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FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

Departamento de Línguas, Culturas e Literaturas Modernas


Secção de Estudos Espanhóis, Franceses e Italianos

INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS

***

ANTOLOGIA DE TEXTOS
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS

2008-2009

Índice

1. Camões, “Aqueles claros rios que chorando”, Lírica


2. Adília Lopes, “Lesma”, Sete rios Entre campos
3. Alexandre O’Neil, “Pula pula”, Feira Cabisbaixa
4. Paul Éluard, Capitale de la douleur
5. João de Deus, “A Vida”
6. Fernando Pessoa, “Dizem?”, in Poesias
7. António Domingues, Os Anos felizes
8. Alexandre O’Neil, Mário Cesarini, “Alguns provérbios e não”
9. "Fernando Assis Pacheco, “desversos", in Respiração Assisitida
10. Nuno Júdice, “Arte Poética (Explicação), Teoria Geral do Sentimento.
11. Nuno Júdice, “A Ciência do Amor”, Teoria Geral do Sentimento.
12. Baudelaire, “Correspondências”, in As Flores do Mal .
13. Rimbaud, , “soneto das vogais” O Rapaz Raro.
14. Alexandre O’Neill, Abandono vigiado
15. Camilo Pessanha, Clepsydra.
16. Adília Lopes, “L’Amour fou”
17. Mandelstam, “coração de nuvem vestido”, “concha”.
18. D.H. Lawrence, “Green”.
19. Dylan Thomas, “Não entres Docilmente Nessa Noite Escura”
20. Nuno Júdice, “A Ciência do Amor”, in Teoria Geral do Sentimento
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“Aqueles claros olhos que chorando


ficavam, quando deles me partia
agora que farão? Quem mo diria?
Se porventura estarão em mim cuidando?

Se terão na memória, como ou quando


deles me vim tão longe de alegria?
Ou se estarão aquele alegre dia,
que torne a vê-los, na alma figurando?

Se contarão as horas e os momentos?


Se acharão num momento muitos anos?
Se falarão co as aves e cos ventos

Oh! bem-aventurados fingimentos


que, nesta ausência, tão doces enganos
sabeis fazer ao tristes pensamentos!

(Camões, Lírica)

‘Lesma
é o meu lema

E basta’

(Adília Lopes, Sete rios Entre campos)

“Pula pula
g
como o g da pul a”.

(Alexandre O’Neill, Feira Cabisbaixa)

“J’ai besoin des oiseaux pour parler à la foule”


(“Preciso dos pássaros para falar à multidão”)

(Paul Éluard, Capitale de la douleur)

“La terre est bleue comme une orange”


(“A terra é azul como uma laranja”)

(Paul Éluard, Capitale de la douleur)


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A vida é o dia de hoje,


A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa

(João de Deus, A Vida)

Dizem?
Esquecem.
Não dizem?
Disseram.

Fazem?
Fatal.
Não fazem?
Igual.

Porquê
Esperar?
- Tudo é
Sonhar.

( Fernando Pessoa, Poesias)

OS ANOS FELIZES

Eu tlim ciências
tu tlim matemáticas
ele tlim trabalhos manuais
nós tlim recreio
vós tlim senhora
eles tlim castigo

António Domingues, Mário Cesariny (na rua, por ditado real do pensamento,
Lisboa, 1947), in Antologia do cadáver esquisito.

Mulher francesa, toalha na mesa.


Mulher formosa, mulher perigosa.

Pão a uns e pau a outros.


*Pão a cozer, menino a ler.

Comida gorda, testamento magro.


*Comida no papo, ária de sapo.

Alexandre O’Neill, Mário Cesarinny (café A Paulistana, Av. da República, 1947),


in Antologia do cadáver esquisito.
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Desversos

[…]

Este ministro é um mentiroso


que agonia quando ele discursa
e se fosse só isso: bale sem jeito
às meias horas seguidas — e não pàra!

bem-aventurados os duros de ouvido


a quem o céu abrirá as portas
desliguem p.f. o microfone
ou então tirem o país da ficha.

(Fernando Assis Pacheco, Respiração Assisitida)

A CIÊNCIA DO AMOR

«Que amor é tudo o que há,


É tudo o que sabemos do amor»
Emily Dickinson

Não sabia senão a mais pequena parte do que há para


Saber: sobre o amor, sobe a sua ausência; e sabia que,
Para lá disso, nada mais se pode saber. No entanto,
Perguntava: «O que se pode dizer do que não se sabe?», ou «O
Que se pode saber do que não se diz?» Sentava-se nas mesas
De festa, quando a festa chegava ao fim; ou descia ao
Jardim, para lá da varanda de madeira, e via os pássaros
Que andavam de volta das árvores, sabendo que em breve
Nenhum pássaro cantaria de entre os ramos nus. Então,
Entristecia; e podia sentar-se na terra, com um caderno
Na mão, lendo em voz baixa os poemas que tinha escrito no
último ano, nos últimos anos, em toda a sua vida, embora
esse caderno não existisse, como também não existia nenhum
último ano da sua vida, nem sequer uma vida. Não era,
porém, o que se pudesse chamar uma pessoa reservada;
conheciam-na como alguém que sabia rir, divertir-se – e
talvez suspeitassem que escrevia, mas não ao ponto de ser
alguém que pudesse guardar uma obra (pensavam),
e que tivesse pensamentos ou versos para deixar, como
herança, ao mundo futuro. Souberam isso depois da
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sua morte, apenas, o que talvez tivesse sido tarde para


ela. É certo que, cerca de 1860, algo decisivo lhe sucedeu,
como escreveu um crítico: um desgosto de amor? Um
sentimento de que perda? Algo que tivesse a ver com a ideia
de vida, a noção de existência? Um «efeito de
conflagração», acrescenta ele. Uma vez, lendo um desses
poemas breves, como se me tivesse sido destinado (e, de
facto, tê-lo-á sido, como o são todos os poemas que, no
instante em que os lemos, se apropriam do nosso espírito),
senti que a distância não conta no decurso das vidas; que
a morte pode ser um simples episódio de que só nos
apercebemos quando nos falta a voz que invocamos, sob o
vento que empurra as janelas e as portas da casa; e que
um cansaço de ser empurra os versos para a brevidade do
conceito, para o chão, onde se confunde com as folhas e
as madeiras partidas do Outono. Então, que importa esse ano
de 1860, mais os incidentes domésticos, mas a súbita
crise que a fez buscar contactos, leitores, intérpretes
para o seu enigma? Uma pausa, um simples instante de
fraqueza no curso de planetas e emoções. Nada que não se
possa decifrar na palidez do rosto, na tremura dos lábios,
nas mãos (é o que já não se vê, sob o lenço banco – os
dedos que rabiscaram todos aqueles papéis). E no fim
de tudo, fechando o livro, o que resta: perguntas
quase inúteis, como o que é que sabemos do amor?

(Nuno Júdice, Teoria Geral do Sentimento, Lisboa, Quetzal, 1999)

ARTE POÉTICA (EXPLICAÇÃO)

Distingo desejo e amor, como se as duas coisas


Não tivessem nada a ver uma com a outra; por
Entre as palavras abstractas, os conceitos
Difíceis, as citações dos clássicos, os teus olhos
Fechavam-se de sono e os teus cabelos ficavam
Mais claros, como se os iluminasse
Por dentro a luz baça do conhecimento. Para te acordar,
Perguntei que relação podia haver entre a vida
E o poema. A dúvida não era possível: com efeito, para
Os teóricos, a poesia é pura imitação, e nada
Do que está nas palavras tem a ver com a matéria sensível,
Com o real, com tudo aquilo que nos rodeia. Mas
A tua resposta foi o contrário do que eles dizem,
Como se vida e poesia participassem da mesma
Natureza. Devia ter corrigido. São as certezas científicas
Que fazem avançar o mundo, e não os erros em
Que continuamos a insistir. Sim, dir-te-ia, é
Dessa oposição entre a vida e o poema, dessa realidade
Absoluta da linguagem, construída contra os nossos
Hábitos, os lugares comuns do quotidiano, a
Banalidade dos sentimentos, que a essência do estético
Se pode afirmar. Mas os teus olhos demonstravam-me
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O contrário de tudo isto. Contra o que eu próprio pensava,


Cedi à tua lógica. Contra o amor, até as leis da poética
São absurdas.

(Nuno Júdice, Teoria Geral do Sentimento, Lisboa, Quetzal, 1999)

CORRESPONDÊNCIAS

A Natureza é um templo, em que vivos pilares


Falas deixam fluir por incógnitas frestas,
E onde o homem perpassa através de florestas
De símbolos que o vêem com olhos familiares.

Como os ecos que além juntam os seus rumores


Era uma tenebrosa e profunda unidade
Tão ampla como a noite e como a claridade,
Correspondem-se os sons, os perfumes, as cores.

Há perfumes que são como a carne da infância,


Meigos como os oboés, como a verde distância
E outros ricos, triunfais odores corrompidos,

Que se expandem assim como as cousas sem fim:


Como o âmbar, o incenso, o almíscar e o benjoim,
Que cantam a embriaguez da alma e dos sentidos.

(Charles Baudelaire, As Flores do Mal – 1ª ed. 1857)

VOGAIS

A negro, E alvo, I rubro, U verde, O azul: vogais,


Direi um dia destes os vossos nascimentos latentes:
A, negro corpete peludo das moscas resplandecentes
Que tangem à volta dos cheiretes e fedores fatais,

Enseadas de sombra; E inocências de vapores e tendas,


Feras-lanças dos glaciares, reis alvos, tremer de umbelas;
I, púrpuras, escarros rubros, riso dos lábios belos
Na cólera ou nas extasias penitentes;

U, ciclos, vibração divina dos mares esverdeados,


Paz dos prados semeados de animais, paz das rugas
Que a alquimia imprime nas poderosas grandes mentes;

O, supremo Clarim, fonte de estridências estranhas,


Silêncios atravessados por Mundos e por Anjos:
— O o Ómega, raio violeta dos Sete Olhos Videntes!
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(Arthur Rimbaud – 1ª ed. 1883)

,
Quando estou mal disposta
(e estou-o muitas vezes…)
Mudo o sentido às frases,
Complico tudo…

?
Serás capaz
de responder a tudo o que pergunto?

()
Quem nos dera bem juntos
sem grandes apares metidos entre nós!

(Alexandre O’Neill, Abandono vigiado (1960))

Esvelta surge! Vem das águas nua,


Timonando uma concha alvinitente!
Os rins flexíveis e o seio fremente …
Morre-me a boca por beijar a tua.

Sem vil pudor! Do que há que ter vergonha?


Eis-me formoso, moço e casto, forte,
Tão branco o peito! – para o expor à Morte…
Mas que ora – a infame! Não se te anteponha.

A hidra torpe! … Que a estrangulo … Esmago-a


De encontro à rocha onde a cabeça te há-de,
Com os cabelos escorrendo água,

Ir inclinar-se, desmaiar de amor,


Sob o fervor da minha virgindade
E o meu pulso de jovem gladiador.
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(Clepsydra, Camilo Pessanha)

L’AMOUR FOU

Gostaria de lhe dizer


André
que sou loucamente
amada.

(Adília Lopes)

Coração de nuvem vestido


E a carne simula pedra,
Enquanto Deus não revela
O desígnio do poeta;

Uma paixão que se solta,


Um peso se torna vivo;
Fantasmas exigem corpo,
A palavra à carne unida.

Qual mulher, anseia nome


- Secreto, terno – o objecto:
Secretos indícios colhe
No escuro o poeta.

Espera o fundo sinal,


Pronto aos cantos respirados
Plo mistério nupcial
Do simples nó de palavras.

(Ossip Mandelstam, Guarda minha fala para sempre, Lisboa Assírio


& Alvim, 1996)

CONCHA

Talvez tu de mim não queiras nada


Ó noite; desde o fundo abissal
Do mar sou lançado – concha muda
E sem pérola – em teu areal.

Com indiferença vais cantando,


Espumas agitando, e a mentira
Da inútil concha vais amar,
De alta estima a cobrirá tua lira.

Junto dela te deitas na areia,


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Com teus paramentos, vais vesti-la,


O enorme sino do mar crespo
A ela unirás para toda a vida.

E os muros da concha esboroada


- Coração de lar desabitado –
Encherás do murmúrio da espuma,
De neblina, de vento e de chuva…

(Ossip Mandelstam, Guarda minha fala para sempre,


Lisboa Assírio & Alvim, 1996)

GREEN

The sky was apple-green,


The sky was green wine held up in the sun,
The moon was a golden petal between.
She opened her eyes, and green
They shone, clear like flowers undone,
For the first time, now for the first time seen.

(D.H. Lawrence, Some Imagist Poets, An Anthology, Boston -


New York, Houghton Mifflin Company- The Riverside Press
Cambridge, 1915)

NÃO ENTRES DOCILMENTE NESSA NOITE SERENA

Não entres docilmente nessa noite serena,


porque a velhice deveria arder e delirar no termo do dia;
odeia, odeia a luz que começa a morrer.

No fim, ainda que os lábios aceitem as trevas,


Porque se esgotou o raio nas suas palavras, eles
não entram docilmente nessa noite serena.

Homens bons que clamaram, ao passar a última onda, como podia


o brilho das suas frágeis acções ter dançado na baía verde,
odiai, odiai a luz que começa a morrer.

E os loucos que colheram e cantaram o voo do sol


E aprenderam, muito tarde, como o feriram no seu caminho,
não entram docilmente nessa noite serena.

Junto da morte, homens graves que vedes com um olhar que cega
quanto os olhos cegos fulgiriam como meteoros e seriam alegres,
odiai, odiai a luz que começa a morrer.

E de longe, meu pai, peço-te que nessa altura sombria


venhas beijar ou amaldiçoar-me com as tuas cruéis lágrimas.
Não entres docilmente nessa noite serena.
Odeia, odeia a luz que começa a morrer.
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(Dylan Thomas, “Não entres docilmente nessa noite serena”)

A CIÊNCIA DO AMOR

«Que amor é tudo o que há,


É tudo o que sabemos do amor»
Emily Dickinson

Não sabia senão a mais pequena parte do que há para


Saber: sobre o amor, sobe a sua ausência; e sabia que,
Para lá disso, nada mais se pode saber. No entanto,
Perguntava: «O que se pode dizer do que não se sabe?», ou «O
Que se pode saber do que não se diz?» Sentava-se nas mesas
De festa, quando a festa chegava ao fim; ou descia ao
Jardim, para lá da varanda de madeira, e via os pássaros
Que andavam de volta das árvores, sabendo que em breve
Nenhum pássaro cantaria de entre os ramos nus. Então,
Entristecia; e podia sentar-se na terra, com um caderno
Na mão, lendo em voz baixa os poemas que tinha escrito no
último ano, nos últimos anos, em toda a sua vida, embora
esse caderno não existisse, como também não existia nenhum
último ano da sua vida, nem sequer uma vida. Não era,
porém, o que se pudesse chamar uma pessoa reservada;
conheciam-na como alguém que sabia rir, divertir-se – e
talvez suspeitassem que escrevia, mas não ao ponto de ser
alguém que pudesse guardar uma obra (pensavam),
e que tivesse pensamentos ou versos para deixar, como
herança, ao mundo futuro. Souberam isso depois da
sua morte, apenas, o que talvez tivesse sido tarde para
ela. É certo que, cerca de 1860, algo decisivo lhe sucedeu,
como escreveu um crítico: um desgosto de amor? Um
sentimento de que perda? Algo que tivesse a ver com a ideia
de vida, a noção de existência? Um «efeito de
conflagração», acrescenta ele. Uma vez, lendo um desses
poemas breves, como se me tivesse sido destinado (e, de
facto, tê-lo-á sido, como o são todos os poemas que, no
instante em que os lemos, se apropriam do nosso espírito),
senti que a distância não conta no decurso das vidas; que
a morte pode ser um simples episódio de que só nos
apercebemos quando nos falta a voz que invocamos, sob o
vento que empurra as janelas e as portas da casa; e que
um cansaço de ser empurra os versos para a brevidade do
conceito, para o chão, onde se confunde com as folhas e
as madeiras partidas do Outono. Então, que importa esse ano
de 1860, mais os incidentes domésticos, mas a súbita
crise que a fez buscar contactos, leitores, intérpretes
para o seu enigma? Uma pausa, um simples instante de
fraqueza no curso de planetas e emoções. Nada que não se
possa decifrar na palidez do rosto, na tremura dos lábios,
nas mãos (é o que já não se vê, sob o lenço banco – os
dedos que rabiscaram todos aqueles papéis). E no fim
de tudo, fechando o livro, o que resta: perguntas
quase inúteis, como o que é que sabemos do amor?
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(Nuno Júdice, Teoria Geral do Sentimento, Lisboa, Quetzal, 1999)

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