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Papel das Instituições de Arbitragem na Construção da
Publication Jurisprudência Arbitral – a Procura das Melhores Práticas
Revista Brasileira de António Pinto Leite
Arbitragem A jurisprudência arbitral está longe do patamar de divulgação desejável, seja a
jurisprudência dos tribunais arbitrais, seja a jurisprudência das instituições de arbitragem.
As instituições de arbitragem têm um papel essencial no desenvolvimento da
Bibliographic reference jurisprudência arbitral. As práticas das principais instituições de arbitragem devem ser
conhecidas, analisadas e comparadas, para se poder concluir pelas melhores práticas a
António Pinto Leite, 'Papel adotar pela generalidade dessas instituições.
das Instituições de
Arbitragem na Construção da Arbitral jurisprudence, whether from court or arbitral institutions, is still far from the
Jurisprudência Arbitral – a desirable level of disclosure. Arbitral Institutions have an essential role in the
Procura das Melhores development of arbitral jurisprudence. Practices of main arbitral institutions must be
Práticas', Revista Brasileira known, analysed and compared, in order to reckon which best practices should be
de Arbitragem, (© Comitê adopted by those institutions.
Brasileiro de Arbitragem
CBAr & IOB; Comitê (1)
Brasileiro de Arbitragem
CBAr & IOB 2014, Volume XI 1 O Tesouro Escondido
Issue 41) pp. 107 - 123
A jurisprudência arbitral tem vindo a ser construída mas está longe do patamar de
divulgação desejável. Este artigo visa ponderar como pode e deve o desenvolvimento da
jurisprudência arbitral ser melhor assegurado sem prejuízo do princípio basilar da
confidencialidade (2) .
P 107
P 108
Duas breves notas de enquadramento afiguram-se úteis: por um lado, nos sistemas da
“civil law”, a jurisprudência, não sendo fonte imediata de direito (sem prejuízo de a lei
poder autorizar que os tribunais superiores fixem doutrina com força obrigatória geral) é,
vulgarmente, entendida como a doutrina que resulta de um conjunto de decisões judiciais
proferidas num mesmo sentido sobre uma determinada questão jurídica e provinda dos
tribunais judiciais superiores (3) . Ora, os tribunais arbitrais não só estão hoje equiparados
aos tribunais estaduais, como, em regra, das suas decisões não há recurso; ou seja, no
quadro de decisão de um tribunal arbitral pode caber todo o programa jurisdicional do
Estado, com as suas diversas e sucessivas instâncias. A responsabilidade da arbitragem é,
assim, enorme.
Por outro lado, como ensinou Karl Larenz (4) , os métodos de desenvolvimento judicial do
Direito estão para lá da tarefa de interpretação da lei pelo tribunal e um dos destaques
reside no desenvolvimento do Direito “superador da lei” de acordo com as necessidades
do comércio jurídico. Este ponto é decisivo para a arbitragem internacional e para a
pulsão transnacional que inteiramente a atravessa (5) . Trata-se de um desenvolvimento
do Direito extra legem, à margem da regulação legal, mas intra jus, dentro do quadro da
ordem jurídica global e dos princípios jurídicos que lhe servem de base, explica Larenz,
acrescentando: “No campo do Direito civil encontramos hoje alguns institutos jurídicos que
não estão previstos na própria lei, mas que a jurisprudência dos tribunais, em parte só
depois de algumas vacilações, admitiu e desenvolveu ulteriormente, porque existe
manifestamente em relação àqueles uma necessidade do tráfego” (6) . Pois bem, não deve
haver área mais sensível e beneficiária do desenvolvimento do Direito “superador da lei”
que o comércio jurídico internacional. Daí que o desenvolvimento da jurisprudência
arbitral seja um elemento chave para o desenvolvimento não só do Direito, mas também
da arbitragem comercial internacional e do próprio comércio global.
P 108
P 109
O segundo ponto é este: as mais complexas questões jurídicas tendem, modernamente, a
ser decididas em sede de arbitragem internacional e já não tanto nos tribunais estaduais.
Isto significa que a mais interessante, inovadora e sofisticada produção jurídica, aplicada
a casos concretos e da vida económica real, tende a ser feita no âmbito da arbitragem
comercial internacional.
A este fator junta-se outro: os árbitros internacionais são, em regra, personalidades com
vastíssima cultura jurídica, enorme experiência de vida e do comércio internacional,
elevado grau de especialização e, ainda, rara adaptabilidade ao mundo multicultural que
é inerente à arbitragem internacional.
Esta combinação de factores – complexidade distintiva das questões sob arbitragem e
qualidade extra dos decisores arbitrais – faz com que a confidencialidade das decisões
arbitrais constitua um verdadeiro tesouro escondido no fundo do oceano do Direito.

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O conhecimento sistemático da jurisprudência arbitral beneficiaria ainda de um outro
fator multiplicador: a qualidade e a vibração da própria comunidade arbitral, cujo
múltiplo dialéctico é hoje, certamente, incomum no quadro do debate jurídico à escala
internacional.
Finalmente, a jurisprudência arbitral teria eco na jurisprudência dos tribunais estaduais.
Este ponto é da maior relevância, quer pelo benefício que aportaria à aplicação do direito
pelo poder judicial, quer porque a concorrência de jurisprudências em muito beneficiaria a
afirmação da própria arbitragem perante os tribunais dos Estados e da comunidade em
geral.
A questão é esta: que deve a arbitragem internacional fazer com o tesouro que tem
escondido no fundo do oceano, cuja riqueza todos os dias aumenta?
A arbitragem comercial internacional é, na sua raiz, um produto próprio e privado do
mundo dos negócios. Hoje, com a internacionalização da economia e a procura pelos
agentes económicos de uma jurisdição não nacional para dirimir eventuais litígios
comerciais, a arbitragem comercial internacional tornou-se um produto umbilical da
globalização. A arbitragem comercial internacional tão pouco é uma escolha entre duas
possibilidades jurisdicionais equilibradas, uma assegurada pelos Estados, outra de
natureza privada: os Estados, pura e simplesmente, não dispõem de oferta jurisdicional
transnacional para o comércio internacional, precisamente numa fase histórica em que o
comércio é cada vez mais de natureza internacional.
Assim, se antes o universo da arbitragem e as suas responsabilidades cabiam no
perímetro concetual do mundo dos negócios, hoje a fronteira da sua responsabilidade
deslocou-se para um universo bem mais amplo.
Por outro lado, a arbitragem cresceu, mudou de idade. Não atingiu a plena maturidade,
mas já não está na infância. Talvez as mutações do seu corpo sejam demasiado aceleradas
para a sua mente, mas o caminho da maturidade é incontornável.
P 109
P 110
Com este seu novo estatuto – perante si própria, perante a comunidade dos negócios e
perante os Estados –, a arbitragem internacional deve deixar a condição de beneficiária da
globalização, para se tornar parceira da globalização. E, como um parceiro responsável,
recebendo e dando em troca (7) .
No caso concreto, a arbitragem comercial internacional deve dar passos firmes no sentido
de assegurar um acesso sistemático à sua própria jurisprudência. Neste contexto, o papel
das instituições arbitrais é decisivo e pode ser melhorado, acompanhando as melhores
práticas internacionais.

2 Princípio da Confidencialidade – O Interesse das Partes E O Interesse das


Instituições Arbitrais
A jurisprudência arbitral tem uma dimensão substantiva e uma dimensão processual. Na
primeira dimensão incluem-se as sentenças arbitrais. Na segunda dimensão incluem-se as
decisões dos tribunais arbitrais, mas também as decisões das próprias câmaras ou centros
de arbitragem.
Estas duas dimensões confluem em fundamentos diversos para a proteção do princípio da
confidencialidade. Na confidencialidade conferida às decisões dos tribunais arbitrais
prevalece o interesse das partes (8) , na proteção da confidencialidade conferida às
decisões das instituições arbitrais prevalece o interesse das próprias instituições
arbitrais.
O princípio da confidencialidade quanto ao litígio e quanto à decisão de mérito sobre
esse mesmo litígio constitui uma vantagem comparativa da arbitragem comercial, sendo
identificada como uma vantagem pelos seus usuários (9) . Já o princípio da
P 110 confidencialidade quanto às decisões das instituições de arbitragem constitui uma
P 111 vantagem comparativa na competição entre as próprias instituições arbitrais e, de
algum modo, uma vantagem na relação de autoridade entre a instituição e as partes na
administração das arbitragens.
A divulgação da jurisprudência arbitral tem, assim, dois desígnios distintos.
De um lado, através da publicação sistemática das sentenças arbitrais, ainda que
protegendo a identidade das partes, as instituições de arbitragem teriam um papel
decisivo no desenvolvimento de uma lex mercatoria (10) e, nessa medida, contribuiriam
para a afirmação do paradigma transnacional da arbitragem comercial internacional.
De outro lado, através da publicação sistemática das suas próprias decisões, mesmo que
de modo agregado e com tratamento por temas e não por casos, as instituições de
arbitragem teriam um papel decisivo para a identificação das melhores práticas a adotar
em temas tão sensíveis como, por exemplo, a independência e imparcialidade dos
árbitros, e contribuiriam para uma maior credibilidade e eficiência da arbitragem no seu
conjunto, mitigando danos decorrentes de más ou péssimas experiências.
Se é certo que o critério da reputação positiva das instituições arbitrais tem superado a
menor transparência das suas decisões, a verdade é que um ponderado e partilhado grau

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de transparência seria benéfico para aquilo que alguns apelidam de “indústria” da
arbitragem. Na verdade, o mercado das instituições de arbitragem tem a concorrência de
uma economia informal, as arbitragens “ad hoc”, e a arbitragem institucionalizada sairia
valorizada perante este concorrente se a sua jurisprudência fosse melhor conhecida.
Igualmente, não há contradição necessária entre a autoridade da instituição arbitral na
administração da arbitragem e a publicação das suas decisões, uma vez que o princípio
da indisputabilidade das decisões da instituição arbitral se mantém e a publicação das
decisões nem é contemporânea de qualquer arbitragem em curso, nem identifica casos
concretos.
Seguindo a profecia de Jan Paulsson, no sentido de que em 2050 a maioria dos árbitros a
designar pelas partes serão nomeados por instituições de arbitragem, diria que tal
profecia implica uma outra profecia paralela: em 2050, os critérios de decisão das
instituições arbitrais, nomeadamente sobre independência e imparcialidade dos árbitros,
serão conhecidos e sindicáveis por todos.
P 111
P 112
3 A Confidencialidade da Arbitragem Como Um Dado Não Adquirido
Inicialmente, tudo o que podia existir sobre a arbitragem internacional eram valiosas
bibliotecas privadas. Os grandes escritórios de advogados mantinham repositórios de
elementos sobre os casos em que intervinham, a que ninguém mais tinha acesso. Desta
forma, decisões estavam a ser tomadas por experts em temas complexos do comércio
internacional e não era possível deslindar uma jurisprudência, ou sequer uma tendência
decisória, devido ao ideal de que as decisões arbitrais eram, e tinham que ser,
confidenciais.
Hoje já não é inteiramente assim. Assim o demonstram as orientações da IBA na redacção
de cláusulas arbitrais, recomendando às partes que incluam o tema da confidencialidade
nas suas cláusulas: “Enquanto a arbitragem é privada, em muitas jurisdições as partes não
estão sujeitas a um dever de confidencialidade quanto à existência e conteúdo do
processo arbitral. Poucas leis nacionais ou regras arbitrais impõem obrigações de
confidencialidade. Apesar de ser reconhecido um dever geral, é sujeito a excepções” (11) .
Estas mesmas orientações também recomendam que “devido à assunção comum de que o
procedimento arbitral é confidencial, se as partes não desejam estar sujeitas a quaisquer
deveres de confidencialidade, devem dizê-lo expressamente”.
A ideia de que a arbitragem seria por natureza confidencial não tem aderência à realidade
dos sistemas jurídicos (12) . No final do século passado, tal ideia foi posta em crise, com as
decisões do High Court of Australia, que decidiu, no caso Esso Australia Resources Limited v.
Plowman (1995), que a confidencialidade não é “an essential atribute” da arbitragem (13) .
No mesmo sentido, decidiu o Sweedish Supreme Court, no conhecido caso Bulbank
(Bulgarian Foreign Trade Bank Ltd v Al Trade Finance Inc N T 1881-99). Neste caso, uma
decisão interlocutória de um tribunal arbitral, com sede em Estocolmo, foi publicada
pelos representantes de uma das partes no Mealy's International Arbitration Report (uma
publicação norte-americana), tendo a parte contrária requerido a “termination” da
cláusula arbitral. Sem sucesso, porém, uma vez que o tribunal superior concluiu pela não
existência de um dever de confidencialidade inerente à natureza da cláusula arbitral.
Também o US Federal District Court for the District of Delaware decidiu não existir um
dever inerente de confidencialidade, dever que considerou só existir caso as partes
acordem nesse sentido (United States v. Panhandle Eastern Corp 119 F.R.D. 346 (D.Del.1988).
P 112
P 113
Percorrendo as legislações atuais de alguns países, verificamos que as legislações da
Alemanha (14) , da Suécia (15) , dos Estados Unidos da América (16) ou da Inglaterra (17) ,
por exemplo, não consagram o princípio da confidencialidade, seja para árbitros, câmaras
ou partes. A jurisprudência do Reino Unido, em todo o caso, veio considerar a natureza
privada e confidencial do processo arbitral (18) . O caso do Brasil merece também
atenção: a Lei nº 9.307/96 não contém qualquer norma que imponha a confidencialidade
às partes, aos árbitros e às instituições de arbitragem, mas prevê, no artigo 13º, nº 6, que
os árbitros devem actuar com “discrição” (19) .
Diferentes são, por exemplo, os ordenamentos jurídicos de Espanha (20) ou Portugal: em
ambos os casos há uma norma expressa que determina, salvo acordo expresso em
contrário das partes, a confidencialidade de todas as informações e documentos do
processo arbitral, abrangendo árbitros, partes e instituições arbitrais.
O caso de Portugal é muito interessante para o tema em análise: a Lei de Arbitragem
Voluntária portuguesa (21) , a par do princípio da confidencialidade, consagra, ainda que de
modo prudente, o princípio da publicação das sentenças arbitrais. Na verdade, a LAV
contém uma norma inovadora, sem inspiração no direito comparado, a qual estatui que o
dever de confidencialidade “não impede a publicação de sentenças e outras decisões do
tribunal arbitral, expurgadas de elementos de identificação das partes, salvo se qualquer
destas a isso se opuser” (22) .
Conforme fica demonstrado, não há unanimidade quanto à questão de saber se a
P 113 arbitragem é, por natureza, confidencial (23) . O único ponto que obtém uma análise
P 114
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P 114 consistente é o de que se deve distinguir a confidencialidade da natureza privada da
arbitragem (24) . E mantém-se em aberto a reflexão sobre um eventual dever geral
(secundário) de confidencialidade, inerente à boa fé objetiva na execução de uma
cláusula arbitral (25) .

4 Importância E Sensibilidade da Jurisprudência das Instituições Arbitrais


Neste quadro legislativo diversificado, as instituições de arbitragem assumem um papel
decisivo, conformando o sistema arbitral internacional, quer mediante a criação de
regulamentos que contêm as regras processuais aplicáveis, incluindo a regra relativa ao
sigilo, quer através da competência que reservam para si no que respeita à administração
das arbitragens.
Para compreender a importância da jurisprudência das próprias instituições de
arbitragem, importa relevar o poder de que estas instituições dispõem. Veja-se, a título
exemplificativo, um conjunto de matérias sobre as quais uma câmara ou um centro podem
decidir (por facilidade, usamos o caso CCI):
(i) nomeação de árbitro presidente, de árbitro único e de árbitro de emergência
(Regras CCI – 12/2, 3, 4 e 5; Apêndice V)
(ii) incidente de impugnação de árbitro e sua eventual substituição (Regras CCI – 14/3)
(iii) avaliação dos requisitos de independência e imparcialidade dos árbitros e
respectiva confirmação (Regras CCI – 11/4 e 13/1)
(iv) nomeação de todos os membros do tribunal arbitral (Regras CCI – 12/8)
(v) em caso de substituição de árbitro, decisão discricionária sobre se deve ou não
seguir o processo inicial de nomeação (Regras CCI – 15/4)
(vi) fixação da sede da arbitragem, salvo se já convencionada pelas partes (Regras CCI
– 18/1)
(vii) aprovação da Ata de Missão, caso uma das partes se recuse a assinar (Regras CCI –
23/3)
P 114 (viii) prorrogação de qualquer prazo e do prazo da arbitragem (Regras CCI – 5/2, 30 e
P 115 38/2)
(ix) decisão prima facie sobre a existência de convenção de arbitragem e sobre a
competência do tribunal arbitral (Regras CCI – 6/4)
(x) consolidação de arbitragens (Regras CCI – 10)
(xi) integração de partes adicionais na arbitragem (Regras CCI – 7/1).
Como se pode constatar, as competências referidas nas alíneas (i) a (v) implicam
directamente com a constituição do tribunal, isto é, com direitos e garantias
fundamentais. Pelo seu lado, as competências mencionadas sob as alíneas (vi) a (xi)
interferem decisivamente no próprio processo arbitral. Todas estas decisões são
irrecorríveis e apenas poderão ser, eventualmente, sindicadas em sede de ação
anulatória.
Serve este incurso, não para pôr em crise as competências das instituições arbitrais, mas,
pelo contrário, para sublinhar a sensibilidade e a importância que tem a sua própria
jurisprudência.

5 Papel das Diversas Instituições Arbitrais No Desenvolvimento da


Jurisprudência Arbitral
As diversas instituições arbitrais não cuidam da construção da jurisprudência arbitral do
mesmo modo. Analisei os regulamentos e a prática de instituições de referência do Brasil
(CCMA-CIESP/FIESP, CAM-CCBC, CCA-FGV, CAMARB e Câmara Portuguesa), a instituição mais
importante em Portugal (CA-CCIP) e diversas instituições liderantes à escala internacional,
nomeadamente CCI, LCIA, AAA / ICDR, ISCC (Suécia), SCCAAM (Suíça) e HKIAC (Hong Kong).
Da investigação realizada parto para algumas conclusões e sugestões de boas práticas
para o desenvolvimento da jurisprudência arbitral.
5.1 Instituições arbitrais do Brasil e de Portugal
O Regulamento da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem do CIESP/FIESP pode
ser identificado como “best practice” a este propósito. Na verdade, a par do princípio da
confidencialidade (“o procedimento arbitral é rigorosamente sigiloso”), estendendo-se o
dever de sigilo aos árbitros, às partes e aos membros da Câmara (Art.º 17.4), o
Regulamento prevê, de modo diferenciador relativamente ao comum dos regulamentos
analisados, o seguinte: “Poderá a Câmara publicar em Ementário excertos da sentença
arbitral, sendo sempre preservada a identidade das partes” (Art.º 17.5). Isto é, a Câmara
reservou para si o direito de publicar as sentenças arbitrais, sem necessidade de
autorização das partes, desde que a identidade daquelas seja preservada. O direito de
publicação de excertos das sentenças arbitrais protegendo a identidade das partes é,
assim, um direito da própria Câmara. Já a divulgação integral da sentença arbitral carece

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de expressa autorização das partes.
P 115 O Regulamento do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-
P 116 Canadá (CAM/CCBC) contém também norma protegendo a confidencialidade do
processo arbitral. As suas regras vão, neste ponto, mais longe do que o usual, abrangendo
pelo dever de sigilo os árbitros, as partes, os membros do CAM/CCBC, os peritos e os
“demais intervenientes”.
No que respeita à divulgação de jurisprudência, o Regulamento do CAM/ CCBC também se
pode identificar como “best practice”. O Art.º 14.1.1 estipula que “para fins de pesquisa e
levantamento estatísticos, o CAM/CCBC se reserva o direito de publicar excertos da
sentença, sem mencionar as partes ou permitir sua identificação”. Este último ponto
afigura-se deveras importante, ou seja, a condicionante de que não só a identidade das
partes será preservada, como do material publicado não poderá resultar a possibilidade
de as mesmas serem identificadas.
Outros regulamentos de importantes instituições do Brasil, como a Câmara de Arbitragem
Empresarial – Brasil (CAMARB), a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Fundação Getúlio
Vargas (CCA-FGV) e a Câmara Portuguesa de Comércio no Brasil (CMA-CPCB), prevêem o
dever de confidencialidade, mas são omissos quanto à própria câmara se reservar o
direito de publicar excertos das sentenças arbitrais, desde que protegendo a identidade
das partes (26) .
Por sua vez, o Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria
Portuguesa (CA-CCIP), de 2008, apenas prevê o dever de confidencialidade para os
membros do Centro (o dever de sigilo dos árbitros e das partes decorre, no entanto, da
nova LAV – Art.º 30.5) e nada prevê sobre a possibilidade de publicação de sentenças
arbitrais (possibilidade, todavia, que lhe passou a ser conferida, a partir de 2012, pela
nova LAV – Artº 30.6).
5.2 Câmara de Comércio Internacional (CCI)
O regulamento interno da Corte Internacional de Arbitragem da CCI prevê que “o
Presidente ou o Secretário Geral da Corte poderá autorizar pesquisadores que realizem
trabalhos de natureza académica a tomar conhecimento de sentenças arbitrais e outros
documentos de interesse geral, exceto memoriais, notas, declarações e documentos
entregues pelas partes no âmbito do processo de arbitragem”.
Mais estipula que “tal autorização não será concedida sem que o beneficiário se obrigue a
respeitar o caráter confidencial dos documentos postos à sua disposição e a abster-se de
fazer qualquer publicação baseada em qualquer informação neles contida sem antes
submeter o texto à aprovação do Secretário Geral da Corte”.
A CCI adopta algumas práticas relevantes de divulgação da jurisprudência arbitral.
P 116
P 117
No Boletim da CCI, publicado desde 1990, podem encontrar-se extratos de decisões, notas
oficiais, relatórios e orientações sobre os procedimentos de resolução de litígios,
estatísticas, notícias e artigos doutrinários. Este boletim é publicado em francês e em
inglês e está disponível on-line, mediante subscrição que pode ser feita no sítio da
internet da CCI.
Também a “Chronique de Jurisprudence Arbitrale de la Chambre de Commerce
Internationale (CCI)” contém sumários de decisões sobre aspectos específicos, com
comentários introdutórios.
O “Yearbook – Commercial Arbitration”, publicado pela Kluwer, publica excertos de
sentenças arbitrais (27) .
O “website” da CCI, acolhendo uma boa prática de pro-atividade, refere que podem ser
encontrados extratos de decisões CCI, incluindo relativas à política de confidencialidade,
nas publicações já referidas, mas também na “Colecção de Decisões Arbitrais CCI” (5
volumes disponíveis no sítio da internet da CCI – bookstore), no “Journal du Droit
International” (publicado pela Juris-Classeur), nos “Cahiers de l'Arbitrage/ Paris Journal of
International Arbitration” (publicado pela Lextenso editions), na “Revista de Derecho
Internacional y del Mercosur/ Direito Internacional e do Mercosul”, no “SchiedsVZ” e no
“International Journal of Arab Arbitration”.
A compilação “Westlaw ICC Awards Database”, que reúne decisões desde 1975, pode ser
consultada na “Harnish Law Library” da Universidade de Pepperdine, na Califórnia.
Recentemente, foi publicado o Guia do Secretariado da CCI, que apresenta uma
explicação das novas Regras CCI adoptadas em 2012, com algumas referências às práticas
da Corte e do Secretariado.
No entanto, no que respeita às decisões da Corte de nomeação, confirmação, impugnação
ou substituição de árbitros, ou seja, as decisões que envolvem um juízo sobre
independência e imparcialidade dos árbitros, elas são irrecorríveis e os seus fundamentos
não são comunicados às próprias partes (Regras CCI – 11/4). Esta norma não se encontrava
prevista nas Regras de Arbitragem CCI de 1998 e, neste ponto, a CCI distingue-se das
demais câmaras (28) .
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P 117
P 118
5.3 London Court of International Arbitration (LCIA)
O Regulamento do London Court of International Arbitration (LCIA) estabelece que “a
menos que as partes expressamente acordem por escrito, as partes têm o dever de manter
confidenciais todas as decisões na sua arbitragem, e bem assim todos os materiais do
processo, criados para a arbitragem, e todos os documentos produzidos por outra parte no
processo que não sejam do domínio público – exceto, e na medida em que, tal divulgação
possa resultar de um dever legal, da necessidade de proteger ou exercer um direito
derivado da lei, ou para executar ou impugnar uma decisão, de acordo com a boa-fé, num
tribunal estatal ou outra autoridade judicial” (Art. 30).
As decisões do tribunal arbitral são também confidenciais para os seus membros, exceto e
na medida em que a divulgação da recusa de um árbitro em participar na arbitragem seja
exigida pelos outros membros do tribunal arbitral, com determinados fundamentos (29) .
O LCIA não publica decisões ou parte de decisões sem o consentimento prévio das todas
as partes e do tribunal arbitral.
Decisões do LCIA desde 2004 estão disponíveis no “Westlaw Database Directory”.
Recentemente, o LCIA publicou resumos de decisões dos tribunais arbitrais sobre
impugnações de árbitros, entre 1996 e 2010 (30) .
5.4 Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo (ISC)
O ISCC é, manifestamente, um caso de “best practices” neste domínio (31) .
Relativamente às decisões finais, o Regulamento do ISCC determina que “o tribunal
arbitral, após o encerramento do procedimento, remete à SCC uma cópia de cada decisão
final e decisões interlocutórias escritas que tenha formulado no procedimento, bem como
de todas as atas existentes. Estes documentos devem ser mantidos em arquivo pela SCC”.
O ISCC disponibiliza, no “Swedish Arbitration Portal” (que pode ser livremente acedido on-
line) traduções não oficiais para inglês das decisões dos tribunais suecos sobre
arbitragem. O ISCC também disponibiliza, periodicamente, traduções não oficiais para
inglês de decisões de tribunais estrangeiros sobre a execução de decisões do ISCC.
P 118 Entre 1999 e 2009, o ISCC publicou extractos de decisões arbitrais e de decisões judiciais
P 119 sobre a arbitragem, inicialmente (entre 1999 e 2004) no Stockholm Arbitration Report
(SAR), o qual passou a designar-se, entre 2005 e 2009, Stockholm International Arbitration
Review (SIAR).
Adicionalmente, o “SCC Arbitral Awards 2004-2009” e o “SCC Arbitral Awards – 1999-2003”
contêm decisões arbitrais, incluindo comentário sobre as mesmas.
No sítio da internet do ISCC podem encontrar-se sumários de casos administrados pelo
ISCC e comentários doutrinários a alguns desses casos.
Na biblioteca digital encontram-se regras arbitrais, artigos, orientações, brochuras e outra
documentação relevante.
Acessíveis no sítio da internet do ISCC estão alguns artigos doutrinários que analisam a
experiência da instituição, nomeadamente sobre a questão da independência e
imparcialidade dos árbitros (“SCC Practice: Challenges to Arbitrators in “SCC Board
Decisions 2005-2007”, de Helena Jung, consultora jurídica no ISCC). (32)
Decisões proferidas no âmbito da SCC podem ser encontradas na “Harnish Law Library” da
Universidade de Pepperdine, Califórnia (33) .
5.5 American Arbitration Association (AAA)
O Regulamento de Resolução de Conflitos Internacionais do CIRD (Centro Internacional
para a Resolução de Disputas, divisão internacional da AAA), estabelece que “uma decisão
pode ser disponibilizada ao público em geral com o consentimento de todas as partes ou
caso seja exigido por lei” (Art.º 27/4), bem como que “salvo se de outra forma acordado
pelas partes, o administrador pode publicar, ou por outra forma tornar públicas,
determinadas decisões interlocutórias ou finais, editadas de forma a eliminar os nomes
das partes e outros elementos de identificação ou que se tenham tornado públicas no
âmbito da sua execução, ou por outra via” (Art.º 27/8).
Existe ainda uma norma geral sobre confidencialidade: “A informação confidencial que
seja divulgada durante o processo pelas partes ou por testemunhas não deve ser
divulgada pelos árbitros ou pelo administrador. Com exceção do previsto no artigo 27.º, a
menos que de outra forma acordado pelas partes, ou exigido por lei, os membros do
tribunal e o administrador devem manter confidenciais todas as matérias relacionadas
com a arbitragem ou a decisão” (Art.º 34).
P 119
P 120
No que respeita à divulgação de jurisprudência, o CIRD publicou, em 2012, o “ICDR Awards
and Commentaries”, que é a primeira compilação regular de casos administrados pelo
CIRD. Quanto à divulgação, o CIRD esclarece que “as partes não devem confundir
confidencialidade com privacidade. O artigo 20 das Regras do CIRD prevê que as sessões

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são privadas a menos que as partes acordem de forma diferente ou a lei preveja o
contrário. A confidencialidade é um dever apenas dos árbitros e do administrador. A
decisão pode ser publicada somente com o consentimento de todas as partes ou
conforme seja exigido pela lei. As partes devem, assim, considerar a integração de um
acordo sobre confidencialidade ao redigirem o contrato. […] O CIRD pode publicar
decisões, editadas eliminando os nomes das partes e outras caraterísticas identificadoras,
e tendo em conta o valor que a decisão possa ter para a prática arbitral internacional” (34)
.
No seu sítio da internet, o Centro disponibiliza bastante informação, que torna mais
transparentes os seus processos decisórios internos e a sua forma de funcionamento (35) .
5.6 Swiss Chambers of Commerce Association for Arbitration and Mediation
O Regulamento Suíço de Arbitragem Internacional (Regulamento Suíço) prevê uma regra
geral de confidencialidade (Art.º 44/1): “Salvo convenção contrária das partes, expressa
por escrito, as partes têm dever de confidencialidade em relação a todas as sentenças e
ordens, bem como aos documentos apresentados pela parte contrária no decorrer do
procedimento arbitral e que não sejam de domínio público. Não ocorrerá violação ao
dever de confidencialidade, na hipótese de divulgação para cumprimento de uma
obrigação legal, para preservação e conservação de direitos ou para a execução ou
impugnação de uma sentença perante uma autoridade judicial. Essa obrigação também se
aplica aos árbitros, aos peritos nomeados pelo tribunal arbitral, ao secretário do tribunal
arbitral, aos membros da diretoria da Instituição de Arbitragem das Câmaras Suíças, aos
membros da Corte e à Secretaria e aos funcionários de cada uma das Câmaras.”
O Regulamento Suíço, apesar de estabelecer que “as deliberações do tribunal arbitral são
confidenciais” (Art.º 44/2), prevê que a publicação de sentenças ou ordens, na íntegra ou
em forma de extracto ou resumo, pode ter lugar nas seguintes condições (Art.º 44/3): seja
dirigido à Secretaria um pedido de publicação, os nomes das partes sejam omitidos e não
existam objeções das partes quanto à publicação, desde que tais objeções sejam
apresentadas no prazo fixado pela Secretaria para o efeito.
P 120
P 121
5.7 Hong Kong International Arbitration Centre (HKIAC)
Nos termos do Regulamento do HKIAC (Art.º 39), “salvo diferente acordo escrito das partes,
as partes obrigam-se a manter confidencial todas as matérias e documentos relativos ao
processo arbitral, incluindo a existência do processo e, bem assim, toda a
correspondência, declarações escritas, prova, decisões e ordens que não sejam de
domínio público, salvo se, e na medida em que, a divulgação resulte, para uma parte, de
uma obrigação legal ou regulamentar, da necessidade de proteger ou exercer um direito,
ou para executar ou impugnar uma decisão perante um tribunal estatal ou outra
autoridade judicial. Esta obrigação é igualmente aplicável aos árbitros, aos peritos
nomeados pelo tribunal, ao secretário do tribunal e ao secretariado e conselho do HKIAC”.
As deliberações do tribunal arbitral são confidenciais.
Finalmente, uma decisão pode ser publicada, na sua integralidade ou em excertos ou
sumário, somente quando seja efectuado à Secretaria um pedido de publicação, os nomes
das partes sejam omitidos e não existam objeções das partes quanto à publicação, desde
que tais objeções sejam eliminadas e nenhuma das partes se oponha a tal publicação no
período que para o efeito seja fixado pelo secretariado do HKIAC. Caso alguma das partes
se oponha, a decisão não será publicada.

6 Dez “Best Practices” Para O Desenvolvimento da Jurisprudência Arbitral


Aqui chegados, é possível identificar algumas práticas que se podem qualificar como
“boas práticas” em ordem ao desenvolvimento da jurisprudência arbitral.
(i) O reforço da divulgação da jurisprudência arbitral deve ser acompanhado pelo
reforço do princípio da confidencialidade. Pode parecer paradoxal, mas quanto
melhor protegida estiver a confidencialidade, mais fácil será a divulgação da
jurisprudência arbitral.
Neste sentido, a legislação sobre arbitragem comercial deve consagrar o princípio
da confidencialidade da arbitragem, abrangendo todos os que nela possam
intervir. Assim se protege melhor as câmaras de arbitragem dos próprios Estados,
bem como assim se acautela que o âmbito objectivo do dever de confidencialidade
(36) alcance os intervenientes no procedimento arbitral que não estão sujeitos ao
dever de confidencialidade por via contratual ou por força do regulamento da
instituição de arbitragem aplicável (como é o caso, por exemplo, das testemunhas,
dos peritos, dos assessores ou dos pesquisadores).
P 121
P 122

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(ii) No plano dos regulamentos das câmaras de arbitragem, prever o dever de
confidencialidade para todos os que tenham acesso ao processo arbitral,
estendendo o alcance subjectivo do dever de confidencialidade aos “terceiros”,
como testemunhas, peritos, tradutores, assessores, estenógrafos e outros, bem
como pesquisadores ou investigadores. Seguindo a boa prática da CCI, quanto aos
pesquisadores, procurar obter, com base em modelo pre-determinado, o
compromisso escrito de confidencialidade de terceiros relativamente às informações
a que tenham acesso por força da sua intervenção ou contato com o processo
arbitral.
(iii) Tomando por referência o regulamento de arbitragem da WIPO – World Intellectual
Property Organization (Artº 74), prever nos regulamentos das câmaras de
arbitragem a responsabilidade da parte de garantir compromisso de obediência
ao dever de confidencialidade de todos os “terceiros” que estejam em relação
direta com essa mesma parte (representantes, peritos, pareceristas, assessores,
tradutores, estenógrafos por si escolhidos; testemunhas arroladas que sejam
empregadas da parte). Seria um ónus demasiado pesado para as partes estender
esta responsabilidade para lá do círculo de pessoas com as quais a parte mantém
uma relação de escolha ou de autoridade.
(iv) Inspirado no modelo português, a par do princípio da confidencialidade, a própria
legislação sobre arbitragem deve consagrar o princípio da publicação das sentenças
arbitrais, salvaguardada a identidade ou possibilidade de identificação das partes.
(v) No plano dos regulamentos das instituições de arbitragem, a adoção do modelo
CIESP/FIESP ou CCBC, também seguido pelo CIRD. Ou seja, as câmaras devem
reservar para si o direito de publicação, desde que protegida a identidade das
partes. Devem ainda, por referência ao modelo AAA/CIRD, consagrar que o direito
de publicação das decisões toma em conta “o valor que a decisão possa ter para a
prática arbitral internacional”.
(vi) Os regulamentos das instituições arbitrais devem passar a incluir um apêndice que
verse sobre a publicação de decisões arbitrais. Esta boa prática pode ser verificada
na Câmara de Arbitragem de Milão, a qual, em parceria com a LIUC – Università
Carlo Cattaneo, publicou as suas “Guidelines for the Anonymous Publication of
Arbitral Awards”. As “Guidelines” “aim to provide a set of common and uniformly
applicable standards in order to publish arbitral awards and provisions
anonymously and confidentially, even in absence of the parties' consent” (Preamble,
P 122 1) e prevêem, por exemplo, que os nomes dos árbitros e o seu mecanismo de
P 123 nomeação devem ser divulgados, bem como o tipo, natureza, objeto e o
contexto jurídico-económico do litígio (sem prejuízo de, caso alguns elementos,
particularmente económicos e financeiros, resultem na identificação do caso
concreto, deverem ser usados progressivamente termos genéricos até que o caso a
que a decisão se refere se torne irreconhecível).
(vii) As decisões das próprias câmaras devem ser objeto de tratamento e publicação,
ainda que tal publicação não deva ser contemporânea de arbitragem em curso e
não tenha de ter ligação a cada caso em concreto. Neste domínio, uma boa prática
é aquela que é seguida pelo ISCC (Estocolmo). Neste âmbito, a análise e tratamento
das decisões arbitrais, incluindo as decisões das câmaras, pode beneficiar de
protocolos com instituições universitárias.
(viii) A qualidade da publicação da jurisprudência arbitral deve implicar a identificação
do máximo de elementos possível (no quadro da confidencialidade exigível), de
modo a permitir a compreensão do litígio e da decisão arbitral em causa.
Elementos essenciais são o lugar da arbitragem, a lei aplicável, a cláusula arbitral
(sem referência ao local, data e assinaturas), a nacionalidade das partes e a
fatualidade relevante. Colhendo inspiração na Associação Portuguesa de
Arbitragem (APA), que solicitou aos escritórios de advogados portugueses que
disponibilizassem jurisprudência arbitral para divulgação no website da APA,
obtendo dos clientes a devida autorização, constitui boa prática uma política ativa
por parte das câmaras de pedir às partes o levantamento da confidencialidade.
Publicação dos árbitros envolvidos e suas nacionalidades, podendo esta matéria, para
além do assentimento das partes, ser sujeita a autorização dos próprios árbitros, com
fundamento atendível.
Por último, as instituições arbitrais devem investir na divulgação da jurisprudência
arbitral, considerando essa divulgação uma prioridade estratégica da arbitragem
institucionalizada. Os casos da CCI e do ISCC são casos inspiradores: publicações próprias
de enorme prestígio, divulgação em publicações de referência no plano internacional, um
“website” com muita informação e muito bem cuidado, uso de diversas línguas.
Para um país com o desígnio de internacionalização das suas câmaras de arbitragem,
como é o caso do Brasil, não seria de desconsiderar a hipótese de celebração de
protocolos de cooperação entre as suas principais câmaras, com vista ao tratamento e
divulgação da jurisprudência arbitral, assim reforçando o prestígio e atratividade da
arbitragem institucionalizada brasileira no plano internacional. Retirando inspiração das
“Swiss Rules”, pelo seu elemento nacional agregador e identificador, poderia ponderar-se

8
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a publicação da “Brasilien Arbitral Jurisprudence”.
P 123

References
1) O presente artigo corresponde ao estudo realizado para a palestra que efetuei no
Seminário Internacional de Arbitragem – Internacionalização da Câmara de
Conciliação, Mediação e Arbitragem CIESP/FIESP, que teve lugar em S. Paulo, em 27 de
Maio de 2013. A investigação essencial à elaboração do artigo teve a colaboração da
minha colega de Escritório Joana Freire Almeida.
2) “The responses indicate that confidentiality is important to users of arbitration, but it
is not the essential reason for recourse to arbitration. 62% of respondents said
confidentiality is “very important” – “ 2010 International Arbitration Survey: Choices in
International Arbitration”, efectuado pela School of International Arbitration/ Queen
Mary University of London, patrocinado pela White & Case, p. 29. Por outro lado, nos
termos do “2013 Arbitration Review – Corporate Choices in International Arbitration,
Industry Perspectives”, também elaborado pela School of International Arbitration da
Queen Mary / University of London e patrocinado pela PWC, a confidencialidade foi
considerada por 21% das empresas inquiridas como o principal benefício da
arbitragem e por 16% como o segundo benefício.
3) Ana Prata, Dicionário Jurídico, 4. ed., p. 698.
4) Metodologia da Ciência do Direito, 3. ed., p. 519.
5) Emmanuel Gaillard, in “Aspects philosophiques du droit de l'arbitrage international”
(p.40), salienta que a juridicidade da arbitragem repousa não sobre uma ordem
jurídica estadual, seja ela a do lugar da arbitragem ou a do lugar da execução, mas
sobre uma ordem jurídica terceira, a “ordem jurídica arbitral”. Ver também Nuno
Andrade Pissarra, “Recensão a Emmanuel Gaillard, Aspects philosophiques du droit de
l'arbitrage international “. Separata da Revista Internacional de Arbitragem e
Conciliação, n° 2 – 2009, p. 280. Por outro lado, já em 1991, Mathieu de Boisséson
defendeu a tese de que o foro do árbitro é diferente do foro do juiz: “Le siège n'est
plus un for. Le for s'est dématérializé. Il s'est, en quelque sorte, déplacé d'un espace
materiel, à savoir un territoire, vers un espace symbolique, celui du consentement des
parties” – Reflexions sur l'espace et de temp dans l'arbitrage international, in Melanges
Pierre Ballet, Litec, 1991, p. 33. Também interessantes nesta matéria são as modernas
reflexões sobre a cyber-arbitragem (vide Thomas Clay, Le Siége de l'arbitrage
international entre “Ordem” et “Progresso”, in Les Cahiers de l'Arbitrage, sus la direction
de Alexis Mourre, vol. V, 2011, p. 25, §15).
6) Op. cit. p. 588 e 589.
7) “A confidencialidade dos procedimentos, no entanto, impede em grande medida a
publicidade das decisões arbitrais, mantendo por detrás dos panos um sem número
de julgados interessantíssimos, e que poderiam até mesmo influenciar o próprio
desenvolvimento da doutrina e da jurisprudência estatal sobre os temas jurídicos
tratados. O prejuízo técnico-científico para o direito é grande.” – Rodrigo Garcia da
Fonseca e André Luizi Correia, “A Confidencialidade na Arbitragem – Fundamentos e
Limites”, in Arbitragem – Temas Contemporâneos, coordenação de Selma Ferreira
Lemes e Inez Balbino, p. 425.
8) Um dos aspectos relevantes para a confidencialidade das sentenças arbitrais pode
ser, na perspectiva da “common law”, a não criação de “precedentes”: “While arbitral
awards do not generally have to be followed by other tribunals and are therefore not
“precedents” (which court decisions are), these may act as an advantage, allowing a
bank to avoid an unhelpful precedent which could otherwise attract adverse publicity
and result in “copycat” claims” – Arbitration for financial institutions: the latest trends,
Deborah Ruff e Julia Belcher, Thomson Reuter, Nov. 2012.
9) “Finantial institutions whose counterparties include emerging market players are
certainly not the only ones who see advantages in using international arbitration as a
dispute resolution mechanism. One of the often cited reasons for doing so is
confidentiality. Court proceedings are generally public, whereas arbitral proceedings
and awards are generally confidential […]. Financial institutions seeking to protect the
identity of their high net worth clients, or the know-how relating to structuring their
transactions or financial products may prefer to use arbitration” – Arbitration for
financial institutions: the latest trends, Deborah Ruff e Julia Belcher, Thomson Reuter,
Nov. 2012.
10) A relação e interação entre lex mercatoria e jurisprudência arbitral foi referida, por
exemplo, por Luiz Olavo Batista, para quem a lex mercatoria é “um conjunto de normas
de conduta e estrutura, composta pelos princípios gerais do Direito em matéria
obrigacional, usos e costumes, cláusulas e contratos comuns no comércio
internacional e a interpretação que lhes é dada pela jurisprudência arbitral” (sublinhado
nosso). Também mencionando a jurisprudência arbitral como fonte da lex mercatoria,
ver Thais Cíntia Carnio, Contratos Internacionais: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2009,
p. 155-156.
11) “IBA Guidelines for Drafting International Arbitration Clauses”, adotadas por resolução
do Conselho da IBA, em 7 de Outubro de 2010.

9
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12) “Efectivamente, se analisarmos as legislações em direito comparado, observaremos
que raros são os sistemas jurídicos que tratam da questão (confidencialidade)” – João
Bosco Lee, O princípio da confidencialidade na arbitragem comercial internacional, in
Estudos de Arbitragem, Curitiba: Juruá, 2009, p. 289.
13) Sobre este caso, vide Jan Paulsson, The decision of the High Court of Australia in
Esso/BHP v. Plowman, Arbitration International, Kluwer Law International 1995, vol. 11,
issue 3, p. 231-234.
14) Zivilprozessordnung (ZPO) 10° livro, Secções 1025 a 1066.
15) Arbitration Act 1999.
16) Federal Arbitration Act e Uniform Arbitration Act.
17) Arbitration Act 1996.
18) Ver Dolling-Baker v. Merrett [1991] 2 All ER 890 ou Ali Shipping Corporation v Shipyard
Trogir [1998] 1 WLR 314.
19) “Quer-se do árbitro discrição, já que entre as vantagens da solução arbitral está o
sigilo, que permite às partes a escolha de um foro reservado para tratar das suas
disputas. É natural que o árbitro deva comportar-se de conformidade com o ambiente
discreto em que atua, furtando-se a comentar atos praticados durante o processo
arbitral […]. É preciso, de qualquer forma, lembrar que a arbitragem no Brasil não é
obrigatoriamente sigilosa. Os regulamentos arbitrais é que tendem a determinar que o
procedimento seja recoberto pelo segredo” – Carlos Alberto Carmona, Arbitragem e
Processo – Um Comentário à Lei n° 9.307/96, 3. ed., p. 246. Neste sentido, Selma
Ferreira Lemes, Arbitragem na concessão de serviços públicos. Arbitrabilidade objetiva.
Confidencialidade ou publicidade processual? Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Económico e Financeiro, p. 134-161.
20) Lei n° 60/2003, de 23 de Dezembro.
21) Lei n° 63/2011, de 14 de Dezembro.
22) Art° 30/6.
23) As empresas utilizadoras da arbitragem internacional não têm uma noção clara sobre
este tema. Segundo o citado estudo “2010 – International Arbitration Survey: Choices in
International Arbitration”, 50% das empresas entende, erradamente, que a arbitragem
é sempre confidencial mesmo que não haja cláusula específica nesse sentido no
regulamento arbitral escolhido ou na convenção de arbitragem. Apenas 30% das
empresas mostra ter noção correta da realidade (vide p. 29).
24) Stefano Azzali, in Confidentiality vs. Transparency in Commercial Arbitration: A false
contradiction to overcome, December 28, 2012, sublinha ser relevante notar que
privacidade e confidencialidade – importantes e interrelacionados aspectos da
arbitragem internacional – são conceitos diferentes. Enquanto a privacidade do
procedimento impede que terceiros (strangers) participem no mesmo, a
confidencialidade refere-se à obrigação de não divulgação de informação relacionada
com o conteúdo da arbitragem. No mesmo sentido, Alexis C. Brown, Presumption Meets
Reality: An Exploration of the Confidentiality obligation in International Commercial
Arbitration, 16 AM. U.L. Rev. (2001), p. 972, nota 6.
25) Interessante análise pode ser encontrada em Rafael Villar Gagliardi, Confidencialidade
na Arbitragem Comercial Internacional, Revista de Arbitragem e Mediação, 2013, RArb
36, p. 107-113.
26) O Regulamento da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Fundação Getúlio Vargas
estabelece, no Art° 62°, que “a sentença arbitral e as condições da transacção […]
somente poderão ser divulgadas mediante autorização de todas as partes ou quando
necessário à respetiva execução”.
27) Há longos anos que esta prestigiada publicação tem uma política editorial bem
definida: Note General Editor: It is the long standing policy of the Yearbook to respect
the confidentiality of arbitral awards. Therefore, in many of the excerpts of arbitral
awards published in the Yearbook, all data which might reveal the identity of the parties
is omitted. In certain circumstances, however, the award or the identity of the parties
may become a matter of public record, if, for example, the award has been published in
full elsewhere or has given rise to court proceedings. In such cases, strict confidentiality
is no longer required and the extract in the Yearbook may report the names of the parties
– Yearbook Commercial Arbitration, Vol. XXIII, 1998, p. 11.
28) Esta regra deve ser vista à luz da complexidade específica da CCI. A CCI é a instituição
preferida por 50% das empresas, contra 14% que prefere o LCIA e 8% a AAA/ICDR –
“2010 International Arbitration Survey – Choices in International Arbitration”, p. 23. Por
outro lado, em 2012, a CCI recebeu 759 novas arbitragens, foram aprovadas 491
sentenças, estiveram pendentes 791 arbitragens, as quais envolveram 2.036 partes, de
137 países, e árbitros de 76 nacionalidades diferentes (Global Arbitration Review
Headlines, “ICC and LCIA announce 2012 Results”, 10 May 2013).
29) Conforme Artigos 30.2 e 10,12 e 26.
30) Arbitration International, vol. 27, no. 3, 2011.

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31) O ISCC vem ganhando destaque há longos anos. Já em 1989, no conhecido estudo de
Richard J. Graving, “The International Commercial Arbitration Institutions: How Good A
Job Are They Doing?”, o autor escreve: “Sweden, a place-name almost synonymous with
neutrality, is now – it is fair to say – the preferred third – country venue for arbitration
of East – West commercial disputes” – American University International Law Review,
vol. 4, Issue 2, Article 9, p. 349. O autor actualizou este artigo em 2011, mantendo, 20
anos depois, a mesma apreciação sobre o ISCC.
32) Outras matérias são igualmente tratadas e estão acessíveis, tais como “Manifest Lack
of Jurisdiction? A Selection of Decisions of the Arbitration Institute of the Stockholm
Chamber of Commerce concerning the Prima Facie Existence of an Arbitration
Agreement”, por David Ramsjö e Siri Strömberg, ambos antigos colaboradores do ISCC;
“SCC Practice: Separate Awards for Advance on Costs, 1 January 2007-31 December 2011”,
de Gretta Walters, consultora jurídica do ISCC; “SCC Practice: Emergency Arbitrator,
Decisions rendered 2010”, de Johan Lundstedt, consultora jurídica do ISCC e “Fast Track
Arbitration – The SCC Experience”, de Annette Magnusson membro do Secretariado-
Geral do ISCC.
33) Estas decisões estão compiladas nos seguintes documentos: Swedish and
International Arbitration: Yearbook of the Arbitration Institute of the Stockholm
Chamber of Commerce (continuado pelo Stockholm Arbitration Report); Stockholm
Arbitration Report (continuado pelo Stockholm International Arbitration Review);
Stockholm International Arbitration Review; International Arbitration Court Decisions e
Kluwer Arbitration Database.
34) Mark E. Appel, Taking your case to the Internacional Centre for Dispute Resolution.
35) Exemplo importante é o citado documento de Mark E. Appel, “Taking your case to the
Internacional Centre for Dispute Resolution”. Outros documentos relevantes são o
Resource Guide for International Conflict e as Diretrizes do CIRD para os Árbitros
Relativas ao Intercâmbio de Informações.
36) Sobre o alcance objectivo da confidencialidade, isto é, sobre o que pode ser divulgado,
Rafael Villar Gagliardi, op. cit. p. 125-127.

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