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Saída

Revista Saída, n.13, Vol. 1, Ed. 1, bpa free, CC livre acesso, ano de El niño, novembro 2018.
Colabore conosco:
gocanarim@gmail.com
Editorial
Tendo em vista o contexto da contemporaneidade, bem como as múltiplas complexidades
envolvidas na construção do campo social, percebemos que conforme a dinâmica da
sociedade se transforma a partir das implicações do capital, tanto mais se radicalizam e
diferenciam dimensões básicas para as condições de possibilidade de uma compreensão
do mundo, da subjetividade e da vida.

Nesse sentido, para colocar em questão alguns dos problemas possíveis na análise do
contemporâneo e seu amplo enredamento no nosso cotidiano, juntamos nesta edição
alguns trabalhos para discutir a questão da necessidade de buscarmos um olhar mais
distanciado da realidade, que aparentemente apreendemos diretamente, para podermos
observar com um pouco mais de rigor e seriedade as estruturas ideologias que configuram
nossa experiência do mundo, bem como os limites da nossa consciência. Colocar em
questão estas fronteiras assinala um paradoxo: participamos da sociedade “pública” apenas
como sujeitos particulares, porém nesta posição, não podemos transformar completamente
as instituições que nossas práticas constituem, e por meio das quais se compõem os nexos
entre os indivíduos e a sociedade. Ou seja, tentaremos responder as perguntas: É
necessário rever? Já não é a hora de rever nossas práticas? Rever retroativamente o que
pensamos e como chegamos até aqui pode ser um caminho para superarmos nossos
paradoxos e dificuldades?

Assim, vamos aproveitar a oportunidade de colocarmos nossos preconceitos de lado,


apesar de sabermos que são eles que no asseguram da posição privilegiada que temos em
relação ao mundo, o que achamos que sabemos e todas a nossas certezas,ainda que a
solidez do mundo por onde circulamos esteja toda circunscrita nos conjuntos simbólicos que
marcam toda nossa existência como sujeitos, para nos jogamos de cabeça no campo da
duvida, da critica e da analise cuidadosa, pois talvez esse seja o único caminho para
ultrapassarmos a nos mesmos.

Redação

Editor geral: Guilherme Orestes Canarim.

Conselho editorial: Gisele da Silva Rezende; Alex Sander da Silva; Diego Quadras de
Bem.

Projeto gráfico: Guilherme Orestes Canarim.

Colaboradores: Gisele da Silva Rezende; Lareitov Cândido; Verônica Ventorini Ferreira;


Patrick Chamoiseau; Theodor W. Adorno; Marina Coelho Arnt; Danilo Barbosa de Arruda;
Elisia Muller Vargas; Maria Gliselda De Luca.
Sumário
Panorama ................................................... 7
COMO É IMPORTANTE ESTUDAR
HISTÓRIA ................................................ 7
Por: Lareitov Cândido ............................. 7
PARA PENSAR O PROCESSO DE
SEGREGAÇÃO NAS CIÊNCIAS HUMANAS
E SUA PERTINÊNCIA PARA O MERCADO 8
Por: Verônica Ventorini Ferreira ............ 8
Notas de literatura ................................... 15
ELOGIO DA CRIOULIDADE ........................ 15
Por: Patrick Chamoiseau et all ................. 15
Critica roedora.......................................... 32
ADORNO, INTRODUÇÃO A DIALETICA,
PRIMEIRA AULA. Tradução: Guilherme
Orestes Canarim. .................................. 32
RESENHA : FREIRE, PAULO. PEDAGOGIA
DO OPRIMIDO, 17ª. Ed. Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1987, 105p. ....................... 33
Por: Marina Coelho Arnt ...................... 33
REFLEXÃO SOBRE GLOBALIZAÇÃO E
INTERDISCIPLINARIDADE: ENTRE OS
LIMITES DO DISCURSO E A PRÁXIS ....... 36
Por: Danilo Barbosa de Arruda ............. 36
Ensayos ..................................................... 43
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO:
APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS A
PARTIR DA NOÇÃO DE EDUCAÇÃO....... 43
Por: Guilherme Orestes Canarim ......... 43
RESENHA : EDIFÍCIO MASTER ............... 50
Por: Elisiane Muller Vargas, Maria
Gliselda De Luca ................................... 50
Conteúdo

6
Panorama

14
Notas de literatura

31
Critica roedora

42
Ensayos
Pa
no
ra
ma
Panorama
O Brasil está na mão de bandidos!
Este país não tem mais jeito, senão

COMO É IMPORTANTE ESTUDAR uma ditadura! Enfim, a ignorância


HISTÓRIA histórica é assustadora. É
desestimulador conversar com
Por: Lareitov Cândido
“formadores” de opinião sobre o que
acontece no país, visto que não
Se considerarmos que a História
conseguem fazer uma medíocre
estuda o homem no tempo, não é
analise dos fatos; pois interpretam a
de todo estranho que os últimos
realidade pela via mitológica.
acontecimentos no país tenham
Inclusive criam novos mitos!
sido causados, pela má fé,
Acreditam, beatificamente, que o
descaramento, oportunismo, e
período da história do Brasil que o
muito mais forte que isso tudo, pela
país ficou sob um regime ditatorial
ignorância da história recente do
foi um dos melhores períodos desse
país. Quero dizer que os
país. Tive a infelicidade de ouvir,
comportamentos, ações,
para ser mais verdadeiro, de ler
sentimentos, postura política, enfim,
numa rede social, uma resposta a
essa esperança num futuro melhor,
um argumento contrário a
num país do futuro, em um
intervenção militar, que dizia: olha
salvador, numa volta ao glorioso
só, não acredite em tudo que você
passado de ordem,
lê nos livros sobre a ditadura, muita
desenvolvimento, milagre
coisa que dizem não foi verdade! A
econômico, segurança, tem uma
pessoa subestima as pesquisas
fonte inspiradora: a falta de
históricas, para justificar um outro
conhecimento histórico e político.
momento de forma simplista e
O mito pode ser definido como uma reducionista demais, ou seja,
explicação fantasiosa, ingênua, mitológica. Explico-me: indivíduos
limitada, alienada da realidade. Se de pensamentos, ou melhor, de
considerarmos esta postura argumento mitológicos, reduzem a
intelectual, não causa muito espanto ideia de solução da corrupção ao
o que ouvimos nos últimos dias pelo simples uso da força; reduzem a
país todo. Novamente, refiro-me a solução da violência urbana, e
falas do tipo: Intervenção militar já! outras formas de violência, ao
simples uso do autoritarismo, enfim, dizem abertamente que liberdade
realmente acreditam que todos os não pode ser para todos. Enchem o
problemas são causados por peito e dizem: “se for melhor pra
políticos maldosos e pessoas do mim – pra eles, que se tire um
mal. Que ingenuidade! Ou que pouco de liberdade das pessoas”.
maldade? Muitas dessas pessoas Acreditem, muitos que falaram tudo
sonegam, furam fila, dão um que coloquei aqui no texto, são ou
jeitinho.... foram professores! Como é difícil
estudar História.
A não compreensão do que seja um
contrato social, uma vida em
sociedade, entender as Leis,
PARA PENSAR O PROCESSO DE
Direitos e Deveres, pode levar e tem
SEGREGAÇÃO NAS CIÊNCIAS
nos levado a militância estapafúrdia, HUMANAS E SUA PERTINÊNCIA
greves sem sentido, eleições PARA O MERCADO
vendidas, golpes, fascistas
Por: Verônica Ventorini
apaixonados por mudanças; um Ferreira1
mito do país que não pode mais ser
como é. O Brasil mudou! “Só que
Esse texto não pretende ser um
não”! Mas o pior ainda está por vir.
estudo aprofundado, são apenas
Quando se confunde fascismo com
percepções de tempos difíceis para
valores morais. Fascismo com um
as chamadas ciências humanas.
mundo melhor; fascismo com
Tais percepções são filhas de um
organização... Aí é que nos damos
lugar de prestígio questionado entre
conta do risco que corremos. Ouço
as ciências humanas, isto é, do
jovens de todas as idades, dos 15
campo da educação.
aos 90 anos, mergulhados
mitologicamente numa fixa ideia de 1
Esse texto é síntese das inquietações
provocadas no IV Colóquio Internacional de
que é possível salvar o país com os Educação: Democracia em tempo de crises
(UNOESC), entre os dias 10 e 12 de
valores do nosso passado glorioso, setembro de 2018. Lugar em que o
tenho a certeza de como a falta de encontro com os/as pesquisadores/as Prof.
Dr. Rodrigo Manuel Dias da Silva, Taiana
Estudo Sobre a História é prejudicial Valêncio da Silva, Tainah Motta
Nascimento e Gisele Rezende levaram as
à saúde. Pessoas que eu não ideias aqui presentes a amadurecer.
Agradeço minha orientadora, Berenice
imaginava declaram-se fascistas, Corsseti, pela revisão atenta de mais um
texto.
Costumeiramente percebemos servimos de ferramentas teóricas de
docentes falando sobre si de forma todos os campos das humanidades
desdenhosa com a prática para a ação, aparentemente
pedagógica, por exemplo: “Sou simples, de nos aproximar dos
formado em Filosofia, mas atuo estudantes.
como professor de filosofia da
Sim, aqui parece estar o ponto de
educação.” ou “ Sou engenheiro,
fusão esquecido que cede lugar à
mas trabalho na universidade.”.
percepção de que somos parte de
Algo tem feito os colegas docentes
um campo menor dentro das
esquecerem que são professores e
humanidades. O processo de fusão
professoras que deveriam possuir
é resultante da consciência, de que
conhecimentos tão complexos
apenas nós professores
quanto os específicos para atuarem
observamos, aplicamos e
como docentes.
abstraímos teorias no campo da
Talvez a visão de que o professor é prática contextualizada. Nosso
um coitado ou o profissional sem ‘laboratório’ possui em média trinta
sucesso, que sem opções venho à seres humanos convivendo
docência, sejam agravantes dessa cotidianamente, que exigem do
visão. Por outro lado, há que se professor compreensão de diversas
perguntar qual é a parcela que cabe dimensões da existência de cada
aos educadores, que se ocupam um, para a tarefa de desenvolver o
com as questões da educação, conhecimento junto com os
como legitimadores desse tipo de estudantes, sem fazer do
discurso. conhecimento uma abstração sem
sentido. O sucesso ou fracasso de
A legitimação da menoridade do
nossa atuação depende de
campo da educação.
preparação prévia da aula, respeito
As tais falas que incomodam incondicional prévio pelo estudante
pedagogos e os que se reconhecem e conhecimento prévio de teorias
como profissionais do campo da que fundamentam o campo
educação encontram asilo no educacional, ou seja, a sociologia
silêncio. Silenciamos que somos da educação, a filosofia da
profissionais rigorosos, que nos
educação, a história da educação, a a revisão constante de seus
psicologia da educação e outras. parâmetros, porque a experiência
humana não é experimento
Ora, temos o privilégio de ver as
científico, é um problema
teorias ganharem corpo no mundo
secundário e até mesmo
da vida, como podemos silenciar
ultrapassado.
que desenvolvemos em nossa
profissão a minucia de um cirurgião Entretanto a velha disputa ganha
e a robustez intelectual de um um momento qualitativamente novo,
teórico? na medida em que entra em cena
um novo ator, ou melhor, colocamos
Entretanto, a percepção da
na prateleira um novo produto: a
menoridade da educação no campo
ciência mercadoria. A ciência
das ciências humanas não passa do
mercadoria não é apenas a ciência
agravamento da menoridade das
com fortaleza metodológica, mas é
próprias ciências humanas em
útil. Sua utilidade reside na geração
relação às ciências da natureza.
de circulação do capital.
A retomada da disputa e o fator
Tomada pela lógica das ciências
capital.
naturais as ciências humanas
O desrespeito das ciências da resistem espremidas pela medida
natureza pelas ciências humanas numérica da qualidade, isto é, o
encontrava abrigo na legitimação tempo qualitativo de
pelo método. Com essa disputa a amadurecimento do conhecimento
contemporaneidade conseguiu o (kairos) substituído pelo tempo
absurdo de desenvolver uma série mensurado (kronos). Atualmente, as
de metodologias para serem ciências humanas sofrem ataques
aplicadas cruamente em pesquisa constantes por serem de ordem
nas ciências humanas. Apesar disso especulativa, “pseudociência”, pois
ser um problema, porque as são avaliadas em processos que
humanidades não conseguiram se separam sua substância garantidora
afirmar genuinamente e preferiram de unidade em áreas: educação,
ceder a premissa científica de que é sociais, filosofia, história. ..
necessário ter método a encarar a
defesa de que cada pesquisa exige
Tal segregação, agravada pelas pesquisa e o mundo da vida. Nossa
idiossincrasias teóricas, cria parte, enquanto cientistas, é tão
espaços apropriados para que, no pequena e necessária como uma
momento em que forem fortemente nanopartícula é para a totalidade do
atacadas, venham a sucumbir universo.
convertendo-se em objeto de venda
“[...], o homem de ciência precisa
esvaziado do espírito de unidade
ser de uma modéstia autêntica. Os
que, em tempos idos, fez emergir o
embates que ele experimenta
conhecimento como dimensão
interiormente em seu trabalho
complexa e refinada da existência
ensinam-no, de maneira penetrante,
humana.
os limites de sua capacidade e a
Tais ataques são visíveis no grandeza opressiva de sua tarefa.
Movimento Escola Sem Partido, na Pertence a ele um reconhecimento
defesa das bolsas em função de pronto do julgamento dos outros e a
áreas com finalidades práticas e eliminação de toda presunção em
comerciais, na votação promovida relação à sua própria situação. É
no site e-cidadania para extinção preciso que lhe seja autoevidente a
dos cursos de humanas nas atenção ante todo trabalho feito de
universidades públicas. Fora as maneira honesta, qualquer que seja
propostas no resto do globo. o seu tipo. Assim, ele possui uma
liberdade interior em relação aos
Do papel do pesquisador em
preconceitos de sua proveniência
ciências humanas
social e é o companheiro natural de
O momento histórico nos interpela a todas as forças progressistas de
pensar a pertinência das ciências uma sociedade. Se a força dessa
humanas, aos pesquisadores cabe modéstia tivesse estado presente
a consciência que na solidão é de maneira suficientemente grande
impossível resistir ao avanço das em todos os homens de ciência
lógicas que se beneficiam da alemães, então o ajuste pífio ao
cegueira, promovida pelo regime nacional-socialista não teria
utilitarismo sobre as pessoas. Além representado para eles nenhuma
disso, cabe a cada um desenvolver tentação” (GADAMER, 2012, p.
conexões sinceras entre sua 309.)
Essa crítica (autocrítica) é resposta
à questão que se coloca em nossa
temporalidade, e em minha
experiência dessa temporalidade.
Teremos de nos converter em coisa
comercial para que nos seja
atribuído valor? O valor medido pelo
utilitarismo é o que queremos? Qual
postura nos cabe como partícipe
desse mundo?

Bibliografia:

GADAMER, Hans-Georg.
Hermenêutica em retrospectiva.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
Notas de literatura
Notas de
dirigem apenas aos escritores, mas
a todo conceptor de nosso espaço

literatura (o arquipélago e seus contrafortes


de terra firme, as imensidades
continentais), em qualquer que seja
ELOGIO DA CRIOULIDADE
a disciplina, em busca dolorosa de
um pensamento mais fértil, de uma
Por: Patrick Chamoiseau et expressão mais justa, de uma
all2
estética mais verdadeira. Que esse
posicionamento possa servir a ele
Prólogo como serve a nós. Que ele possa
participar da emergência, aqui e ali,
Nem Europeus, nem Africanos, nem
de verticalidades que se
Asiáticos, nós nos proclamamos
sustentariam na identidade crioula,
Crioulos. Isso será para nós uma
elucidando-a inteiramente, abrindo-
atitude interior, ou melhor: uma
nos, dessa maneira, os traçados do
vigilância, ou melhor ainda, uma
mundo e da liberdade.
espécie de invólucro mental em cujo
interior se construirá nosso mundo A literatura antilhana ainda não
em plena consciência do mundo. existe. Ainda estamos em um
Essas palavras que vos estado de pré-literatura: o de uma
transmitimos não são do domínio da produção escrita sem audiência em
teoria, nem de princípios eruditos. seu próprio país, desconhecendo a
Sintonizam-se com o testemunho. interação autores/leitores onde se
Procedem de uma experiência elabora uma literatura. Esse estado
estéril que tivemos antes de nos não é atribuído somente à
dedicarmos a recuperar nosso dominação política, ele se explica
potencial criativo e ativar a também pelo fato de que nossa
expressão do que somos. Não se verdade foi encerrada no mais
profundo de nós mesmos, estranha
2
Jean Bernabé;Raphaël Confiant. à nossa consciência e à leitura
Tradução: Magdala França Vianna
livremente artística do mundo em
CHAMOISEAU, Patrick; BERNABÉ, Jean;
CONFIANT, Raphaël. Éloge de la criolité. Paris: que vivemos.
Gallimard,1990. Comentário: Euridice
Figueiredo (UFF)
Somos fundamentalmente Todavia, contra uma apreciação
marcados pela exterioridade. Isso polêmica, partidária, anacrônica da
desde os tempos de outrora até os História, queremos reexaminar os
dias de hoje. termos desse requisitório e
promover homens e fatos de nosso
Temos visto o mundo através do
continuum escritural, uma
filtro dos valores ocidentais, e nosso
inteligência verdadeira. Nem
fundamento foi "exotizado" pela
complacente, nem cúmplice, mas
visão francesa que tivemos de
solidária.
adotar. Condição terrível a de
perceber sua arquitetura interior, Em direção de uma visão interior
seu mundo, os instantes de seus e a aceitação de si.
dias, seus valores próprios, com o
Nos primeiros tempos de nossa
olhar do Outro. Sobredeterminados,
escrita, essa exterioridade provocou
do princípio ao fim, em história, em
uma expressão mimética, tanto em
pensamentos, em vida cotidiana,
língua francesa como em língua
em ideais (mesmo progressistas),
crioula. Inegavelmente, tivemos
em uma armadilha de dependência
nossos ourives do soneto e do
cultural, de dependência política, de
alexandrino. Tivemos nossos
dependência econômica, temos sido
fabulistas, nossos românticos,
deportados de nós mesmos a cada
nossos parnasianos, nossos
palmo de nossa história escritural.
neoparnasianos, sem mesmo falar
Isso determinou uma escrita para o
nos simbolistas. Nossos poetas se
Outro, uma escrita emprestada,
embriagavam em deriva bucólica,
apoiada nos valores franceses, ou,
encantados por musas gregas,
em todo caso, fora desta terra, e
vertendo copiosamente lágrimas de
que, apesar de certos aspectos
tinta de um amor não correspondido
positivos, não fez senão manter em
pelas Vênus olímpicas. Havia,
nossos espíritos a dominação de
bradaram não sem razão os
um outro lugar... De um outro lugar
censores, mais que um comércio
perfeitamente nobre, bem
cultural: a aquisição quase total de
entendido, minério ideal a ser
uma outra identidade. Esses zumbis
importado, em nome do qual romper
foram eliminados por aqueles que
a ganga do que nós éramos.
queriam se inscrever em seu biótipo
materno. Os que voltaram os olhos Baudot, de Clément Richer a
sobre si mesmos e nosso entorno, Raphaël Tardon, de Mayotte
mas também sob forte Capécia a Marie-Magdeleine
exterioridade, com os olhos do Carbet...) preservou uma
Outro. Eles viram em seu ser o que quantidade de mechas capazes de
a França via neles através de seus
provocar faíscas em nossas
padres-viajantes, seus cronistas,
obscuridades. A melhor prova é a
seus pintores ou poetas de
que nos forneceu o escritor
passagem, ou por seus grandes
martiniquense Gilbert Gratiant, com
turistas. Entre céu azul e coqueiros,
sua monumental obra crioula: Fab
floresceu uma escrita paradisíaca,
Compè Zicaque. Visionário de
primeiro ingênua, depois crítica, à
nossa autenticidade, ele situou de
maneira dos indigenistas do Haiti.
imediato sua expressão escritural
Cantou-se a coloração cultural do
nos pólos das duas línguas e das
aqui em uma inscrição que
duas culturas, francesa, crioula, que
abandonava a totalidade, as
imantavam então a torto e a direito
verdades então desvalorizadas do
as bússolas de nossa consciência.
que éramos. Foi,
E se ele foi vítima, de certo modo,
desesperadamente, aos olhos das
da inevitável exterioridade, Fab
apreciações militantes posteriores,
Compè Zicaque não deixa de ser
uma escrita regional, chamada de
uma extraordinária investigação do
"doudouiste", pelicular: outra
léxico, das expressões, dos
maneira de ser exterior.
provérbios, da mentalidade, da
Contudo, observando-se de perto, sensibilidade, em uma palavra, da
como aliás fez Jack Corzani em sua compreensão dessa entidade
Histoire de la littérature dês Antilles- cultural na qual tentamos hoje um
Guyane1, essa literatura (de René mergulho salutar. Nós nomeamos
Bonneville a Daniel Thaly, de Victor Gilbert Gratiant e vários escritores
Duquesnay a Salavina, de Gilbert dessa época, preciosos
de Chambertrand a Jean Galmot, de conservadores (muitas vezes
Léon Belmont a Xavier Eyma, de inconscientemente) das pedras, das
Emmanuel Flavia- Léopold a André estátuas quebradas, da cerâmica de
Thomarel, de Auguste Joyau a Paul barro desfeita, dos desenhos
extraviados, das silhuetas africana, pôs fim à amputação que
deformadas: dessa cidade arruinada gerava um pouco da
que é o nosso fundamento. Sem superficialidade da escrita por ela
todos esses escritores, teria sido batizada de "doudouiste".
preciso efetuar esse retorno "ao
Eis-nos intimados a livrar Aimé
País Natal" sem balizas nem
Césaire da acusação - em eflúvios
apoios, sem mesmo essas lucíolas
edipianos - de hostilidade à língua
esparsas que nas noites azuladas
crioula. Compreender por que,
guiam a áspera esperança dos
apesar do apregoado retorno "à la
viajantes perdidos. E desconfiamos
hideur désertée de nos plaies",
que todos, e Gilbert Gratiant mais
Césaire não aliou densamente o
ainda, apreenderam suficientemente
crioulo a uma prática escritural
nossa realidade para criar as
forjada nas bigornas da língua
condições de emergência de um
francesa, é com isso que nos
fenômeno multidimensional que
comprometemos. De nada serve
(totalmente, portanto de maneira
levantar essa questão crucial, e
injusta, cominatória mas necessária,
citar, em contraponto, a tentativa de
e por muitas gerações) iria eclipsá-
Gilbert Gratiant, que se aplicou em
los: a Negritude.
investir nas duas línguas de nosso
A um mundo totalmente racista, ecossistema. É importante que
automutilado por suas cirurgias nossa reflexão, fazendo-se
coloniais, Aimé Césaire restituiu a fenomenológica, remeta-se às
África mãe, a África matriz, a raízes do fato cesairiano: homem ao
civilização negra. Ao país, ele mesmo tempo de "iniciação" e de
denunciou as dominações e, com "término", Aimé Césaire teve, entre
sua escrita, engajada, dinamizando- todos, o terrível privilégio de,
se como forma de guerra, ele simbolicamente, reabrir e fechar
aplicou golpes severos aos pesados com a Negritude o círculo que
desdobramentos pós-escravagistas. encerra dois monstros tutelares: a
A Negritude cesairiana engendrou a Europeanidade e a Africanidade,
adequação da sociedade crioula a ambas exterioridades procedentes
uma consciência mais justa dela de duas lógicas adversas. Uma
mesma. Restaurando sua dimensão possuindo nossos espíritos
submissos à sua tortura, outra injusto considerar o remanejamento
habitando nossas carnes povoadas por Césaire das "Armes
por seus estigmas, cada uma, à sua miraculeuses" do Surrealismo como
maneira, inscrevendo em nós suas um ressurgimento do bovarismo
chaves, seus códigos e seus literário. Com efeito, o Surrealismo
números. Não, elas não poderiam, fez explodir os casulos
essas duas exterioridades, ser etnocentristas e constituiu em seus
reduzidas à mesma medida. A próprios fundamentos uma das
Assimilação, através de suas primeiras reavaliações da África
pompas e obras da Europa, operadas pela consciência
obstinava-se a pintar nosso vivido ocidental. Mas, que o olhar da
com as cores do Outro Lugar. A Europa tivesse, em definitivo, de
Negritude se impunha então como servir como intermediário à
vontade firme de resistência ascensão do continente africano
determinada, antes de tudo, a sepultado, é o que podia suscitar o
domiciliar nossa identidade em uma risco de uma alienação reforçada,
cultura negada, denegada e da qual havia poucas chances de
renegada. Césaire, um anticrioulo? escapar a não ser por um milagre:
Não propriamente, mas um
Césaire, em razão precisamente de
antecrioulo. Foi a Negritude
seu gênio imenso, temperado no
cesairiana que nos abriu passagem
fogo de uma linguagem vulcânica,
para o aqui de uma
jamais pagou tributo ao
Antilhanidade doravante postulável Surrealismo. A partir desse
e ela própria em marcha na direção movimento, ele tornou-se, ao
de um outro grau de autenticidade contrário,uma das figuras mais
que faltava nomear. A Negritude incandescentes, daquelas que não
cesairiana é um batismo, o ato se saberia compreender fora de
inaugural de nossa dignidade toda referência ao substrato
restituída. Nós somos para sempre africano ressuscitado pelo poder
filhos de Aimé Césaire. Nós operatório do verbo. Mas o tropismo
havíamos adotado o Parnaso. Com africano não impediu absolutamente
Césaire e a Negritude tomamos pé Césaire de se inscrever muito
do Surrealismo. Seria seguramente profundamente na ecologia e no
campo referencial antilhano. E se o vencido pela fascinação do distante,
seu canto não desabrochou em etc, todas figuras da alienação.
crioulo, não é menos verdade que Terapêutica violenta e paradoxal, a
sua língua, submissa a uma leitura Negritude fez suceder a ilusão
nova, particularmente em Et les africana à da Europa. Originalmente
chiens se taisaient5, se revela votada à aspiração de nos domiciliar
menos impermeável que o que se no aqui de nosso ser, ela foi, às
crê geralmente às emanações primeiras vagas de seu
crioulas dessas maternas desdobramento, marcada por uma
profundezas. espécie de exterioridade:

A Negritude, salvo o clarão profético exterioridade de aspirações (a


da palavra, não expôs nenhuma África mãe, África mítica, África
pedagogia do Belo, e, de fato, impossível), exterioridade da
nunca teve esse projeto. Em expressão da revolta (o Negro com
verdade, a força prodigiosa que maiúscula, todos os oprimidos da
emanava dela dispensava uma arte terra), exterioridade da afirmação de
poética. O fulgor com que si (nós somos Africanos)6.
resplandecia, balizando com sinais Incontornável momento dialético.
ofuscantes o espaço de nossas Indispensável trajetória.
indecisões, esvaziou toda repetição
Terrível desafio o de sair disso para
5taumatúrgica em detrimento dos
enfim construir uma nova síntese,
epígonos. De maneira que, mesmo
ela mesma provisória, sobre o
galvanizando nossas energias no
percurso aberto da História, nossa
ângulo de fervores inéditos, a
história.
Negritude não remediou
absolutamente nossa inquietação Epígonos de Césaire,
estética. É possível mesmo que desenvolvemos uma escrita compro
tenha, durante algum tempo, metida, empenhada no combate
agravado nossa instabilidade anti-colonialista, mas, em
identitária, apontando-nos a conseqüência, construída também
síndrome mais pertinente de nossas fora de toda verdade interior, fora da
morbidezas: o exílio interior, o
menor das estéticas literárias. Com
mimetismo, o natural do próximo
gritos. Com ódios. Com denúncias.
Com grandes profecias e conceitos distante do público leitor, fora de
eruditos. Nesse tempo, urrar era toda autenticidade, senão de
bom. Ser obscuro era sinal de maneira incidente, parcial ou
profundidade. Coisa curiosa, isso foi acessória.
necessário e nos foi benéfico. Nós
Com Édouard Glissant recusamos
sugávamos isso como uma teta de
anos encerrar na Negritude,
rum. E se isso nos liberava de um
soletrando a Antilhanidade que
lado, acorrentava-nos de outro,
decorria mais da visão que do
agravando nosso processo de
conceito. O projeto não era somente
afrancesamento.
abandonar as hipnoses da Europa e
Pois nessa revolta negrista, se da África. Era preciso também
contestávamos a colonização deixar em alerta a clara consciência
francesa, era sempre em nome de das contribuições de uma e de
generalidades universais pensadas outra: em suas especificidades,
à ocidental e sem nenhum apoio em suas dosagens, seus equilíbrios,
nossa realidade cultural. E, sem nada suprimir nem esquecer
entretanto, a Negritude cesairiana das outras fontes a elas misturadas.
permitiu a emergência daqueles que Mergulhar então o olhar no caos
iriam nomear o invólucro de nossa desta humanidade nova que nós
mentalidade antilhana: somos. Compreender o que é o
abandonados em um impasse, Antilhano. Perceber o que significa
alguns ultrapassaram a barreira esta civilização caribenha ainda
(como fez o escritor martiniquense balbuciante e imóvel. Com
Édouard Glissant), ou ficaram no Depestre, abraçar esta dimensão
mesmo lugar (como fizeram muitos) americana, nosso espaço no
a girar em torno da palavra Negro, a mundo. Dando continuidade a
sonhar com um estranho mundo Frantz Fanon, explorar nosso real
negro, a se alimentar de denúncias em uma perspectiva catártica.
(da colonização ou mesmo da Decompor o que nós somos,
Negritude) que levaram logo ao purificando o que somos pela
vazio, em uma escrita exposição em pleno sol da
verdadeiramente em suspensão, consciência dos mecanismos
fora do solo, distante do povo, ocultos de nossa alienação.
Mergulhar em nossa singularidade, muito tempo em círculo,
investir nela de maneira projetiva, desvairados como cães
aprofundar o que somos... são embarcados em um yole. Glissant
palavras de Édouard Glissant. O mesmo não nos ajudava muito,
objetivo era apreender essa tomado por seu próprio trabalho,
civilização antilhana em seu espaço distanciado por seu ritmo,
americano, era preciso sair dos persuadido a escrever para leitores
gritos, dos símbolos, das futuros. Ficávamos diante de seus
cominações estrepitosas, das textos como diante de hieróglifos,
profecias declamatórias, dar as captando confusamente a vibração
costas à inscrição fetichista em uma de um caminho, o oxigênio de uma
universalidade regida pelos valores perspectiva.
ocidentais, a fim de entrar na
Subitamente, entretanto, com seu
minuciosa exploração de nós
romance Malemort (pela alquimia da
mesmos, feita de paciências, de
linguagem, a estrutura, o humor, a
acumulações, de repetições, de
temática, a escolha dos
insistências, de obstinações, onde
personagens, a recusa das
se mobilizariam todos os gêneros
complacências) ele operou o
literários (separadamente ou na
singular desvelamento do real
negação de suas fronteiras) e o
antilhano. De seu lado, produzindo
manuseio transversal (mas não
as primeiras germinações de uma
forçosamente erudito) de todas as
crioulística recentrada em suas
ciências humanas. Um pouco como
profundezas nativas, o escritor
em escavações arqueológicas: o
haitiano Frankétienne transformou-
espaço estando esquadrinhado,
se em sua obra Dézafi, ao mesmo
avançar por pequenos toques de
tempo, no ferreiro e alquimista do
pincel a fim de nada alterar ou
"centro nervoso" de nossa
perder desse nós-mesmos
autenticidade: o crioulo recriado
escondido sob o afrancesamento.
para e pela escrita. Portanto foram
Mas, não estando demarcadas as Malemort e Dézafi
vias de penetração na surpreendentemente aparecidos no
Antilhanidade, a coisa foi mais fácil mesmo ano de 1975 - que, em sua
de dizer que de fazer. Giramos interação deflagradora, permitiram,
às novas gerações, a espectadores exteriores. Ele
movimentação do primeiro emerge de uma projeção do íntimo
instrumento dessa tentativa de se e trata cada parcela de nossa
realidade como um acontecimento
conhecer: a visão interior.
na perspectiva de quebrar sua visão
Criar as condições de uma tradicional, dominada pela
expressão autêntica supunha exterioridade e submissa aos
exorcizar o velho fatalismo da sortilégios da alienação... É nisso
exterioridade. Não ter sob a que a visão interior é reveladora,
pálpebra senão as pupilas do Outro portanto revolucionária. Reaprender
invalidava os encaminhamentos, os a visualizar nossas profundezas.
procedimentos e os processos mais Reaprender a olhar positivamente o
justos. Abrir os olhos sobre si que palpita à nossa volta. A visão
mesmo à maneira dos regionalistas interior desfaz primeiro o velho
não era suficiente. Dirigir o olhar imaginário francês que nos recobre,
para essa cultura "fundacional- e nos restitui a nós mesmos em um
natal" a fim de não privar nossa mosaico renovado pela autonomia
criatividade de seu essencial, à de seus elementos, sua
maneira dos indigenistas haitianos, imprevisibilidade, suas ressonâncias
não era suficiente. tornadas misteriosas. É uma
subversão interior e sagrada à
Era preciso lavar os olhos: refazer a
maneira de Joyce. Vale dizer: uma
visão que tínhamos de nossa
liberdade. Mas, tentando em vão
realidade para nela surpreender o
exercê-la, percebemos que não
verdadeiro. Um olhar novo que
podia haver visão interior sem uma
retiraria nosso natural do secundário
prévia aceitação de si. Poder-se-ia
ou da periferia a fim de reconduzi-lo
mesmo dizer que a visão interior é
ao centro de nós mesmos. Um
resultante dela.
pouco desse olhar da infância,
questionador de tudo, que não tem O afrancesamento nos forçou a um
ainda seus postulados e que autodenegrimento: destino comum
interroga as evidências. Esse olhar dos colonizados. É muitas vezes
livre não precisa de autoexplicações difícil distinguir aquilo que, em nós,
ou de comentários. Ele não tem
poderia ser objeto de um iglóssica. Algumas de nossas
encaminhamento estético. tradições desapareceram sem que
ninguém as examinasse com a
O que achamos belo em nós
intenção de se enriquecer com isso,
mesmos é o pouco que o outro
e, mesmo nacionalistas,
declarou belo. O nobre está
progressistas, independentistas, nós
geralmente longe. O Universal
tentamos mendigar o Universal da
também. Nossa expressão artística
maneira mais incolor e inodora
foi sempre buscar inspiração no
possível, isto é, na recusa do
distante. E o que ela trazia do
próprio fundamento de nosso ser,
distante era sempre guardado,
fundamento que hoje, com toda a
aceito, estudado, pois nossa idéia
solenidade possível, declaramos ser
do estético estava fora de nós. Que
o vetor estético maior do
vale a criação de um artista que
conhecimento de nós mesmos e do
recusa em bloco seu ser
mundo: a Crioulidade.
inexplorado? Que não sabe o que
ele é? Ou que dificilmente o aceita?
E que vale a visão do crítico que se
A CRIOULIDADE
encontra enredado nas mesmas
condições? Nossa situação foi a de A Antilhanidade não nos é acessível
dirigir um olhar exterior sobre nossa sem visão interior. E a visão interior
realidade recusada mais ou menos não é nada sem a total aceitação de
conscientemente. Em literatura, mas nossa crioulidade. Nós nos
também nas outras formas de declaramos Crioulos. Declaramos
expressão artística, nossas que a Crioulidade é o cimento de
maneiras de rir, de cantar, de andar, nossa cultura e que ela deve reger
de viver a morte, de julgar a vida, de as fundações de nossa
pensar o azar, de amar e de falar o antilhanidade. A Crioulidade é o
amor, foram mal examinadas. agregado interacional ou
Nosso imaginário foi esquecido, transacional dos elementos culturais
deixando esse grande deserto onde caraíbas, europeus, africanos,
a fada Carabosse secou Manman asiáticos e levantinos, que o jugo da
Dlo. Nossa riqueza bilíngüe história reuniu sobre o mesmo solo.
recusada se manteve em dor Durante três séculos, as ilhas e as
áreas do continente que este milenares, sem saber que éramos a
fenômeno afetou foram verdadeiras antecipação do contato das
forjas de uma humanidade nova, culturas, do mundo futuro que já se
onde línguas, raças, religiões, anuncia. Somos, ao mesmo tempo,
costumes, maneiras de ser de todas a Europa, a África, alimentados de
as faces do mundo, encontraram-se contribuições asiáticas, levantinas,
brutalmente desterritorializadas, indianas, e nos constituímos
transplantadas em um contexto também das sobrevivências da
onde tiveram que reinventar a vida. América pré-colombiana. A
Nossa crioulidade nasceu portanto Crioulidade é "o mundo difratado
desse formidável "migan" que se mas recomposto", tempestade de
tratou rapidamente de reduzir a seu significados em um só significante:
único aspecto lingüístico ou a um só uma Totalidade. E achamos que
dos termos de sua composição. não é lamentável, no momento, não
Nossa personalidade cultural termos uma definição para ela.
carrega ao mesmo tempo os Definir, aqui, entraria no domínio da
estigmas desse universo e os taxidermia. Esta nova dimensão do
testemunhos de sua negação. Nós homem, de que somos a silhueta
nos forjamos na aceitação e na préfigurada, mobiliza noções que
recusa, portanto no questionamento nos escapam ainda. De maneira
permanente, em total familiaridade que, tratando-se da Crioulidade, da
com as ambigüidades mais qual só temos a intuição profunda, o
complexas, fora de todas as conhecimento poético, e no cuidado
reduções, de toda pureza, de todo de não fechar nenhuma via de suas
empobrecimento. Nossa História é possibilidades, dizemos que é
uma trança de histórias. preciso abordá-la como uma
Experimentamos de todas as questão a viver, a viver
línguas, de todos os falares. obstinadamente em cada luz e em
Temendo esse desconfortável cada sombra de nosso espírito.
magma, tentamos em vão fixá-lo em Viver uma questão é enriquecerse
longínquos míticos (olhar exterior, de elementos não presentes em sua
África, Europa, hoje ainda, Índia ou resposta. Viver a questão da
América) e procurar refúgio na Crioulidade, ao mesmo tempo em
normalidade fechada das culturas total liberdade e em total vigilância,
é enfim penetrar insensivelmente (ser autêntica) sem a Crioulidade. A
nas vastidões desconhecidas de Crioulidade é uma aniquilação da
sua resposta. Deixemos viver (e falsa universalidade, do
vivamos!) a vermelhidão desse monolingüismo e da pureza.
magma. Por causa de seu mosaico Encontra-se na crioulidade o que se
constitutivo, a Crioulidade é uma harmoniza com o Diverso em
especificidade aberta. Ela escapa direção do qual Victor Segalen teve
assim às percepções que não seu formidável ímpeto. A
seriam elas mesmas abertas. Crioulidade é nossa sopa primitiva e
Exprimi-la é expressar não uma nosso prolongamento, nosso caos
síntese, não simplesmente uma original e nosso manguezal de
mestiçagem, ou qualquer outra virtualidades. Nós nos debruçamos
unicidade. É exprimir uma totalidade sobre ela ricos de todos os erros e
caleidoscópica, isto é, a consciência fortes da necessidade de nos
não totalitária de uma diversidade aceitar complexos. Porque o próprio
preservada. Decidimos não resistir a princípio de nossa identidade é a
suas multiplicidades assim como o complexidade. Explorar nossa
jardim crioulo não resiste às formas crioulidade deve se efetuar em um
dos inhames que crescem nele. pensamento tão complexo quanto a
Viveremos seus desconfortos como Crioulidade. O desejo de uma
um mistério a considerar e a clarificação a partir de duas ou três
elucidar, uma tarefa a cumprir e um leis da normalidade, nos fez nos
edifício a habitar, um fermento e um considerarmos a nossos próprios
desafio para a imaginação. Nós a olhos como seres anormais. Ora, o
dimensionaremos como referência que parecia tara pode se revelar
central e como deflagração como a indefinição do novo, a
sugestiva a organizar riqueza do jamais visto. Por isso
esteticamente. parece que, no momento, o pleno
conhecimento da Crioulidade será
Porque ela não é um valor em si;
reservado à Arte, à Arte
para ser pertinente, sua expressão
absolutamente. Será o preâmbulo
deve se comprometer com um
de nossa afirmação identitária. Mas
desempenho estético acabado.
é claro que a Crioulidade tem
Nossa estética não poderá existir
vocação para irrigar todas as
nervuras de nossa realidade, para real para a assunção de nós
tornar-se pouco a pouco o seu mesmos.
princípio motor. Nas sociedades
Convém distinguir Americanidade,
multirraciais como as nossas, faz-se
Antilhanidade e Crioulidade,
urgente que se saia das habituais
conceitos que, a primeira vista,
distinções raciológicas e que se
poderiam parecer recobrir as
retome o hábito de designar o
mesmas realidades. Primeiramente,
homem de nossos países com o
os processos sócio-históricos que
único vocábulo que lhe convém,
produziram a americanização não
qualquer que seja sua compleição:
são da mesma natureza que os que
Crioulo. As relações sócio-étnicas
entraram na Crioulização.
no seio de nossa sociedade
deverão doravante se dar sob o selo Com efeito, a americanização e
de uma crioulidade comum, sem portanto o sentimento de
que isso oblitere o mínimo possível americanidade que daí decorre,
as relações ou os confrontos de descreve a adaptação progressiva
classe. Em literatura, o de populações do mundo ocidental
reconhecimento agora unânime, em às realidades naturais do mundo
nossos países, do poeta Saint-John que elas batizaram de novo. E isso,
Perse como um dos filhos mais sem interação profunda com outras
prestigiosos da Guadalupe - e isso culturas. Assim os Anglo-Saxões
apesar de sua pertença à que formaram as treze colônias,
etnoclasse béké - corresponde embrião do futuro estado
seguramente a um avanço da americano, desdobraram sua
Crioulidade nas consciências cultura em uma nova paisagem
antilhanas. Isso é motivo de júbilo. quase virgem, levando-se em conta
Igualmente, em arquitetura, em arte o fato de que, encurralados em
culinária, em pintura , em economia reservas, massacrados, os
(como as Seychelles nos dão o indígenas peles-vermelhas
exemplo), em arte indumentária, et praticamente não influenciaram sua
caetera, as dinâmicas da cultura original. Da mesma maneira,
Crioulidade aceita, questionada, ficando relativamente fechados nas
exaltada, parecem-nos o caminho tribos que aí residiam, os Negros
Boni e Saramaka das Guianas se
americanizaram ao contato da esquemas resultam da mistura não
floresta amazônica. Assim também harmoniosa (e não acabada,
os Italianos que chegaram em portanto não redutora) das práticas
massa na Argentina no século XIX, lingüísticas, religiosas, culturais,
ou os Indus que substituíram os culinárias, arquiteturais, medicinais,
antigos escravos negros nas etc, dos diferentes povos em
plantações de Trinidad adaptaram contato. Bem entendido, existem
sua cultura original à das novas crioulizações mais ou menos
realidades sem entretanto modificá- intensas, conforme todos os povos
la completamente. A americanidade em contato sejam exógenos como
é portanto, em grande parte, uma nas Antilhas ou nas Mascarenhas,
cultura emigrada, em um esplêndido ou que um dentre eles seja
isolamento. Totalmente outro é o autóctone como nas ilhas do Cabo
processo de crioulização, que não é Verde ou no Havaí. A Crioulidade é
próprio somente do continente portanto o fato de pertencer a uma
americano (isso não é portanto um entidade humana original que a
conceito geográfico) e que designa termo emerge desses processos.
a entrada em contato brutal, em Existe portanto uma crioulidade
territórios insulares, ou encravados, antilhana, uma crioulidade
- fossem eles imensos como a guianense, uma crioulidade
Guiana e o Brasil -, de populações brasileira, uma crioulidade africana,
culturalmente diferentes: nas uma crioulidade asiática e uma
Pequenas Antilhas, Europeus e crioulidade polinésia, bastante
Africanos; nas Mascarenhas, dessemelhantes entre elas mas
Europeus, Africanos e Índios; em oriundas da matriz da mesma
certas regiões das Filipinas ou no tormenta histórica. A Crioulidade
Havaí, Europeus e Asiáticos; em engloba e finaliza portanto a
Zanzibar, Árabes e Negro-Africanos, Americanidade uma vez que ela
etc. Reunidos em geral no seio de implica o duplo processo :
uma economia de plantações, essas
- de adaptação dos Europeus, dos
populações são intimadas a inventar
Africanos e dos Asiáticos no Novo
novos esquemas culturais
Mundo; - de confrontação cultural
permitindo estabelecer uma relativa
entre esses povos no seio de um
coabitação entre elas. Esses
mesmo espaço, chegando à criação província da Americanidade a
de uma cultura sincrética dita exemplo da Canadianidade ou da
crioula. Argentinidade. Ela omite, com
efeito, que houve, em certas ilhas,
Não existe evidentemente uma
mais que a simples americanização,
fronteira estanque entre as zonas
um fenômeno de crioulização (e
de crioulidade e as de
portanto de crioulidade). Por
americanidade. Em um mesmo
exemplo, zonas inteiras do Norte de
país, elas podem se justapor ou se
Cuba só conheceram uma
interpenetrar: assim, nos U.S.A., a
americanização de colonos
Luisiânia e o Mississipi são em
andaluzes, galegos ou canarianos,
grande parte crioulos, enquanto que
sem nenhuma crioulização. Em
a Nova-Inglaterra, onde no início só
certas regiões canavieiras de
viveram os Anglo-Saxões, é
Trinidad, a cultura hinduista se
americana. Todavia, após a
adaptou simplesmente a um
abolição da escravidão e a ida dos
contexto novo sem se crioulizar
Negros para o Norte, e com a
verdadeiramente, contrariamente ao
chegada de Italianos, Gregos,
bondyékouli das Pequenas Antilhas,
Chineses e Porto-riquenhos, ao
que é um culto crioulo de base
longo do século vinte, pode-se
hinduista. O conceito de
legitimamente pensar que se
Antilhanidade nos parece então
reuniram condições para que um
primeiro geopolítico. Dizer
processo de crioulização esteja
"antilhano" não revela nada da
atualmente em curso na Nova-
situação humana dos
Inglaterra.
martiniquenses, dos
Crioulidade e Americanidade assim guadalupenses, ou dos haitianos.
distintas, que é feito da relação da Os Crioulos que somos são tão
Antilhanidade e da Crioulidade? A próximos, senão mais próximos,
Antilhanidade designa, a nossos antropologicamente falando, dos
olhos, somente o processo de seychelenses, dos mauricianos ou
americanização de Europeus, de dos reunionenses que dos
Africanos e de Asiáticos através do portoriquenhos ou dos cubanos. Ao
arquipélago antilhano. Por esse contrário, há relativamente poucas
fato, ela é, por assim dizer, uma coisas em comum entre um
seychelense e um cubano. Nós,
antilhanos crioulos, somos portanto
portadores (como indica o esquema
abaixo) de uma dupla solidariedade:

- de uma solidariedade antilhana


(geopolítica) com todos os povos de
nosso Arquipélago,quaisquer que
sejam nossas diferenças culturais:
nossa Antilhanidade; - de uma
solidariedade crioula com todos os
povos africanos, mascarenhos,
asiáticos e polinésios que partilham
das mesmas afinidades
antropológicas que nós: nossa
Crioulidade.
Critica
roedora
Critica roedora
Na sua origem, a dialetica é um
esforço para suprasunção de todos
os meros dispositivos conceituais de
ADORNO, INTRODUÇÃO A argumentações espúrias, e
DIALETICA, PRIMEIRA AULA. precisamente articulando o
Tradução: Guilherme Orestes pensamento conceitual em um
Canarim.
desenho rigoroso. Platão tentou ir
contra seu oponentes, os
(Esta tradução é unicamente de
sofistas,pelo uso dos meios destes.
interesse acadêmico.)

Preleção 1 Do mesmo modo, o conceito de


dialetica como nos chegou do
8 de maio de 19583
pensamento clássico é muito
diverso do que eu entendo pelo

O conceito de dialética que iremos termo. Para os antigos, o conceito

explorar aqui não tem nada a ver de dialetica é relativo a um método

com a difundida concepção de um filosófico. E de certo modo, é o que

tipo de pensamento que é distante ele tem sido. Dialetica é ambos-é

das coisas e revela-se apenas em um método do pensamento, porem

seus próprios dispositivos é mais que isso, isto é, uma

conceituais. De fato,no ponto em estrutura especifica que permeia a

que o conceito emergiu próprias coisas, e que por razões

primeiramente na filosofia, na obra fundamentalmente filosóficas

de Platão, ele já sugeria o oposto, deveria também ser a medida da

isto é uma forma de pensar própria reflexão filosófica (ou da

disciplinada cujo objetivo é proteger- reflexão filosófica em si mesma).

nos de toda manipulação sofistica.


O que a dialetica significou para
Platão salientou que podemos dizer
Platão, foi que o pensamento
algo racional sobre as coisas
filosófico não pode simplesmente
apenas quando entendemos algo
viver la onde se coloca, como foi,
sobre estas (Gorgias e Phaedrus)4.
mas continuar a viver quando

3
informar nossa consciência sem que
Não há transcrições oficiais desta primeira
aula. O texto esta baseado em um registro percebamos isso.
estenográfico.
4
RESENHA : FREIRE, PAULO. extensão, pressupõe-se que é o ato
PEDAGOGIA DO OPRIMIDO, 17ª. de que alguém está levando
Ed. Rio de Janeiro, Paz e conhecimento para outra pessoa.
Terra, 1987, 105p. Em Pedagogia do Oprimido, o autor

Por: Marina Coelho Arnt estabelece outro tipo de crítica; em


relação ao modo como essa
extensão é praticada e explicita. Um
Paulo Freire, educador brasileiro
conceito que Freire aborda em
renomado que viveu no século XX,
Pedagogia do Oprimido e expande
inseriu uma proposta de um método
o conceito e crítica em Extensão ou
inovador no ensino da
Comunicação? é o da prática da
alfabetização, trabalhou com
educação libertadora; para tais
palavras geradas a partir da
conceitos, e tais críticas, o autor
realidade dos alunos; tal método foi
abordar pressupostos e indagações
levado a outros países. O educador
a respeito do ser humano em si.
levou em conta o contexto social
Paulo Freire tem como base
desses alunos; estava preocupado
filosófica Marx e Hegel, com estas
com o número elevado de adultos
propostas e com pensamentos
analfabetos na área rural dos
revolucionários que são, na
estados nordestinos. Propôs, então,
verdade, nem um pouco práticos
uma alfabetização com base no
nem maleáveis e, talvez, pouco
vocabulário e no cotidiano de tais.
utópicos e exagerados.
Em duas obras analisadas de
Freire, Pedagogia do Oprimido e Pedagogia do Oprimido é uma
Extensão e Comunicação?, exaltação, e aparição, do lado
observa-se a exaltação das pessoas “socialista” e filosófico de Marx, que
que vivem nas áreas rurais, como é, Freire aborda em suas obras. Nessa
de fato, o público almejado de obra, o autor defende as lutas de
alcance e dedicação de Freire. O classe e aborda um aspecto de
autor faz uma análise crítica do questionamentos em relação à
termo extensão; há vários contextos humanidade. Perguntas como
a serem analisados. A crítica nesta “quem sou eu?”, “qual meu papel na
parte é em relação à aparição do sociedade?”, entre muitas outras,
equívoco (gnosiológico) do termo mais simples e mais complexas,
geram, muitas vezes, respostas; na qual, quem tem mais influência,
essas respostas deveriam gerar tem mais dinheiro, e, na maioria das
novas indagações e novas vezes, tem mais lucro e uma vida
perguntas, segundo Freire. Essa melhor, e assim por diante, é quem
proposta é extremamente positiva, realmente terá mais poder e mais
requinta um aprimoramento humano privilégios na sociedade. Freire
e social, pois, as respostas que aborda que essas modificações e
geram mais perguntas e afins, são essas procuras são de
de caráter revolucionário e característica humana; o ser
humanizado; como se existisse algo humano é inconcluso, e está
que a humanidade deve buscar e realmente, sempre buscando algo;
aprimorar-se, porém, não há algo e, a humanidade é consciente
como “perfeição”, então, são uma dessa inconstância abordada. As
constante jornada e ensinamentos e teorias e propostas de Freire a
melhoras, tanto sociais, políticas, respeito das classes oprimidas,
humanas. Apesar de ter esse lado dessas pessoas do contexto rural,
extremamente positivo e libertador, são excelentes, de fato, porém, há
esses questionamentos sobre o os fatos históricos da sociedade. Há
social, sobre a humanidade, não uma desumanização; apesar de que
hão de fazer grandes mudanças na na visão do autor o ser humano tem
vida desse público rural do jeito que a vocação para a humanização, isto
Freire almeja. Os questionamentos é negado. Há muitas injustiças,
para essas pessoas são válidos, opressões, violências e muitas
elas questionarão; porém, dentro do outras barbaridades; isso, porque, a
sistema capitalista, e das questões desumanização já é um fato
de sobrevivência e como o sistema concreto na sociedade, e foi
rural é organizado no Brasil, as implantado pelo opressor. Dentro do
produções rurais de pequeno porte, contexto da desumanização
os produtores rurais em que Freire é presente historicamente na
focado, não possibilitam grandes sociedade, Freire insere a crítica
estratégias de modificações da vida presente em Extensão ou
rural. A verdade é que; o sistema no Comunicação?. O equívoco
país é muito desigual, é realmente diagnosticado pelo autor em relação
uma luta de classes e de “poderes”, ao termo extensão; a tendência de
opressão do opressor, e, outras ponto, o autor aborda questões de
situações similares, gera uma poder, também, outra frase,
“domesticação” da educação; como bastante divulgada de Freire é um
se o individuo oprimido não relação à questão da opressão;
participasse da própria história. quando a educação não é
libertadora, o sonho do oprimido é
A educação libertadora que
ser o opressor, talvez seja um
Freire defende gera alguns tópicos
pouco radical, de fato, mas as
importantes. Aprender é
alegações políticas são de
revolucionar; no momento em que o
incumbência verdadeiras. Freire
conhecimento é gerado, indagações
também propõe a liberdade,
são postas, questionamentos
diversidade e ética; com as ideias
surgem, enfim, há uma superação
que o autor sugere nesse contexto,
do estado de opressão; isto porque
é fácil entender o porquê de terem
o conhecimento adquirido é uma
sido divulgadas ampla e
das poucas coisas que quando
internacionalmente. O meio é de
adquiridas não há como modificar,
escolha, todos são livres e devem
há como aumentar o conhecimento,
ter a liberdade reivindicada pelo
obviamente, há como esquecer,
autor, já que, para tal, apesar de
mas não há como diminuir ou retirar
terem pessoas contra muitas pautas
os conhecimentos e ideias
em relação à educação, ninguém
adquiridas. Com a questão da
ignora tudo ao seu redor, e, muito
aprendizagem, de adquirir
menos, sabe de tudo; porque, pelo
conhecimento, há uma frase de
menos alguma coisa todos os seres
Freire amplamente divulgada e que
humanos sabem, e pelo menos,
é de verdadeira conformidade, o
uma coisa é ignorada, por isso o
autor defende que não é a
autor constrói a ideia de que os
educação que transforma o mundo,
seres humanos têm que fazer parte
a educação transforma as pessoas,
da própria educação, da própria
e são as pessoas que transformam
geração de conhecimentos. Há um
e modificam o mundo. Um tópico
importante aspecto que Freire
interessante que Freire aborda
destaca em Pedagogia do Oprimido,
sobre a educação libertadora é que
não há docência sem a discência;
toda educação é política; nesse
um ponto relativamente relevante na
formação de professores, mas, ao conhecimento e aprendizagem é
mesmo tempo, uma questão um função do aluno. Os métodos de
tanto quanto arbitrária, já que há Freire são muito libertadores e
profissionais bons e ruins em todas revolucionários, mas não são
as profissões e nem todos os coerentes. A exaltação dos
profissionais da docência lerão oprimidos constantemente nas
Paulo Freire. Na prática da atuação obras torna a leitura mais densa e
dos professores, Freire implica que mais cansativa. A Pedagogia do
ensinar exige rigorosidade Oprimido e a Extensão ou
metódica, mas é um pouco Comunicação? não são obras com
inadequado em relação à educação um nível de complexidade elevado,
brasileira de hoje. No século XX, são leituras tediosas com um
quando esses pensamentos foram caráter maçante, há a sensação que
articulados, os meios de o autor teve uma ideia
ensinamento eram tradicionais, revolucionária em relação a
muitas coisas foram modificadas, educação dessas pessoas
transtornos que prejudicam a caracterizadas como oprimidos, e
aprendizagem foram a em relação a educação em geral,
conhecimento público, e outras mas não soube sintetizar a ideia nas
ocorrências. Apesar da busca da obras de uma forma agradável para
educação libertadora, há a leitura.
empecilhos na articulação dos
métodos propostos pelo o autor;
com base no público adulto e rural REFLEXÃO SOBRE
almejado, a dedicação não vem GLOBALIZAÇÃO E
apenas do profissional da docência, INTERDISCIPLINARIDADE:
o que parece estar inadequado da ENTRE OS LIMITES DO
DISCURSO E A PRÁXIS
obra de Freire. A educação, o
conhecimento parte do professor – Por: Danilo Barbosa de Arruda
apesar de não reter todo o
conhecimento, na grande parte dos
profissionais da educação, há um O espaço público de
saber a mais que os dos alunos – e discussão e a necessidade de uma
a apropriação de mais nova era de pactos em torno dos
direitos humanos, direito à vida, da torna invisível quem está fora do
reafirmação da pluralidade de circuito socioeconômico.
ideias, da dignidade da pessoa Conforme Queiroz (2012), a
humana, do Estado democrático de participação social no processo
Direito e da própria condição de democrático para alcançar os
manutenção da existência humana objetivos traçados nas leis
na Terra são interpelados pelo brasileiras depende da interação
processo de globalização. Assim, a social e do poder de (auto)crítica
interdisciplinaridade e a dimensão desses cidadãos. A conceituação de
da racionalidade ambiental e da elementos basilares na sua
vida colocam a importante integralidade, a exemplo do
discussão acerca do marco teórico significado político e simbólico de
que abrange as conseqüências e vida, infância, juventude, velhice,
implicações das dinâmicas políticas, limites e alcance da ciência, ética,
econômicas, ecológicas e provocam a reavaliação da
tecnológicas no contexto desse interação entre sujeito, comunidade,
século, pois vislumbra um porvir que público e privado:
pode ratificar o establishment ou
retificá-lo. O que torna o homem um ser/animal
Trazer à lume um arcabouço político é a sua capacidade de

dessa magnitude é tarefa árdua participar das decisões políticas


oriundas da sociedade. O não
para muitos estudiosos da temática
participar implica no inútil conformismo
e, por serem pioneiros, são os
que estanca uma gestão democrática e
expoentes que tentam delinear a
cidadã, pois dão espaço para que
trajetória da humanidade para que
outros, muitas vezes mal
se constitua enquanto espécie viva intencionados, respondam pela
nos séculos vindouros. Viceja na coletividade, acarretando enormes
modernidade (pós) para alguns que danos para toda a sociedade. “[...] a
vivem nela e podem ser omissão de muitos impede que se
considerados cidadãos globais, a tenha um sistema democrático.”
inserção da construtivista (DALLARI, 1999). Em se tratando de

participação social dos que estão à cidadania ecológica esse argumento é


procedente. Não adianta pensar em
margem desse processo
gestão democrática dos recursos
excludente, que divide, separa,
naturais e de toda questão social que alterado e construído para
envolve esse tema, sem a inclusão de satisfação dos deleites da
todos no processo. Muitas vezes as civilização, ratificando o projeto
discussões ficam isoladas e isso não
neoliberal e a consequente
ressoa, portanto, não ganha vida, não
globalização não apenas de
possui capilaridade, uma vez que as
serviços, comércio, mercadoria,
pessoas não conseguem se enxergar
tecnologia e mercados financeiros,
como co-participantes do processo.
fragmentando ainda mais a teia da
vida e realimentando as
Os direitos e deveres da desigualdades, exclusões,
sociedade civil organizada migrações em massa, crise
dependem do despertar individual e ambiental e caos social. Nessa
coletivo da revisão dos conceitos toada, LEONARDI (...) aduz que:
caros à humanidade: liberdade de
expressão, dignidade da vida Quando se reconhece que a sociedade
humana, tolerância, solidariedade, global, em suas configurações e em
autonomia, respeito às diferenças, seus movimentos, envolve outra
pluralidade, bens essenciais para a realidade histórica, geográfica,

inclusão e vivência entre sujeitos antropológica, política, econômica,


social, cultural, religiosa, lingüística,
políticos. Some-se a isto o
então temos que perguntar como essa
reconhecimento estatal e a feitura
nova realidade influi, e se expressa, na
de políticas públicas que fomentem
sociedade nacional. É como se a
o desenvolvimento das reais
sociedade global fosse um todo
necessidades populares, seus
abrangente, complexo e contraditório,
interesses e anseios de curto, subsumindo formal ou realmente a
médio e longo prazos. Há uma sociedade nacional. É claro que a
convergência dos textos adiante sociedade global não se constitui
para a temática da globalização, já autônoma, independente, alheia à
que ela envolve a nacional, que continua a existir, com

transdisciplinaridade e requer uma seus dilemas, símbolos, povo, território.


Mas mudam os seus significados
visão que possa contemplar a
(LEONARDI, 1994, p.120).
complexidade da era pós-moderna.
Para tanto a elaboração do
ambiente humano, transformado,
Assim, fica mais nítido que a economias em expansão. Um
globalização transpassa todas as chamariz desse glamour da
barreiras civilizacionais e a ciência urbanização é medido pela
tem um papel premente nas desigualdade socioeconômica,
diretrizes que o Estado, iniciativa inerente ao sistema. Afinal, para
privada e demais atores sociais existir bilionários e milionários
podem ter enquanto sujeito político. muitos persistirão na miséria e
A mudança e transformação que exclusão socioambiental (BAUMAN,
cabem aos ditames da 1998).
epistemologia podem trazer uma Mediante o exposto acima,
nova lógica e dar uma tônica nota-se uma mudança central que
diferenciada para a sustentabilidade houve no pensamento
planetária ou perpetuar o sistema epistemológico e inclui uma
econômico e as assimetrias sociais, contrapartida do papel ideológico da
culturais, ambientais, econômicas e ciência na modernidade. A
territoriais decorrentes dele. construção desse futuro requer uma
No mesmo sentido, Zygmunt profunda análise de passado,
Bauman adverte que o capitalismo presente e futuro que se quer
se reinventa e seduz, desperta alcançar. Traçar metas e rumos que
desejo, consumismo e mercantiliza sejam exequíveis e atinar para o
as relações sociais e tudo que compartilhamento de todos os seres
possa ter valor e ser tomado como envolvidos num objetivo de manter
mercadoria, serviço ou produto. O as condições de habitabilidade da
mundo na era da globalização não é Terra (LEFF, 2010, p.163).
mais sólido, se tornou líquido e Tecer comentários e fazer
toma a forma que achar mais uma análise da conjuntura atual
producente e for conveniente. acerca desses assuntos que
Nesse mote, a mobilidade social, permeiam a academia nutre uma
vem consubstanciada como a dimensão simbólica do poderio da
robustez do capitalismo num ano ideologia e do conceito que se
em que migrações em massa de capilarizou a respeito do que é
países africanos e do oriente médio desenvolvimento. Afinal, é a partir
para Europa e de países pobres da de teorias e seu exercício contínuo
Ásia para os Tigres Asiáticos e que a práxis torna tangível a ideia
conceitual do que vem a ser milhões de africanos, asiáticos e sul-
desenvolvimento. A história é cíclica americanos, é o produto direto ou

e o mercado se une à política, indireto do desenvolvimento das zonas


industriais avançadas (MORIN, 2010,
cultura, visando manter o status
p.27).
quo. O desenvolvimento não é
estático e dentro dele estão
variáveis e graus que envolvem Nesse diapasão, é salutar o
diversos fatores para se entendimento e diálogo para se
complementar. A crise, ou as crises, fazer novas conexões que possam
pelas quais a humanidade abrir caminhos alternativos que não
atravessa no corrente ano são venham convergir para a ótica do
condizentes com a espiral projeto neoliberal de
comportamental de regressão, mercantilização da vida human e
evolução, dado o tempo e espaço demais seres vivos, pois todas as
que são funcionais para, formas de vida coabitam o mesmo
ardilosamente, perpetuar o sistema planeta Terra. A compreensão de
tal como está posto: que a globalização é um processo
complexo e não apenas econômico,
O subdesenvolvimento não é somente que leva a dicotomias entre pobreza
uma herança do atraso. É também e riqueza, inclusão e exclusão,
produto da implantação forçada do
mercadoria e consumo ou direitos e
modelo de desenvolvimento ocidental
sociedade, democracia ou
fora das condições históricas, culturais,
plutocracia são pontos chave para
tecnológicas, que foram aquelas do
chegar num consenso de que o
desenvolvimento ocidental, modelo
mundo está em crise estrutural e
abstrato e imposto, modelo
tecnoburocrático, que não vê senão a não adiantam medidas paliativas
máquina industrial e jamais o homem, quando se trata de sobrevivência e
cuja competência prévia é necessária dignidade.
para as máquinas e cuja cultura prévia Ser incisivo em outridade, na
não pode se adaptar ao universo alteridade e na fraternidade que é
técnico-cronometrado. Ao mesmo mais que solidariedade, conforme
tempo, o desenvolvimento do
Edgar Morin, sendo a chave para o
subdesenvolvimento das favelas, da
novo milênio implementar uma
desocupação e do desenraizamento de
verdadeira política civilizatória. A
interdisciplinaridade, está Diálogos Socioambientais entre os
consubstanciada no todo, ao Principais Atores das Relações
mesmo tempo, nas partes e na Internacionais. Disponível para
coletividade que em suas acesso em:
diferenças, semelhanças, chegam http://www.anppas.org.br/encontro6/
ao todo. Esse fluir de ideias e anais/gt15.html
convergências podem se articular
para moldar um amanhã diferente,
fulcrado nos elementos mais
simples e poéticos de um ser
humano holístico e flexível.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Globalização:


as consequências humanas. Zahar,
1998.

LEFF, Enrique. Discursos


Sustentáveis. Cortez, 2010.

LEONARDI, Maria Lúcia Azevedo.


A SOCIEDADE GLOBAL E
A QUESTÃO AMBIENTAL.
Disponível para acesso em:
https://drive.google.com/file/d/0B3S
Pz6q4Alv2N3JLdWowNHp6WGc/vie
w

MORIN, Edgar. Para onde vai o


mundo? Vozes, 2010.

QUEIROZ, Iala S. Ambientalismo,


Desenvolvimento Social e
Governança Global: Construção de
Ensayos
Ensayos
intuito de compor o contexto
sociohistorico para a discussão da
noção de educação. Em seguida em
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO: “sobre a educação” buscarei
APROXIMAÇÕES E problematizar a noção de educação
DISTANCIAMENTOS A PARTIR contrapondo duas interpretações
DA NOÇÃO DE EDUCAÇÃO. relativas aos elementos conceituais
Por: Guilherme Orestes e suas implicações, a educação
Canarim5 como “instituição social” e como
“pratica social”. Por fim no capitulo
Resumo: Neste texto pretendo “uma noção de sociedade” meu
elaborar a problemática da relação objetivo será relacionar os dois
entre a sociologia e a educação, pontos de vista prescritos buscando
mais especificamente tentando entender a relação entre educação
responder a questão: como a e sociologia.
educação se constitui enquanto
objeto de estudo da sociologia?
Para tanto utilizarei o método A sociologia revisada
dialético, as partes do texto,
A principio é necessário reconhecer
separadas apenas por didatismo, se
que não há nenhum caminho
entretecem, imiscuem,
seguro e reto no estudo da
interconectam e ao mesmo tempo
sociologia, pelo qual se pudesse
uma desconstrói, desmonta e
adentrar nela primeiro
descompleta a outra, de maneira a
compreendendo qual o seu objeto e
constituir, ao modo da dialetica,
posteriormente quais suas áreas
uma compreensão dinâmica e
centrais e por ultimo seus métodos
aberta do problema. No capitulo “ a
mais consagrados.
sociologia revisada” tentareis expor
uma breve revisão histórica das Se abrimos mão do totalitarismo

transformações que a sociologia epistemológico, podemos então

sofreu desde seu momento inicial observar alguns aspectos técnicos e

até a contemporaneidade, com o metodológicos aplicados por


sociólogos e em outras áreas.
5
Filosofo.
É possível também reconhecer que abandonam com certa confiança
existem muitos temas comuns ou ingênua ao estudo da Sociologia,
freqüentes na discussão sociológica que em uma aula introdutória
contemporânea, como houve em presumo haver entre os
outras épocas. No entanto nem presentes.para nos, mais calejados,
isso, acirrada disputa pela o paradoxo é menor uma vez que
hegemonia no reconhecimento do sabemos que, de modo constitutivo,
meio mais apropriado para a a sociedade em que vivemos – e,
compreensão da sociedade e ou salve se negamos sua existência
dos seus componentes, nem a como fazem alguns sociólogos, a
constância ou descontinuidade de sociedade constitui o objeto da
certos assuntos ou conceitos podem Sociologia – é essencialmente
nos induzir a concluir qualquer contraditória em si mesma. (
definição ultima desta, segundo ADORNO, 2007,P.54-53)
ADORNO,
Em áreas deste tipo, como na
[...]uma introdução a Sociologia
filosofia, não se pode proceder de
enfrenta dificuldades bem
modo semelhante à matemática, em
determinadas, precisamente porque
que o movimento em direção ao
a Sociologia não é o que em
entendimento se da, em geral, dos
Matemática se designa como uma
conceitos e noções mais simples
multiplicidade definida6. Alem disso,
para os mais complexos, com
porque dispensa aquele gênero de
movimentos muito claros e auto-
continuidade, de modo geral própria
evidentes, pelo menos
ao estudo das ciências que,
aparentemente, sistematicamente
conforme a expressão de Max
separados entre si e integrados
Scheler, transmitem sobretudo
numa lógica mais ampla, didatizada.
!saber de dominação”7. Aqui há algo
de paradoxal para aqueles que se Alem disso, se entendemos que
aquilo que se estuda, o objeto da
6
Adorno compreendia a “multiplicidade investigação, não pode, por motivos
definida” como uma “multiplicidade fechada
em si mesma”.
ideológicos, metodológicos ou
7
Max Scheler denominou “saber de domínio ou mesmo epistemológicos, sofrer
de dominação” os resultados dos saberes
científicos ligados as ciências positivas e qualquer prejuízo extrínseco, ou
destinados a “dominação e transformação do
mundo para fins e propósitos humanos”. seja, que a busca pelo
entendimento deve ser levada a critica emergindo como
cabo por um proceder que não estruturalidade do pensamento e
subjugue o objeto imputando-lhe a constituindo a base para a
presunção de insolubilidade percepção dos momentos de
constitutiva das hipóteses, que por interioridade fundamentais a
sua vez mantém a dinâmica da produção das condição de fruição
dialetica no sentido do avanço em do conhecimento e como substrato
direção aos elementos veritativos da experiência estético-
dos quais o objeto é contingente. epstemilógica, nesse sentido no
dizer de CACHOPO,
Nesse sentido pretendemos
elaborar a problemática da Além de reconhecer a violência de
possibilidade da educação tornar-se um pensar submetido ao princípio
objeto da sociologia entendendo a da identidade, e mapear histórica e
sociologia como uma como um socialmente o modo como este
estudo da sociedade. Porem não condiciona o real, tratar-se-ia de
deve estar apenas subsumida a agir sobre a sua lógica
noção de sociedade, entendida aqui configuradora. Que o pensamento
como o “campo das relações de Adorno tenha permanecido
intersubjetivas”(ABAGGNANO, desde o início em tensão para esta
2005, p.923), no contexto do possibilidade prática do
conceito de sociologia. pensamento, prova-o a valorização
do conceito de mimesis – e a
É necessário ainda
promessa subliminar de uma
compreendermos e salientarmos
“racionalidade mimética” – antes de
que os processos econômico-
o postulado de uma dialéctica
politicos e histórico-filosoficos
negativa como pensamento
contidos na sociedade e também
constelar ter tomado a
implicados na historicidade própria a
dianteira.(CACHOPO, 2016,p.225)
sociologia precisam estar, pelo
menos momentaneamente fora do
bojo da critica, no que diz respeito
Assim faz-se necessária uma
as suas influencias propedêuticas,
consideração cuidadosa de
mas dentro do processo
aspectos tanto do conceito de
investigativo na forma da imanência
sociologia quanto do conceito de Demonstra-se assim que talvez uma
educação, tendo em vista a abordagem menos historicizada e
complexidade do contexto do mais focada na dinâmica tensional
problema e o objetivo de propor um atomisticamente isolada na
entendimento sobre se é possível interioridade do conceito, possa
que a educação seja objeto da render-nos uma compreensão mais
sociologia ? E se o for, de que modo elastecida dos limites do próprio
aquela se constitui como campo de conceito.
estudo desta?
Nesse sentido, da definição do que
seja a educação, segundo BONETI,

Sobre a educação A educação é uma instituição


porque se constitui de uma
O conceito de educação pode variar
necessidade de uma atividade
muito, e pode depender das mais
humana, refletindo frente ao
diversas metodologias. É muito
conjunto de normas, regras, valores
comum recorrer a disposições
e atitudes. Tudo isso se constituindo
históricas como maneira de explicar
de elementos passíveis de serem
um determinado conceito ou noção,
estudados pela Sociologia. Por
porem se entendemos que só se
outro lado, a Sociologia tem a
pode compreender uma definição,
educação como campo
em um conceito, entendendo o
investigativo, considerando que
fenômeno ou mecanismo de sua
qualquer atividade humana constrói
origem e seu surgimento, no sentido
e é construída por processos
de como ele se da enquanto tal,
educativos.(BONETI, 2008,p.6)
dessumesse que a abordagem
histórica produz em realidade uma
compreensão dos processos
Observando principalmente os
históricos que envolvem a
aspectos sociológicos externos a
discussão relativa ao conceito, a
própria educação BONETI entende
qual embora seja importante, não
que, em razão de certas aspectos
explica nem deixa evidente em
ou propriedades das praticas
nenhum tempo o que ele é.
humanas, advindas do que ele
considerou como necessidades, ela,
a educação, é portanto uma ligados aos processos
instituição. Alem disso o autor educacionais, e mesmo ao caráter
destaca características da educação reflexivo, transformador que lês
que compõem o conjunto de possam ter tido ou venham a ter,
elementos ligados a possibilidade não podemos depreender daí um
da experiência pedagógica ou diagnostico relativo ao âmago do
educativa. objeto, portanto sob pena de uma
investigação sintomática que não
No entanto, ao dar mais atenção as
compreenda a causa conseqüente
características e fazendo com que
da não identidade no interior do
os elementos ligados aos
conceito, é preciso que busquemos
“processos educativos” ele deixa de
observar não apenas o que é
lado, tendo em vista a justificação
aparente na educação, suas
da posição da educação enquanto
formalidades, sistemas, esquemas
objeto sociológico, uma definição
ou processos, mas focarmos no que
que atente para o que funda a
lhe é mais central, naquilo
própria edição, ou seja, escolhendo
propriamente em que a educação
um aspectos posteriores a própria
realizando-se enquanto tal seja o
educação, como os processos
que só pode ser.
pedagógicos, e o caráter reflexivo
destes, a definição se fragiliza por O sistema de ensino, pela sua
ignorar aquilo que é mais condição paradoxal de
constitutivo do próprio conceito. funcionamento, mantém um
momento regressivo de grande
Apesar de ser reconhecível que a
latência, no entanto é também por
escolarização, e a didatização de
meio dele que se pode enxergar a
certos conteúdos propedêuticos é
única possibilidade de
parte da institucionalização da
reestruturação da sociedade, que
educação e seus processos na
se dará por meio dos sujeitos.
forma de um sistema de ensino,
isso não significa dizer que a Para contrapor a noção de
definição do que seja a educação educação como instituição, com o
pode portanto reduzir-se a isso, fito de desmontar o argumento sem
suas características praxiologicas. desintegralo completamente para
Se nos atemos aos fenômenos que possamos ainda cotejalos com
aqueles da concepção oposta, particular o relativo a educação, que
optamos por utilizar um texto de ameaça o conteúdo ético do
Theodor Adorno intitulado educação processo formativo em função de
e emancipação, no qual o autor sua determinação social.(ADORNO,
elabora sua compreensão da 2005,p.10)
educação buscando o que lhe seja
Transição
mais próprio.
Sobre a relação possível entre as
Para definir a educação, este autor
duas noções, podemos entender
busca compreende-la do ponto de
que, ao mesmo tempo em que o
vista filosófico, sem deixar de
sujeito se vai inoculando a si
observar que ela acontece no
mesmo certa quantidade de
âmbito da sociedade, deste modo
conteúdos socioculturais e indo em
segundo ADORNO,
direção do epicentro da civilização,
A educação não e necessariamente quer dizer enquanto se forma
ura fator de emancipação. Numa formalmente com vistas a tornar-se
época em que educação, ciência e completamente ajustado, agem nele
tecnologia se apresentam — agora tenções opostas de forças internas
"globalmente", conforme a moda em que se ligam pela linguagem
voga — como passaportes para um através de figuras estéticas a
mundo "moderno" conforme os lugares da existência simbólica, nos
ideais de humanização, estas quais a univocidade da
considerações de Theodor W centrifugicidade ou axialidade da
Adorno podem soar como um vida se manifestam intentando que
melancólico desanimo. Na verdade o novo seja a juntura ligamental
significam exatamente o contrario: a entre sujeito e sociedade.
necessidade da critica permanente.
Uma noção de sociedade.
Após Auschwitz, e preciso elaborar
o passado e criticar o presente
prejudicado, evitando que este
Deste modo, compreender as
perdure e, assim, que aquele se
múltiplas implicações dos processos
repita. Q filosofo alerta os
formativos e seus recôncavos mais
educadores em relacao ao
particulares pode nos levar a um
deslumbramento geral, e em
entendimento profundo de aspectos sujeito em relação a sua
vitais das sociedades modernas e determinada ambientação
contemporâneas como as posturas sociocultural, que tem como
éticas, educacionais, econômicas, importante porta de entrada a
bem como nos apontar quais os experiência, que se dá inicialmente
elementos que se farão necessários no convívio com os pares e
a uma atualização dos projetos posteriormente é assinalada de
formativos a serem pensados na maneira significativa pela inserção
contemporaneidade em relação ao no circuito da cultura e da
futuro. socialização pelo intermédio da
escola.
As instâncias estruturais que tem
por objetivo a operação dos Ao contrario do que querem crer
dispositivos que criam as condições muitas das tendências pedagógicas
dos processos de ensino em geral ou mesmo autores renomados da
tem um resultado colateral, porém contemporaneidade, entendemos
não completamente inesperado que a abertura para a autocrítica
dado suas características internas, dos processos pedagógicos pode
de consolidar relações assimétricas ampliar as possibilidades em
e conteúdo ideológicos de matriz relação às contingências da
conservadora.A escola perde o seu formação humana. Movidos por
potencial naquilo que faz de melhor, questões como: ainda são possíveis
socializar o ser humano. projetos formativos mesmo que não
iconoclastas? podemos
A formação cultural, ou seja a
compreender os elementos do
educação enquanto pratica social,
processos pedagógicos que
pensada como continuidade
romperam paradigmas, mas
constitutiva é o constante processo
mantiveram certos ranços que
da aquisição e apreensão da
impedem o avanço pedagógico?
cultura, um conceito por meio do
qual buscamos compreender a Considerações finais
constituição da característica de
Neste texto elaborei a problemática
humanidade nos seres humanos,
da relação entre a sociologia e a
como sendo essa parte fundante do
educação. Mais concretamente,
próprio sentido da formação do
tentei responder a questão: como a pessoalmente as filmagens, através
educação se constitui enquanto de longos corredores. Também
objeto de estudo da sociologia ? chamado de edifício Copacabana, a
uma esquina da praia com 276
Utilizei o método dialético,
apartamentos conjugados, com 500
relacionando as partes, de maneira
moradores, 12 andares com 23
a constituir, ao modo da
apartamentos por andar. A equipe
dialetica,uma compreensão
filmou a vida no prédio por uma
dinâmica e aberta do problema.
semana.
Referencias
O fio condutor de Edifício Master
BONETI, 2008,p.6) in Sociologia e são as narrativas dos moradores
ducação. sociedade, educacao e
desse prédio sobre as suas
cultura ( 183-187). Edição do Kindle.
trajetórias de vida. A trama de cada
indivíduo lidando com a sua solidão,
seu apagamento no anonimato da
RESENHA : EDIFÍCIO MASTER cidade grande: os entrevistados de
Coutinho narram sua experiência e,
Por: Elisiane Muller Vargas,
ao narrar, põem à mostra as suas
Maria Gliselda De Luca8
singularidades. (LOBATO, p.147)

O Filme: Edifício Máster de Eduardo


Coutinho, é um documentário
São relatos de uma vida inteira, das
financiado com recursos da
vivencias pessoais, de vidas se
Prefeitura do Rio De Janeiro, pela
reinventando, vividas em vários
Secretaria Municipal de Cultura,
apartamentos, num mesmo edifício.
através da Riofilme.
Relatos que narram todas as
Eduardo Coutinho, jornalista transformações da vida do edifício,
brasileiro e cineasta premiado, a vida promíscua dos moradores,
dirige a equipe que comanda seqüência de suicídios e
assassinatos. Moradores narram
8
Acadêmicas de Psicologia da
que dominavam a portaria, era um
Universidade do Extremo Sul Catarinense –
cenário dantesco de gente entrando
UNESC.
e saindo, polícia, baderna, casa de
massagem, corredores com vida com muitas perdas materiais,
mulheres caídas, cafetinas, vivenciais de sofrimento, doenças,
prostituição, filas de homens desemprego, subemprego, de
esperando na porta. realidade dura. Os moradores se
emocionam pelas próprias histórias
Hoje os moradores acham que o
de suas vidas, de perdas de infância
edifício está moralizado e familiar. O
normal, mães precoces,
responsável: Sergio que é o
prostituição, vida de humilhações e
administrador do prédio. Seu
a espera a morte porque o mundo é
objetivo é fazer um local digno e
ruim.
descente e acha que consegui, mas
com muitos conflitos. Alguns gostam do lugar pelo bairro,
onde tudo acontece, outros se
Uma moradia que é ao mesmo
sentem sufocados. Paraíso e
tempo cartão postal e o retrato da
inferno ao mesmo tempo. A perda
violência. Sentimentos de medo,
do sentido da vida, a aceitação do
pavor que levam ao desespero, com
sofrimento, resignados pelo medo,
pensamentos suicidas, de
falta de apoio e abandono.
abandono, de não pertencimento.
Mas ao mesmo tempo a Alguns relatos de encontros e
necessidade da vida. A solidão felicidades, histórias um pouco
social, a solidão que machuca fantásticas, neuróticas e recheadas
muito. de fobias, por causa do medo,
pessoas se escondem, medo de
Histórias de vida de pessoas que
explorar, de romper esta situação. A
também romperam com as
maioria nem espera, perdem a força
convenções mas, que pagaram um
de luta, de grupo social e que nem
preço alto pela liberdade: A solidão
percebem que passam pelos
social, aliado a violência da grande
mesmos conflitos, vivenciam a
cidade.
mesma situação social.
Conflitos que anseiam a morte,
O documentário nos coloca de
seres frágeis, pela violência. Seres
frente com uma realidade social.
humanos que viveram uma vida de
Somos o outro lado? Ou espelhos
abandono, órfãos de infância,
da mesma experiência? Como
sofrimento e abandono. Histórias de
imagem artística, vivemos uma grupo, reconstruída no seu sistema
experiência estética e nos cognitivo, integrada no seu sistema
identificamos. Assim a imagem de valores e dependente de seu
para quem vê: contexto sócio-histórico e
ideológico. (RENA, L.C. Et.al, 2016,
[...]As imagens são frágeis, impuras,
p.97)
insuficientes para falar do real, mas
é justamente com todas as
precariedades, a partir de todas as
REFERÊNCIAS
lacunas, apesar de todos os riscos,
que é possível trabalhar com elas.
[...] é na articulação das imagens no
COUTINHO, E. Edifício Master.
tempo da projeção que oscilações,
2002 (documentário, 35mm)
incertezas, sensações, reflexões e
aprendizados se dão, é na duração LINS, C. e MESQUITA, C. Crer,
que a impressão de realidade e a não crer, crer apesar de tudo: a
crença do espectador tão caras à questão da crença nas imagens na
tradição do documentário são recente produção documental
colocadas em questão. (LINS e brasileira. Associação Nacional dos
MEQUITA, 2008, p.10) Programas de Pós-Graduação em
Comunicação. Disponível em
http://www.compos.org.br/data/biblio
Para nós psicólogos em formação é teca_383.pdf Acesso em 30 de
importante termos uma visão da junho de 2018.
sociedade real, uma mostra de
LOBATO, A.T.M. Edifício máster:O
como as pessoas vivem e se
personagem (em) cena. Pesquisa
comportam, seus sentimentos, suas
em Foco, São Luís, vol. 20, n. 1, p.
histórias de vida acrescentam para
144-152. 2015. ISSN: 2176-0136.
uma melhor compreensão da
Disponível em:
realidade social brasileira.
file:///C:/Users/usuario/AppData/Loc
“[...] de acordo com a teoria das al/Microsoft/Windows/INetCache/IE/
Representações Sociais, toda 7E9OPP4M/921-2556-1-
realidade é representada, PB%20(1).pdf Acesso em 29 de
reapropriada pelo indivíduo ou junho de 2018
RENA. L.C. Et.al. A política no
cotidiano: contribuições teóricas e
práticas da Psicologia Social. Porto
Alegre: Abrapso Editora, 2016.
Disponível em :
file:///C:/Users/usuario/AppData/Loc
al/Microsoft/Windows/INetCache/IE/
OIPDKBYY/A%20pol%C3%ADtica
%20no%20cotidiano.pdf Acesso em
30 de junho de 2018.

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