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NARRATIVA EPISTOLAR
BE S j F - J — J / t /
O P. CHRISTOVAM • DE GOUVEA
P. FERNÃO CARDIM
M I M S T n O DO COLLCGIO DA COMPANHIA EJf ÉVORA, ETC. ETC.
LISBOA
1847.
~ t o *
KA IMPRENSA NACIONAL.
Á MEMORIA
DO
NO BRAZIL,
C.
Pag. Lin.
5 18 Sr. Irmão
8 18 guadamias quadamicins
14 1 e padres sc. padres
15 11 e meninos sc. meninos
21 li aparta dgs apertados
23 11 quem • quando
32 16 ferve vê
73 12 dez 50
80 18 Capitã Capitania
Ao P.e Provincial em Portugal.
parreiras de P o r t u g a l , as quaes se as
podam a seus tempos, todo o a n n o e s t ã o
v e r d e s , com u v a s , ou m a d u r a s ou em
a g r a ç o , a terra tem muitas f r u c t a s ;
a n a n a z e s , p a c o b a s , e todo o anno ha
f r u c l a s no r e f e i t o r i o ; o a n a n a z é fructa
r e a l , dá-se em umas como pencas de
cardos ou folhas d ' e r v a b a b o s a , _ s ã o da
feição e tamanho de pinhas, todos cheios
d e olhos, e o s quaes dão umas formosis-
p.simas flores d e varias c o r e s ; são de bom
gosto, cheiram b e m , para dor de pedra
sãosalutiferos : delles fazem os indios vi-
nho, e tem outras boas comodidades: a
maior parte do atino os h a : tem alguns
c o q u e i r o s , e uma arvore que chamam
cuhieira que não dá mais que c a b a ç a s ,
é fresca e muito para v e r : legumes não
faltam da terra, e de P o r t u g a l ; bringel-
las, alfaces, couves, abobaras, r a b â o s ,
e outros legumes , e hortaliça : fóra de
casa tão longe como Villa-Franca de
C o i m b r a tem um tanque mui f e r m o s o ,
em que a n d a r á um born navio, anda cheio
de p e i x e s : junto a elle ha muitos bos-
ques de arvoredos mui frescos, alli se vão
r e c r e a r os asuetos, e no tanque e n t r a m
algumas ribeiras d ' a g o a em grande quan-
tidade.
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e por mais que cortam não ha desinça-
Jos.
A c a b a d a a visita dos I l h é u s , tor-
námos a partir aos 21 de setembro,' dia
do glorioso apostolo S . M a t h e u s : ao dia
s e g u i n t e nos deitou o tempo em Porto
S e g u r o . E ainda que eram arribadas, tu-
do caía em proveito, porque visitava o
p a d r e de caminho estas casas, e o tem-
po contrário dava Jogai para t u d o : fo-
mos recebidos de um irmão com muita
caridade', porque os outros tres esta-
vam na aldêa de S. M a t h e u s com o Sr.
Administrador , que tinham ido á fes-
ta. Partimos logo para a mesma aldêa
visitar aquelles indios : passámos um rio
caudal m u i f e r m o s o e g r a n d e : caminhá-
mos u m a legoa a pé, em romaria a uma
nossa Senhora da A j u d a , que antigamen-
t e fundou um padre nosso; e a m e s m a
igreja foi da c o m p a n h i a : e c a v a n d o j u n -
.to delia o padre Vicente Rodrigues ir-
mão do padre J o r g e j ü i j o — que é um
sancto velho, que dos primeiros que vie-
ram com o padre Manuel da N ó b r e g a ,
elle só é vivo — cavando como digo, j u n -
to d a igreja, arrebentou uma fonte d ' a -
g u a , que sáe debaixo do altar da Se-
nhora, e faz muitos milagres, ainda ago-
r a : tem um retábulo da A n n u n c i a ç ã o
de maravilhosa p i n t u r a , e d e v o t í s s i m a :
o padre q u e edificou a casa que he um
velho d e setenta annos , vai lá todos os
sabbados a pé dizer m i s s a , e p r é g a r a
quasi toda a g e n t e da villa, q u e a l l i cos-
t u m a ir os sabbados em romaria, e pa-
ra sua consolação lhe deu o padre licen-
ça que se e n t e r r a s s e naquella igreja
q u ^ i fallecesse ; e bem creio que reco-
lherá a Virgem um tal devoto e r e c e b e r á *
s u a a l m a n o C e o , pois a tem tào bem ser-
vido. C h e g á m o s á aldêa, que dista cin-
co léguas da villa, por caminho de u m a
alegre praia : foi o padre recebido dps
indios com uma d a n ç a mui graciosa de
meninos todos e m p e n n a d o s , com seus
diademas na c a b e ç a , e outros atavios
das mesmas p e n n a s , que os fazia mui-
to lustrosos , e faziam suas m u d a n ç a s ,
e invenções mui g r a c i o s a s : d'alli torná-
mos á villa, e vindo encalmados por u m a
p r a i a , eis que desce de um f i t o monte
uma india v es i j ^ ç o m o j d l a s cos tu m a m ,
«om uma porcelana da índia , cheia de ^
queijadinhas d ' a s s u c a r , com um g r a n - çp*»
de púcaro d ' a g u a f r i a ; dizendo que
L
íiquillo m a n d a v a seu senhor ao padre
i provincial José : tomamos o padre visi-
tador e eu a s a l v a , e o mais dissemos
desse ao padre José, que vinha de traz
com as abas na c i n t a , d e s c a l ç o , bem
c a n ç a d o : é este padre um sancto de
g r a n d e exemplo e o r a ç ã o , cheio de to-
d a a p e r f e i ç ã o , despresador de si e do
m u n d o ; uma columna g r a n d e desta pro-
víncia , e tem feito g r a n d e c h r i s t a n d a -
de e conservado g r a n d e exemplo : d e o r -
""dinario anda a pé, nem ha retira-lo de an-
dar sendo muito enfermo. E i n l i m , sua
vida é verè apostolica.
Depois que o padre visitou a ca-
>. sa , ouvindo as confissões geraes com
m u i t a consolação de todos, e deixan-
do os avisos n e c e s s á r i o s , partimos pa-
r a outra aldêa de S. A n d r é , dahi cin-
co léguas : está situada j u n t o de um
rio c a u d a l , e da villa S a n c t a C r u z ,
que foi o primeiro porto que tçmou Pe~
dr' Al ves Cabral no anno de mil e quinhen-
tos , indo para a í n d i a ; e por ser bom
o p o r t o , lhe chamou Porto Seguro. 1.°
fi, dia do anno préguei na matriz da v i l l a :
hduve muitas confissões, e communhões,
com extraordinaria consolação do povo
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p o r a l , dando-lhe um j a n t a r a todos os
da a l d ê a , debaixo de uma g r a n d e ra-
m a d a : os homens comiam a uma p a r t e ,
as mulheres a o u t r a : no j a n t a r se gas-
tou uma v a c a , alguns porcos m a n s o s ,
e do m a t o , com outras caças , muitos
l e g u m e s , f r u c t a s , e vinhos feitos de vá-
rias f r u c t a s , a seu modo. E m q u a n t o co-
m i a m , lhe tangiam tambores, e g a i t a s .
A festa para elles foi g r a n d e , pelo q u e
determinaram á tarde alegrar o p a d r e ,
jogando as laranjadas, fazendo motins,
e serviços d e guerra a seu m o d o , e á
p ò r t u g u e z a ; quando estes fazem estes
motins, andam m u i t o juntos em um cor-
* po como em magote com seus arcos na ,
m ã o , e molhos de frechas levantados
para c i m a ; alguns se pintam , e e m p e -
nam de varias c o r e s : as mulheres os
acompanham ; e os mais deiles n ú s , e
juntos andam correndo toda a povoação,
dando grandes urros, e j u n t a m e n t e vão
bailando, e cantando ao 6om de um ca-
baço cheio d e pedrinhas (como os pan-
deirinhosdos meninos em P o r t u g a l ) : vão
tão serenos, e por tal compasso q u e n à o
erram ponto com os p é s , e calcam o
•ichão de maneira que fazem t r e m e r a ter-
*
— Sa-
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licença do SummoPonlifice. C o m m u n g a -
ram passante de trezentas pessoas, e tu-
do se fez com muita festa e devoção.
T i n h a o padre visitador dado ordem
para se fazer um relicário para todas as
relíquias que estavam mal acomodadas.
Estava j á neste tempo acabado : é g r a n -
de, tem dezeseis almarios com suas por-,
tas de vidraças, e no meio um g r a n d e ,
para a imagem de N. Snr. a d e S . Lucas ;
os almarios são todos forrados dentro de
selim cramesim, as portas da banda d e
dentro são forradas de sedas de várias
cores sc. d a m a s c o , veludo, setim , e t c .
a madeira é de páo de cheiro de J a c a -
r a n d á , e outras madeiras de p r e ç o , de
várias cores, de tal obra que se avaliou
somente das m ã o s , em cem cruzados :
/.fê-lo um irmão da casa, insigne officiai.
E s t á assentado na capeliados irmãos,
que é uma casa grande nova, de pedra
*e cal , bem g u a r n e c i d a , forrada de ce-
dro. Ao dia da cruz, á tarde se fez u m a
célebre trasladação da igreja para a d i -
t a capella ; foi o padre visitador á j f re-
j a , com sua capa d ' a s p e r g e s , e outros
dons padres com capas : os m a i s , que
eram por todos d e z o i t o , revestidos em
— Gl —
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fizeram a s u a : porque duas Jeguas d a a l -
dêa em um rio mui largo efermoso (por
ser o caminho por agua) vieram alguns
indios M u r u b i x á b a , sc. principaes, com
muitos outros em vinte canoas mui bem
esquipadas , e algumas pintadas , enra-
madas e embandeiradas, com seus tam-
bores, p i f a n o s e f r a u t a s , providos de mui
fermosos arcos e frechas mui g a l a n t e s ,
e faziam a modo de guerra naval, mui-
tas silladas em o rio arrebentando pou-
cos e poucos com grande grita , e pre-
passando pela canoa do padre lhe davam
o Ereiupe, fingindo que o cercavam e
cativavam: neste tempo um menino pres-
passando em uma canoa pelo padre vi-
sitador , lhe disse em sua lingua : Pay,
marápeguàrinime nandepopeçoari/sc.
em tempo de guerra e cerco como estás
desarmado ! e meteu-lhe um arco, e fre-
chas na mão. O padre assim armado, e
elles dando seus alaridos e urros, tocan-
do seus tambores, frautas e pifanos, le-
varam o padre até a a l d ê a , com algu-
mas danças que tinham prestes. O dia
d a V irgem disse o Sr. administrador mis-
sa cantada, com sua capella, e o padre
visitador pela manhãa cedo antes da mis-
6
sa baptizou sessenta e três adultos, e m
o qual tempo houve boa musica de vo-
o f r a u t a s , e n a missa casou trinta e
seis em lei de g r a ç a , e deu a eommu-
nfrão a trinta e sete.
Por haver juhileu concorreu toda a
terra, e toda a m a n h ã a confessámos ho-
mens e mulheres p a r t u g u e z e s : houve
muitas communhões, e tudo se fez com
consolação dos moradores indios e nos-
sa. A c a b a d o a missa houve procissão so-
lemne p e l a a l d ê a , com dança dos indios
a seu modo e á p o r t u g u e z a , e alguns
mancebos honrados também festejaram
o dia dançando na procissão, e repre-
sentaram um breve dialogo e devoto so-
b r e cada palavra da A v e M a r i a , e esta
6 o b r a dizem qompoz o padre Alvaro Lo-
b o , e até aq Brazil chegam suas obras
e caridade.
E r a para vêr os povos chrislãos, e
christãas sairem de suas ócas como co-
l o n i a s , acompanhados de seus parentes
e a m i g o s , com sua bandeira diante e.
tamboril, de pois do baptismo e casamen-
tos tornarem assim acompanhados para
suas casas. E as indias quando se vestem
y-üo tão m o d e s t a s , s e r e n a s , direitas e
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do P a y g u a ç ú . A c a b a d o o recebimento
houve outra festa de l a r a n j a d a s , e não
lhe faltam l a r a n j a s , nem outras fructas
semelhantes com que as façam. Logo co-
meçaram com suas dadivas e são tão li-
beraes que lhes parece que não fazem
nada senão dão logo quanto tem : e é
g r a n d e injuria para elles não se lhe acei-
tar , e quando o dão não dizem n a d a ,
mas pondo perus, gallinhas, leitões, pa-
pagaios, tuins reaes, &c. aos pés do pa-
dre se tornavam logo.
A o dia seguinte baptisou o padre
visitador trinta e tres a d u l t o s , e casou
na missa outros tantos em lei de g r a ç a ,
e l u d o se fez com as mesmas festas. E s -
tavam estes Índios em seu sitio mal ac-
comodados, e a igreja ía caindo: fez o
p a d r e que se mudassem a outra p a r t e ,
o que fizeram com grande consolação
sua.
H a nesta terra mais gentio para con-
verter que em nenhuma outra capitdí&ia;
deu o padre visitador ordem , com que
fossem dous padres dahi vinte eoito lé-
g u a s a p.etição dos indios, que queriam
ser christãos: espera-se grande fructo
desta missão, e que deceram logo qua-
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tugal. T a m b é m cá N . Senhor dá as
mesmas consolações, e aventajadas. O
irmão Bernabé Telo fez a l a p a , e ás
noites nos alegrava com seu birimbáu.
Trouxemos no navio uma relíquia
do glorioso Sebastião, engastada em
um braço de prata. Esta ficou no na-
vio para a festejarem os moradores e
estudantes como d e s e j a v a m , por ser
esta cidade do seu n o m e , e ser elle o
padroeiro e protector. U m a das oitavas
á tarde se fez uma celebre festa. O Sr.
governador com os mais portuguezes
fizeram um lustroso alardo de arcabu-
z a r i a , e assim juntos com seus tambo-
res, pifaros e bandeiras foram á p r a i a :
o padre visitador com o mesmo gover-
nador e os principaes da terra e a í g u n s
padres nos embarcámos n'uma grande
barca bem embandeirada e enramada :
nelfa se armou nm altar e alcatifou a
toJda com um pallio por cima ; acudi-
ram algumas virrte canoas bem esqui-
padas, algumas delias pintadas, outras
empennadas , e os remos de varias co-
res. E n t r e eflas vinha Marfim Aflónsa,
commendador de C h r i s t o , indio antigo
A b a e t é e moçacára , sc. grande cavai-
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é a b a r r a da B e r t i o g a , q u e dista d e s t a
villa q u a t r o l é g u a s por um rio tão fer-
mozo, q u e podem n a v e g a r navios de al- |
lo b o r d o : lerá a villa d e Santos o i t e n t a
vizinhos, com seu vigário. A t e r c e i r a é a
villa de JNossa Senhora do I t a n h a e m ,
q u e é a d e r r a d e i r a povoação d a costa, q u e
t e r á cincoenla vizinhos, não tem vigário.
O s p a d r e s os vizitam , consolam e a j u -
dam no q u e p o d e m , m i n i s t r a n d o - l h e os
s a c r a m e n t o s por sua c a r i d a d e . A q u a r -
ta é a villa de P i r a t i n i n g a , q u e e s t á do-
ze l é g u a s pelo s e r t ã o a d e n t r o , t e r á c e n -
to e vinte vizinhos ou mais.
N o fim de M a r ç o j a despedidos de
j; S. V i c e n t e , viemos p a r a S a n t o s , aonde
nos e s p e r a v a j á o nosso navio a p a r e l h a -
do : p r é g u e i n a m a t r i z dia de Nossa Se-
n h o r a d a A n u n c i a ç ã o : houve m u i t a s
confissões e c o m m u n h õ e s : os d e s t a vil-
la pediram ao p a d r e lhes m u d a s s e a ca-
sa de S. V i c e n t e p a r a alli, o que o pa-
d r e lhe c o n c e d e u : logo d e r a m um sitio
bom ao longo do m a r , e a c a d ê a publi-
c a , e u m a s casas n o v a s , q u e t u d o va-
l e r a cem c r u z a d o s , e c o m e ç a m o edifí-
cio com suas esmollas.
D e Santos partimos a c o m p a n h a n d o -
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visitador recado ao p a d r e L u i z d a G r a ã
q u e viesse a e s t e c o l l e g i o , e foi o re-
cado em tão boa c o n j u n ç ã o , q u e aos 13
de o u t u b r o chegou aqui. O p a d r e visi-
tador coin os mais p a d r e s , q u e para es-
se fim aqui a j u n t o u , estão d a n d o r e m a -
te e ultima resolução a visita e n e g o c i o s
d e s t a província.
Isto é o q u e se m e offereceu da nos-
sa viagem e m i s s ã o , p a r a d a r conta a
vossa R e v e r e n d í s s i m a . R e s t a pedir os
santos sacrifícios c o r a ç õ e s dos mais p a -
dres e irmãos dessa província.' D e s t e col-
legio da B a h i a a Ifi de O u t u b r o de 85.
PROSEGÜE:
C o n t i n u a r e i n e s t a o q u e succedeu
depois da visita q u e escrevia a vossa re-
verencia em 16 de Outubro de 8 5 , q u e
foi o s e g u i n t e . T a n t o q u e o p a d r e visi-
tador leve aqui na B a h i a j u n t o s os rei-
tores dos collegios, e o u t r o s padres pro-
f e s s o s , e a n t i g o s , a t t e n d e u d a r a ulti-
m a mão d visita desta p r o v í n c i a , em a
qual ordenou cousas muilo necessarias
ao bom meneio dos collegios e residên-
c i a s , aldêas dos índios, missoês, assen-
—1'112—
Fernão Cardim.
NOTAS.
ADVERTENCIA A OCIDENTAL.