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A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NOS MOVIMENTOS SOCIAIS

BRASILEIROS NAS DÉCADAS DE 1970 E 1980: A LUTA PELA


REDEMOCRATIZAÇÃO 1

Edson Bellozo 2
Maria José de Rezende 3
Departamento de Ciências Sociais
Universidade Estadual de Londrina

O direito ao voto e a busca pela cidadania

Durante boa parte da história brasileira, o país esteve sujeito à regimes ditatoriais
ou governado por oligarquias cuja marca mais significativa é a completa ausência das
camadas populares das tomadas de decisão. Mesmo em períodos em que vigorou
oficialmente um regime democrático, sempre existiram entraves quanto à participação
política dos segmentos mais pobres da população, como a restrição por renda ou por
alfabetização, em que pese o fato de ser o Brasil um país de grandes desigualdades sociais
e de uma percentual ainda muito elevado de analfabetos. No caso do direito de voto aos
analfabetos, este só foi adquirido em 1985, o que significa que uma grande parcela da
população este ausente das tomadas de decisões por longo período. À esta parcela de
excluídos dos direitos políticos e consequentemente sociais, junta-se também as mulheres,
que embora tendo adquirido o direito a votar e a ser votada em 1932, não obtém de igual
modo uma cidadania plena, pois restam nos costumes sociais, na cultura patriarcal e até
mesmo na lei, empecilhos que a relegam sempre a uma condição de segundo plano quanto
à participação na vida pública ou ao próprio usufruto de alguns direitos essenciais, como o
exercício da profissão, ou a liberdade de ir e vir sem o crivo do marido ou de qualquer ente
masculino que por ventura estivesse submetida.

1
Este texto é parte da dissertação de Mestrado em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina,
que aborda as ações políticas da parlamentares brasileiras nas décadas de 1990 e 2000.
2
Aluno do programa de mestrado do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de
Londrina e professor de Antropologia Social da UCP, Faculdades do Centro do Paraná.
3
Docente do Departamento de Ciências Sociais - Universidade Estadual de Londrina
O Código eleitoral de 1932, que torna a mulher eleitora e elegível não proporciona
grandes alterações na condição feminina, uma vez que o curto período de governo
constitucional logo é substituído pelo governo ditatorial iniciado com o Estado Novo. A
partir de meados da década de 1940, as mulheres operárias e profissionais liberais terão
importante participação na luta pela redemocratização, mas que a partir da abertura, esta
participação vai perdendo força, só tornando-se evidente novamente no período de governo
militar, três décadas depois.

A abertura política alcançada na década de oitenta, depois de vinte e um anos de


regime militar, traz à tona a luta por uma maior presença das mulheres nas esferas formais
do poder, uma vez que têm importante participação nas lutas pelo retorno da democracia, o
que ocorre em 1985. Inúmeras medidas no sentido de garantir os direitos das mulheres são
defendidas tanto no âmbito da sociedade civil quanto no âmbito da classe política. Muitas
propostas foram formuladas e discutidas no seio dos movimentos de mulheres, de mães, de
defesa dos consumidores. A inserção política, portanto, deu novo ânimo aos movimentos
sociais capitaneados por mulheres, já que havia a expectativa de que uma gama maior de
direitos fossem incorporados no âmbito da política formal.

A participação das mulheres nos movimentos sociais

Um outro pressuposto da busca pela ampliação da participação das mulheres


enquanto representantes políticas, seja por meios próprios ou mediante as ações
afirmativas, é fazer, através da ação parlamentar destas mulheres eleitas, um espaço para a
discussão e a ampliação da participação de um número maior mulheres na esfera da
política formal, sem falar, é claro, das outras formas de atuação que visam, de outras
maneiras, a defender também as questões referentes às relações sociais de gênero, até
porque diz respeito à problemática inerente à condição de mulher, independentemente,
neste sentido, de outros crivos sociais. No período Constitucional, quando foi possível a
união de mulheres de diversos partidos para a discussão de medidas de defesa dos seus
direitos. Elas pleiteavam que fossem observadas desigualdades das quais a mulher sempre
foi vítima ao longo da história, podendo ser contempladas a partir deste momento, algumas
mudanças legais que vieram a alterar práticas sedimentadas na sociedade brasileira.

É importante lembrar que o marco de arrancada de boa parte dos movimentos de


mulheres no Brasil, é o ano de 1975, escolhido pela ONU como o ano internacional da
mulher, que culmina no país com grandes movimentações e organização da sociedade, em
principio nas lutas contra a carestia, as reivindicações por creches, pela redemocratização e
pela libertação de familiares presos pelo Regime Militar, como já foi abordado no trabalho
(ALVAREZ, 1988, p. 325).

Além de campo de reivindicação, a participação das mulheres nos movimentos


sociais significa para a maioria delas o rompimento com o confinamento na esfera privada,
ou seja, a partir de sua inserção nestes movimentos, estas mulheres rompem os limites de
sua vida cotidiana, restrita ao lar, e passa a discutir nestes espaços, não somente os
problemas relacionados ao custo de vida, escola, habitação, temas que foram a alavanca
para a mobilização, mas entram em discussão também, as questões referentes ao gênero, a
separação público privado a que estas mulheres estavam destinadas. A própria violência
doméstica da qual muitas eram submetidas (SOUZA-LOBO, 1991) passou a ser
amplamente discutida.

É inegável a importância que as mulheres tiveram no processo de transição do


regime militar para a constituição democrática no Brasil (ALVAREZ, 1988), cuja abertura
política possibilitou também a ampliação de um espaço de reivindicações de maiores
demandas sociais ou específicas de gênero. Todavia, a presença das mulheres em torno
destes movimentos sociais não está relacionada somente às questões de gênero. “[...] as
mulheres estão presentes também nas ocupações de terrenos urbanos, nos movimentos de
saúde ou pela melhoria dos transportes, nas comunidades de base” (SOUZA-LOBO, 1991).

As questões de gênero que passam a ser discutidas a partir destes movimentos


abordam justamente esta hierarquização no espaço doméstico, vindo à tona problemas que
estiveram por longo período confinados em âmbito privado, como a violência doméstica,
que alguns relatos revelam não serem tais problemas encarados como um problema social
(VERUCCI, 1986), ou sequer um problema. Além da violência doméstica, outros
problemas são abordados, não somente no âmbito das problematizações de gênero, mas em
todas as esferas que venham a afetar a condição de mulher, como saúde, legislação
trabalhista, o direito a creches, a questão do aborto, vista por muito tempo como uma
questão problemática e geradora de discórdia até mesmo no seio dos movimentos de
mulheres e dos movimentos feministas.

O processo de redemocratização, mesmo sendo levado de forma lenta, possibilitou


a politização e o engajamento de uma parcela significativa da população, assim como
possibilitou também trazer para a esfera pública, assim como se verá adiante, questões que
sempre estiveram restritas ao âmbito privado, embora nem sempre os estudos sobre a
questão dêem o merecido valor à participação da mulher nestes movimentos (SOUZA-
LOBO, 1991).

A busca pela participação na política formal, a partir destes movimentos, reitera a


necessidade de ocupação do Estado. Isto se dá diferentemente da abordagem de segmentos
do feminismo em outras partes da América Latina e em países desenvolvidos que viam
nestas instituições um foro de representação dos interesses masculinos somente (LAMAS,
2000). Segundo Alvarez (1988), o Estado é autônomo com relação aos interesses
masculinos, portanto, a partir de uma maior participação política das mulheres, as ações
políticas oriundas desta participação podem refletir em ações no âmbito estatal voltadas
para as demandas das mulheres que tentam resolver problemas comuns às suas condições.
As desigualdades de gênero passam assim, a ser abordadas em várias políticas públicas a
partir da atuação destes movimentos sociais.

É neste sentido que, ainda segundo a autora, as pressões dos movimentos sociais
terão fundamental importância no sentido de buscar medidas adequadas às demandas
sociais, além do fato da valorização mediante a participação nestas formas de organização,
da política formal. No caso específico do Brasil, é a partir das mobilizações populares que
se inicia o engajamento político partidário, uma via que leva à busca da representação
formal, com grande ênfase nas eleições de 1982.

Se, até então, os partidos de oposição, com exceção do MDB – que a partir da
volta do pluripartidarismo passa a se chamar de PMDB - estavam proibidos, a exemplo do
que ocorria também com os sindicatos (BLAY, 1999), coube aos movimentos sociais a luta
política pela redemocratização, cuja marca significativa é uma forte adesão das mulheres
que fazem parte destes movimentos aos partidos de esquerda para o pleito de 1982. Este
pleito, aliás, é bastante emblemático para a oposição ao regime ditatorial, pois tem nas
urnas, a consolidação de uma maioria esmagadora dos votos em todo o país, ao passo que
tem também nas candidaturas das mulheres um marco importante, pois houve uma série de
candidatas foram eleitas com propostas bastante ousadas e desafiadoras para a época.

A expectativa que se tinha no entanto, é que passado o período de transição à


democracia a participação política das mulheres, a exemplo que foi dado pelo seu
engajamento nos Movimentos Sociais, pudesse continuar crescente, fato que acaba não
ocorrendo, pois a participação das mulheres na esfera política raríssimas vezes ultrapassa a
casa dos 10 por cento do total de eleitos.

De fato, como aborda a autora (ALVAREZ, 1988), a grande presença das


mulheres nos grandes movimentos sociais não apontou para uma presença análoga na
busca pela participação na política formal, o que, segundo muitas estudiosas da questão,
inclusive a própria autora aqui citada, acontece em virtude das desigualdades de gênero
que estão implícitas nas organizações políticas e institucionais no Brasil.

Tivemos uma mudança de regime, ou seja, o país se democratizou depois de 21


anos de ditadura militar, porém, os nomes que estão fazendo a política no regime
democrático são algumas vezes os mesmos que estiveram em ambos os lados durante o
período de regime militar, inclusive o primeiro presidente civil, eleito pelo colégio eleitoral
como vice, que exerceu durante muito tempo um mandato de Deputado e de Senador, além
de presidir o partido que era a base de apoio do regime ditatorial.

Isto significa que, as alterações oriundas da abertura política não têm de fato um
caráter tão profundo nas mudanças que eram esperadas, embora não podemos também
desprezar alguns avanços que, sem dúvida, são oriundos da redemocratização e
principalmente da grande mobilização da sociedade ocorridas neste período.

Considerações finais

A participação das mulheres nos movimentos sociais teve um papel fundamental


não somente para as próprias mulheres, que têm a oportunidade de publicizar os problemas
contidos hermeticamente até aquele momento no espaço privado. Tem o mérito de também
agrupar a sociedade civil mediante tanto as questões mais específicas como o custo de
vida, os movimentos por Creches ou outros, e também diante de questões mais abrangentes
para toda a sociedade que se encontrava descontente com o regime ditatorial, que
culminará com a redemocratização, embora este processo seja também decorrência de
outros fatores, como o próprio esgotamento do sistema político e econômico aqui
implantado pelo governo dos militares.

Este papel exercido pelas mulheres durante os anos de repressão, também teve o
mérito, como já foi abordado, de proporcionar a discussão e um grande número de ações
positivas com relação aos problemas inerentes à mulher, além de ter se tornado um eficaz
canal de reivindicação e de luta que agruparam diversos segmentos sociais, a princípio em
torno de objetivos comuns, ou seja, a redemocratização do país e o restabelecimento do
Estado de Direito, pondo fim à ditadura. Mais à frente, como se observa, o movimento de
mulheres e o movimento feminista tomam caminhos diferentes. Um continua abordando as
questões políticas, a luta da sociedade contra o regime ditatorial, ao passo que o
movimento designado de feminista, a despeito da alcunha que lhe fora imposta de
alienadas dos problemas maiores pelo qual passava o país, concentra seus esforços e
direciona sua luta para as questões referentes a subordinação social das mulheres que tem
sua origem desde o espaço doméstico.

Referências

ALVAREZ, Sonia A. Politizando as relações de gênero e engendrando a democracia. In:


STEFAN, Alfred (Org.). Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
p.315-380.

ALVAREZ, Sonia E.; DAGNINO, Evelina; ESCOBAR, Arturo (Org.). Cultura e política
nos movimentos sociais latino-americanos (novas leituras). Belo Horizonte: UFMG,
2001.

ARAÚJO, Angela M. Carneiro; FERREIRA, Verônica Clemente. Construindo um espaço:


a participação das mulheres no movimento sindical (1978-1988). Revista de Sociologia e
Política, Curitiba, n.10/11, p.55-81, 1998.

ARAÚJO, Rita de Cássia Barbosa de. O voto de saias: a Constituinte de 1934 e a


participação das mulheres na política. Estudos Avançados, São Paulo, v. 17, n. 49, p. 133-
150, set/dez. 2003.

BLAY, Eva Alterman. Gêneros e políticas públicas ou sociedade civil, gênero e relações
de poder. In: SILVA, Alcione Leite da; LAGO, Mara Coelho de Souza; RAMOS, Tânia
Regina Oliveira (Orgs.). Falas de gênero: teorias, análises, leituras. Florianópolis: Ed.
Mulheres, 1999. p. 133-146.

LAMAS, Marta. La radicalización democrática feminista. In: ARDITI, Benjamín (Ed.). El


reverso de la diferencia: identidad y política. Caracas: Nueva Sociedad, 2000. p.81-97.
SOUZA-LOBO, Elizabeth. O gênero da representação: movimento de mulheres e
representação política no Brasil (1980-1990). Revista Brasileira de Ciências Sociais, São
Paulo, n. 17, out. 1991.

VERUCCI, Florisa. Mulher e família na nova Constituição brasileira. In: TABAK, Fanny;
VERUCCI, Florisa. A difícil igualdade: os direitos da mulher como direitos humanos.
Rio de Janeiro: Relume, 1994. p. 55-76.

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