t r e os q u a e s e n t r o u o irmão
-Barnabé Tello. E u fiquei uns q u i n z e
dias com o cuidado dos noviços do pa-
d r e T o l o z a , em q u a n t o não v i n h a d e
u m a missão o p a d r e V i c e n t e G o n ç a l -
ves, q u e lhe havia d e s u c c e d e r : tivemos
pelo natal um devoto presepio na povoa-
ção , onde a l g u m a s vezes nos a j u n t a v a -
mos com boa devota mjisica, o irmão Bar-
— 29 —

n a b é nos alegrava com seu birimbáu.


D i a de J e s u s , precedendo as confissões
g e r a e s , que quasi todos fizemos com o
p a d r e visitador, se renovaram os votos :
prégou em nossa igreja o Sr. Bispo : li-
nha o padre visitador j á neste tempo
aviado de sua p a r l e o padre Antonio Go-
mes de todos os papeis , cartas , e avi-
sos n e c e s s á r i o s , para t r a c t a r em R o m a
com P o r t u g a l ; pelo que determinou vi-
sitar a segunda vez as aldêas dosindios
mais devagar.
Aos 3 de Janeiro partimos o pa-
d r e v i s i t a d o r , padre provincial e ou-
tros padres e i r m ã o s ; fomos aquella
noite agazalhados em caza de um sa-
cerdote devoto da c o m p a n h i a , q u e de-
pois entrou n'ella : fomos servidos de vá-
rias iguarias com todo o bom serviço de
porcelana da í n d i a e prata , e o mes-
mo sacerdote servia a meza com g r a n -
de diligencia e c a r i d a d e : todo o dia se-
guinte estivemos em sua c a s a , e á tar-
de nos levou a um rio caudal que esta-
va p e r t o , mui alegre e f r e s c o , e para *
que a a g u a , ainda que era fria j í boa ,
não fizesse m a l , manHÕú levar várias
cousas doces tão bem f e i t a s , que pare-
— 30 —

ciam da Ilha da M a d e i r a : ao dia se-


g u i n t e depois da missa nos acompanhou
a t é a a l d ê a , e no caminho da caxoei-
ra d e o u t r o fermoso rio nos deu um j a n -
tar coro o mesmo concerto e l i m p e z a ,
acompanhado de várias iguarias de aves,
c caças ; em quanto comemos, os Índios
pescaram alguns peixes: eram tão des-
tros , que em chegando a um rio sua-
dos, logo se deitam a nadar e l a v a r ; ti-
ram das l i n h a s , tomam p e i x e s , fazem
f o g o , e se põe a a s s a r , e c o m e r ; e tu-
v\ do com t a n t a p r e s t e z a , que he cousa
d'espanlo. T a m b é m os frautistas nos
alegraram , que alli vieram receber o
p a d r e ; j u n t o da aldêa do Espirito Sane-
to nos esperavam os padres que delia
tem cuidado, debaixo de uma fresca ra-
m a d a , q u e tinha uma fonte portátil, que
por fazer calma, além da boa g r a ç a , re-
frescava o l u g a r ; debaixo da r a m a d a se
representou pelos indios um dialogo pas-
toril , em lingua brasílica , p o r t u g u e z a ,
e c a s t e l h a n a , e tem elles muita g r a ç a
* em fallar linguas peregrinas , maxi-
nié a castelhana : houve boa musica
de v o z e s , f r a u t a s , d a n ç a s , e d'alli em
procissão fomos até á igreja, com várias
— 31 —

i n v e n ç õ e s ; e feita oração lhe deitou o


p a d r e visitador sua benção, com que el-
les cuidam que ficam sanctificados, pe-
lo muito que e s t i m a m uma benção d o /
Abarê-guaçú.
D i a dos Reis renovaram os votos
alguns i r m ã o s ; o p a d r e visitador antes
da missa, revestido em c a p a d ' a s p e r g e s
d e damasco branco com diácono e sub-
diacono vestidos do mesmo damasco bap-
tisou alguns t r i n t a adultos ; em todo o
tempo do baptismo houve boa musica ,
e motetes, e de q u a n d o em q u a n d o se to-
cavam as f r a u t a s : depois disse missa so-
lemne com diácono e subdiacono , .offi-
ciada em canto d ' o r g M pelos Índios ,
com suas frautas , cravo , e d e s c a n t e : t
cantou na missa um mancebo e s t u d a n -
t e alguns psalmos e m o t e t e s , com ex-
traordinaria devoção.
O padre na mesma m i s s a , casou
alguns, em lei da g r a ç a , precedendo na
m e s m a missa os b a n h o s : deu a c o m m u -
nhão a cento e oitenta indios e indias ,
dos quaes vinte e q u a t r o , por ser a pri-
meira v e z , c o m m u n g a r a m á primeira
roeza, com capella d e flores na c a b e ç a ;
depois d a communhão lhe deitou o pa-
d r e ao pescoço algumas verônicas eno-
minas com Agnus Dei de varias sedas,
com seus cordões e fitas, de que todos
ficaram mui consolados. Um destes e r a
um g r a n d e principal por nome M e m d e
Sá que havia vinte annos que e r a c h r i s -
tão ; foi tanta a consolação, que leve
de ter c o m m u n g a d o , que não cabia d e
a l e g r i a : todo o dia trouxe a ca^eUa n a
c a b e ç a , e a guardou, dizendo, que a
havia de ter g u a r d a d a até m o r r e r , pa-
ra se lembrar da m e r c ê que Nosso Se-
nhor lhe fizera em o chegar a poder
c o m m u n g a r . E ' muito para v ê r , e lou-
var Nosso Senhor, a grande devoção de
fervor que se * v e nestes Índios, q u a n -
do hão de commimÇkr: porque os homens
quasi todos se discitpinam á n o i t e a n t e s ,
por espaço de um*smiserere , preceden-
do l a d a i n h a , e sua exhortação espiri-
tual na l i n g u a : dão em si c r u e l m e n t e ;
nem tem necessidade de esperar pela
n o i t e , porque muitos por sua d e v o ç ã o ,
acabando-se de confessar ainda que se-
j a de d i a , se disciplinam na i g r e j a ,
d i a n t e de todos, e quasi todos tem dis-
c i p l i n a , que sabem fazer muito boas.
A s mulheres por sua devoção , je-
j u a m dous ou tres dias a n t e s , e todos
ao commungar tem muita d e v o ç ã o , e
choram alguns muitas lagrimas : confes-
sam-se de cousas mui m i ú d a s , e ao dia
da communhão se tornam a reconciliar,
por levíssima que seja a matéria da ab-
solvição. Se lhe dizem que não he na-
da , que vão commungar , respondem :
p a i , como hei de commungar sem me
absolveres. N o m e i o da missa houve pré-
gação na língua, e depois prégação so-
lemne com danças^ e outras invenções:
o padre visitador levava o Sanctissimo
Sacramento em u m a custodia de p r a t a
debaixo do pallio, e as varas levavam
alguns principaes, e levam-nas tão aten-
to proposito, e vão tão devotos ou pas-v
m a d o s , que he para ver. T i v e grande
consolação em confessar muitos índios e
í n d i a s , por i n t e r p r e t e ; são candidíssi-
mos, e vivem com muito menos pecca-
dos que os p o r t u g u e z e s ; dava-lhes sua
penitencia l e v e , porque não são capa-
zes de m a i s , e depois da absolvição lhe
d i z i a : na lingua ( x ê r a i r t u p à t o ç ô d e h i -
rumano) sc. — filho, Deos vá comtigo.
A c a b a d a a festa espiritual lhe man-
dou o padre visitador fazer outra cor-
— 34 —

p o r a l , dando-lhe um j a n t a r a todos os
da a l d ê a , debaixo de uma g r a n d e ra-
m a d a : os homens comiam a uma p a r t e ,
as mulheres a o u t r a : no j a n t a r se gas-
tou uma v a c a , alguns porcos m a n s o s ,
e do m a t o , com outras caças , muitos
l e g u m e s , f r u c t a s , e vinhos feitos de vá-
rias f r u c t a s , a seu modo. E m q u a n t o co-
m i a m , lhe tangiam tambores, e g a i t a s .
A festa para elles foi g r a n d e , pelo q u e
determinaram á tarde alegrar o p a d r e ,
jogando as laranjadas, fazendo motins,
e serviços d e guerra a seu m o d o , e á
p ò r t u g u e z a ; quando estes fazem estes
motins, andam m u i t o juntos em um cor-
* po como em magote com seus arcos na ,
m ã o , e molhos de frechas levantados
para c i m a ; alguns se pintam , e e m p e -
nam de varias c o r e s : as mulheres os
acompanham ; e os mais deiles n ú s , e
juntos andam correndo toda a povoação,
dando grandes urros, e j u n t a m e n t e vão
bailando, e cantando ao 6om de um ca-
baço cheio d e pedrinhas (como os pan-
deirinhosdos meninos em P o r t u g a l ) : vão
tão serenos, e por tal compasso q u e n à o
erram ponto com os p é s , e calcam o
•ichão de maneira que fazem t r e m e r a ter-

*
— Sa-

ra : andam tão inflammados em brave-


za, e mostram tanta ferocidade q u e é cou-
sa medonha e e s p a n t o s a ; as mulheres
e meninos t a m b é m os ajudam n ' e s t e s
bailos, e c a n t o s ; fazem seus trocados
e mudanças com tantos galimanhos e
tregeitos que é cousa ridicula : de ordi-
nário não se bolem de um l o g a r , mas A
estando quedos em r o d a , fazem o mes-
mo com o c o r p o , mãos e p é s , não s e ^
lhe e n t e n d e o que cantam , mas disse-
ram-me os padres que c a n t a v a m em tro-
va quantas façanhas e mortes tinham
feito seus antepassados ; arremedam pas-
s a r o s , c o b r a s , e outros a n i m a e s , tudo
! trovado por comparações, para se inci-
tarem a pellejar. E s t a s trovas fazem d e
r e p e n t e , e as mulheres s ã o i n s i g n e s tro-
vadoras. T a m b é m q u a n d o fazem e s t e
motim tiram um e um a t e r r e i r o , e
ambos se ensaiam a t é que algum c a n -
s a , e logo lhe vem outro acudir algu-
mas vezes procuram de vir a braços e
a m a r r a r o contrário , e tudo isto fazem
para se embravecer^ emfira por milagre
tenho, domarnse g e n t e tão fera ; mas tu-
do pôde um zeloso e h u m i l d e , cheio d e
amor de D e o s , e das almas , etc. r
3 *
— 36 —

Moravam os indios antes da sua con-


versão , em a l d ê a s , em umas ocas ou
cazas mui compridas, de duzentos, tre-
zentos, ou quatrocentos palmos, e cin-
coenta em largo, pouco mais ou menos,
f u n d a d a s sobre grandes esteios de ma-
deiras , com as paredes de palha ou de
taipa de mão cubertas de pindoba que
é certo genero de palma que veda bem
a g u a , e d u r a tres ou quatro a n n o s ; ca-
da caza destas tem dois ou tres buracos
sem portas nem fecho. : dentro nellas vi-
ve logo cento ou duzentas pessoas , ca-
da casal em seu rancho, sem r e p a r t i m e n -
to n e n h u m , e moram d ' u m a p a r t e e ou-
tra , ficando g r a n d e largura pelo m e i o ,
e todos ficam como em c o m m u n i d a d e ,
e entrando na casa se vê quanto nella
e s t á , por que estão todos á vista uns
dos outros, sem r e p a r t i m e n t o nem divi-
s ã o ; e como a g e n t e é m u i t a , costu-
m a m ter fogo de dia e n o i t e , verão e
i n v e r n o , porque o fogo é sua r o u p a , e
elles são mui coitados sem fogo ; parece
a casa um inferno ou l a b y r i n t h o , uns
c a n t a m , outros choram, outros comem,
outros fazem farinhas e v i n h o s , etc. e
t o d a a caza a r d e em fogos ; porem é tan-
— 37 —
ta a conformidade entre e l l e s , que em
todo anno não ha uma pelleja, e com
não terem nada fechado não ha furtos ;
se fora outra qualquer n a ç ã o , não po-
dérão viver da maneira que vivem sem
muitos q u e i x u m e s , desgostos, e ainda
m o r t e s , o que se não acha entre elles.
E s t e costume das casas guardam tam-
bém agora depois de christãos. Em ca-
da oca destas ha sempre um principal
a que tem alguma maneira de o b r a r ,
(ainda que haja outros mais ou menos).
t E s t e os exhorta a fazerem suas ocas, e
mais serviços , etc. excita-os á g u e r r a ;
e lhe tem em tudo respeito; faz-lhe es-
tas exhorfações por modo de prégação,
começa de madrugada deitado na rede ^
por espaço de meia h o r a , em amanhe-^,, '
cendo se l e v a n t a , e corre toda a aldêa*
continuando sua prégação, a qual faz
em voz a l t a , mui p a u s a d a , repetindo
muitas vezes as palavras.- E n t r e estes
seus principaesou prégadores, ha alguns
velhos antigos de grande nome e a u t h o -
ridade entre elles, que tem fama por
todo o sertão trezentas e quatrocentas
léguas, e mais. Estimam tanto um bom
língua que lhe chamam o senhor da falia.
— 38 —

E m sua mão tem a morte e a v i d a , e


os levará por onde quizer sem contra-
dição. Q u a n d o querem experimentar um
e saber se é grande lingua, ajuntam-se
muitos para ver se o podem cançar fal-
Jando toda a noite em pezo com elle, e
ás vezes dois, Ires dias, sem se enfada-
rem .
E s t e s p r i n c i p a e s , quando o padre
^visitador chegava, pregavam a seu mo-
^V do dos trabalhos que o padre padeceu
no caminho, passando as ondas d o m a r ,
e vindo de tão l o n g e , exposto a tantos
perigos para os consolar, incitando a
todos que se alegrassem com tanto bem,
e lhe trouxessem suas cousas; dos prin-
cipaes foi visitado muitas v e z e s , vindo
todos juntos , per modum tmiversi com
.suas varas de meirinhos nas mãos, que
estimam em m u i t o , porque depois de
x christãos se dão estas varas aos princi-
paes , para h o n r a , e se parecerem com
os b r a n c o s ; esta é toda a sua honra se-
cular.
E 1 cousa não somente n o v a , mas
de grande espanto, ver o modo que tem
em agasalhar os hospedes, os quaes
agasalham chorando por um modo es-
' t r a n h o , e a cousa passa desta manei-
ra. Entrando-lhe algum amigo , paren-
t e , ou parenta pela p o r t a , se é homem,
logo se vai deitar em sua r e d e sem fal-
lar p a l a v r a , as parentas também sem
fallar, o c e r c a m , deitando-lhe os cabei-
los sobre o rosto, e os braços ao pesco-
ço , lhe tocam com a mao em alguma
p a r t e do seu corpo, como joelhos, hom-
b r o , pescoço, etc. estando deste mo-
do tendo-no meio cercado, começam de
lhe fazer a festa que é a maior , e de
maior honra que lhe podem f a z e r ; cho-
ram todas com lagrimas a seus p é s ,
correndo-lhe em fio, como se lhe mor-
rera o m a r i d o , mãi ou p a i ; e j u n t a -
m e n t e dizem em trova de r e p e n t e to-
dos os trabalhos que no caminho po-
deria padecer tal hospede, e o que el-
las padecerão em sua ausência : nada
se lhe entende mais q u e uns gemidos
mni sentidos, e se o hospede é algum
principal, também lhe conta os traba-
lhos que padeceu, e se é mulher cho-
ra da mesma maneira que as que a re-
c e b e m . N e s t e tempo do triste ou ale-
gre r e c e b i m e n t o , a maior injuria que
lhe podem fazer é dizer-lhe que se ca-
— 40 —
l e m , ou que basta com estes choros:
não havia quem se ouvisse nas aldêas
quando c h e g á m o s , acabada a festa e
recebimento alimpam as lagrimas com
as mãos e cabellos, ficando tão alegres
e serenas como que se nunca choraram,
e depois se saúdam com o seu Ereiupe
e comem , etc.
Para os mortos tem outro choro e
tom particular os quaes choram dias e
noites inteiras com abundancia de lagri-
mas , mas tornando á festa dos hospe-
des , quando chegavamos, ou se fazia
alguma f e s t a , se punham a chorar, di-
zendo em trova muitas lastimas, de co-
mo seus p a r e n t e s , e antepassados não
%ouviram os padres nem sua doutrina,
i^jl Os pais não tem cousa que mais
a m e m , que os filhos, e quem a seus fi-
" lhos faz algum bem tem dos pais quan-
to q u e r ; as rnãis os trazem em uns pe-
daços de redes, a que chamam t j p o y a ,
de ordinário os trazem ás costas ou na
ilharga escarranchados, e com elles an-
dam por onde quer que v ã o , com elles
ás costas trabalham , por calmas , chu-
vas e f r i o ; nenhum genero de castigo
tem p a r a os filhos; nem ha pai n e m m ã i

*
— 41 —

iV1? que em toda a vida castigue nem toque


• em filho, tanto os trazem nos olhos; em
pequenos são obedientíssimos a seus pais
y
e m ã i s , e todos muito amaveis e a p r a -
ziveis: tem muitos jogos a seu m o d o ,
que fazem com muita mais festa e ale-
gria que os meninos portuguezes ; nes-
, tes jogos arremedam v a n o s passaros,
cobras, e outros animaes, etc. os jogos
são mui graciosos, e desenfadiços, nem
ha e n t r e elles desavença , nem queixu-
mes , pellejas , nem se ouvem pulhas ,
ou nomes ruins , e deshonestos, todos
trazem seus arcos e f r e c h a s , e não lhe
escapa passarinho , nem peixe n ' a g u a ,
que não frechem, pescam bem a l i n h a s ,
,r
e são pacientíssimos em esperar, donde
vem em homens a ser grandes pescado-
res e c a ç a d o r e s , nem ha mato nem rio
que não saibam, e revolvam, e por se-
rem grandes nadadores não temem agua
nem ondas nem mares, h a i n d i o que com
u m a braga ou grilhões nos pés nada duas
ou tres léguas: andando caminho, suados,
se botam aos r i o s , os h o m e n s , mulhe-
res, e meninos, em se levantando se vão
lavar e nadar aos rios , por mais frio
que f a ç a ; as mulheres nadam e r e m a m
— 42 —

como homens, e quando parem algumas


se vão lavar aos rios.
Tornando á v i a g e m , partimos da
aldéa do Espirito Sancto para a de
Sancto Antonio , passámos alguns rios
caudaes em j a n g a d a s , fomos j a n t a r em
uma fazenda do collegio, onde um ir-
m ã o além d'outras muitas cousas ti-
nha muito leite, requeijões, e natas que
faziam esquecer Alemtejo. Comemos
debaixo de um cajueiro muito fres-
co , carregado de acajús que são co-
mo peros repinaldos ou camoezes, são
uns amarelos, outros vermelhos, tem
sua castanha no o l h o , que nasce pri-
meiro que o pero, da qual procede o pê-
ro 5 é fructa gostosa, boa para tempo
de calma, e toda se desfaz em sumo, o
qual põe nodoas em roupa de linho ou
algodão que nunca se tira. D a s casta-
nhas se faz maça p ã e s , e outras cousas
doces, como de amêndoas: as castanhas
são melhores que as de Portugal, a ar-
vore é f r e s c a , parece-se com os casta-
n h e i r o s , perde a folha de t o d o , cousa
rara no B r a s i l , porque todo o anno as
arvores estão tão verdes e frescas como
as de Portugal na primavera.
— 43 —

Aquella noite fomos ter á casa de


um homem rico que esperava o padre
visitador: é nesta Bahia oí2.° em rique-
zas por ter sete ou oito lég uas de terra por
costa, em a qual se acha o melhor am-
bar que por cá ha, e só em um anno co-
lheu oito mil cruzados delle, sem lhe cus-*
tar n a d a : tem tanto gado que lhe não
sabe o n u m e r o , e só do bravo e perdi-
do sustentou as armadas d'elrei. Agasa-
lhou o padre em sua caza armada de
guadamicis com uma rica c a m a , deu-
nos sempre de comer aves, perús, man-
jar branco, etc. elle mesmo, desbarreta-
do, servia á meza e nos ajudava á mis-
sa, em uma sua capella, a mais formo-
sa que ha no Brazil, feita toda de estu-
que e timtim de obra maravilhosa de
molduras, laçarias, e cornijas, é de
abobada sextavada com tres portas, o.
tem-na mui bem provida de ornamen-
tos. Nesta e outras ermidas me lembra-
va de Vossa Reverendíssima, e de todos
dessa província.
Daqui partimos para aaldêa, atra-
vessando pelo sertão, caminhámos toda
a tarde por uns mangabaesque se pare-
cem alguma cousa com maceiras d'ana-
—44 —
fega, dão umas m a n g a b a s amareüas do
tamanho e feição d e a l b o r q u e , com mui-
tas pin(as pardas que lhe dão muita gra-
ça ; não tem caroço, mas umas pevides
mui brandas que também se comem ,
a f r u c t a é de maravilhoso gostif, tãole-
*ve e sadia que, por mais que uma pes-
soa coma , não ha fartar-se , sorvem-se
como sorvas, não amadurecem na arvo-
re , mas cahindo amadurecem no chão
ou pondo-as em madureiros: dão n o a n -
no duas camadas, a primeira se diz de
b o t ã o , e da flor, mas o mesmo b o t ã o é
a f r u c t a . E s t a s são as melhores, e maio-
res , e vem pelo n a t a l , a 2. a camada é
de flor alva como neve, da própria ma-
neira que a de j a s m i m , assim na feição,
tamanho, e cheiro. Estas arvores dão-se
nos c a m p o s , e com se queimarem cada
anno as mais delias dão no mesmo an-
no f r u c t o ; de quando em quando nos
ajudavamos delias para passar aquelles
matos. Aquella noite nos agasalhou um
feitor do mesmo homem que acima fal-
lei, a q u é m elle tinha mandado r e c a d o ;
fomos providos de todo o necessário com
toda a limpeza de porcelanas e p r a t a ,
com g r a n d e caridade.
— 45 —

Ao dia seguinte ás dez horas pou-


co mais ou menos, chegámos á a l d ê a d e
Sancto A n t o n i o : dos indios fomos rece-
bidos com muitas festas a seu m o d o ,
q u e deixo por brevidade, e ao domingo
seguinte baptisou o padre visitador a n -
tes da missa sessenta a d u l t o s , vestido
de pontifical, com grande alegria e fes-
ta , e consolação de todos. N a m i s s a ,
que foi d e c a n t o d'orgão, casou a muitos
em lei de g r a ç a , e deu a communhão a 80,
e tudo se fez com as mesmas festas e
musica que na aldêa do Espirito Sanc-
to. A ' tarde lhe mandou dar o padre
um bom j a n t a r em que se gastou urna
v a c a , muitos porcos do mato, que elles
mesmo traziam mortos e os deitavam
aos pés do padre (tem estes porcos o
embigo nas costas,*e em algumas cou-
sas di/Terem dos de Portugal) havia me-
za em que por banda cabiam cem pes-
s o a s : os indios á tarde para fazerem fes-
ta ao padre jogaram as l a r a n j a d a s , fi-
zeram seus motins de g u e r r a , e foram
a um rio de noite dar t i n g u í , sc. bar-
basco ao peixe, e ficando bem providos
trouxeram tantos ao padre, que enche-
r a m duas mui grandes g a m e l a s , que
— 46 —

era uma formosura de vêr. Ao dia se-


guinte levou o padre visitador todos os
padres e irmãos a um rio caudal que
estava perto de c a z a , aonde ceámos;
iam comnosco alguns sessenta meninos
Ny/sinhos como costumam; pelo caminho
fizeram grande festa ao p a d r e , umas
vezes o cercavam, outras o cativavam,
outras arremedavam passaros muito ao
natural : no rio fizeram muitos jogos ain-
da mais graciosos, e tem elles n ' a g u a
muita graça em qualquer cousa que fa-
zem. Éslas cousas de ordinário faziam
de si mesmos, que não é tão pouco em
brazis e meninos achar-se: habilidade
para saberem festejar e agasalhar o P a y -
guaçú.
Desta aldêa fornos á de S. J o ã o ,
dali sete l é g u a s , tornando a dar volta
para o m a r : é caminho de grandes cam-
pos e desertos; antes da aldêa uma lé-
gua vieram 03 indios principaes, os quaes
revesando-se levavam o padre em uma
r e d e , e pelo caminho ser já b r e v e , a
cada passo se revesavam para que não
ficasse algum delles sem levar o padre,
e não cabiam de contentes tendo aquil-
lo por grande honra e favor: fomos re-
— 47 —

cebidos com muitas festas, e ao domin-


go seguinte baptisou o padre 30 adul-
tos , casou na missa outros tantos em
lei de graça e d e u a c o m m u n h ã o a ISO j
houve missa c a n t a d a ; prégação com
m u i t a solemnidade, e depois das festas
espirituaes tiveram outro j a n t a r como
os passados, e toda a tarde gastaram
em suas festas.
E m quanto aqui estivemos fomos
bem servidos de a v e s , rolas, e faisões
que tem tres titelas uma sobre a outra,
é carne gostosa similhante á de perdiz
mas mais sadia.
E m todas estas tres aldêas ha es-
cola de ler e escrever, aonde os padres
ensinam os meninos indios; e alguus
mais hábeis também ensinam a contar,
cantar e t a n g e r ; tudo tomam b e m , e
ha j á muitos que tangem f r a u t a s , vio-
l a s , c r a v o , e officiam missas em canto
d'orgão, cousa que os pais estimam mui-
to. Estes meninos faliam p o r t u g u e z ,
cantam a doutrina pelas ruas , e enco-
mendam as almas do purgatorio.
Nas mesmas aldêas ha confrarias
do Sanctissimo S a c r a m e n t o , d e nossa
Senhora, e dos d e f u n c t o s ; os mordomos f
— 48 —
são os principaes, e mais virtuosos ; tem
sua meza na igreja com seu pano, e e l -
les trazem suas opas de baeta ou outro
panno vermelho, branco e a z u l ; servem
de visitar os enfermos , a j u d a r a e n t e r -
rar os mortos , e ás missas , levando a
seus tempos os cirios a c e z o s , o que fa-
zem com modesta devoção e muito a
ponto : dão esmolas para as confrarias
as quaes tem bem providas de c e r a , e
os altares ornados com frontaes de va-
rias s e d a s ; em suas festas enramam as
igrejas com muita diligencia e f e r v o r ,
e certo que consola ver esta nova chris-
tandade.
Todos os das aldêas , grandes e pe-
quenos , ouvem missa muito cedo cada
dia antes de irem a seus s e r v i ç o s , e
antes ou depois da missa lhes ensinam
as orações em portuguez e na l i n g u a ,
e á tarde são instruídos no dialogo d a
f é , confissão e c o m m u n h ã o . A l g u n s , as-
sim homens como m u l h e r e s , mais ladi-
nos, resam o rosário de nossa S e n h o r a ;
confessam-se a m i ú d o ; honram-se mui-
to de chegarem a c o m m u n g a r , e por is-
so fazem e x t r e m o s , até deixar seus vi-
{ nhos a que são muito d a d o s , e é a obra
— 49 —

mais heróica que podem fazer quando


os incitam a fazer algum peccado de vin-
gança ou deshoneslidade , etc. respon-
dem que sao de communhão, que não
hão de fazer tal cousa : empregam-se en-
tre elles os que commungam no exem-
plo da boa vida , modéstia e continua-
ção das doutrinas; tem extraordinário
a m o r , credito e respeito aos padres, e
nada fazem sem seu conselho. E assim
pedem licença para qualquer cousa por
pequena que seja , como se fossem no-
viços. E até aos do sertão dahi duzentas,
tresentas e mais léguas, chega a fama
dos padres e igrejas, e se não fossem
estorvos todo o sertão se viria para as
igrejas, porque os que trazem os portu-
guezes todos vern com promessa e titu-
lo que os porão nas igrejas dos padres,
mas em chegando ao mar nada se lhes
cumpre.
T r e s festas celebram estes índios
com grande alegria, aplauso, e gosto
particular, a primeira c as fogueiras de
S. J o ã o , porque suas aldêas ardem em
fogos, e para saltarem as fogueiras não
os estorva a roupa, ainda que algumas
vezes chamusquem o couro. A segunda
4
— 60 —

é a festa dos ramos, porque é cousa pa-


ra vèr, as palmas, flores, e boninas que
buscam , a festa com que os tem nas
mftos aooíficio, e procuram que lhe cáia
agua benta nos ramos. A terceira que
mais que todas festejam , é dia de cin-
za , e folgam que lhe ponham grande
cruz na testa, e s e acontece o padre não
ir ás aldôas, por nào ficarem sem cinza
elles a dào uns aos outros , como acon-
teceu a uma velha que, faltando o padre 4
convocou toda a aldêa á i g r e j a , e lhe
deu a cinza, dizendo que assim faziam
os A b a r è s , sc. padres, e que nào ha-
viam de ficar em tal soleinnidade sem
cinza.
Visitadas as aldêas, determinou o
padre vèr algumas fazendas e engenhos
dos portuguezes, visitando os senhores
delias, por alguns lhe terem pedido, e
outros porque os não tinha ainda visto,
e e r a necessário conciliar os ânimos d a l -
guns com a Companhia, por não esta-
rem muito benevdos. Partimos de S.
João para o r n a r : era para vêrneste -ca-
minho a multidão, variedade das flores
das arvores, umas amarellas, outras ver-
melhas , outras roxas, com outras mui-
—M —

ias varias cores misturadas, q u e e r a cou-


sa para louvar p Creador. y j neste ca-
minho uma arvore carregada de ninhos
d e passarinhos, pendenjU; de seus fios de
comprimento de uma vara de medir ou
m a i s , que ficavam todos no ar com as
bocas para baixo ; tudo isto fazem os pas-
saros para não ficar frustrado seu tf aba-
lho, usam daqueiia industria que lhe en-
sinou o que os criou, para s e n à o fiarem
das c o b r a s , que lhe comem os ovos e
filhos.
Folgara de saber descrever a formo-
sura de toda esta Bahia, e reconcavo, as
enseadas e e s t e i r o s que ornar bota tres,
quatro léguas pela terra dentro, os mui-
to frescos e grandes rios caudaee que a
terra deita ao m a r , todos cheios de mui-
t a fartura de pescados , lagostins , pol-
vos, ostras de muitas castas, caranguei-
jos e outros m a r i s c o s ; sempre fizemos
caminho por mar em um barco d a casa
bem e s q u i p a d o , e quasi não ficou rio
nem esteiro q u e não vissemós, com as
niais e maiores f a z e n d a s , e e n g e n h o s ,
q u e são muito, para vêr. G r a n d e s foram
as honras e gasalhados, q u e lodos fize-
ram ao padre visitador, procurando cada
4 *
— 52 —

um fie se e s m e r a r ; não somente nas mos-


tras d ' a m o r , grande respeito e reveren-
c i a , que no t r a t a m e n t o e conversação lhe
mostravam , mas muito mais nos gran-
des pastos das i g u a r i a s , da limpeza e
concerto do s e r v i ç o , nas ricas camas e
leitos de seda (que o padre não aceita-
v a ; porque trazia uma rede, que serve
de c a m a , e cousa costumada na terra)
os que menos f a z i a m , e se tinham por
não muito devotos da C o m p a n h i a , faziam
«mais gasalhados, do que costumam fa-
zer ein Portugal os muito nossos ami-
gos e i n t r i n s e c o s ; cousa q u e n ã o s ó m e n -
te nos edificava, mas também espanta-
va v ê r o muito credito que por cá se tem á
Companhia. O padre Q u i r i c i o C a x a e e u
prégamos algumas vezes em as ermidas,
q u e q u a s i todos os senhores de engenhos
tem êm suas fazendas, e alguns susten-
t a m capellão á s u a custa, dando-lhe qua-
r e n t a ou cincoenta mil réis cada anno,
e d e comer á s u a mesa. Ascapellas tem
bem concertadas, e providas de bons or-
namentos : não somente os dias da préga-
ção, mas também em outros nos impor-
tunavam que dissessemos missa c e d o ,
p a r a exercitarem sua caridade, em nos
— 53 —

fazer almoçar ovos reaes, e outros mi-


mos que nesta terra fazem muito bons,
nem faltava vinho de Portugal; confes-
sávamos os portuguezes, ouvindo confis-
sões geraes, e outras de muito serviço
de Nosso Senhor. Os dias de prégaçào
e festa, de ordinário havia muitas con-
fissões e commurrfiões, e por todas che-
gariam a duzentas , afora as que fazia
um padre, lingua dos escravos de Guiné
e de indios da t e r r a , prégando-lhes e
ensinando-lhes a doutrina, cazando-os ,
baptizando-os, eem tudo se colheu copio-
so fructo, com grande edificação de to-
dos, nem se contentavam estes senhores
de agasalhar o p a d r e , mas também lhe
davam bogios, papagaios, e outros bi-
chos e aves que tinham em estima ; e lhe
mandavam depois a caza muitas e várias
conservas, com cartas de muito a m o r ,
e quando vinham á cidade, o visitavam
amiudando os devidos agradecimentos
pela consolação e visita que o padre lhes
fizera.
Os engenhos deste reconcavo são trin-
ta e s e i s ; quasi lodos vimos, com outras
muitas fazendas muito para ver ; de uma
cousa me maravilhei nesta jornada, efoi
a g r a n d e facilidade q u e (em em a g a s a -
lhar os hospedes, porque a q u a l q u e r ho-
r a da noüte ou dia que chegávamos em
brevíssimo espaço nos davam de c o m e r
a cinco dá C o m p a n h i a (afora os moços)
iodas as variedades de c a r n e s , g a l i n h a s ,
períis , p a t o s , leilões j^cabri los , e tudo
tem de sua c r i a ç ã o , e l o d o o g ê n e r o d e
pescado e mariscos de toda a sorte,, dos
qUáes s e m p r e tem a casa c h e i a , por te-
rem d e p u t a d o s certos escravos pescado-
res pára isso, e d e tudo tem a casa tão
c h e i a , q u e na f a r t u r a parecem uns con-
d e s , e g a s t a m muito. T o r n a n d o aos e n -
genhos cada um delles é u m a m a c h i n a
e fabrica incrivel, uns são de Agua r a s -
teiros^ outros de a g u a copeiros, o s q u a e s
inovem mais efcom menos g a s t o , outros
não são d ' a g ü a , m a s movem com bois,
echamatfo-sé t r a p i c h e s ; estes tem m u i -
to maior fabrica e gasto> ainda que moem
menosi, moem todo o tempo do a n n o , o
q u e não tem os d ' a g u a <, porque ás Ve-
zes lhe falta. E m cada um delles, de or-
dinário ha seis, oito e mais fogos de b r a n -
cos, é ao menos sessenta escravos, q u e se
r e q u e r e m para o serviço ordinário ; mtis
os mais delles Ifem cento., e duzentos tes-
—1'55—

cravos de G u i n é e da terra. Os trapiches


requerem sessenta bois, o s q u a e s moem
de duze em doze r e v e s a d o s ; começa-se
deordinario a t a r e f a á m e i a n o i t e , e aca-
ba-se ao dia seguinte ás tres ou qualro
horas depois do meio dia. E m cada ta-
refa se gasta uma barcada de lenha que
tem doze carradas, e deita sessenta e se-
tenta fôrmas de assucar branco, masca-
vado, maio e a l t o ; cada fôrma tem pou-
co mais ou menos de meia arroba, ain-
da que em Pernambuco se usam já g r a n -
des de arroba. O serviço é insofrível, A
s e m p r e os serventes andam correndo, e
por isso morrem muitos escravos, que é
o que os endivida, sobre tudo este gas-
to \ tem necessidade cada engenho de
f e i t o r , c a r p i n t e i r o , f e r r e i r o , mestre de
assucar com outros officiaes q u e servem
de o p u r i f i c a r ; os mestres de assucar são
os senhores d e engenhos, porque em sua
mão está o rendimento, e ter o e m p e n h o
e faina, p e l o q u e são tratados com mui-
tos mimos, e o s senhores lhe dão i n e z a ,
e cem mil r é i s , e a outros m a i s , cada
anno. A i n d a que estes gastos são mui
g r a n d e s , os rendimentos não são me-
n o r e s , antes mui a v a n t a j a d o s , porque
— 56 —

um engenho lavra no anno quatro ou


cinco mil an-obas, que pelo menos va-
lem em Pernambuco cinco mil cru-
z a d o s , e postas no Reino por con-
ta dos mesmos senhores dos engenhos
(que não pagam direitos por dez annos
do assucar que mandam por sua conta,
e estes dez acabados não pagam mais
que meios direitos) valem Ires em dobro.
O s encargos de consciência são muitos,
os p e c c a d o s q u e se comettem nelles, não
, tem c o n t o ; quasi todos andam a m a n c e -
bados por causa das muitas occasiões ;
bem cheio de peccados vai esse d o c e ,
porque tanto f a z e m : grande é a paciên-
cia de D e o s , que tanto sofTre.
Gastámos nesta missão Janeiro e
T parte de Fevereiro, e a segunda feira de-
pois do primeiro domingo da q u a r e s m a
chegámos a c a s a , não somente recrea-
dos, m a s t a i n b e m mui consolados com o
fructo que se colheu: logo se destribui-
ram as p r e g a ç õ e s , sc. o padre Quiricio
Caxa dos domingos p e l a m a n h ã a e m nos-
sa i g r e j a ; o padre Manuel de Castro á
t a r d e ; estes dous padres e o padre M a -
nuel de Barros são os melhores prégado-
res que ha nesta província: eu preguei

i
—1'57—

os domingos pela manhãa na sé, aonde


se achava a maior parle da cidade ; das
pregações de todos se seguiu g r a n d e
fructo, seja Nosso Senhor com tudo lou-
vado.
M u i t a s missões se fizeram por or-
dem do padre visitador, nestes dois an-
nos pelos engenhos e fazendas dos por-
tuguezes : nellas se colheu copioso fruc-
to e se baptizaram passante de tres mil
a l m a s , e se casaram muitos em lei da
g r a ç a , tirando-os de amancebamenlos,
ensinando-lhes a doutrina, pondo os dis-
cordes em paz, e s e fizeram outros mui-
tos serviços a Nosso Senhor. Quando os
nossos padres vão a estas missões são
mui bem recebidos de todos, bem pro-
vidos do necessário, com g r a n d e amor,
e caridade.
Tornando á q u a r e s m a , em nossa ca-
sa tivemos um devoto e rico sepulchro.
A paixão foi também devola que concor-
reu toda a t e r r a ; os officios divinos se
fizeram em casa com devoção. Sexta fei-
ra sancta ao desencerrar do Senhor, cer-
tos mancebos vieram á nossa igreja ; tra-
ziam uma verônica d e C h r i s t o mui devo-
t a , em pano de linho pintado, dousdel-
~roG —

]es a tinham , o j u n t a m e n t e com outros


dous se disciplinavam, fazendo seus (ro-
çados, e mudanças 'E corno a dança se
fazia ao som dos cruéis a ç o u t e s , mos-
trando a verônica e n s a n g u e n t a d a , não
havia quem tivesse as lagrimas cem tal
e s p e c t á c u l o , pelo que foi notável a de-
voção que houve na g e n t e .
O padre visitador teve as endoen-
ças na aldeã do Espirito Sanoto, aonde
os indios tiveram um fermoso e bem aca-
bado sepulchro de todas as columnas, cor-
nijas, frontespicios de obra de papel, as-
sentada sobre m a d e i r a , tão delicada e
de tão maravilhosa feitura, que não ha-
via mais que pedir, por haver alli um ir-
mão insigneein cortar, e para sepulchros
tem grande mão, e graça particular. T i -
veram mandato em portuguez por haver
muitos brancos que alli se acharam , e
paixão n a l i n g u a , que causou m u i t a de-
voção , e lagrimas nos indios. A procis-
são foi devotíssima com muitos fachos e
fogos, disciplinando-se a maior parte dos
indios, que dão em si cruelmente, e tem
isto não somente por virtude, mas lam-
bem por valentia, tirarem sangue de si
e serem A b a e t e , sc. valentes. Levaram
—1'69—

na procissão muitas bandeiras que um


i r m ã o , bom p i n t o r , lhe fez para aquel-
le dia, em pano, de boas tintas, e devo-
tas. Um principal velho levava urn de-
voto crucifixo debaixo do pallio; o pa-
dre visitador lhe fez todos osofficios que
seofficiaram a vozes com seus bradados.
A o dia da resurreição se f t z uma pro-
cissão por ruas de arvoredo muito fres-
cas, com muitos fogos, danças, e o u t r a s
f e s t a s : commungaram quasi iodos os da
communhào, que são perto de duzentas
pessoas. Esquecia-me d i z e r q u e os lava-
tórios cheirosos e pós de murtinhos, com
que se curam estes indios, quando se
disciplinam , s ã o : irem-se logo meter e
lavar no mar ou rios, e com isto s a r a m ,
e não morrem.
Aos tres delVIaio, dia da invenção
da cruz, houve jubilèu plenário em nos-
sa c a s a , missa de canto d ' o r g ã o , offi-
ciada pelos indios e outros cantores da
s é , com frautas e outros instrumentos
m ú s i c o s ; préguei-lhe da c r u z , por te-
retnfaqui uma reiiquia do sancto lenho
em uma cruz de prata dourada, o u e foi
de umas fieiras de Alemanha, a qual a
imperatriz deu para este collegio, com
— GO —

licença do SummoPonlifice. C o m m u n g a -
ram passante de trezentas pessoas, e tu-
do se fez com muita festa e devoção.
T i n h a o padre visitador dado ordem
para se fazer um relicário para todas as
relíquias que estavam mal acomodadas.
Estava j á neste tempo acabado : é g r a n -
de, tem dezeseis almarios com suas por-,
tas de vidraças, e no meio um g r a n d e ,
para a imagem de N. Snr. a d e S . Lucas ;
os almarios são todos forrados dentro de
selim cramesim, as portas da banda d e
dentro são forradas de sedas de várias
cores sc. d a m a s c o , veludo, setim , e t c .
a madeira é de páo de cheiro de J a c a -
r a n d á , e outras madeiras de p r e ç o , de
várias cores, de tal obra que se avaliou
somente das m ã o s , em cem cruzados :
/.fê-lo um irmão da casa, insigne officiai.
E s t á assentado na capeliados irmãos,
que é uma casa grande nova, de pedra
*e cal , bem g u a r n e c i d a , forrada de ce-
dro. Ao dia da cruz, á tarde se fez u m a
célebre trasladação da igreja para a d i -
t a capella ; foi o padre visitador á j f re-
j a , com sua capa d ' a s p e r g e s , e outros
dons padres com capas : os m a i s , que
eram por todos d e z o i t o , revestidos em
— Gl —

alvas e sobrepellizes : levava o padre de-


baixo do pallio o sancto lenho, seis pa-
dres as v a r a s , dous a imagem de Nos-
sa Senhora, que também ficava debaixo
do palio; tres, as tres cabeças das onze mil
virgens, e outras relíquias ; os mais leva-
vam suas velas de cera branca nas maos,
e seguia-se a cruz de p r a t a , e thuribulo.
Começando a procissão a entrar pelasa-
c h r i s t i a , a gente arrombou a g r a d e , e
entrando os homens somente , acompa-
nharam as relíquias, porque não sofriam
bem participarmos sem elles de tama-
nha alegria e consolação : a capella e cor-
redores estavam mui bem ornados de vá-
rias s e d a s , a l c a t i f a s , g u a d a m i c í s , pal-
mas com outros ramos frescos. JNa pro-
cissão houve boa musica de vozes, frau-
tas, e orgãos ; em alguns passos estavam
certos e s t u d a n t e s , com seus descantes,
e c r a v o s , a que diziam psalmos, e al- >
guns motetes, e também recitaram e p i - r
g r a m m a s á s s a n c t a s reliquias. Com esta
solemnidade e devoção, chegamos á ca-
pella aonde houve completas solemnes :
foi tanta a devoção dos cidadãos que se
não fartavam d e v i r muitas vezes visitar
as r e l i q u i a s , e os estudantes continua-
ram muitos dias, gastando muitas horas
cm oração , rezando seus rosários. Os
padres e irmãos tem nesla cnpella mui-
ta devoção e oração c o n t í n u a , e assim
as relíquias, como os painéis da paixão,
de que está cercada a capella o pedem.
A l g u m a s pessoas de fóra fizeram algu-
mas esmollas, sc. um frontal, vestimen-
ta e sobreceo de veludo verde, uma cai-
xa de p r a t a , em que está a relíquia de
S. Christovão, outros deram algumas se-
das , e botijas de azeite para a alam-
p a d a ; as mulheres j á que não gosavam
da f e s t a , por ser dentro de c a s a , mos-
Iraram a nuiita devoção que tem ás sane-
tas v i r g e n s , em darem os melhores es-
pelhos que tinham para v i d r a ç a s , e al-
g u n s delles tinham mais de um palmo
em quadro. E o padre visitador nesta
p a r t e fez mais fruclo com seu relicário
^ em tirar os espelhos, q u e os pregadores
- com as pregações.
C h e g a d a s outra vez as monções do
s u l , no fim de J u n h o , partimos para
P e r n a m b u c o , padre visitador, padre Ro-
drigo de F r e i t a s , com outros padres e
irmãos, que por todos éramos quatorze ;
não fui o padre Provincial, porque fica*
—1'63—
va muito mal na Bahia. Ao segundo dia
com vento contrário, arribámos ao mor-
ro de S. P a u l o , barra de T i n h a r ô , do-
ze léguas da Bahia, acnde estivemos on-
ze dias, sem fazer tempo para continuar-
mos a viagem. Aqui tivemos dia de S.
João B a p t i s t a , S. P e d r o , e S. P a u l o ,
em o s q u a e s dizíamos missa em u m T e i -
j u p a b a de p a l h a ; os irmãos passageiros
e marinheiros, conunungaram nestas fes-
tas : passavamos estes dias com boa mu-
sica , q u e alguns irmãos de boas falias
faziam f r e q u e n t e m e n t e ao som de u m a
suave f r a u t a , que de noite nos consola-
vam , e de m a d r u g a d a nos espertavam
com devotos e saudosos psalmos e can-
tigas. Pelo navio ser de casa e andar-
mos bem acomodados, sempre fomos n o ,
mar providos de todo o necessário , as-
sim na saúde como e n f e r m i d a d e s , tão
bem como em casa. E nestes dias o fo-
mos de vários pescados com que todo o
dia se fartava o n a v i o : algumas vezes
hiamos g a s t a r as tardes com boa musi-
c a , e práticas espirituaes, sobre um fres-
co rio á vista do mar ; e pelo lugar ser
solitário causava não pequena devoção :
d e quando em quando pescavamos p a r a .
— G4 —
ali viar as moléstias que comsigo traz unia
a r r i b a d a . Aqui nos visitou um padre nos-
so que risidia no C a m a m u , com um
bom refresco de uma vitella, porco, gal-
linhas, patos, eoutras a v e s , e fructas,
com muita caridade.
D a q u i partimos o segundo de J u -
lho, e aos 14 do mesmo, dia d e S . Boa-
v e n t u r a , perto do meio dia, deitámos fer-
ro no arrecife de Pernambuco, que dis-
ta da villa uma boa légua. Logo vieram
dois irmãos com rede ecavallos, em que
fomos, e no collegio fomos recebidos do
P a d r e Luiz da G r a ã , R e i t o r , e dos
mais padres e irmãos com extraordiná-
ria alegria e caridade. Ao dia seguinte
se festejou dentro de casa como cá é
costume o martyrio do padre Ignacio
' d ' A z e v e d o e seus companheiros, com
u m a oração em verso no refeitorio, ou-
tra em lingua d ' A n g o l a , que fez um
irmão de 14- a n n o s , com tanta g r a ç a ,
q u e a todos nos a l e g r o u , e tornando-a
em portuguez com tanta devoção que
não havia quem se tivesse com lagri-
mas. N o tempo do repouso, que estava
bem enramado o chão juncado de man-
j e r i c õ e s , se explicaram alguns enigmas
—-C5 —

e deram prêmios. A* tarde fomos me-


rendar á horta, que tem muito g r a n d e ,
e dentro delia um jardim fechado com
^ muitas hervas cheirosas, e duas ruas de
^ p i l a r e s de tijolo com p a r r e i r a s , e u m a
f r u c t a que chamam m a r a c u j á , sadia ,
gostosa , e refresca muito o sangue em
tempo d e c a l m a ; tem ponta d ' a z e d o : é
f r u c t a estimada. T e m um g r a n d e ro-
meiral de que colhem carros d e r o m a ã s ,
figueiras de P o r t u g a l , e outras fructas
da terra. E tantos m e l õ e s , que não ha
esgota-los, com muitos pepinos e outras
boas commodidades. T a m b é m tem u m
p o ç o , fonte e t a n q u e , ainda que não é
necessário para as l a r a n g e i r a s , porque
o ceu as r e g a : o jardim é o melhor e
mais alegre que vi no B r a z i l , e se es-
tivera em Portugal lambem se podéra
chamar jardim.
Logo á quarta feira fizeram os ir-
mãos estudantes um recebimento ao pa-
dre visitador dentro em c a s a : no tem-
po do repouso recitou-se uma oração em
prosa, outra em verso, outra em portu-
g u e z , outra na lingua brazilica, com
muitos epigrammas. A c a b a d a a festa
lhe fez o padre o u t r a , distribuindo por
5
—1'66—

todos relicários, A g n u s - D e i , contas ben-


tas , r e l í q u i a s , i m a g e n s , etc. T a m b é m
se leu a p a t e n t e , e todos d o a m a obra
ao padre tomando-lhe a benção*
Fui o padre mui f r e q u e n t e m e n t e
visitado do Sr. b i s p o , ouvidor g e r a l , e
outros principaes da t e r r a , e lhe man-
daram muitas vitellas, porcos, p e r u s ,
gallinhas e outras cousas, como conser-
vas , etc. ; e pessoa houve q u e da pri-
meira vez mandou passante de dez cru-
zados em c a r n e s , farinhas de trigo de
P o r t u g a l , um quarto de v i n h o , e t c . ; e
não contente com isto o levaram ás suas
fazendas algumas vezes, que são maio-
res e mais ricas que as da B a h i a ; e nes-
tas lhe fizeram grandes honras e gasa-
Ihados, com tão grandes gastos que não
saberei c o n t a r ; porque deixando á par-
te os grandes banquetes de extraordi-
narias i g u a r i a s , o agasalhavam em lei-
tos de damasco cramesim, franjados de
o u r o , e ricas colchas da í n d i a ; mas o
p a d r e usava da sua rede como costu-
m a v a . M a n d a v a m de ordinário cavai-
los para seis dos nossos com seus feito-
res que nos acompanhassem todo o ca-
m i n h o , e elles mesmos em pessoa vi-
67 —

nhatn receber o padre ao caminho duas,


três l é g u a s , darido-nos pelo caminho
muitos j a n t a r e s , almoços e m e r e n d a s ,
com grande abundancia e mostras de
grande amor e respeito á Companhia.
Costumam elies a primeira vez que dei-
tam a moer os engenhos benze-los, e
neste dia fazem grande festa convidan-
do uns aos outros. <J padre, a sua peti-
ção, lhes benzeu alguns, cousa que mui-
to estimaram. Vimos g r a n d e parle de
66 engenhos que ha em Pernambuco ,
eom outras fazendas muito para ver.
N í T o fallo na frescura dos arvoredos, nem
nos muitos e g r a n d e s rios cnudaes, por-
que é cousa ordinaria e commum no
Brazil.
T r a z i a o padre visitador carias d'el-
rei para o capitão e camara. Fizeram
grandes offered men tos para tudo o que
o padre quizesse e ordenasse para bem
da christandade e governo da terra.
Os estudantes de humanidades, que ,
sào filhos dos principacs da terra, indo
o padre á sua classe, o receberam com
um breve dialogo, boa musica, t a n g e n - *
do e dançando mui b e m ; porque se
prezam os pais de saberem elles esta
5 *•
— G8 —

arte. O mestre fez u m a oração em latim.


O padre lhes distribuiu c o n t a s , relí-
quias , etc.
N o fim d e J u l n o se celebra no col-
legio a trasladação de uma cabeça das
onze mil v i r g e n s , que os padres alli
teem mui bem concertada, em uma tor-
re de prata : houve missa solem ne, pré-
guei-lhe das virgens com grande concur-
so de toda a terra, por haver jubileu, a
que commungou muita gente. O mes-
mo fiz na matriz dia da Assumpção de
Nossa Senhora, a petição dos mordomos,
que são os principaes da terra, e alguns
delles senhores d'engenhos de quatro e
mais mil cruzados de seu. Seis delles to-
dos vestidos de veludo e damasco de va-
rias cores o acompanharam até o púlpito,
e não é muito achar-se esta policia em
P e r n a m b u c o , pois é Olinda da Nova
Lusitania.
Alem do g r a n d e f r u c t o , que se co-
lheu das missões que o padre fez a va-
rias partes aonde o padre Luiz d a G r a ã
e eu prégavamos algumas vezes , con-
fessando muitos portuguezes e mulheres
fidalgas de dom , que não faltam nesta
terra. D i a havia em que commungavam
—1'69—

algumas trinta pessoas, afora o grande


fruclo que um padre lingua fazia com
os indios e escravos de G u i n é . Ordenou
o p a d r e que andassem quatro padres em
missões uns quinze dias : fez-se grande
f r u c l o , baptisaram-se muitos indios e
escravos de G u i n é , e muitos se casa-
ram em lei de g r a ç a , e ouviram grande
cópia de confissões, de que se seguiu
g r a n d e edificação para toda a terra.
O anno de 83 houve tão grande sec-
ca e esterilidade nesta provincia (cousa
r a r a e d e s a c o s t u m a d a , porque é terra
de contínuas chuvas) que os engenhos
d ' a g u a não moeram muito t e m p o , e as
fazendas de canaviaes e mandioca se
seccaram , por onde houve grande fo-
me , principalmente no sertão de Per-
n a m b u c o , pelo que desceram do sertão
apertados pela fome soccorrendo-se aos
brancos quatro ou cinco mil indios ; po-
rém passado aquelle trabalho da f o m e ,
os que poderam se tornaram ao sertão,
excepto os que ficaram ein casa dos
brancos ou por sua ou sem sua vonta-
de. T a m b é m ficou um principal cha-
mado M i t a g u a y a , de grande nome en-
tre os indios do s e r t ã o , por ser g r a n d e
—1'70—

lingun e falíador. E s t e com intento o


desejo de ser christão entregou um seu
illho ao padre Luiz da G r a ã , o qiud
em breve tempo soube fallar português«
ajudar d m i s s a , e aprendeu l e r , es*
crevev e contar. T a n t o que o padre vi+
sitador chegou a P e r n a m b u c o logo o so-
bredito iVJitaguaya visTtoii por vezes o
p a d r e , vestido de damasco com passa-
inanes d ' o u r o , e sua espada na c i n t a ,
pedindo-lhe com g r a n d e instancia cjui-
zesse ir á sua aldeia e dar-lhe padres,'
que se queria baptisar com todos os
seus. Dando-lhe o padre boas esperan-
ças que os visitaria, fizeram-lhe cami-
nhos por m a t t o s , e serras altíssimas
mais de uma légua. Quando lá fomos
nos vieram receber quasi duas léguas
da a l d e i a , e para gasalhado do padre
fizeram urna casa n o v a , mas por ser
em paragem de grande perigu por cau-
sa dos contrários, o padre Luiz d a G r a ã
e r a . de parecer que não ficássemos at-
li aquella n o i t e ; mas o padre visita-
dor , para lhe agradecer a caridade da
casa nova , e os não desconsolar , antes
a n i m a r , dormiu alli aquella noite. El-
les nos deram a cear dê sua pobreza
—1'71—

peixinhos d e moqué assados, b a t a t a s ,


c a r á , m a n g a r á , e o u t r a s fruclas da ter-
r a , e o padre os convidou com cousas
d e P o r t u g a l . D e noite tiveram seu so-
lem ne e gracioso conselho d e f r o n t e da
nossa casa, tendo u m a g r a n d e fogueira
no meio como é c o s t u m e , e juntos os
velhos principaes e g r a n d e s línguas, se
assentaram assim nús e m uns pedaços
de páu , e al li com todo siso e m a d u r o
conselho t r a t a r a m certos pontos sobre
a sua estada naquelle s i t i o , vendo a
d i f i c u l d a d e dos mattos , a commodida-
de do rio q u e tinham perto, a conjunc-
ção boa que tinham para se fazer chris-
t à o s , com outras cousas q u e t r a t a v a m
com muita graça e g r a v i d a d e , e resol-
veram uno ore q u e se fizesse tudo o q u e
o p a d r e ordenasse para bem dé;Sua -es-
tada naquetla terra, e poderem recebei 1
nossa boa fé ; e assim como o determir
naram o cumpriram , porque estando
d i f e r e n t e s nos p a r e c e r e s , o sobredito
. M i t a g u a v a com outro grande principal
se a j u n t a r a m por parecer d o ' p a d r e em
um sitio q u e o padre lhe assignalou , é
Jogo s e passaram para e l l e , f u n d a r a m
a aldeia, e tem j á f e i j a igreja. Para is^
— 81 —

to foi destinado um padre lingua com


outro para companheiro, e dando or-
dem para que se acabasse a igreja com
d i l i g e n c i a , lhes começaram a ensinar
as cousas da fé. São passante de 800^
almas as que se querem baptisar, e es-
pera-se que desça grande multidão de
gentios com a fama desta igreja.
D a visita se seguiu grande conso-
lação nos de casa com as muitas práti-
cas, avisos espirituaes, exhortações das
r e g r a s , que o padre fez em quanto alli
os conversou. D e u profissão de quatro
votos aos padres Leonardo A r m i n i o ,
italiano , e ao padre Pero de T o l e d o ,
h e s p a n h o l , que fora sete annos reitor
do collegio do Rio de J a n e i r o , ambos
bons letrados •, e de coadjutores forma-
dos espirituaes a dois p a d r e s : a fes-
ta se fez dia de S. J e r o n y m o : pré-
gou o padre Luiz da G r a ã ; tem mui-
to bom p ú l p i t o , e boas cousas e g r a ç a
em as propor: e assim nesta como nas
mais cousas é mui acceito e amado de
todos da terra. Dia da Assumpção de
Nossa Senhora ordenou o Sr. bispo se-
te irmãos de missa, dando-lhe todàs as
ordens em nossa igreja.
N ã o posso deixar de dizer nesta as
qualidades de P e r n a m b u c o , que dista
da equinocial para o sul oito g r a u s , e
cem léguas da B a h i a , que lhe fica ao
sul. T e m uma formosa igreja matriz de
tres n a v e s , com muitas capellas ao re-
d o r ; acabada ficara uma boa o b r a : tem
seu vigário com dois outros c l é r i g o s ,
afora outros muitos que estão nas fa-
zendas dos p o r t u g u e z e s , que elles sus-
tentam á sua c u s t a , dando-lhe meza
todo o anno e quarenta ou jtp/ mil reis
de o r d e n a d o , afora outras aventagens.
T e m passante de dois mil visinhos en-y
tre villa e t e r m o , com muita escrava-
ria de G u i n é , que serão perto de dois
mil escravos: os indios da terra são já*
poucos. A terra é toda muito c h a ã : o
serviço das fazendas é por terra e em
c a r r o s : a fertilidade dos canaviaes não
se pôde c o n t a r ; tem 6o e n g e n h o s , que
cada um é uma boa povoação; lavram-
se alguns annos 200 mil arrobas de as-
s u c a r , e os engenhos não podem esgo-
tar a c a n a , porque em um anno se faz
d e v e i para m o e r , e por esta causa a
não podem v e n c e r , pelo que moe cana
de tres, quatro a n n o s ; e com virem ca-
—1'74—

da anno quarenta navios ou mais a Per-


n a m b u c o , não podem levar todo o a s s u -
c a r : é terra de muitas creaçôes de va-
c a s , porcos, g a l l i n h a s , etc.
A gente da terra é h o n r a d a : ha
homens muito grossos de 40 , 5 0 , e 80
mil cruzados de seu : alguns devem mui-
to pelas grandes perdas que teein com
escravâria da G u i n é , que lhe morrem
muitos, e peias demasias e gastos g r a n -
des que teem em seu tratamento. Ves-
tem-se e as mulheres e filhos de ioda a
sorte de veludos, damascos e o u t r a s se-
ndas ; e nisto teem grandes excessos : as
k
mulheres são muito senhoras, e não mui-
to devotas. T a m b é m frequer-tam as mis-
sas, pregações, confissões, etc. : os ho-
mens são tão briosos q u e compram gi-
netes de 3<H) e 300 c r u z a d o s , e alguns
teem três, quatro cavallos de preço. São
mui dados a festas. Casando uma moça
honrada com um vianez, que são os prin-
cipaes da terra , os parentes e amigos
sé vestiram uns de veludo cramesim ,
outros de v e r d e , e outros de damasco
o sedas de várias c ô r e s , « os guiões e
seilas dos cavallos e r a m d a s mesmas se««
das de que-iam yestidos. Aqueíte dia
—1'75—

corroíam touros , jogaram canas , paio ,


a r g o l i n h a , e vieram dar vista ao colle-
gio para os ver o padre visitador ; e por
esta lesta se pôde julgar o que faraó nas
m a i s , que são communs e ordinarias.
São sobre tudo dados a b a n q u e t e s , em
q u e de ordinário andam comendo um
dia dez ou doze senhorute de engenhos
j u n t o s , e revesando-se desta maneira
gastam quanto leem, e de ordinário be-
bem cada anno 10 mil cruzados de vinhos
de P o r t u g a l ; e alguns annos bebêrão
oitenta mil cruzados dados em rol. E m -
fim em P e r n a m b u c o se acha mais vai-
d a d e q u e em Lisboa. O s vianezes são
senhores de P e r n a m b u c o , e quando se

£ az algum arruido contra algum vkinez


lizem em Jogar de ai q u e d ' e ) r e i , ai
q u e de Viana , e t c .
A vilia, está bem situada em íogar
e m i n e n t e de g r a n d e vista para o m a r ,
e para a t e r r a ; tem boa casaria de pe-
dra e c a í , tijolo e t e l h a : temos aqui eof-
legio aonde residem vinte e um dos nos-
s o s ; susfeníam-se bem, ainda que tudo
vai Iresdobro d o q u e e m Porlwçat; o edi-
fício é r e l h o , mal acomodada, a igreja
pèquefKi. Os padres lêem uma lição d e
— 7C —

c a s o s , outra de l a t i r a , e escola de lêr,


e escrever, p r é g a m , confessam, e com
os Índios, e negros de G u i n é , se faz
m u i t o f r u c t o ; dos portuguezes são mui
amados e todos lhe tem g r a n d e respeito.
N e s t a terra estão bem e m p r e g a d o s , e
por seu meio faz Nosso Senhor muito,
louvado seja elle por tudo.
A c a b a d a a visita de P e r n a m b u c o
aonde estivemos tres mezes, e chegadas
as monções dos Nordestes aos dezeseis
de O u t u b r o , partimos para a Bahia, no-
ve padres e tres irmãos acompanhando-
nos o padre Luiz da Grãa r e i t o r , com
alguns padres do collegio, a t é á b a r r a ,
que é uma légua : houve muitas lagrimas
e saudades á d e s p e d i d a , e não se po-
diam apartar do padre visitador, tão con-
solados e edificados os d e i x a v a , e com
estas saudades se tornaram cantando pe-
la praia as ladainhas, psalmos e outras
cantigas devotas. Estava j á neste tempo
o nosso navio fóra da barra, e p o r o tem-
po ser algum tanto contrário para sair
andámos a t é alta noute aos bordos, não
podendo tomar o n a v i o , e quando j á o
tomámos foi á toa, e com cahir o padre
Rodrigo de Freitas ao m a r , entre o na-
—1'77—

• i o e b a r c a donde o tirámos meio afo-


gado, mas foi Nosso Senhor servido que
não chegasse o desastre a mais : aquel-
la noute levámos a anchora, e com um
vento g a l e r n o , aos vinte chegámos á
Bahia.
A o dia s e g u i n t e , por ser dia das
onze mil virgens, houve no collegio g r a n -
de festa da confraria das onze mil vir-
gens, que os estudantes tem a seu car-
go ; disse missa nova cantada um pa-
dre com diácono e subdiacono. Os pa-
drinhos foram o padre Luiz da Fonseca
r e i t o r , e eu com nossas capas d ' a s p e r -
ges. A missa foi officiada com boa Ca-
pella dos indios, com suas f r a u t a s , e d e
alguns cantores da s é , com o r g ã o s , e
c r a v o , e descantes ; e ella a c a b a d a , se
ordenou a procissão dos estudantes, aon-
de levámos debaixo do pallio très cabe-
ças das onze mil virgens, e a s varas le-
vavam os vereadores da cidade, e o s so-
brinhos do Sr. governador. Saiu na pro-
cissão uma náu á vella por t e r r a , mui
fermosa , toda embandeirada , cheia d e
estudantes, e dentro nella iam as onze mil
virgens ricamente vestidas , celebrando
seu triumpho : de algumas janellas fal-
—1'87—
Jaram a c i d a d e , collegio, e uns anjos
todos mui ricamente vestidos ; da náu
ae dispararam alguns tiros d ' a r c a b u z e s :
a o dia d ' a n t e s houve muitas invenções
de f o g o , na procissão houve d a n ç a s , o
outras invenções devotas e curiosas. A '
tarde se celebrou o martyrio dentro da
mesma náu, desceu uma nuvem do Ceo,
e os mesmos anjos lhe fizeram um devo-
to enterramento, a obra foi devota e ale-
g r e , concorreu toda a cidade por haver
jubilêu e prégaçào, houve muitas confis-
s õ e s , commungaram perto de quinhen-
tas pessoas; e assim enjoados como ví-
n h a m o s , confessámos toda a m a n h ã a :
Nosso Senhor seja com tudo louvado.
T r e a semanas nos detivemos na Ba-
hia por o padre visitador chegar mal
disposto d ' u m a s mordeduras de c a r r a p a -
tos (que são tamaninos como piolhos de
gallinha) dos quaes foi em Pernambuco
sangrado duas vezes, e se lhe encheu o
corpo todo de postemas. Neste tempo foi
admiti ido na companhia um sacerdote
j á homem de dias que nella tinha vivido
perto deliO annos. E havendo um anno
q u e o Padre visitador o d i l a t a v a , não
querendo aceitar sua f a z e n d a , nunca
—1'79—

quiz entrar sem fazer primeiro a doação


pública aoCollegio de Ioda a sua fazen-
d a , escravaria, terras, vuccas, e movei
que valeria tudo passante de oito mil
cruzados ; o não cjuiz aceitar ser provi-
sor e adayão da se, que o Sr. ííiápo lhe
mandou aceitasse sob pena d'exooinu-
nhão.
Aos 14 de Novembro partimos pa-
ra as partes do S u l , oito padres e q u a -
tro i r m ã o s ; em aquelia tarde e dia se-
guinte, navegámos sessenta léguas com
bom tempo, elogo nos deu tal vento pe-
la p r ô a , que as tornamos quasi todas a
desandar. E tornando Nosso Senhor con-
tinuar com sua m i s e r i c ó r d i a , nos favo-
receu de maneira que aos 21 tomámos
a capital do Espirito S a n c t o , que dista
120 léguas da B a h i a : fomos recebidos
dos padres com muita caridade, e d o S r .
administrador, que estava na nossa cer-
ca esperando o padre v i s i t a d o r , com
g r a n d e alvoroço e a l e g r i a : e logo m a n -
dou dous perus, e o s da terra m a n d a r a m
vitellas, porcos, vaccas e outras mui-
tas cousa9, conforme a possibilidade e
caridade de cada um : logo aos «25 se ce-
lebrou em casa a festa de S a n d a C a t h a -
— Co-
rina , disse missa nova um dos padres
q u e vinha de P e r n a m b u c o , filho do go-
vernador do P a r a g u a y ; o qual sendo o
único e herdeiro daquella g o v e r n a n ç a ,
f u g i u ao p a i , e entrou na Companhia :
o S r . administrador foi seu padrinho, e
fez officiar a missa pelos de sua capella,
e os Índios também a j u d a r a m com suas
f r a u t a s : toda a m a n h à a houve muitas
confissões, communhões e prégação.
E m quanto aqui estivemos foram os
nossos muito ajudados com a visita e e x -
hortações do padre visitador; fizeram
coin eile suas confissões geraes : o padre
lhes fez p r a t i c a s , e com ellas e mais
avisos espirituaes ficaram em extremo
consolados.
T e m os padres nesta capital, tres le-.
g u a s da villa, duas aldêas de Índios a
seu c a r g o , em que residem os nossos,
q u e terão tres mil almas espirituaes, afo-
r a outras aldêas que estão ao longo da
c o s t a , as quaes visitam algiimas vezes,
q u e terão algumas duas mil pessoas en-
t r e pagãos e christãos. Vespera da Con-
ceição da Senhora, por ser orago da al-
d è a mais principal, foi o padre visitador
fazer-Jhe a íesta^ os indios t a m b é m lhe

»
—1'81—
fizeram a s u a : porque duas Jeguas d a a l -
dêa em um rio mui largo efermoso (por
ser o caminho por agua) vieram alguns
indios M u r u b i x á b a , sc. principaes, com
muitos outros em vinte canoas mui bem
esquipadas , e algumas pintadas , enra-
madas e embandeiradas, com seus tam-
bores, p i f a n o s e f r a u t a s , providos de mui
fermosos arcos e frechas mui g a l a n t e s ,
e faziam a modo de guerra naval, mui-
tas silladas em o rio arrebentando pou-
cos e poucos com grande grita , e pre-
passando pela canoa do padre lhe davam
o Ereiupe, fingindo que o cercavam e
cativavam: neste tempo um menino pres-
passando em uma canoa pelo padre vi-
sitador , lhe disse em sua lingua : Pay,
marápeguàrinime nandepopeçoari/sc.
em tempo de guerra e cerco como estás
desarmado ! e meteu-lhe um arco, e fre-
chas na mão. O padre assim armado, e
elles dando seus alaridos e urros, tocan-
do seus tambores, frautas e pifanos, le-
varam o padre até a a l d ê a , com algu-
mas danças que tinham prestes. O dia
d a V irgem disse o Sr. administrador mis-
sa cantada, com sua capella, e o padre
visitador pela manhãa cedo antes da mis-
6
sa baptizou sessenta e três adultos, e m
o qual tempo houve boa musica de vo-
o f r a u t a s , e n a missa casou trinta e
seis em lei de g r a ç a , e deu a eommu-
nfrão a trinta e sete.
Por haver juhileu concorreu toda a
terra, e toda a m a n h ã a confessámos ho-
mens e mulheres p a r t u g u e z e s : houve
muitas communhões, e tudo se fez com
consolação dos moradores indios e nos-
sa. A c a b a d o a missa houve procissão so-
lemne p e l a a l d ê a , com dança dos indios
a seu modo e á p o r t u g u e z a , e alguns
mancebos honrados também festejaram
o dia dançando na procissão, e repre-
sentaram um breve dialogo e devoto so-
b r e cada palavra da A v e M a r i a , e esta
6 o b r a dizem qompoz o padre Alvaro Lo-
b o , e até aq Brazil chegam suas obras
e caridade.
E r a para vêr os povos chrislãos, e
christãas sairem de suas ócas como co-
l o n i a s , acompanhados de seus parentes
e a m i g o s , com sua bandeira diante e.
tamboril, de pois do baptismo e casamen-
tos tornarem assim acompanhados para
suas casas. E as indias quando se vestem
y-üo tão m o d e s t a s , s e r e n a s , direitas e
— 83

pasmadas, que parecem estatuas encos-


tadas a seus pagens ; e a cada passo lhe
cáem os pantufos, porque não tem de cos
tume.
Ao dia seguinte fomos a aldêa de
S. J o ã o , dahi meia légua por agua por
um rio acima mui fresco e gracioso, de
tantos bosques e arvoredos que se não
via a t e r r a , e escassamente o - C e o : os
meninos da aldêa tinham feito algumas
siladas no r i o , as quaes faziam a nado,
arrebentando de certos passos com g r a n -
de g r i l a e u r r o s , e faziam outros jogos
e festas n ' a g u a a seu modo mui gracio-
s o s , umas vezes tendo a c a n o a , outras
vezes mergulhando por b a i x o , e saindo
em terra lodos com as mãos levantadas
diziam , louvado seja Jesus : e vinham
tomar a benção do padre, os principaes
davam seu Ereiupe, prégando da vinda
do padre com grande f e r v o r : chegámos
á igreja acompanhados dos Índios, e os
meiános e mulheres com suas palmas
nas mãos, eoutros ramalhetes de flores, «j»
que tudo representava ao vivo o recebi- ^
mento do dia de Ramos. Porém neste
t e m p o ainda que os indios fazem a fes-
ta , tudo é pasmar maxime as mulheres
6 *
—1'84—

do P a y g u a ç ú . A c a b a d o o recebimento
houve outra festa de l a r a n j a d a s , e não
lhe faltam l a r a n j a s , nem outras fructas
semelhantes com que as façam. Logo co-
meçaram com suas dadivas e são tão li-
beraes que lhes parece que não fazem
nada senão dão logo quanto tem : e é
g r a n d e injuria para elles não se lhe acei-
tar , e quando o dão não dizem n a d a ,
mas pondo perus, gallinhas, leitões, pa-
pagaios, tuins reaes, &c. aos pés do pa-
dre se tornavam logo.
A o dia seguinte baptisou o padre
visitador trinta e tres a d u l t o s , e casou
na missa outros tantos em lei de g r a ç a ,
e l u d o se fez com as mesmas festas. E s -
tavam estes Índios em seu sitio mal ac-
comodados, e a igreja ía caindo: fez o
p a d r e que se mudassem a outra p a r t e ,
o que fizeram com grande consolação
sua.
H a nesta terra mais gentio para con-
verter que em nenhuma outra capitdí&ia;
deu o padre visitador ordem , com que
fossem dous padres dahi vinte eoito lé-
g u a s a p.etição dos indios, que queriam
ser christãos: espera-se grande fructo
desta missão, e que deceram logo qua-
—1'85—

tro ou cinco mil a l m a s , e ficará porta


aberta para decer grande multidão de
g e n t i o s : para o qual effeito o governador
desta terra Vasco Fernandes C o u t i n h o ^
(filho daquelle Vasco Fernandes Couti-
nho que fez as maravilhas em M a l a c a
detendo o elefante que trazia a espada
na tromba) deu grandes provisões sobre
graves penas que ninguém os fosse sal-
tear ao caminho, deu-lhe tres léguas de
terra que os Índios pediam , e perdão
geral d ' a l g u m a s mortes de brancos e ale-
vantamentos que tinhão a n t i g a m e n t e fei-
to , e quando foi ao assinar da provisão \
não na quiz l ê r , nem viu o que d i z i a ,
antes vindo-a sellar a nossa casa, disse
que tudo o que o padre visitador pozes-
se havia por bem , e que pedisse tudo
quanto quizesse em favor dos Índios, que
elle o aprovaria logo.
Os portuguezes tem muita escrava-
ria destes indios christãos: tem elles
u m a confraria dos Reis em nossa igreja,
e por ser antes do natal quizeram d a i ^
vista ao padre visitador de suas festas.
Vieram um domingo com seus alardos á
portugueza e a seu m o d o , com muitas
danças , folias , bem vestidos , e o rei e
— 36

a rainha ricamente a t a v i a d o s , com ou-


tros principaes e c o n f r a d e s da dita con-
f r a r i a : fizeram no terreiro da nossa ig re-
j a seu9 caracoes, abrindo e fechando com
g r a ç a por serem mui ligeiros, e os-ves-
tidos não carregavam muito a a l g u n s ,
p o r q u e os não tinham. O p a d r e lhe man-
dou fazer uma prégação na lingua , d e
como vinha a consola-los e trazer-lhes
p a d r e para os doutrinarem , e do gran-
d e amor com que Sua M a g e s t a d e lhos
e n c o m e n d a v a ; ficaram consolados e a n i -
m a d o s , e muito mais com os relicários
* q u e o padre deitou ao pescoço do r e i ,
r a i n h a , e outros principaes. Os portu-
guezes recehem o padre nesta terra com
t a n t a s honras e mostras d ' a m o r , que não
lia mais que pedir. O Sr. governador e
mais principaes da terra o visitaram mui-
tas v e z e s , e porque o padre lhe trazia
carta d ' E ! R e i , e aos mais da c a m a r a
©governo d a v i l l a , fizeram quanto o pa-
dre lhe pediu para bem da christanda-
d e : e n ã o contentes com as dadivas pas-
sadas, levando o padre ás suas fazendas
lhe deram muitos banquetes de muitas,
esquisitas e várias iguarias. E em um
delles, depois de sermos seis da Com-
—1'87—

panhia bem servidos, tirando a§ tõalhal


de c i m a , começou o segundo , e eátê
acabado, o terceiro, tudo com tanta or-
dem*, l i m p e z a , concerto e g a s t o , quê
nos e s p a n t a v a , e em quanto comemos
não faziam senão mandar como as 'es- -s
quipadas com varias iguarias ao p a d r ê , I
que ficaram em c a s a , e por o caminho
ser por agua e b r e v e , tudo chegava á
tempo. E s t e é o respeito que por cá sé
tem ao padre e aos mais da Companhia.
Nosso Senhor lho pague.
N a barra deste porto está u m á er-
mida de N . S e n h o r a , c h a m a d a da Pe-
na , e certo que representa a Senhora
da P e n a de C i n t r a , por estar fundada
sobre u m a altíssima rocha de grande
Vista para o mar e para a terra : a Ca-
pella é de abobada p e q u e n a , mas de
obra graciosa e bem acabada. Aqui fo-
mos em romaria dia de S. A n d r é , e to-
dos dissemos missa com muita consola-
ç ã o , e V. R . a foi bem encommendadO
á Senhora com toda essa P r o v í n c i a , o
que tainbem fazíamos em as mais ro-
marias e continuamente em nossos sa-
crifícios, e eu sou o que ganho púiâ
inuita consolação qftO t e n h o eóm tal
l e m b r a n ç a ; e pois a devo a V. R . a e
aos mais padres e irmãos dessa P r o v í n -
cia por tantas vias. E s t e dia nos aga-
salhou o Sr. governador com muita ca-
ridade.
E s t a capitania do Espirito Saníb é
rica de gado e algodões : tem seis en-
genhos de assucar e muitas madeiras
de cedros e páus de b a l s a m o , que são
arvores altíssimas; picão-se primeiro e
deitão um oleo suavíssimo de que fa-
zem rosários, e é único remedio p a r a
feridas. A villa é d e N . Senhora da Vic-
toria : terá mais de 150 visinhos, com
seu vigário. E s t á mal situada em u m a
ilha c e r c a d a , d e grandes montes e ser-
ras , e se não fora um rio muitb fermo-
so que lhe corre pelo p é , ainda fora
mais manencolisada do que é , porque
pouca mais vista terá que a do rio.
Os padres tem uma casa bem acom-
modada com sete cubículos, e u m a igre-
j a nova e capaz : a cerca é cheia de
m u i t a s l a r a n g e i r a s , limeiras d o c e s , c i -
dreiras , acajús e outras fructas da ter-
r a , com todo o genero de hortaliça de
Portugal. Vivem os nossos d ' e s m o l a s ,
e são muito bem providos, e o collegio
—1'89—

do Rio os ajuda com as cousas de Por-


tugal , como t a m b é m faz ás duas casas
de Piratininga e S . Vicente, por serem
a elle annexas e entrarem no numero /
das cincoenta para que tem dote.
D o Espirito Santo partimos para o
Rio de J a n e i r o , que d i s t a dahi oitenta 4
léguas. Dois ou tres dias tivemos bom
t e m p o , e l o g o nos deu um temporal tão
^ f o r t e / q u e foi necessário ficarmos arvo-
í re secca quasi dois dias com muito pe-
rigo, por estarmos sobre uns baixos dos
Guaitacazes mui perigosos e não muito
longe da c o s t a : alli estivemos a D e u s
misericórdia, e cada um se encommen-
dava a N . Senhora quanto podia por
vermos perto a morte. D e s t e perigo nos
livrou Deos por sua bondade : e aos 20,
vespera de S. T h o m é , arribámos ao
R i o : fomos recebidos do padre Ignacio
Tholosa , reitor , e mais padres , e do
Sr. g o v e r n a d o r , que manco de um p é
com os principaes da terra veio logo á
praia com muita alegria, e os da forta-
leza também a mostraram com a salva
de sua artilharia. N e s t e collegio tive-
mos o N a t a l com um presepio muito
d e v o t o , que fazia esquecer os de Por-
— yo —

tugal. T a m b é m cá N . Senhor dá as
mesmas consolações, e aventajadas. O
irmão Bernabé Telo fez a l a p a , e ás
noites nos alegrava com seu birimbáu.
Trouxemos no navio uma relíquia
do glorioso Sebastião, engastada em
um braço de prata. Esta ficou no na-
vio para a festejarem os moradores e
estudantes como d e s e j a v a m , por ser
esta cidade do seu n o m e , e ser elle o
padroeiro e protector. U m a das oitavas
á tarde se fez uma celebre festa. O Sr.
governador com os mais portuguezes
fizeram um lustroso alardo de arcabu-
z a r i a , e assim juntos com seus tambo-
res, pifaros e bandeiras foram á p r a i a :
o padre visitador com o mesmo gover-
nador e os principaes da terra e a í g u n s
padres nos embarcámos n'uma grande
barca bem embandeirada e enramada :
nelfa se armou nm altar e alcatifou a
toJda com um pallio por cima ; acudi-
ram algumas virrte canoas bem esqui-
padas, algumas delias pintadas, outras
empennadas , e os remos de varias co-
res. E n t r e eflas vinha Marfim Aflónsa,
commendador de C h r i s t o , indio antigo
A b a e t é e moçacára , sc. grande cavai-
— 1)1 —

Jeiro e v a l e n t e , que ajudou muito os


poríuguezes na tomada deste Kio. H o u -
v e no mar g r a n d e festa de e s c a r a m u ç a
n a v a l , t a m b o r e s , pífaros e f r a u t a s ,
com g r a n d e g r i t a dos indios; e os por-
íuguezes da terra com sua a r c a b u z a r i a
e também os da fortaleza dispararam
a l g u m a s peças d'artilharia grossa : com
esta festa andámos barlaventeando um
pouco á vella , e a santa relíquia ia no
altar dentro de uma rica c b a r o l a , com
g r a n d e a p p a r a t o de vellas accesas, mu-
sica de canto d ' o r g ã o , etc. D e s e m b a r -
cando viemos em procissão até á mise-
r i c ó r d i a , que está junto da p r a i a , com
a relíquia debaixo do paUio^ as varas
levaram os d a c a m a r a , c^Bidífos princi-
p a e s , antigos, e conquistadores daquel-
la terra. Eslava um theatro á porta da
misericórdia com uma tolda de uma vel-
la , e a santa relíquia se poz sobre um
rico altar em quanto se representou um
devoto dialogo do martyrio do santo ,S
com choros e várias figuras muito ri-
c a m e n t e v e s t i d a s ; e fui asseteado um
moço atado a um p á u : causou este es-
pectáculo muitas lagrimas de devoção
e alegria a toda a cidade p o r *epresen-
—1'92—

Lar muito ao vivo o martírio do sancto,


nem faltou mulher que viesse á f e s t a ;
por onde acabado o dialogo, por a nos-
sa igreja ser pequena lhe préguei no
mesmo theatro dos milagres e m e r c ê s ,
q u e tinham recebido deste glorioso m á r -
tir na tomada deste Rio, a qual acaba-
da deu o padre visitador a beijar a re-
líquia a todo o povo e depois continuá-
mos com a procissão e d a n ç a a t é nossa
igreja ; era para vêr u m a d a n ç a de me-
ninos indios, o mais velho seria de oito
annos, todos nuzinhos, pintados de certas
cores aprazíveis com seus cascavéis nos
p é s , e braços , pernas , cinta , e cabe-
ç a s , com varias invenções de diademas
de penas, colares e b r a c e l e t e s ; p a r e c e -
m e que se os viram nesse reino, que an-
daram todo o dia atraz elles : foi a mais
aprasivel d a n ç a que destes meninos cá
v i ; chegados á igreja foi a sancta relí-
quia collocada no sacrario para consola-
ção dos moradores que assim o pediram.
T e m os padres duas aldêas de in-
d i o s , u m a delias de S. L o u r e n ç o , u m a
légua da cidade por m a r , e a outra de
S. B a r n a b é , 7 léguas também por m a r ,
terão a m b a s tres mil indios cbristãos.
Foi o padre visitador á d e S . L o u r e n ç o ,
aonde residem os padres, e dia dos Reis
lhe disse missa cantada oficiada pelos Ín-
dios em canto d'orgão com suas írautas :
casou alguns em lei da g r a ç a , e deu a
communhão a outros poucos. Eu bapti-
zei dois adultos s o m e n t e , por os mais
serem todos chrislãos.
E s t a capitania do Rio dista da E q u i -
nocial 23 graus para o sul , e da Bahia
130 l é g u a s , é muito s a d i a , de muitos
bons ares e a g u a s : no verão tem boas
calmas algumas vezes, e no inverno mui
bons f r i o s ; mas em geral é t e m p e r a d a :
o inverno se parece com a primavera
de P o r t u g a l , tem uns dias fermosissimos
tão aprazíveis e salutiferos que parece
estão os corpos bebendo v i d a : é terra
mui fragosa e muito mais que a Serra
da E s t r e l l a ; tudo são serranias e roche-
dos espantosos , e tem alguns penedos
tão altos que com tres tiros de f r e c h a
não chega um homem ao chão e ficam
todas as frechas pregadas na pedra por
causa da g r a n d e a l t u r a ; desta serra des-
cem muitos rios caudaes que de quatro
e s e t e léguas se vê alvejar por a n t r e ma-
tos que se vão ás n u v e n s , e do pé de
—1'94—
algumas destas serras até riba ha uma
grande j o r n a d a ; são todas estas serras
cheias de muitas e grandes madeiras de
cedros de que se fazem canoas tão lar-
gas de um só p á u , que cabe uma pipa
a t r a v e s s a d a ; e de comprimento que. le-
vam d e z , doze remeiros por banda e
carregam cem quintaes de qualquer cou-
sa, e outras muito mais. H a muitos páus
de sandalos brancos, aquila e n o r m u s -
cada eoutros páus reaes muito para vêr.
Agora se descubriu um páu que tinge
,,de amarello, como o brazil v e r m e l h o ;
é pau de preço: é abundante de gados,
porcos e outras criações; dão-se nella.
marmellos, figos, romeiras, e também
trigo se o semeam ; a um grão respon-
dem 800 e m a i s , e cada grão dá to e
sessenta espigas dos quaes umas estão
maduras, outras verdes, outras nascem ;
também se dão rosas, cravos vermelhos,
cebolas cecem , arvores d ' e s p i n h o , lo-
do o genero d'hortaliça de Portugal, aa
canas também se dão bem , e tem ires
engçphos de assucar, emfim é terra mui
farta.
A cidade e s t á s i t u a d a em um mon-
te d e boa vista para o m a r , e dentro da
— —

b a r r a tem u m a bahia q u e bem parece


que a pintou o supremo pintor e archi-
lecto do mundo Deus nosso S e n h o r , e
assim é cousa fermosissima e a mais
aprasivel que ha em todo o B r a z i l , nem
lhe chega a vista do Mondego e T e j o ; é tão
capuz que terá 20 léguas em roda cheia
peio meio de muitas ilhaÉ frescas de g r a n -
des arvoredos, e não impedem a vista
u m a s ás outras que é o que lhe dá gra-
ça ; tem a barra meia légua da cidade,
e no meio delia uma lagea de sessenta
braças de comprido, e bem larga que a
divide pelo meio, e por ambas as partes
tem canal bastante para náus da í n d i a ;
nesta lagea manda El-Rei fazer a forta-
leza, e ficará cousa inexpugnável, nem
se lhe poderá esconder um barco, a ci-
dade tem lõOvisinhos com seu vigário,.,
e m u i t a escravaria da terra.
< >s padres tem aqui o melhor sitio
da c i d a d e ; tem grande vista com toda
esta enseada defronte dasjanellas : tem
começado o edifício n o v o , e tem j á 13
cubículos de pedra e cal que não dão
vantagem aos de C o i m b r a , antes lha
levam na boa v i s t a ; são forrados de ce-
dro ; a igreja é p e q u e n a , de taipa ve-
—1'96—
l h a ; agora se começa a nova de pedra
e cal, todavia tem bons ornamentos com
u m a custodia de prata dourada para as
endoenças , uma c a b e ç a das onze mil
v i r g e n s , o braço de S. Sebastião com
outras r e l í q u i a s , uma imagem da Se-
nhora de S. L u c a s . A cerca é cousa
f e r m o s a ; tem rriuitas mais laranjeiras
que as duas cercas d ' E v o r a , com um
t a n q u e e f o n t e ; mas não se bebe delia
por a agua ser s a l o b r a ; muitos marme-
l e i r o s , r o m e i r a s , l i m e i r a s , limoeiros e
outras fructas da terra. T a m b é m tem
u m a vinha que dá boas u v a s , os me-
lões se dão no refeitorio quasi meio an-
no, e são finos : nem faltam couves mer-
cianas bem duras, alfaces, rabãos e ou-
tros generos d'hortaliça de Portugal em
abundancia : o refeitorio é bem provido
do necessário; a vacca na bondade e
gordura se parece com a d ' E n t r e - D o u r o
e M i n h o ; o pescado é vario e m u i t o ,
e são p a r a vêr as pescarias da sexta fei-
r a , e quando se compra vai o arratel a
q u a t r o réis, e se é peixe sem escama a
real e m e i o , e com um tostão se f a r t a
toda a casa, e residem nella de ordiná-
rio S8 padres e irmãos afora a g e n t e ,
q u e é m u i t a , e p a r a todos ha. D u v i d a -
va eu qual era melhor provido, se o re-
feitório de C o i m b r a se e s t e , e não m e
sei d e t e r m i n a r : quanto ao espiritual se
p a r e c e na observancia, bom concerto e
ordem com qualquer dos bem ordena-
dos de Portugal : e estes padres velhos
são a m e s m a edificação e desprezo do*
m u n d o , e esta fruita colheram cá p o r ,
estes matos sem pratica nem conferen-^j
cias, e são um espelho de toda a v i r l u - *
d e , e muito temos os que de lá viemos
para a n d a r , se havemos de chegar a
t a n t a perfeição da solida e verdadeira
virtude da C o m p a n h i a .
N a s oitavas do Natal ouvio o p a d r e
visitador as confissões g e r a e s , e reno-
varam-se os votos dia de J e s u s , e a q u e l -
le dia préguei em nossa igreja, houve
muitas confissões e communhões por cau-
sa da festa e j u b i l e u . Por se irem aca-
bando as monções dos nordestes quiz o
P a d r e visitar primeiro a casa de S. Vi-
cente e P i r a t i n i n g a . p a r a na volta estar
n ' e s t e collegio de v a g a r : daqui partimos
depois dos Reis para S. Vicente que dei-
ta daqui 40 léguas, e é a derradeira ca-
pitania : fizemos o caminho á vista de
7
—1'98—

terra , e toda é cheia de ilhas mui fer-


mosas, cheias de passaros e pescado.
Chegámos em seis dias por termos sem-
pre calmarias á b a r r a do R i o , nomea-
do da Buriquioca, sc. cova dos bogios,
e por o nome corrupto Bertioga, aonde
está a nomeada fortaleza para que an-
t i g a m e n t e d e g r a d a v a m os m a l f e i t o r e s :
a fortaleza é cousa f e r m o s a , parece-se
*.ao longe com a de B e l e m , e tem ou-
* tra mais pequena d e f r o n t e , e ambas se
a j u d a v a m u m a á outra no tempo das
g u e r r a s . D a q u i á villa de Santos são
q u a t r o l é g u a s : sabendo o padre Pedro
Soares superior daquella casa veio pelo
rio duas léguas com outro p a d r e , e che-
gou á villa j á de n o i t e : o capitão com
os principaes da terra estavam esperan-
do o padre visitador na praia e o leva-
ram até á igreja matriz por não haver
alli o u t r a , a qual tinham bem allumia-
d a , concertada e e n r a m a d a , e dahi o
levaram a c a s a ; depois m a n d a r a m a cêa
do diversas aves com muitos doces. Ao
dia seguinte depois de j a n t a r partimos
para S. V i c e n t e , e c a m i n h a n d o t r e s l é -
guas por um grande e f e r m o s o rio cheio
i'ie uns passaras vermelhos que c h a m a m
— 91) —

G u a r á , dos formosos desta terra , os


quaes são como pegas: os bicos são de um
bom palmo, e na p ç n t a revoltos, e tem
mui compridas pernas: nascem estes paa-
saros pretos, depois se fazem pardos, de-
pois brancos , q u a r t o loco ficam de um
encarnado g r a c i o s o , quinto loco ficam
vermelhos mais que g r ã a , e nesta fer-
mosissima cor p e r m a n e c e m . Vivem j u n -
to d ' a g u a salgada e n e l l a se criam e sus-
t e n t a m . Chegámos de noite á casa do
S. Vicente, fomos recebidos dos padres >
o mais da terra com grande.cavidade.
D i a do rnaríjT S e b a s t i ã o , que também
era domingo do S a c r a m e n t o e havia fes-
ta na matriz lhe p r é g u e i : concorreu to-
da a terra a o u v i r o companheiro do vi-fc
s i t a d o r , e p a d r e r e i n o l : houve muitas
confissões e communhões assim na nos-
sa casa como na matriz.
D e s e j a r a m os padres de P i r a t i n i n -
ga que o padre visitador se achasse na-
quella casa aos 25 de J a n e i r o , dia da
conversão de S. Paulo, por ser o r a g o d a
nossa i g r e j a : partimos uma s e g u n d a f e i -
ra, e caminhámos duas léguas por a g u a , .
e uma por terra, e fomos dormir em um
t è i j u p a b a ao pé de u m a serra ao longo
—1'100—

de um fermoso rio de a g u a doce que des-


cia com g r a n d e Ímpeto de u m a serra tão
a l t a , que ao dia s e g u i n t e caminhámos
até ao meio dia, chegando ao cume bem
cançados : o caminho é tão í n g r e m e ,
que ás vezes íamos pegando com as mãos.
C h e g a n d o ao Paraná piacaba sc. lu-
g a r donde se vô o m a r , descubrimos
o m a r largo quanto podíamos alcançar
com a v i s t a , e u m a enseada d e m a n g a e s
e braços de rios de comprimento de oi-
to léguas, e duas e tres de largo, cousa
muito para vêr ; e parecia um panno de
a r m a r : em toda esta terra enche a
m a r é e ficando vasía fica cheia de os-
tras , caranguejos , mexilhões , brigui-
, g õ e s e outras castas de mariscos : aquel-
le dia fomos dormir j u n t o a um rio de
a g u a d o c e , e todo caminho é cheio de
tijucos, o peor que nunca vi, e s e m p r e
íamos subindo e descendo serras altís-
simas, e passando rios caudaes de a g u a
frigidissima. A o 3.° dia navegámos to-
do o dia por um rio de a g u a doce, dei-
tados em u m a canoa de casca de arvo-
re em a qual alem do fato iam a t é $20
pessoas : íamos voando a remos, e da bor-
da da canoa até á a g u a havia meio pai-
— 101 —

mo e ainda que não havia perigo de dar-


mos á cosl%não faltava um não peque-
no , que era dar nos paus e ás vezes
dando a canoa com g r a n d e impeto fica-
va atravessada. E r a necessário g u a r d a r
rosto a olhos ; porem a navegação é gra-
ciosa por o ser a e m b a r c a ç ã o , e o rio mui
alegre, cheio de muitas flores e f r u c t a s ,
de que iamos t o c a n d o , q u a n d o a gran-
de corrente nos deixava : chegando a
peaçaba : sc. lugar onde se desembar-
c a m , demos logo em uns campos cheios
de mentrastos. Aquella noite nos aga-
salhou um devoto , com galinhas , lei-
tões , m u i t a s u v a s , figos de P o r t u g a l ,
c a m a r i n h a s b r a n c a s e pretas e u m a s
f r u c t a s amarellas de feição e tamanho
de cerejas, mas não tem os pés compri-
dos. A o dia seguinte vieram os princi-
paes da villa tres léguas receber o pa-
dre : todo o caminho foram e s c a r a m u -
çando e correndo seus g i n e t e s , que os
têem b o n s , e os campos são fermosis-
s i m o s , e assim acompanhados com al-
g u n s 20 de cavallo, e nós lambem a Ca-
vallo chegámos a uma cruz, que está si-
tuada sobre a villa, adonde estava pres-
tes um altar debaixo de u m a fresca ra-
—1'102—

m a d a , e iodo mais caminho leito um


jardim d é r a m o s : dali i levojj o padre vi-
sitador u m a cruz de prata doirada com
o sancto lenho e outras r e l í q u i a s , que
iÇb padre deu áquella c a s a ; e eu levava
urna g r a n d e relíquia dos sanctos T h e -
banos : fomos em procissão a t é á igre-
j a com u m a dança d e homens de espa-
das , e outra dos meninos da e s c o l a ;
todos iam dizendo seus ditos ás sane-
tas r e l í q u i a s ; chegando á igreja dêmos a
beijar as relíquias ao povo. A o dia se-
g u i n t e disse o padre visitador missa com
diácono e subdiacono, ciliciada em can-
to d'orgão pelos mancebos da terra. H o u -
ve jubileu plenário, confessou-se e c o m -
mungou m u i t a g e n t e : préguei-lhe da
conversão do Apostolo. E cm tudo se viu
g r a n d e alegria e consolação no povo, e
muito mais dos nossos, que com g r a n -
de amor, no meio d'aquelle sertão e ca-
bo do mundo, nos receberam e agasalha-
r a m com extraordinaria alegria e cari-
dade.
E m P i r a t í n i n g a esteve o padre visi-
tador quasi todo o mez de F e v e r e i r o ,
consolando e animando os nossos : ouviu
as confissões geraes ; foi visitado dos
— 1U3 —

principaes da t e r r a , muitas vezes foi a


u n a aldêa de Nossa Senhora dos P i -
nheiros da Conceição. O s i n d i o s o rece-
beram com m u i t a festa como o costu-
mam, mandando de sua pobreza. T a m -
bém foi a outra aldêa dahi duas l é g u a s :
parte do caminho fomos n a v e g a n d o por
u í s campos, por ter o rio espraiado mui-
to, e á s vezes ficavamos em secco. Nes-
ta aldôa baptizou o p a d r e trinta adultos
e casou em lei da g r a ç a outros tantos :
ro fim de Fevereiro se partiu para s í t
Yicente, aonde esteve quasi todo o mez '
èe M a r ç o , e eu fiquei em P i r a t i n i n g a
até ao segundo domingo da q u a r e s m a ,
p egando e confessando, e quando par-
ti para S. Vicente eram tantas as lagri-
mas das mulheres e h o m e n s , que me
ccnfundiam: m a n d a r a m - m e g a l l i n h a s pa-
ra a matalolagem , caixas de marmela-
da, e outras c o u s a s ; acompanhando-me
a h u n s de cavallo ás tres léguas até o
rio, e deram cavalgaduras para os com-
paiheiros. Nosso Senhor lhe p a g u e tan-
ta taridade e amor.
P i r a t i n i n g a é v i l l a da invocação da
corrersão d e S . P a u l o : está d o m a r pe-
lo so-tão dentro doze l é g u a s ; é teria
—1'104—

muito s a d i a , lia nella grandes frios e


o-eadas c b o a s calmas, é cheia de velhos
mais que centanarios porque em quatro
juntos e vivos se acharam quinhentos
annos. Vestem-se de b u r e l , e pel lotes
pardos e a z u e s , d e p e r t i n a s compridas,
como a n t i g a m e n t e se vestiam. Vão aos
domingos á igreja com roupões ou ber-
neos de cacheira sem capa. A villa está
situada em bom s i t i o , ao longo de mi
'"" rio c a u d a l ; terá cento e vinte visinhos,
5/com m u i t a escravaria da terra, não te 11
*cura nem outros sacerdotes senão os di
C o m p a n h i a , a o s q u a e s tem g r a n d e ama-
e respeito, e por nenhum modo q u e r e n
aceitar c u r a : os padres os c á z a m , b a j -
t i z a m , lhe dizem as missas c a n t a d a s , fi-
zem as procissões, e ministram todos 3S
s a c r a m e n t o s , e tudo por sua caridade:
não tem outra igreja na villa senão a
nossa. Os moradores sustentam seis ju
sete dos nossos, com suas esmollas c»m
g r a n d e abundancia : é terra de g r a m e s
campos e muito semelhante ao sitio d E -
vora, na boa g r a ç a , e campinas, que ra-
zem cheias d e v a c c a s , que é fermo/ura
d e vêr. T e m muitas vinhas e f a z e n vi-
n h o , e o bebem antes de ferver d3 to-
—1'114—

do : n u n c a vi em Portugal (antas uvas


juntas, como vi nestas vinhas : (em gran-
des figueiras de toda sorte de figos, ber-
j a ç o t e s , bebaras , e outras castas , mui-
tos marmeleiros que dão q u a t r o cama-
das , u m a apoz o u t r a , e h a homem que
colhe doze mil marmelos, de que fazem
muitas marmelladas : tem muitas rozas
de A l e x a n d r i a , e porque não tem das
outras r o z a s , das de Alexandria fazem
assucar rosado para mezinha, e das mes-
mas cozidas deitando-lhe a primeira a g u a
fóra, fazem assucar rosado p a r a comer,
e f i c a soffrivel: dá-se trigo e cevada nos
campos : um homem semeou u m a quar-
ta de cevada e colheu sessenta alquei-
res : é (erra fertilissima,, muito abasta-
da ; quem tem sal é rico, porque as cria-
ções não faltam ; tem grande falta de ves-
tido, porque não vão os navios a S . Vi-5?'
cente , senão tarde e poucos : ha mui-
tos p i n h e i r o s , as pinhas são m a i o r e s ,
nem tão bicudas como as de P o r t u g a l :
e os pinhões são t a m b é m maiores, mas
muito mais leves e sadios, sem nenhum
extremo de q u e n t u r a e f r i a l d a d e , e é
tanta a abundancia que grande parle
dos índios do sertão se sustentam com
—1'106—

p i n h õ e s : dain-se pelos maios amoras de


silva, pretas e b r a n c a s , e pelos campos,
b r e d o s , b e l d r o e g a s , almeirões bravos e
m e n t r a s t o s , nãofallo nos f e i o s , que são
muitos, e de altura de u m a lança se os
deixam crescer. Em fim esta terra pa-
rece um novo P o r t u g a l .
Os padres tem uma casa bem aco-
m o d a d a , com um corredor e oito cubí-
culos de taipa, g u a r n e c i d a d e c e r t o bar-
ro branco, e oílicinas bem a c o m o d a d a s . ^
U m a cerca g r a n d e com muitos marmel-
los, figos, larangeiras, e outras arvores
d ' e s p i n h o , r o s e i r a s , cravos vermelhos,
cebollas , cecem , ervilhas , borrages , e
outros legumes da terra e de Portugal.
A igreja é p e q u e n a , tem bons ornamen-
t o s , e fica muito rica com o saneio le-
n h o , e outras relíquias que lhe deu o
p a d r e visitador.
O padre em S. Vicente visitou os
p a d r e s , consolando muito a todos, e foi
dahi dez léguas pela praia a u m a Nos-
sa Senhora da C o n c e i ç ã o , que está na
villa de Itanhaem : lambem visitou o
forte que deixou Diogo Flores com cem
soldados, e do alcaide e capitão foi vi-
sitado muitas vezes, e l h e concedeu um
—1'107—

p a d r e que os fosse confessar por ser qua-


resma.
S. Vicente é capitania : tem q u a t r o
villas, a primeira é S. V i c e n t e , villa
de Nossa Senhora da A s s u m p ç ã o ; está
situada em lugar baixo, manencolizado
e s o t u r n o : em u m a ilha de duas léguas
de comprido. E s t a foi a primeira villa e
povoação de porluguezes que houve no
B r a z i l ; foi r i c a , agora é pobre por se
lhe fechar o porto de m a r e barra anti-
g a , por onde entrou com sua frota M a r -
tim AfTonso de S o u z a ; e também por es-
tarem as terras g a s t a d a s , e faltarem Ín-
dios que as cultivem, se vai despovoan-
do : terá oitenta visinhos, com seu vi-
gário. A q u i tem os padres u m a casa on-
de residem de ordinário seis da Com-
panhia : o sitio é mal assombrado, sem
v i s t a , ainda que muito s a d i o : tem boa
cerca com varias fruclas de P o r t u g a l e
da t e r r a , e u m a fon-íe de mui boa a g u a .
E s t ã o c o m o h e r e m i t a s , por toda a s e m a -
na não haver g e n t e , e aos domingos pou-
ca. A segunda é a villa de S a n t o s , si-
tuada na mesma i l h a , é perto de m a r ;
tem duas b a r r a s , na principal está o for-
t e que deixou Diogo F l o r e s , e a outra
—1'108—

é a b a r r a da B e r t i o g a , q u e dista d e s t a
villa q u a t r o l é g u a s por um rio tão fer-
mozo, q u e podem n a v e g a r navios de al- |
lo b o r d o : lerá a villa d e Santos o i t e n t a
vizinhos, com seu vigário. A t e r c e i r a é a
villa de JNossa Senhora do I t a n h a e m ,
q u e é a d e r r a d e i r a povoação d a costa, q u e
t e r á cincoenla vizinhos, não tem vigário.
O s p a d r e s os vizitam , consolam e a j u -
dam no q u e p o d e m , m i n i s t r a n d o - l h e os
s a c r a m e n t o s por sua c a r i d a d e . A q u a r -
ta é a villa de P i r a t i n i n g a , q u e e s t á do-
ze l é g u a s pelo s e r t ã o a d e n t r o , t e r á c e n -
to e vinte vizinhos ou mais.
N o fim de M a r ç o j a despedidos de
j; S. V i c e n t e , viemos p a r a S a n t o s , aonde
nos e s p e r a v a j á o nosso navio a p a r e l h a -
do : p r é g u e i n a m a t r i z dia de Nossa Se-
n h o r a d a A n u n c i a ç ã o : houve m u i t a s
confissões e c o m m u n h õ e s : os d e s t a vil-
la pediram ao p a d r e lhes m u d a s s e a ca-
sa de S. V i c e n t e p a r a alli, o que o pa-
d r e lhe c o n c e d e u : logo d e r a m um sitio
bom ao longo do m a r , e a c a d ê a publi-
c a , e u m a s casas n o v a s , q u e t u d o va-
l e r a cem c r u z a d o s , e c o m e ç a m o edifí-
cio com suas esmollas.
D e Santos partimos a c o m p a n h a n d o -
1
— 10Í) —

nos o c a p i t ã o , o qual nunca se a p a r t a -


va do padre visitador servindo-o com
tanto respeito e amor que me espanta-
! v a ; estivemos dous ou três dias na bar-
ra d a B e r l i o g a , esperando tempo, servi-
dos de muitos e vários peixes : chegámos
ao Rio de J a n e i r o sabbado de dominica
iíi passione, a donde tivemos a s e n d o e n -
ç a s ; préguei o m a n d a t o , e outro padre
a p a i x ã o : fez-se u m s e p u l c b r o devoto e
bem a c a b a d o , com m u i t a cera branca.
T e n d o o p a d r e visitado o collegio
do R i o , e assentado de invernar alli
aquelle a n n o , recebeu cartas de como
N . p a d r e gerai m a n d a v a doze a esla
província, e q u e estavam para partir de
L i s b o a ; p a r a os agasalhar e r e c e b e r , se
partiu para a Bahia com seus compa-
nheiros , padre provincial, p a d r e I g n a -
cio T o l o s a , e alguns irmãos ; gastamos
na viagem trinta e d o u s dias, equiz-nos
Nosso Senhor mortificar, e d a r a enten-
der quam trabalhosa era a navegação
desta c o s t a , porque até então todas as
viagens que o padre visitador fez foram
mui bem assombradas e m a r b o n a n ç a ,
mas esta como era a derradeira, foi tal
tão contrários os ventos e taes as tem-
—1'110—

p e s t a d e s , que vindo embocar na Bahia


e estando á vista de terra, nos deu tão
forte t e m p o , que estivemos p e r d i d o s ;
u m a noite com o navio meio alagado, e
o t r a q u e t e desaparelhado, e nós confes-
sados, nos aparelhamos para m o r r e r , e
s e d a q u e l l a fossemos, l a h i a a m a i o r par-
te da província , não em numero , mas
em qualidade. E u não no havia por mer-
cê, porque j á me offerecia que me dei-
tassem ás ondas como Jonas , mas que-
ria a c a b a r j u n t a m e n t e com os padres vi-
s i t a d o r , provincial, Ignacio T o l o s a , e
outros irmãos de boas habilidades e vir-
t u d e , para ajudarem esta provincia : cer-
t a m e n t e que isto me desconsolava. Po-
rém foi Nosso Senhor servido consolar
esta provincia com denovo lhe conceder
os sobreditos. Chegados á Bahia nos
achámos sem os padres, que não foi pe-
q u e n a mortificação, e eu em extremo
me consolei com saber que o padre Lou-
renço Cardim com tanto animo a c a b a r a
p o r o b r a em tão gloriosaempreza : tive-
lhe g r a n d e enveja , pois vai diante de
m i m , e e m tudo sempre me levou a van-
tagem.
Chegados á Bahia mandou o p a d r e
— 111 —

visitador recado ao p a d r e L u i z d a G r a ã
q u e viesse a e s t e c o l l e g i o , e foi o re-
cado em tão boa c o n j u n ç ã o , q u e aos 13
de o u t u b r o chegou aqui. O p a d r e visi-
tador coin os mais p a d r e s , q u e para es-
se fim aqui a j u n t o u , estão d a n d o r e m a -
te e ultima resolução a visita e n e g o c i o s
d e s t a província.
Isto é o q u e se m e offereceu da nos-
sa viagem e m i s s ã o , p a r a d a r conta a
vossa R e v e r e n d í s s i m a . R e s t a pedir os
santos sacrifícios c o r a ç õ e s dos mais p a -
dres e irmãos dessa província.' D e s t e col-
legio da B a h i a a Ifi de O u t u b r o de 85.

PROSEGÜE:

C o n t i n u a r e i n e s t a o q u e succedeu
depois da visita q u e escrevia a vossa re-
verencia em 16 de Outubro de 8 5 , q u e
foi o s e g u i n t e . T a n t o q u e o p a d r e visi-
tador leve aqui na B a h i a j u n t o s os rei-
tores dos collegios, e o u t r o s padres pro-
f e s s o s , e a n t i g o s , a t t e n d e u d a r a ulti-
m a mão d visita desta p r o v í n c i a , em a
qual ordenou cousas muilo necessarias
ao bom meneio dos collegios e residên-
c i a s , aldêas dos índios, missoês, assen-
—1'112—

tando algumas cousas ; a da visita para


todos poderem observar com g r a n d e glo-
ria divina, bom procedimento da Com-
panhia , e bem da c o n v e r s ã o , a obser-
vância religiosa a mandou a nosso pa-
dre g e r a l , e lhe veio toda a p r o v a d a ,
sem lhe tirar cousa a l g u m a , e assim se
p r a t i c a a t é agora com notável f r u c t o ;
e ainda qüe depois se ventilaram sobre
ella algumas dúvidas, sempre nosso pa-
dre a sustentou , avizando a todos por
suas cartas s e c r e t a m e n t e , que se g u a r -
dasse assim como e s l a v a , o que se faz
com boa satisfação, e assim mesmo apro-
vou outra visita particular do collegio
d a Bahia , de que se não seguiu menos
fructo.
Depois disto teve o padre visitador
carta de nosso p a d r e geral, em que lhe
dizia que havia de ir para P o r t u g a l , e
eu havia de ser companheiro do padre
provincial, M a r ç a l B e l l i a r l e ; porém se
não partisse p a r a esse reino a t é a che-
g a d a do padre M a r ç a l Belliarte, dahi a
u m mez, ou pouco mais, recebeu outra
do nosso padre, pela qual lhe ordenava
que me encarregasse deste collegio da
Bahia. Veja vossa Reverendíssima qual
—1'113—

eu ficarei coin um pezo tão sobre minhas


forças, mas suprirão, como espero da ca-
ridade de vossa Reverendíssima , seus
santos sacrifícios, em que muito me en-
comendo , etc.
Algumas cousas fez o padre dig nas
de m e m ó r i a , e muito aceitas aos deste
collegio : a primeira foi um poço de no-
venta palmos de alto, e sessenta em ro-
d a , todo empedrado , de boa agua , que
deu muito alivio a este collegio, que
por estar em um monte alto, carecia de
^agua s u f i c i e n t e para asofficinas ; e tam-
bém fez um eirado sobre columnas de
p e d r a , aberto por todas as partes , e fi-
ca eminente ao m a r , e vãos que estão
no porto que servem de repousos : e é
toda a recreação deste collegio; porque
delle vêem entrar as n á u s , descobrem
boa parte do m a r l a r g o , e ficamos se-
nhores de todo este r e c o n c a v o , que é
uma excellente , aprazível e desabafa-
da v i s t a : fez uma q u i n t a , e nella umas
casas com capella , refeitório , cozinha,
uma salla com suas varandas, e u m fcr-
moso terreiro com uma fonte que lança
mais de uma manilha de agua , muito
sadia para b e b e r , mandou plantar ar-
8
— 1'114 —

vores de espinho e outras fructas , que


tudo faz unia boa q u i n t a , que se pode
comparar com as boas de Portugal.
Como o m a r andava infestado de
francezes e inglezes se deteve o padre
M a r ç a l Belliarte com seus companhei-
ros nessa p r o v i n c i a , até 7 de Maio de
07 , em que chegaram a P e r n a m b u c o ,
aonde se detiveram até de J a n e i r o de
Í38 , que entraram nesta B a h i a , e foram
recebidos dos nossos, com consolação e
alegria, principalmente do padre visita-
dor, que desejava descarrregar-se do tra-
balho que exercitava havia tanto tem-
po ; porem succedeu ao c o n t r a r i o , por-
q u e o padre Marçal Belliarte lhe deu
u m a carta de nosso padre geral, em a qual
lhe mandava que lhe desse companhei-
ros e consultores , e fizesse reitores dos
collegios o superiores nas r e s i d e n c i a s ,
e depois de bem informado o padre pro-
vincial, havendo bons commodos de em-
b a r c a ç ã o , se partisse para esse r e i n o :
logo succedeu não haver embarcações
commodas no porto, e foi necessário es-
p e r a r uma náu bem artilhada de um
A n d r é N u n e s , visinho do P o r t o : deter-
minando o padre de nella se p a r t i r , fo-
—1'124—
ram tantas as novas que correram dos
muitos inglezes e francezes que coalha-
vam o m a r , e da armada do Sr. D . An-
tonio, que poz em consideração a parti-
da ; e como o padre aqui não tinha su-
p e r i o r , me mandou que a tratasse com
todos os padres deste collegio, osquaes
por escripto deram seus pareceres e ain-
da que a maior parle se inclinava a n ã o
se partir pelas rasões a p o n t a d a s , toda-
via como a náu era b o a , com parecer
do Bispo e outros Srs. desta cidade se
fez ávella no principio de Março de 89,
e andando no mar ;íou 4 dias sem se po-
derem emmarar mais que 18 até <?0 lé-
guas, foi tão grande a tormenta e tem-
pestade d e s f e i t a , que tomou a náu de
luva e abriu uma agua tão grande, que
se viram de todo perdidos e tornaram a
arribar a esta Babia: os padres, o £r. Bis-
po e outras pessoas de conta acabaram
com elle que se não fosse por e n t ã o , e
assim esteve neste collegio com muita
consolação nossa, até ?>o de Maio em
que se partiu para Pernambuco em uma
náu do Porto sem artilharia.
"Em Pernambuco esteve até á vea-
p e r a cie S. Pedro e S. P a u l o , e toma-
8 *
—1'116—

dos os pareceres do padre Luiz da G r ã a ,


reitor e mais padres p o r e s c r i p t o , se
e m b a r c o u , dizendo ao padre Luiz da
G r ã a que lhe parecia havia de ser to-
mado dos francezes; o que ouvindo o
padre Luiz da Grãa , pela efficacia com
que o padre lho disse, lhe tornou a rogar
com outros padres que se não partisse :
respondeu-lhe o padre que já sua Reve-
rencia com os m a i s , tinham assentado,
e elle acceitado aquella obediencia co-
mo da mão de D e o s , e que já estava
offerecido a tudo o que Deos delle or-
denasse , etc. e assim embarcando-se
vespera de S. Pedro e S. Paulo, ao seu
dia, com o terral da manhãa se fizeram
á vella para esse reino: tiveram sempre
prospera viagem até á altura de Por-
tugal , em que foram tomados uma ma-
nhãa de um brelote f r a n c e z , sem ha-
ver resistencia, por a náu ser desarmada
sem nenhuma defensa : a (> de Setembro.
E posto que vossa Reverencia lá te-
rá plena informação dos particulares que
nella aconteceram, não deixarei de apon-
tar alguns mais principaes, assim como
mos relatou o mesmo padre por sua car-
t a , e o padre Francisco Soares seu com-
—1'117—

panheiro. T a n t o que a náu foi entrada


de sete ou oito francezes, o padre se foi
ao capitão e l h e disse, que lhe daria al-
g u m a s cousas que trazia no seu escrip-
torio, que lhe pedia por mercê que lhe
deixasse alguns papeis que nelle tinha,
pois lhe não serviam ; foi com isso con-
t e n t e o c a p i t ã o , e o padre mandou vir
o e s c r i p t o r i o , e lho d e u , que era u m a
p e ç a de e s t i m a , de madeira de varias
c o r e s , em obra bem a c a b a d a , por um
irmão nosso, e insigne carpinteiro e mar-
cineiro, e j u n t a m e n t e alguns rosairos de
cheiro, pelo que lhe deixou todos os pa-
peis, e lhe deu, para os metter, um ba-
ril do mesmo p a d r e , que j á outro fran-
cez tinha pilhado, e o capitão lhe pro-
m e t e u de lhe satisfazer. Nove dias os
trouxeram os francezes comsigo, nos
quaes padeceram muita s ê d e , fome e
frio, e máu agasalhado, com que ao pa-
dre deu um catarro rijo com febre, que
o tratou muito m a l , e poz em risco da
vida, mas esta tinham elles tão arrisca-
da que cada dia esperavam pela morte
a que estavam oflerecidos. Andando com
elles "appareceu uma fermosa náu ingle-
za, aqui de todo cuidaram não escapar,
—1'118—

mas livrou-nos Nosso Senhor, porque se


contentou o inglez com perguntar, « q u e
porta a nau » e respondendo-lhe os fran-
oezes que bacalháu , passou ; mas não
passou a fúria dos f r a n c e z e s , que ven-
do ir pela agua uns papeis, que por se-
rem de segredo o padre os mandou lan-
çar ao m a r , e como elles são desconfia-
dos, cuidaram que ía alli alguma traição
ou cartas para El R e i , e que por isso
os lançaram ao m a r ; saltou a fúria nel-
les , e o capitão com outros tomaram
as achas de f o g o , e deram uma boa a
cada um dos nossos , ao irmão B a r n a b é
Tello pelo rosto, ao padre Francisco Soa-
res pelas costas , e ao padre por uma
c o x a , estas são boas piculas sem post
p a s t o : mas não faltou este para o pa-
dre visitador, porque, não satisfeito, um
delles achou uma tijella de f o g o , e lha
.arremessou á cabeça com tanta força que
lhe tratou mal um olho; acudiu logo ou-
tro francez, e de um rollo que tinha to-
mado aos padres lhe fez uma pasta e l h a
poz nelle. Veja vossa Reverendíssima que
caridade e s t a , não esperada de g e n t e
que lhe tinham tomado até as v e s t e s ; e
porque o padre sem ellas por causa do mui-
— 1J 9 —

to frio e catarro padecia m u i t o , roga-


ram ao capitão que lhe desse um man-
to para se abrigar por causa do muito
f r i o : mas pouco lhe durou, porque indo
o padre para cima tomar ar e a q u e n t a r -
se um pouco ao sol, quando tornou, se
achou sem o manto, que nunca mais ap-
pareceu. O u t r a tribulação grande pade-
ceram e s p i r i t u a l , e foi desta maneira :
lançou o padre Francisco Soares uns pou-
cos de papeis do padre pelo botoque d e
uma pipa d ' a g u a salgada, para que lhos
não vissem os f r a n c e z e s , e lhe tornas-
sem a dar outras poucas de pancadas.
E i s que o capitão manda fundir a náu
e vasar a p i p a , os padres que estavam
temerosos, temendo que em sahindo os
papeis rotos, os francezes se indignas-
sem contra elles e os matassem , es-
tando já para sahir os papeis subita-
m e n t e , o capitão e mais francezes se
alevantaram e foram para a tolda de
c i m a , deixando a pipa que se acabasse
de vazar de a g u a , e assim ficaram livres
e desasombrados deste perigo ; mas não
d'outro em que uni francez tentou o pa-
dre visitador, porque dando-lhe em sex-
ta feira um pouco de toucinho, o padre
— 1'20 —

o lançou fóra, e o francez desejoso que


o comesse l h o m e t t i a por força na b o c a ;
e porque o padre o lançava fóra, insta-
va o francez com uma faca na mão, que
lha queria meller pelo rosto e olhos,
apertando que comesse, porém vencido
da constancia do padre desistiu de seu
máu intento. Em outro perigo se viram
não menor que o passado, e foi que
achando um francez uma faca g r a n d e ,
e urna moeda de prata junto dos padres,
entrou nelle a imaginação que tinham
alli aquella f a c a , para com ella lhe fa-
zerem t r a i ç ã o , e os matarem ; porém
respondendo os padres com humildade,
que não sabiam quem alli puzera a faca,
se deram por satisfeitos; e chegando j á
junto da Rochella, encontraram um bra-
chole pequeno sem c o b e r t a , com três
pescadores Bretões, que sahindo de Bor-
déus aonde foram vender pescados, com
tormenta andaram desgarrados por esse
mar qnasi de todo perdidos, lançaram
o s f r a n c e z e s sua lancha fóra, e tomaram
os pobres pescadores e deram-lhe mui-
tas pancadas, tomarílm-lhe o dinheiro e
mais que traziam. Nesta embarcação
lançaram os padres com alguns mari-
nheiros e passageiros; mas primeiro tor-
naram a buscar os nossos, e abriram o
baul dos papeis e sacudiram todos folha
e folha, a vêr se achavam algum dinhei-
ro, mas não o achando, tornaram a m e t -
ler os papeis no baul e o s deram aos pa-
dres. Não queria o capitão largar o pa-
dre visitador, reservando-o para resga-
te em troco d ' a l g u n s parentes seus que
foram tomados dos hespanhoes ; saben-
do isto Manuel Alvares, capitão d a n á u
p o r t u g u e z a , lhe pediu que o largasse
que lhe não dariam nada por e l l e , q u e
era muito d o e n t e , e lhe morreria sem
alcançar o que pretendia. E um João
Alvares mestre da náu p o r t u g u e z a , ir-
mão do dito* capitão Manuel A l v a r e s ,
que estava muito ferido de uma arcabu-
zada pelo r o s t o , e u m a cutilada pela
c a b e ç a , pediu também a o c a p i t ã o fran-
cez que deixasse ir com elle , e com os
mais o p a d r e , porque d ' o u t r a m a n e i r a
sem falta m o r r e r i a ; e assim o largou e
deixou embarcar. E s t a v a m da costa se-
tenta até oitenta l é g u a s , e com u m a
f r a c a vella esfarrapada , e dous remos ,
com um barril de cerveja bem n e g r a ,
e um pouco de biscoito pouco alvo e qua-
—1'122—

si podre : veja vossa Reverendíssima q u e


d e s h u m a n i d a d e esta , parece que os lar-
g a v a m para morrer nesse m a r , pois os
largaram em tão boa e m b a r c a ç ã o , e c o m
tal matalotagem ; começaram sua peri-
gosa e venturosa viagem : acudiu-lhes
Nosso Senhor com um bom vento ga-
lerno , que em dous dias e meio os le-
vou á B i s c a i a , porto de Santo A n d r é .
Subiram em terra muito desfigurados
de f o m e , r o t o s , mal tratados de f r i o ,
e tão lastimosos que as vendedeiras pe-
las ruas offereciam aos padres das ma-
çãas e fructas que vendiam : iam elles
tão desfallecidos que n a d a lhe aceitaram
por estarem mais para m o r r e r , do q u e
para comer. A esta tão u r g e n t e necessi-
dade lhes acudiu Nosso Senhor com sua
m i s e r i c ó r d i a , por meio de um a b b a d e
de bago, izento administrador ecclesias-
t i c o , irmão do nosso padre D e s s a , que
era como bispo naquella t e r r a ; este sa-
bendo que eram da Companhia, e foram
roubados, os mandou agasalhar em u m a
estalagem aquelle s a b b a d o , 15 de Se-
tembro, e l h e s mandou dar um prato d e
ineudos, pão, vinho e maçãas , com que
de alguma maneira se refizeram ; e mos-
—1'123—

trando-lhe o padre a p a t e n t e , como os


reconheceu de iodo por da Companhia,
os levou para sua c a s a , e melteu em
umacamara, onde,os regalou cora abun-
dância , pondo-os á sua mesa por espa-
ço de cinco ou seis dias, nos quaes se
refizeram de roupa, e tornaram em ca-
valgaduras até Burgos ; de Burgos a V a -
lhadoli; edalli até Bragança. Passaram
no caminho muitos frios e incomodida-
d e s , com que acabaram de perfeiçoar
sua viagem , e Nosso Senhor terá lem-
brança de lhe dar os prêmios destes tra-
balhos em sua gloria.
Quoniam beatus vir qui suffert ten-
tationem : qui curti probatus Juerit acci-
piet coronam vitae , etc.

Bahia a 1 de Maio de 90. De V. R . a


Filho indigno em Christo N. Senhor.

Fernão Cardim.
NOTAS.
ADVERTENCIA A OCIDENTAL.

Achava-se esta obra no p r e l o , e nós com in-


tentos d e c o n c l u i r com vagar a sua publicação,
acompanhando-a d e notas, q u e quasi lhe d u p l i c a -
riam o v o l u m e .
M a s as ordens s u p e r i o r e s q u e acabamos d e rece-
b e r , fazendo-tios d e i x a r em poucos d i a s esta Capi-
p i l a l , o b r i g a m - n o s a pôr t e r m o a q u i , vista a iinpos-
s i b i d a d e d e a c o n c l u i r , do modo q u e p r e m e d i t á v a m o s ,
antes da nossa partida : pois não era justo q u e por
falta d e taes notas q u e a lodo o tempo se p o d e r ã o
f a z e r , ficasse tão curioso escripto q u i n h e n t i s t a ainda
por mais t e m p o i n é d i t o . A mesma pressa q u e demos
na impressão d e l l e , foram talvez causa de a l g u m a s
erratas que escaparam.
V.

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