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Exame Final Nacional do Ensino Secundário

Prova Escrita de Português


12.o Ano de Escolaridade
Prova 639/2.a fase
Versões 1 e 2

GRUPO I

1. Nesta intervenção de Matilde, percebemos a sua consciência quanto à sociedade e à política do seu tempo, daí
que surjam as inequívocas críticas. Vejamo-las em particular.
Primeiro, a noção de que os membros da Junta de Regência são autocráticos e possuem o poder de liberta-
rem quem bem entenderem: «Venho pedir-lhe que o liberte. É-me indiferente que o faça por favor, por clemência
ou por qualquer outro motivo» (linhas 22 e 23).
Segundo, a caracterização dos males políticos, tais como «a injustiça e a tirania» (linha 25), com suas diretas
repercussões no Povo e nos homens (não nas mulheres, sempre de importância subalterna) retos e corajosos, pois
que «só as sente quem anda na rua, quem é homem ou quer ser homem» (linhas 25 e 26).
Terceiro, as linhas 28 a 30 retomam o dito e acrescentam exemplos. Assim, Matilde recupera a ideia de tirania
(«que o rei seja tirano», linha 28) e mostra que tal influi nas políticas erradas e na consequente miserabilidade do
Povo «e o país miserável e mal governado» (linhas 28 e 29).
Seguem-se, portanto, os referidos exemplos de tal modo de governar e de tratar os seres humanos:
– «cadeias estejam cheias» (linha 30), o que deixa entrever aprisionamentos devido a motivos discutíveis e a
entidades judiciais corruptas;
– «exército por pagar» (linhas 30 e 31), que abre espaço a interpretações sobre desvios ilícitos e manuseamento
obscuro de dinheiro público;
– «o povo a morrer de fome» (linha 31), que caracteriza o inevitável efeito social catastrófico, isto é, a pobreza
extrema do Povo português, quer enquanto classe, quer enquanto conjunto de indivíduos paupérrimos.

2. O olhar de Matilde move-se pelo amor de mulher que sempre viveu feliz ao lado de Gomes Freire, ao passo que o
olhar de Beresford é orientado por motivações políticas e económicas que lhe distorcem a visão do general. Eis o
contraste evidente. Consideremos, doravante, os traços caracterizadores do general, segundo cada um destes
olhares.
Matilde começa por se identificar como mulher do general (e, inclusivamente, compara a sua relação com
aquela que, em princípio, o marechal terá com a sua esposa), como podemos ler em «Sou a mulher do general
Gomes Freire d’Andrade» (linha 2), insistindo na referência a ele como «o meu homem» (linha 15). A partir daqui,
quatro são os traços que, segundo ela, o definem melhor. A saber:
– a sua coragem, destreza e bravura, pois defende as suas causas independentemente dos apoios que tenha:
«o meu homem nunca quis saber quantos soldados tinha atrás de si» (linhas 15 e 16); essa coragem manifesta-
-se, por exemplo, no «olhar de frente» para todas as pessoas, indefesas ou poderosas, «olha para vós de frente,
e sorri» (linha 75);
– a sua fidelidade ao amor pela mulher que ama «e, se alguma vez olhou para trás, foi apenas para me ver»
(linhas 16 e 17);
– a sua honra e virilidade, pois que «quem é homem» (linha 26), como Gomes Freire é, também é vítima da
«injustiça e da tirania» (linha 25), ideia que é corroborada pelo conteúdo da didascália que descreve Matilde
como «Envergonhada» (linha 45) por invocar motivos carinhosos / amorosos para defender o seu homem;
– a sua inocência, aliada à justeza moral, à verdade e à superioridade dos seus comportamentos sempre fiéis a
estes traços: «Porque sabe que ele não cometeu qualquer crime» (linha 55) ou ainda «Porque dizem a verdade?
Porque veem para além da cortina da hipocrisia» (linhas 61 e 62) ou «não confundem a vontade de Deus com
a vontade do rei» (linhas 70 e 71).
Quanto a Beresford, a sua perspetivação é claramente visível a partir do momento em que diz «A simples exis-
tência de certos homens é já um crime» (linha 57). Por conseguinte, considera o general perigoso e «incómodo»,
como se pode ler em «Porque…são incómodos, minha senhora!» (linha 67).
Mais: acusa-o de não defender «certos interesses» típicos da sua condição militar, social e política «Ou que,
devendo, por nascimento, posição, defender certos interesses, defende outros…» (linhas 78 e 79).

© Texto
E termina, referindo o necessário julgamento e subsequente ato de justiça perante tal «incómodo»: «Julgá-lo e
fazer justiça» (linha 86).

3. O desespero final de Matilde é a confirmação da existência de dois momentos deste seu diálogo com o Mare-
chal Beresford.
Num primeiro momento, Freire é considerado «criminoso» por Beresford, quando este diz, precisamente na
linha 57, «A simples existência de certos homens é já um crime». Por isso mesmo é que Matilde se empenha em
defender Gomes Freire com os argumentos explanados anteriormente, uma vez que esta mulher pensava que
conseguia demover o marechal e ver Freire novamente livre.
Porém, surge o segundo momento, que é aquele que é encetado com a afirmação do inglês «Julgá-lo… e fazer
justiça!» (linha 86). Tal afirmação despoleta em Matilde a consciência e o medo de que o seu companheiro seja jul-
gado e condenado à morte (decisão, de resto, já absolutamente tomada), como podemos verificar na sua interven-
ção final: «Querem matá-lo! diga-me, Sr. Marechal, por amor de Deus diga-me: querem matá-lo?» (linhas 89 e 90).

4. De facto, a personalidade de Manuel é inferível não só a partir da caracterização que dele faz a sua mulher, Mada-
lena, mas também a partir das decisões que ele mesmo toma.
Quanto a Madalena, esta releva duas grandes características: por um lado, o seu valor e, por outro, a sua inteli-
gência e conhecimentos, que são razões suficientes para ser tão invejado por «esses poderosos» (linha 3). Eis as
evidências textuais: «pelo mais que tu vales que eles, pelo teu saber – que esses grandes fingem que desprezam
(…) têm é inveja» (linhas 3 e 4).
Quanto ao próprio Manuel, mostra ser calmo em situações de tensão («Não te inquietes, Madalena»), demons-
tra grande capacidade de discernimento na tomada de decisões e ações rápidas, bem como firme determinação
e pragmatismo: «Por isso é preciso já» (linhas 11 e 12).

5. Este excerto confirma traços típicos das personalidades de Madalena e Manuel.


Madalena está receosa, teme vingança e represálias por parte dos governadores e tenta, a todo o custo, dissua-
dir Manuel do seu propósito de abandonar a casa, rogando-lhe, inclusivamente, pelo amor dos dois: «Meu adora-
do esposo, não te deites a perder, não te arrebates (…) O que fará, se lhes deres pretexto para se vingarem da
afronta» (linhas 2 a 5).
Manuel ignora tais rogos da esposa e de Frei Jorge, acalmando-a e vai em frente com a sua intenção de enfren-
tar os inimigos, defendendo os seus valores patrióticos: «e nós forçosamente havemos de sair antes de eles entra-
rem. Por isso é preciso já» (linhas 11 e 12) ou ainda «Para a única parte para onde podemos ir: a casa não é
minha…mas é tua, Madalena» (linha 16).

GRUPO II

1.
Item Versão 1 Versão 2
1.1 (B) (C)
1.2 (B) (D)
1.3 (D) (C)
1.4 (C) (A)
1.5 (D) (B)
1.6 (A) (B)
1.7 (C) (A)

Justificação:

1.1 «às suas propostas relativamente à extinção da Inquisição»: de acordo com o texto, Vieira não defendeu a
extinção da Inquisição, antes «propôs uma reforma séria dos estilos» (linhas 15 e 16).
1.2 «defendeu ideais incompreendidos no tempo em que viveu»: na medida em que muitos dos valores que este
padre jesuíta defendeu integram e dão forma aos direitos dos cidadãos, que seriam tornados institucionais /
legais no nosso tempo (como, aliás, se confirma pelo conteúdo das linhas 19 e 20).

© Texto
1.3 «além disso»: esta sequência assume um valor discursivo (e argumentativo) equivalente a «Por outro lado»
(linha 19), uma vez que acrescenta informação específica relativamente ao conteúdo do que vem sendo escrito
imediatamente antes, ou seja, a luta de Padre António Vieira pela construção de uma mentalidade e de uma
sociedade melhores. Por outras palavras, se antes Vieira apresenta as práticas a mudar no comportamento e na
atuação do Santo Ofício, a partir da sequência em análise, o padre é referido como alguém que lutava pelo
que, mais tarde, havia de denominar-se «Direitos Humanos».
1.4 «exemplificação»: a justificação para esta resposta é clarividente, pois que, no quarto parágrafo, se apresentam
exemplos que dão vida à «emergência de uma consciência moderna» (linhas 19 e 20). A saber: «criticou as con-
dições opressivas do trabalho escravo» (linha 21), «defendeu a humanização do trabalho de índios e de negros
escravizados» (linhas 22 e 23) e também a «salvaguarda da dignidade de todos os escravos» (linhas 23 e 24).
1.5 «composição e derivação»: a palavra «cristãos-novos» (linha 12) é o resultado do processo morfossintático de
junção de um nome e um adjetivo (hifenizados); a palavra «confisco» (linha 17) assume-se exemplo de deriva-
ção não-afixal (a partir da forma verbal «confiscar»).
1.6 «aparecimento» assume sentido equivalente à palavra «emergência» (linha 19), neste contexto discursivo,
podendo por ela ser parafraseada.
1.7 «pronomes em ambos os contextos»: estas duas palavras são pronomes relativos que introduzem as respetivas
orações subordinadas adjetivas relativas. No primeiro caso, o pronome «que» tem como antecedente «estrutu-
ras de corrupção»; no segundo caso, o antecedente do pronome «que» é «cancro».

2.
2.1 O pronome «aquilo» (linha 7) consubstancia uma catáfora relativamente à expressão «uma “cidadania do futu-
ro”». Tal justifica-se pelo facto de o pronome surgir, à superfície textual, antes do grupo nominal que está a
substituir e ao qual obviamente se refere.
2.2 A oração «se bem que apreciadas por alguns» (linha 25) assume-se subordinada adverbial concessiva, que
podia ser parafraseável por «embora apreciadas por alguns» ou «ainda que apreciadas por alguns».
2.3 Na sequência «pode inspirar-nos em cada tempo» (linhas 29 e 30), o pronome pessoal «-nos» desempenha a
função sintática de complemento direto.

GRUPO III

Exemplo de texto (290 palavras)

Na vida de todos nós, Seres Humanos, muitos são os caminhos que se vão abrindo e que nos levam à pergunta
«O que fazer agora?». A consequente opção por um caminho é motivada por uma das duas atitudes referidas:
«o conformismo» ou «a coragem de assumir riscos». Uma e outra suscetíveis de darem bons e maus frutos e serem
experimentadas alternadamente. Vejamos como.
Por um lado, embora «conformar-se» possa ser uma espécie de «deixar-se conduzir pelo mais fácil», por vezes,
não existe outra alternativa.
Tomemos um dos problemas dos casais do século XXI – a infertilidade. Assistimos a casos em que homem e
mulher se submetem a tratamentos médicos, dos quais resultam gastos exorbitantes de dinheiro, desgaste físico e
emocional e resultados infrutíferos. Conformar-se significa aceitar os seus próprios organismos e perspetivar a sua
vida numa ótica diferente. Alguns optam pela adoção, outros optam por investir num encaminhamento de vida
segundo novos objetivos. O conformismo foi a atitude adotada, após anos de tentativas arriscadas.
Por outro lado, «assumir riscos» pode igualmente resultar no que se pretende ou não. Vejamos outro exemplo
do nosso tempo – a emigração de jovens altamente qualificados.
No contexto da intervenção da Troika, os jovens portugueses qualificados colocaram-se a questão que inicialmente
apresentámos, sobretudo após a obtenção dos graus universitários. Assumiram riscos e procuraram emprego
noutros países. Tal coragem umas vezes surte o efeito pretendido e os jovens obtêm sucesso; outras vezes, é uma
tentativa menos boa que os leva a regressarem a Portugal, enveredando por caminhos diferentes.
Que atitude tomar para um futuro honesto e feliz?
Não há percursos perfeitos. A Vida é demanda. Nela há sempre espaço para recomeçar. Torga o afirmou tão
bem: «Em qualquer aventura, / o que importa é partir, não é chegar.»

© Texto

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